A Campanha de Doação de Sangue "Matheus Vive" No Contexto Da Comunicação Entre Gestores Estaduais e Municipais Do Sus Na Região Do Oeste Paulista
A Campanha de Doação de Sangue "Matheus Vive" No Contexto Da Comunicação Entre Gestores Estaduais e Municipais Do Sus Na Região Do Oeste Paulista
A Campanha de Doação de Sangue "Matheus Vive" No Contexto Da Comunicação Entre Gestores Estaduais e Municipais Do Sus Na Região Do Oeste Paulista
Reitor
Prof. Dr. Pasqual Barretti
Vice-Reitora
Profa. Dra. Maysa Furlan
Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Dr. Edson Cocchieri Botelho
Diretor
Profa. Dra. Fernanda Mello Sant’Anna
Vice-Diretor
Prof. Dr. Murilo Gaspardo
Membros
Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa
Prof. Dr. Alexandre Marques Mendes
Profa. Dra. Analúcia Bueno Reis Giometti
Profa. Dra. Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira
Profa. Dra. Elisabete Maniglia
Prof. Dr. Genaro Alvarenga Fonseca
Profa. Dra. Helen Barbosa Raiz
Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva
Prof. Dr. José Duarte Neto
Profa. Dra. Josiani Julião Alves de Oliveira
Prof. Dr. Luis Alexandre Fuccille
Profa. Dra. Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina
Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges
Prof. Dr. Ricardo Alexandre Ferreira
Profa. Dra. Rita de Cássia Aparecida Biason
Profa. Dra. Valéria dos Santos Guimarães
Profa. Dra. Vânia de Fátima Martino
ANAIS DE TRABALHOS COMPLETOS
Organizadores
UNESP
Franca/ 2023
© 2023 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Franca
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, CEP 14409-160, Jd. Petráglia / Franca - SP
[email protected]
Comissão Organizadora
Coordenação do V SIPPEDES - 2022 Lucimary B. Pedrosa de Andrade (UNESP) Giulia Malaguti Braghini Marcolini Martires
Prof. Dr. Alexandre Marques Mendes Márcia Nascimento (SIMA) Daiane Cordeiro de Mattos Souza
(PAPP/UNESP) Márcia Pereira Cabral (UEMG) Marcelo Peraro de Sousa
Profa. Dra. Clauciana Schmidt Bueno de Márcio Balbino Cavalcante (UFPB) Clauciana Schmidt Bueno de Moraes
Moraes (PAPP/ UNESP) Maria Madalena Gracioli (UNESP) Alexandre Marques Mendes
Maria Luiza Pires Manfrenato (Orion
Comissão Organizadora Consultoria Ambiental) COMISSÃO CIENTÍFICA (APOIO)
Alexandre Marques Mendes (UNESP) Maria Lúcia Vannuchi (UFU) Wesley Wander Dos Santos Ferrarezi
Clauciana Schmidt Bueno de Moraes (UNESP) Miguel Amado (ULisboa/ Portugal) Flávia Pinheiro da Silva Colombini
Agnaldo de Souza Barbosa (UNESP) Muriel de Oliveira Gavira (UNICAMP) Amanda Lorena Leite
Vania de Fátima Martinho (UNESP) Mylene Cristina Santiago (UFJF) Giovana Alves Jordão
Genaro Alvarenga Fonseca (UNESP) Nalva Araújo Bogo (UNEB) Ariane Rodrigues de Lima Hirosse
Maria Madalena Gracioli (UNESP) Odaleia Telles Marcondes Machado Queiroz Cristiane de Souza Gomes
Stela Luiza de Mattos Ansanelli (UNESP) (ESALQ/USP) Marley de Fátima Morais Borges
Hélio Alexandre da Silva (UNESP) Paulo Gianolla (PDesign) Caroline Carvalho
Tatiana Noronha de Souza (UNESP) Priscila Alvarenga Cardoso Gimenes (UFU) Gabriela Vidotti Ferreira Magalhães
Elísio Estanque (CES - Coimbra/ Portugal) Renata Fantacini (Claretiano) Walmara Baldini
Stela Luiza de Mattos Ansanelli (UNESP) Alana Duarte dos Santos Boaventura
Comitê Científico - V SIPPEDES Tatiana Machiavelli do Carmo Souza (UFCT) Alexandre Marques Mendes
Adriana Maria Nolasco (ESALQ/ USP) Tatiana Noronha de Souza (UNESP) Clauciana Schmidt Bueno de Moraes
Agnaldo de Souza Barbosa (UNESP) Valéria Peres Asnis (UFU)
Alexandre Marques Mendes (UNESP) Vânia de Fátima Martino (UNESP) COMISSÃO CULTURAL
Alexandre Ricardo Machado (FATEC) Weber Antonio Neves do Amaral Elaine Cristina dos Santos Rosa
Amanda Ramalho Vasques (World (ESALQ/USP) Eveline Cristina da Fonseca
Environmental Conservancy - WEC) Willian Leandro Henrique Pinto (UNICAMP) Marley de Fátima Morais Borges
Antônio Marco Ventura Martins (FFCL – Ana Marta de Oliveira Alvares
Ituverava) Comissão Organizadora/ Apoio (Discentes) Rodolfo de Tarso da Silva
Aurora Mariana Garcia de França João Mamedio
Souza (FHO/UNIARARAS) COMISSÃO DE PATROCÍNIO/ PARCERIAS Alexandre Marques Mendes
Carlos Manuel Martins (ADP/ Portugal) Flávia Pinheiro da Silva Colombini Clauciana Schmidt Bueno de Moraes
Célio Bertelli (UNESP) Marcelo Peraro de Sousa
Christiano França da Cunha (UNICAMP) Laís Araújo de Paula Realização
Clauciana Schmidt Bueno de Moraes (UNESP) Wanessa Alves Carvalho Programa de Pós-graduação em
Claudia Vanessa dos Santos Corrêa (UNESP) Ariane Caus Donda Planejamento e Análise de Políticas Públicas
Edson José Vidal da Silva (ESALQ/ USP) Clauciana Schmidt Bueno de Moraes UNESP/ Franca.
Elias Antônio Vieira (UNESP) Alexandre Marques Mendes Departamento de Educação, Ciências Sociais e
Elísio Estanque (CES - Coimbra/ Portugal) Políticas Públicas - UNESP/ Franca.
Emiliano Lobo de Godoi (UFG) COMISSÃO DE COMUNICAÇÃO Faculdade de Ciências Humanas e Sociais –
Fabiana Borges Dias (UNICAMP) Guilherme Bernardo Vitoretti UNESP/Franca.
Fátima Coelho Gonini (FFCL – Ituverava) Elaine Cristina dos Santos Rosa
Fernando Altino Medeiros Rodrigues (UERJ) Larissa Prado Roitberg APOIO
Genaro Alvarenga Fonseca (UNESP) Kelen Careta Machado Laboratório de Políticas
Hilda Maria Gonçalves (UNESP) Jessica Teixeira Ribeiro (LAP/ FCHS/ UNESP/ Franca)
Humberto Catuzzo (UFVJM) Marcela Alves Gennari Mariano Grupo de Pesquisa em Direito e Mudança
José Alencastro de Araújo (UNIMEP) Eliane Cristina Felicio Sociais (DeMus/ FCHS/ UNESP/ Franca).
José Augusto de Oliveira (UNESP) Marília Cynttya Alexandre Silva Hotel Fazenda Areia que Canta -
Lady Virginia Traldi Meneses (CETESB) Elaine Cristina Pereira Brotas/ SP, Brasil.
Lauren Nozomi Marques Yabuki (UNESP) Adolfo Domingos da Silva Junior ACert - Auditoria, Certificação e
Leandro Mello Frota (FIURJ / IDP) Danielle Helena Guilherme Gerenciamento Socioambiental (Laboratório /
Lilian Bulbarelli Parra (UDESC) Lúcio Rangel Alves Ortiz Grupo de Pesquisa - CNPq - UNESP/UFSCar)
ISSN: 2359-0858
CDD – 350
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Andreia Beatriz Pereira – CRB8/8773
5
APRESENTAÇÃO
O V SIPPEDES 2022 foi realizado nos dias 03, 04 a 05 de novembro de 2022, na Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da UNESP/ Franca (Brasil) no formato presencial e online. O evento
contou com palestras, mesas-redondas, apresentação de trabalhos científicos e outras atividades
envolvendo pesquisadores, acadêmicos e profissionais nacionais e internacionais de diversas áreas
do conhecimento como educação, políticas públicas, direitos humanos, planejamento urbano,
diversidade, saúde e meio ambiente. Todas as palestras foram transmitidas ao vivo pelo Youtube
do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (PPG-PAPP –
UNESP).
O evento, mais uma vez se caracterizou como um espaço para interlocução de docentes e discentes
de graduação, pós-graduação, assim como profissionais de diferentes áreas, a fim de aprimorar a
reflexão teórico-prática no campo de estudos das políticas públicas. O Seminário promoveu um
diálogo interdisciplinar sobre investigações em diferentes campos de conhecimento, que foram
distribuídos em 11 eixos, que compõem a presente publicação, a saber:
1. Políticas públicas e gestão educacional
2. Políticas públicas e avaliação educacional
3. Políticas públicas e formação de professores
4. Políticas públicas e educação inclusiva
5. Políticas públicas e relações de trabalho
6. Políticas públicas e saúde
7. Políticas públicas, meio ambiente e sustentabilidade
8. Políticas públicas e direitos humanos
9. Políticas públicas e desenvolvimento econômico-social
10. Políticas públicas, planejamento urbano e ordenamento do território.
11. Políticas Públicas voltadas para a igualdade, diversidade, multiculturalismo, interculturalidade.
Esta publicação apresenta uma grande diversidade de trabalhos organizados em três grandes áreas
com os eixos temáticos do evento que vêm sendo desenvolvidos em diferentes áreas, e que trazem
para discussão problemáticas atuais. Oportuniza, também, a publicação de pesquisas oriundas do
Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais (UNESP/Franca), além de se constituir um espaço formativo para pós-
graduandos, em especial.
Agradecemos a todos aqueles que participaram e contribuíram para a realização do V SIPPEDES,
avaliações de trabalhos e publicações.
Os organizadores
6
Luiz César Ribas, João Pedro Zorzi Octaviano e João Paulo Pereira Duarte
INSTITUIÇÕES, CIDADANIA E
POLÍTICAS SOCIAIS
12
1
Universidade Estadual de Goiás – UEG. Mestrando em Ambiente e Sociedade. Integrante do Grupo de
Pesquisa/CNPQ - Laboratório Interdisciplinar Sociedade, Ambiente e Direito (LISA-D), Piauí, Brasil. E-mail:
[email protected]
13
do necessário para produzir um crescimento rápido, a menos que houvesse alguma forma de
intervençãopública. O principal papel do governo deve ser a criação das condições necessárias
para a industrialização, dadas as carências estruturais da agricultura. Consequentemente, barreiras
à importação foram erguidas para aumentar a competitividade da produção nacional. Subsídios e
muitas formas de transferências para o setor manufatureiro foram, pelo menos temporariamente,
programas de investimento agressivos em infraestrutura e em setores estratégicos, principalmente
industriais e de utilidade pública, foram implementados (UDERMAN, 2008b).
Desta forma, o objetivo principal desta é pesquisa é apresentar as políticas de
desenvolvimento regional brasileiro. O trabalho se classifica como uma revisão de literatura
definida por Gil (2008) como aquela que utiliza textos (ou outro material intelectual impresso ou
gravado) como fontes primárias para obter seus dados. Neste trabalho foram utilizadas as bases
de dados governamentais,Scielo, Portal CAPES e Google Academics para a investigação.
Desenvolvimento
Desigualdades Regionais
Desde a consolidação das políticas regionais pela administração pública brasileira, em
meados do século 20, os debates sobre a problemática regional têm causado grande controvérsia.
Seja no âmbito da produção acadêmica ou da formulação de políticas públicas, alguns fatores se
destacam: a ausência de consenso sobre a definição e delimitação das regiões; a conceituação das
desigualdades regionais; e a seleção de indicadores capazes de avaliar sua dinâmica, bem como as
proposições contrastantes sobre as ações que devem ser realizadas para mitigar as desigualdades
regionais. Essas polêmicas mostram a complexidade do tema e alertam para os grandes desafios
que o país enfrenta para combater as desigualdades espaciais que o caracterizam (CAMPOS,
2012).
O fato de haver múltiplas interpretações sobre as desigualdades regionais no Brasil não é
um problema em si, mas sim a falta de consenso sobre os determinantes das desigualdades
regionais e aprópria essência das ações que devem ser tomadas para mitigá-las. Isso dificulta a
formulação de uma teoria mais sólida, que possa aumentar nosso entendimento sobre a dinâmica do
cenário regionaldo Brasil hoje, pois teorias e metodologias substancialmente divergentes tornam
impossível comparar essas pesquisas ou mesmo vê-las como complementares. Além disso, em um
ambiente político e institucional marcado pela instabilidade, descontinuidade das políticas
públicas, departamentalização, fragmentação e falta de cooperação entre os governos, a falta de
consenso sobre a problemática regional tem contribuído para a formulação de processos
fragmentados, desarticulados, conflitantes, concorrentes e políticas regionais contraditórias,
comprometendo a eficácia e eficiência do planejamento regional brasileiro (BRANDÃO, 2018).
14
constitucionais e outros fundos existentes para o desenvolvimento regional, defesa civil, anti-secas
obras, infraestrutura hídrica, entre outros (CARLEIAL, 2014).
Na perspectiva do MIN, a intervenção no processo de desenvolvimento regional teve dois
enfoques: o primeiro relacionado com as questões institucionais do Estado brasileiro (tributário,
previdenciário e educacional ...); a segunda ligada à distribuição das atividades econômicas em
nível regional por meio de eixos significativos, passíveis de intervenção e que estruturam a
integração nacional e internacional. Entre os eixos estavam Zona Franca de Manaus, corredor
Noroeste e corredor Norte; o litoral Nordeste; o semi-árido nordestino; a porção Centro-Leste e a
área geoeconômica de Brasília; a região Centro-Oeste e as fronteiras do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL); além de promover áreas deprimidas ou diferenciadas (LIMA, LIMA, 2010).
A partir de 2003, o planejamento regional foi retomado com a formulação da Política
Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), instituída pelo Decreto nº 6.047, de 22 de
fevereiro de 2007, abrangendo inicialmente os anos de 2008 a 2011. Esse período foi marcado
pelo enfraquecimento do neoliberalismo, à medida que o desenvolvimentismo ganha força, a partir
de uma leitura mais ideológica segundo a qual o Estado deve recuperar sua capacidade de
intervenção (BRANDÃO, 2018).
No século 21, a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) foi apresentada
em 2007e reestruturada em 2019. A formulação de uma política nacional de estímulo e promoção
às regiões marcará uma mudança substancial na estratégia de desenvolvimento regional brasileira
até então concentrada em grandes obras públicas e políticas intervencionistas vindas do governo
federal em um movimento de cima para baixo. As diretrizes da PNDR marcarão o reconhecimento
dascapacidades regionais, as especificidades dos territórios e o empoderamento das lideranças
locaisna formulação de estratégias de desenvolvimento territorial. Em outras palavras, a PNDR
traz elementos de desenvolvimento territorial a partir de ações locais (CAVALCANTE, 2018).
A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) tem como objetivo principal a
redução das desigualdades entre as regiões brasileiras, a promoção da equidade no acesso às
oportunidades de desenvolvimento e orienta os programas e ações federais no território
brasileiro. Para atingir esse objetivo, as estratégias são: estimular e apoiar processos e
oportunidades de desenvolvimento regional em múltiplas escalas; articular ações que, como um
todo, promovam uma melhor distribuição da ação e dos investimentos públicos no Território
Nacional, com foco particular nos territórios selecionados e nas ações prioritárias. Esses territórios
são listados na tipologia PNDR, que leva em consideração os níveis de renda e as variações do
Produto Interno Bruto (PIB) (AMARAL FILHO, 2011).
Em 2022 se completaram 15 anos desde que foi lançado o plano de Política Nacional de
Desenvolvimento Regional (PNDR) do Ministério da Integração Nacional (MI) que teve sua
institucionalização em 2007. A inovação da PNDR por apresentar um tratamento da questão
17
regional brasileira em mais de uma escala, ou seja, a questão regional é tratada em suas diversas
escalas geográficas: municípios, microrregiões, mesorregiões etc. Um tratamento dessa
modalidade faz com que se entenda melhor a complexa realidade do território brasileiro e, dessa
forma, se apliquem intervenções com uma possibilidade maior de serem eficientes para reduzir
contrastes regionais (BRITO, THEIS, DOS SANTOS, 2019).
No Nordeste, a intervenção governamental contribuiu para o crescimento ao conferir à
região vantagens artificiais de localização na forma de incentivos fiscais e financeiros.
Investimentos diretos de empresas estatais também foram realizados na região, especialmente em
bens intermediários (refino de petróleo e produtos químicos). Espaços regionais segmentados
também apareceram na região, fortalecendo o caráter dual da economia; áreas de intensa
modernização coexistem com estruturas econômicas tradicionais, relutantes a mudanças técnicas.
Por um lado, o Nordeste engloba polos regionais dinâmicos desenvolvidos a partir de
investimentos privados reforçados por incentivos governamentais, bem como de investimentos
governamentais. Entre eles estão o polo petroquímico de Camaçari, o polo têxtil e de confecção
de Fortaleza, o polo minero metal de Carajás, no Maranhão, que também abrange parte do Norte
do Brasil, e áreas dispersas da agricultura moderna. Por outro lado, as plantações de cana-de-
açúcar e cacau representam áreas resistentes às mudanças, incorporando métodos tradicionais de
cultivo da terra com baixos padrões de produtividade (CARLEIAL, 2014).
Em 2019, o governo do Brasil instituiu uma nova Política Nacional de Desenvolvimento
Regional (PNDR), por meio do Decreto Federal nº. 9.810, de 30 de maio de 2019. O objetivo geral
da nova PNDR é reduzir as desigualdades regionais, especialmente econômicas e sociais. Para
isso, estimular o crescimento econômico, gerar renda e melhorar a qualidade de vida da
população será a referência para as ações governamentais. A nova PNDR substitui a anterior
de2007, cujas ações eram focadas no desenvolvimento territorial, por um foco voltado para a
desconcentração e internalização do desenvolvimento beneficiando regiões com baixos
indicadores socioeconômicos, declínio populacional e consolidação de uma rede policêntrica de
cidades. Para isso, utilizará uma abordagem territorial, e nas escalas macro e sub-regionais
(BRITO, THEIS, DOS SANTOS,2019).
No Brasil, o debate sobre as disparidades regionais não é contemporâneo, mas faz parte da
atuação do governo federal desde o início do século XX. Entre as ações postas em prática ao longo
dos anos, os investimentos em energia e infraestrutura rodoviária, a criação da Zona Franca de
Manaus e a formação de corredores de desenvolvimento foram os principais instrumentos para
tentar melhorar a atratividade das regiões periféricas do Brasil. Com a Constituição Federal de
1988, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão a garantia do
desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades regionais e sociais. Nesse caso, o
desenvolvimento regional passou a ser um dos focos do governo federal, e em 2007 e 2019 os
18
Conclusões
A leitura sobre a origem das desigualdades regionais está intimamente ligada à
identificação de seuselementos determinantes e, portanto, ao caráter das propostas, acadêmicas ou
governamentais, voltadas para sua superação. É imprescindível destacar que essas leituras e
propostas de intervenção na dinâmica socioespacial, inclusive na problemática regional, possuem
um conjunto próprio de ideologias e projetos políticos subjacentes, que podem ter maior ou menor
grau de aderência aos propósitos dos atores hegemônicos no poder.
Entender as desigualdades regionais como desequilíbrios / disparidades nas taxas de
crescimento econômico das diferentes áreas do país, sugere propostas que pretendem promover o
dinamismo econômico em regiões “atrasadas” / “estagnadas”. Do ponto de vista governamental,
essa aceitaçãoserviu em parte para subsidiar a criação de Polos de Desenvolvimento na década de
1970, realizados de forma política e espacialmente centralizada, além de burocrática, desvinculada
das demais políticas públicas e sem participação social. resultando assim no aumento das
desigualdades regionais no Brasil.
20
Referências
AMARAL FILHO, Jair do (Ed.). Trajetórias de desenvolvimento local e regional: Uma
comparação entre a região Nordeste do Brasil e a Baixa Califórnia, México. Editora E-
papers,2011.
BRANDÃO, Carlos. Desenvolvimento nacional, políticas regionais e o poder de decisão
segundoCelso Furtado. Cadernos do Desenvolvimento, v. 5, n. 7, p. 101-115, 2018.
BRITO, Vivian Costa; THEIS, Ivo Marcos; DOS SANTOS, Gilberto Friedenreich. O Nordeste
Brasileiro: A Escala Regional No Interior Da Unidade Nacional. Revista Brasileira de Gestão
eDesenvolvimento Regional, v. 15, n. 3, 2019.
CARLEIAL, Liana. O desenvolvimento regional brasileiro ainda em questão. en
RANDOLPH,Rainer, 2014.
CAMPOS, José Nilson Bezerra. A evolução das políticas públicas no Nordeste. Em:
MAGALHÃES, AR. A questão da água no Nordeste. Brasília: CGEE, p. 261-87, 2012.
CAVALCANTE, Luiz Ricardo. Políticas de Desenvolvimento Regional no Brasil: uma
21
Desenvolvimento
Em termos gerais, nos últimos anos percebe-se um grande interesse no território das políticas
públicas. Souza (2006; 2007) evidencia as áreas saber – administração, economia planejamento
urbano e outras - que partilham de um incremento comum, depreendendo como as políticas públicas
2
Universidade Estadual de Goiás – UEG. Mestrando em Ambiente e Sociedade. Integrante do Grupo de
Pesquisa/CNPQ - Laboratório Interdisciplinar Sociedade, Ambiente e Direito (LISA-D), Piauí, Brasil. E-mail:
[email protected]
23
interferem no campo de atuação dessa ciência, como também implicam nas transformações pelas
quais a sociedade passa ao longo do tempo.
Antes de um aprofundamento na discussão, é importante trazer à tona do ponto de vista
teórico-conceitual, sobre o que define. Sendo, assim possível apontar um horizonte com base na
literatura, segundo o entendimento que as envolvem. Sob o olhar de Thomas Dye (2011) trata-se de
um conjunto de ações organizadas de um governo dentro de uma estrutura burocrática capaz de
afetar o comportamento social para atingir seus resultados esperados.
Caminhado a uma perspectiva histórica sob o enfoque conceitual do ponto de vista teórico,
Frey (2000) e Souza (2006) demonstram que enquanto área de conhecimento e disciplina
acadêmica, o seu surgimento nos Estados Unidos da América sob o rótulo de policy Science no final
da década 1950. Já na Europa, especialmente na Alemanha, intensificou-se a partir do início dos
anos 1970, período em que aconteceu a ascensão da social-democracia, com o planejamento das
políticas públicas, sob olhar preocupante de campos específicos setoriais, a ponto de serem
estendidos expressivamente em prol de solucionar os problemas sociais.
No mundo acadêmico americano, as políticas públicas emergiram buscando sentido nas
relações com as áreas do conhecimento, despertando o interesse por entender a sua real dimensão
interativa. Se por um lado, no território americano os seus estudos se voltaram diretamente com
ênfase na ação dos diferentes governos, por outro lado, no campo acadêmico europeu, esteve
fundamentada em desdobramentos baseados em teorias explicativas sob a análise do papel do
Estado com o seu conjunto de instituições que compõem a estrutura organizativa e suas ações
governamentais para atender as demandas sociais (SOUZA, 2006; FREY 2000).
Enquanto isso, no caso brasileiro, Frey (2000) percebeu que o campo das políticas no Brasil
esteve por muito tempo centrado na atuação do Estado, tendo como base a análise da estrutura
institucional. Paralelamente, recaindo com a caracterização dos processos políticos nos ditames de
negociação, com destaque das políticas públicas setoriais que visam abrir alternativas possíveis ao
cumprimento dos direitos específicos, principalmente no que se refere aos setores de educação,
saúde, alimentação, seguridade social, transporte, habitação, emprego e renda.
Dentro desse panorama, as políticas devem ser concebidas por um conjunto de atores que
deliberam sobre o que fazer, por que fazer, quando fazer e como fazer em relação ao problema
detectado. Logo, as políticas públicas são instrumentos que devem ser construídas a partir de
diversos atores que expressam sua heterogeneidade de uma democracia (SOUZA, 2006), o Estado
visa atender os múltiplos interesses da sociedade por meio da implementação destas (FREY, 2000).
É notório que a presença desses elementos elucida a necessidade de articulação entre si, a
partir de sua integração no processo de formulação da política pública, contemplando também a
questão do desenvolvimento regional. A questão regional tem pautado muitas discussões, uma vez
que o campo de estudo dessa temática é naturalmente nebuloso diante das suas complexidades no
24
que tange aos aspectos educacionais, socioambientais, socioeconômicas e culturais. Portanto, tendo
em vista a multidimensionalidade que a questão carrega consigo, é de salutar os estudos diante das
complexidades e características peculiares das regiões do país (DINIZ, 2009; CAVALCANTE,
2018). Nesse sentido, as ações para o desenvolvimento de cada região, embora sejam derivadas de
política pública federal - um tipo que se caracteriza uma intervenção -, devem ser consideradas sob
a interação alicerçada das variáveis de alocação de recursos e sua estrutura institucional e social.
Kingdon (2007) e Souza (2006) destacam isso como sendo a base de suas ideias sobre participação
ativa dos atores sociais.
Rocha Neto (2020) aponta as estratégias da equidade como caminhos de apoio aos
processos e acesso a oportunidades de desenvolvimento regional, tendo em vista que os objetivos
apresentados na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), por meio do Decreto
Federal nº 9.810, de 30 de maio de 2019. Com esse instrumento legal que é a PNDR se busca
minimizar as assimetrias regionais, especialmente sociais e econômicas, o que pode ser notado
como objetivo comum de proporcionar o desenvolvimento.Para tanto, vislumbra-se que esse
conjunto, traria mais engajamento da ação pública, baseada em uma intervenção consciente acerca
da necessidade das questões referentes às desigualdades regionais ao somar forças para o
enfrentamento da questão. Nesse movimento, Da Silva, Kovaleski e Pagani (2019) ressaltam ecos
na visão ampla e multidisciplinar relacionada ao campo do desenvolvimento sob o escopo regional.
O que, por sua vez, para uma agenda de política pública política específica de desenvolvimento
regional, deve-se pensar as especificidades e peculiaridades de cada localidade, no bojo de atender
às diferenciações existentes, que Diniz (2009) e Cavalcante (2018) veem como alternativa das
assimetrias regionais.
Para que efetivamente se concretize o discurso, nas lentes teóricas de Feitosa e Aranha
(2020) deve-se estimular o desenvolvimento das regiões, tendo como pilares as ações
governamentais para a geração de trabalho, renda e melhoraria da qualidade de vida da população,
com a finalidade de diminuir a desigualdade social no Brasil. Ver-se no suporte legal e institucional,
um caminho sendo galgado em ações comandadas pelo setor público, na busca de diminuir as
distorções e desigualdades presente entre as regiões, visto que convergem para as regiões menos
dinâmica socioeconomicamente, que necessitam de maiores olhares públicos.
Assim, as políticas destinadas ao desenvolvimento regional como uma forma do Estado
atuar nesta região e subsidiar configurações de ações oficiais, no escopo de refletirem a uma
transição do pensamento de combate distorções regionais à convivência do homem com o contexto
regional. Nesse sentido, a PNDR entra em cena num discurso da possibilidade de um
desenvolvimento considerando além das dimensões econômica e social, as dimensões da
sustentabilidade, identidade cultural e a vocação local.
25
Conclusões
A inquietação central que moveu a escolha da temática, surgiu frente ao cenário que este
se constitui a política pública que converge desenvolvimento regional no patamar que visou tecer
de uma perspectiva holística para um conjunto de decisões contemplando diversos atores no
contexto de melhorar os resultados e consequentemente gerar maiores impactos no que diz respeito
a égide do desenvolvimento. Nesse bojo, tornar mais desenvolvida uma região no país, passa pela
instrumentalização de políticas públicas adequadas a realidade. Assim, acredita-se em uma legítima
atuação estatal em conjunto com outros atores sociais na busca de uma transformação da dinâmica
do espaço socioeconômico. E, com as particularidades que a região detém, atrair instituições no
apoio nas ações de desenvolvimento regional advindos a partir da concepção de espaços para essa
finalidade.
Dentro dessa contribuição crítica de base científica, promover uma compreensão da
política pública e sua uma contribuição beneficiadora na perspectiva regional, eleva como fator
justificante aos rebatimentos dos impasses que circundam a questão, destacando os impasses
presentes. À vista disso, tratar do tema é relevante devido, pois aludem os desafios enfrentados
pelos atores e instituições envolvidas no processo de implementação de políticas públicas sob o
foco do desenvolvimento regional, utilizando como premissa as disparidades socioeconômicas.
Referências
CAVALCANTE, Luiz Ricardo. Políticas de desenvolvimento regional no brasil: uma estimativa de
custos. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, [S. l.], v. 14, n. 3, 2018. DOI:
10.54399/rbgdr.v14i3.3809. Disponível em
https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/3809. Acesso em 20 jul. 2022. DINIZ,
Clélio Campolina. Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia, Belo Horizonte,
v. 19, n. 2, s/p, maio/set. 2009. ISSN 0103-6351. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-
63512009000200001. Disponível em
https://www.scielo.br/j/neco/a/5HDgfpbLkc7kymBT7d7nDDv/?lang=pt. Acesso em 10 ago. 2022.
DA SILVA, Vander Luiz; KOVALESKI, João Luiz; PAGANI, Regina Negri. Análise bibliométrica
em desenvolvimento regional no contexto brasileiro. Revista Baru - Revista Brasileira de
Assuntos Regionais e Urbanos, Goiânia, v. 5, n. 2, p. 199- 214, dez. 2019. ISSN 2448-0460. DOI:
http://dx.doi.org/10.18224/baru.v5i2.7511. Disponível em
http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/baru/article/view/7511. Acesso em 04 ago. 2022.
DYE, Thomas R. (2005). Mapeamento dos modelos análise de políticas públicas. In: Heidemann,
F. G.; Salm, J. F. (org). Políticas Públicas e Desenvolvimento. Brasília: Editora UnB, 2010, cap.
3, p. 98-129.
FONSECA, João José Saraiva da. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
FREY, Klaus [2000]. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da
análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, [S. l.], n. 21, [s/p.], out.
2009, ISSN Eletrônico: 2359-389X. Disponível em
https://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/view/89. Acesso em 13 ago. 2022.
26
KINGDON, John W. (1995). Agendas, alternatives, and public policies. 2 ed. Harper Collins
College Publishers. IN: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. Políticas Públicas – Coletânea. v. 1. cap.
Como chega a hora de uma ideia, p. 219-224, 2007.
PESSOA, Sarah Regina Nascimento; MILANI, A. M. R. Uma análise histórica da política
econômica e regional no Brasil nas últimas duas décadas. Revista de Desenvolvimento
Econômico, Salvador, ano XX, v. 1, n. 39, abr/2018.– p. 189-215. ISSN 2178-8022. DOI: 146
http://dx.doi.org/10.21452/rde.v1i39.5358. Disponível em
https://revistas.unifacs.br/index.php/rde/article/view/5358/3505. Acesso em 10 ago. 2022.
ROCHA NETO, João Mendes. A política regional brasileira frente a teoria da extinção de políticas
públicas. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 25, p. 1715-1737, nov. 2020. ISSN 1982-6745. DOI:
https://doi.org/10.17058/redes.v25i4.13270. Disponível em
https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/13270/0. Acesso em 12 ago. 2022.
SOUZA, Celina. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In: HOCHMAN, G;
ARRETCHE, M; MARQUES, E. (org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2007.
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Dossiê Sociedade e
Políticas Públicas, Porto Alegre, ano 8, n. 16, jul/dez, 2006, p. 20-45. Disponível em
https://www.scielo.br/j/soc/a/6YsWyBWZSdFgfSqDVQhc4jm/abstract/?lang=pt. Acesso em 4
ago. 2022.
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 16. ed. São
Paulo: Atlas: 2007.
27
3
Universidade Federal de Viçosa. Graduando em Administração pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail:
[email protected]
4
Universidade Federal de Viçosa. Doutor em Economia Aplicada e Professor Titular da Universidade Federal de
Viçosa. E-mail: [email protected].
5
Universidade Federal de Viçosa. Mestra em Administração pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail:
[email protected]
28
Desse modo, este trabalho objetivou analisar os efeitos do saneamento sobre as condições
de saúde pública, especialmente de dimensões da atenção primária. Os indicadores de resultado
foram mensurados de acordo com indicadores infantis, uma vez que a morbimortalidade das pessoas
que se encontram nessa faixa etária está diretamente atrelada às questões sanitárias e suas
aplicações.
Como diferencial deste estudo, tem-se a análise de três modelos de extrema relevância para
a caracterização da saúde infantil, incorporando também variáveis referentes ao acesso à saúde,
cobertura da atenção básica, contexto socioeconômico e indicadores financeiros. É relevante
mencionar que ainda são escassos estudos sobre o tema que incorporam também questões
econômicas (TEJADA et al., 2019). Ademais, têm-se como recorte todos os municípios da região
sudeste, uma vez que esta é a região mais populosa e desenvolvida do país.
As descobertas deste estudo têm como repercussão o fomento da discussão dos efeitos do
saneamento básico sob outra perspectiva da saúde, desenvolvimento e qualidade de vida. Ademais,
permitem avançar na compreensão dos aspectos que podem favorecer o avanço da cobertura de
saneamento, assim como a revisão ou introdução de novas políticas públicas inclinadas para a
aceleração dos condicionantes de acesso, especialmente para a parcela mais vulnerável da
sociedade, historicamente à margem desse processo.
Além da introdução apresentada, o estudo conta com mais três sessões. A próxima seção
detalha a utilização dos métodos e técnicas de análise dos dados, sendo sucedida pelos resultados
do estudo e discussão contemplando o conhecimento já existente na área. Por fim, as principais
descobertas e suas inferências para o campo de conhecimento são sintetizadas na conclusão.
Desenvolvimento
Nesta sessão serão discutidos os procedimentos metodológicos adotados no estudo,
incluindo o detalhamento acerca das variáveis utilizadas e seu embasamento teórico, além das
técnicas empregadas.
Como variável de resultado, optou-se pela utilização de três indicadores que refletem
aspectos importantes da saúde infantil em diferentes etapas: óbitos fetais, óbitos evitáveis em
menores de cinco anos e taxa de mortalidade infantil. Portanto, estes elementos refletem as
condições de saúde em diferentes estágios, sendo indicadores importantes acerca da vulnerabilidade
infantil. O Quadro 1 contém a descrição das variáveis utilizadas.
Expectativa
Variável Descrição Ano Fonte
teórica
Número de óbitos fetais
ocorridos a cada mil Variável MS/SVS/CGIAE - Sistema de
ObFet 2018
nascidos vivos, por local de dependente Informações sobre Mortalidade - SIM
residência.
Óbitos por causas evitáveis
Variável 2018 MS/SVS/CGIAE - Sistema de
ObEv em menores de 5 anos a
dependente Informações sobre Mortalidade - SIM
cada mil nascidos vivos.
Elaborado a partir de MS/SVS/CGIAE -
Taxa de mortalidade infantil
Sistema de Informações sobre
(menores de um ano de Variável 2018
TMI Mortalidade - SIM e MS/SVS/DASIS -
idade) a cada 1.000 nascidos dependente
Sistema de Informações sobre Nascidos
vivos.
Vivos - SINASC
Proporção da população
- 2018
Tx_água coberta com abastecimento SNIS
de água. Em %
Proporção da população
2018
Tx_res coberta com a coleta de - SNIS
resíduos sólidos. Em %
Proporção da população
2018
Tx_es atendida com esgotamento - SNIS
sanitário. Em %
Número de médicos da Ministério da Saúde - Cadastro Nacional
2018
Med_AB Atenção básica a cada 3.450 - dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil
habitantes. - CNES
Transferências fundo a
2018 Elaborado a partir de Fundo Nacional de
Transf fundo para a área da saúde, -
Saúde e IBGE
per capita.
Ln das receitas correntes 2018
RecCorrente - Tesouro Nacional
municipais per capita.
Valores monetários do
2018
ICMS ICMS per capita. Em - Finbra
R$/habitante
Número de estabelecimentos Elaborado a partir de Ministério da Saúde
2018
EstabSaude de saúde a cada 1.000 - - Cadastro Nacional dos Estabelecimentos
habitantes de Saúde do Brasil - CNES e IBGE
Número de médicos que Ministério da Saúde - Cadastro Nacional
2018
Med_SUS atuam no SUS a cada 1.000 - dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil
habitantes. - CNES
Pib per capita. Em 2018
Pib - IBGE
R$/habitante
Número de beneficiários do
2018 MDS, Cadastro Único para Programas
BolsaFam Programa Bolsa Família a +
Sociais (CadÚnico) e IBGE
cada 1.000 habitantes.
Nota: alguns autores não utilizaram especificamente tais variáveis, mas seus estudos permitem inferir sobre a
influência das mesmas.
Como variáveis de interesse, têm-se três das quatro tipologias dos serviços de saneamento
básico, que foram consideradas de acordo com a especificidade de cada variável dependente. Para
os óbitos fetais, que estão relacionados à saúde materna, suas condições de vida e acesso ao sistema
de saúde (Barbeiro et al., 2015) acredita-se que sejam influenciados pelo esgotamento sanitário,
abastecimento de água e coleta de resíduos sólidos. Já os óbitos evitáveis em crianças menores de
5 anos e a taxa de mortalidade infantil estariam mais relacionados ao abastecimento de água e coleta
de resíduos sólidos, já que estão ligadas na maioria das vezes a pneumonias ou gastroenterites
(OLIVEIRA; MINAYO, 2001). Além disso, há evidências na literatura de que os serviços de
esgotamento sanitário prestados, por terem seus índices de acesso menores, não exercem influência
sobre os óbitos evitáveis e a TMI (WOLFART, 2014).
Resultados e Discussão
Conforme discutido, foram estimados três modelos de regressão linear múltipla, abarcando
diferentes aspectos da saúde infantil e seus condicionantes. Os resultados obtidos, bem como o
coeficiente beta padronizado, constam na Tabela 1.
Óbitos evitáveis
Tx_água -0,0493228 0,0153442 -3,21 0,001 -0,108 R2 0,0535
2
Tx_res -0,0176154 0,0079648 -2,21 0,027 -0,063 R ajust. 0,0504
Med_AB -0,3111071 0,1607924 -1.93 0,053 -0,069 Teste F 17,120
Pip_percapita -0,0000375 6.38e-06 -5.87 0,000 -0,109 Prob > F 0,000
Constante 24,20978 1,203739 23,68 0,000 - Num. de Obs. 1.217
TMI
Tx_água -0,0316551 0,0163073 -1,94 0,052 -0,076 R2 0,0770
2
Tx_res -0,0136437 0,0075436 -1,81 0,071 -0,054 R ajust 0,0723
Med_AB -0,2455829 0,1454239 -1,69 0,092 -0,061 Teste F 16,165
Pib -0,0000269 5.24e-06 -5,14 0,000 -0,087 Prob > F 0,000
Transf 0,0068335 00024106 2,83 0,005 0,094 Num. de Obs. 1.169
BolsaFam 0,0088435 0,0034473 2,57 0,010 0,104
Constante 16,416510 1,816114 9,04 0,000 -
Fonte: Resultados da pesquisa
No primeiro modelo, que se refere aos óbitos fetais, percebe-se que os três serviços de
saneamento básico apresentaram coeficiente negativo, corroborando sua importância para a
melhoria deste indicador de saúde infantil. Este resultado é condizente com o esperado, confirmado
que o saneamento básico está relacionado à qualidade de vida e saúde das gestantes e,
consequentemente, à probabilidade de perda fetal.
Os estabelecimentos de saúde e médicos da atenção básica também apresentaram coeficiente
negativo, ou seja, afetam negativamente os óbitos fetais. Este resultado corrobora a revisão
sistemática elaborada por Barbeiro et al. (2015), indicando que esta classe de óbitos está relacionada
a deficiências no sistema de saúde, em especial na atenção pré-natal. Assim, ainda conforme os
autores, as causas dos óbitos fetais seriam ainda passíveis de prevenção e tratamento, o que poderia
ser realizado por meio de intervenções no sistema de saúde.
No entanto, o número de médicos do SUS apresentou coeficiente positivo, o que pode ser
indício de maior investimento no sistema único de saúde nas localidades em que o número de óbitos
fetais ainda é alto. O coeficiente positivo verificado para as variáveis receitas correntes e
transferências financeiras para a saúde também confirma essa tendência de investimento no sistema
de saúde. De fato, as referidas variáveis estão relacionadas ao custeio da prestação dos serviços
públicos, ou seja, são usadas para a manutenção da máquina pública.
Já a variável referente ao ICMS per capita apresentou coeficiente negativo, significando uma
influência negativa sobre o número de óbitos fetais. Este imposto representa a dinâmica econômica,
consistindo em uma das principais fontes de recursos dos estados e municípios para que possam
32
cumprir suas funções básicas (SOARES; GOMES; TOLEDO FILHO 2011). Dessa forma, os óbitos
fetais também estão relacionados aos indicadores econômicos locais, o que corrobora o estudo de
Bonfim (2020) ao afirmar que a questão econômica seria um dos mais importantes determinantes
da saúde de uma população.
É relevante destacar que as variáveis referentes aos estabelecimentos de saúde e receita
corrente apresentaram o maior valor para o beta padronizado. Isso indica que, dentre todas as
variáveis do modelo, estas seriam aquelas que possuem maior magnitude de influência. Assim,
ações mais efetivas para a diminuição dos óbitos fetais estariam relacionadas à ampliação da
capacidade financeira e do sistema de saúde municipal. Neste aspecto, o saneamento teria papel
primordial, tendo em vista a economia proporcionada com ações de saúde pública.
Em relação ao segundo modelo, que tem como variável dependente os óbitos evitáveis em
crianças de até cinco anos, os resultados são bastante semelhantes. Primeiramente, ressalta-se a
influência negativa dos serviços de saneamento básico, com foco no abastecimento de água e coleta
de resíduos sólidos. Estes resultados vão ao encontro de Kale et al. (2019) ao constatar que cerca
de um quinto das chances de sobrevida dos recém-nascidos até seu quinto ano de vida estaria
associada ao seu nascimento em situação de ameaça à vida. Ainda conforme os autores, a ameaça
à vida poderia ser reduzida através de intervenções no sistema de saúde, minimizando as causas de
mortalidade.
De fato, os resultados evidenciaram a influência negativa da cobertura de médicos da
atenção básica sobre a taxa de óbitos evitáveis em menores de cinco anos. Este resultado é
condizente com a literatura, uma vez que existem meios efetivos para a diminuição dessa tipologia
de óbitos, que geralmente estão ligados ao acesso ao sistema de saúde e às condições
socioeconômicas (BOING; BOING, 2008; KALE et al., 2019).
A respeito das condições socioeconômicas, ressalta-se o coeficiente negativo encontrado
para a variável PIB per capita, corroborando os resultados obtidos por Tejada et al. (2019) e
Teixeira, Gomes e Souza (2012). A referida variável apresentou a maior magnitude de efeito em
relação aos óbitos evitáveis, seguida do abastecimento de água, corroborando a relevância de ambas
para a melhoria das condições de saúde da população.
Os resultados para o terceiro modelo, referente à taxa de mortalidade infantil, refletem os
mesmos resultados do segundo modelo para as variáveis referentes ao saneamento básico, cobertura
dos médicos da atenção básica e pib per capita. Além do mais, eles corroboram outros estudos que
apontam que o saneamento básico seria um dos fatores determinantes da saúde (Teixeira et al.,
2012). Dessa forma, o investimento nos serviços de saneamento e atendimento médico à população
contribuem para a minimização da TMI, que também está atrelada à dinâmica econômica local.
Assim como no primeiro modelo, a variável referente às transferências financeiras para a
saúde apresentou coeficiente positivo, indicando uma associação positiva direta com a TMI. Isso
33
que sugere que os municípios com maior taxa de mortalidade fetal e na infância possam estar agora
expandindo seu sistema de saúde para uma maior capacidade de atendimento à população. Esta
preocupação com a garantia do acesso à saúde seria, de fato, necessária uma vez que a literatura
aponta que as causas da mortalidade infantil e fetal ainda seriam passíveis de intervenção por meio
da expansão do acesso à saúde, com ênfase na gestante e crianças em seus primeiros dias de vida
(Teixeira et al., 2019).
Já no que se refere à população beneficiária do Bolsa Família, os resultados evidenciaram
uma relação positiva com a TMI, divergindo dos resultados encontrados por Silva e Paes (2019) ao
analisarem 1.133 municípios do semiárido brasileiro. Assim, os recursos do Bolsa Família ainda
estariam associados ao aumento na mortalidade infantil, o que é compreensível do ponto de vista
de que eles são destinados às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.
Considerações Finais
Os resultados demonstraram que os indicadores de saúde infantis utilizados ainda
correspondem a fatores evitáveis por meio do investimento no sistema de saúde e através da garantia
do acesso ao saneamento básico. A redução desses índices poderia ser alcançada com o melhor
acompanhamento da mulher durante a gestação e no parto e com a expansão do acesso à saúde
básica à população em geral.
Os resultados também evidenciam a importância da expansão do acesso ao saneamento
básico, sendo a ausência deste serviço um importante indicador de vulnerabilidade social que coloca
em risco as gestantes e crianças em todas as faixas etárias. Os resultados evidenciaram que o acesso
a estes serviços exerce efeito negativo sobre os três indicadores analisados, corroborando a
importância do saneamento para as crianças em quaisquer faixas etárias e para a prevenção dos
óbitos fetais.
Esse estudo avança em relação à literatura por desvelar a relação entre o acesso ao
saneamento básico e diversos indicadores de saúde de um estrato específico da população sob a
perspectiva do desenvolvimento humano. Apesar dos avanços já verificados através das políticas
públicas de ampliação do acesso aos serviços à saúde, priorizando áreas mais remotas e com
menores indicadores socioeconômicos, a saúde infantil e materna ainda requerem atenção. Não
obstante a recente preocupação com as parcelas mais vulneráveis da população, é inegável que ainda
há uma considerável mortalidade por comorbidades evitáveis com a garantia de serviços básicos
com qualidade. Portanto, são necessárias políticas públicas voltadas a esse aspecto, majorando os
níveis de qualidade de vida, acesso à saúde e desenvolvimento humano.
Referências
BARBEIRO, F. M. dos S. et al. Óbitos fetais no Brasil: revisão sistemática. Revista de Saúde
34
Introdução
As desigualdades geradas pelo modelo de desenvolvimento rural no campo brasileiro são
ainda mais agravantes quando tratamos sobre as mulheres que nele vivem e trabalham. Estas que,
muitas vezes sobrecarregadas pelo exercício de triplas jornadas de trabalho, têm sua atuação na
atividade rural invisibilizada e diminuída, ora tanto pelo próprio núcleo familiar, devido a divisão
sexual do trabalho, ora pelo Estado, que se faz insuficiente na elaboração e implementação de
políticas públicas que atendam de forma devida esse recorte social específico (LIMA, LIMA,
SILVA, 2016).
Com a pandemia de Covid-19 e a má gestão governamental brasileira nesse período, as
desigualdades sociais que já se faziam eminentes na história do país, tornaram-se ainda mais agudas.
Nesse sentido, as mulheres rurais eram um grupo em situação de vulnerabilidade e que sofria com
a retirada de direitos desde 2016 - estes que já eram poucos; foram profundamente afetadas pelos
impactos da crise sanitária e não puderam contar com políticas e auxílios que assistissem às suas
necessidades. Diante da problemática trazida, esse artigo tem por objetivo analisar se houve a
manutenção e/ou o desenvolvimento de políticas públicas voltadas às mulheres trabalhadoras rurais
no Brasil, antes e, principalmente, durante a pandemia de Covid-19; portanto, no governo do
presidente Jair Messias Bolsonaro.
Para tal, os procedimentos metodológicos que embasaram as análises e discussões desse
artigo, foram três, de caráter bibliográfico:
1. Revisão bibliográfica de artigos científicos, dissertações e teses com temas transversais aos
trazidos aqui;
2. Revisão de documentos oficiais de interesse ao trabalho, tais como leis, decretos e portarias;
3. Análise e comparação de dados relativos ao tema.
Em relação a estrutura, o artigo foi organizado em três partes, sendo a primeira dedicada a
um breve resgate da situação das mulheres rurais no Brasil no que diz respeito a criação de políticas
públicas específicas que atendessem esse recorte social; na segunda tratamos sobre o momento que
se inicia a desconstrução institucional e política desses direitos; na terceira e última abordamos,
6
Graduação em Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil(2021)
Bolsista CAPES - Mestrado em Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho , Brasil
7
Graduação em Bacharelado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil(2022)
Mestranda em Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho , Brasil
37
As políticas públicas de gênero para o campo podem ser entendidas como políticas
públicas contra-hegemônicas no contexto atual das relações entre estado e
sociedade civil, vinculadas às ideias de desenvolvimento da autonomia econômica
das mulheres, participação política e cidadania em interface com as discussões
voltadas para o desenvolvimento rural sustentável e solidário presentes na agenda
pública do país (FILIPAK, 2017, p. 149).
O cenário descrito até então começou a se modificar nos últimos anos, principalmente a
partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), ocorrido em 2016. Nesse momento, o
Brasil passa a vivenciar um profundo e acelerado processo de “desconstrução de marcos jurídicos,
institucionalidades, referenciais e instrumentos de políticas públicas que orientaram a ação estatal
39
[...] percebe-se que tem sido capitaneado por atores ligados à agenda neoliberal
que, presentes nos últimos governos federais, de Michel Temer e de Jair Bolsonaro,
também têm executado o desmonte em outras políticas e instituições ligadas à
agricultura familiar – o desmonte está condicionado por motivações políticas-
ideológicas. Todo o arcabouço institucional da agricultura familiar, construído
durante os governos de centro-esquerda, está ameaçado sob a tutela do discurso de
integração da agricultura familiar à agricultura patronal – pregado por atores
políticos ligados ao agronegócio. (MACEDO, 2022, p.105).
Nesse sentido, tais transformações, tanto institucionais como políticas, iniciadas nesse
período, sinalizam “uma profunda reorientação nas prioridades do Estado” (LOURENÇO, GRISA,
SCHMIDTT, 2022, p. 9). Estas, capazes de aprofundar ainda mais as desigualdades sociais no
Brasil, exatamente como ocorreu nos anos posteriores com o governo do presidente Jair Messias
Bolsonaro, trazendo consequências ainda mais sérias devido a má gestão durante a pandemia de
covid-19, como abordaremos de forma mais ampla no próximo item.
Ocupando a presidência da república desde 2019, Jair Messias Bolsonaro, antes mesmo de
assumir o cargo, no período de pré-candidatura - ao longo do ano de 2018; já aparecia na mídia
incitando o ódio contra a categoria mulher. Esse discurso, além de incentivar a opressão e o
desprezo, legitima a violência contra mulher. E no campo, local em que os índices de violência de
gênero já eram altos - como mencionado anteriormente; aumentaram ainda mais a partir desse
período, como pode ser visto no gráfico 1.
Gráfico 1: Violência contra mulheres no campo brasileiro (2009 a 2018)
Assim, não foi surpresa a concretização dessa narrativa em ações diretas durante seu
mandato. Nesse sentido, a revista AzMina fez um estudo, em 2021, constatando que Bolsonaro não
usou nem um terço dos recursos aprovados para políticas para mulheres desde 2019:
Entre janeiro de 2019 e julho de 2021, o Planalto não gastou R$ 376,4 milhões dos
R$ 1,1 bilhão disponíveis para 10 rubricas que têm as mulheres como público-alvo
no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e no Ministério da Saúde. É
um terço do total de recursos previstos no orçamento da União, carimbados
especificamente para este conjunto de políticas públicas e com emprego autorizado
pelo Congresso Nacional. O dinheiro, porém, não foi usado para a sua finalidade
e possivelmente retornou ao caixa único, abastecendo outros ministérios ou mesmo
servindo para fomentar o toma lá dá cá que sustenta o apoio do Centrão ao
presidente da República. (REVISTA AZ MINA, 2021)
pouco processados, em sua maioria provenientes da agricultura familiar (SILVA, et. al, 2020, p.
3.424). Além disso,
Como consequência desses processos, o aumento da desigualdade social no país, que já era
um abismo, acentuou drasticamente as situações de vulnerabilidade vividas pela população. Estas,
agravadas ainda mais pela insuficiência e, em muitos casos, inexistência de políticas públicas por
parte do governo federal, fizeram com que o Brasil voltasse para o mapa da fome em 2022, segundo
relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). De acordo
com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19
(2021), no segundo semestre de 2021 mais de 33 milhões de brasileiros estavam passando fome e
mais 125 milhões de pessoas estavam convivendo com algum grau de insegurança alimentar no
país.
Entretanto, ao fazermos o recorte de gênero “outros elementos, como, por exemplo, a divisão
sexual do trabalho e a consequente sobrecarga do trabalho doméstico, fazem com que as mulheres
sejam mais afetadas” (REGO; PAULA, 2021, p.92).
Posto isto, as mulheres rurais, além de serem parte essencial dessa produção de alimentos e
serem afetadas mais intensamente com os efeitos da pandemia e do desmonte de políticas públicas,
são constantemente reconhecidas como semelhantes, sem terem suas individualidades levadas em
consideração, o que afeta diretamente na idealização e discussão de políticas que devem envolver
tais subjetividades. Desta forma,
Logo, quando consideradas estas diversas intersecções que percorrem suas trajetórias,
considera-se a vulnerabilidade estrutural desse grupo intensificado para além do já descrito aqui, ao
levar em conta o que não pode ser ocultado: a violência estrutural interseccional. Essa, intimamente
relacionada tanto ao racismo quanto ao patriarcado, marcando seus corpos racializados e
42
sexualizados e expondo suas vidas; “quanto às formas de precariedade material, física, emocional
em decorrência do impacto da COVID-19” (JALIL et, al., 2021).
Ainda no tocante às mulheres rurais, no período da pandemia, o percentual dos trabalhos de
cuidado aumentaram 62% em relação as mulheres urbanas que relataram um aumento de 50%,
segundo relatório elaborado pela revista Gênero e Número junto com a Sempreviva Organização
Feminista (SOF) (2020). Nele também é trazido o debate sobre as dificuldades observadas pelas
mulheres rurais, as quais concordaram que a pandemia ofereceu maior risco à sustentação de suas
casas, o que envolveu, tanto as dificuldades de custeio de contas bancárias, como o acesso a
alimentos (GÊNERO E NÚMERO, SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA, 2020).
Cenário este que, consequentemente, também afeta a saúde mental destas mulheres. Haja vista as
discussões aqui propostas, cabe apontar que pactuamos com a consideração trazida no relatório do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de que:
A eleição de Jair Bolsonaro e a nomeação de Damares Alves como ministra das
mulheres, da família e dos direitos humanos representam uma mudança na direção
das políticas públicas desenvolvidas em prol das mulheres e da igualdade de
gênero. Não apenas institui-se um movimento de desmonte das políticas ainda
existentes como se inicia a construção de uma ‘nova política para as mulheres’,
baseada em uma moralidade religiosa, na centralidade da família tradicional
nuclear e heteronormativa, no resgate de valores tradicionais de gênero e no
embate direto com as pautas e movimentos feministas. (IPEA, 2022, p. 2)
Conclusões
A partir deste trabalho foi possível compreender que, seja em momentos de progresso ou de
retrocesso, a luta sempre se fará presente. As mulheres rurais brasileiras, além de fonte essencial
para a sobrevivência do país, são exemplos de enfrentamento e resiliência. A coletividade que molda
os ideais de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Movimento
das Mulheres Camponesas deve servir de exemplo para as demais lutas. Coletividade esta, que vêm
ao longo dos anos buscando diminuir a desigualdade de gênero, reformulando padrões enraizados
na sociedade.
Os dados e trajetórias expostos até aqui, moldaram este artigo que, para além de escrita
acadêmica, deve ser lido como denúncia. Denúncia à conjuntura neoliberal de desmonte de políticas
públicas e, portanto, em oposição a esse direcionamento, buscamos também destacar dinâmicas que
confrontam tal cenário, visando fortalecer estruturas efetivamente democráticas. Sendo assim,
espera-se que em 2023, com uma nova guinada progressista, a recuperação dos direitos perdidos e
a implementação de novas políticas alinhadas com uma sociedade mais justa e igualitária, sejam de
fato instituídas, porque ainda há muito o que ser feito. Apesar de um futuro mais esperançoso, a luta
não para e as mulheres rurais brasileiras devem ser vistas, caso contrário, não é apenas o campo que
morre, mas sim o país inteiro.
Referências
BRASIL, Código Civil, artigo 19 da Lei nº 10.696. Brasília, DF, 02 de julho de 2003.
CASTELLS, M. O Poder da Identidade. v.2. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FILIPAK, A. Políticas públicas para mulheres rurais no Brasil (2003-2015): análise a partir da
percepção de mulheres rurais e de movimentos sociais mistos. Tese de doutorado, UNESP, Marília,
SP, 2017.
GÊNERO E NÚMERO. Fora e dentro de casa, mulheres são vítimas de múltiplas violências no
campo. Disponível em <https://www.generonumero.media/reportagens/fora-e-dentro-de-casa-
mulheres-sao-vitimas-de-multiplas-violencias-no-campo/#index_4/> Acesso em: 14 dez. 2022.
GÊNERO E NÚMERO; SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA. Sem parar: o trabalho
e a vida das mulheres na pandemia. Disponível em: < http://mulheresnapandemia.sof.org.br/>.
Acesso em: 14 dez. 2022.
HEREDIA, B. M. A; CINTRÃO, R. P. Gênero e acesso a políticas públicas no meio rural brasileiro.
Revista NERA – ano 9, n. 8 – Presidente Prudente, janeiro/junho de 2006.
HORA, K. Políticas Públicas para Mulheres Rurais. Mimeo, Brasília, 2015.
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Igualdade de Gênero. Políticas sociais:
acompanhamento e análise. Governo Federal, Brasília, 2022.
JALIL, L. M; COSTA, M. A. G; SILVA, L. OLIVEIRA, M. S. L. O impacto da covid-19 na vida
das mulheres rurais do Nordeste do Brasil. Cadernos de Agroecologia - Diálogos Convergências
e divergências: mulheres, feminismos e agroecologia - v. 16, no 1, 2021.
44
Tatiane da SilvaNogueira8
Leriane Silva Cardozo9
Introdução
As discussões sobre as políticas públicas voltadas para a Tecnologia Assistiva (TA)
surgiram recentemente no Brasil, influenciadas pelo movimento, nas últimas décadas, de inclusão
das pessoas com deficiência, possibilitando conquistas e avanços na promoção dos direitos das
pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida. Estima-se que há mais de 1 bilhão de pessoas
no mundo que tenham alguma deficiência, conforme Organização Mundial de Saúde (OMS),
enquanto que no Brasil, esse número chega a 45 milhões de habitantes com alguma deficiência
(física, visual, auditiva ou intelectual), conforme Censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Recentemente, houve a publicação do Decreto nº 10.645, de 11
de março de 2021, que regulamentou o art. 75 da Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015, para dispor
sobre as diretrizes, os objetivos e os eixos do Plano Nacional de Tecnologia Assistiva (PNTA).
Registra-se que o conceito de TA passou por grandes transformações, sendo gradativamente
construído e sistematizado (GALVÃO FILHO, 2022). Após debates e estudos, o Comitê de Ajudas
Técnicas/ Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (CAT/SEDH)
aprovou o termo “Tecnologia Assistiva” como sendo o mais adequado, e passa a considerar “Ajuda
Técnica” como sinônimos devido às legislações anteriores trazerem essa nomenclatura
(BERSCH,2017).
Considerando a relevância do tema e cientes da problemática acerca do desenvolvimento de
ações voltadas para atender a população com alguma deficiência, questiona-se como as ações do
Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver Sem Limite, do Governo Federal,
estão alinhadas aos propósitos orientados pela PNTA. O Plano Viver Sem Limite objetiva a
articulação de políticas governamentais de acesso à educação, inclusão social, atenção à saúde e
acessibilidade. Neste sentido, o presente estudo visa demonstrar as contribuições e dificuldades do
Plano Viver Sem Limite, por meio do desenvolvimento de ações voltadas aos eixos atenção à saúde
e acessibilidade.
8
Mestranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Oeste
da Bahia (PPGCHS), UFOB - BA. E-mail: [email protected]
9
Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Oeste da Bahia
(PPGCHS), UFOB - BA. Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC). E-mail: [email protected]
46
Metodologia
Os procedimentos metodológicos usados, inicialmente, foram uma pesquisa bibliográfica de
cunho exploratório para compreensão da problemática do estudo. Segundo Lakatos (2021), a
finalidade da pesquisa bibliográfica é colocar o pesquisador em contato com todo o material
disponível sobre o tema, permitindo explorar novas áreas em que o problema ainda não foi
solidificado. Quanto à abordagem metodológica, este estudo se insere no contexto de avaliação ex-
post de políticas públicas (BAPTISTA; REZENDE, 2015), cujo percurso metodológico assume
natureza qualitativa, exploratória, com coleta de dados secundários.
A tecnologia assistiva
No Brasil, a TA vem de um período de quase desconhecimento total da população e das
instituições nacionais sobre a relevância e os significados da TA (GALVÃO FILHO, 2022). Ela
ainda é considerada nova, porque só nos últimos anos ela vem ganhando visibilidade, passando a
estar presente em diferentes agendas governamentais. Segundo Bersch (2017), o termo Tecnologia
Assistiva surgiu em 1988, nos Estados Unidos da América (EUA), como importante elemento
jurídico dentro da legislação norte-americana, “conhecida por Public Law 100-407, que compõe,
com outras leis, o ADA– American with Disabilities Act” (BERSCH, 2005). A TA não é apenas
para se referenciar a recursos e serviços usados por pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida,
mas sim uma área de conhecimento interdisciplinar (BERSCH, 2017).
Em 2007, foi instituído o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), um comitê permanente, no
âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR, com
o intuito de traçar um plano de trabalho de curto, médio e longo prazo, bem como conceituar a TA,
fomentar a pesquisa, desenvolvimento e inovação através da proposição de políticas públicas. O
CAT formulou o seguinte conceito:
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica
interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à
atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade
reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão
social. (BRASIL - SDHPR. – Comitê de Ajudas Técnicas – ATA VII, 2007)
De acordo com Bersch (2017), uma das integrantes do CAT, para chegar a essa conceituação
foram necessárias pesquisas bibliográficas e documental nas legislações nacionais e internacionais,
para que subsidiassem de forma completa a elaboração das políticas públicas brasileiras. O CAT,
47
também propôs que “tecnologia assistiva” e "ajudas técnicas" sejam entendidas como sinônimas,
porque ainda têm normas vigentes que usa o termo "ajudas técnicas", ao falar sobre os recursos e
serviços usados por pessoas com deficiência. Definiram também que a expressão Tecnologia
Assistiva seja utilizada sempre no singular, por referir-se a uma área de conhecimento e não a uma
coleção específica de produtos. (BRASIL, 2009).
Galvão Filho (2022), afirma que a conceituação de TA, ainda passa por diferentes fases de
construção e sistematização, por ser um conceito muito amplo que abrange diversas áreas
concedendo um caráter interdisciplinar. O autor afirma que essa amplitude “favorece, fundamenta
e incentiva as pesquisas, o desenvolvimento e a inovação em TA nas diferentes áreas, e o
aperfeiçoamento de políticas públicas de fomento, produção, disponibilização e concessão de TA”
(GALVÃO, 2013, p.23). Contudo, por outro lado, ele ressalta que o conceito de TA precisa ser
continuamente estudado, uma vez que, com o crescimento e a multidisciplinaridade da área, abrem-
se brechas para distorções do seu real significado. Essas distorções não estão só relacionadas a
questões filosóficas e metodológicas, mas também, possuem implicações econômicas.
Com a ampliação no número de editais e chamadas públicas de projetos,
específicos para o incentivo à pesquisa, desenvolvimento, inovação,
produção e comercialização da TA no país, políticas públicas importantes,
com significativos investimentos de recursos econômicos na área, cresce
também o risco da ocorrência de distorções e a necessidade de uma maior
precisão conceitual que, ao mesmo tempo em que se apoie numa concepção
e conceituação ampla e interdisciplinar de TA, igualmente distinga as
fronteiras, percebendo e buscando identificar com crescente clareza
também o que não é TA. (GALVÃO, p. 23, 2013)
Dessa forma, Galvão entende que com essa abrangência conceitual os recursos destinados
para a TA sejam redirecionados para outras áreas que não estejam ligadas como serviços ou
produtos para as pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida.
Um marco importante para a área, segundo Galvão Filho (2022), é o Plano Nacional da
Pessoa com Deficiência - Viver sem Limites (VSL), instituído pelo Decreto 7.612, de 17 de
novembro de 2011, estabelecendo as diretrizes para a formulação de políticas setoriais, dentro de
quatro eixos: acessibilidade, inclusão social, acesso à saúde e à educação. Esse Plano conseguiu
atender grande parte das propostas apresentadas na primeira e segunda Conferência Nacional dos
Direitos das Pessoas com Deficiência e ratificou o compromisso do Brasil com as prerrogativas da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência realizada pela Organização
das Nações Unidas (ONU), em 2006, em que a validação se deu a partir de 2008, quando o texto da
Convenção foi incorporado ao ordenamento jurídico com status de Emenda Constitucional pelo
Decreto Legislativo nº186/2008 e promulgada pelo Decreto nº6.949/2009.
Após esse Plano VSL, em 2015, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, da qual os artigos 74 e 75
48
faz menção a criação de plano específico para a Tecnologia Assistiva, a fim de melhorar as questões
relacionadas à autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida das pessoas com deficiência e/ou
com mobilidade reduzida.
Como forma de regulamentar o artigo 75 da LBI, criou-se o Plano Nacional de Tecnologia
Assistiva (PNTA), instituído pelo Decreto 10.645 de 11 de março de 2021, estabelecendo diretrizes,
objetivos e eixos a serem seguidos, com a participação de diversas pastas ministeriais. O PNTA
encontra-se com consulta pública em aberto para a atualização da lista de bens e serviços da
Tecnologia Assistiva passíveis de financiamento para Pessoas com Deficiência.
Conclusões
Neste artigo, pretendeu-se responder a problemática de pesquisa através da contextualização
do que é a TA e da avaliação do Plano Viver sem Limites. A TA é uma área nova, isso pode ser uns
dos fatores que dificulta a proposição de políticas públicas, porém, já é notório o seu crescimento e
o surgimento de novas políticas, como o PNTA.
Os resultados apontam que o Plano Viver Sem Limite cumpriu, em grande parte, as metas
estipuladas para o ciclo 2011-2014 e que há perspectivas de crescimento. Dessa forma, com base
nos dados e análises, conclui-se que o Plano Viver sem Limites apresenta resultados favoráveis ao
desenvolvimento de políticas públicas na área, contribuindo para atender as prerrogativas da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, ratificada pelo Brasil com
equivalência de Emenda Constitucional.
Referências
BAPTISTA, Tatiana W. de F., REZENDE, Mônica de; A ideia de ciclo na análise de políticas
públicas. Caminhos para Análise das Políticas de Saúde. Porto Alegre: Rede Unida, 2015. Cap. 5.
p. 221-258.
BRASIL. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Comitê de
Ajudas Técnicas. Tecnologia Assistiva . – Brasília: CORDE, 2009. 138 p
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos-SDH. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da
Pessoa Com Deficiência-SNPD (ed.). Viver sem limite: plano nacional dos direitos da pessoa com
deficiência. 4. ed. Brasil, 2013. 96 p.
50
Introdução
O surgimento do novo coronavírus no final de 2019 e sua rápida disseminação pelo mundo
nos anos seguintes teve repercussões inimagináveis até então. Verifica-se que, mesmo com o
desenvolvimento e aplicação da vacina em massa, os efeitos decorrentes do Sars-CoV-19 em
diversos setores foram tão significativos que perdurarão durante muito tempo. Constatou-se uma
drástica queda na arrecadação tributária em tempos de pandemia devido ao arrefecimento da
economia nacional (FUJIWARA et al, 2020, p. 87). Esse cenário, inclusive, torna-se ainda mais
preocupante graças à crescente demanda por serviços públicos (principalmente na área da saúde), o
que resultou no aumento do gasto estatal, não obstante a redução da atividade fiscalizatória e o
desaquecimento da economia supramencionado (FUJIWARA et al, 2020, p. 88).
O presente trabalho, pois, almeja discutir a possibilidade de aplicação de determinadas
políticas públicas tributárias, notadamente, a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)
e a tributação sobre a renda de templos religiosos no contexto pós-pandêmico. Para confecção da
presente, foi realizado um amplo levantamento bibliográfico sobre o tema. Através do método
dedutivo-bibliográfico, então, os materiais coletados foram analisados sob uma perspectiva
contemplativa e crítica. Em um momento anterior às considerações minuciosas dispostas,
outrossim, foi feita uma ampla exposição para melhor compreensão da realidade socioeconômica
brasileira atual.
A partir dos dados obtidos, desenhou-se o problema a ser discutido, qual seja: a falta de
políticas públicas tributárias efetivas de caráter distributivo aptas a coibir a intensificação da
desigualdade social durante a crise sanitária vivenciada. Logo, a pertinência temática do trabalho
em questão reside nos novos e persistentes desafios econômicos, sociais, políticos e tributários
deixados pelo Covid-19, os quais obstaculizam a busca por uma justiça fiscal e a concretização da
dignidade da pessoa humana, de acordo com a Magna Carta brasileira.
10
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) – UNESP, Camp. Franca. Mestrado em andamento em Direito
pela UNESP. Email: [email protected]
11
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) – UNESP, Camp. Franca. Bacharel em Direito pela UNESP.
Email: [email protected].
12
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) – UNESP, Camp. Franca. Bacharel em Direito pela UNESP.
Email: [email protected].
52
aponta como sugestões de soluções excepcionais a instituição de normativas fiscais sobre o preço
do carbono, a tributação especial sobre eventuais aumentos de ganhos durante a pandemia, a
consideração de bases fiscais novas e subutilizadas e tributação diferenciada a empresas
multinacionais. Nessa toada de excepcionalidade, iremos tratar brevemente duas medidas tributárias
como alternativas de obtenção de recursos, quais sejam a adoção de impostos sobre a fortuna e
empréstimos compulsórios sobre renda de templos de qualquer culto.
Uma das soluções apresentadas pelo governo de alguns países sul-americanos para resolver
a crise econômica provocada pelas medidas de isolamento social em razão do COVID-19 é a
tributação sobre as grandes fortunas. (FERREIRA; DE JESUS; NETO, 2021, p. 61) No caso do
Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto expressamente no art. 153, VII da
CRFB/88, cuja base tributária são as grandes fortunas e que deve ser instituído nos termos de lei
complementar. (QUINTELA; SÉRGIO, 2018). Aponta-se que, apenas no ano de 2020, foram
criadas dezesseis propostas de lei complementar da Câmara dos Deputados para a regulação do
Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e, ainda, três propostas de lei complementar no Senado,
tendo como justificativa o combate aos efeitos econômicos negativos causados pelo COVID-19.
(FERREIRA; DE JESUS; NETO, 2021, p. 61) As três propostas de lei complementar para tributar
as grandes fortunas que tramitaram no Senado foram: PLP 38/2020, PLP 50/2020 e PLP 213/2020.
O PLP n° 38/2020, de autoria o Senador Reguffe, tinha como objetivo instituir o Imposto
Extraordinário sobre Grandes Fortunas durante o período de calamidade pública causada pelo
COVID-19, tributando as pessoas físicas cujo patrimônio líquido exceda a 50.000 salários-mínimos
com a alíquota de 0,5%. (SENADO, 2020a apud FERREIRA; DE JESUS; NETO, 2021, p. 80)
Da mesma forma, o PLP n° 50/2020, de iniciativa da Senadora Eliziane Gama, visa instituir
temporariamente o Imposto sobre Grandes Fortunas e Empréstimo Compulsório para financiar a
proteção social em face do COVID-19, ambos incidentes sobre o patrimônio líquido que exceda o
valor de 12.000 vezes o limite mensal de isenção para pessoa física, sendo que o empréstimo
compulsório seria restituído ao contribuinte no próximo exercício fiscal, na forma de abatimentos
do próprio IGF. (SENADO, 2020b apud FERREIRA; DE JESUS; NETO, 2021, p. 81) Por fim, a
PLP 213/2020 tem por finalidade o programa Renda Básica da Primeira Infância, ao mesmo tempo
que regulamenta o IGF como fonte de financiamento (SENADO, 2020c apud FERREIRA; DE
JESUS; NETO, 2021, p. 81) Por outro lado, cabe assinalar que na Câmara dos Deputados
promoveram dezesseis propostas de lei complementar para tentar instituir a tributação sobre grandes
fortunas em razão da COVID-19, quais sejam: PLP 49/2020, PLP 59/2020, PLP 63/2020, PLP
77/2020, PLP 82/2020, PLP 95/2020, PLP 103/2020, PLP 123/2020, PLP 188/2020, PLP 201/2020,
PLP 215/2020, PLP 258/2020, PLP 112/2020, PLP 190/2020 e PLP 193/2020. Esses projetos,
segundo Ferreira; De Jesus; Neto (2021, p. 82), apresentam em comum a falha da vinculação entre
a vigência da exação à efemeridade da pandemia ou de outra circunstância (vigente tão somente
54
Conclusões
Durante o período pandêmico constatou-se uma drástica queda na arrecadação tributária.
Dessa forma, foi possível constatar uma nítida diminuição da receita pública no âmbito estadual e
municipal, visto que referidos entes da federação sustentavam-se, principalmente, pelo
recolhimento do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre
Serviços (ISS). (LIMA; FREITAS, 2020, p. 20). Diante do exposto, segundo Buffon; Menegussi
(2020, p. 288), verificou-se a necessidade iminente do aparato estatal tomar medidas aptas a retomar
a higidez da arrecadação tributária frente à crise econômica causada pela pandemia do Covid-19,
de modo a não somente a recuperar a capacidade de arrecadar recursos financeiros ao Estado, mas
também estimular e desestimular comportamentos com vistas à promoção de uma tributação
igualitária.
É fato que, em decorrência da imprevisibilidade da situação socioeconômica atual, mostra-
se necessário adotar soluções arrecadadoras inusitadas para fazer frente ao aumento de gastos
advindos da pandemia, como a instituição do IGF e do empréstimo compulsório sobre a renda dos
templos de qualquer culto.
No tocante ao IGF, assevera-se em conformidade com os ensinamentos de Martins; Massaú
(2021, p. 314) que a sua instituição acarretaria numa verdadeira adequação aos objetivos da
República Federativa Brasileira, principalmente no que tange à busca pela redução da desigualdade
social e valorização da solidariedade concretizada de forma direta mediante ação legislativa e
administrativa. Do mesmo modo, foi possível reconhecer a instituição dos empréstimos
compulsórios sobre a renda dos templos de qualquer culto como outra medida inovadora para
enfrentar a atual crise brasileira, uma vez que, segundo Bernardi; Di Creddo (2020, p. 74), referida
medida não encontraria óbice na imunidade religiosa como decorrência do seu caráter restituível,
fato este suficiente para garantir a plena liberdade de culto no País e, ainda, consistir numa espécie
tributária eficiente e ágil para transposição dos valores dos cofres públicos por não necessitar
submeter-se às anterioridades de exercício e nonagesimal.
Restou demonstrado, portanto, a viabilidade da instituição do IGF e do empréstimo
compulsório sobre a renda dos templos de qualquer culto como medidas de tributação especial
constitucionalmente garantidas para fazer frente aos gastos públicos decorrentes do estado
pandêmico, promovendo o incremento da arrecadação tão necessário nesse momento e, ao mesmo
tempo, sendo capazes de adequar a tributação à efetiva capacidade contributiva do cidadão e ao
combate da desigualdade social.
57
Referências
AFONSO, José Roberto. Orçamento de guerra e quarentena fiscal. Revista Conjuntura
Econômica, Rio de Janeiro, v. 74, n. 4, p. 24- 27, abr. 2020. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rce/article/view/81588. Acesso em: 10 nov. 2021
BERNARDI, Renato; DI CREDDO, Raquel de Naday.ARRECADAÇÃO EM TEMPOS DE
PANDEMIA: A INSTITUIÇÃO DE EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS SOBRE A RENDA
DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. Revista de Direito Tributário e Financeiro.
Encontro Virtual, v. 6, n. 2, p. 60 - 78, Jul/Dez. 2020. Disponível em:
https://www.indexlaw.org/index.php/direitotributario/article/view/7101/pdf Acesso em: 10 nov.
2021
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei Complementar n. 38, de 2020. Busca instituir, durante o
período de calamidade pública no Brasil, o Imposto Extraordinário Sobre Grandes Fortunas. 2020a.
Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8076784&ts=1609781116120&disposition=inline. Acesso em 16 nov.
2021
______. Senado Federal. Projeto de Lei Complementar n. 50, de 2020. Busca instituir o imposto
sobre grandes fortunas e empréstimo compulsório, para financiar necessidades de proteção social
decorrentes da covid-19. 2020b. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8078140&ts=1609781123034&disposition=inline. Acesso em 16 nov.
2021
______. Senado Federal. Projeto de Lei Complementar n. 213, de 2020. Busca instituir a Renda
Básica da Primeira Infância de R$ 800,00, custeada por tributação progressiva. 2020c. Disponível
em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8876309&ts=1602359531030&disposition=inline. Acesso em 16 nov.
2021
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 49, de 2020. Busca instituir a
Renda Básica da Primeira Infância de R$ 800,00, custeada por tributação progressiva. 2020a.
Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870375&filename=P
LP+49/2020. Acesso em 16 nov. 2021
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 59, de 2020. Busca regulamentar
o disposto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal, para instituir o Imposto Sobre Grandes
Fortunas. 2020b. Disponível
em:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1871199&filename
=PLP+59/2020. Acesso em 16 nov. 2021
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 63, de 2020. Busca disciplinar as
regras de aplicação do Imposto Sobre Grandes Fortunas e dá outras providências. 2020c. Disponível
em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1871231&filename=P
LP+63/2020. Acesso em 16 nov. 2021
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 112, de 2020. Busca instituir
Empréstimo Compulsório incidente sobre Grandes Fortunas, nos termos do inciso I do art. 148 da
Constituição Federal, que financiará necessidades de proteção social decorrentes do Covid-19.
2020d Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1886994&filename=P
LP+112/2020. Acesso em 16 nov. 2021
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 190, de 2020. Busca instituir o
Empréstimo Compulsório sobre Grandes Fortunas para financiar despesas relacionadas ao estado
58
13
Universidade Estadual de São Paulo. Especialista em Direito de Família e Sucessões e Mestranda no Programa de
Análise e Planejamento de Políticas Públicas. E-mail: [email protected];
14
Universidade Estadual de São Paulo. Mestra em Serviço Social pela Unesp Franca. E-mail:
[email protected];
15
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triangulo Mineiro. Mestre em Serviço Social pela PUC/ Goiás.
[email protected].
61
O presente trabalho visa esclarecer as origens desta violência, bem como o que tem sido
feito no âmbito municipal de Uberaba (Minas Gerais), especialmente em relação a esta busca pelo
respeito e por práticas baseadas em evidências científicas que respeitem a fisiologia do corpo
feminino.
Pontuamos acima que a mulher é por vezes objetificada em nossa sociedade, não tendo
direito por exemplo à liberdade de escolha e liberdade de seus próprios corpos. Trazendo esta
discussão para um dos momentos mais sublimes da mulher, que é em seu pré-parto, parto e pós-
parto, podemos dizer que a violência obstétrica é uma expressão cruel da violência contra a mulher,
pois, se trata de uma violência institucionalizada e reproduzida muitas vezes por profissionais da
saúde, muitas vezes mulheres que trabalham na saúde e que reproduzem posicionamentos machistas
e opressores.
das mulheres brancas não realizam, contra 2,8% das mulheres negras e pardas.
Com relação a consultas de pré-natal, das mulheres que realizaram mais de 7
consultas pré-natais, 71% das mulheres brancas têm acesso, contra 42,6% das
mulheres negras e pardas. Ou seja, as mulheres negras têm menos acesso ao direito
ao acompanhamento do pré-natal do que as brancas, o que confirma a interferência
do racismo no fenômeno. (CISNE, SANTOS, 2022)
Pode-se observar que o acesso ao pré-natal é um indicador de falta de acesso à saúde durante
a gestação, o que pode ser considerado uma violência obstétrica, já que este acesso é um direito a
todas as mulheres independente de cor ou classe social.
Além da negligência ao pré-natal, as mulheres que se submetem ao parto pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) muitas vezes são empurradas para violências que já são institucionalizadas
e rotineiras. Muitas das práticas de violência ocorrem de forma corriqueira, sendo normalizado no
meio médico e multidisciplinar, retirando o direito de autonomia e protagonismo da mulher e
assumindo um papel de detentor do saber científico, tratando a gestante e puérpera como absoluta
desconhecedora do processo fisiológico e de tomada de decisões.
No âmbito particular não é diferente. Os médicos cooperados dos planos de saúde possuem
diversas indicações de cesariana que são conhecidas como mitos na ciência obstétrica, mas que
levam aquela paciente a se sentir insegura com uma via de parto normal e acaba sendo vítima de
uma cirurgia desnecessária e que engloba riscos à saúde da mulher.
O Instituto Nascer, por meio da médica obstétrica Melania Amorim (2021), traz em um de
seus textos do blog as reais indicações de cesárea e as fictícias. E, de maneira surpreendente, tem-
se que apenas seis são as causas de indicações absolutas da cirurgia, enquanto que as demais são
criadas para que as mulheres se submetam à indústria do parto. As reais indicações são: prolapso
de cordão, descolamento prematuro de placenta, placenta prévia, apresentação córmica, ruptura de
vasa prévia e lesão ativa de herpes genital. Outras podem ser derivadas de urgências intraparto,
como a frequência não tranquilizadora e a desproporção céfalo-pelvica (condição rara). As demais,
são meras desculpas.
Em 2012, a Rede Parto do Princípio realizou um dossiê completo sobre a realidade
obstétrica nacional, trazendo dados estarrecedores do quadro violento a que as mulheres são
submetidas. Este dossiê foi intitulado como “Parirás com dor”. Nele consta o resultado da pesquisa
da Fundação Perseu Abrano, realizado em 2010, em que 25% (vinte e cinco porcento) das mulheres
entrevistadas sofreram algum tipo de violência obstétrica. Isso sem levar em consideração a
quantidade de subnotificações, até mesmo pela falta de informação da população em relação a esta
violência que já está enraizada na sociedade brasileira e na indústria médica. Por isso é possível
dizer que a violência estrutural fez originar a violência presente no cenário obstétrico, por ser reflexo
da reprodução do machismo e patriarcalismo que silenciam as mulheres e as mantém em condição
de subserviência, sem qualquer controle de seus desejos e corpos.
64
pontos na perereca dela”. Isso ocorreu com uma blogueira de sucesso, branca e rica, podemos assim
imaginar o que acontece com as usuárias do SUS, pretas, pobres e marginalizadas. Neste sentido a
denúncia de Shantal se faz necessária, pois em uma sociedade tão excludente mulheres oprimidas
começam a ser ouvidas após denuncias públicas como esta.
A discussão de tal tema é recente, e, como foi dito anteriormente ainda está se fortalecendo.
Um grande avanço na discussão sobre o tema em âmbito municipal, em 2016, a lei 12.338, que
dispõe sobre a presença de doulas durante o parto, nas maternidades no município de Uberaba traz
que
Art. 1. As maternidades, casas de parto e os estabelecimentos hospitalares
congêneres, da rede pública e privada, localizados no município de Uberaba, são
obrigados a permitir a presença de doulas durante todo o período de trabalho de
parto, parto e pós-parto imediato, sempre que esta for solicitada pela parturiente
(2016).
No artigo 3º, a lei ainda exemplifica condutas consideradas como violência obstétrica e no
artigo 4º traz a obrigatoriedade da divulgação da lei, para que a mulher tenha acesso a lei e em
consequência ao direito de não sofrer violência obstétrica nos estabelecimentos de saúde.
Conclusão
Observa-se que houve avanço no debate sobre a violência contra a mulher e violência
obstétrica. No município de Uberaba esse avanço é perceptível, principalmente por meio das leis
supracitadas. No entanto, no que diz respeito à saúde da mulher, numa concepção de igualdade em
acesso às políticas públicas, ainda temos muito a evoluir. Lutar para a desconstrução de práticas
machistas, retrógradas e degradantes à saúde da mulher é um dever não só dos profissionais de
saúde, é um dever de todos, tendo útero ou não. O atendimento à mulher tem que ser humanizado,
como preconiza o projeto de reforma sanitária do país, para que esta sinta-se potente, autônoma,
dona do seu próprio corpo.
Podemos contar com o direito internacional que também tem caminhado, trazendo
inovações e novas concepções de humanidade e respeito ao âmbito de vida das mulheres,
favorecendo e ampliando novos debates e a mobilização social e do direito, de forma que a violência
estrutural seja minimizada e combatida. Neste sentido nossa luta deve ser coletiva almejando que a
exploração e apropriação do corpo feminino seja superado. Devemos desnaturalizar a violência e a
inferiorização da mulher, seja no trabalho, em seu lar e em sua hora de parir. O combate à violência
contra a mulher é cotidiano e é importante que as práticas violentas sejam denunciadas e que a
vítima seja atendida e inserida nas políticas públicas que a auxiliem a sair do ciclo de violência.
A violência obstétrica e/ou institucional deve contar com agentes vigilantes que realizem
denúncias ou que empoderem as mulheres em fazerem essas denúncias. Só assim superaremos,
conjuntamente com as políticas públicas e legislações pertinentes, com as práticas massacrantes e
violentas que acometem as mulheres em momentos tão especiais de suas vidas.
Referências
AMORIM, Melania. Indicações reais e fictícias de cesariana. Blog Instituto Nascer. Disponível
em: https://institutonascer.com.br/indicacoes-reais-e-ficticias-de-cesariana/. Acesso em: 30 de
novembro de 2022.
CISNE, M. SANTOS, R. P. S. Feminismo e Serviço Social no enfrentamento à violência obstétrica.
Estudos de Política e Teoria Social da Revista Praia Vermelha. V.32 N.01, 2022. Disponível
em: https://revistas.ufrj.br/index.php/praiavermelha/article/view/43590 Acesso em: 30 de
novembro de 2022.
HOTELLING, Barbara A. Doulas in the'90s: We're Not Your Grandmother's Doula. International
Journal of Childbirth Education. v. 10, n. 2, p. 8-9, 1995.
PRINCÍPIO, Parto do. Dossiê Violência Obstétrica “Parirás com Dor”. Disponível em:
https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso
em: 30 de novembro de 2022.
67
16
Universidade Estadual de São Paulo. Especialista em Direito de Família e Sucessões e Mestranda no Programa de
Análise e Planejamento de Políticas Públicas. E-mail: [email protected];
17
Universidade Estadual de São Paulo. Mestra em Serviço Social pela Unesp Franca. E-mail:
[email protected];
69
possa conhecer o trabalho de cada espaço da rede de garantia de direitos, onde a dinâmica consiste
em, contar com a participação de toda a rede, nas discussões de políticas que contribuam para a
efetiva garantia do acesso aos serviços destinados ao nosso público-alvo. Nessas rodas de conversa,
foram estabelecidos fluxos de atendimentos às várias demandas recebidas pelos diversos espaços
de atendimento ao público tratado neste artigo tais como: violência sexual até e após 72 horas, fluxo
de trabalho infantil, fluxo de atendimento mental, dentre outros.
No município de Uberaba/MG ainda existe um envolvimento muito significativo por parte
do judiciário, concentrado no juiz da Vara da Infância e Juventude, que busca se fazer presente e
ativo nas reuniões setoriais, provocando a interação do trabalho em rede e o próprio Poder Público,
no sentido de que essas engrenagens estejam funcionando cada vez melhor e de forma mais eficaz.
Este trabalho é feito justamente por perceber os desencontros contidos na Rede, que muitas vezes
camufla ou omite a má assistência, o que gera maiores números de judicializações da infância e
juventude, evidenciando sobremaneira os gargalos existentes no sistema.
Outro importante equipamento social nesse contexto, são as reuniões territoriais que
acontecem nos 08 (oito) CRAS que compõem o Município, a fim de que possam ser discutidos os
casos comuns à rede de proteção, possibilitando a tomada de decisão por parte dos profissionais,
resguardadas as competências e especificidades de cada um. O objetivo é construir instrumentais
cujas avaliações se complementem, com vistas a diminuir a prática do encaminhamento pelo
encaminhamento, para dar lugar a encaminhamento e acompanhamento ético, de qualidade, que de
fato contribua para a mudança da realidade de nossas crianças e adolescentes e familiares, de forma
a beneficiá-los com relação a seus direitos, seja no âmbito da saúde, educação, habitação,
assistência, previdência, entre outros.
A pandemia do novo Corona vírus de covid-19, que assolou o Brasil e o mundo, impactou
intensamente a vida de toda a população. Prematuro dizer que vivenciamos um período pós
pandêmico quando na realidade ainda somos assombrados pelo aumento de novos casos de pessoas
contaminadas, além de lidarmos com sequelas graves dessa terrível doença. Esse contexto refletiu
diretamente no cotidiano de crianças e adolescentes, evidenciando o quão necessário essa rede de
proteção precisa ser atuante, evitando-se assim preconizada.
Dentro da rede de educação municipal, percebeu-se diversas refrações sociais, fruto de um
sistema capitalista, agravado pelo caos do momento pandêmico, trazendo para o interior das
unidades de ensino, demandas sociais que comprometem e por vezes inviabiliza o aspecto
pedagógico como: fome, violência de toda natureza, o desemprego dos pais ou responsáveis, o óbito
de pais e ou responsáveis, o adoecimento psicológico, a falta de atendimento por profissionais
especializados, a falta de medicação, o rompimento de tratamentos, entre outros.
A política de saúde é outra porta de entrada para as mais variadas violações de direitos.
Sejam nas unidades básicas de saúde, pela equipe que realiza atendimento domiciliar, sejam nos
71
Por isso, quando se analisa as políticas públicas que envolvem as crianças e adolescentes,
é preciso entender que o contexto é complexo e que qualquer nó estrutural que envolve essas
políticas é capaz de desestruturar todo ou boa parte do sistema que deveria prezar e proteger esses
sujeitos. Fazer juízo de valor das situações é muito fácil e simples quando aquilo não afeta a cada
ser individual, mas sim ao outro, distanciando essa realidade daquilo que deveria ser o ideal e
normalizando situações que devem ser tratadas com atenção e sensibilidade.
As crianças e os adolescentes são o futuro dos povos, das comunidades, das sociedades e
devem ser cuidadas e respeitadas como merecem, com dignidade, com afeto, com respeito e dando
a elas o protagonismo das escolhas e daquilo que julgam como o melhor, dentro de uma equidade
de oportunidades, o que ainda está longe de ser alcançado.
Conclusão
A verdadeira rede de proteção é aquela formada por profissionais competentes, éticos,
capacitados, que atuem em espaços de trabalho adequados, com vistas a um trabalho articulado e
integrado em que as ações sejam pensadas na resolutividade do público-alvo do seu atendimento,
fortalecendo a interdisciplinaridade entre os órgãos e entidades que atendem essas famílias. É
necessário que todos os partícipes dessa rede, consigam estabelecer uma linguagem única, com
propriedade da matéria, debatendo e somando entre si, com a troca constante de conhecimento,
identificando alternativas concretas e duradouras para as situações atendidas.
Outro aspecto de suma importância está centrado no constante e adequado monitoramento
e aperfeiçoamento dos fluxos estabelecidos na e pela rede, enquanto responsabilidade de todos os
membros que a compõe, devendo primar por resultados que garantam o efetivo acesso aos direitos
preconizados no ECA
No entanto, há a clara percepção de que, por vezes, o trabalho advindo de políticas públicas
poderia ser mais eficaz na resolutividade das demandas apresentadas, evitando-se assim, o grande
número de judicialização de casos, em virtude do não eficaz funcionamento da chamada rede de
proteção.
74
Referências
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990ª.
CUNHA, E. de P.; CUNHA, E. S. M. Políticas públicas e sociais. In: CARVALHO, A.;
SALES, F. (Org.). Políticas públicas. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
FÁVERO, Eunice Teresinha. Questão Social e Perda do Poder Familiar. São Paulo: Veras
Editora, 2007.
FILHO, Paulo Roberto Araujo Cruz. Governança e Gestão de Redes na Esfera Pública Municipal:
O Caso da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência em
Curitiba. Ciências em Debate: Cadernos Interdisciplinares do Núcleo de Pesquisa ORD/UFSC.
Florianópolis: v.1, n.1, p. 158-178. 2014.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 3ª Ed. São Paulo: Cortez, 2000.
75
Introdução
Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas considerações a respeito de projeto
de pesquisa que tem como tema a internação provisória de adolescentes que supostamente
praticaram algum ato infracionais no Estado de Minas Gerais. À vista disso, traz algumas reflexões
iniciais que justificam e orientam a pesquisa que ainda encontra-se em fase inicial.
Uma vez que há poucas produções científicas críticas a respeito da internação provisória;
que os indicadores do estado não abarcam as especificidades da medida cautelar; que o sistema
utilizado pelo Estado para coleta de dados dos adolescentes privados de liberdade não abrange
coleta de informações a respeito do perfil dos adolescentes no provisório; e que ainda exista pouco
conhecimento dos equipamentos que compõem o sistema de direitos da criança e do adolescente a
respeito da internação provisória, torna-se extremamente necessário pesquisar sobre o tema, a fim
de mapear e conhecer a realidade que permeia a especificidade desse tipo de acautelamento e, a
partir disso, construir coletivamente, enquanto rede de direitos, ações assertivas em curto, médio e
longo prazo. Além disso, há grande fortalecimento na sociedade Brasileira da onda conservadora
“anti-ECA”, isto é, a favor do retrocesso com relação aos direitos da infância e adolescência
conquistados com tanta luta. Isso apenas reforça a necessidade da realização de pesquisas na área a
fim de contestar o estigma com relação aos adolescentes envolvidos com algum tipo de ato
infracional e enfatiza a relevância da temática colocada inicialmente no projeto.
Ainda abordando essa perspectiva conservadora, Mario Volpi coloca que alguns juízes da
infância e promotores ainda utilizam antigas categorias do Código de Menores como a “vadiagem”
e a “perambulação” como razão para a privação de liberdade, desrespeitando os princípios de
excepcionalidade, brevidade e condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (VOLPI,
2015).Além disso, a inexistência de parâmetros objetivos para medir a dimensão quantitativa da
chamada “delinquência juvenil” é substituída por avaliações tendo como base a moral e as opiniões
pessoais.
Com relação a isso, Michel Foucault coloca a delinquência como “condição que o sistema
submete o indivíduo, estigmatizando-o e controlando formal ou informalmente, inclusive após ter
18 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas - PAPP/UNESP. Diretora de
Atendimento no Centro de Internação Provisória (CEIP) de Araxá/MG. Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual
Paulista "Julio de Mesquita Filho" - Campus Franca/SP. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Políticas Públicas para
Infância e Adolescência - GEPPIA/Unesp/ Franca - SP. Membro do Laboratório de Análise de Política (LAP) - Unesp/Franca. E-
mail: [email protected]
76
cumprido a pena” (FOUCAULT, 1996 apud VOLPI, 2015). Volpi atribui isso à dificuldade ainda
existente em reconhecer no agressor um cidadão, o que para muitos é até mesmo inapropriado. No
entanto, é essencial que os profissionais inseridos na política pública socioeducativa reconheçam e
busquem garantir esses direitos, tanto no cotidiano de trabalho como através da realização de
pesquisas.
No Brasil, crianças e adolescentes “representam a parcela mais exposta às violações de
direitos pela família, pelo Estado e pela sociedade” (VOLPI, 2015, p. 10), mesmo sendo colocados
pela legislação como destinatários de proteção integral. Essas violações são ainda mais acentuadas
nos casos de adolescentes privados de liberdade, uma vez que, apesar de as medidas socioeducativas
constituírem-se em condição especial de acesso aos direitos sociais, políticos e civis, não é o que
efetivamente ocorre em muitos Centros Socieoducativos. Além disso, as medidas têm (ou ao menos
deveriam ter) a missão de proteger e realizar um processo educativo de maneira que o adolescente
tenha oportunidade de se reinserir na vida social fora dos muros da instituição, o que só ocorrerá
através de um conjunto de ações que vão para além do que a instituição em si pode oferecer, haja
vista a incompletude institucional e necessidade de um trabalho intersetorial.
Este trabalho intersetorial com o sistema de garantia de direitos possui desafios, sobretudo
quando é necessário trabalhar com diferentes redes de diferentes municípios, haja vista a origem de
adolescentes de diversas localidades em uma mesma unidade. Para compreender o porquê da
dificuldade de efetivação desses processos, é preciso investigar o motivo dessa dicotomia existente
entre teoria e prática (RIZZINI, 1993).
De acordo com Volpi
A aplicação de medidas socioeducativas não pode acontecer isolada do contexto
social, político e econômico em que está envolvido o adolescente. Antes de tudo,
é preciso que o Estado organize políticas públicas para assegurar, com prioridade
absoluta, os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à
cultura, esportes e lazer e demais direitos universalizados, será possível diminuir
significativamente a prática de atos infracionais cometidos por adolescentes
(VOLPI, 2015, p.54).
Fica evidente, à vista disso, a necessidade de estudar sob quais condições e particularidades o
acautelamento provisório ocorre.
Desenvolvimento
A internação provisória está prevista no Art. 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente -
ECA (1990), possui natureza cautelar e pode ser aplicada antes da sentença pelo prazo máximo de
quarenta e cinco dias, além disso, deve ser baseada em indicativos de autoria e materialidade, os
quais precisam demonstram a necessidade impreterível da medida. Conforme Art. 108 do ECA:
77
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo
máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios
suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da
medida (BRASIL, 1990)
são aplicadas de maneira inadequada, de forma que a internação se torna banalizada e transforma-
se na primeira medida, quando deveria obedecer aos princípios de excepcionalidade, brevidade e
respeito à condição peculiar do adolescente, que é a de pessoa em desenvolvimento (VOLPI, 2015).
É de fundamental importância, portanto, compreender o importante papel da equipe
interdisciplinar junto aos adolescentes privados de liberdade, que tem como papel preparar o jovem
para a cidadania e para um futuro ainda incerto, no caso da internação provisória, uma vez que este
ainda aguarda uma sentença. Para isso, essa equipe “têm a missão de proteger (garantir direitos) e
educar de forma que o adolescente tenha oportunidade de se reinserir na vida social” (VOLPI, 2015,
p. 17) e isso deve ocorrer através de “um conjunto de ações que propiciem a educação formal,
profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente” (VOLPI, 2015, p. 17).
Na aplicação da privação de liberdade em jovens com menos de 18 anos, o que de fato ocorre
é uma proteção da sociedade, não do adolescente, o qual é considerado pelo senso comum como
um “desajustado social”, isto é, não vive conforme os padrões sociais impostos pela ideologia
burguesa, portanto precisa ser afastado do convívio social a fim de ser recuperado e em seguida
reincluído (VOLPI, 2015, p. 11). No entanto, essa “recuperação” nem sempre ocorre conforme o
Estatuto da Criança e do Adolescente, em que “os regimes socioeducativos devem constituir-se em
condições que garantam o acesso do adolescente às oportunidades de superação de sua condição de
exclusão, bem como de acesso à formação de valores positivos de participação na vida social”
(VOLPI, 2015, p. 25). O que dá base para essas condições é o acesso às políticas públicas
intersetoriais, como: assistência social, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, habitação,
segurança alimentar, etc, as quais precisam dialogar com as instituições de internação e raramente
o fazem. Essas políticas públicas de proteção à infância e adolescência são limitadas, conhecidas de
forma fragmentada, quando não são inexistentes e, apesar de existirem documentos legais que
garantam direitos, eles nem sempre são efetivados fora dos muros institucionais. No entanto,
acredita-se que mesmo diante dessa conjuntura, é possível que as equipes interdisciplinares atuem
junto aos adolescentes e às famílias, trabalhando para um processo de garantia de direitos, desde
que amparados por políticas públicas efetivas.
Também é preciso considerar o contexto neoliberal em que estamos inseridos para
compreender o cenário exposto acima, contexto este que é considerado por Octavio Ianni como a
“reprodução ampliada do capital em escala global” e momento em que “o poder Estatal é liberado
de todo e qualquer empreendimento econômico ou social que possa interessar ao capital privado
nacional e transnacional.” (IANINI, 2004, p. 314-316). Além disso, o autor coloca o contexto como
um divórcio entre Estado e sociedade, cujo resultado é um desenvolvimento desigual e contraditório
que opera em escala global.
O papel da mídia também é abordado por Ianni, em que afirma que ela “opera decisivamente
como ‘intelectual orgânico’ dos grupos e classes sociais ou blocos de poder dominantes em todo o
80
mundo, em âmbito nacional e global” (IANINI, 2004 p. 324). Dessa forma, restam poucos espaços
de organização, conscientização e mobilização às classes sociais ou setores e coletividades
subalternos. Ademais, a indústria cultural é responsável pela exarcebação da violência através da
manipulação da imagem com filmes, reportagens e novelas, isto é, surge um processo chamado por
ele de “estetização da violência”.
Ainda segundo o autor, o neoliberalismo é, portanto, uma guerra contra tudo que contenha
um pouco de “social”, priorizando tudo que é econômico. Com isso, “o mundo todo revela-se
atravessado pelo desemprego estrutural, as subclasses, o pauperismo, a lumpenização, a xenofobia,
o etnicismo, o racismo, o fundamentalismo, o terrorismo de Estado, a criminalização de setores
sociais subalternos, a satanização dos ‘outros’” (IANNI, 2004, p. 342), o que explica a
marginalização e esquecimento da juventude periférica e preta, a qual é lembrada apenas pela
criminalidade e violência, sem levar em consideração a violência estrutural que ela sofre.
À vista desta realidade, a pesquisa tem como objetivo geral realizar um estudo a respeito da
internação provisória para adolescentes que supostamente cometeram ato infracional no Estado de
Minas Gerais. Como objetivo específico buscará conhecer o perfil dos adolescentes em internação
provisória; mapear os desafios e possibilidades das Unidades Provisórias no processo de garantia
de direitos dos adolescentes privados de liberdade conforme previsão do ECA e SINASE; realizar
uma análise comparativa entre as unidades de internação provisória da administração direta, da
gestão híbrida e da cogestão.
A investigação terá como orientação teórico metodológica o método crítico dialético, uma
vez que buscará analisar a totalidade complexa do objeto de estudo, sem a pretensão de esgotá-lo.
Além da pesquisa bibliográfica, será realizada pesquisa documental e de campo, em que serão
aplicados questionários aos diretores de atendimento das unidades provisórias do Estado de Minas
Gerais a fim de incluí-los e considerar suas perspectivas do trabalho realizado com adolescentes
acautelados. Espera-se como resultado desta pesquisa contribuição para o aprimoramento da
execução da medida provisória no estado.
Conclusões
Diante do que foi apresentado e da carência de pesquisas voltadas para as medidas
socioeducativas, fica evidente a necessidade de se pesquisar sobre a temática apresentada, visto que
são poucas as produções críticas a respeito da infância e da adolescência, principalmente das
medidas socioeducativas, e ainda mais sobre a privação da liberdade provisória. É preciso
compreender a realidade a fim de contribuir para a construção, avaliação e desenvolvimento da
política socioeducativa no estado de Minas Gerais.
Referências
81
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de; MONNERAT, Giselle Lavinas; SOUZA, Rosimary Gonçalves
de Souza (orgs.). A intersetorialidade na agenda das políticas sociais. Campinas: Papel Social,
2014.
BERNAL, Elaine Marina Bueno. Arquivos do abandono: experiências de crianças e adolescentes
internados em instituições do Serviço Social de Menores de São Paulo (1938-1960). São Paulo:
Cortez, 2004.
BOURGUIGNON, Jussara Ayres. O processo de pesquisa e suas implicações teórico-
metodológicas e sociais. Emancipação, v. 6, n. 1, 2006, p. 41-52.
BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 19 jan. 2012.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm.
Acesso em: 24 mai. 2020.
BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da criança e do adolescente
(ECA). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 13 jul. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 24 mai. 2020.
BRASIL. Código de Menores, Lei Federal 6.697, de 10 de outubro de 1979, dispõe sobre
assistência, proteção e vigilância a menores. Disponível em: www.senado.gov.br. Acesso em 08
set. 2020.
CONTRATO DE GESTÃO SEJUSP/SUASE Nº 08/2021. Disponível em:
http://www.institutoelo.org.br/site/files/arquivos/e09c6f42ac45ed69ce9e2ad6e80d0541.pdf.
Acesso em 20 jan. 2022.
DUARTE, Rosália. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo. Cadernos de
Pesquisa, n. 115, 2002, p. 139-154.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas:
Papirus, 2012.
IANNI, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
ÍNDICES DA POLÍTICA SOCIOEDUCATIVA. Disponível em:
http://www.seguranca.mg.gov.br/socioeducativo/indices-da-politica-socioeducativa. Acesso em:
20 jan. 2022.
JUÍZO. Direção: Maria Augusta Ramos. Rio de Janeiro: No Foco Filmes, 2008. (90
min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UymNRVuilnA. Acesso em: 29 nov.
2020.
LEITE, Amanda Lorena. O trabalho da equipe interdisciplinar com adolescentes privados de
liberdade. 2021. 124 p. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Franca, 2021.
LEITE, Amanda Lorena; PIANA, Maria Csitina. Trabalho e interdisciplinaridade: uma reflexão a
respeito da medida socioeducativa internação. Sodebras, V. 16, n. 186, jun. 2021, p. 08-15.
LEITE, A. L.; SILVA, A. P. ; DUARTE, A. C. ; FERREIRA, V. M. . A PRODUÇÃO TEÓRICA
EM SOCIOEDUCAÇÃO E O MÉTODO EM MARX: Uma análise documental de artigos
publicados em revistas eletrônicas do Serviço Social. In: Anabella Pavão da Silva; Eliana Bolorino
Canteiro Martins; Maria Cristina Piana. (Org.). 30 Anos do Estatuto da Criança e do Adolescente:
uma reflexão crítica dos direitos da infância e adolescência. 1ed.São Paulo: Cultura Acadêmica,
2021, v. 1, p. 57-78.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital.
São Paulo: Boitempo, 2013.
NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Editora Expressão
Popular, 2011.
82
Introdução
O presente trabalho tem como tema o monitoramento e avaliação de serviços
socioassistenciais executados por organizações da sociedade civil por meio de parcerias com a
Administração Pública sob a luz da Lei Federal n.º 13.019/2014 na área da Assistência Social nos
termos de colaboração. A ênfase do trabalho é a implementação da regulamentação da Lei n.º
13.019/2014 e seus aspectos no acompanhamento das parcerias estabelecidas entre a Administração
Pública e o Terceiro Setor por meio das OSCs - Organizações da Sociedade Civil.
Nos municípios a obrigatoriedade da aplicação da legislação citada data de janeiro de 2017,
na qual estabelece o Chamamento Público como modalidade para celebração de parcerias entre a
Administração Pública e as OSCs – Organizações da Sociedade Civil. O Chamamento Público é
uma forma de seleção de propostas que permitem o cumprimento de princípios constitucionais
como: da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade,
da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e
dos que lhes são correlatos. Esses princípios garantem a “concorrência” na apresentação da melhor
proposta para atendimento do interesse público no desenvolvimento de serviços vinculados a
Políticas Públicas.
A Lei nº 13.019/2014, com a redação alterada pela Lei nº 13.204/2015, define
princípios, diretrizes e critérios para a escolha de atividades e projetos de interesse
público desenvolvidos por organizações da sociedade civil (OSCs) em âmbito
nacional. Estabelece também três modalidades de parceria: termo de colaboração,
termo de fomento e acordo de cooperação. Além disso, a lei fixa as cláusulas
essenciais dos instrumentos de parceria e as formas de avaliação e monitoramento,
subordinando as etapas de celebração, execução e prestação de contas a diversos
instrumentos de transparência, participação e controle .(SOUZA, et al, 2020, p. 27)
Essa legislação passa da lógica do controle financeiro para a lógica de controle de resultados,
sendo essencial o monitoramento e avaliação dos serviços pactuados com as OSCs, portanto a
Prestação de Contas deve demonstrar o cumprimento dos objetivos e metas estabelecidos no Plano
de Trabalho aprovado previamente pela Administração Pública.
O fato é que ainda se trabalha com a lógica do controle de meios por ausência de
parâmetros e critérios que possam estabelecer segurança suficiente. Tornar
possível a priorização dos resultados exige que se construa cada vez mais, no
âmbito dos órgãos públicos, o conhecimento necessário sobre custos, métodos e
19
UNESP - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Mestranda. Email: [email protected].
20
UNESP - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Doutor. Email: [email protected].
84
indicadores. O preço justo e adequado deverá ser sempre uma premissa; mas, para
isso, cada política ou programa, com sua peculiaridade, deverá estabelecer um
padrão de valores que respeite a realidade regional e local de mercado. Assim,
quanto mais se institucionalizam os meios, mais será possível o exercício do
controle de resultados das parcerias. (LOPES, SANTOS, BROCHARDT, 2014, p.
113-114)
questão social, ou seja, o Estado transfere suas responsabilidades para o terceiro setor. E
consequentemente essa relação trouxe a redução dos custos com a atividade social, associada a
precarização, focalização e localização dos serviços, com redução dos direitos. Mestriner (2001)
refere-se ao final do século XX o papel do Estado mínimo norteado pelo neoliberalismo e assim o
dever do Estado é transferido como obrigação ao cidadão, família, comunidade e sociedade.
A desresponsabilização do Estado fortalece a figura do Terceiro Setor e crescem as parcerias
com as organizações para execução de atividades voltadas para as Políticas Públicas, principalmente
na Assistência Social. Couto (2010) destaca que no caso brasileiro a responsabilidade na garantia
dos direitos sociais é uma lacuna na qual a atenção aos vulneráveis tinha papel secundário e era
atendida pelas entidades privadas e/ou filantrópicas.
Segundo Mestriner (2001, p. 17) “a assistência social se desenvolveu mediada por
organizações sem fins lucrativos ou por voluntários, num obscuro campo de publicização do
privado, sem delinear claramente o que nesse campo era público ou era privado”.
Segundo Bernardinis (2017, p. 47), o nascimento do terceiro setor está relacionado ao
associativismo, com papel principal da Igreja no século XVI.
O Terceiro Setor é formado por organizações sem fins lucrativos que atuam junto ao Estado
na execução de Políticas Públicas, com vista em gerar impacto positivo na sociedade, com suas
ações de interesse público, para minimizar a desigualdade.
Segundo Montaño (2010) existem conceitos que alimentam uma teoria na qual o terceiro
setor veio para solucionar a dicotomia entre o Público e o Privado, ou seja, o Estado e o Mercado,
uma relação liberal, para dar respostas as necessidades sociais, entre a crise do Estado e o lucro do
Mercado nasce o terceiro setor.
Essa estrutura entre o Estado, a Política Pública e a Sociedade Civil, com os impactos do
capitalismo veem nas parcerias com o Terceiro Setor uma alternativa para minimizar as
desigualdades e possibilitar acessos a direitos. Segundo Andrade (2015) é preciso compreender o
surgimento e expansão das ONGs e sua relação com as políticas do Estado brasileiro, pois existe o
86
reajuste de mínima intervenção do Estado e o domínio dos interesses do capital. Couto, Yasbek e
Raichelis trazem os impactos das reformas neoliberais na direção privatizadora e focalizadora das
políticas sociais na ordem da mundialização e financeirização do capital.
A pressão do Consenso de Washington, com sua proposição de que é preciso
limitar a intervenção do Estado e realizar as reformas neoliberais, a presença dos
organismos de Washington (FMEI, Banco Mundial) responsáveis por estabelecer
as estratégias para o enfrentamento da crise por parte dos países periféricos, e a
redução da autonomia nacional, ao lado da adoção de medidas econômicas e do
ajuste fiscal são características desse contexto que, no campo da Proteção Social,
vai se enfrentar com o crescimento dos índices de desemprego, pobreza e
indigência. (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 57)
dos ajustes. Ela estabelece critérios e indicadores para a seleção, ou seja, fornece parâmetros. A
realização do Chamamento Público é estabelecida pelo Artigo 23 da lei, que apresenta a definição
de objetivos, metas, custos e indicadores.
O chamamento público é um procedimento semelhante à licitação e a sua função é selecionar
a melhor proposta a ser executada por uma OSC que responda aos critérios da Lei n.º 13.019/2014.
Toda proposta apresentada à Administração Pública está vinculada ao Plano de Trabalho, que deve
conter: descrição da realidade vinculada a proposta a ser executada; previsão de receitas e despesas;
formas de execução e metas; definição de parâmetros para aferir resultados, ou comprimento das
metas. Após a homologação da parceria, caberá a Administração Pública promover e garantir meios
para a efetividade do monitoramento e avaliação, sendo indicado servidores públicos para sua
realização por meio de designação da comissão de monitoramento e avaliação e do gestor da
parceria.
O monitoramento e avaliação tem como obrigatória a sua realização, devendo a
Administração Pública oferecer condições para que seja efetivo. A Administração Pública e o gestor
da parceria possuem obrigações estabelecidas na lei. Os Artigos 58 a 60 da Lei n.º 13.019/2014
trazem os norteadores do monitoramento e da avaliação.
O gestor deverá emitir Parecer Técnico de análise de prestação de contas da parceria
celebrada. Além dos relatórios e parecer técnica, outro instrumento importante no monitoramento
e avaliação são as visitas in loco durante a execução da parceria, o qual também deve ser
apresentado por meio de relatório. Outro instrumento importante é a realização de pesquisas de
satisfação em parcerias acima de um ano. Segundo Alves (2007, p. 23) “teoricamente, a
avaliação é uma das etapas das políticas sociais, destinada a indicar sua reformulação, seja
depois”. Alves (2007, p. 27) apresenta o seguinte conceito: “à avaliação é atribuído um caráter
funcional, sendo tomada como um mecanismo de construção de variáveis que representem
“situações sociais-problema”, tratadas no nível do “ajustamento”, da “integração”, sem sequer fazer
referência aos fatores estruturais determinantes”.
Para análise do monitoramento e avaliação é primordial o estabelecimento de critérios sobre
o cumprimento do objeto, em relação a execução de atividades, metas e demonstração de resultados,
relacionados ao custo-benefício da proposta. O monitoramento e avaliação analisará a execução da
parceria por meio da prestação de contas, visita in loco e reuniões com a organização. No Artigo 66
é tratada a apresentação dos relatórios de execução do objeto e execução financeira para a prestação
de contas, sendo destacado os resultados alcançados e a alimentação de plataforma eletrônica. Esse
artigo pauta-se na obrigatoriedade da parceria demonstrar: os resultados já alcançados e seus
benefícios; os impactos econômicos ou sociais; o grau de satisfação do público-alvo; a
possibilidade de sustentabilidade das ações após a conclusão do objeto pactuado.
88
Conclusões
A Administração Pública deve determinar providências para fiscalização, monitoramento e
avaliação das parcerias celebradas com as Organizações da Sociedade Civil. No monitoramento e
avaliação da ação deve ser o acompanhamento dessas parcerias, visando olhar para os resultados de
sua execução.
A lei obriga a designação de gestor da parceria e da comissão de monitoramento e avaliação,
sendo assim é primordial refletir sobre o perfil e a capacidade técnica desses profissionais, como
também como a Administração Pública promove a qualificação desses servidores, prezando pela
eficiência. Portanto a compreensão das ações e procedimentos utilizados no monitoramento e
avaliação permite a Administração Pública condições de verificar a execução das atividades, o
cumprimento ou descumprimento das metas e a ocorrência de irregularidades, possibilitando dessa
forma sanar as intercorrências e adequar a proposta. A legislação apresenta alguns procedimentos
como Parecer Técnico; Relatório de Monitoramento e Avaliação; Visita in loco; Pesquisa de
Satisfação. Mas a partir de planejamento podem ser lançados outros aparatos que auxiliem no
acompanhamento da parceria, como a utilização de recursos tecnológicos.
O monitoramento e avaliação permitem mensurar o quanto os envolvidos diretamente
apresentam capacidade técnica para a sua efetivação em prol da análise do cumprimento de metas
89
Referências
ALVES, A.A.F. Avaliação da política pública de assistência social no Brasil neoliberal: instrumento
de controle exercido pela população ou sobre a população? In: Serviço Social & Sociedade. São
Paulo: Ed. Cortez, 2007.
ANDRADE, R. Serviço social, gestão e terceiro setor: dilemas nas políticas sociais. São Paulo:
Saraiva, 2015. 216p.
BERNARDINIS, F. Terceiro Setor e os novos modelos de Estado. Disponível:
http://hdl.handle.net/11144/3443. Acesso em: 08 de ago. de 2022. Dissertação, Universidade
Autônoma de Lisboa, 2017.
BRASIL. Lei n.º 13.019/2014.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13019.htm. Acesso em: 05 jan. 2021.
BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social – Lei n.º 8.742/1993. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. Acesso em: 02de ago. 2022.
BRASIL. Lei n.º 8.666/1993. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm. Acesso em: 02de ago. 2022.
BONI, V. QUARESMA, S.J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências
Sociais. Revista eletrônica dos pós-graduandos em Sociologia Política da UFSC. Vol. 2, n.º 1 (3),
janeiro/julho/2005, p. 68-80.
CHAER, G.; DINIZ, R.R.P.; RIBEIRO, E.A. A técnica do questionário na pesquisa educacional.
Evidência, Araxá, v. 7, n. 7, p. 251-266, 2011.
COUTO, B.R., YASBEK, M.C., SILVA, M.O.S., RAICHELIS, R. O Sistema Único de
Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2012.
COUTO, B. R. O Sistema Único de Assistência Social – SUAS: na consolidação da Assistência
Social enquanto política pública. In: Políticas Públicas e a assistência social: diálogo com as
práticas psicológicas. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 41-55.
LOPES, L. F.; SANTOS, B.; XAVIER, I.R. (orgs.). Marco Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil. Brasília, Governo Federal, 2014.
LOPES, L. F.; SANTOS, B.; BROCHARDT, V. (orgs.). Entenda o MROSC Marco Regulatório
das Organizações da Sociedade Civil Lei 13.019/2014. Brasília, Governo Federal, 2016.
MESTRINER, M.L. O Estado entre a filantropia e a assistência social. São Paulo: Cortez, 2001.
MONTAÑO, C. Terceiro setor e a questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção
social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SOUZA, C.F. S. A importância da gestão de pessoas no terceiro setor: estudo sobre as
instituições na cidade de Passos - MG. Disponível em:
90
<https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/138013/souza_cfs_me_fran.pdf?sequence=3
&isAllowed=y>. Acesso em: 20 de jan. de 2021.
91
21
Professora de Direito na Fundação Educacional de Andradina/SP. Mestranda em Políticas Públicas na Unesp em
Franca/SP. Graduada em Direito na UFMS em Três Lagoas/MS. Especialista em Direitos Humanos UEMS/MS.
Endereço eletrônico: [email protected].
22
Professor Associado do Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual
Paulista - UNESP / Campus de Botucatu. Livre-Docente em Sociologia e Antropologia da Saúde pela UNESP. Docente
do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (UNESP Franca). Endereço
eletrônico: [email protected].
92
Desenvolvimento
Falar de doação de sangue é falar de vida. O direito à vida, por sua vez, é direito humano
previsto na ordem internacional e é direito fundamental constante do texto constitucional pátrio. A
doação de sangue também envolve o direito à saúde, que por ser um direito humano e fundamental
social, concretiza-se por meio de normas programáticas e que tem como característica fundamental
93
estabelecer princípios e diretrizes a serem cumpridas pelo Poder Público através de programas que
promovam os objetivos sociais do Estado.
As normas programáticas estão impossibilitadas de atingir eficácia plena, visto que são
“normas que estabelecem programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelo Estado, ou
que contêm determinadas imposições de maior ou menor concretude dirigidas ao Legislador”
(SARLET, 2010, p. 309). Dessa forma, o incentivo à doação de sangue é uma forma de concretizar
o direito à saúde, através da formulação de políticas públicas nas áreas da saúde a respeito do
assunto.
No contexto da organização da saúde pública no Estado de São Paulo, existe a Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) que é responsável pela formulação da Política Estadual de
Saúde e de suas diretrizes, norteada pelos princípios do Sistema Único de Saúde - SUS, que tem
como propósitos promover a saúde priorizando as ações preventivas, democratizando as
informações relevantes para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde. Nesse
sentido, ao se pensar em políticas públicas de incentivo à doação de sangue, salutar destacar a Lei
n. 8.080/90 (Sistema Único de Saúde), a Lei n. 10.205/01 (Política Nacional de Sangue,
Componentes e Hemoderivados), a Lei n. 10.936/01 (Institui e regulamenta o Sistema de Sangue,
Componentes e Derivados do Estado de São Paulo).
Ademais, há uma Hemorrede no Estado de São Paulo, criada pelo Decreto nº 32.849, de
23 de janeiro de 1999, para o desenvolvimento das ações especificadas no Plano Nacional do
Sangue e Hemoderivados, pelo Programa Estadual de Hematologia-Hemoterapia da Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo, que nos fornece este informe:
O decreto nº 49.343, de 24 de janeiro de 2005, incorpora a Hemorrede ao Departamento
de Sangue, Componentes e Derivados, subordinado à Coordenadoria de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos da Saúde – CCTIES da Secretaria de Estado da
Saúde, com as seguintes atribuições:
I – coordenar, em consonância com as normas emanadas pelo Ministério da Saúde, a
gestão do Sangue do Estado;
II – harmonizar e implementar as ações relacionadas ao Sangue, Componentes e
Derivados, no Sistema Único de Saúde – SUS/SP;
III – garantir a qualidade dos insumos obtidos nos organismos operacionais e centros de
produção de hemoderivados da rede estadual;
IV – fomentar, em conjunto com os Centros de Vigilância Sanitária e Epidemiológica,
ações de proteção das atividades hemoterápicas; e
V – coordenar as atividades dos hemocentros no Estado de São Paulo.
Fonte: https://saude.sp.gov.br/ses/institucional/departamentos-regionais-de-saude/regionais-de-
saude
95
Conclusão
A existência de leis que determinam a criação de políticas públicas de incentivo à doação
de sangue é um fato, porém observa-se que não são suficientes para fomentar a doação de sangue
nos municípios do interior e mais distantes do hemocentro. Com relação aos municípios não há
especificações legais de como deve ser esta movimentação para a efetivação de campanhas de
doação de sangue.
A ausência de Políticas Públicas de incentivo à doação de sangue por parte dos municípios
é um fator muito preocupante. Potenciais doadores deixam de doar sangue por falta de
conhecimento e incentivo e os estoques dos hemocentros estão sempre abaixo do nível mínimo de
segurança. A maioria dos municípios não se atentam à importância deste tema, demonstrando
descaso e medo e falta de conscientização, por não ter uma cultura de doação de sangue. Não se
96
pode, todavia, negar o fato de que a doação de sangue depende muito da vontade de uma pessoa em
se tornar doadora de sangue, porém isso só acontecerá a partir do momento em que o poder público
entender a importância e fomentar a cultura de conscientização, o fato é que a importância dessa
conscientização se torna indiscutível quando se almeja o abastecimento dos hemocentros.
Acreditamos que a descrição das campanhas de doação de sangue ‘Matheus Vive’ sirva
como parâmetro para uma forma de comunicação entre gestores estaduais e municipais do SUS na
região do oeste paulista, cuja organização no SUS valorize potenciais pessoas a exercerem a doação
como um exercício de cidadania.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 jan. 2022.
____. Lei n. 8.080/90. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso
em: 15 out 2022.
____. Lei n. 10.205/01 - Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10205.htm. Acesso em: 15 out 2022.
____. Lei n. 10.936/01 - Institui e regulamenta o Sistema de Sangue, Componentes e Derivados do
Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/dg280202.nsf/ae9f9e0701e533aa032572e6006cf5fd/99
7865c01d833aa703256d1f00740418?OpenDocument. Acesso em: 15 out 2022.
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro. Bancos de sangue estão com o estoque
baixo na pandemia. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/bancos-de-sangue-estao-
com-estoque-baixo-na-
pandemia#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20do,%2C6%25%20da%20popula%C3%A
7%C3%A3o%20brasileira.> Acesso em 21 jan. 2022.
SANTOS, Luiza de Castro; MORAES, Cláudia; COELHO, Vera Schattan P. Os anos 80: a
politização do sangue. Revista de Saúde Coletiva, v. 2, n. 1, 1992. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/physis/a/HLrkyKL54XHtSFRPKmWSvmC/?format=pdf&lang=pt#:~:te
xt=Al%C3%A9m%20do%20descontrole%2C%20muitos%20s%C3%A3o,cada%20entidade%20p
romove%20a%20sua)>. Acesso em: 10. Out. 2022.
_____. A Hemoterapia no Brasil de 64 a 80. PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva. v. 2, n. 1, 1991.
Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/physis/a/PLQsDHkLjWNw9W9cCjhgNbC/abstract/?lang=pt>. Acesso
em: 10. Out. 2022.
SÃO PAULO. DECRETO Nº 49.343, DE 24 DE JANEIRO DE 2005. Dispõe sobre as
Coordenadorias da Secretaria da Saúde. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2005/decreto-49343-24.01.2005.html.
Acesso em: 01 dez 22.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2010.
97
Introdução
No Brasil é a Constituição Federal (BRASIL, 1988), quem irá nortear e auxiliar a formulação
e implementação das políticas públicas na área educacional. Este campo foi marcado historicamente
pela exclusão e desigualdade no que se refere à participação de homens e mulheres no acesso, por
exemplo, à escolarização, bem como a outras oportunidades similares (PALMA FILHO, 2010).
Nesse sentido, no final da primeira década do século XXI, a criação da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica permitiu não apenas uma espécie de rompimento com este legado e
passado, mas a criação de novas oportunidades de trabalho entre as instituições de educação, suas
comunidades e seus territórios.
Neste texto apresentam-se a construção e trajetória do projeto de Extensão do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo Câmpus Catanduva intitulado “IFMUN”
e alguns de seus resultados envolvendo as simulações de comitês da Organização das Nações
Unidas (ONU) acerca de temas envolvendo os Direitos Humanos e a política internacional. O
trabalho vem sendo realizado desde 2019 através da parceria com escolas na região de Catanduva
de modo a proporcionar o contato com uma ação - produto de uma política pública - educacional
transformadora. O texto que segue traz elementos para a compreensão do conceito de políticas
públicas (PPs) e a trajetória do IFMUN ao longo dos anos.
Desenvolvimento
O conceito de políticas públicas surgiu nos Estados Unidos entre os anos de 1945 e 1991,
com ênfase nos estudos sobre os governos, a partir do pressuposto analítico de que a ação
governamental é passível de ser formulada cientificamente e analisada por pesquisadores
independentes (SOUZA, 2006). Ela aparece no contexto de Guerra Fria (1945-1991), onde se
valorizava a tecnocracia, entendida como o governo exercido pelos técnicos, que em tese,
controlariam os meios de produção e, consequentemente, superariam o poder político.
Não existe uma única definição sobre o que seja uma política pública. A definição mais
conhecida continua sendo a de Laswell (1936), onde decisões e análises sobre elas implicam em
23
IFSP Câmpus Catanduva. Doutor. [email protected]
24
FCHS/Unesp-Franca/ IFSP Câmpus Catanduva, Mestrando PAPP. [email protected]
98
responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz? Mead (1995)
utiliza-se da definição de que as políticas públicas são como um campo dentro do estudoda política
que analisa o governo à luz de grandes questões públicas. Já para Lynn (1980) é umconjunto de
ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) compreendeque a política
pública é a soma das atividades dos governos que agem diretamente ou através de delegação, e
que influenciam a vida dos cidadãos. Por sua vez, Dye (1984) nos sugere que a definição de política
pública é o que o governo escolhe fazer ou não fazer. Para Secchi (2016),qualquer definição de
políticas públicas é arbitrária, sendo que o autor ainda aponta alguns nósconceituais, os quais são
necessários debates antes da formulação de uma definição. Por exemplo, é preciso pensar se as
PPs são elaboradas exclusivamente pelo Governo e qual é o peso dos atores não estatais neste
processo.
Há autores que defendem ser o Estado como centralizador das ações (perspectiva
estadocêntrica), em que a definição de “públicas” em PPs se concentra na exclusividade de um
governo elaborar as leis e fazê-las cumprir. Já os autores da vertente intitulada “multicêntrica”
defendem que as organizações privadas e não governamentais juntamente com o Estado fazem
também PPs. Após esta reflexão parte-se para o segundo nó conceitual, em que Secchi (2016)
questiona as PPs como produtos de omissão ou à negligência. Esta questão foi abordada quandoDye
afirmou que uma política pública “é tudo aquilo que os governos escolhem fazer ou não fazer”
(1984, 1). E por último existe o terceiro nó conceitual que instiga a pensar se apenas diretrizes
estruturantes são políticas públicas ou diretrizes operacionais também podem assim ser
consideradas.
Secchi (2016) afirma existirem teóricos que defendem que somente as diretrizes
estruturantes (macrodiretrizes) são consideradas PPs. Os programas, planos e projetos são apenas
elementos operacionais, não sendo considerados por si só PPs. Para o autor, tanto as diretrizes
estruturantes quanto as operacionais são consideradas PPs. Considerados os nós conceituais de
Secchi (2016), chega-se a uma definição para políticas públicas. Elas atendem micro e macro
diretrizes estratégicas, sendo que estas ações são deliberadamente realizadas ounão realizadas por
representantes de quaisquer setores da sociedade, com o Estado se destacando, para atender aos
interesses públicos.
A partir da Lei nº11892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008) foi instituída a
chamada Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, na qual se alocaramos
Institutos Federais. Embora e ao longo do século XX houvessem outras institucionalidades
relativas à educação profissional no Brasil, a partir da referida data ocorreu uma transformação
significativa na política pública deste setor, haja vista que esta rede passou a representar um
conjunto amplo de possibilidades na formação de cidadãos integrando saberes historicamente
99
25
À época os seguintes dados foram encontrados sobre a população e o IDH de alguns municípios: Itajobi:
15226 hab./ 0,730 IDH; Pindorama: 16877 hab./ 0,737 IDH e Santa Adélia: 15397 hab./ 0,760 IDH.
100
temática norteadora era o debate sobre o funcionamento da Organização das Nações Unidas
(ONU) e o trabalho com as simulações.
As simulações ou modelos ONU são propostas de trabalho pedagógico há algum tempo
estabelecidas no mundo e em especial no Brasil. Os primeiros trabalhos estão localizados na
década de 1980 na Universidade de Brasília (UnB), passando nas décadas seguintes a outras
instituições e níveis de ensino até chegarem ao Ensino Médio. Embora não haja uma pesquisaque
unifique estatísticas sobre a temática, o Brasil conta hoje com eventos espalhados pelo território
que ocorrem com sistematicidade, destacando-se o AMUN na mesma UnB, aMiniOnu da PUC-
Minas, o UN SP da Unesp-Franca e o SiEM, organizado pela UFSC. Inicialmente restritas aos
cursos de graduação de Relações Internacionais, educadores foram incorporando as simulações
para finalidades que iam desde o aprofundamento dos debates sobre um conteúdo disciplinar na
área de humanidades ao aperfeiçoamento de questões como a argumentação e a oratória dos
estudantes (GODINHO, 2015).
Na Rede Federal um dos trabalhos mais antigos e publicizados é o realizado por
servidores no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) desde 2016, que tem suas
experiências relatadas no interior daquele estado (COSTA, MARTINS e PALHARES, 2019).
Nesse sentido, em 2019 o projeto foi submetido e aprovado via edital do IFSP Câmpus Catanduva,
possibilitando o fomento de duas bolsas a estudantes regularmente matriculados.Logo de início
o projeto contou com uma ampla procura por parte dos estudantes, formandouma equipe com
cerca de 15 integrantes. No primeiro semestre foram desenvolvidas oficinasrelativas à temas de
política internacional, além de contribuições esporádicas de professores do Câmpus sobre
conversação em inglês e sobre o Esquema de Argumentação de Toulmin(TOULMIN, 2001),
além de uma simulação do Conselho de Segurança da ONU em trêscomitês de debates: a
Guerra do Vietnã (1955-1975), a utilização de armas químicas na Síria(2018) e o ingresso da
Palestina na ONU. Já no segundo semestre, o projeto a partir de contatoprévio com as escolas da
região, visitou sistematicamente escolas em Santa Adélia ePindorama, além de oficinas pontuais
em Itajobi e em Tabapuã. As visitas tinham por objetivocompartilhar o conteúdo aprendido no
primeiro semestre, bem como fomentar debates erealizar uma simulação com os estudantes
interessados. Todas as atividades contaram com aanuência e participação das equipes gestoras
das escolas. No final do mesmo ano ainda foirealizada nova simulação entre os extensionistas
com a temática “Educação de Qualidade e a
Agenda 2030”, no contexto dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
A repercussão positiva entre os integrantes do projeto e das comunidades por ele afetadas permitiu
uma nova submissão em 2020, contando inclusive com nova aprovação parabolsas em edital do
Câmpus. Contudo, o advento da pandemia de Covid-19 alterou a dinâmica de todo o trabalho
previsto. Em meio à incerteza de como e quando as atividades presenciais retornariam e
101
As atividades em Cândido Rodrigues foram feitas durante o mês de agosto, contando com
reuniões periódicas sobre a importância dos Direitos Humanos, além do levantamento detemas
que os estudantes consideravam relevantes. No encerramento das ações no município foirealizada
uma simulação da Assembleia Geral da ONU com o tema “racismo no mundo contemporâneo”,
entrelaçando extensionistas do IFMUN e da escola, que protagonizaram os debates.
Em Santa Adélia, a dinâmica foi similar, ocorrendo no mês de setembro. Destaca-se que a
colaboração da Escola Municipal Adelino Honorato Bertolo se iniciou em 2019 e alguns
participantes tornaram-se estudantes do Instituto Federal e do IFMUN, voltando à própria
escola três anos depois para as oficinas e simulação sobre a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e sua importância histórica.
103
Conclusões
O IFMUN está, ao fim, inserido no contexto de fortalecimento das políticas públicas na
área da educação brasileira das últimas décadas, tendo sido fundamental a criação da Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica em 2008. A potencialidade gerada pelos projetos
de Extensão é um exemplo do quão relevante é o tema na formação de sujeitos históricos
conscientes dos Direitos Humanos e sua dinâmica na realidade brasileira. Considerando-se a
perspectiva do território de atuação do IFSP Câmpus Catanduva, o IFMUNtem se tornado uma
referência para a sua comunidade, alargando as suas perspectivas para os próximos anos.
Referências
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível
em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 2 dez.2022.
BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 dez. 2008. Seção
1, p. 1.
COSTA, A.; MARTINS, A. L.; PALHARES, L. M. (Orgs.). IFMundo: diálogos sobrepedagogia
da simulação e cidadania global. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.
DYE, Thomas D. Understanding Public Policy. Englewood Cliffs, N.J.: PrenticeHall. 1984.
GODINHO, J.. Abordagens metodológicas que favorecem a construção da autonomia
intelectual do estudante: o trabalho com simulação das Nações Unidas na escola. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2015.
IFSP. Portaria 2.968 de 24 de agosto de 2015. Aprova o regulamento das Ações de Extensãodo
IFSP. São Paulo: 24 de Agosto de 2015.
LASWELL, H.D. Politics: Who Gets What, When, How. Cleveland, Meridian Books. 1936/1958
LYNN, L. E. Designing Public Policy: A Casebook on the Role of Policy Analysis. Santa Monica,
Calif.: Goodyear. 1980
104
MEAD, L. M. “Public Policy: Vision, Potential, Limits”, Policy Currents, Fevereiro: 1-4. 1995
NASCIMENTO, M. M., CAVALCANTI, C. J. de H., OSTERMANN, F. Dez anos de
instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: o papel social dos
institutos federais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.1, n.257, p.120-145,
jan./abr. 2020.
PALMA FILHO, J. C. A República e a Educação no Brasil: Primeira República (1889-1930).In:
Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação. Caderno de Formação: formação
de professores, educação, cultura e desenvolvimento. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
PEREIRA, G. T., VENTURELLI, S. O. M., PONCE, R. C., ROMANO, A. L. Extensão, Direitos
Humanos e pandemia: o projeto IFDH e a atuação com a juventude. Revista de Extensão da
UFRGS. Porto Alegre, n.22, p.90-95, 2021.
PETERS, B. G. American Public Policy. Chatham, N.J.: Chatham House. 1986
PEREIRA, G. T. Jovens Embaixadores do Instituto Federal de São Paulo Câmpus
Catanduva. Catanduva-SP, 12 mar. 2011. Sigproj. Disponível em
https://drive.google.com/file/d/10xbRM3kgGNUxSjdW5XeYXwYZYCQTqqoN/view?usp=s
hare_link. Acesso em 14 nov. 2022.
SECCHI, Leonardo. Análise de políticas públicas: diagnóstico de problemas, recomendaçãode
soluções São Paulo: Cengage Learning, 2016.
SOCIOLOGIAS, C. E.; SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias,
[S. l.], v. 8, n. 16, 2008. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/5605. Acesso em: 30 nov. 2022.
TOULMIN, Stephen Edelston. Os usos do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
105
Alecilda Oliveira26
Introdução
O trabalho em questão consiste em um exercício de reflexão em que se procura examinar a
relação entre movimentos sociais, direito e o Poder Judiciário. O que instiga é a busca por entender
as instituições jurídicas, especialmente no último período, como um campo fecundo para a
mobilização social, disputas e legitimação de interesses.
No Brasil ainda temos um campo de análise tímido para o que se denomina como
mobilização social do direito. E como conjectura podemos pensar se a popularização da categoria
judicialização da política não tem ocasionado confusões ou mesmo precipitações nesse
sentido. Nosso país vive uma crise das instituições democráticas em que o Judiciário ora está sendo
cobrada por uma postura enérgica contra os próprios elementos democráticos, ora se vê denunciado
como ativistas que intervém em decisões políticas. O modo como o Tribunal Superior Eleitoral
precisou estabelecer campanhas demonstrando a legitimidade das urnas eletrônicas, a importância
de o voto como dever cívico etc. serve como exemplo. E o próprio fato de o STF ter se tornado tão
conhecido pela população e tratado pela opinião pública.
Há uma busca, nesse percurso, em estabelecer uma separação entre os Poderes colocando
o Judiciário preterido do debate e das decisões políticas. Mas muitos direitos só são reconhecidos e
efetivados quando setores se organizam por essa via, uma vez que tais demandas ficam “truncadas”
nos poderes legislativo e executivo.
Se buscarmos traçar o processo de emergência do debate em torno da mobilização social do
direito, veremos que o debate surge nos Estados Unidos – tornando-se cada vez mais profícuo no
ambiente acadêmico através de uma corrente teórica em que o grande expoente é Michael Mccann.
O fenômeno, nos anos 1950, da garantia de direitos à população negra ocorreu por meio de uma
luta coletiva. Essas seriam as primeiras características da mobilização social do direito, quais sejam,
uma luta coletiva e a garantia de direitos de abrangência coletiva e não apenas a concessão a alguns
indivíduos.
Reforça-se, portanto, que se trata da “promoção de valores maiores e de interesses difusos
como justiça social, direitos humanos, mudança estrutural e acesso à justiça. Nesse sentido, diz
tratar-se de casos orientados para causas, em oposição aos casos orientados para clientes” (GOMES,
2019 p. 398). Logo, as decisões judiciais nessa perspectiva deixam de ser “vistas como atos isolados
26
Professora na Universidade Estadual de Minas Gerais. Estudante de Doutorado no PPGS da Universidade Federal de
São Carlos. Mestre em Ciências Sociais. E-mail: [email protected]
106
que produzem efeitos restritos aos litigantes de cada caso, mas também como produtoras de efeitos
indiretos que afetam as pautas de movimentos sociais” (BARCAROLLO, 2020, p.75). Em
consequências disso, torna-se possível uma leitura “de baixo para cima”, centrada nos movimentos
sociais e não nas atividades judiciárias, que obviamente tem sua importância e continua a ser uma
leitura hegemônica.
Para tanto, é importante não desconsiderar que o potencial emancipador do litígio
estratégico em direitos humanos deve ser observado em contexto, tanto na sua dimensão prática
(para que seja efetivado) quanto na sua dimensão teórica (para que seja analisado de maneira
crítica). Há que se considerar que “isso não significa, contudo, que o litígio estratégico em direitos
humanos terá sempre um viés progressista ou emancipador” (GOMES, 2019, 392). Ou seja, “tanto
o instrumento do litígio estratégico pode ser (como vem sendo) usado para fins conservadores, como
a própria noção de direitos humanos ‘pode liberar ou limitar a imaginação do possível; pode
revolucionar ou conservar’” (GOMES, 2019, 392).
Como forte tendência, no Estado brasileiro, a concentração da mobilização social se
estabeleceu em esferas de Poder que não o Judiciário, com táticas como a ocupação de órgãos do
Executivo ou os lobbies no Legislativo, por meio dos quais grupos de pessoas ou organizações
buscavam influenciar, aberta ou ocultamente, as decisões do poder público, especialmente do
Legislativo. Todavia, as instituições jurídicas tem sido, especialmente no último período, também
um campo fecundo para a mobilização social, disputas e legitimação de interesses.
Realizou-se, para tanto, uma análise da mobilização social do direito como uma das
dimensões dos movimentos sociais. Os objetivos estipulados foram a) explorar o(s) sentido(s) da
expressão “mobilização do direito”; b) os setores sociais que fazem uso dessa forma de mobilização;
e c) seus limites e possibilidades demonstrando as disputas e legitimação de interesses. Como
escolha metodológica, utilizou-se de pesquisa bibliográfica, com mapeamento do referencial teórico
face ao fenômeno em análise.
críticas ao apontar suas insuficiências. Conforme Maciel (2011, p. 99), para Tate e Vallinder haveria
“duas (supostas) tendências do processo político contemporâneo” para explicar o fenômeno.
Primeiramente a promoção do “deslocamento de conflitos da esfera da política para a esfera da
justiça que seria expresso pelo crescimento de ações levadas aos tribunais” e, em seguida, a
expansão do Poder Judiciário que possibilita o ativismo judicial, em que de operadores do direito
fazem uso de seus valores e preferências políticas.
Em decorrência de uma ênfase institucionalista poucos estudos dão atenção à atuação da
sociedade civil nos processos políticos decisórios, buscando compreender a relação entre
movimentos sociais, direito e Poder Judiciário (CARDOSO; FANTI, 2019). Por outro lado,
identifica-se em Cardoso; Fanti (2019), assim como em Losekann; Bissoli (2019), haver um
profícuo debate no ambiente acadêmico estadunidense e em países europeus. Os dois trabalhos
serão ponto de partida para compreendermos como se originou a mobilização social do direito.
Conforme apontam Losekann; Bissoli (2019), entre os anos 1970 e 1990, houve duas
movimentações em torno do fenômeno da mobilização social nos Estados Unidos: de um lado
aqueles que “depositaram muitas expectativas de mudança institucional e social na via litigância”
e, em oposição, aqueles que “argumentaram que as instituições dificilmente mudam através dos
tribunais e que os grupos sociais mais excluídos ou marginalizados não teriam os recursos
necessários para usar esse tipo de estratégia” (LOSEKANN; BISSOLI, 2019, p.1).
Como uma terceira via ao debate, surge então a expressão mobilização do direito a fim de
compreender o fenômeno em busca de acesso aos direitos. Trata-se, portanto, de uma expressão de
origem estadunidense advinda da Legal Mobilization Theory (TLM) e que tem sido um objeto de
análise das Ciências Sociais, especialmente da Sociologia do Direito (LOSEKANN; BISSOLI,
2019). O principal expoente dessa perspectiva teórico-analítica é Michael McCann. De modo
crítico, a mobilização do direito pretende “analisar a relação entre movimentos sociais, direito e
Poder Judiciário a partir de uma perspectiva ‘de baixo para cima’” (CARDOSO; FANTI, 2019, p.
277). Ou seja, consiste em uma análise centrada nos movimentos sociais e em suas demandas ao
direito.
Há aspectos muito interessantes na leitura de McCann, sendo um deles “o de que o direito
deve ser entendido como uma prática social, como um mediador das relações sociais, cujo papel na
sociedade vai muito além do âmbito das instituições estatais” (CARDOSO; FANTI, 2019, p.
277). Para MCcan “mobilizar o direito não é só usar estrategicamente a lei, envolve interações com
atores do campo jurídico e implica a constituição de um repertório específico de ação coletiva”
(LOSEKANN; BISSOLI, 2019, p.4).
Ou seja, trata-se de uma perspectiva que promove uma ampliação do conceito de direito. E
sua análise, de forma complexa, considera aspectos antes desconsiderados por outras abordagens,
demonstrando que o direito pode ser ferramenta de luta política, presente nas relações cotidianas,
109
para promoção de mudanças sociais. O trabalho de Losekann; Bissoli (2019) realiza uma leitura em
que temos uma genealogia da TML. De acordo Junqueira (1996), no Brasil esse debate começa
tardiamente. E isto talvez se explique pelo fato de que, diferentemente dos Estados Unidos e Europa,
nossa demanda não era pela expansão do Estado de bem-estar social, mas pela efetivação de uma
série de direitos básicos aos quais ainda não tínhamos acesso em decorrência de uma tradição
liberal-individualista que operava o ordenamento jurídico-político brasileiro.
Considera-se, ainda, em Junqueira (1996) o episódio em que adentrávamos em um processo
político e social de abertura política. Portanto, não se explica na movimentação internacional a
assimilação de temas como acesso à Justiça e mobilização social do direito em nosso país. Ocorreu
tardiamente “pela exclusão da grande maioria da população de direitos sociais básicos, entre os
quais o direito à moradia e à saúde” (JUNQUEIRA, 1996, p. 2). Partindo do pressuposto de que “as
reflexões brasileiras possuíam outra matriz organizadora” (JUNQUEIRA, 1996, p.3) para o debate
de acesso à Justiça e mobilização social do direito, trata-se agora de compreender de que modo a
relação entre sociedade civil e Poder Judiciário se estabelece no Estado brasileiro.
Uma das produções a serem consideradas é a de Boaventura de Sousa Santos (1998) com a
expressão pluralismo jurídico. É por meio da análise do pesquisador português que nos torna
possível observar, para além do estabelecimento de uma espécie de estado paralelo ao direito oficial,
a impossibilidade de resolução de conflitos de uma comunidade por parte do ordenamento jurídico
e suas instâncias. Esta inacessibilidade demonstra contradições e fraturas sociais e o papel do
Judiciário brasileiro como uma das instituições sociais mantenedoras dessa ordem. Os casos de
ocupação urbanas são os primeiros, de acordo com Junqueira, a abrir os diálogos acerca do acesso
à Justiça, mas os direitos sociais difusos e coletivos “a cultura jurídica dominante, de caráter liberal
e individualista, não consegue lidar com o novo padrão de conflitualidade emergente no Brasil”,
sendo direcionados a outras arenas políticas (JUNQUEIRA, 1996, p.3).
Considerações finais
É preciso partirmos do entendimento de que, por mais que todos os litígios não tenham
sucesso, há um papel importante exercido pelas instâncias jurídicas e seus agentes nos dias de hoje.
E que conforme apontaram diferentes pesquisadores(as) no texto, essa relação entre Estado e
sociedade civil passou a ser possível após a redemocratização ocorrida no final dos anos
1980. Outro aspecto fundamental é observarmos o direito para além da “lei”, em sua potencialidade
de mobilização coletiva para diferentes interesses. Mobilizar o direito deve ser encarado, como
apontam, mais do que estratégia de reivindicação, mas interação e a construção de um repertorio de
ação coletiva, que busca acesso à justiça, garantia e efetivação de direitos.
Observando, ainda, a atuação do Poder Judiciário, assim como o Executivo e o Legislativo,
deve ser compreendida como arena de conflitos. Isso significa que “respostas” conservadoras
podem ser dadas aos litígios e que também podemos ter situações em que movimentos com um viés
111
conservador utilizando do litígio estratégico. Essa ressalva é fundamental para não traçarmos uma
perspectiva maniqueísta acerca da atuação das instituições jurídico-políticas.
Referências
AVRITZER, Leonardo e PEREIRA, Maria de Lourdes Dolabela. (2005), “Democracia,
Participação e Instituições Híbridas”. Teoria e Sociedade, número especial, p. 16-41.
BARCAROLLO, Roberta Carreira. Mobilização Social do direito e efetivação do direito
fundamental à saúde. 139 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento em Planejamento e Análise
de Políticas Públicas) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Direito das pessoas LGBTQQIAP+ [recurso eletrônico]
/ Supremo Tribunal Federal. – Brasília : STF : CNJ, 2022. eBook (138 p.)
CARDOSO, Evorah; FANTI, Fabíola. Movimentos sociais e direito: o poder Judiciário em disputa.
In: SILVA; RODRIGUEZ. Manual de Sociologia Jurídica. 3ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 267-
284.
G1. “'Pacote Verde' do STF: ambientalistas comemoram primeira decisão da corte.”
Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/04/28/pacote-verde-do-stf-
ambientalistas-comemoram-primeira-decisao-da-corte.ghtml. Acesso: 04 setembro 2022
GOMES, J. C. A. Nas encruzilhadas: limites e possibilidades do uso do litígio estratégico para o
avanço dos direitos humanos e para a transformação social. Revista. Direito Práxis., Rio de
Janeiro, Vol. 10, N. 1, 2019 p. 389-423.
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos
Históricos, n. 18, 1996, p. 1-15.
KALIL, Álex “Deus, Pátria e Família”: o ativismo conservador rumo à uma “direita de
verdade”. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Escola de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2022
KOERNER, Andrei. O papel dos direitos humanos na política democrática: uma análise
preliminar. Revista brasileira de Ciências Sociais. RBCS Vol. 18 nº. 53 outubro/2003.
LOSEKANN, Cristiana; BISSOLI, Luiza Duarte. Direito, mobilização social e mudança
institucional. Revista brasileira de Ciências Sociais - RBCS Vol. 32 n° 94 junho/2017, p. 1-23
LOSEKANN, Cristiana. Mobilização do Direito como Repertório de Ação Coletiva e Crítica
Institucional no Campo Ambiental Brasileiro. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, vol. 56, no 2, 2013, pp. 311 a 349.
MACIEL, Débora Alves. Ação coletiva, mobilização do direito e instituições políticas: O caso da
Campanha da Lei Maria da Penha. Revista brasileira de Ciências Sociais - RBCS Vol. 26 n° 77
outubro /2011, p. 97-11.
Supremo Tribunal Federal. “STF começa a analisar ações constitucionais sobre desmatamento na
Amazônia”. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=484431&ori=1. Acesso: 04
setembro 2022
VERONESE, Alexandre. A judicialização da política na América Latina: panorama do debate
teórico contemporâneo. Escritos: revista da Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, v. 3, p. 249-
281, 2009.
112
113
Introdução
O aumento significativo da desigualdade social no Brasil está na contramão dos pactos globais
para a redução da pobreza e das violações humanas dela resultantes. Desse modo, a incorporação de
políticas e estratégias nacionais de planejamento é necessária para a materialização dos objetivos
sustentáveis, a fim de, definitivamente, reduzir a desigualdade social e melhorar o desenvolvimento
socioeconômico local e, por consequência, viabilizar o exercício de direitos sociais que ainda não
foram consolidados. Com vistas a enfrentar esse desafio, a Agenda 2030 da Organização das Nações
Unidas, da qual o Brasil é signatário, atribui, em um de seus “Objetivos para o Desenvolvimento
Sustentável”, à responsabilidade dos países a adoção de “políticas, especialmente fiscal, salarial e de
proteção social, e alcançar progressivamente uma maior igualdade”.
Embora tenha iniciado sua vigência em 2015, estudos demonstram os avanços e retrocessos
dos pactos firmados na Agenda, conforme será apontado neste trabalho. Os índices que demonstram o
aumento da concentração de renda no espectro brasileiro, junto às políticas públicas, norteiam a
demanda por soluções imediatas e a longo prazo. Como consequência, a variação negativa da renda
dos mais pobres, o aumento da pobreza e da insegurança alimentar, na última década, apresentaram
dados conflitantes com o acordado internacionalmente e com a responsabilidade conjunta sobre a
melhoria socioeconômica.
Conforme mensurado pelo índice de Gini, realizado a partir de dados do Banco Mundial, a
concentração de renda no país aumentou de modo considerável, assim como a desigualdade social.
Com a pandemia e seus reflexos socioeconômicos, o índice alcançou níveis que não eram vistos desde
2004, o qual vinha sendo gradativamente abrandado, após a implementação de políticas de
transferência de renda paliativas, elaboradas pelo Poder Legislativo, como o Auxílio Emergencial, tal
como apontam os resultados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
27
UNESP. Graduanda pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus Franca. e-mail [email protected]. Lattes iD http://lattes.cnpq.br/7357094335974796, Orcid
iD https://orcid.org/0000-0002-3302-2201, instituição financiadora: COPE.
28
UNESP. Mestrando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus Franca, e-mail [email protected], Lattes iD http://lattes.cnpq.br/2784572759156523, Orcid iD
https://orcid.org/0000-0002-0104-6276, instituição financiadora: CAPES. O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. This
study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Finance Code 001.
114
A referida pesquisa expõe que o pico de desigualdade aconteceu durante a pandemia, no entanto
foi observada uma redução no índice, no ano de 2021. Já no primeiro trimestre do ano seguinte, o
índice para a renda domiciliar do trabalho alcançou o nível de 0,51 e para a renda individual, 0,481
(IPEA, 2022).
No entanto, o exame qualitativo por trás desses dados revela cotidianos de famílias em que
indivíduos estão submetidos a rotinas degradantes, escanteados à realidade sob a qual a mera leitura
dos índices referidos não é capaz de traduzir. Conforme elucida Hoffmann (2020, p. 3), a tendência de
alguns dos problemas socioeconômicos apontados já era de piora, antes mesmo do advento da
pandemia: “a insegurança alimentar de qualquer grau em 2017 e 2018 supera até mesmo o valor
observado em 2004”, revertendo os resultados satisfatórios alcançados entre 2004 e 2013, quando a
insegurança alimentar regrediu no país. No entanto, circunstâncias excepcionais mais recentes
culminaram no atual cenário conflitante com o objetivo de desenvolvimento sustentável (“ODS”)
assumido pelo país. Desse modo, é necessário investigar os desenhos jurídicos das políticas públicas
que almejam viabilizar o cumprimento do ODS supracitado, a fim de compreender se as oscilações
visualizadas nos índices utilizados para a captação de dados para esse fim. Assim, adotando-se uma
pesquisa qualitativa, busca-se examinar, por meio de técnicas documentais, normativas e
bibliográficas, os instrumentos jurídicos utilizados pelo Estado brasileiro, desde a vigência da Agenda
2030, para viabilizar o alcance progressivo de maior igualdade econômica e redução da miséria,
resultando na análise comparativa entre as iniciativas e arquiteturas jurídicas disponibilizadas ao
respectivo público-alvo desde 2015.
Embora o programa seja datado previamente à Agenda, seu desenho, posteriormente unificado,
conduziu à estruturação do Programa Bolsa Família (YAZBEK, 2004), que esteve em vigência no
início da Agenda 2030.
Este último, caracterizado como o programa capaz de conduzir o Brasil à satisfação dos
objetivos da Agenda 2030 (YAZBEK, 2012), articulou a transferência de renda para as famílias em
situação de vulnerabilidade social, unificando programas já existentes, como o Bolsa Alimentação,
Auxílio Gás e o Bolsa-Escola. Esta política adotou o mecanismo de condicionalidade para que a
permanência dentro do programa fosse continuada.
Desse modo, condicionadas pelo art. 3º da Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, as famílias
devem assumir obrigações escolares e de saúde para a manutenção de sua condição de beneficiários
(BRASIL, 2004).
A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de
condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional,
ao acompanhamento de saúde, à frequência escolar de 85% (oitenta e cinco por
cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em
regulamento (BRASIL, 2004).
Notadamente, parte da literatura indica que devem ser adotadas medidas para o enfrentamento
da desigualdade social que superem os resultados a curto prazo, sendo idealizado o acesso universal
ao benefício, conforme defende Safatle (2008), em consonância com a Lei nº 10.835/2004, que
determina a constituição de uma etapa do processo gradual e progressivo de implementação da
universalização da renda básica de cidadania. Outro programa que merece reflexão sobre os efeitos
diretamente relacionados à Agenda é o Benefício de Prestação Continuada (“BPC”), estabelecido pela
Lei nº 8.742/93, prestado pelo INSS, como um direito da política de Assistência Social, que integra a
Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Durante a pandemia, todavia,
tal lei foi alterada, por meio da Lei nº 13.979/20, objetivando criar parâmetros adicionais de
caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao BPC, além de
estabelecer medidas excepcionais de proteção social adotadas durante o período de enfrentamento da
emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, originando o “Auxílio Emergencial”.
Para o enfrentamento da pandemia e, devido à urgência que o contexto determinou, com 16
parcelas pagas, cada uma com o valor de R$600,00, o Auxílio Emergencial não impôs
condicionalidades para sua renovação, sendo uma política pública de assistência com um desenho
jurídico original. Logo, criado para famílias em situação de vulnerabilidade durante a pandemia,
deveriam ser cumpridos os seguintes requisitos: (i) maioridade etária; (ii) não ter emprego formal
(inclusos autônomos, desempregados, contribuintes informais e MEI); (iii) renda familiar de até meio
salário mínimo per capita; (iv) não ser beneficiário de benefício previdenciário, assistencial ou de
transferência de renda federal (exceto Bolsa Família); (v) estar na faixa de isenção de Imposto de Renda
da Pessoa Física (BRASIL, 2020).
116
Neste sentido, o aparato normativo destinado a efetivar tais políticas resultam em implicações
jurídicas relevantes. No âmbito global, as orientações político-econômicas, durante a pandemia,
abrangeram instruções para utilização de medidas extraordinárias, inclusive de cunho fiscal,
recomendando o aumento de gastos públicos em âmbito social, para que os direitos fundamentais
tivessem suas violações abrandadas. O FMI (Fundo Monetário Internacional), durante a pandemia,
realizou sugestões acerca das decisões a serem tomadas pelos países em desenvolvimento e
emergentes, como o Brasil:
Among emerging markets and developing economies, all countries face a health crisis,
severe external demand shock, dramatic tightening in global financial conditions, and
a plunge in commodity prices, which will have a severe impact on economic activity
in commodity exporters (IMF, 2021).
Considerações finais
O fito deste trabalho era investigar de que modo os objetivos da Agenda 2030 repercutem na
arquitetura jurídica dos programas sociais inaugurados pelo Brasil desde 2015. O objetivo específico
era examinar se as mudanças nos desenhos jurídicos dos programas de combate à miséria são a
explicação para as oscilações do coeficiente de Gini no Brasil, a partir de quatro vertentes: (i) quais os
programas de combate à fome vigentes no país desde 2015?;(ii) qual o critério de elegibilidade em
cada um deles?; (iii) há mecanismos de condicionalidade?; (iv) quais as justificativas políticas e os
impactos daquela arquitetura jurídica escolhida?
Em um primeiro momento, observou-se que o Bolsa Família, o Auxílio Emergencial e o
Auxílio Brasil são notoriamente os programas de combate à miséria com maior amplitude de acesso
no país. Embora tais programas sejam caracterizados como a continuação do anterior, é notável as
particularidades na arquitetura jurídica entre eles.
Enquanto o Bolsa Família adota como critérios de elegibilidade a renda per capita familiar de
até R$ 120,00, o Auxílio Emergencial também adotou tal critério, embora tenha alterado o valor
máximo para meio salário mínimo per capita, além de ser obrigatório que o beneficiário estivesse na
faixa de isenção do IR. De modo similar, o Auxílio Brasil também reforça tal critério, ainda que tenha
119
situado o valor máximo em R$210,00 de renda familiar per capita. As maiores diferenças, no entanto,
estão relacionadas ao mecanismo de condicionalidade: no Auxílio Emergencial, não foi exigido
nenhuma condição para a continuidade do recebimento do benefício, ao passo que tanto no Bolsa
Família, quanto no Auxílio Brasil, tais exigências estão presentes.
A caracterização dos programas sociais, apesar de contarem com desenhos jurídicos
notoriamente parecidos, culminaram na decrescente capacidade do Estado brasileiro em cumprir os
compromissos firmados sob o âmbito da Agenda 2030. Seja em decorrência dos critérios de
elegibilidade, seja devido às filas de usuários não atendidos pelos programas, inequivocamente há uma
necessidade de releitura de tais programas. O apelo da Agenda 2030, conjuntamente com as sugestões
e recomendações inovadoras do Fundo Monetário Internacional e a conjuntura jurídico-brasileira
abriram as portas para um repensar sobre os programas de transferência de renda e combate à
miserabilidade.
Apesar disso, as justificativas e discursos políticos nos encaminhamentos e aprovações do
Auxílio Emergencial e Auxílio Brasil mencionam a "excepcionalidade" da situação, como se fosse
desconhecida a realidade de desrespeito diuturno aos direitos fundamentais e sociais básicos de um
grande contingente de cidadãos que se submetem às condições de miserabilidade. Tal constatação deve
ser encarada como lembrança diária sobre a realidade rotineira, não "excepcional", de tais pessoas.
Referências
BATISTA, Elisangela Moreira da Silva. Programa Bolsa Família: condicionalidades, focalização e
valor do benefício. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007. 70 p. Monografia (Especialização em
Orçamento Público) - Câmara dos Deputados, Brasília, 2007. Disponível em: . Acesso em: 01 out.
2022
BRASIL. Emenda Constitucional nº 114, de 16 de dezembro de 2021. Altera a Constituição Federal
e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos
de precatórios, modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autorizar o parcelamento de
débitos previdenciários dos Municípios; e dá outras providências. [S. l.], 16 dez. 2021.
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 10.836, de 08 de Janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa
Família e dá outras providências. Diário Oficial da União. Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 jan.
2004. Seção 1, p. 1.
HOFFMANN, Rodolfo. Insegurança Alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-
2018 e comparação com a variação da pobreza. Segur. Aliment. Nutr Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8663556/26420. Acesso em: 16 dez.
2022.
IPEA. Indicadores Brasileiros para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. In: Indicador
10.4.1 - Proporção das remunerações no PIB, incluindo salários e as transferências de proteção social.
[S. l.], 2022. Disponível em: https://odsbrasil.gov.br/objetivo10/indicador1041. Acesso em: 11 nov.
2022.
LEAL, Victor Nunes. Revista da AGU. Volume 14 nº 04 - Brasília, DF. out./dez. 2015. Disponível
em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bib.
Acesso em: 02 out. 2022.
120
29
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) - Unesp/Franca. Graduada em Serviço Social e Mestranda pelo
Programa de Planejamento e Análises de Políticas Públicas (PPG-PAPP) - Unesp/Franca. [email protected].
122
No Brasil, o neoliberalismo ganhou destaque após os anos de 1995, onde o então presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC) passou a seguir com maior “obediência” as recomendações do
Consenso de Washington que visou combater as crises sistêmicas do capital e diminuir a
miserabilidade dos países subdesenvolvidos. Segundo Kerstenetzk (2012), FHC seguiu as
recomendações como um “bom aluno”, o que acarretou em uma maior intensificação do
neoliberalismo no Brasil. E, seguindo este pressuposto, ao instaurar no país um neoliberalismo de
forma mais abrupta, gerou-se um efeito rebote, que se traduz em reações causadas pela sua
implementação. Ao seguir um neoliberalismo, que a cada ano se tornou, gradativamente, mais
intenso, possibilitou a também entrada de cortes sociais, maiores ajustes fiscais, e,
consequentemente, desmantelamento da muito jovem seguridade social brasileira. Inserido em um
crescente avanço neoliberal, o sistema de seguridade social, apregoado pela Constituição Federal
(CF) de 1988, vem sofrendo um verdadeiro desfinanciamento no que tange seu orçamento.
Perseguindo um ideário de políticas de austeridade fiscal e ampliando o corte com gastos sociais, o
orçamento da seguridade social (OSS), que está previsto pela Constituinte, inicia um processo de
colapso.
Todavia, para entender de que forma este processo se dá, foi analisado os documentos legais
que dispõem sobre a fixação da base orçamentária do sistema, perpassando os Planos Plurianuais
(PPA), as Leis Orçamentárias Anuais (LOA), assim como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
de alguns governos. Ademais, será ressaltado o papel do fundo público para o financiamento das
políticas sociais e seu abocanhamento pelo capital portador de juros da dívida pública brasileira.
Importante mencionar que o maior destaque analítico se dará após o ano de 2016, onde ocorreu
maiores ações voltadas para impulsionar o neoliberalismo e reforçar as recomendações das
instituições financeiras, como o BM e o FMI. Por último, este estudo se justifica na medida em que
o sistema de seguridade social brasileiro se encontra em um contexto de desfinanciamento, e o
consequente aumento das desigualdades sociais se torna cada vez mais evidente. Sendo assim:
Em contexto de agudização da crise do capital, as políticas sociais são os principais
alvos da mercantilização, da focalização, da privatização, da transformação de
bens e serviços em mercadorias destinadas a manter aquecido o consumo e a
competitividade. As contrarreformas implementadas no Brasil nas últimas
décadas, e agravadas a partir de 2016, que atingem diretamente a seguridade social,
expressam a ofensiva capitalista em sua permanente busca por superlucros.
(BOSCHETTI & TEIXEIRA, 2019, p. 17)
Desenvolvimento
Buscando visualizar, ao final da pesquisa realizada, como de fato se encontra o OSS e os
impactos que afligem o mesmo, foi feita uma revisão bibliográfica e documental, e, posteriormente,
os dados coletados foram analisados. Dessa forma, será possível verificar os resultados obtidos
através das duas sessões a seguir.
123
E, para dar conta de suprir esses objetivos, o sistema dispõe de financiamento próprio, assim
como trás o Art. 195:
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,
nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições
sociais:
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II - dos trabalhadores;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos. (BRASIL, 1988)
Sendo assim, é notório que este sistema tem como principal diretriz assegurar os direitos
dos cidadãos no tocante as políticas de saúde, previdência e assistência de forma universal,
sobretudo para as políticas que abrigam os direitos contributivos e não contributivos, como é o caso
da assistência e da saúde. Além disso, a CF de 1988 trás de forma clara e objetiva o desenho de
financiamento do sistema, e de quais fontes advém seus recursos.
Seguindo essa premissa, a seguridade social foi implementada no Brasil para buscar atribuir
ao Estado brasileiro um caráter de Estado Social, não conseguindo, como bem pontua Kerstenetzk
(2012), chegar ao patamar de Estado de bem estar social (EBES), pensado e gestado, à priori por
Willian Beveridge em meados de 1940 na Grã-Betanha, e implementado nos demais países de forma
heterogênea, abarcando as prioridades e singularidades de cada um, havendo assim modificações
no tocante ao Plano original.
No caso do Brasil não foi diferente dos demais países, e o governo, através da Carta Magna,
buscou implementá-lo atendendo as possibilidades disponíveis na época e contexto brasileiro,
apresentando assim uma seguridade mais restrita contemplando apenas três políticas sociais. Dessa
forma, o que os autores e autoras, como o caso de Kerstenetzk (2012) querem dizer ao pontuar que
124
no Brasil não ocorreu um EBES, é que de fato não ocorreu uma seguridade que permitisse abranger
todas as políticas públicas e sociais, visando um sistema integrado de ações que buscassem atender
a todos os direitos sociais. Ademais, o sistema, logo após sua implementação, foi assolado com a
intensificação do modelo econômico adotado pelo País, que teve um maior destaque nos governos
pós Constituição, e que vem a se acentuar após o ano de 2016, como será visto em breve.
Orçamento da Seguridade Social (OSS) em contexto de ajuste fiscal, corte nos gastos sociais e
ultra neoliberalismo
Como observado anteriormente, o OSS está disposto na CF de 1988, e conta com recursos
próprios. Contudo, esses recursos estão em constante ameaça, sobretudo após o ano de 2016, onde
ocorreu a ampliação de 20% para 30% da Desvinculação dos Recursos da União (DRU), e foi
promulgada a Emenda Constitucional (EC) nº 95, que atribuiu um teto nos gastos sociais e o
congelando do mesmo durante o período de 20 anos, ou seja, estabeleceu um Novo Regime Fiscal
no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade.
Não obstante, juntamente a essas medidas, o Fundo Público, responsável por alocar os
recursos destinados para a seguridade social, vem sendo abocanhado para o pagamento e
amortização dos juros da dívida pública. Imerso em um sistema e sociedade capitalista, o Fundo
Público está no “olho do furacão”, e segundo Salvador (2010) sua disputa ocupa lugar central na
discussão da extrema direita, a qual vem se preocupando com a maior intensificação da política de
austeridade fiscal, e a permanente contrarreforma do Estado.
Após o golpe de Michel Temer, é possível visualizar um neoliberalismo mais ferrenho,
chamado por muitos autores, como Boschetti (2019), de ultraneoliberalismo ou neoliberalismo mais
radicalizado, onde a sua face mais violenta se apresenta, extraindo da sociedade as conquistas
afiançadas pela Constituição. E, por meio do atual governo, de Jair Bolsonaro, ficou ainda mais
evidente a tentativa de subsumir o neoliberalismo, o conservadorismo, e a política de ajuste fiscal
em detrimento do social. Sendo um importante meio de articulação das políticas sociais e também
da reprodução do capital, o Fundo Público vem sendo uma questão estrutural do capitalismo, e
atendendo ora aos direitos sociais, por meio do financiamento das políticas sociais, ora ao capital
portador de juros, através do pagamento de juros e amortização da dívida pública (SALVADOR,
2012).
Somado os efeitos da EC 93, DRU, da EC 95, do abocanhamento do Fundo Público, da
investida neoliberal, e da política de austeridade fiscal, onde a falácia dos superávits primários
justificam a redução dos gastos públicos e sociais, o desenho de seguridade social, tal qual está
posto na CF de 1988, vem sendo desconstruído. Através da tabela abaixo, pode-se melhor visualizar
esta afirmação, a partir da análise, de forma deflacionada, dos dados orçamentários dos anos de
2016 a 2020.
125
Evolução do Índice
Variação Valores corrigidos Variação
Ano OSS (R$) de Preços
nominal (R$) real
- Ano base: 2010
2016 865.771.529.873 8,62% 1,5037 575.742.699.503,43 2,19%
2017 948.425.754.351 9,55% 1,5481 612.651.223.558,01 6,41%
2018 1.005.077.128.389 5,97% 1,6061 625.806.639.211,12 2,15%
2019 1.056.238.798.947 5,09% 1,6752 630.512.106.585,82 0,75%
2020 1.189.674.499.357 12,63% 1,7509 679.471.313.129,16 7,76%
Fonte: Loa de cada ano analisado. Elaboração da autora.
Os anos analisados estão com a evolução do índice de preços com base no ano de 2010, para
ser visualizada a década por completo. Contudo, a nível deste estudo, ressalta-se os anos de 2016 a
2020, tendo em vista o avanço neoliberal, como já mencionado.
Dessa forma, é possível observar que, nominalmente, o OSS aumentou. Porém, ao
deflacionar os dados por meio dos índices do IPCA para cada ano, visualiza-se que a variação real
dos anos é bem menor do que a nominal, sendo o ano de 2019 o menor valor, seguido pelo ano de
2018 e 2016. Se comparada a variação nominal de 2016 para a real do mesmo ano, a variação caiu
pela metade, permanecendo, em quase todos os anos, com a mesma tendência de queda. Contudo,
é importante destacar os dados para que o leitor compreenda que é fácil dizer que o OSS ampliou
de 2016 a 2020, mas sem deflacioná-los não será verdadeira a afirmação. O aumento foi muito
baixo de ano a ano se observado a variação real, o que traduz tudo que já fora falado até aqui,
expressando o impacto do corte nos gastos sociais de maneira mais acentuada desde 2016.
Continuando na análise orçamentária, se examinada a Lei Orçamentária Anual da última
década, há um aumento, também de forma nominal dos seus valores. Mas, o que chama atenção é
que desses valores, a maior parte fica para o Refinanciamento da Dívida Externa, seguido do
Orçamento Fiscal, e por último se encontra o OSS.
Do valor desembolsado para o OSS, observa-se os valores distribuídos para cada uma das
três políticas que compõem o sistema, sendo a previdência responsável por receber o maior valor,
seguido da saúde, e por último a assistência social. Este fato tem implicações relevantes para a
última política, em que pese além de receber o menor valor repassado, tem seus programas de
transferência de renda (PTR) focalizados na extrema pobreza, indo na contramão do posto pela CF
de 1988 e reforçado por sua legislação própria, que preconiza que todos os seus programas,
benefícios e ações desempenhadas sigam um caráter universalizante, abrangendo a todos os direitos
sociais de todos os cidadãos brasileiros. Já a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dos anos
analisados, sobretudo do segundo mandato do governo Lula até o primeiro mandato do governo
Bolsonaro, tem como meta principal atingir o superávit primário. Sendo assim, no que tange o
social, a ênfase maior se dá nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), compreendidos por
126
Lula e Dilma, havendo uma menor preocupação, no que se refere a LDO, e ao Plano Plurianual
(PPA), nos governos posteriores.
No concernente ao PPA dos governos FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, principais
governos analisados para este estudo, nota-se que de FHC a Dilma houve uma tentativa de priorizar
o campo social, sobretudo no governo Lula, onde através de um maior impulsionamento dos PTR
conseguiu-se atingir a pobreza extrema e mudar a realidade aquisitiva dessa população, de modo a
inseri-los no mercado consumidor.
É importante frisar que nenhum dos governos estudados rompeu com o capitalismo e
neoliberalismo, mas, sobretudo nos governos do PT, ocorreu uma tentativa de acoplar o social ao
econômico, realizando, principalmente no governo Lula, políticas sociais economicamente
orientadas, e políticas econômicas socialmente orientadas (MENDOSA, 2012). Além do mais, os
governos Temer e Bolsonaro buscaram se desvincular da herança herdada pelos governos
anteriores, e criaram programas, no caso do governo Temer, como o Programa Criança Feliz, (PCF)
para “complementar” os PTR como o Programa Bolsa Família (PBF) por exemplo. E, no governo
Bolsonaro, ocorreu a substituição do último programa mencionado pelo Programa Auxílio Brasil.
Em ambos os governos ou desgovernos, como o leitor preferir chamar, houve uma tentativa
de criar o “inédito” para marcar o governo. Entretanto, especialmente no governo Bolsonaro, que
pegou no seu segundo ano de mandato uma das maiores crises sanitárias e econômicas do mundo,
por meio da COVID-19, a área social sofreu um maior impacto, mesmo que o governo tenha criado
o Auxílio Emergencial para suplementar a renda da população empobrecida em período
pandêmico.
Acontece que os recursos desembolsados para o pagamento do auxílio foram negociados
através dos ativos do Tesouro Direto, e através dessa medida pegou-se dinheiro emprestado dos
bancos e dos investidores, com a “famosa” e já muito conhecida promessa de devolvê-lo com juros
e correção monetária.
Mas qual o problema disso? O maior problema se dá no fato de que, ao fim e ao cabo, que
irá pagar essa dívida contraída para beneficiar a população empobrecida são os próprios pobres
brasileiros, conhecidos como classe trabalhadora. Essa classe, conforme argumenta Salvador
(2020), é historicamente mais onerada pelos impostos e tributos, havendo o que se chama de
tributação regressiva, onde quem ganha mais, paga menos, e quem ganha menos, paga mais.
Deste modo, ao se apropriar do Fundo Público, compromete-se o financiamento das
políticas sociais, e, consequentemente impede-se ações para sair das crises cíclicas, inerentes ao
capitalismo. Tendo em vista esses fatos, o sistema de seguridade social, e a garantia de direitos
universais para todos, fica cada vez mais distantes, permitindo a entrada, em seu lugar, de intensos
ajustes fiscais, cortes nos gastos sociais e disputa pelo Fundo Público, reflexos de um
ultraneoliberalismo e de um beneficiamento do capital portador de juros.
127
Conclusões
Entende-se que o sistema de seguridade social brasileiro, conquistado a duras penas no ano
de 1988, vem sofrendo um desmantelamento, sobretudo após 2016. E se faz necessário compreender
este debate, principalmente no que se refere ao seu orçamento, pois a tendência é que esta situação
piore e haja um agravamento maior para o campo social.
Não é ser pessimista, mas é entender que em meio a um neoliberalismo desenfreado, que
presa por ajustes ficais justificados pela busca de superávits primários, que incentiva o
desfinanciamento das políticas sociais, seja pela apropriação do Fundo Público, seja pelas Emendas
Constitucionais absurdas, DRU e teto dos gastos, não há como não notar que o desenho esboçado
pela Constituinte não permanece o mesmo. Também não tem como dizer que esse efeito não é
próprio do capitalismo, pois, gestado em seu cerne, o neoliberalismo vislumbrará a autonomia do
mercado em primazia do campo social, e isso é um fato.
Por hora, cabe compreender em que pé estão as ações promovidas pelo governo, seja para
enfrentar e solucionar problemas, seja através de seus planos e metas para combater as
desigualdades sociais. O que não pode haver é a não visualização de que um sistema criado e
implementado para suprir as necessidades de modo universal, tem atendido de maneira focalizada,
e, para piorar seu desempenho, tem sido gradativamente desfinanciado.
Referências
ANDRADE, D. P. O que é neoliberalismo? A renovação do debate nas ciências sociais. In: Revista
Sociedade e Estado, v.34, n.1, jan./abr. 2019. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/se/a/RyfDLystcfKXNSPTLpsCnZp/?lang=pt. Acesso em: 01 nov 2022.
BOSCHETTI, I. Tensões e possibilidades da política de assistência social em contexto de crise do
capital. In: Revista Argumentum, v.8, n.2, p.16-29, maio/ago. 2019. Disponível:
https://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/12800. Acesso em: 22 fev 2020.
BOSCHETTI, I.; TEIXEIRA, S. O. O fardo do radical ajuste fiscal a classe trabalhadora sob a ótica
das despesas do orçamento da seguridade social. In: Anais do XVI Encontro Nacional de
Pesquisadores em Serviço Social, v. 16, n.1, mai 2019. Disponível em:
https://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/22082. Acesso em: 01 nov 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
Gráfico, 1988.
KERSTENETZK, C. L. O Estado do bem estar social na idade da razão: A reinvenção do estado
social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
MENDOSA, D. Gênese da política de assistência social no governo Lula. Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-
14012013 142845/publico/2012_DouglasMendosa.pdf. Acesso em: 01 fev 2022.
SALVADOR, E. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
_____________.Fundo público e financiamento das políticas sociais no Brasil. Serviço Social
em Revista (on-line), v. 14, p. 422, 2012. Disponível em:
128
http://www.uel.br/eventos/orcamentopublico/pages/arquivos/I%20Simposio/Fundo%20Publico%
20e%20o%20financiamento.pdf. Acesso em: 01 nov 2022.
______________.Disputa do fundo público em tempos de pandemia. Youtube, 13 nov 2020.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FUtFb-OiAWU. Acesso em: 01 nov 2022.
129
30
Graduanda em Direito na Unesp. Email: [email protected].
130
(OBs), não eram considerados produtos de higiene básica pela lei brasileira, permanecendo fora das
cestas básicas distribuídas pelo governo através do programa do Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (Sisan), o que se configura como uma clara violação das disposições
constitucionais. A falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e o
desprovimento de serviços médicos também adentra as violações da pobreza menstrual (UNICEF,
2021, p.11). O carecimento desses recursos e o consequente manejo insuficiente ou inadequado da
menstruação, além de incutir sobre as mulheres prejudicadas o desconforto de uma situação anti-
higiênica, também podem levar a outros problemas fisiológicos, como alergia e irritação da pele e
mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candidíase, e até uma condição que pode levar à
morte, conhecida como Síndrome do Choque Tóxico (UNICEF, 2021, p.12).
Segundo o relatório da Unicef, um dos fatores também relacionados à pobreza menstrual é
a falta de acesso a banheiros seguros e em bom estado de conservação, à água encanada,
esgotamento sanitário e coleta de lixo (UNICEF, 2021, p.11), ou seja, ao direito ao saneamento
básico assegurado formalmente na Lei Nᵒ 11. 445/07, que estabelece que a prestação de serviços de
saneamento básico no Brasil deve ser universal (BRASIL, 2007, art. 2ᵒ, I). O mesmo relatório
constatou que 713 mil meninas brasileiras não possuíam banheiros em seu domicílio à época da
pesquisa (UNICEF, 2021, p.22) e outras 321 mil frequentavam escolas que não apresentavam
banheiros em condições de uso (UNICEF, 2021, p.18).
Outra chave importante de impactos da pobreza menstrual é a violação do direito dos
afetados à educação, garantido no artigo 205 da Constituição Federal. Segundo um outro estudo,
realizado pela Ensino Social Profissionalizante (ESPRO) em 2021, uma parcela de 20% das jovens
entre 14 e 24 anos entrevistadas já havia faltado à escola por não ter absorvente, demonstrando o
prejuízo que a pobreza menstrual pode causar na formação educacional e profissional das jovens.
A falta de conhecimento sobre o ciclo menstrual também consiste em uma violação do
direito à educação e pode ser tão prejudicial quanto a falta de recursos higiênicos. Dados do mesmo
estudo apontaram que 10% das entrevistadas não havia recebido orientações sobre a menstruação
antes da menarca (ESPRO, 2021), o que comprova uma ausência de discussões a respeito desse
assunto nos meios educacionais do país. O manejo inadequado das necessidades corporais em
decorrência da falta de informações pode gerar ou agravar os problemas fisiológicos já citados e
ocasionar impactos psicológicos negativos nas mulheres e meninas, fortalecendo tabus misóginos
que minam a autoestima das afetadas. Mitos e expressões estigmatizantes fazem com que 20% das
mulheres sintam vergonha por estarem menstruadas enquanto outras 38% se sintam ‘’sujas’’
(ESPRO, 2021). O melhor meio de combate a esses tabus é a educação menstrual e sexual, que deve
ser promovida de maneira a incentivar o desenvolvimento pleno das pessoas que menstruam.
É essencial ainda ressaltar que o fenômeno da pobreza menstrual é intensificado por outras
variáveis envolvendo a desigualdade racial, social e de renda. O relatório da Unicef apontou uma
132
desigualdade gritante entre mulheres brancas e negras afetadas pela precariedade de saneamento
básico ao constatar que a chance destas não possuírem banheiro em casa é quase três vezes maior
do que daquelas, e que 13% a mais de garotas negras do que de brancas vivem em espaços sem
esgotamento sanitário (UNICEF, 2021). A população carcerária, vítima da negligência estatal,
também sofre fortemente impactos da pobreza menstrual. Juliana Santos Garcia, fundadora do
coletivo integrante ao movimento de luta pela dignidade menstrual Nós Mulheres, em entrevista à
Carta Capital, explicou que o Estado não provém os recursos necessários para o adequado manejo
menstrual, o que leva as presas a recorrerem a produtos improvisados, como miolos de pão, jornais
e pedaços de tecido para conter os sangramentos e limparem-se (BASILIO, 2022), um retrato do
puro abandono estatal e desconsideração da dignidade humana.
Fica evidente, portanto, a capacidade de impacto da pobreza menstrual na qualidade de vida
dos cidadãos brasileiros que menstruam, mostrando-se ser este um grave problema de
descumprimento de direitos fundamentais e de crise de saúde generalizada. Basta compreender
agora como se deu o processo, ainda em andamento, de elaboração de políticas públicas de
erradicação de tal problema.
Pobreza menstrual: um problema público
Como afirma Leonardo Secchi (2016, p.5), o problema público está para a doença como a
política pública está para o tratamento. Configura-se como finalidade de uma política pública o
enfrentamento, a diminuição e a resolução desses problemas. Contudo, existem alguns fenômenos
sociais, tais como a pobreza menstrual, que se mantiveram fora do foco de elaboração das políticas
públicas por um longo tempo, ainda que gerem sérios danos ao bem-estar da sociedade brasileira.
Para compreender a razão por trás dessa contradição, primeiro é necessário esclarecer de que
maneira uma questão social é reconhecida como um problema público e passa a ser alvo da gestão
estatal.
Segundo Ana Paula Capella (2018, p.28), o conjunto de discussões políticas que avaliam
quais questões merecem a atenção do sistema estatal é chamado de agenda. Os estudiosos do campo
de políticas públicas explicam que existem diferentes tipos de agenda, com destaque para a
sistêmica, a governamental e a decisória. Os estudos de Roger Cobb e Charles Elder (1972, p.85)
definem a agenda sistêmica como o conjunto de questões que recebem a atenção da opinião pública
e são entendidas como assuntos de competência das autoridades governamentais. Nem todos os
assuntos que se manifestam na agenda sistêmica compõem a agenda governamental, que englobam
as questões consideradas relevantes pelos tomadores de decisão, seja em plano nacional, estatal ou
municipal (CAPELLA, 2018, p.28). Já a agenda decisória, abordada posteriormente nos estudos de
John Kingdon, se trata de um subconjunto da agenda governamental que reúne as questões que
estão prontas para uma decisão ativa (2003, p.4).
133
Nota-se, dessa forma, que o processo de formação das agendas de políticas públicas envolve
uma série de decisões, que, por mais tautológico que possa soar, são puramente políticas. Assim, os
grupos inseridos na esfera pública desempenham um papel importante na seleção dos temas sociais
dignos da atenção governamental. Acontece que as mulheres permaneceram fora da esfera de
tomada de decisões públicas por muito tempo. Como explica a autora Carole Pateman, a mulher
não foi considerada um ser político ativo durante a construção das bases do Estado Moderno (1993,
p.16). Ela foi interpretada como um objeto e relegada à esfera civil da vida, permanecendo sem o
direito à participação política por anos (PATEMAN, 1993, p.21), o que esclarece o fato de questões
relacionadas ao seu corpo e a sua saúde não terem sido entendidas como problemas de saúde
pública.
Contudo, com o avanço dos movimentos feministas e o desenvolvimento do campo dos
direitos fundamentais, a mulher passou a lutar pelo seu espaço na esfera política e a exigir medidas
por parte do Estado capazes de promover e assegurar sua condição de vida digna. É graças a essas
mudanças que a pobreza menstrual passou a ser discutida e encarada, inicialmente pela população
e pelos meios científicos, e posteriormente por órgãos governamentais, como um problema público.
Como afirma o economista e sociólogo francês, Alfred Sauvy (1959, p.7-8, apud BONAVIDES,
2000, p. 590), a opinião pública constitui o foro íntimo de uma nação, podendo atuar como um
árbitro, uma consciência ou um tribunal, e, nesse caso, foi a sua força expressa a responsável por
pressionar o campo do direito para que este se abrisse para a participação feminina e a desencadear
o processo de avanço do tema da pobreza menstrual das agendas sistêmicas de políticas públicas
rumo às decisórias.
Nesse sentido, nos últimos dois anos (2020-2021), a partir da pressão de grupos feministas
e movimentos sociais, políticas públicas voltadas ao combate à pobreza menstrual foram criadas ao
redor do país. Destaca-se, em âmbito estadual, as leis aprovadas nos estados do Rio de Janeiro,
Minas Gerais, São Paulo e Paraíba e, em âmbito nacional, o grande destaque é a lei 14.214,
sancionada em 6 de outubro de 2021, que instituiu o Programa de Proteção e Promoção da Saúde
Menstrual. A exigência de elaboração de políticas públicas que tratassem da dignidade menstrual
por parte do governo federal já causava repercussões no campo das lutas sociais há algum tempo,
como demonstrado pela expedição da Recomendação Nᵒ 21 do Conselho Nacional de Direitos
Humanos (CNDH), em dezembro de 2020, que recomendava ao Presidente da República, ao
Presidente da Câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado Federal a criação de um marco
legal para a superação da pobreza menstrual e a garantia de isenções de impostos aos produtos de
higiene menstrual. A Recomendação levava em consideração os Objetivos 3 e 5 de
Desenvolvimento Sustentável elaborados pela ONU e a Cartilha da UNICEF ‘’Menstruação na
pandemia e + outras coisinhas’’, que reconhecia a saúde menstrual como um direito fundamental
para todas as mulheres (CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 2020).
134
O projeto que deu origem à lei 14.214, o PL 4.968/19, era de iniciativa da deputada federal
Marília Arraes, do partido Solidariedade. O projeto foi aprovado ainda em 2020 no Senado, todavia,
seis de seus trechos foram vetados pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, incluindo o artigo 1ᵒ da
lei, que previa a distribuição gratuita de absorventes higiênicos femininos, e o artigo 3ᵒ, que
apresentava a lista de beneficiadas, que incluía essencialmente mulheres em situação de
vulnerabilidade social (AGÊNCIA SENADO, 2021). O presidente alegou como justificativas para
o veto a falta de previsão de fontes de custeio e incompatibilidade com a autonomia dos
estabelecimentos de ensino (AGÊNCIA SENADO, 2021).
A atitude do presidente Jair Bolsonaro foi abertamente criticada nos meios midiáticos e
políticos. No ano seguinte, o presidente assinou um decreto que prevê a proteção da saúde menstrual
e a distribuição gratuita de absorventes e outros itens de higiene, porém, os parlamentares preferiram
ainda assim derrubar o seu veto e assegurar, por meio da lei, a atenção estatal ao problema em
questão (AGÊNCIA SENADO, 2021). Dessa maneira, a lei 14.214 foi sancionada, com seus artigos
1ᵒ e 3ᵒ restituídos. O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual prevê a oferta sem
custos de produtos higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual, tendo em
vista combater a precariedade menstrual, oferecer garantia de cuidados básicos de saúde e
desenvolver meios para a inclusão das mulheres em ações e programas de proteção à saúde
menstrual (BRASIL, 2021). Entre as beneficiadas, estão inclusas: estudantes de baixa renda
matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou em situação de
vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do
sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa
(BRASIL, 2021).
Apesar do importante avanço legislativo em relação à proteção dos direitos fundamentais
das mulheres que tal lei proporcionou, é preciso salientar que ela não toca todos os aspectos
relacionados à pobreza menstrual. A lei 14.214/21 não entra nos pormenores da promoção da
educação sexual nem na ratificação dos problemas sanitários interligados à questão da precariedade
menstrual. É importante, portanto, lembrar que a eficácia deste programa depende não somente da
concretização dos objetivos por ele propostos, como também da combinação entre esta e outras
políticas de saneamento básico, de saúde e educacioais, de maneira a combater a pobreza menstrual
em toda a sua complexidade e multidisciplinaridade.
Conclusões
A pesquisa realizada neste artigo demonstra as violações de direitos fundamentais das
mulheres brasileiras por parte da pobreza menstrual, um fenômeno complexo e multifacetado que
reflete diversas desigualdades sociais presentes na estrutura da nação. O processo demasiadamente
recente de reconhecimento da pobreza menstrual como um problema público e de elaboração de
políticas que visem combatê-lo é outro reflexo da desigualdade de gênero, que se manifestou por
135
muito tempo na esfera social e pública brasileira. Os avanços obtidos a partir da promulgação de
políticas públicas municipais, estaduais e nacionais é deveras bem-vindo e apreciado, contudo, deve
ser complementado com outras políticas, que englobem outras facetas da questão da precariedade
menstrual além da falta de acesso a recursos materiais. No geral, a luta pela dignidade menstrual
ainda deverá se perpeturar no âmbito político brasileiro, ecoando em si a força dos movimentos
sociais no Estado de Democrático de Direito vigente e consolidado.
Referências
AMARAL, Jefferson Ney; CALDAS, Ricardo Wahrendorff; LOPES, Brenner. Políticas Públicas:
conceitos e práticas. Volume 7. Belo Horizonte: Sebrae/MG, 2008.
AGÊNCIA SENADO. Promulgada lei para distribuição de absorventes às mulheres de baixa
renda. Publicado em 18 de março de 2022. Seção Sanções/Vetos. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/18/promulgada-lei-para-distribuicao-de-
absorventes-as-mulheres-de-baixa-renda. Acesso em: 22 de agosto, 2022.
BASILIO, Ana Paula. Por que a pobreza menstrual deve ser enfrentada como uma violação de
direitos humanos. Carta Capital. Publicado em 22 de fevereiro de 2022. Seção Sociedade.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/por-que-a-pobreza-menstrual-deve-ser-
enfrentada-como-uma-violacao-de-direitos-humanos/. Acesso em: 22 de agosto, 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal: 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22
de agosto, 2022.
BRASIL. Lei Nᵒ 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o
saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis n os 6.766,
de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e
revoga a Lei nᵒ 6.528, de 11 de maio de 1978. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11445compilado.htm. Acesso em:
22 de agosto, 2022.
BRASIL. Lei 14.214, de 6 de outubro de 2021. Institui o Programa de Proteção e Promoção da
Saúde Menstrual; e altera a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, para determinar que as cestas
básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan)
deverão conter como item essencial o absorvente higiênico feminino. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2021/Lei/L14214.htm#:~:text=L14214&text=Institui%20o%20Programa%20de%20Prote%
C3%A7%C3%A3o,essencial%20o%20absorvente%20higi%C3%AAnico%20feminino. Acesso
em: 22 de agosto, 2022.
BUSH, Larry M. Síndrome do Choque Tóxico. Manual MSD. Publicado em março de 2021. Seção
Assuntos Médicos. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-
br/casa/infec%C3%A7%C3%B5es/infec%C3%A7%C3%B5es-bacterianasbact%C3%A9rias-
gram-positivas/s%C3%ADndrome-do-choque-t%C3%B3xico. Acesso em 22 de agosto, 2022.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador:
contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2001.
CAPELLA, Ana Cláudia. Formulação de Políticas Públicas. Brasília: Enap, 2018.
COBB, Roger; ELDER, Charles. Participation in American Politics: The dynamics of agenda
building. Boston, MA: Allyn anda Bancon, 1972.
CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. Recomendação Nᵒ 21, de 11 de
dezembro de 2020. Recomenda ao Presidente da República, ao Presidente da Câmara dos
136
Deputados e ao Presidente do Senado Federal, a criação de um marco legal para superar a pobreza
menstrual e a garantia de isenções de impostos de produtos. Disponível em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-de-
direitos-humanos-cndh/SEI_MDH1638484Recomendacao21.pdf. Acesso em: 22 de agosto, 2022.
ENSINO SOCIAL PROFISSIONALIZANTE. Projeto Novo Ciclo. 2021. Disponível em:
https://www.espro.org.br/wpcontent/uploads/2022/05/Infogr%C3%A1fico_Pesquisa_Novo_Ciclo
_Jovens_Pobreza_Menstrual.pdf. Acesso em: 22 de agosto, 2022.
GIRL UP. Livre para Menstruar. 2021. Disponível
em: file:///C:/Users/isabe/Downloads/LivreParaMenstruar-Pobreza-menstrual-e-a-
educac%CC%A7a%CC%83o-de-meninas.pdf. Acesso em 22 de agosto, 2022.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua Quarto Trimestre de 2021. 2021. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2021_4tri.pdf. Acesso em: 22 de
agosto, 2022.
KINGDON, Jonh. Agendas, Alternatives and Public Policies. 3 ed. New York: Harper Collins,
2003.
PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo: Editora Terra e Paz, 1993.
SAUVY, Alfred. Opinião Pública. 1959. In: BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed.
Malheiros Editores, 2000.
SECCHI, Leonado. Análise de políticas públicas: diagnóstico de problemas, recomendação de
soluções. São Paulo: Cengage Learning, 2016.
UNICEF. Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. 2021. Disponível
em:https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-
unfpa_maio2021.pdf. Acesso em: 22 de agosto, 2022.
31
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus Franca. Aluna Mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Análise de Políticas Públicas (PAPP). [email protected]
137
Uma vez constatada a falha na condução de uma política pública, considera-se, nesta
pesquisa, a materialização de uma restrição ao exercício de um direito fundamental imposta pela
entidade que deveria garantir sua efetividade. A partir do momento que o Estado chama para si a
responsabilidade ou competência para o fornecimento de um direito, e apresenta erros na execução
da política pública adotada que ultrapassam as contingências naturalmente esperadas, a essência do
direito fundamental passa a ter um viés defensivo, contra a violação perpetrada pelo Estado.
Seguindo a premissa de respeito ao ser humano como ser digno de proteção e titular de
direitos, o texto “Dehumanization and the loss of moral standing”, escrito pelo filósofo Edouard
Machery é um exemplo de estudo a respeito de um dos efeitos da desconsideração da dignidade: a
desumanização, que é a ação de tratar um indivíduo como não-humano, deficientemente humano
ou menos humano do que outrem. A desumanização pode se dar de maneira explícita (gritante) ou
implícita (sutil), e em determinada medida pode contribuir para a instauração de eventos sociais
dramáticos (genocídios) ou comuns, além de ser um dos fundamentos para discriminações ou
comportamentos tendenciosos (MACHERY, 2021, p. 145-158).
Os conceitos e reflexões apresentados no estudo de Machery referentes à retirada da posição
moral dos indivíduos como aspecto essencial da desumanização podem ser conectados com a ideia
de proteção da dignidade da pessoa humana, reconhecida como inerente a todos os seres humanos
e o “fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” segundo a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (UNITED NATIONS, 1948).
Estudar a valoração moral que os indivíduos atribuem a si mesmos e a outros permite
entender fatos sociais que tem por núcleo a desconsideração do indivíduo como sujeito de direitos
e passível de proteção, o que consequentemente levará à elaboração de políticas públicas cujo
objetivo não se limita à manutenção da ordem estatal, mas cumprirá a finalidade do Estado de
salvaguardar as liberdades individuais e de uma vida digna.
Ao considerar as políticas públicas como o mecanismo utilizado pelo Poder Público que tem
como finalidade a efetivação, no plano fático, de direitos sociais previstos expressamente, ou não,
na Constituição de 1988, cujo núcleo essencial necessariamente demanda prestações positivas do
Estado, eventualmente será necessário um “controle de qualidade” da política pública à luz do texto
constitucional, o que no Brasil é feito pelo Poder Judiciário, na medida que atua como intérprete da
vontade do legislador traduzida na lei.
A pesquisa decidiu por analisar a política pública de segurança do Estado do Rio de Janeiro,
com o recorte temporal limitado aos seis primeiros meses do período em que se instalou no Brasil
o estado pandêmico causado pela disseminação da Covid-19, uma vez que se tratou de um período
atípico no País, com desafios em todas as esferas do Poder Público.
No que tange à política de promoção da segurança pública e diminuição da violência e da
criminalidade, a falha na condução desta política pública se visualiza por meio do “terror causado
138
pelas chamadas incursões policiais”, o que decorre de um “processo de militarização que substituiu
a ostensividade das armas, antes na mão dos grupos criminosos e hoje nas mãos do braço armado e
legal do Estado, que possui o poder do uso da força” (FRANCO, 2018, p. 91).
Essa situação vivida pela população do Rio de Janeiro, combinada com os efeitos sociais
decorrentes das medidas de contenção do vírus causador da Covid-19, fez com que chegasse ao
Supremo Tribunal Federal, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 635/DF (ADPF
das Favelas), ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB em conjunto com a Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro e diversas organizações não-governamentais, coletivos e
entidades representativas de movimentos sociais ao final do ano de 2019 (ADPF DAS FAVELAS,
2019).
Dentre os 25 pedidos cautelares e de mérito expostos na petição inicial, a ação que ainda
não teve seu mérito julgado, busca, em resumo, a reestruturação da política pública de segurança
do Estado do Rio de Janeiro, com vistas à redução da letalidade policial e controle de violações de
direitos humanos.
Recorrendo a critérios de racionalidade procedimental/instrumental, a pesquisa se prestará
a um breve estudo da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de observar
há uma extrapolação de limites no campo da judicialização das políticas públicas, mediante uma
possível invasão de competência do Poder Judiciário como corregedor ou, até mesmo, gestor por
usurpação.
Aqui se confundem problema e objetivo de pesquisa, posto que a problemática da análise da
ADPF n. 635 gira em torno de uma tentativa de mensurar a potencialidade da intervenção do Poder
Judiciário na política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro mediante a interpretação de
normas constitucionais e quais os critérios para essa atuação progressivamente ativa.
Foram utilizados os métodos de pesquisa bibliográfica e documental, com posterior análise
de conteúdo dos dados reunidos, por se tratar de pesquisa teórica majoritariamente qualitativa, ao
menos no campo bibliográfico de estudos das referências e conceitos teóricos que embasam o tema
escolhido, e em parte do campo documental de análise dos critérios de fundamentação das decisões
judiciais.
Desenvolvimento
Dentre outros aspectos que retiram a humanidade do sujeito, Edouard Machery busca em
seu texto observar a desumanização a partir do ponto de vista da retirada da posição moral dos
indivíduos. Em síntese, o autor entende que a desumanização envolve, entre outras coisas, uma
negação da posição moral dos indivíduos desumanizados. A posição moral apenas é atribuída a algo
que possa ser moralmente lesado. A retirada da posição moral levaria à desconsideração da
139
Conclusões
A essência dos julgamentos liminares da ADPF n. 635 é um exemplo claro da atuação ativa
do Poder Judiciário na esfera organizacional das políticas públicas. Embora a criação e condução
dessas políticas sejam atribuídas à Administração Pública (Poder Executivo), em determinados
casos serão constatadas falhas ou desvios no ciclo de uma determinada política pública, o que
demandará a retomada do equilíbrio da influência intrínseca entre Estado - aqui leiam-se os Três
Poderes - e sociedade para combater os prejuízos causados pela demora na concretização dos
direitos fundamentais.
O contexto que levou à propositura da ADPF das Favelas foi de um quadro grave
de violações de direitos humanos pelas polícias do estado do RJ, decorrentes de
uma política de segurança pública baseada no confronto armado, e que atingem
especialmente a população negra e pobre moradora de favelas, sem investigação
ou respostas efetivas pelo sistema de justiça local. Uma realidade de rotinização
do uso da violência, com armamentos e procedimentos de guerra, que produz
142
A atuação, ainda que excepcional, do Poder Judiciário na esfera organizacional das políticas
públicas precisa ser vista além de seu caráter interventivo. A manifestação judicial pode ser
considerada um instrumento que permite vislumbrar a necessidade de melhorias, de destinação de
143
mais recursos, alterações de gestão, bem como a tomada de decisões como um todo, com vistas ao
alcance das metas que se propuseram alcançar com a política, razão de ser deste instituto.
Seguindo o disposto na Constituição, o que se mostra necessário é a garantia de eficiência
material das instituições. Em outras palavras, só é possível o alcance da eficácia completa dos
direitos fundamentais que decorrem estruturalmente do princípio da dignidade humana mediante a
soma da eficiência normativa e a consequente concretização fática, com a ressalva de que a
independência descrita no princípio da separação dos Poderes serve à questão organizacional, não
implicando, necessariamente, na ausência de correlação total entre o funcionamento desses
poderes.
Referências
ADPF DAS FAVELAS. Vitória do povo negro e das favelas: STF exige mudanças imediatas na
Segurança Pública do Rio. Disponível em <https://www.adpfdasfavelas.org/#block-33852>
Acesso em: 07/11/2022.
ARGUELHES, Diego Werneck. Ellwanger e as transformações do Supremo Tribunal Federal:
um novo começo? Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/54758/38032>. Acesso em: xxxx. DOI:
10.1590/2179-8966/2021/54758.
BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho. A morte como ela é: dignidade
e autonomia individual no final da vida. PANÓPTICA-Direito, Sociedade e Cultura, v. 5, n. 2, p.
69-104, 2010.
COELHO, Henrique. BRASIL, Filipe. Portal G1. Em 14 meses de restrições nas operações,
policiais do RJ mataram 1,5 mil pessoas; STF julga medida nesta quinta. Rio de Janeiro.
Disponível em <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/25/em-14-meses-de-
restricoes-nas-operacoes-policiais-do-rj-mataram-15-mil-pessoas-stf-julga-medida-nesta-
quinta.ghtml> Acesso em 11/12/2022.
FRANCO, Marielle. UPP - A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança
pública do estado do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora N-1, 2018. p. 91.
GOODWIN, Geoffrey P. Experimental approaches to moral standing. Philosophy Compass, v.
10, n. 12, p. 914-926, 2015.
LOPES DA ROCHA. Carlos Odon. Princípio da dignidade da pessoa humana: o outro como fim
em si mesmo e a igualdade material. In: Dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia:
implicações recíprocas / Organizador Paulo Gustavo Gonet Branco e Janete Ricken de Barros. –
Brasília: IDP, 2014.
MACHERY, Edouard. Dehumanization and the loss of moral standing. In: The Routledge
handbook of dehumanization. London and New York: Routledge, 2021. p. 145-158.
UNITED NATIONS. Human Rights. Office of the High Commissioner. Universal Declaration of
Human Rights. Disponível em:
<https://www.ohchr.org/sites/default/files/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>
Acesso em: 10/12/2022.
OSMO, Carla; FANTI, Fabiola. ADPF das Favelas: mobilização do direito no encontro da
pandemia com a violência policial e o racismo / “ADPF das Favelas”: Legal mobilization in the
intersection between police violence and racism. Revista Direito e Práxis, [S.l.], v. 12, n. 3, p. 2102-
2146, set. 2021. ISSN 2179-8966. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/61282/39035>. Acesso em: 03/11/2022
144
Introdução
O campo de estudo deste trabalho consiste em explorar a temática da interseccionalidade
enquanto ferramenta de investigação e práxis críticas envolvida no contexto político internacional,
o qual reverbera internamente na dinâmica política nacional dos Estados. Sendo assim, esse ensaio
é um dos resultados obtidos com a pesquisa de Iniciação Científica que foi desenvolvida sob o edital
PIBIC 2021/2022. Portanto, a problemática trabalhada é: tendo como objeto de análise a obra
Interseccionalidade (2016) de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge, qual o alcance da
interseccionalidade, enquanto ferramenta de análise investigativa e práxis crítica, nos estudos sobre
neoliberalismo e identidade política?
A emergência dessa temática está na importância que a interseccionalidade alcançou nas
últimas décadas, desde sua formalização acadêmica, marcando presença em debates internacionais
sobre direitos humanos, meio ambiente e outros. Assim, estudar no que consiste essa ferramenta e
em quais âmbitos ela atua se faz de extrema importância, especialmente no contexto de expansão
do neoliberalismo como sistema que intensifica as múltiplas formas de opressão que os indivíduos
experienciam. Sendo assim, o objetivo deste trabalho consistiu em investigar a atuação da
interseccionalidade enquanto ferramenta de análise investigativa e práxis críticas no contexto
internacional atual, a saber, o de predominância do neoliberalismo como racionalidade do
capitalismo contemporâneo. Mais especificamente, dessa forma, foram investigados os contornos
estruturantes do conceito de interseccionalidade, de neoliberalismo e de identidades políticas para,
então, pensar a inserção da interseccionalidade na dinâmica de políticas globais.
Para tanto utilizou-se de obras completas, capítulos de livros e artigos para compor o
desenvolvimento da pesquisa, visando, através de uma metodologia qualitativa de revisão
bibliográfica, responder aos objetivos expostos. Dessa forma, foi priorizado uma leitura crítica
sobre os materiais, articulando-os entre si. Tendo isso em vista, a obra principal a ser consultada foi
Interseccionalidade (2021) de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge, mas também recorreu-se a obras
como A nova razão do mundo (2017) de Christian Laval e Pierre Dardot para a compreensão do
neoliberalismo e artigos fundamentais de Kimberlé Crenshaw para situar o surgimento da
interseccionalidade e sua aplicação, sendo eles Mapping the Margins: Intersectionality, Identity
Politics, and Violence against Women of Color (1991) e Demarginalizing the Intersection of Race
32
1 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Graduanda em Relações Internacionais. [email protected]
146
and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist
Politics (1989).
Desenvolvimento
A interseccionalidade, como proposta por Patricia Hill Collins e Sirma Bilge em
Interseccionalidade (2021), é uma ferramenta de investigação e práxis críticas que busca
compreender a realidade social em sua complexidade. Portanto, parte do pressuposto de que as
pessoas estão submetidas a múltiplos sistemas de poder, os quais as oprimem de forma simultânea.
Assim sendo, essa ferramenta promove um modo de pensar com um olhar interseccional, ou seja,
deve-se interpretar as relações sociais desiguais como entrelaçadas e emaranhadas, especialmente
em meio ao contexto atual de avanço do neoliberalismo, sendo este não só sistema econômico,
mas também norma geral de vida (DARDOT; LAVAL, 2016). Nesse âmago, o debate
interseccional ganha espaço nas últimas décadas em discussões internacionais e se faz essencial
para localizar a dinâmica opressiva dentro da conjuntura mencionada. Isso implica em
compreender essa face do capitalismo como responsável por engendrar e moldar as desigualdades
sociais, as quais não se limitam ao aspecto exclusivamente econômico.
Dessa maneira, a conceitualização da interseccionalidade se fez de extremaimportância,
pois possibilitou sua mobilização enquanto ferramenta e permite, assim, sua aplicação tanto para
a análise da realidade, quanto para sua utilização prática na sociedade, como na incorporação por
políticas públicas. Nesse viés, resgata-se que a essência do pensamento interseccional remonta
séculos antes de sua formalização acadêmica, já sendo identificado por Carla Akotirene (2019) no
período colonial das Américas, no qual a mulher negra já articulava as noções de gênero, raça,
classe e nação. Posteriormente, entre as décadas de 1960 e 1970, Collins e Bilge (2021) apresentam
como essas mesmas estruturas foram contestadas em meio a efervescência de movimentos sociais
nos Estados Unidos da América. Isso leva à evocação dosprincipais conceitos que foram depois
alocados no conceito de interseccionalidade,como desigualdade social, poder, relacionalidade,
contexto social, complexidade e justiça social (COLLINS; BILGE; 2021, p. 90). É necessário
pontuar que esse momento exerce influência significativa para a formalização da
interseccionalidade que se sucedeu após algumas décadas.
Nesse âmago, situa-se o surgimento da interseccionalidade no bojo do feminismo negro,
o que se deve à posição ocupada pelas mulheres negras, as quais não se sentiam contempladas nem
pelo feminismo branco liberal – o qual tinha pautas focadas nas necessidades de mulheres brancas
de classe média –, nem pelo movimento negro - que não abarcava questões de gênero em suas
discussões. Com isso, a necessidade de um pensamento que abarcasse essas reivindicações leva
Kimberlé Crenshaw a cunhar o termo interseccionalidade entre o final da década de 1980 e início
147
dos anos de 1990. Ressalta-se, no entanto, que ao longo das décadas que se seguiram, esse conceito
se expandiu e passou a abarcar outras relações para além do gênero e da raça, como já mencionado.
À vista disso, a interseccionalidade aparece como novidade porque distingue-se de teorias
produzidas anteriormente, uma vez que não utiliza-se de apenas uma lente de análise, mas sim de
múltiplas. Entretanto, isso não significa que haja o completo descarte das contribuições fornecidas
por essas outras teorias, mas há a articulação de pontos relevantes para formar uma compreensão
da complexidade da realidade social. De tal modo, é fundamental investigar as relações de raça,
classe, gênero, etnia, sexualidade, status migratório, capacidade, idade e tantas outras mais que
forem necessárias e suas interligações para compreender a desigualdade social e a opressão. Como
postulado por Kimberlé Crenshaw (1989), somente trabalhando-as dessa maneira é possível
alcançar a justiça social, já que analisar essas opressões como problemas separados representa um
fracasso enquanto tentativa de solução desses impasses.
Mais do que adotar a aplicação da interseccionalidade como ferramenta prática,é preciso
assimilá-la como forma de interpretação social, a fim de, dessa forma, romper com o padrão
normativo e com a visão descritiva da sociedade (CRENSHAW, 1989). Assim, é necessário
compreender a interseccionalidade na indissociabilidade de suas duas faces: a da investigação e a
da ação, ambas feitas de modo crítico. Isso significa que, em seu âmbito investigativo, busca
pensar a conjuntura na qual determinadas opressões se manifestam, considerando os aspectos
histórico-sociais específicos e partindo de uma análise das estruturas interseccionais. Dessa forma,
possibilita-se,ainda, a revisão de debates feitos anteriormente por meio da incorporação das lentes
interseccionais, as quais produzem novas interpretações sobre as mesmas questões. Por outro lado,
seu âmbito prático apresenta uma possibilidade de resolução de problemas, ou seja, a partir da
análise de determinada situação, propor sobre ela um caminho para a justiça social, de modo a
combater as diversas desigualdades de modo conjunto e simultâneo. Além disso, é imprescindível
que ambas as faces sejam encaradas de maneira crítica, o que implica não só em questionar as
leituras hegemônicas existentes e a forma como políticas são aplicadas baseadas nas relações
sociais, mas questionar a interseccionalidade em si mesma, enquanto ferramenta, incluindo seus
pressupostos e a forma como vem sendo aplicada.
Nesse sentido, ao promover a investigação e ação críticas, há uma aproximação com os
indivíduos. Isso acontece devido ao diálogo entre os aspectos individuais e coletivos das
desigualdades sociais, de modo que as opressões passam a ser vistas comoproblemas que atingem
todo um grupo de pessoas e tem efeitos em variadas camadas. Dessa forma, como resgatado por
Collins (2022, p. 44), desde que cunhou a interseccionalidade, Crenshaw reconhecia que há uma
influência direta tanto dos arranjos estruturais sociais de poder e das experiências coletivas e
individuais, quanto os efeitos subjetivos ocasionados pela marginalidade política. Tendo essa
contextualização do conceito de interseccionalidade em vista, é importante situar seu debate e
148
inserção no contexto de neoliberalismo como política dominante do globo. Assim, aqui tem-se
neoliberalismo como definido por Pierre Dardot e Christian Laval em A nova Razão do Mundo
(2017), como sendo um “conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo
modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT;
LAVAL, 2016, p.17). Portanto, esse sistema é a racionalidade que guia o capitalismo
contemporâneo, sendo responsável por produzir relações sociais e interferir diretamente na forma
como os indivíduos experienciam a realidade social. Com essa lógica normativa (DARDOT;
LAVAL, 2016), é propagada uma crescente individualização na sociedade, resultado do sistema
concorrencial implementado de maneira exacerbada e que é incorporado subjetivamente. Aqui
destaca-se um traço fundamental para compreensão do neoliberalismo: ele ultrapassa as barreiras
do trabalho e, por extensão, os limites da dinâmica exclusivamente econômica, pois se expande
para os âmbitos subjetivos e interpessoais.
Assim, em torno de uma luta pela sobrevivência dentro do mercado, a organização social
passa a ser cada vez mais individualista e implica em mudanças na própria forma de pensar dos
indivíduos, que se torna mais fragmentada. As consequências de um raciocínio fragmentado
reverberam na maneira sobre a qual as interligações e relacionalidades na dinâmica social tornam-
se cada vez mais imperceptíveis.
Por sua vez, notando-se que as opressões advindas desse sistema não se limitam às relações
exclusivas de classe e agem de maneira subjetiva e interpessoal, é importante ressaltar que há
múltiplos sistemas de poder que operam simultaneamente e se intensificam sob o neoliberalismo.
Assim compreender que “essa ordem mundial neoliberal repousa sobre um sistema capitalista
global modulado por relações desiguais de raça, gênero, sexualidade, idade, deficiência e
cidadania” (COLLINS; BILGE, 2021, p.161) significa entender que apenas um olhar que abarque
todas essas relações é capaz de promover uma análise satisfatória da complexidade da realidade
social. Situar o debate interseccional no neoliberalismo sinaliza, portanto, que o combate de todas
as opressões geradas pelos diversos sistemas de poder implica no combate do capitalismo como
sistema dominante.
Nesse sentido, os desafios que se apresentam às lutas sociais e, por extensão, ao alcance da
justiça social residem no combate da racionalidade individualista promovida pela lógica
concorrencial do neoliberalismo. Dessa forma, é imprescindível uma ação que vá de encontro com
a subjetividade propagada e incorporada pelos indivíduos que gera a fragmentação do pensamento
e impossibilita uma organização mais eficiente das pessoas. Condição essa que se dá pela
atribuição do caráter individual às opressões, ou seja, estas deixam de serem vistas como resultado
de uma série de mecanismos estruturais que as provocam e passam a ser analisadas apenas como
casos isolados e particulares. É nesse ponto que a interseccionalidade surge como uma ferramenta
de grande valia, já que promove não apenas um pensamento relacional e interligado –
149
Isso indica como a forma com a qual as políticas públicas são feitas podem propiciar
desigualdades sociais. A razão para isso reside no fato de que a organizaçãodo poder direciona
sua ação para grupos específicos. Desse modo, para que o combate às desigualdades sociais seja
mais efetivo, é necessário que as opressões sejam identificadas como problemas coletivos e não
individuais ou isolados, o que vai de encontro com a lógica concorrencial neoliberal, como já
discutido anteriormente.
Assim, a interseccionalidade aparece como uma ferramenta que pode possibilitar tanto um
repensar das políticas que vêm sendo feitas, quanto propor novaspossibilidades de combate às
opressões. Novamente, no contexto neoliberal, utilizar-se da interseccionalidade como maneira de
agir em diversas frentes simultâneas em busca da justiça social apresenta uma possibilidade de
alcance da justiça social significativa, pois apresenta a indispensabilidade de pensar sobre gênero,
raça, classe, idade, status migratório, etc de forma indissociável. Atua, nesse sentido, de modo a
incentivar o pensamento sobre políticas de inclusão, igualdade e desenvolvimento, uma vez que
visa reduzir as desigualdades sociais abarcando todas as formas de opressão ao mesmo
tempo. No entanto, tendo em vista que a discussão acerca da interseccionalidade é recente e ainda
persistem meandros a serem explorados, alguns pontos necessitam ser mais acentuados, como sua
150
aplicação prática na formulação de políticas públicas. Isso porque incluir a amplitude de formas
de opressão que são experienciadas sem que haja uma perda de importância de cada uma delas e,
ao mesmo tempo, que não se torne medidas específicas demais, apresenta um desafio de aplicação
teórica.
No entanto, esses obstáculos não devem ser decisivos para o descarte da
interseccionalidade. Pelo contrário, apontam para um momento em que a interseccionalidade deve
se desdobrar e consolidar seu espaço. Como afirma Collins (2022), enquanto ferramenta crítica,
não só deve analisar a realidade e agir de maneira crítica, mas também deve olhar para si mesmo
de maneira a refletir sobre si mesma e expandir seus horizontes. Ademais, em meio a um cenário
tão complexo quanto o que o capitalismo neoliberal proporciona, além da própria diversidade
contida nas vivências humanas, questionar a realidade social como ela é através do uso de uma
ferramenta com grandes horizontes, como disposto pela interseccionalidade, se faz de extrema
importância para visar o alcance da justiça social.
Conclusões
A conceituação da interseccionalidade com suas premissas de investigação e de práxis
apresenta uma possibilidade de interpretação da realidade social que busca abranger toda sua
complexidade. Isso porque presume analisar os múltiplos sistemas de opressão de maneira
relacional, uma vez que os entende como emaranhados e imbricados. Para tanto, ao contrário de
outras teorias, utilizaconjuntamente de várias lentes de interpretação para compreender as relações
de raça, classe, gênero, status migratório, idade, etc, sem privilegiar nenhuma, pois entende que
todas, em suas especificidades, devem ser tratadas igualmente. Com isso, sendo uma ferramenta de
investigação e de práxis críticas, atua de maneira simultânea e indissociável nessas duas frentes.
Dessa forma, apresenta um olhar com maior profundidade sobre a dinâmica das relações sociais e,
assim, coloca o objetivo máximo de alcance da justiça social como ponto central em todo seu
desenvolvimento. Por isso, ainda que tenha questões a responder e aspectos a desenvolver, a
interseccionalidade aparece no contexto do neoliberalismo como uma forma de luta ante esse
sistema. Ou seja, por meio de sua aplicação, a interseccionalidade combate a lógica estabelecida
e globalmente disseminada por essa face do capitalismo, enxergando as interconexões dos
múltiplos sistemas de opressão sobre os indivíduos e buscando combatê-los de maneira simultânea.
Portanto, a interseccionalidade representa a necessidade de questionar não só a realidade
social que é vivenciada, mas a própria forma como ela e, por consequência, as opressões nela
contidas, são enfrentadas. Sendo uma nova possibilidade de interpretaras relações sociais, é
também uma nova maneira de pensar o caminho da justiça social, principalmente, na emergência
atual, por meio de políticas públicas de inclusão, igualdade e desenvolvimento.
151
Referências
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.
BILGE, Sirma. Quand l’intersectionnalité interpelle le développement. In: LEVY, Charmain;
MARTINEZ, Andrea (orgs.). Genre, féminismes et développement: une trilogie en
construction. Ottawa, Presses de l’Université d’Ottawa, 2019. p. 405-424.
BLACKWELL, Maylei; NABER, Nadine. Interseccionalidade em uma era de globalização as
implicações da conferência mundial contra o racismo para práticas feministas transnacionais.
Revista Estudos Feministas, 2002, v. 10, n. 1, pp. 189-198. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100012>. Acesso em: 03de fev. de 2022.
BOSE, Christine E. Intersectionality and Global Gender Inequality. Gender andSociety,
vol. 26, no. 1, 2012, pp. 67–72. Disponível em:
www.jstor.org/stable/23212241. Acesso em: 20 maio 2021.
CARASTATHIS, Anna. Identity categories as potential coalitions. Signs: Journal ofWomen in
Culture and Society, v. 38, n. 4, p. 941-965, 2013.
CHO, Sumi; CRENSHAW, Kimberlé Williams; MCCALL, Leslie. Toward a Field of
Intersectionality Studies: Theory, Applications, and Praxis. Signs, v.38, n.4, 2013. p.917-940.
Disponível em:<https://www.jstor.org/stable/10.1086/669608?seq=1>. Acesso em: 03 de fev.
de 2022.
COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. 1 ed. São Paulo:
Boitempo, 2021.
COLLINS, Patricia Hill. Bem mais que ideias: A interseccionalidade como teoriasocial
crítica. Boitempo Editorial, 2022.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist
Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of
Chicago Legal Forum, v.1989, n.8, pp.139-167, 1989.
Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf>. Acesso em: 03 de fev. de2022.
. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial
relativos ao gênero. Estudos Feministas, v. 10, n. 1, pp. 171-188,2002. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011>. Acessoem 03 de fev. de 2022.
. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against
Women of Color. Stanford Law Review, vol.43, n.6, pp. 1241-1299, jul, 1991.Disponível em:
<https://www.jstor.org/stable/1229039>. Acesso em: 03 de fev. de 2022.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Boitempo editorial,2017
LÓPEZ, Nancy. Want Equity? Consider Establishing a statewide race, gender, class datapolicy
consortium for social justice inquiry, research, policy and social justice práxis.
Race, Gender & Class, v. 23, n.1-2, pp.132-149, 2016. Disponível em:
<https://www.jstor.org/stable/10.2307/26529194>. Acesso em 03 de fev. de 2022.
Introdução
Inicialmente, o desenvolvimento local é algo que precisa se verificar uma mudança de
paradigma do município, e que para isso, é preciso entender o sentido de concepções e posturas
no estabelecimento de uma nova cultura de desenvolvimento, o que requer um pressuposto
humanitário, sustentável, inovador, mediante uma estrutura política, social e econômica, que deve
ser constatada, e requerer empreendimento e capacidade de mudança de estrutura e conjuntura para
uma mudança melhor de qualidade de vida dos habitantes. Assim, inicia-se o presente trabalho
com uma proposta humanística e até, holística, no sentido de buscar a essência do
desenvolvimento local, conforme entende Martins (2002),o que requer uma reflexão e busca de
novo paradigma cultural.
Por óbvio, o desenvolvimento local, ora municipal, geralmente, é associado ao acúmulo
material e econômico, seja monetarista, financeiro industrial, produtivo no agronegócio, no
comércio e na prestação de serviços, mas que pode ser auxiliado pelas políticas públicas de cunho
participativo, como os conselhos municipais, o que se pretende então propiciar o presente estudo.
Ora, o desenvolvimento não é só material, mas também, cultural, social e de satisfação de escala
humana, o que então pretende provocar a devida inovação de paradigma conceitual e os resultados
obtidos, atualmente, são parciais, de modo que se observou que tais mecanismos proporcionam
mudança de qualidade de vida da população participante do governo local.
A Constituição Brasileira proporcionou, de modo inédito, a estimular a participação
popular na tomada de decisões sobre políticas públicas, o que deflagrou leis e institucionalizações
de planejamento municipal com participação direta da população, como é o caso das audiências
públicas e dos conselhos municipais. No caso da participação da população na gestão das políticas
públicas, através dos conselhos municipais, observou-se que há consensos nos colegiados dos
referidos conselhos, ou seja, um acordo entre conselheiros representantes da administração pública
municipal e conselheiros representantes da sociedade civil, o então que pode se considerar uma
relação de democratização das políticas públicas, mas ao mesmo tempo, se tais conselhos estavam
de acordo com a representação e os anseios das suas populações locais.
Os objetivos do presente trabalho são:
1. Conhecer e estudar a respeito o que são os conselhos municipais e como funcionam
e se podem promover maior participação social nas políticas públicas municipais;
Saúde);
• Lei 13.460/2017 – Lei de Participação dos Direitos do Usuário dos Serviços
Públicos da Administração Pública;
• Lei 11.947/2009 – Lei de Participação do Cidadão, Pais e Alunos no Programa
Nacional de Alimentação Escolar.
Diante disso, observa-se que os conselhos municipais são importantes que funcionempara
que possam realizar suas devidas funções de criação, implementação, execução, controle e
avaliação de políticas públicas que possam ser efetivadas para prestação de serviços aos cidadãos.
Revisão da Literatura
Em primeiro lugar, Bresser-Pereira e Spink (1998), de modo teórico na busca da
compreensão metodológica, abordam a crise do modelo burocrático de administração pública de
modo crítico, o que gerou a crise do Estado e fez de as pessoas, ora cidadãs, demandarem políticas
de eficiência, eficácia e efetividade, principalmente, na prestação de serviços públicos, que
proporcionem resultados satisfatórios, mediante do que se percebeu com o tempo, a necessidade
de participação social nas políticas de descentralização, principalmente, advindos de movimentos
populares, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e da Educação Popular por
exemplo. Bresser-Pereira e Spink (1998) defendem que a participação social é um marco da
construção de uma cidadania ativa, o que fez ressurgir a democracia participativa, o que
proporcionou o chamado “princípio participativo” da população na implementação de políticas
públicas, principalmente, municipais.
Empiricamente e especificamente, no plano local, a década de 1990 correspondeu ao
período da instituição da consulta da população, nos casos de orçamentos participativos, que fez
de associações, sindicatos e empresas participarem no processo de formulação de projetos de
políticas públicas, que propiciaram o desenvolvimento local. Zaluar (1997) abordou a respeito do
fenômeno da desigualdade social, decorrente da globalização, o que gerou processo de
fragmentação social, principalmente, em países periféricos, o que precisou retomar a chamada
“marginalização social” e atentar a segmentos da sociedade civil como público alvo para propor
políticas públicas no sentido de se combater a exclusão social e promoção de inclusão de
oportunidades para pessoas mais vulneráveis da sociedade. Milani (2008), observa que, no Brasil,
a participação das pessoas na elaboração de políticas públicas, é um elemento central no processo
de reforma democrática do Estado, que foi proporcionado desde a Constituição Federal de 1988.
Constatou-se que as experiências de orçamento participativo municipal pelo Brasil,
principalmente, nas regiões Sudeste e Sul, apresentaram com o tempo melhores indicadores
sociais, bem como constatou padrões de comportamento político participativo da população, o que
proporcionou um diferencial em comparação ao resto do país.
156
Nogueira (2001) aborda que todo o debate da década de 1970 e 1980 foi decorrente da
ditadura militar que houve no Brasil, e que as pessoas reivindicavam maior liberdade e democracia
nas suas vidas, para atender melhor as demandas da sociedade, principalmente, naorganização dos
trabalhadores e movimentos populares. Foi diante disso que surgiu partidos políticos que até hoje
fazem parte do espectro como decisivos atores políticos, como é o caso do Partido dos
Trabalhadores, do Movimento Democrático Brasileiro, além de outros que surgiram no decorrer
da redemocratização, que culminou na Constituição Federal de 1988 eas eleições diretas para
Presidente da República, que houveram, a partir de 1989.
Há de ressaltar que as políticas públicas, pós-Constituição de 1988, surgiram decorrentes
das demandas dos movimentos populares, como o SUS (Sistema Único de Saúde), pois tais
movimentos reivindicavam políticas de saúde, moradia, educação, entre outras, o que fez a
sociedade organizar sindicatos, partidos, movimentos de Igreja, como as CEBS (Comunidades
Eclesiais de Base) da Igreja Católica, o que proporcionou a mobilização de lideranças que se
tornaram políticos e políticas, representantes importantes desses segmentos. Diante disso, os
conselhos municipais foram decorrentes deste período histórico, que tiveram papel importante para
proposição, implementação e execução de políticas públicas locais, mas com o tempo, houve
mobilização diante das lideranças de movimentos populares, que depois se tornaram políticos no
Executivo e no Legislativo Contudo, com tal situação, houve desmobilização das bases porque
seus líderes se distanciaram, enquanto que o Estado passou por várias crises econômicas, o que se
verificou depois dificuldades de crises sociais e políticas. Nogueira (2001) analisou a perspectiva
política dos cidadãos com os políticos e percebeu que os tecnocratas (burocratas do Poder Público)
buscaram convencer a população de racionalizar os recursos públicos nas suas alocações
orçamentárias, o que provocou um debate a respeito da participação da população, de como deveria
resolver problemas de conflitos de necessidades públicas diante do Estado, ora gerencial, ora
burocrático, que só buscava atender as demandas da imprensa ou de determinados segmentos
sociais de cidadãos, contudo, desde que tivesse a devida responsabilidade fiscal em buscar
resultados de modo racionalista para utilização dos referidos recursos públicos.
Silva (2009) aborda que questões importantes para o país entre a década de 1980 a 1990,
fez da participação social influenciar a gestão pública e a democratização de políticas locais pelos
conselhos municipais, o que democratizou no atendimento das demandas populares, mas o Estado
não absorveu, totalmente, tais demandas, por estar aparelhado por pressões de lobbyes políticos,
principalmente, dos grupos econômicos neoliberais e de políticos reacionários, o que gerou uma
controvérsia, mas que se deve constatar de que houve uma nova relação qualitativa dos cidadãos
com o Poder Público, ou seja, no sentido de que houve uma dimensão política da cidadania e de
alguns grupos que buscavam privilégios, obviamente, provocou conflitos e enfrentamentos em
várias cidades.
157
Metodologia
Metodologicamente, a proposta maior é bibliográfica de buscar literatura a respeito sobre
políticas públicas de participação social, amparadas em conceitos de políticas públicas, ciência
política e ciências sociais. As políticas públicas com possíveis participações sociais nos conselhos
municipais têm tido uma literatura a respeito dos desafios em sistematizarem informações com
tais experiências e desenvolverem uma dinâmica de composição e funcionamento, uma vez que
tais conselhos existem, no Brasil, desde 1990.
O trabalho proposto tem referência bibliográfica e sua literatura é pertinente para o devido
estudo com a metodologia proposta bibliográfica e os resultados a serem apresentados são parciais,
na análise de como os conselhos municipais podem ajudar na escolha e participação de políticas
públicas nos municípios. Na pesquisa bibliográfica, consultou-se os livros: Bresser Pereira e
Spink, 1989; Nogueira, 2001; Sanchez, 2020; Silva, 2009; Teixeira, 2001; artigos dos seguintes
autores: Cohn, 2011; Martins, 2002; Milani, 2008; Ribeiro e Grazia, 2003; Zaluar, 1997 e o Portal
do TCU (2022).
Discussão e resultados
Diante da problemática proposta e da importância dos conselhos municipais, aponta- se
principais discussões e resultados:
1ª) A questão da noção de desenvolvimento
158
Considerações finais
Vários estudos mostram experiências específicas, que demonstram participantes dos
conselhos municipais como membros da sociedade civil são caso de pessoas envolvidas em
159
Referências
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. Reforma do Estado e administração pública
gerencial. São Paulo: FGV, 1998.
COHN, Amélia. Participação Social e Conselhos de Políticas Públicas. Escritório no Brasil.
Textos para Discussão CEPAL-IPEA, 29. Brasília: CEPAL, 2011. Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/1421. Acesso em 3 nov. 2022.
MARTINS, Sérgio Ricardo Oliveira. Desenvolvimento Local: questões conceituais e
metodológicas. Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, p. 51-59, Set.
2002.
MEDONÇA, Marcelo Pires. FRANCESCHINELLI, Milena. O que é um Conselho Municipal?
Pragmatismo Político. In: BRASIL, Participação em Foco – 2015. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/participacao/noticiasmidia/participacao-
institucional/conselhos/1218-o-que-e-um-conselho-municipal>. Acesso em 3 nov. 2022.
MILANI, Carlos. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma
análise de experiências latino-americanas e europeias. Revista de Administração Pública. 42(3).
551-79. Mai. Jun. Rio de Janeiro: FGV/EBAPE, 2008. Acesso em:
160
https://www.scielo.br/j/rap/a/w8Sd7tHxv3dHcLmgW5DrpZs/abstract/?lang=pt. Acesso em 3
nov. 2022.
NOGUEIRA, M. A. Em defesa da política. São Paulo: Ed. Senac, 2001.
RIBEIRO, Ana Clara torres; GRAZIA, Grazia de. Experiências de orçamento participativo no
Brasil (período de 1997 a 2000). Fórum Nacional de Participação Popular. Petrópolis: Vozes,
2003.
SANCHEZ, Ricardo L. Impacto da Tecnologia na Democracia: avaliando o aumento ou
alteração na participação social na elaboração de políticas públicas municipais. Dissertação.
Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos:
UFSCar, 2020.
SILVA, E. R. A. Participação social e as conferências nacionais de políticas públicas: reflexões
sobre os avanços e desafios no período de 2003-2006. Rio de Janeiro: Ipea, 2009. (Texto para
Discussão n. 1.378).
TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Secretaria da Comunicação. A importânciados
conselhos municipais na melhoria da gestão pública. Disponível em: <
https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/a-importancia-dos-conselhos-municipais-na-
melhoria-da-gestao-publica.htm>. Acesso em 1 nov. 2022.
TEIXEIRA, E. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. São Paulo:
Cortez; Salvador: UFBA; Recife: Equip, 2001.
ZALUAR, A. Exclusão e políticas públicas: dilemas teóricos e alternativas políticas. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 12 (35), p. 29-47, 1997.
161
Argumentos teóricos
Nem sempre a economia, compreendida enquanto atividade humana opera em condições de
normalidade, pois, certas perturbações podem ocorrer provocando desvios da sua trajetória de
normalidade. Sendo assim, diferente ordem de motivos pode contribuir para a ocorrência de
disrupções que afetam diretamente a atividade econômica, tal, como: diminuição do consumo das
famílias; retração dos investimentos; pressões inflacionarias; desequilíbrios do balanço de
pagamentos; choques de oferta etc., as quais, por sua vez, requerem a ingerência do Estado de modo
a reconduzir a economia na direção da estabilidade. Para isto, o Estado, através dos seus respectivos
instrumentos de ação econômica – política fiscal/tributária, política monetária e cambial – tem por
objetivo promover a estabilidade econômica, o crescimento e o desenvolvimento econômico.
Os movimentos de expansão e de contração da atividade econômica são monitorados e
submetidos à correção pelos policy makers, ou seja, formuladores de políticas. Contudo, nem
34
UNI-Facef – Centro Universitário de Franca. Doutor em Serviço Social.
35
UNI-Facef – Centro Universitário de Franca. Mestrando em Desenvolvimento Regional.
36
UNI-Facef – Centro Universitário de Franca. Mestre em desenvolvimento Regional.
162
sempre as medidas corretivas de política econômica são colocadas em curso no timing correto, além
do que, nem mesmo o efeito desejado das mesmas acontece no timing desejado, pois entre as
mesmas, há uma certa defasagem temporal.
Acrescenta-se ainda, o fato de que:
Independente das medidas adotadas pelos policy makers, notadamente aquelas relacionadas
às flutuações de curto prazo – dos níveis de emprego, do nível geral de preços e dos desequilíbrios
externos - necessária se faz a intervenção do Estado de modo a restaurar a estabilidade da economia,
nos fundamentos do receituário keynesiano:
[...], em economias capitalistas modernas, não se pode esquecer a ação do Estado,
que informa e coordena a ação dos agentes econômicos, assegurando-lhes a
manutenção das condições “normais” dos negócios. Todos estes fatores
“ambientais e dos negócios” são suficientes para criar uma estrutura estável, na
qual os agentes podem elaborar uma imagem de “normalidade” sem referência aos
valores de equilíbrios de longo período, que não são operacionais no âmbito
comportamental [...], normalidade keynesiana é uma característica do curto
período, e não do longo. (CARDIM DE CARVALHO, 2003, P.55)
Importante assinalar também, que além da ingerência do Estado na economia para corrigir
as flutuações econômicas de curto prazo, cabe a ele, principalmente, promover objetivos de longo
prazo, como o crescimento e o desenvolvimento econômico. Embora a economia ocupe posição
privilegiada e estratégica no âmbito da política pública, convém registrar que a política econômica
é tão somente um compartilhamento da política pública.
[...], ela se integra em um quadro mais amplo, a que Watson dá a denominação
abrangente de política pública, “uma expressão usada em sentido amplo
envolvendo todos os fins e aspirações gerais de uma sociedade moderna, [...]. Esta
ampla expressão inclui a política das relações externas, a política de defesa
nacional, a política social, e todo um conjunto inter-relacionado de ações públicas
dentro do qual se situa a política econômica (ROSSETTI, 1987, p.28)
Não podemos esquecer que o mantra keynesiano fora, já faz algum tempo, substituído pela
corrente neoliberal, a qual, por seu turno, contraria radicalmente as proposições defendidas pelo
Welfare State, tendo em vista que a primeira defende redução do tamanho e do papel do Estado,
redução do déficit das contas públicas através de meta fiscal, abertura da economia,
desregulamentação, privatizações, entre outras. Assim, em diversos países, a rigidez da política de
gastos convergente com a meta fiscal, acaba prejudicando outros objetivos da própria política, entre
os quais podemos destacar aqueles de cunho social como assistência e proteção social, ciência e
tecnologia, meio ambiente, segurança pública etc.
163
Além do mais, devemos considerar, como é o caso do Brasil, que na ausência de um plano
estratégico de Estado, a política pública submete-se à descontinuidade gerencial e administrativa
dos governos.
A agenda política corresponde ao conjunto de assuntos e problemas que os gestores
públicos e a comunidade política entendem como mais relevantes em dado
momento e, não necessariamente, a lista de preocupações da sociedade ou os
destaques da imprensa [...]. Afinal, o reconhecimento de uma questão social como
problema de governo ou Estado não é um processo simples e imediato, que
responde automaticamente às estatísticas disponíveis, por mais reveladoras que
sejam da gravidade da questão, [...]. Não é a vontade de um técnico do setor
público, um pesquisador acadêmico ou governante eleito, com conhecimento
empírico consistente da realidade ou visão ousada, que garante imediatamente sua
incorporação na agenda formal de governo (JANNUZZI, 2011, p.260)
Assim, as medidas adotadas pelo governo federal de acordo com o Novo Regime Fiscal
(Emenda Constitucional 95) impactariam direta e negativamente os investimentos públicos, como
também as áreas da saúde e da educação. Afinal, o ajuste fiscal previa o congelamento dos gastos
públicos para um período de vinte anos (2016 – 2036). Diante disso, se as políticas sociais
avançaram durante os governos petistas, com a aprovação e implantação do NRF as mesmas
estariam sujeitas à regressão.
Com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que define o teto dos gastos
públicos por 20 anos e a ascensão de um governo de extrema direita, com a
proposta em tramitação no congresso para a reforma da previdência, são colocados
desafios complexos à política de assistência social. Se a modernização
conservadora permitiu, nos seus limites, saltos à diante, a ofensiva conservadora
em tela se encaminha para intensiva regressão dos direitos relativos à política de
assistência social brasileira (MENDES da SILVA, 2019, p.426.).
Entretanto, mesmo com o ajuste fiscal, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) mais que
dobrou, pois de R$ 2.313 trilhões em agosto de 2010, aumentou para R$ 5.804 trilhões em 2018. A
dívida líquida interna total – inclui o Governo Federal, mais o Banco Central, os governos Estaduais
e Municipais e as Empresas Estatais – como porcentagem do PIB, aumentou de 40,2% em 2016,
para 63,4% em 2018. (Banco Central do Brasil - BACEN)
12,0% a.a em 2015, reduzindo desta forma o poder de comprar das classes de renda
mais baixa; (IPEA – Carta de conjuntura de outubro de 2022) e
e) Participação da indústria de transformação no PIB, após ter atingido o seu ápice de
35,9% (1985), reduz-se apenas 12,2% (2018) (IPEA).
É oportuno acrescentar, também, que em se tratado do setor externo da economia brasileira
em porcentagem das exportações totais de mercadorias, os produtos industrializados que
respondiam por 51,9% em 2000, reduziram a sua participação para 34% em 2019, contudo, os
produtos primários que no ano de 2000 representavam 22,3%, aumentaram a sua participação para
34,9% em 2019 (IPEA – SERIES ESTATISTICAS CONJUNTURAIS)
A quantidade de pessoas de 14 anos ou mais de idade, desocupadas na força de trabalho,
aumentou em dezembro de 2012 de 6,7 para 12,4 milhões de pessoas em dezembro de 2018. (IPEA
– SÉRIES ESTATISTICAS CONJUNTURAIS). De acordo com o Instituto de Estudos do Trabalho
em Sociedade (IETS), a população brasileira em situação de pobreza no país havia reduzido de 58,7
milhões em 2004, para 27,0 milhões de pessoas em 2014, das quais, 10,1 milhões residiam nas áreas
metropolitanas. Entre outros indicadores, a desigualdade socioeconômica ainda existente no país
pode ser examinada através da quantidade de pessoas possuidoras de plano de saúde entre 2017-
2018 (IBGE – Pnad Contínua):
a) em relação à população total, apenas 25,9%;
b) entre os residentes na área urbana 29,2%;
c) entre os residentes na área rural 7,1%; e
d) da raça/cor branca 35,7% e, da raça/cor preta/parda somente 17,9%.
A desigualdade socioeconômica também registra sua presença, quando se compara o
rendimento mensal real efetivamente recebido em todos os trabalhos por raça/cor.
Tabela 1: Brasil, rendimento mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade, efetivamente recebido
em todos os trabalhos por cor ou raça: 2012 e 2018.
Ano Variação %
Raça/Cor
2012 2018 2012/2018
Branca 3.156 3.467 9,8
Preta 1.822 1.943 6,6
Parda 1.795 1.964 9,4
Total 2.472 2.660 7,6
Fonte: IBGE – PNAD Contínua, Elaboração dos autores
Este cenário não seria tão diferente para o Brasil, posto que, além dos problemas
mencionados anteriormente (ainda que resumidos), o país estaria sob o comando de um ex-militar
liberal negacionista.
Esse negacionismo que foi adotado pelo atual governo já na campanha eleitoral,
com seu desprezo pelas universidades, pela pesquisa cientifica, pelas comunidades
indígenas, LGBT, populações de rua, mulheres em situação de violência etc,
agrava-se em tempos de pandemia, quando existe maior necessidade de um Estado
presente que garanta o exercício dos direitos (CAPONI, 2020, p.210 – 211).
No jornal da USP de 22/02/2021 (sítio eletrônico) matéria publicada por Júlio Bernardes
intitulada “Tensões políticas levaram Brasil a fracassar no combate à covid-19” menciona relatório
167
Considerações finais
A pesquisa apresentada demonstra os graves e profundos desafios que se impõe ao Brasil no
período pós-pandemia de COVID-19, resultado de um processo econômico-social iniciado anos
antes com medidas econômicas muito restritivas que acabaram ocasionando em aprofundamento
dos sérios problemas fiscais enfrentados em meados dos anos 2015-2016, além de deteriorar o
desenvolvimento social obtido anos antes. O fato é que as medidas neoliberais implementadas pelo
Estado não foram eficazes na resolução dos problemas que se apresentavam naquele momento à
sociedade brasileira.
Já gravemente afetado por esse contexto, o Brasil se deparou com as emergências sanitárias
impostas pela pandemia de COVID-19, tendo no comando do país um governo que gerou inúmeras
turbulências durante um processo que já se apresentava bastante doloroso. Isso porque a postura
política adotada pelo governo central foi de total descrédito da gravidade da COVID-19, o que
168
ocasionou a perda de milhares de vidas e fez com o Brasil figurasse dentre os países de maior
fracasso no combate à pandemia. Os dados secundários demonstraram que essa postura, que na
prática se traduziu pela total ausência de políticas públicas sociais eficazes, gerou diversos
retrocessos na sociedade brasileira, como o aumento de 10% na população de rua entre os anos de
2019 e 2020, a drástica elevação no número de pessoas com algum tipo de insegurança alimentar
etc.
Soma-se a isso a filosofia neoliberal capitaneada pelo ministro da fazenda Paulo Guedes,
que trabalhou pela construção e fortalecimento do dilema entre economia x saúde, como se a escolha
de uma dessas realidades excluísse a outra e vice-versa. Tal discurso mostrou-se contraditório e
ineficaz, sendo que as decisões tomadas pelo governo central no sentido de privilegiar a economia
não tiveram os efeitos positivos aventados, ao contrário: os números da economia brasileira
pioraram, com considerável elevação da dívida pública, precarização do emprego, o que fica
demonstrado pela retração na renda média do trabalhador brasileiro no período e, ainda, piora
acentuada dos índices de inflação, sobretudo nos itens da cesta básica.
Essas reflexões apontam na direção da insuficiência e ineficácia de medidas de cunho
neoliberal para a geração de desenvolvimento social e econômico em momentos de atipicidades,
conforme o que vivenciamos durante a pandemia. Nesse contexto, ficou demonstrado que o Estado
deve exercer seu protagonismo para a identificação dos problemas públicos que são, de fato,
emergentes e que devem ser prioritariamente colocados na agenda de políticas públicas para serem
enfrentados com tempestividade, de modo que o bem-estar das pessoas, a justiça social, o equilíbrio
econômico e a sustentabilidade ambiental estejam preservadas. Aventar que o mercado possui
condições de criar ambiente propício para o restabelecimento do equilíbrio necessário para o
desenvolvimento social e econômico de uma sociedade é um despropósito. Os anos de pandemia
no Brasil demonstraram que, se o Estado não está fortalecido para atuar com políticas públicas
maduras, eficazes e centradas no ser humano, a desigualdade social aumenta, pois em momentos de
crise o mercado atua para se proteger e fortalecer as estruturas de capitais mais consolidadas,
retraindo investimentos e protegendo-se em títulos da dívida pública que irão aprofundar os gastos
com pagamento de juros pelo Estado, aumentando a concentração de renda e causando ainda mais
desequilíbrios na medida em que retira recursos do circuito produtivo, de geração de emprego, renda
e desenvolvimento.
Referências
ABRAHÃO DE CASTRO, Jorge. Política Social, Distribuição de Renda e Crescimento
Econômico. São Paulo: Editora Fundação Persy Abramo, 2013.
BACEN: Banco Central do Brasil. Séries Temporais. Brasília: BACEN, 2022. Disponível em:
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=
prepararTelaLocalizarSeries. Acesso em: 8 dez. 2022.
169
WONNACOTT, Paul. Economia. Tradução de Yeda Rorato Crusius et al. São Paulo: Mc Graw –
Hill do Brasil, 1982.
171
Introdução
Verificar as lacunas no orçamento público, especialmente se observarmos um período em
que o país atravessou crises sanitárias e sistêmico-econômicas com a SARS-CoV-2 (COVID-19), é
elementar para desvendar as razões dos profundos impactos na renda, na saúde, no saneamento e
na segurança pública da maioria dos brasileiros. Em suma, não há como analisar o desenvolvimento
político, econômico e social do Brasil, pós-redemocratização ou ainda, como dito, particularmente
nos últimos anos, sem perpassar por uma investigação crítica e à raiz do problema, qual seja: a
desigualdade social ímpar que é perpetrada e incentivada pelas leis vigentes que a fomentam ao
invés de dizimá-la.
Um destes exemplos legislativos é a Lei nº 9.249/1995 (BRASIL, 1995) que isenta
dividendos e abranda a tributação sobre os lucros, vigente em nosso ordenamento jurídico desde
dezembro de 1995, ininterruptamente. O sistema tributário brasileiro é complexo e mereceria, por
si só, uma análise particular. Entretanto, cabe pontuar algumas de suas características para que se
comece a compreender as problemáticas em torno da lei ora trabalhada, sendo elas: a equidade, a
progressividade e a capacidade contributiva. Estes são princípios que, teoricamente, conforme
preveem a Constituição Federal (BRASIL, 1988) e o Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966),
devem permear toda e qualquer norma que regulamenta a instituição e a cobrança do Imposto sobre
a Renda da Pessoa Física e da Pessoa Jurídica. Porém, como será perquirido, são princípios ausentes
na lei que isenta de tributação os dividendos – que são ganhos auferidos pelas pessoas físicas no
rateio dos lucros.
É necessário examinar, ainda, o porquê esta lei permanece vigente há quase trinta anos, e
assim continuou mesmo nos momentos em que o Estado mais precisou abastecer seus cofres para
fomentar políticas públicas de transferência de renda e de garantia de acessos básicos a direitos
sociais. Para isso, a problemática em torno da lei de isenções deve percorrer análises sobre Estado
e agenda política prioritária a fim de levantar hipóteses reais e materiais aptas a responder estes
questionamentos. Com isso, a partir de uma perspectiva jurídica sobre os princípios e elementos
que rondam o direito tributário brasileiro e, sobretudo, o Imposto sobre a Renda, paralela a um
levantamento bibliográfico e literário sobre conceitos de Estado e governança, é que se cumprirá o
37
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) - Unesp/Franca. Graduada em Direito e Mestranda pelo Programa
de Planejamento e Análises de Políticas Públicas (PPG-PAPP) - Unesp/Franca.
[email protected].
172
Desenvolvimento
Supõe-se que esta análise totalizante, atrelada às teorias de Estado e aos princípios jurídicos-
tributários, encontrará razões técnicas, conceituais e legais que fundamentam a crítica à Lei nº
9.249/1995 (BRASIL, 1995). Assim, o problema a ser investigado é ainda mais estrutural: o porquê
a lei de isenção fiscal de dividendos permanece na estrutura do Estado desde 1995, mesmo sem
supostas razões? Quando analisados o conceito de Estado dentro da estrutura capitalista como forma
política de perpetuação da ordem dominante, possíveis respostas saltam aos olhos. Ainda que
existam diferenças consideráveis e elementares entre os governos federais dos últimos vinte anos,
um fator os unem: todos operaram dentro da ordem.
Da Lei nº 9.249/1995
Publicada em dezembro de 1995, a Lei nº 9.249/1995 “altera a legislação do imposto de
renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras
providências” (BRASIL, 1995). Em trinta e seis artigos alcança o objetivo delimitado na ementa,
mas é no artigo 10 que dispõe:
Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do
mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com
base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do
imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda
do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
(BRASIL, 1995).
Com isso, há, pelo menos, dois imbróglios a serem atravessados no artigo acima transcrito:
a forma como a Lei nº 9.249/1995 (BRASIL, 1995) institui a tributação sobre os lucros e, ainda, a
isenção que recai sobre os dividendos. O primeiro sustentaria tese própria. É sobre o segundo
imbróglio que recai este texto. Os dividendos, enquanto parcela do lucro embolsada pelos
beneficiários, sejam eles donos, sócios ou acionistas, não sofrem nenhuma tributação no instante
em que se concebem como renda de pessoa física. Embora devam ser declarados, enquadram-se
como “rendas não tributáveis” no “informe de rendimento isento”, desde 1996, com a produção de
efeitos da lei. Em síntese: o capital de uma empresa ou investidora, quando não reinvestido, ou seja,
quando não retorna à própria pessoa jurídica na forma de capital constante (parte do valor do capital
empregada na compra de meios de produção, como maquinarias, tecnologias, galpões) ou de capital
173
variável (fração do capital que é despendida na compra de mais força de trabalho, responsável pela
reprodução ampliada do capital) (MARX, 2011), mas passa a integrar a renda física do dono, sócio
ou acionista, chama-se dividendo e não é tributado, mesmo enquadrando-se no conceito de “renda
de pessoa física”. Dividendos também não sofrem nenhuma tributação pelo Imposto sobre a Renda
da Pessoa Jurídica.
A possibilidade de tributação dos dividendos pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Física,
além de compor uma necessidade social em correspondência aos objetivos das políticas públicas e
sociais, encontra respaldo técnico-jurídico. Isto porque não ocorreria em bitributação, vez não haver
nenhum outro tributo que incida sobre eles, bem como pela consonância dos próprios princípios
tributários que preveem justiça fiscal pautada na progressividade (quanto maior a renda, maior a
incidência) e na capacidade contributiva (incidência a cada qual conforme suas possibilidades)
(CANAZARO, 2015). No mais, diferente da imunidade tributária, que é constitucional e só pode
ser reavaliada em uma nova Constituição, a isenção é opção legislativa que pode ser retirada do
ordenamento a qualquer tempo. Mas, se mesmo havendo necessidade histórica de fortalecimento
dos cofres públicos, acompanhada de possibilidades jurídicas para tal, por qual razão a Lei nesta
seção apresentada permanece vigente há quase trinta anos, incluindo períodos críticos de crises
sistêmicas e sanitárias? É a partir de uma análise sobre estrutura de Estado que tal questão se faz
compreendida.
Do Estado
Para os fins deste artigo, considera-se que o Estado, ao lado de elementos como a ideologia,
a cultura, a família, a igreja e o direito, por exemplo, mantém a ordem da categoria fundante a nossa
sociedade capitalista (que é a exploração do trabalho e a sobreposição da acumulação de capital),
ou, ainda, nas palavras de Karl Marx, “religião, família, Estado, direito, moral, ciência, arte, etc.,
são apenas formas particulares da produção e caem sob sua lei geral” (MARX, 2004, p. 106). Ou
seja, diferente das divergências elementares que perpassam governos, o Estado, no âmbito da
sociedade capitalista, mantém-se no objetivo principal de manutenção do abismo social e na
apropriação da desigualdade social como forma de manter a riqueza na mão dos poucos e já
historicamente conhecidos.
Ainda em Marx, na “Ideologia Alemã”, ao lado de Friedrich Engels, o Estado se apresenta
como a expressão de uma forma social, ou seja, o Estado é um produto da sociedade e não contrário
(ENGELS; MARX, 1998). Com isso, todas e quaisquer ações estatais, incluindo a agenda de
políticas públicas e as legislações vigentes, compõem um projeto maior, sendo, o Estado, mediador
da concretização de uma ordem dominante. A despeito:
A forma através da qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os
seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época,
conclui-se que todas as instituições públicas têm o Estado como mediador e
adquirem através dele uma forma política. Daí a ilusão de que a lei repousa sobre
174
a vontade e, melhor ainda, sobre uma vontade livre, desligada da sua base concreta.
O mesmo acontece com o direito que é por sua vez reduzido à lei. (MARX;
ENGELS, 1998, p.124).
Neste sentido, é por esta razão que o aparelho do Estado perpassa as figuras do governo,
mantendo-se intacto, apesar das diferenças que etapas governistas trazem, em especial, em suas
agendas políticas. O sistema tributário nacional é exemplo vivo disto, vez que se mantém quase que
intocável desde a vigência do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966) e da Constituição
Federal (BRASIL, 1988). Assim, são mais de décadas de governos que não têm o condão de alterar
uma superestrutura estatal de fiscalização regressiva, como também a exemplo da isenção dos
dividendos pela Lei nº 9.249/1995 (BRASIL, 1995). Nas palavras do professor e jurista Alysson
Leandro Mascaro (MASCARO, 2013):
O Estado de revela como um aparato necessário à reprodução capitalista,
assegurando a troca das mercadorias e a própria exploração do trabalho. As
instituições jurídicas que se consolidam por meio do aparato estatal – o sujeito de
direito e a garantia do contrato e da autonomia da vontade, por exemplo –
possibilitam a existência de mecanismos apartados dos próprios explorados. (...)
Não é apenas um aparato de repressão, mas sim de constituição social. (...) O
Estado, majorando impostos, mantém a lógica do valor (MASCARO, 2013, p.
18/20).
Assim, a decisão política de isentar dividendos, deixando de abastecer os cofres públicos
com orçamento que poderia ser destinado à ampliação, criação ou fomento de políticas públicas - a
tal da natureza social das finanças trabalhada pela professora Maria Chaves Jardim (JARDIM, 2011)
- é condizente com a forma mercantil operante.
Conclusões
Alicerçado em análises totalizantes e multidisciplinares sobre direito tributário, Estado e
orçamento público, foi possível compreender que a lei que isenta dividendos e abranda a cobrança
dos lucros tem razões históricas e materiais de ser – por isso permanece no ordenamento jurídico
brasileiro há quase trinta anos. Dentro de um pacote de políticas neoliberais, a Lei nº 9.249/1995
176
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em
1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988.
Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Último acesso em 09 nov 22.
______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e
institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 de outubro de 1966. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Último acesso em 09 nov 22.
______. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das
pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 de dezembro de 1995. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm>. Último acesso em 09 nov 22.
______. Senado Federal. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/14/imposto-sobre-lucros-e-dividendos-
geraria-r-43-bi-ao-ano-diz-estudo>. Último acesso em 29 nov 22.
BRETTAS, Tatiana. Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas
sociais no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.
CANAZARO, Fábio. Essencialidade tributária: igualdade, capacidade contributiva e
extrafiscalidade na tributação sobre o consumo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
JARDIM, Maria A. Chaves (Org.). A natureza social das finanças: Fundos de pensão,
Sindicalistas e Recomposição das elites. São Paulo: Edusc, 2011.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004.
______. O Capital. Volume I. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2011.
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.
177
Introdução
O presente artigo pretende analisar em detalhes o auxílio emergencial, apontar os seus
desdobramentos, implementação e efeitos, para compreender qual a sua capacidade de proteção
social no contexto da Pandemia de COVID-19 no Brasil, sendo este o objetivo final do trabalho.
No processo de indicar a efetividade e o resultado do auxílio emergencial, são averiguados os
impactos positivos da medida, os seus benefícios à população brasileira, assim como as dificuldades
de sua aplicação e os problemas que surgiram com ela, com a exposição, dessa forma, do caráter
dual da transferência de renda. Além disso, a metodologia empregada no texto consiste da crítica-
analítica, embasada em dados jornalísticos e numéricos e também em artigos científicos, de estudo
reflexivo e profundo sobre as informações obtidas.
Sobre o auxílio emergencial, o estudo parte da análise sobre o papel assumido ao Estado,
como torna-se interventor e protetivo da população em situação calamitosa, a fim de que descalabro
social não persista, contudo, subsistam a harmonia, bem-estar e coerência sociais. Isso diante do
histórico de negligência do Estado em agir e reparar as desigualdades e os graves problemas da
sociedade, em norma de visão neoliberal, de isolamento do Estado. Então, o programa discutido
assume relevância e essencialidade em nome do princípio da dignidade da pessoa humana, que está
contemplado no inciso III, artigo 1º, da Constituição Federal. Uma vez que são asseguradas
plenitude, felicidade e cidadania aos cidadãos, não pode ser negado o mínimo existencial para que
tenham condições de viverem com dignidade. O auxílio emergencial é imperativo, portanto, por dar
o mínimo para famílias sem renda, sem condições de subsistência, para aqueles em trabalho
informal, em posição vulnerável devido à COVID-19, e para os desempregados.
38
Graduanda em Direito pela UNESP. Email: [email protected].
39
Graduanda em Direito pela UNESP. Email: [email protected].
40
Graduanda em Direito pela UNESP. Email: [email protected].
41
Graduanda em Direito pela UNESP. Email: [email protected].
178
Desenvolvimento
Em 2020, instituiu-se a Lei nº 13.982, a qual impôs o seguinte: “medidas excepcionais de
proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto
de 2019” (BRASIL, 2020). No texto da Lei, consta que deverá receber auxílio emergencial, por três
meses, no valor de R$ 600,00, o trabalhador que estiver em situação informal; com renda familiar
mensal per capita de até 1⁄2 salário-mínimo; que estiver na condição de MEI (microempreendedor
individual), de autônomo ou desempregado, sem receber seguro-desemprego; e os contribuintes
individuais da Previdência Social. Aqueles inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) e beneficiários
do Bolsa Família, desde que não recebessem outro tipo de transferência de renda, também poderiam
usufruir do auxílio emergencial. Além disso, foram concedidos R$1.200,00 às mães chefes de
família. É relevante ressaltar, como a própria Lei o faz, que o programa citado foi implementado
em virtude de um contexto pandêmico, o da Pandemia da Covid-19 (MOREIRA; PINHEIRO,
2020). Esta consistiu de situação epidemiológica de grave contágio e inúmeras mortes, em que
medidas de prevenção, de proteção e de contenção tiveram de ser adotadas pelo Estado brasileiro.
Diante de um contexto epidemiológico trágico, uma calamidade pública, o Estado não
poderia ficar inerte e inativo: a fim de apaziguar graves problemas, foi obrigado a agir, a ser
interventor, com medidas como o auxílio emergencial. Como disse Laura Carvalho (2020, p. 6),
houve “a valorização súbita dos sistemas públicos de saúde, das redes de proteção social, das
políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico e, de forma geral, do papel do Estado na
alocação dos recursos”. A partir disso, tanto no Brasil quanto fora dele, houve uma subversão do
Estado mínimo, que não reage às desigualdades, não protege a população e não propõe ações
positivas. Na visão de Carvalho (2020), um Estado de bem-estar social oferece serviços de educação
e saúde gratuita e universal, programas de assistência e de seguridade social. Em face da crise
sanitária, tornou-se difícil escapar deste modelo, porque caso o Estado não admitisse políticas de
subsídio para que a população ficasse em casa, para que os desfavorecidos tivessem alguma renda,
179
a sociedade entraria em colapso, com a dispersão ainda maior da crise. Ainda pode-se argumentar
que um Estado que cuide das desigualdades e dos problemas sociais não é importante apenas para
amenizar crises e calamidades, mas pelo princípio da dignidade. A fim de que todos vivam de forma
plena, sejam felizes e exercitem a cidadania, é necessário que tenham o mínimo e que tenham como
enfrentar os problemas postos, com o auxílio do Estado se for o caso. Quanto ao auxílio
emergencial, Laura Carvalho (2020, p. 67) afirma que, diante dos desafios da Covid-19, da
necessidade de quarentena e dificuldade dos mais pobres de ficarem sem trabalhar, da quantidade
muito alta de informais no país, das inúmeras mortes e risco de colapso do sistema de saúde, da
maior pobreza e fome, não havia outra saída senão a “combinação de medidas restritivas e a garantia
de uma renda mínima que garanta a subsistência”.
Sob a óptica do aparato legislativo, a dignificação laboral, de acordo com Gabriela Neves
Delegado (2015) possuiu um ensejo normativo e axiológico previsto no art. 1o, inciso III, da
Constituição Federal (BRASIL, 1988). Portanto, o valor fundamental do “direito ao trabalho digno”
está, formalmente, disposto no paradigma constitucional, no entanto, materialmente, a plenitude do
ofício é obstada pela informalidade agravada pelo cenário pandêmico. Em meio às turbulências
desiguais afloradas pela crise sanitária, a Lei 13.998/20 foi aprovada com o intuito de enfrentar, ao
menos minimamente, os nocivos efeitos da Pandemia, ressonantes no cotidiano dos empregados,
por meio do Auxílio Emergencial (BRASIL, 2020).
Nesse diapasão, o Auxílio Emergencial consolidou frutos benéficos às famílias
marginalizadas pelas instabilidades pandêmicas. Sendo assim, o artifício financeiro foi
imprescindível para a organização fiscal do mercado, bem como, principalmente, para ofertar
condições mínimas de dignidade aos trabalhadores e mães que vivem nas fronteiras da extrema
pobreza. No âmbito da Economia, Pedro Bresser, em entrevista para o Invest News, afirma que o
Auxílio Emergencial, quando vinculado à contrapartida fiscal, pode fruir impactos positivos no
mercado, tendo, como consequência, a queda das taxas de juros no futuro. Além disso, Rossano
Oltramari, sócio da 051 Capital, também reforça as prospecções favoráveis do dispositivo
emergencial, reiterando que a ininterrupção do Auxílio é profícua à bolsa nacional, haja vista que o
benefício agrega mais capital na economia e corrobora a fortificação da esfera em pauta
(TREVIZAN, 2021).
Do mesmo modo, é indiscutível a necessidade do Auxílio Emergencial em prover dignidade
e recursos aos trabalhadores informais e aos núcleos familiares segregados, os quais, por exemplo,
são chefiados por mães solo pretas. Assim, segundo a Nota de Política Econômica efetuada por
Luiza Nassif-Pires, Luísa Cardoso e Ana Luíza Matos de Oliveira, o AE foi indispensável para
mitigar as decorrências econômicas da Pandemia e para atenuar a vulnerabilidade estrutural
feminina, sendo o único benefício que alentece as desigualdades de gênero, na vertente financeira,
fomentadas pela COVID-19 (NASSIF-PIRES, et Al. 2021). Logo, o artifício supracitado foi capaz
180
Como consequência dessa classificação, os dados demonstram que até o dia 14 de dezembro
de 2020, 67,9 milhões de pessoas haviam sido beneficiadas diretamente com o Auxílio Emergencial,
representando 1/3 da população brasileira. Desse total, 44% tinham entre 18 e 34 anos e 55% eram
mulheres. Entretanto, 57% dos beneficiários que solicitaram o auxílio via aplicativo eram homens
(GOV.BR, 2021). Ademais, um levantamento feito pelo Instituto Locomotiva revela que, entre as
pessoas negras que requisitaram o auxílio, 74% tiveram o pedido concedido. Entre as pessoas não
negras, a taxa de aprovação foi de 81% (TUON, 2020).
Segundo o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP, ainda
que o Auxílio Emergencial não tenha sido criado como uma política exclusiva para o recorte de
gênero, a proteção das mulheres, especialmente mulheres negras, foi uma das consequências
positivas do benefício. Além disso, baseado em dados da Pnad Covid, do IBGE, o Centro releva
que, antes da pandemia, a renda do trabalho per capita de famílias chefiadas por homens brancos
era aproximadamente 2,5 vezes maior do que a de famílias lideradas por mulheres negras. Em
agosto de 2020, decorrente do auxílio, essa relação havia diminuído para 2,1 (FERNANDES, 2021).
Apesar da fundamentalidade do papel exercido pelo auxílio no período pandêmico, existem
pontos de ressalva acerca de seu funcionamento e estrutura que merecem maior atenção. Um dos
pontos de maior fragilidade da medida é referente à questão dos trabalhadores informais: o benefício
visava amparar esse grupo de trabalhadores que, com a paralisação dos mais diversos tipos de
atividade econômica, ficaram em situação de vulnerabilidade, incluindo, entre eles, os
181
prover recursos econômicos, como, por exemplo, o Auxílio Emergencial, aos sujeitos de direitos
trabalhistas.
Da mesma forma, a dificuldade de operacionalização da transferência de renda à essa parcela
da população é reflexo da complexidade de se criar toda uma nova plataforma de programa social
efetiva e em tempo hábil à situação emergencial, já que, diferentemente dos beneficiados pelo
Auxílio que já estão cadastrados em outros programas sociais, não há uma base de dados sólida e
atualizada da população em situação de informalidade, não sendo os registros do MEI e as
contribuições do INSS suficientes nesse cenário, por não terem sido “bases de dados desenhadas
para dar suporte a programas sociais” (artigo 1). Essa situação apenas evidenciou o despreparo do
Estado em reconhecer e balizar uma recente tendência de fragilização das relações de trabalho, a
partir da informalidade e da terceirização.
Ainda quanto a questões logísticas, observou-se a dificuldade de se criar um sistema de
prevenção de fraudes eficaz e robusto no pouco tempo disponível (SCHYMURA, 2020), além do
destaque a uma das problemáticas mais basilares do Auxílio: a questão do acesso. Como consta na
Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de abril de 2020, (NATALINO,
PINHEIRO, 2020, p. 9) “[...] cerca de 34% da população abaixo da linha da pobreza não têm
nenhum tipo de acesso à internet, seja ela fixa ou móvel”. Nesse sentido, é nítido que a priorização
das plataformas digitais para cadastramento, atualizações e mesmo pagamento do benefício em
questão, apesar de aparentemente em conformidade com as medidas sanitárias do contexto
pandêmico, também escancara uma complexa teia de desigualdades.
Além da evidente problemática do aspecto material necessário para o acesso a esse serviço,
quanto à disponibilidade de internet e de dispositivos eletrônicos, há também um aspecto não
concreto: é necessário certo conhecimento e técnica, um “letramento digital”, para que se
compreenda e se consiga interagir com a plataforma, muitas vezes uma dificuldade em especial para
os mais idosos, de tal forma que “Muitas dessas pessoas enfrentam dificuldades em obter
informações necessárias à manutenção dos seus benefícios em situações normais, perdendo os
prazos para revisão cadastral e tendo seus benefícios bloqueados ou mesmo suspensos”, assim como
“[...] determinados aspectos da burocracia estatal são um grande obstáculo ao acesso a benefícios”
(NATALINO, PINHEIRO, 2020, p. 9).
É possível que as despesas sociais a mais e os programas pensados para lidar com a
desigualdade e com a vulnerabilidade no contexto pandêmico inspirem a tomada de políticas para
além dele, de forma a romper com ideologias neoliberais, que apregoam a existência mínima e
invisível do Estado, sem ações econômicas. O auxílio emergencial foi uma vitória dos movimentos
sociais e dos partidos políticos de esquerda, para oferecer mais proteção social à população,
entretanto, não é uma política emancipadora ou definitiva, por ser emergencial apenas, de caráter
insuficiente para garantir a manutenção da vida, e conformista, em razão de não romper com a
183
estrutura de sujeição e miséria de parcela da sociedade (BRITO et al, 2020). O que se espera, dessa
maneira, é que uma medida de assistência social, relevante para o momento ao qual foi destinada,
motive a criação de políticas cada vez mais emancipadoras, que combatam a desigualdade e a
pobreza no país.
Conclusões
Somente a partir desse panorama amplo pode-se compreender como resultado o aspecto
fundante do Auxílio: este, ao mesmo tempo, constitui e reflete a contradição social e histórica da
sociedade brasileira. Como se observou, ao mesmo tempo em que se nota sua fundamentalidade e
essência mobilizadora, observa-se sua frágil estruturação; ao mesmo tempo em que o Estado
percebe a necessidade de cuidar de seus vulneráveis, constata que não sabe nem ao menos identificá-
los, que ele próprio os negligencia; ao mesmo tempo em que a República Brasileira tem como um
de seus fundamentos a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como a redução das
desigualdades (art. 3º, inciso III da CF), é estruturada sobre estas exclusões.
Em síntese, tem-se que “efetivamente, as desigualdades (sociais, econômicas, políticas e
outras) na América Latina não podem ser analisadas exclusivamente como uma consequência do
sistema econômico, mas também como uma das causas estruturais de sua manutenção.” (DIEHL,
Rodrigo, p. 5, grifos nossos). Como resultado, só é possível a coexistência dual do caráter protetivo
fundamental desempenhado pelo Auxílio e sua incompletude, que descortina problemas mais
profundos da sociedade brasileira ao indicar a carência de medidas estruturais.
Referências
As dificuldades operacionais para que dinheiro de auxílio chegue ao trabalhador. CNN Brasil,
2020. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/as-dificuldades-operacionais-para-que-dinheiro-de-
auxilio-chegue-ao-trabalhador/>. Acesso em: 29 out. 2022.
BACCHIEGGA, Fabio; FREITAS, Lúcio Flávio Silva; VASCONCELLOS, Maria da Penha.
Políticas públicas, enfrentamento da covid-19 e invisibilidade social / Public policies and
confronting covid-19 in brazil: controversies about emergency aid (law 13.982/20). Revista de
Direito da Cidade, [S.l.], v. 14, n. 1, p. 248-276, jan. 2022. ISSN 2317-7721. Disponível em:
<https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/54249>. Acesso em: 4 nov. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 4 nov. 2022.
______. Lei n. 13.998, de 14 de maio de 2020. Promove mudanças no auxílio emergencial instituído
pela Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020; e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 14 mai. 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L13998.htm>. Acesso em: 4 nov. 2022.
BRITO, Kelly Paula do Amaral et al. Auxílio emergencial no contexto de pandemia da COVID-19:
garantia de uma proteção social? Journal of Management & Primary Health Care, Uberlândia, v.
12, 2020.
184
CARVALHO, Laura. Curto-circuito: o vírus e a volta do Estado. São Paulo: Todavia, 2020.
DELGADO, G. N. Direito fundamental ao trabalho ao trabalho digno. 2. ed. São Paulo: LTr,
2015.
DIEHL, Rodrigo; PORTO, Rosane. Estado Latino-Americano: contradições nos sistemas de
proteção social. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 44 n. 3, 2020. Disponível em:
<https://doi.org/10.5216/rfd.v44i3.62695>. Acesso em: 02\11\2022.
DRUCK, Graça; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; COELHO, E. Precarização e terceirização:
Faces da mesma realidade. 2016.
FERNANDES, Anais. Auxílio Emergencial amenizou desigualdade de renda para mulher negra.
Valor Investe, 2021. Disponível em: < https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-
politica/noticia/2021/02/02/auxilio-emergencial-amenizou-desigualdade-de-renda-para-mulher-
negra.ghtml>. Acesso em: 10 dez. 2022.
MARINS, Mani Tebet et al. Auxílio Emergencial em tempos de pandemia. Sociedade e Estado, v.
36, p. 669-692, 2021.
MOREIRA, Ardilhes; PINHEIRO, Lara. OMS declara pandemia de coronavírus. G1, 11 mar. 2020.
Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/11/oms-declara-
pandemia-de-coronavirus.ghtml>. Acesso em: 29 out. 2022.
NATALINO, Marco; PINHEIRO, Marina Brito. Proteção social aos mais vulneráveis em
contexto de pandemia: algumas limitações práticas do Auxílio Emergencial e a adequação dos
benefícios eventuais como instrumento complementar de política socioassistencial. Nota
Técnica nº 67. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, abril de 2020. Disponível em:
<https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9999/1/NT_67_Disoc_Protecao%20Social%20ao
s%20Mais%20Vulneraveis%20em%20Contexto%20de%20Pandemia.pdf>. Acesso em: 4 nov.
2022.
NASSIF-PIRES, Luiza; CARDOSO, Luísa; DE OLIVEIRA, Ana Luiza Matos. Gênero e raça em
evidência durante a pandemia no Brasil: o impacto do Auxílio Emergencial na pobreza e
extrema pobreza. Nota de Política Econômica nº 10. Centro de Pesquisa em Macroeconomia das
Desigualdades. MADE/USP, 22 abr. 2021. Disponível em: <https://madeusp.com.br/wp-
content/uploads/2021/04/NPE-010-VF.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2022.
NATALINO, Marco. PINHEIRO, Marina. Proteção social aos mais vulneráveis em contexto de
pandemia: algumas limitações práticas do Auxílio Emergencial e a adequação dos benefícios
eventuais como instrumento complementar de política socioassistencial. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), Nota Técnica Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc), n. 67,
abr. de 2020. Disponível em:
<http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9999/1/NT_67_Disoc_Protecao%20Social%20aos
%20Mais%20Vulneraveis%20em%20Contexto%20de%20Pandemia.pdf>. Acesso em: 29 out.
2022.
Publicação apresenta o perfil dos beneficiários do Auxílio Emergencial em 2020. Gov.br., 2021.
Disponível em: <https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2021/marco/publicacao-
apresenta-o-perfil-dos-beneficiarios-do-auxilio-emergencial-em-2020>. Acesso em: 14 dez. 2022.
SCHYMURA, Luiz. A dificuldade de o auxílio emergencial chegar a quem precisa. Revista
Conjuntura Econômica, Carta do Ibre, abril, 2020. Disponível em:
<https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-05/cartaibre.pdf>. Acesso em: 29 out. 2022.
TREVIZAN, Karina. Auxílio emergencial 2021: o que muda e quais os impactos para o investidor?.
Invest News, 11 fev. 2021. Disponível em: <https://investnews.com.br/financas/auxilio-
emergencial-em-2021-o-que-muda-e-quais-os-impactos-para-o-investidor/>. Acesso em: 4 nov.
2022.
185
TUON, Ligia. Negros pediram mais auxílio emergencial, mas brancos tiveram maior sucesso.
Exame, 2020. Disponível em: <https://exame.com/brasil/negros-pediram-mais-auxilio-
emergencial-mas-brancos-tiveram-maior-sucesso/>. Acesso em: 14 dez. 2022.
186
42
Especialização em Gestão Estratégica na Área da Saúde pela Faculdade Educacional da Lapa, Brasil(2020)
agente comunitária de saúde do Itaberaí , Brasil.
43
Doutorado em Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social PUC/SP pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, Brasil(2013) Professora Associada da Universidade Federal de Goiás , Brasil.
44
Doutorado em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho de Franca, Brasil(2004)
Professor Assistente Doutor CLT da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho de Franca , Brasil
45
Mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal de São Carlos, Brasil(2016)
analista de promotoria I - assistente social do Ministério Público do Estado de SP - Promotoria de Justiça Ribeirão Preto
, Brasil.
46
Doutorado em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil(2004)
Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho , Brasil.
187
Vale ressaltar que este estudo é de natureza qualitativa, versado pela pesquisa bibliográfica
e pela pesquisa documental. Tendo como categorias, a priori, políticas públicas, política de saúde e
direitos advindo de autores clássicos e contemporâneos. A primeira sustentou-se na leitura e na
análise de livros, artigos científicos, teses e dissertações, disponíveis em meios impressos e
eletrônicos. No que tange à pesquisa documental, foram utilizadas leis, decretos, entre outras
normativas e documentos de domínio público, advindo de fontes primarias e secundarias
As políticas públicas tem sua grande importância a partir do momento que o Estado passa a
ter como responsabilidade de proporcionar o bem-estar social; definindo princípios e diretrizes com
objetivo a garantir a efetivação de direitos socias fundamentais – mesmo diante todas contradições
para que essa efetivação ocorra diante da lógica societária, frente ao modo de produção capitalista.
De acordo com Freire Júnior (2005, p. 47), a expressão políticas públicas “pretende
significar um conjunto ou uma medida isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar
efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito”. Vale ressaltar que as
autoras deste artigo compreendem que a implanação das polítcas públicas, sobretudo as políticas
sociais, não são gestadas única e exclusivamente pelo interesse do Estado em enfrentar as
expressões da questão, obretudo as desigualdades e suas decorrências. Mas, são ações que
demarcam a centralidade do Estado a partir de mobilização e tensões da sociedade civil.
Para Souza (2006, p. 7) as políticas públicas são “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo
tempo, colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor
mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)” evidente dque dentro dos desígnios da ordem
188
estabelecida. Diante de análises que demarcam convergências e divergências, faz-se necessário empreender outros
debates, motivo o qual trazemos outra autora que analisa que a política pública “implica sempre, e simultaneamente,
intervenção do Estado, envolvendo diferentes atores (governamentais e não governamentais), seja por meio de
demandas, suportes ou apoios, seja mediante o controle democrático” (PEREIRA, 2009, p. 96). Desta forma, as
políticas públicas passam a ser compreendidas como autênticos programas de Estado, que intentam,
por meio da articulação eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais, cumprir objetivos
vinculantes da Carta, em ordem a assegurar, com hierarquizações fundamentadas, a efetividade do
complexo de direitos fundamentais das gerações presentes e futuras (FREITAS, 2014).
Esse mesmo autor argumenta, ainda, que as políticas públicas não podem ser consideradas
apenas como programas governamentais e apresenta os elementos caracterizadores das políticas
públicas, quais sejam:
(a) são programas de Estado Constitucional (mais do que de governo), que
reclamam motivada formulação entre alternativas constitucionalmente
defensáveis, (b) processados por atos de cognição e de vontade dos múltiplos
atores políticos, no intuito de solver problemas sociais concretos, e que (c) devem
consubstanciar, na prática governamental, prioridades cogentes, geradoras de
benefícios excedentes aos custos diretos e indiretos (FREITAS, 2014, p. 148).
Segundo Pereira (2009), as políticas públicas condizem com os direitos sociais pelo fato
de esses direitos terem como perspetiva a equidade, a justiça social, e permitirem à sociedade
exigir atitudes eficaz e ativas do Estado para transformar esses valores em realidade. Denota-se,
portanto, que a administração publica, está vinculado à Constituição, e às normas
infraconstitucionais. para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social
constitucional, ou seja, com a finalidade, o bem-estar e a justiça social, comprometendo
[...] à Administração Pública efetivar os comandos gerais contidos na ordem
jurídica e, em particular, garantir e promover os direitos fundamentais em caráter
geral. Para isso será necessário implementar ações e programas dos mais
diferentes tipos e garantir a prestação de determinados serviços. Em suma: será
preciso implementar o que se descreveu acima como políticas públicas. É fácil
perceber que apenas por meio das políticas públicas o Estado poderá, de forma
sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas
vezes detalhados pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos
fundamentais cuja fruição direta dependa de ações (BARCELO, 2008, p.8).
formação de uma agenda pública; formulação da Política Pública em si; processo política de tomada
de decisão de implementação da Política Pública; execução da Política Pública; acompanhamento,
monitoramento e avaliação da Política Pública e; por fim, a decisão sobre a continuidade,
reestruturação ou extinção da Política Pública. Pelo exposto, denota-se que o debate das políticas
públicas, em especial as políticas socias, é abrangente e requer adentrar em outras especificidades,
não enfatizadas aqui dada o foco das exigências postas para esse congresso. Conquanto, é impreioso
ter a dimensão que as mesmas são repletas de contradições em seus fundamentos e elementos
garantidores de uma política com garantia de Estado e direito da/o cidadão/ã.
Denota-se, com isso, que as políticas são contitutivas e constituintes da correlação de forças
estabelecidas no interior da sociedade sob ethos burguês, sofendo as insurgências culturais,
econômicas, políticas e sociais, adensadas com a lógica histórica expressa na realidade de cada país.
E, no caso brasileiro, um fator histórico marcado por uma sociedade patrimonialista, patriarcal,
coronelista dentre outros fatores que a constitui como um mix de arcaíco e moderno. Arcaíco por
reproduzir e fatores que visam a manutenção do status quo, ações conservadores que tem como fio
condutor garantir os interesses de uma elite dominante. Moderno porque mesmo diante de tantas
advrsidades, a realidade demonstra que essas implementações não são feitas sem contestações,
tensionamentos e lutas por parte da sociedade civil, em que essas contradições possibiltam a
conquista de direitos, mas que o tempo todo atacado.
A política de saúde, em sua trajetória expressa bem essa realidade de mandonismo, de
controle em atender as relações entre capital e trabalho, mas nestas imposições e configurações, a
sociedade civil nunca a pôs esmorecer, ao contrário, sempre empreendeu forma de lutas e
resistências, com vistas à configuraçã da mesma ser garantida como dever de Estado na Constituição
Federal de 1988. Nesse sentido cabe ao Poder Público, a gestão e implementação de políticas
públicas inerente a necessidades sociais, dentre ela a política de saúde, que será abordada no
próximo tópico.
Esta mesma autora enfatiza, ainda, que as leis de regulamentação do SUS possuem a
participações das três esferas de governo com a competência de definir, junto com os/as usuários/as,
as ações e atividades, como metas, financiamento e também a fiscalização ao poder público com o
intuito de inibir ações inadequadas no uso dos recursos públicos (GONÇALVES, 2006).
Assevera-se que, mesmo com todas as debilidades que se presentificam na materialização
do SUS, essas leis de regulamentação expressam avanços diante do modelo médico-assistencial que
veio se gestando desde a década de 1930. Vale ressaltar que essas leis Orgânicas de Saúde (LOS)
foram regulamentadas em 1990, sob o número 8080 e 8.142, em que a primeira estabeleceu três
princípios norteadores no funcionamento do SUS, sendo eles: Universalidade, Equidade e
Integralidade.
No que se refere à Universalidade, a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas
e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido
a todas as pessoas, independente de sexo, raça, ocupação, ou outras características sociais ou
pessoais. Já a Equidade pressupõe diminuir desigualdades. Apesar de todas as pessoas possuírem
direito aos serviços, elas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas. Em outras palavras,
equidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior.
No que compete a Integralidade, este princípio considera as pessoas como um todo,
atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo
a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. O princípio de
integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma
atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de
vida dos indivíduos.
O Sistema Único de Saúde (SUS), além dos princípios citados são compostos também por
diretrizes como a Descentralização, a Regionalização e Hierarquização e a Participação
Popular – este último regulamentado com mais veemência na lei nº 8.142, também de 1990,
garantindo o funcionamento desse sistema.
Quanto à descentralização, a gestão do sistema implica a transferência de poder de decisão
sobre a política de saúde do nível federal (MS) para os estados (SES) e municípios (SMS). Essa
transferência ocorre a partir da redefinição das funções e responsabilidades de cada nível de governo
com relação à condução político-administrativa do sistema de saúde em seu respectivo território
(nacional, estadual, municipal), com a transferência, concomitantemente, de recursos financeiros,
humanos e materiais para o controle das instâncias governamentais correspondentes.
A Regionalização implica a delimitação de uma base territorial para o sistema de saúde,
que leva em conta a divisão político-administrativa do país, mas também contempla a delimitação
de espaços territoriais específicos para a organização das ações de saúde, subdivisões ou agregações
do espaço político-administrativo.
191
A Hierarquização, por sua vez, diz respeito à possibilidade de organização das unidades
segundo o grau de complexidade tecnológica dos serviços; isto é, o estabelecimento de uma rede
que articula as unidades mais simples às unidades mais complexas.
O processo de estabelecimento de redes hierarquizadas pode, também, implicar no
restabelecimento de vínculos específicos entre unidades, de distintos graus de complexidade
tecnológica que prestam serviços de determinada natureza, como, por exemplo, a rede de
atendimento a urgências/emergências.
No que se refere à Participação Popular, representa a garantia da participação da sociedade
por intermédio de suas entidades representativas na construção de diretrizes, prioridade para sistema
de saúde e fiscalização dos cumprimentos normativos do Sistema Único de Saúde. Assim, é
importante o monitoramento e avaliação das ações de serviços realizados nas diferentes esferas de
governos. A concretização desse princípio, é constituída pelos conselhos de saúde e pelas
realizações das Conferências de Saúde, que possibilitam um diálogo constante entre gestores,
profissionais e a sociedade (LIMA, MACHADO & NORONHA, 2012).
Sendo assim, houve a criação de uma nova institucionalidade democrática, originando
espaços para colegiados e decisões, como Conselhos, Conferências e Comissões entre outros. Tais
direcionamentos resultaram na participação da sociedade na fiscalização, gestão e controle
democrático, a saúde passou a ser vista como uma dimensão política com vinculação a democracia
(GONÇALVES, 2006).
De acordo com Lima, Machado e Noronha (2012), as definições para garantia do SUS, traz
também, quando a disponibilidade não for suficiente na garantia da cobertura à saúde para
determinada região, a possibilidade de ocorrer convênio com prestadores da iniciativa privada –
explicitada como rede complementar de saúde (garantida pelas regulamentação e financiamento do
Estado (através de consórcio, convênios dentre outras configurações para garantir o direito ao
acesso da população na garantia de uma saúde em sua totalidade.
Vemos, com isso, que o SUS não é composto por órgão exclusivo da esfera pública, mas
contando com serviços complementares, e uma ampla rede de serviços privados quando necessários
para garantir o direito universal dos seus usuários, permitindo “[...] que o acesso a ações e serviços
do SUS não esteja condicionado à capacidade de pagamento prévio das pessoas” (LIMA,
MACHADO, NORONHA, 2012, p.367).
Esses convênios da esfera privada estão vinculados, principalmente, às unidades de
diagnósticos, terapias e hospitais pagos com verbas tributárias destinadas a área da saúde. O
financiamento proveniente das diversas receitas levantadas pela União, Estados e Municípios
(sofrendo à fatia maior de gastos aos municípios). Daí decorre muitas contradições que recaem
diretamente à população, posto que a debilidade a realocação dos recursos – regulamentados
legalmente – à outras políticas fazem com que não haja verba suficiente para o atendimento da
192
população (sobretudo aos exames e serviços de média e alta complexidade). Muitas vezes, a
população precisa judicializar o direito diante da negativa do acesso aos exames e às medicações,
uma vez que os entes públicos justificam a falta de verba sob o discurso princípio da reserva do
possível. Este princípio faz com que o acesso à saúde seja condicionado à uma série de elementos
para sua efetivação. Muitos desafios se apresentam ao direito de garantia das políticas de saúde,
particularmente à política de Saúde brasileira – conquistadas por lutas e tensionamento da sociedade
civil, culminando no SUS. Reitera-se, ainda, que as políticas não são construções fechadas, prontas
e acabadas, caso contrárias não estariam, perderiam seus fundamentos; deve ser apreendida como
um processo legalmente garantido a partir de construções sócio-históricas que podem ser garantidas
e/ou suprimidas frente à correlação de forças estabelecidas no interior da sociedade que se gesta.
Considerações finais
Neste sentido as políticas públicas no Brasil decorrem de ações tendo o Estado como campo
de reconhecimento de discussões e resoluções dos problemas existente em uma determinada
sociedade e, a política pública é responsável pela identificação, planejamento e solução destes
problemas através de uma ação estratégica que envolve sociedade civil e Estado.
Desta forma, percebe-se que a introdução da Seguridade Social como sistema de proteção
social é um marco no avanço do campo de direitos sociais no país, trazendo, assim, a
responsabilidade do Estado na garantia da cobertura das necessidades sociais da população. Na
particularidade da política de saúde, depreende-se que o SUS é considerado como uma das maiores
conquistas do povo brasileiro após intensas lutas de movimentos sociais e sanitaristas, desde a
Constituição de 1988. Seus princípios apontam a democratização nas ações e serviços de saúde, que
deixaram de ser restritos e passaram a ser universalizados, da mesma forma que deixaram de ser
centralizados e passaram a nortear-se pela descentralização, bem como a equidade, universalidade
e integralidade.
Referências
BARCELLOS, A P de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de
Direito do Estado, [s. l.], nº 3, 2008.
BENEDITO, A. & MENEZES, D. F. N. POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL: O
PAPEL DAS EMPRESAS Revista Ética e Filosofia Política – Nº 16 –Volume 1 – junho de 2013,
p. 57-76
CHN, A.; ELIAS, P. E. Saúde No Brasil - Politicas E Organização De Serviços. Editora Cortez,
2005.
FREIRE JÚNIOR, A. B. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005
193
Introdução
Este artigo procura defender a diversidade, o multiculturalismo e a interculturalidade da
comunidade quilombola Kalunga, que devem ser efetivadas por meio de políticas públicas. Partindo
do pressuposto de que o direito ao território, para as comunidades quilombolas, é o alicerce dos
direitos supracitados, tivemos como hipótese de pesquisa que o Estado não está garantido à
comunidade quilombola Kalunga o direito ao território, que é resguardado por normas nacionais e
internacionais. Tendo como metodologia a pesquisa documental, utilizando como fonte material a
ação civil pública promovida pelo MPF sobre o direito territorial dos Kalungas, concluímos que de
fato a União, o Estado de Goiás e o INCRA estão sendo omissos quanto ao direito exclusivo dos
Kalungas ao território.
A noção de igualdade imposta pelos europeus se deu, primeiro, na submissão dos grupos
minoritários ao interesse da maioria dominante dentro do Estado Nacional, e segundo, na
“propagação dos valores racionais ao restante da humanidade” (BERNARDO, p. 75, 2012) através
da colonização, em que a “dominação dos países europeus sobre suas colônias americanas se deu
de forma devastadoras, sem qualquer respeito às populações aqui existentes, muito menos àquelas
trazidas para este continente sob a condição de escravo" (BERNARDO, p. 76, 2012).
A colonização da américa, que coincide com o surgimento do Estado moderno, aconteceu
de forma impositiva, pautado na superioridade dos valores europeus, implicando na destruição e
exclusão de culturas não hegemônicas. No Brasil, essa exclusão representou a caça e assassinato
dos povos indígenas e quilombolas, trazendo reflexos até os dias atuais, como afirmou Leandro
Ferreira:
Indígenas, escravos e seus descendentes que ainda se organizam em quilombos,
comunidades extrativistas e outras formas organizacionais não hegemônicas não
encontraram, ao longo dos séculos, qualquer espécie de reconhecimento e, muito
menos, de proteção, e a sua persistência deu-se a despeito da ação dos grupos
hegemônicos e à custa de várias lutas e mortes. (BERNARDO, 2012, p. 84)
O direito à igualdade e “a ideia de Estado como representação de uma nação não resiste à
realidade e à pluralidade de grupos culturais existentes dentro de um único Estado” (BERNARDO,
p. 83, 2012), fazendo-se necessário a defesa do direito à diferença, como garantia da coexistência e
desenvolvimento de grupos e culturas minoritários, como os povos indígenas e os quilombolas, por
meio do multiculturalismo.
O multiculturalismo é a materialização do reconhecimento formal dos grupos e culturas não
hegemônicos. No Brasil, ele possui um papel além da garantia à diversidade e interculturalidade,
por isso, deve ser aplicado de forma incisiva por meio de políticas públicas voltadas a grupos como
os camponeses, comunidades indígenas e quilombolas, que historicamente foram excluídos.
Sobre o direito dos grupos minoritários e o multiculturalismo, pontuou Franco (2014, p. 52)
que: “Nesse contexto de não reconhecimento de grupos (negros e índios, notadamente), ditos
‘diferentes’ [...], o multiculutralismo apresenta-se como perspectiva teórica adequada à discussão
dos direito humanos e fundamentais das comunidades quilombolas[...]”. Portanto, devemos partir
do multiculturalismo para tratar dos direitos das comunidades quilombolas, que deve ser efetivado
pelo Estado através das políticas públicas.
As garantias do multiculturalismo, da diversidade e da interculturalidade estão diretamente
relacionadas com o universalismo dos direitos fundamentais, pois como nos ensina Ferrajoli (2011,
p. 107), “[...] O universalismo dos direitos fundamentais, em verdade, exatamente porque os direitos
são do indivíduo, e não das culturas, não somente se opõe ao multiculturalismo, mas lhe representa
a principal garantia”.
196
51 Afirma Vercilene Francisco Dias: “Kalunga significa, na língua banto, uma das línguas faladas pelos negros
trazidos na diáspora, sobretudo de Angola, Congo e Moçambique, lugar sagrado e de proteção” (DIAS, 2019, p. 52).
197
O artigo 68 ADCT52 é muito objetivo ao afirmar que: “Aos remanescentes das comunidades
dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988), neste sentido, também existe a
legislação estadual e a convenção 169 da OIT53 que garantem aos Kalungas a propriedade definitiva
do seu território, que desde 1991 é demarcado e recebe o título de sítio histórico e patrimônio
cultural.
Em 1986, o Estado de Goiás, por meio do extinto IDAGO54, deu início ao processo
discriminatório judicial do território Kalunga. Esse processo terminou em 2017, quando se
constatou que a maioria dos imóveis particulares dentro do sítio histórico e patrimônio cultural
Kalunga, são títulos ilegítimos ou são terras devolutas, ocupadas de forma ilegal por agentes
externos à comunidade.
A partir do direito territorial dos quilombolas e da ação discriminatória do território
Kalunga, o objetivo deste artigo é analisar as ações dos órgãos competentes para efetivar a sentença
da ação judicial e a consequente regularização fundiária do território Kalunga. Para fazer essa
análise, utilizaremos como fonte material de pesquisa documental a ação civil pública nº 1002560-
50.2021.4.01.3506, promovida pelo Ministério Público Federal em 2021, que tem como assunto a
Desapropriação para Regularização de Comunidade Quilombola/Dec. 4887/2003.
Além de ter sido ajuizadas pela Associação Quilombo Kalunga (AQK) as seguintes ações
possessórias:
55 As terras kalungas possuem cerca de 262 mil hectares, sendo 160.500 hectares provenientes de propriedades
privadas, tendo sido 22.490 titulados; 101.500 hectares oriundos de terras devolutas, dos quais 11.508 foram titulados,
todos os dados correspondem a data em que a Ação Civil Pública foi proposta.
199
Verifica-se que existem ao menos catorze conflitos possessórios em andamento que são
pertinentes a pessoas não quilombolas com a pretensão de fixar posse em terras kalungas,
argumento que evidencia o risco que essa comunidade está submetida, consequência da demora na
conclusão do processo de titulação por parte do INCRA. No que concerne aos argumentos jurídicos,
constata-se que foi apontado que a matéria versada na demanda está diretamente ligada à cultura
negra, no seu patrimônio cultural e nos valores imateriais e materiais das tradições afro-brasileiras,
além de afetar a subsistência dos kalungas.
A peça exordial também apresentou que foram infringidos os artigos 215 e 216 da
Constituição Federal, o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Lei
Ordinária Estadual nº 11.409 de 1991, a Lei Complementar Estadual nº19 de 1996, ambas do Estado
de Goiás, bem como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho 56 e o Decreto
nº 4.887 de 2003 e a Instrução Normativa INCRA nº57 de 2009. Nesse contexto, o Ministério
Público Federal requereu os seguintes pedidos:
56 Internalizada no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 5.051 de 2004, tendo status de norma supralegal.
200
o fim de: 6.4.1 – confirmar os pedidos liminares objetos do item “6.1” e deferir em
caráter definitivo a reintegração da Comunidade Quilombola Kalunga na posse das
áreas invadidas/esbulhadas de seu Território; 6.4.2 – condenar os réus PESSOAS
INCERTAS E NÃO IDENTIFICADAS à obrigação de fazer, consistente em
cessar os atos de esbulho/invasão praticados no interior do Território Quilombola
Kalunga (TQK) e à obrigação de não fazer consistente em absterem-se da prática
de novos ilícitos de turbação e esbulho/invasão; 6.4.3 – condenar os réus UNIÃO,
ESTADO DE GOIÁS, INCRA e FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES à
obrigação de fazer para que, em comunhão de esforços, adotem providências
administrativas necessárias para conferir efetividade à ordem judicial de
reintegração de posse e para resguardar a integridade do Território Quilombola
Kalunga contra novos atos de esbulho/invasão até a conclusão da titulação integral
e definitiva, sob pena de multa; 6.4.4 – condenar o ESTADO DE GOIÁS à
obrigação de fazer para que, em prazo razoável a ser fixado pelo juízo, adote as
providênciasnecessárias para transferir e, de fato, transfira à Associação Quilombo
Kalunga a titularidade e a propriedade definitiva das terras devolutas incrustadas
no Território Quilombo Kalunga, segundo delimitação constante do Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação (RTID); 6.4.5 – condenar o INCRA à
obrigação de fazer para que conclua, em prazo razoável, a ser fixado pelo juízo,
o(s) processo(s) administrativo(s) que visa(m) à titulação definitiva das terras
inseridas no Território Quilombo Kalunga, segundo delimitação constante do
Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID); 6.5 – a condenação do
réu pelos ônus da sucumbência, nos termos da legislação processual civil; e 6.6 –
a juntada da íntegra dos autos do Inquérito Civil n. 1.18.002.000141/2020-74.
Por fim, também foi exposto o desejo pela realização da audiência preliminar de
conciliação/mediação, nos termos do artigo 334 do Código de Processo Civil. Assim, atribuiu-se à
causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Considerações finais
Demonstramos no primeiro tópico a importância de se garantir aos povos quilombolas o
“direito à diferença”, face a equivocada noção de “igualdade” imposta pelos Europeus no Brasil, e
a garantia desse direito, se expressa por meio do multiculturalismo, que “apresenta-se como
perspectiva teórica adequada à discussão dos direitos humanos e fundamentais das comunidades
quilombolas”. Desse modo, para os quilombolas, a garantia do multiculturalismo, da diversidade e
da interculturalidade são pré-requisitos para a garantia do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana. Concluímos que a base dos direitos fundamentais dos povos quilombolas é a garantia ao
território, pois como afirmou Sarmento, esse direito é tão relevante que seu descumprimento pode
significar o fim do grupo quilombola, ou seja, um verdadeiro etnocídio. Portanto, é obrigação do
Estado garantir o direito territorial aos quilombolas, por meio da regularização fundiária,
removendo os agentes externos à comunidade para que os afrodescendentes possam exercer sua
cultura e perpetuar seu modo de vida de forma digna.
No segundo tópico, analisamos o processo de luta e ocupação do sítio histórico e patrimônio
cultural Kalunga. O direito dos quilombolas ao território é resguardado por norma constitucional
federal, por leis estaduais e por legislação internacional. A área onde residem os Kalungas foi objeto
de um longo processo discriminatório, em que o Estado de Goiás concluiu que grande parte dos
201
proprietários de terras não quilombolas possuem títulos de propriedade ilegítimos, contudo, isso
não foi o suficiente para solucionar a disputa pela propriedade territorial do quilombo.
No último tópico do trabalho, analisamos a Ação Civil Pública promovida pelo Ministério
Público Federal contra as autarquias que, em tese, deveriam resguardar os direitos dos quilombolas,
mas, como elencou o promotor na referida ação, os órgãos responsáveis estão sendo omissos quanto
ao direito territorial dos Kalungas, agindo contra a Carta Magna de 1988 e contra a Convenção nº
169 da OIT, em nítido desrespeito a preceitos fundamentais, como o princípio da dignidade da
pessoa humana.
Os Kalungas estão em um longo processo de luta pela terra, apesar de haver diversas leis
que garantem a exclusividade do território aos quilombolas. Assim, concluímos, a partir do caso
Kalunga, que os afrodescendentes continuam tendo seus direitos violados por quem deveria
protegê-los, o Estado. Portanto, justificamos a necessidade e a importância de se garantir o direito
à terra aos quilombolas, que é pressuposto do multiculturalismo, da dignidade da pessoa humana e
da própria existência da comunidade, mas que, infelizmente, a União, o Estado de Goiás e o INCRA,
não garantem, visto que parecem seguir os mesmos ideais dos europeus quando chegaram no Brasil.
Referências
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL n. 1002560-50.2021.4.01.3506, de 16/08/2021. Proposta pelo
Ministério Público Federal (Procuradoria), que trata da desapropriação para Regularização de
Comunidade Quilombola / Dec. 4887/2003. Brasil, 2021. Disponível: <https://apublica.org/wp-
content/uploads/2021/11/acao-civil-encurralados-pela-grilagem.pdf>. Acesso em: 01 de outubro de
2022.
BERNARDO, L. F.. Acesso a terra e multiculturalismo : uma análise da atuação estatal na
garantia dos direitos das comunidades culturalmente diversas no Brasil. Dissertação (Mestrado
em Direito). Faculdade de direito Pontifícia Universidade Católica. Paraná, p. 127. 2012.
BRASIL. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de 5 de outubro de 1988. Diário
Oficial da União - Seção 1 - 5/10/1988, Página 27 (Publicação Original). Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/conadc/1988/constituicao.adct-1988-5-outubro-1988-
322234-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 20 de outubro de 2022.
DIAS, Vercilene Francisco. Terra versus território: uma análise jurídica dos conflitos agrários
internos na comunidade Quilombola Kalunga de Goiás. 2019. 131 f. Dissertação (Mestrado em
Direito Agrário) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.
FERRAJOLI, Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2011.
KRETZMANN, Carolina Giordani; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana. Antropologia,
multiculturalismo e Direito: o reconhecimento da identidade das comunidades tradicionais no
Brasil. In: Thais Luzia Colaço (org.). Elementos de Antropologia Jurídica. Florianópolis:
Conceito Editorial, 2008,
SARMENTO. A GARANTIA DO DIREITO À POSSE DOS REMANESCENTES DE
QUILOMBOS ANTES DA DESAPROPRIAÇÃO. Revista de direito do Estado: RDE / Instituto
de Direito do Estado e Ações Sociais. Imprenta: Rio de Janeiro, Renovar, 2006.
202
Introdução
Os feminicídios são homicídios que ocorrem pela condição do gênero feminino das vítimas,
pela discriminação e/ou ódio dos autores das agressões, podendo estar atrelados à violência
doméstica e/ou familiar (BRASIL, 2015). Trata-se de grave fenômeno social que fere os direitos
humanos e individuais das mulheres. Usualmente, os feminicídios ocorrem após longas vivências
de violência e tornam-se mortes prenunciadas para as mulheres (BANDEIRA; MAGALHÃES,
2019; MENEGHEL; PORTELLA, 2017).
A compreensão dos feminicídios envolve reflexões sobre a realidade social, histórica e
cultural de desigualdades sócio-históricas que marcam as relações entre o masculino e o feminino.
Toneli, Beiras e Ried (2017) ressaltam a importância de analisar a perspectiva dos homens autores
de violência (HAV): as intencionalidades, as motivações, a forma como compreendem e percebem
a violência e as relações de gênero. Esses elementos permitem a construção de intervenções que
possam resultar em mudanças nas concepções e atitudes desses homens.
Nesse campo, Bernardes e Mayorga (2017) enfatizam a relevância de compreender os
estereótipos que engendram as concepções acerca dos HAV. A literatura aponta que, geralmente,
esse homens são ex-parceiros das vítimas e possuem as seguintes características: pais, trabalhadores
remunerados, brancos, baixa escolaridade e renda familiar em torno de um salário-mínimo; ou seja,
são pessoas comuns, não são monstros como prevalece no imaginário social (SANTOS et al., 2021;
GEDRAT; SILVEIRA; ALMEIDA NETO, 2020; SCOTT; OLIVEIRA, 2018).
Garcia e Beiras (2019), em estudos com HAV, verificaram nos discursos a responsabilização
das mulheres pelas violências sofridas, além de justificativas pautadas no uso de substâncias, como
o álcool. Os autores enfatizam que valores culturais, sociais e históricos de dominação, de virilidade,
de controle e de poder dos homens sobre as mulheres foram recorrentes na perspectiva dos HAV.
As pesquisas sobre os feminicídios tem abordado os impactos desse fenômeno na vida das
mulheres, contudo, poucas são aquelas que evidenciam as perspectivas, vivências e concepções dos
feminicidas. Nessa direção, este estudo pretende investigar os feminicídios a partir das perspectivas
dos HAV. Assim, a presente pesquisa teve como objetivo investigar as vivências de autores de
tentativas de feminicídios acerca das relações de gênero e das violências contra as mulheres.
Metodologia
57
Doutorado em Programa de Pós-graduação em Serviço Social pela Unesp/Faculdade de História, Direito e Serviço
Social, Brasil(2012) Avaliadora de Cursos Graduação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira , Brasil
203
Resultados e discussão
Os participantes possuíam idades entre 26 anos e 62 anos, com média de 43 anos. Um
entrevistado se identificou como branco, um como pardo e o outro não soube responder. Um
participante tinha ensino fundamental completo e os outros possuíam ensino fundamental
incompleto. Com relação a profissão, um era agricultor, outro carpinteiro e outro pedreiro. Um dos
entrevistados afirmou estar divorciado, um em união estável e o outro solteiro. Se autoidentificaram
como homens cisgêneros e heterossexuais. Eram os provedores das suas famílias, sendo que dois
possuíam filhas/os/es e eram religiosos, se denominando como evangélicos. Como a literatura
aponta, eram pessoas comuns e não “monstros”, contrariando o senso comum sobre os HAV
(SANTOS et at., 2021). Durante a entrevista permaneceram retraídos e calmos, nenhum se
considerou culpado ou responsável pelas tentativas de feminicídios, as quais resultaram em suas
reclusões.
Dois entrevistados, Gustavo e Pedro, no momento da entrevista, não possuíam
relacionamento afetivo-sexual. Já Matheus, mantinha relacionamento com a mulher contra quem
ele havia praticado a tentativa de feminicídio. O entrevistado afirmou gostar da parceira, desejar
concluir sua pena e cuidar da família, buscando ser mais compreensível com ela e evitando as brigas.
Entretanto, em vários momentos elencou as discussões do relacionamento como oriundas do
temperamento e de atitudes dela.
204
Foi bom, não tenho nada a reclamar dos anos que eu passei com ela não, tive uma
filha com ela, foi tudo perfeito, certinho, só que a gente brigava muito ela é muito
estressada, muito alterada e...acabava gerando muito briga, eu “tava” trabalhando
muito, né?! (Matheus)
No relato de Pedro, notou-se o ciúme como elemento central que o levou a ferir
“acidentalmente”, em seu ponto de vista, a (ex)companheira. Bandeira e Magalhães (2019) apontam
que a associação entre o ciúme e os feminicídios faz com que a violência letal seja equivocadamente
entendia como “crime da paixão”. As autoras salientam que “[ ...] a situação que serve de
‘justificativa’ ao crime deixa em aberto a causa central que não é o ciúme, mas a situação de
naturalização das desigualdades presentes na condição de gênero” (BANDEIRA; MAGALHÃES,
2019, p. 44).
Outro elemento que engendrou os relatos dos participantes é a masculinidade. Pedro indicou
que sua intenção era agredir os outros homens que acompanhavam a (ex)companheira e não ela
propriamente. Identificou-se que encontrar a companheira na presença de outros homens feriu sua
masculinidade, sua potência e virilidade; o que também pode ser entendido como o exercício de
dominação masculina, controle e poder sobre o corpo feminino. Na sociedade patriarcal, as
mulheres são “objetos de posse masculina”. A validação social enquanto homem perpassa o olhar
e reconhecimento do outro, isto é, os homens demostram poder perante outros homens por meio do
poder financeiro, da heterossexualidade, das relações hierárquicas com as mulheres e com outros
homens (GARCIA; BEIRAS, 2019; WELZER-LANG, 2001).
205
Ela não, ela eu, como se diz o outro, eu gosto muito dela, sabe?! Ah, mas os caras
seriam o alvo do, do, do projeto, sabe?! [...] Ah, me, me senti muito ofendido,
muito ferido, mercê entendeu?! Aí, aí, aí, aí...a casa caiu, porque nessa hora aí eu
fiquei, como se diz o baiano, fiquei cego da, da, da...entendeu?!” (Pedro).
Toda vez que eu chegava em casa do serviço na hora do almoço aí ela enrolava um
pouco para fazer almoço aí eu falava para ela que ela tinha que adiantar um
pouquinho porque eu precisava de almoçar e voltar para o serviço, durante a tarde
quando eu chegava, eu queria que ela tivesse é...e vamos supor ela tinha lavado a
roupa tinha pegado a roupa do arame eu tinha que chegar, eu chegava 17h30 do
serviço e tinha que chegar 18h30 no outro e aí eu cobrava dela, que ela tinha, né,
que recolhido as roupas, tal, e aí começava essas briguinhas bobas, aí eu ia
trabalhar no outro serviço com a cabeça quente e aí quando chegava em casa ela já
‘tava’ me esperando para discutir de novo. E aí ficava nessa. (Matheus)
Olha...era meio conturbada como se diz o outro, a gente na situação...a situação
financeira, eu sempre trabalhei, eu sempre ganhei só um salário mesmo, sabe?! E
ela era bastante dinherista, sabe?! E é só o problema que existia entre a gente era
isso aí, era só a situação financeira, entendeu?! ( Pedro)
Nessa conjuntara patriarcal, com papéis sociais e sexuais definidos, o contexto financeiro
apareceu como um elemento que fomentou as tentativas de feminicídio. Para Pedro, os gastos da
(ex)companheira eram uma das principais justificativas dos seus conflitos. O controle financeiro
por parte dos homens está associado às funções masculinas e o sentimento de fracasso pode ser
vivenciado por eles quando não as cumpri, uma vez que o gerenciamento financeiro pode envolver
controle e poder (CENCI; PAULI; FOLLE, 2018).
Os participantes pareciam ter consciência sobre o que caracteriza as violências contra
mulheres, indicando que elas envolvem situações desde uma discussão até o assassinato. Mesmo
demostrando compreender que agressões verbais também são formas de violências, eles entendiam
que elas eram inevitáveis no relacionamento. Gustavo, por exemplo, demostrou ter conhecimentos
sobre as múltiplas violências contra as mulheres, desde a violência verbal, a qual pode ocorrer por
meio da violência psicológica, moral e patrimonial, até o seu ápice, os feminicídios.
Uma violência contra uma mulher é...eu acredito que ela comece desde uma
palavra grosseira até hum...até um assassinato digamos assim, é pesado? É, mas
acho, acredito eu do meu ponto de vista, a violência começa por aí seja uma palavra
grosseira, uma palavra deselegante, pra mim já é uma violência, porque pode ser
psicológica, que pode causar um trauma, até um assassinato, que é um dos piores,
que eu não desejo pra ninguém. (Gustavo)
E ela começar a gritar, a falar alto, querer meio que assim a neném querer acordar
e tudo e ela gritava demais, falava alto demais, aí acabava que eu também me
alterava também e para evitar uma possível agressão minha ou dela também,
porque ela já chegou a me agredir também, a me avançar e tudo e eu já cortei isso
retinho, aí tentava evitar, né?! Para não chegar nesse ponto, por isso eu falava para
ela, eu vou embora para evitar, e eu ia embora pra minha mãe, isso quantas vezes
(Matheus)
sejam modificadas, é preciso que esse conhecimento alcance a dimensão dos sentidos e significados
(BARROS et al., 2009).
Os entrevistados não se reconheceram como (re)produtores das violências. De acordo com
Garcia e Beiras (2019), ao narrarem suas histórias, os HAV tendem a desmistificarem as
preconcepções de que são violentos e agressivos, utilizando premissas reconhecidas e valorizadas
na cultura para pautarem seus argumentos. Do mesmo modo, os participantes ao valorizarem e
enaltecerem o trabalho remunerado, os cuidados e preocupação com a família parecem estar
almejando serem reconhecidos por valores sociais positivos e socialmente enaltecidos, negando as
violências praticadas. Outrossim, ao serem questionados sobre as crenças e expectativas acerca
dos homens na sociedade, surgiram perspectivas hierárquicas sobre o gênero, além de concepções
patriarcais sobre as famílias. O referencial de masculinidade para eles se centrava no exercício do
trabalho remunerado.
Olha o que eu entendo é isso que o homem tem que suprir a casa e a mulher
não trabalhar, entendeu?! (Pedro)
É, olha, em geral eu não sei, mas o meu mesmo era seguir minha vida
honestamente, eu já tinha mudado de cabeça, cuidar da família, viver sem
prejudicar ninguém, é algo do tipo, é eu não sei responder direitinho.
(Matheus)
É em termos de...como que eu posso porque se eu trabalho, a senhora
também trabalha, eu fico até sem jeito de responder essa pergunta [...]
(Gustavo)
Considerações finais
A investigação das vivências de autores de tentativas de feminicídios acerca das relações de gênero
e das violências contra as mulheres permitiu compreender que os participantes sabiam identificar essas
violências em suas diferentes formas. Reconheciam a gravidade delas, entretanto, afirmavam que
eram inerentes aos relacionamentos. Assim, não se percebiam como autores de tentativas de
feminicídios, denotando que as violências letais praticadas contra as (ex)parceiras eram fruto do
acaso.
A masculinidade hegemônica, o desejo de demonstrar, possuir e usufruir do poder e
virilidade advindos da dominação masculina, a naturalização das violências, a falta de demonstração
de afetos pelas mulheres, a subalternidade dos trabalhos domésticos, a valorização do trabalho
remunerado foram os principais elementos sinalizados pelos participantes como intrínsecos aos
homens. Esses fatores interseccionados (re)produziram e foram mantenedores de contextos de
violência e tentativas de feminicídios.
As informações aqui apresentadas são fruto de pesquisa decorrente das investigações
realizadas a partir da interlocução entre o grupo de pesquisas de uma instituição pública de ensino
(envolvendo docente e graduanda) e um Juizado de Violência Doméstica e Familiar (articulando a
participação de uma psicóloga). Essa relação entre universidade e instituição que compõe a rede
intersetorial de enfrentamento à violência contra mulheres, no contexto de Goiás, tem fortalecido a
implementação das políticas públicas de gênero. Frente aos inúmeros estereótipos que contribuem
para a cristalização de papéis de gênero, especialmente no que concerte os HAV, e considerando a
gravidade e complexidade dos feminicídios esse estudo buscou avançar na compreensão do lugar e
papel dos homens nos contextos de violências.
Referências
BANDEIRA, Lourdes Maria; MAGALHÃES, Maria José. A transversalidade dos crimes de
feminicídio/femicídio no Brasil e em Portugal. Revista da Defensoria Pública do Distrito
Federal, Brasília, v. 1, n. 1, p. 29-56, 2019. Disponível em: https://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/123178/2/361526.pdf. Acesso em: 20 jul 2022.
BARROS, João Paulo Pereira et al. O conceito de “sentido em Vygotsky: considerações
epistemológicas e suas implicações para a investigação psicológica. Psicologia & Sociedade, v.
21, n. 2, p. 174-181, 2009. https://doi.org/10.1590/S0102-71822009000200004.
BERNARDES, João Paulo.; MAYORGA, Claudia. Um Estudo Sobre Intervenções Junto A
Homens Autores De Violência Doméstica Contra Mulheres. REVISTA DE PSICOLOGÍA, v. 26,
n. 1, p 1-15. 2017. https://dx.doi.org/10.5354/0719-0581.2017.46691
209
BRASIL. Decreto-lei, n°13. 104, de 9 de março de 2015. Brasília-DF. 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm. Acesso em: 02 mar.
2021.
CENCI, Cláudia Maria Bosetto; PAULI, Jandir; FOLLE, Patrícia Daiane. Conjugalidade
negociada: elementos para compreensão do significado que casais atribuem ao dinheiro.
Actualidades en Psicología, v. 32, n. 124, p. 75-91, 2018.
https://dx.doi.org/10.15517/ap.v32i124.28392
GARCIA, Ana Luíza Casasanta.; BEIRAS, Adriano. A psicologia social no estudo de justificativas
e narrativas de homens autores de violência. Psicol. cienc. prof., v. 39, n. 2, p. 45-58, 2019.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003225647
GEDRAT, Dóris Cristina.; SILVEIRA, Eliane Fraga.; ALMEIDA-NETO, Honor. Perfil dos
parceiros íntimos de violência doméstica: uma expressão da questão social brasileira. Serv. Soc.
Soc., n. 138, p. 342-358, 2020. https://doi.org/10.1590/0101-6628.216
MENEGHEL, Stela Nazareth; PORTELLA, Ana Paula. Feminicídios: conceitos, tipos e cenários.
Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 9, p.3077-3086, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-
81232017229.11412017
REY, Fernando González. Pesquisa Qualitativa e Subjetividade: os processos de construção da
informação. São Paulo: Thomsom, 2005.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo
Perspec., v. 13, n. 4, p. 82-91, 1999. https://doi.org/10.1590/S0102-88391999000400009
SANTOS, Dherik Fraga. et al. Masculinidade em tempos de pandemia. Saúde Soc., v.30, n. 3, p.
1-13, 2021. https://doi.org/10.1590/S0104-12902021200535
SCOTT, Juliano Beck.; OLIVEIRA, Isabel Fernandes. Perfil dos homens autores de violência
contra a mulher: uma análise documental. Journal of Psychology da IMED., v. 10, n. 2, p. 71-88,
2018. https://dx.doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951
TONELI, Maria Juracy. F; BEIRAS, Adriano.; RIED, Juliana. Homens autores de violência contra
mulheres: políticas públicas, desafios e intervenções possíveis na América Latina e Portugal.
Revista de Ciências HUMANAS, v. 51, n. 1, p. 174-193, 2017. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2017v51n1p174/34480.
Acesso em: 24 mar. 2022.
WELZER-LANG. D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos
Feministas. Florianópolis, v. 9, n. 2. p. 460-482, 2001. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ref/a/WTHZtPmvYdK8xxzF4RT4CzD/. Acesso em: 30 set. 2021.
210
Marcelo Ladvocat58
Marcela Scalco Freitas59
Introdução
Para Haddad e Mota (2010) o orçamento público é uma forma de se materializar o
planejamento almejado, ou seja, é a forma discriminada de se prever todas as fontes e as aplicações
dos recursos obtidos com impostos. A própria constituição, em seu artigo 37, norteia os princípios
de governança do orçamento público, seja pela administração direta ou indireta de qualquer um dos
Poderes (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) quando impõe que devem ser obedecidos
os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No Brasil, apenas
duas pastas60 tem mínimo obrigatório de gasto por imposição legal. No que tange a pasta da saúde,
mesmo a despeito de qualquer análise do binômio necessidade x possibilidade, a Lei Complementar
nº 141, de 13 de janeiro de 2012, em seu art. 7º impõe ao gestor público que se destine anualmente
o mínimo de 15% (quinze por cento) da receita total do município. Já para o tema educação, a
Constituição Federal em seu artigo 212 estabelece o mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) da
receita resultante de impostos arrecadados para a manutenção e desenvolvimento do ensino.
Independentemente do valor mínimo , ou até mesmo do valor total investido, o resultado deste
investimento é o grande benefício para a população.
Desde que importantes índices econômicos como o PIB (produto interno bruto, criado em
1937 pelo economista Simon Kuznets) surgiram no mundo, o homem busca maneiras de medir o
desenvolvimento e o bem-estar social. Devido às mudanças que ocorrem constantemente na
sociedade, é cada vez mais importante a identificação de novos conjuntos de indicadores globais,
nacionais, estaduais e até mesmo locais que permitam avaliar o progresso na perspectiva do
desenvolvimento sustentável. Avaliar o Progresso Social é avaliar se o dinheiro público está sendo
investido de forma responsável, se as necessidades básicas humanas estão sendo satisfeitas, se
temos segurança, se o progresso é sustentável (STERN; EPNER, 2019).
58
Doutorado em Economia pela Universidade Católica de Brasília, Brasil(2014) Coordenador Mestrado do
Faculdades Alves Faria Ltda , Brasil [email protected]
59
Mestrado Profissional em Desenvolvimento Regional pelo Faculdades Alves Faria, Brasil (2023)
[email protected]
60
No âmbito da demonstração pública brasileira nomeia-se pasta o setor de atuação, como por exemplo , pasta da
saúde , economia, educação e etc...
211
Neste contexto de eficiência dos gastos públicos, onde se demandam dados e índices
fidedignos para atendimento da necessidade da população, o presente artigo se propõe a demonstrar
como a propositura de um Índice de Progresso Social Goiano em nível municipal pode ser de
grande auxílio na gestão pública.
fracos específicos. A transparência da medição usando uma estrutura abrangente permite aos
agentes da mudança identificar os problemas mais urgentes em suas sociedades.
A elevação dos municípios à ente Federativo foi considerado por diversos estudiosos como
um dos grandes marcos da Constituição de 1988. Nesta ocasião a Constituição promove uma
descentralização dos poderes ampliando a responsabilidade do gestor Municipal pela execução das
políticas sociais, o que anteriormente cabiam tão somente às esferas Estaduais e Federal. Coube ao
município solucionar as demandas da população por serviços e obras. A constituição de 1988 traz
as obrigações inerentes a cada ente Federativo em diversos artigos, no entanto no Art. 30 se descreve
o que compete aos Municípios a legislar sobre assuntos de interesse local.
Artigo Da
Pasta Constituição
Pública Federal Obrigação da Esfera Municipal Leis e/ou Normativas adicionais
§ 2º Os Municípios atuarão
prioritariamente no ensino
Educação fundamental e na educação infantil.
(Redação dada pela Emenda
Art. 211. Constitucional nº 14, de 1996)
Conclusões
A utilização do método se mostrou eficiente em nível subnacional quando as adaptações
propostas para utilização ranqueiam e demonstram onde os municípios tem sua fragilidade e devem
atuar.
Tabela 2: Dois primeiros e dois últimos colocados no ranking do IPS Goiano -Dimensão necessidade Humana
Básica
Goiânia 83 1
Itumbiara 82,23 2
São Domingos 69,1 245
Cavalcante 65,54 246
Na tabela 2 por exemplo percebe-se que os municípios de São Domingos e Cavalcante tem
índices compatíveis com países Argélia e Guiana necessitando de mais atenção à políticas públicas
que visem a melhoria dos parâmetros utilizados nesta dimensão tais como: Cobertura vacinal
tetravalente, taxa de mortalidade, subnutrição, atendimento de água e esgoto
214
Referências
Brasil, Constituição (1988) Art. 286. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 10 de outubro de
2022.
BASSALO, Gisa Helena Melo; TORKOMIAN, ALV. Inovação e Progresso Social na América
Latina: Uma Visão Sintética. 2017.
DA SILVA, Alysson Dias; LADVOCAT, Marcelo. SOCIAL PROGRESS INDEX IN BRAZIL AT
SUBNATIONAL LEVEL: LITERATURE REVIEW. Revista Baru-Revista Brasileira de
Assuntos Regionais e Urbanos, v. 7, n. 1, p. 15, 2021.
HADDAD, Rosaura Conceição; MOTA, Francisco Glauber Lima. Contabilidade pública, 2010.
PULICI, Andrea; MOURA, Danilo Carvalho; MOSANER, Marcelo Sette. Índice de Progresso
Social para o Rio de Janeiro. IPS RIO - Resumo Executivo. 2017. Disponível em:
https://s3.amazonaws.com/ipsrio/publicacoes/relatorio-metodologico.pdf
SANTOS, Daniel et al. Índice de Progresso Social na Amazônia brasileira: IPS Amazônia 2018.
Belém: Imazon. Social Progress Imperative. 2018. Disponível em:
https://imazon.org.br/publicacoes/indice-de-progresso-social-na-amazonia-brasileira-ips-
amazonia-2018/
STERN, Scott; EPNER, Tamar. Social Progress Index, Methodology Summary, Social Progress
Imperative. 2019. Disponível em:
Https://www.socialprogress.org/assets/downloads/resources/2019/2019-Social-Progress-Index-
Methodology-Report.pdf
Insatisfação com a
acessibilidade da habitação Retirado Indisponibilidade de Dados
Assassinatos políticos e
tortura Taxa de latrocínio
Mulheres sem
escolaridade
Acesso igual à Distorção idade-
Analfabetismo
educação de qualidade série
Qualidade do
Matrícula na escola Ensino
Alfabetização Acesso ao ensino fundamental
primária Fundamental,
anos iniciais
Qualidade do
Escolaridade Ensino Nota média IDEB -
Qualidade da educação
secundária Fundamental, Anos iniciais
anos finais
Acesso ao Abandono
Paridade de gênero no Nota média IDEB -
Conhecimento Escolar no
ensino médio Anos finais
Básico Ensino Médio
Acesso à governança
online
Conexão de dados de internet
usuários de internet Acesso à internet Internet
móvel
Fundamentos do bem-estar
Censura da mídia
Acesso a Acesso a
Assinaturas de telefone
informações e Telefone Celular Telefone Conexão de voz
celular
comunicações ou Fixo:
Expectativa de vida aos
Focos de dengue Expectativa de vida ao nascer
60
Mortes prematuras por Mortalidade por
Mortalidade
doenças não Doenças Casos de hanseníase
por doenças crônicas
transmissíveis Crônicas
Acesso igual a cuidados Incidência de Casos de sífilis em Mortalidade por doenças
de saúde de qualidade Dengue gestante respiratórias
Mortalidade por
Acesso a serviços Casos de hepatite
Tuberculose e Obesidade
essenciais de saúde viral
HIV
Saúde e bem Suicídio
estar
Mortes atribuíveis à Taxa de recuperação
poluição do ar exterior materiais recicláveis Áreas Protegidas
Mortes por exposição Massa per capita de Desmatamento
ao chumbo materiais recicláveis acumulado
Poluição por material Coleta Seletiva
Desmatamento recente
particulado de Lixo recolhidos
Degradação de
Proteção de espécies
Áreas Verdes Arborização Área degradada
Qualidade Desperdício de água*
ambiental
Taxa de homicídios
Tempo Médio de
Acesso à justiça por intervenção
Deslocamento:
policial Mobilidade urbana
Homicídios por
Liberdade de expressão
Ação Policial Pessoas ameaçadas
Oportunidade
Tempo
Mobilidade
Liberdade de religião deslocamento casa -
Urbana:
trabalho
Participação
Direitos políticos Eleitores faltosos
Política: Diversidade partidária
Direitos Direitos de propriedade
pessoais para mulheres
Procura satisfeita de
contracepção
217
Percepção de corrupção
Vulnerabilidade familiar
Gravidez na Gravidez na Gravidez na infância e
Casamento precoce
Liberdade e Adolescência: Adolescência adolescência
escolha Jovens que não Bibliotecas, museus,
pessoal Índice de Acesso
estudam, trabalham ou teatros e centros
à Cultura
treinam culturais Acesso à cultura, lazer e esporte
Documentos citáveis
Qunatidade de
indicadores 53 36 39 42
218
63 O neologismo surgiu para nominar os assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero. No Brasil, a Lei do
Feminicídio entrou em vigor em 2015 e o colocou na lista de crimes hediondos, que têm penas mais altas. A palavra
vem do termo “femicídio”, cunhado em 1976 pela socióloga sul-africana Diana Russell, que sentiu a necessidade de
diferenciar o homicídio de mulheres em razão do gênero (TJ-MG .Justiça pela Paz em Casa: entenda o que caracteriza
o feminicídio, acesso em 22/11/22).
220
É perceptível quando nos atentamos às datas dessas duas conquistas que existiu certa
morosidade nos avanços relacionados ao combate à violência doméstica, principalmente se
levarmos em consideração que a Lei Maria da Penha foi promulgada apenas em 2006; antes da
promulgação desta lei, no Brasil não existia nenhuma lei que tipificasse, penalizasse e criasse
mecanismos para o enfrentamento aos crimes de violência contra a mulher, como a lei Maria da
Penha. Para Barsted
A partir de1995 até 2006, registrava-se um conflito legislativo tendo por um lado a Convenção
de Belém do Pará, que considera a violência contra as mulheres como violação de direito humanos,
e a Lei 9.0995/95 que, em grande medida, considerava esses atos como crimes de menor potencial
ofensivo. A Lei Maria da Penha, de 2006, ao sanar esse conflito legislativo, teve como objetivo não
apenas a punição dos autores das agressões, mas, principalmente, a proteção das mulheres em
situação de violência (BARSTED, 2012, p.107)
Como dito anteriormente, uma das explicações para a dificuldade em se obter uma lei que
ampare a mulher vitimada de violência doméstica é que o Brasil possui em sua formação um
histórico de dominação patriarcal sobre o corpo feminino, naturalização da violência contra a
mulher e manutenção dessa violência pela legislação brasileira, o que torna complexo o combate à
violência contra a mulher por esses e outros fatores estruturais. para além de fatores conjunturais,
regionais, culturais, e não menos, os fatores emocionais e psicológicos que dificultam e/ou impedem
o enfrentamento pelas próprias mulheres vítimas dessa violência.
64 O conceito de rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à atuação articulada entre as
instituições/ serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias
efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e construção da autonomia das mulheres, os seus
direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência.
(SPM ,2011)
222
o tema de violência doméstica, CFESS Manifesta 65(2017-2020), Manifesto: Março de Lutas que
discute a relação do governo atual com a violência doméstica, o qual destaca o agravamento das
desigualdades históricas pelo desmonte voraz dos direitos sociais. Para Ferreira,
Os discursos e anúncios cotidianos que apelam à valorização da família nuclear burguesa, à
abstinência sexual para adolescentes e as iniciativas da bancada religiosa e fundamentalista de
impor legislações que agravem a criminalização e interditem o direito das mulheres ao aborto, são
parte de uma tentativa de redomesticação das mulheres que, se aparecem sob a forma desvario
conservador, repousam em um interesse material concreto: manter as mulheres em lugares
subordinados que são funcionais à reprodução do sistema. São a contraface do desmonte de políticas
e da expropriação de direitos. Nesse contexto, a violência contra as mulheres recrudesce. Aumentam
os números de violência sexual, e do estupro corretivo contra as mulheres lésbicas. Os crimes de
feminicídio crescem. (FERREIRA, 2020, p.116.)
O discurso do atual governo de valorização da família nuclear burguesa e as teorias
infundadas conservadoras como tentativa de manter as mulheres em lugares que são subordinados
e funcionais à reprodução do sistema capitalista resulta no aumento da violência de todos os tipos
contra a mulher, pois recorre ao pilar do patriarcalismo machista brasileiro para naturalizar a
violência contra mulher e assim justificar o desfinanciamento das políticas públicas. Esse
delineamento apontado por Verônica Ferreira, liga-se diretamente ao entendimento da relação de
apropriação sobre o corpo feminino abordado por Mirla Cisne, trabalhado nesse estudo,
confirmando a complexidade do problema e o descaso do Estado brasileiro na abordagem do
enfrentamento à violência doméstica.
Nossos estudos são acrescidos, para além das publicações no site do CFESS: Assistente
Social no Combate ao Preconceito, caderno 06- Machismo, que discorre sobre as reflexões da
profissão do Serviço Social, no qual discute o machismo abarcando transversalmente a violência de
gênero. A autora Emilly Marques Tenório demonstra como o Serviço Social está associado com a
questão de gênero, quando levamos em consideração a predominância feminina da profissão. Para
Tenório (2019, apud Cisne, 2015) ao abordar o Serviço Social como uma profissão, afirma que é
quase exclusivamente ocupada por mulheres, destacando o caráter inicial conservador e vinculado
a igreja católica, não reconhecido dessa maneira como um trabalho especializado, mas sim como
atividade desenvolvida por atributos “naturalmente” femininos.
Por meio do material selecionado sobre o tema pudemos acessar e trazer a reflexão sobre a
discussão dessa temática pela categoria de assistentes sociais por meio do Conselho Federal de
Serviço Social nos anos de 2020 a 2022. O periódico CFESS Manifesta, traz a compreensão acerca
65 A gestão do CFESS apresenta, à categoria e à sociedade, mais um livro que reúne todos os textos teóricos e políticos
da publicação regular e já bem conhecida dos nossos informativos CFESS Manifesta, organizada pela Comissão de
Comunicação. (CFESS. CFESS Manifesta. acesso em 15/11/2022)
223
do desacordo do discurso moralizador do governo atual com os objetivos e lutas do Serviço Social
contra violência doméstica, infere-se também que esse posicionamento interfere na categoria do
serviço social, na medida em que representa um retrocesso para o usuário e para a trabalhadora
assistente social ao reforçar o viés ideológico assistencialista da profissão, desvinculando assim a
perspectiva de direitos pela qual trabalha.
Considerações finais
O presente artigo discute a naturalização histórica da violência contra a mulher e reflete
sobre a manutenção desse problema pelo Estado brasileiro ao longo dos anos e como essa demanda
social precisou de mobilização de movimentos sociais para entrar na pauta do governo como
problema que deve ser combatido, desculpabizando dessa maneira a mulher vitimada.
A reflexão sobre a gama de fatores que dificultam o enfrentamento da violência doméstica
dialogam com o posicionamento dos livros publicados pela categoria de assistentes sociais, uma
das profissões que historicamente tem se atuado e se posicionado pela defesa de todos os direitos
das mulheres. As obras abordam a divergência entre discurso e ações do governo e os objetivos e
princípios do Serviço Social e da rede de enfrentamento à violência, além do desfinanciamento a
programas que combatem a violência contra a mulher, direcionando para a população a
responsabilidade que é do Estado, como exemplo o programa piloto Salve uma Mulher. Conclui-se
que a temática é de difícil resolução, pois possui uma gama de fatores que interferem em seu
enfretamento, no entanto, a falta de atenção do Estado brasileiro dificulta ainda a mais a tratativa.
Referências
BARSTED, LÉLIA. O Avanço Legislativo Contra a Violência de Gênero: a Lei Maria da Penha,
Rio de Janeiro. disponível em:
https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista57/revista57_90.pdf, acesso em
11/12/2022.
BRASIL. Constituição (1830). Criminal nº fl. 39 do liv. 1º, de 16 de dezembro de 1830, disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm, acesso em 20/10/2022.
BRASIL. Constituição Federal: Emenda constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016,
Brasília. disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm, acesso em
09/12/2022
BRASIL. Lei Maria da Penha: Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, Brasília. disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm, acesso em: 20/10/2022.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Código de Ética do/a Assistente Social Lei
8662/93, Brasília, disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf,
acesso em 14/11/2022.
CISNE, MIRLA; SANTOS, SILVANA. Feminismo, Diversidade Sexual e Serviço Social.
Cortez, 2021.
FERREIRA, VERÔNICA. CFESS Manifesta: Manifesto Março de Lutas! Brasília, disponível
em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS2020-ManifestaEdeBatalhas2017-2020.pdf, acesso
em 20/10/2022.
224
Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil, bebendo das influencias europeias do
pós-segunda guerra mundial, é, em grande parte, influenciada pelo modelo de Estado denominado
welfare state ou conhecido como Estado de bem-estar social, tal que a grande premissa deste é
almejar produzir uma versão do capitalismo que procura incluir os vulneráveis e excluídos,
promovendo a seguridade social para todos. Para isso, o alicerce primordial desta são as
denominadas políticas públicas, isto é, atuações setoriais, feitas em conjunto, que buscamresolver
um ou mais dos problemas da sociedade.
Assim, NOBRE (2013) dispôs em sua obra que antes da retomada democrática, os mais
pobres eram severamente golpeados pela inflação, estando indefesos e de que não eram incluídos
no debate, conforme:
A ditadura militar deu continuidade, à sua maneira, ao nacional-
desenvolvimentismo. A inflação funcionava como importante mecanismo de
manutenção, tendo sido como que oficializada pelo golpe de 1964 por meio do
instituto da correção monetária, que a incorporou aos contratos e aos preços de
maneira geral como elemento permanente. Em uma economia fechada, a
inflação se amoldou ao objetivo de promover rápido crescimento (e, com ele,
uma melhora geral, dos padrões de vida) sem alterar os padrões historicamente
desiguais da distribuição de renda do pais. Ao contrário dos mais ricos, os
mais pobres não tinham como se proteger dos efeitos deletérios da inflação.
(NOBRE, p. 30 e 31, 2013).
66
Estudante da graduação em Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Bolsista PIBIC-UNESP Ciclo 2022/2023 E-mail: [email protected] Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3353148479070862
67
Estudante da graduação em Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual
Paulista (UNESP) E-mail: [email protected] Bolsista FAPESP Formação Técnica Ciclo 2022- 2024 Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9410052463042437
68
Estudante da graduação em Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual
Paulista (UNESP) E-mail: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/3701119722252451
226
A partir da previsão legal na Carta Magna de 1988, a luta dos cidadãos foi pela
implementação destas políticas, o que somente ocorreu de forma mais intensa no limiar entre ofinal
do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1998-2002) e o salto exponencial de inclusão
e avanços nos Governos Lula (2003-2010) e Dilma 1 (2011-2014). Com a severa crise econômica,
política e social que explodiu no Governo Dilma 2 (2015-2016), a influência de movimentos
supostamente políticos e apartidários, além da perseguição e ampla utilização do direito como
ferramenta política, um traumático processo de impeachment que teve como consequência o
governo neoliberal de Temer, muitos dos avanços humanitários obtidos nas duas últimas décadas
se perderam.
O processo de erosão dos programas sociais iniciaram-se com Temer e aprofundou-se com
Bolsonaro (2019-2022). Com isto, nosso objeto de estudo é vislumbrar os impactos desta erosão
nas políticas públicas de caráter permanente e mensurar as políticas transitórias adotadasdurante a
pandemia de COVID-19.
Desenvolvimento
As políticas públicas emergenciais sob a COVID-19
O ineditismo de um vírus de fácil difusão, como a SARS-COVID-19, e contágio
exponencial, e no qual não havia ainda um medicamento eficaz ou vacina desenvolvida para
trata-lo, levou o mundo à uma situação não vivenciada desde um século antes com a pandemia da
Gripe Espanhola (1918-1920). Com isto, diversos Governos, ao redor do globo, começaram a
adotar diferentes programas para mitigar os impactos econômicos e sociais à sua população.
Assim, o Estado brasileiro adotou, de forma tardia e descontinuada, o isolamento social
como forma de evitar o contágio, tal que, enquanto os países europeus eram noticiados na mídia,tais
como a Itália, a Espanha, dentre outros, as autoridades não se prepararam, de forma satisfatória,
para o custo humano que essa pandemia custaria à sociedade. Com isto, o Ministério da Saúde não
possuía os insumos médico-hospitalares suficientes para atender a umademanda tão repentina de
internações, fora o descaso das autoridades com a vida e as vítimas desta doença, amplamente
noticiados pela mídia. Outrossim, as políticas públicas demoraram muito a ser implementadas ou
liberadas à população, tal que a primeira legislação, a Lei n° 13.979/2020, apesar de ser de
fevereiro do referido ano, só começou a ser efetivamente utilizada quando a partir de abril de 2020
com a implementação de políticas públicas.
A mais importante medida desse período, fruto de muita luta dos agentes da sociedadecivil,
foi o denominado “auxilio emergencial”, responsável por conceder dinheiro paraamortecer à
queda de renda propiciada pelo isolamento social, em especial dos trabalhadoresinformais. Esta
iniciou seu calendário de pagamento em abril/2020 para os beneficiários já inscritos no
227
2021 pela Medida Provisória N° 1045/2021, e que tem como objetivo proteger os trabalhadores e
manter seus postos de trabalho, por meio de subsídios do governo federal aos trabalhadores. Desta
forma, o programa prevê que na hipótese de acordo entre trabalhadores ou empregadores, que
ensejassem redução proporcional de jornada de trabalho e de salários nospercentuais de 25%, 50%
ou 70%; ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, o Governo Federal, com recursos
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), paga uma porcentagem da parcela do seguro-
desemprego que o empregado teria direito se fosse despedido. A duração de cada um desses
acordos não pode ser superior a 120 (cento e vinte) dias. Segundo a Agencia Brasil, o primeiro
programa auxiliou 10 milhões de trabalhadores emacordos de adesão de 1,5 milhão de empresas e
na segunda edição foram 2,5 milhões de trabalhadores e acerca de 632,9 empregadores.
Com efeito, havia-se calculado um valor negativo de 331,6 bilhões de reais em 2021, mas
atingiu-se, de fato, um saldo negativo de 35,1 bilhões de reais naquele ano. Isso às custas do
sofrimento do povo brasileiro e da PEC dos Precatórios que rolou inquestionáveis dívidas
brasileiras para serem pagas nos próximos anos, provavelmente por outros governantes.
Ante o acima elencado, observamos que existem direitos intrínsecos a natureza humana
visando a vida digna e a paz entre os iguais, conforme suscitado na Carta Magna em seu Art. 1º,
III e parágrafo único:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988)
231
Posto isso, tem-se que o Estado Brasileiro como instrumento do poder do povo tem a
obrigação de garantir a dignidade da pessoa humana, sendo assim lhe cabe a ação social,
humanitária e justa para fins do cumprimento do contrato social e da proteção a existência decente.
Por conseguinte, ao apresentado a ausência, a ignorância ou o descaso à situação humana resvala
na obrigação primordial do Estado brasileiro de prover os direitos humanos e reduzir as
desigualdades sociais conforme as disposições da Carta Magna de 1988.
Prova da disposição acima, se exemplifica com a fome, o desalento, situação de rua, o
desemprego e o subemprego, entre outras, que respectivamente afligem os brasileiros: 33,1
milhões de pessoas de acordo com o “Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentarno
Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil”; 4,3 milhões segundo a “Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) Trimestral”; 184.638 pessoas estão emsituação
de rua segundo dados de maio de 2022 do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal (CadÚnico); 9,5 milhões de desempregados, conforme dados da “Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) Trimestral”, porém vale observar que a
redução decorre da aceitação de empregos com salário menor e precários conforme estudo do
economista Bruno Imaizumi que demonstra que os postos de trabalho criados se concentraram em
vagas com rendimentos de até um salário mínimo. Ante a desgraça pública faz-se público e notório
a observação da utilização dos recursospor parte do governo, para tanto a transparência é pontual,
fato parcialmente garantido pela Lei 12.527 de 2011. Assim, podemos observar que os orçamentos
destinados a assistência social, saúde, segurança pública e educação são constantemente
contingenciados e desviados:
Ou seja, é pontual observar que os valores repassados pelo Estado aos diversos setorescom
exceção do ano de 2020 estão aquém do orçamento inicial em valores absolutos:
232
FONTE:
Portal da Transparência (2022)
Portanto, observamos que estes setores vitais constituem aproximadamente 10% da
participação dos gastos públicos, com grandes reduções quando comparados com a totalidade. No
mais, vale ressaltar que no período de janeiro de 2018 a setembro de 2022 o Índice de Preçosao
Consumidor Amplo (IPCA) sofreu aumento de 28,57% conforme dados do IBGE, ou seja, o poder
de compra de R$ 1.000,00 (hum mil reais) em 2018, em setembro de 2022 só seria possível
com a quantia de R$ 1.295,72 (hum mil duzentos e noventa e cinco reais e setenta e dois centavos).
Logo, os gastos governamentais em assistência social, educação, saúde e segurança pública nem
ao menos foram corrigidos pela inflação, deduzindo ainda mais a forçae potência das ações sociais.
Considerações finais
Portanto, fica explicito que os objetivos do presente foram atingidos, uma vez que a
hipótese da tese central deste estudo foi atingida: a omissão dos Governos na continuidade das
políticas públicas essenciais à população e seu desmonte paulatino. Nesse sentido, foi abordado,
inicialmente, as ações temporárias e transitórias adotadas durante a COVID-19, tal que foi
demonstrado que as mesmas iniciaram com mais recursos e atingindo mais cidadãos, dentre estes
trabalhadores informais, no ano de 2020 e foram reduzidas progressivamente em 2021.
233
Isto posto, confere que as mesmas acabaram desamparando diversas pessoas durante o
agravamento da 2ª onda pandêmica e também da questão da dificuldade de auxiliar os mais
vulneráveis. Ademais, quando iniciada a visualização das políticas públicas de caráter permanente,
tais como habitação social, as áreas prioritárias da saúde e da educação, pela redução destas no
Orçamento Público é significativa, fato este demonstrado por diversos pesquisadores, tais como
Deisy Ventura, o relatório emblemático do INESC, além de dados das próprias agências
governamentais, como o IBGE, e o IPCA, do Ministério da Economia.
Esta atitude das autoridades competentes para as áreas demonstram a entrega do governo
para forças privatizantes e que não possuem compromisso com a diminuição da desigualdade
social, privilegiando seus próprios interesses. Cabe ressaltar que, conforme a tendência explicitada
pelo Portal da transparência, a peça orçamentária do governo possui previsões de despesa para
cada área, havendo o contingenciamento desta para malabarismos contábeis em outras áreas, sendo
empenhada volume inferior ao previsto, criando um saldo a pagar para o próximo ano. Logo, a
atuação errática do Estado prejudica as pessoas mais vulneráveis, pois os interesses dos
invisibilizados não são atendidos ou representados, levando estas pessoas, que dependem das
políticas públicas, a ficarem a própria sorte. Esta realidade foivista na pandemia, quando em 2021
houve redução das verbas para o combate à COVID-19.
Referências
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA
DIGNIDADE HUMANA E SUA CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL. Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro, 2003. Disponível em:AVRITZER, Leonardo. Política e antipolítica: a crise do
governo Bolsonaro. Todavia, Edição Única, 2021.
Brasil. Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527). Planalto, 2011. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 29 de
BRASIL. Medida Provisória nº 936, de 1 de abril de 2020. Institui o Programa Emergencial de
Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para
enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20
de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras
providências. Brasilia: Diário Oficial da União (D.O.U), p. 1, 1 abr. 2020. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm. Acesso em: 21 out.
2022.outubro de 2022.
BRASIL. Lei nº 14010, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergenciale
Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do
coronavírus (Covid-19). Brasília: Diário Oficial da União (D.O.U), p. 1, 12 jun. 2020.
Disponívelem: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14010.htm#:~:text=Art.,Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico. Acesso em: 21out.
2022.
BRASIL. Cadastro Único (CadÚnico). Banco de Dados, CadÚnico, 2022. Disponível em:
https://www.gov.br/pt-br/servicos/consultar-dados-do-cadastro-unico-cadunico. Acesso em: 29
de outubro de 2022.
234
DESENVOLVIMENTO URBANO,
RURAL, REGIONAL E
AMBIENTAL
237
Introdução
Das questões ambientais que afetam a sociedade Pós-Industrial, pode-se destacar a gestão
de resíduos sólidos urbanos como um dos problemas que melhor representam o dilema da sociedade
contemporânea. Um dos principais desafios da gestão ambiental urbana é a mensuração dos
impactos da atividade humana. Neste sentido, os indicadores de sustentabilidade são tidos como
uma ferramenta aliada da administração pública nos processos de planejamento e avaliação de
políticas públicas (JACOBI; BESEN, 2011; GUTBERLET, 2021).
Para o enfrentamento das questões ambientais, em 2012, a Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) teve como produto a proposição dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles compõem
uma agenda mundial, a Agenda 2030, que conta com 17 objetivos (Quadro 1), cujo cumprimento
deve ser monitorado e orientado por meio de indicadores globais, nacionais e regionais.
Quadro 1. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
ODS Título ODS Título
69
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas.
[email protected].
70
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora Ass. Doutora (UNESP). Pós-doutorado Empresarial em
Ciências Ambientais - CNPq. Doutora e Mestre em Ciências da Engenharia Ambiental - EESC/USP. Administradora -
UNIP e Geógrafa - UNESP. [email protected]
238
Fonte: Baseado em Nações Unidas Brasil (Acesso em 2022). Elaborado pelas autoras (2022).
Para melhor compreender a intersecção dos ODS com a temática dos resíduos sólidos, foi
necessário estudar os instrumentos legais aplicáveis no contexto de estudo. No Estado de São Paulo,
o descarte inadequado de resíduos é proibido nos termos da Lei Estadual n° 12.300/2006, que
estabelece a Política Estadual de Resíduos Sólidos (PERS). A nível nacional, essa proibição foi
reforçada com a promulgação da Lei n° 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS). Ela define instrumentos e diretrizes para a gestão integrada dos resíduos e
estabelece o princípio da responsabilidade compartilhada, o qual atribui aos três entes federados, ao
setor produtivo e à sociedade a participação na disposição ambientalmente adequada (BRASIL,
2010).
A PNRS exige o dispêndio de recursos públicos como incentivo às prefeituras para se
adequarem às normas, com base na prerrogativa dos impactos associados à disposição irregular e à
má gestão dos resíduos. São impactos que colocam em risco não apenas a qualidade ambiental, mas
podem também ser considerados um problema de saneamento e colocam em risco a saúde da
população; isso significa a mobilização de recursos para a manutenção desses ambientes e da saúde
pública.
Para tal, dentre as atribuições da PNRS, pode-se citar a criação e obrigatoriedade do Plano
Municipal de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos (PMGIRS), a fim de que os municípios tenham
acesso a recursos da União destinados a ações e programas que envolvam limpeza urbana e manejo
de resíduos sólidos. Neste trabalho, foi analisado o PMGIRS do Município de Piracicaba/SP, de
forma a verificar a sua conformidade com os ODS, por meio das diretrizes, metas e ações municipais
para a gestão de resíduos sólidos.
Legislação Ementa
“III - identificação das possibilidades de Diretriz 23: Promover ações integradas entre
implantação de soluções consorciadas ou os municípios da Aglomeração Urbana de
11: Cidades e
compartilhadas com outros Municípios, Piracicaba (AU-Piracicaba), visando a gestão
comunidades
considerando, nos critérios de economia de adequada dos resíduos sólidos urbanos,
sustentáveis
escala, a proximidade dos locais estabelecidos e conforme previsto na PNRS
as formas de prevenção dos riscos ambientais;”
totalidade.
9: Indústria, inovação e
“VIII - definição das responsabilidades quanto à Diretriz 01: Desenvolver, implementar e
infraestrutura
sua implementação e operacionalização,
monitorar o Sistema PGRS – Plano de
incluídas as etapas do plano de gerenciamento de
11: Cidades e Gerenciamento de Resíduos Sólidos.
resíduos sólidos a que se refere o art. 20 a cargo
comunidades
do poder público;”
sustentáveis
3: Saúde e bem-estar
Diretriz 02: Fomentar projetos de educação
4: Educação de ambiental em resíduos sólidos urbanos.
qualidade
“IX - programas e ações de capacitação técnica Diretriz 03: Desenvolver e articular processos
voltados para sua implementação e 11: Cidades e
de comunicação ambiental para o
operacionalização;” comunidades
sustentáveis gerenciamento de resíduos sólidos urbanos no
município de Piracicaba.
12: Consumo e
produção responsáveis
“XI - programas e ações para a participação dos Diretriz 05: Apoiar e fortalecer a Cooperativa
grupos interessados, em especial das do Reciclador Solidário e incentivar o
cooperativas ou outras formas de associação de 1: Erradicação da desenvolvimento de outras cooperativas e/ou
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis pobreza associações de catadores de materiais
formadas por pessoas físicas de baixa renda, se reutilizáveis e/ou recicláveis no município.
houver;”
“XIX - periodicidade de sua revisão, observado 11: Cidades e Volume I - CAPÍTULO 3 - Resultados da
prioritariamente o período de vigência do plano comunidades implementação do PMGIRS de 2014 a 2018
245
Fonte: Baseado em Brasil, 2010; Piracicaba, 2019. Elaborado pelas autoras (2022).
Conclusões
No Município de Piracicaba, desde a instituição da PNRS, a legislação tem evoluído de
forma a proporcionar mecanismos de manutenção e acompanhamento do PMGIRS. O PMGIRS é
um instrumento necessário para a efetivação da gestão de resíduos de forma participativa e
transparente. A atual versão do Plano conta com uma abordagem parcial dos ODS e, através das
diretrizes propostas, sugere o alinhamento da gestão municipal de resíduos sólidos com a Agenda
2030 da ONU. Ela menciona metas, estratégias e indicadores para o cumprimento de cada uma das
diretrizes.
Considerando que o presente trabalho se encontra em desenvolvimento, como etapas
futuras, pretende-se estudar os indicadores propostos para cada diretriz e, a longo prazo,
acompanhar as atualizações do PMGIRS, aprofundando as análises com base no diagnóstico da
execução do Plano nos 4 anos anteriores. Espera-se verificar, futuramente, a inclusão dos ODS não
abordados nesta versão do Plano, assim como a inclusão de diretrizes eventualmente necessárias
para a plena e contínua efetivação dos ODS já abordados.
Referências
BRASIL. Lei n. 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos
altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm> Acesso em: 12 dez.
2022.
GUTBERLET, J. Grassroots waste picker organizations addressing the UN sustainable
development goals. World Development. v. 138, 2021.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e Estados. Disponível em:
<https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/sp/piracicaba.html> Acesso em: 12 dez. 2022.
246
Introdução
Para entender o processo de crescimento urbano desordenado do município de Itapeva -SP,
é importante compreender inicialmente como se deu a construção da política urbana no Brasil. O
processo de redemocratização do país na década de 1980 e a promulgação da Constituição Federal
de 1988 deram margem a uma reflexão mais aprofundada acerca da importância da integração social
e espacial das camadas populacionais mais carentes (SANTIN; COMIRAN, 2018).
Observando-se o contexto da distribuição da propriedade urbana, nota-se que os problemas
que ocorreram no campo se repetiram nas cidades, fazendo eclodir na grande maioria dos
municípios brasileiros, habitações em situações precárias, especialmente em favelas, hoje
denominadas comunidades (TARTUCE, 2018).
A política de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder Público Municipal,
sendo essa competência atribuída aos municípios pela Constituição Federal de 1988, conforme
consta no seu artigo 182, abaixo transcrito:
Art. 182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes
(BRASIL, 1988).
Diante desse quadro, nos últimos anos, surgiu uma preocupação do legislador em buscar
uma regularização possível para essas áreas, por intermédio de institutos jurídicos diversos. Almeja-
se retirar tais situações dominiais de um “underground jurídico” ou, como afirmam os italianos, do
il Torto para o il Diritto (TARTUCE, 2018).
Uma das ferramentas para o efetivo desempenho da política pública de desenvolvimento
urbano que deve ser executada pelos municípios é a regularização fundiária, instrumento este
previsto no artigo 2º, IV da Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). O processo de
regularização fundiária é englobado por uma série de elementos, dentre eles estão as medidas
jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, destinadas a incorporação dos núcleos urbanos
informais, ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes, conforme disposto no
artigo 9º da Lei Federal n.º 13.465/2017 (Reurb).
71
UNESP/Franca. Professor Doutor. E-mail: [email protected]
72
UNESP/Franca. Mestranda, Programa PAPP. E-mail: [email protected]
248
Desenvolvimento
O Nascimento da Cidade de Itapeva -SP
Neste trabalho são analisadas as consequências decorrentes da irregularidade fundiária e do
crescimento desordenado da cidade de Itapeva, município localizado na região sul do estado de São
Paulo, surgido no início do século XVIII, como um bairro rural de Sorocaba. Inicialmente essa
povoação estava localizada na Vila Velha, bairro que atualmente pertence ao município de
Taquarivaí/SP. A princípio Itapeva foi chamada de Vila da Faxina e seu povoamento teve início a
partir da instalação de um pouso de tropeiros. As vilas eram polos culturais, políticos e comerciais
em solo colonial, sendo localidades onde a vida era considerada mais segura (BUENO, 2017).
A fundação oficial do atual município de Itapeva como Vila da Faxina ocorreu em 20 de
setembro de 1769, porém, não há documento legal comprovando a data exata, somente o relato de
historiadores. A Vila da Faxina foi desmembrada do termo da antiga Vila de Sorocaba. No princípio,
a economia da vila era baseada na agricultura de subsistência e conforme novas famílias foram se
instalando no local foi possível o desenvolvimento de outras atividades. Em meados do ano de 1861,
o governo elevou a Vila de Faxina à categoria de cidade, ato que foi oficializado pela Lei Provincial
nº 13 de 20 de julho de 1861 (IBGE, 2020). Após a primeira mudança em seu nome, a cidade passou
a denominar-se Itapeva da Faxina. O nome Itapeva vem do Tupi, e significa pedra achatada. Em 06
de abril de 1872, foi criada a comarca de Itapeva da Faxina, que foi desmembrada da comarca de
249
Botucatu, a qual havia sido integrada desde 1866. Em 1910, houve nova alteração no nome da
cidade, e Itapeva passou a ser chamada de Faxina, o que perdurou até o ano de 1938, quando então,
o nome do município foi mudado para Itapeva, definitivamente (VEIGA, 2014).
No século XIX, a cidade de Itapeva já se apresentava como um polo regional, e nas décadas
de 1930 e 1940, deixou de ser predominantemente agrária e o comércio urbano começou a destacar-
se na economia local. Nesse mesmo período, a cidade passou a receber imigrantes japoneses, árabes,
italianos, alemães, culturas que passaram a influenciar os aspectos locais e surgiram também os
primeiros movimentos para industrialização do município (VEIGA, 2014). Nesse período, as
atividades econômicas desenvolvidas na região de Itapeva, como o plantio do algodão e seu
beneficiamento, a criação e venda de suínos, extração vegetal e mineração, proporcionaram certa
estabilidade e crescimento não só à cidade, mas também aos demais núcleos urbanos da região
(ARAÚJO, 2012).
Figura 01
Conclusões
252
A partir da análise dos dados acerca da política urbana adotada pelo município de Itapeva,
conclui-se que a implantação de loteamentos informais se tornou um problema crônico, que tem
trazido inúmeros prejuízos ao erário, em virtude das multas aplicadas pelo judiciário em função do
descumprimento das decisões que determinam a regularização dos loteamentos clandestinos e que
não são cumpridas pelo Executivo, além do descumprimento do Termos de Ajustamento de Conduta
– TAC celebrados entre o município e o Ministério Público. Mesmo com a criminalização do
parcelamento ilegal de solo, a comercialização de lotes ao arrepio da lei continua sendo uma prática
comercial bastante usual, o que se verifica inclusive nas imobiliárias locais. Além dos prejuízos de
ordem econômica, os moradores desses loteamentos informais também estão expostos a perigos,
quando constroem em áreas de risco, áreas de preservação permanente, além do que não possuem
a segurança jurídica da propriedade, estando sujeitos a eventual despejo.
A regularização fundiária é um elemento indispensável na planificação urbana, uma vez
que definirá as regras urbanísticas, bem como os parâmetros para o regular uso do solo, assim, é
muito importante que os processos de regularização tramitem de forma célere, eficiente, e que sejam
sanados os fatores críticos que a tornam morosa.
É de suma importância que o gestor público insira em sua agenda de governo a questão da
política urbana, que priorize o planejamento urbanístico e o fomento a política habitacional,
paralelamente a isso passe a equipar os órgãos responsáveis pela promoção da regularização
fundiária e pela fiscalização e exercício ativo do poder de polícia, a fim de evitar a expansão urbana
desordenada. No entanto, enquanto o comércio ilegal da terra for um negócio jurídico lucrativo e
que não haja medidas punitivas satisfatórias a clandestinidade se perpetuará no tempo e no espaço.
Referências
ARAÚJO, S. A. C. Conhecer para preservar: Arqueologia e inclusão social na bacia do
Paranapanema superior. 2012. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Disponível em:
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-19062012-141802/en.php> Acesso em:
04. maio. 2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.
BRASIL. Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da
União. Poder Executivo. Brasília, DF, 11 jul.2001, Seção 1 - Eletrônico, p. 1.
BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e
urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a
regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a
eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União e dá outras providências. Diário
Oficial da União. Poder Executivo. Brasília, DF, 11.jul.2017. Seção 1- Eletrônico, p. 1.
253
BUENO, B. P. S. Dilatação dos confins: caminhos, vilas e cidades na formação da Capitania de São
Paulo (1532 -1822). Anais do Museu Paulista . São Paulo, 2017. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/5522/7052. Acesso em: 20.mar. 2022.
DE OLIVEIRA, M. L, REIS, É. V. B. A regularização fundiária urbana e rural: necessidade de
marcos teóricos e de políticas públicas distintos. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 2017.
Disponível em:< https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/40428> Acesso em: 07. maio. 2022.
FERNANDES, E. Direito Urbanístico: objetivos, desafios e relação com a Arquitetura e o
Urbanismo : Reflexões à luz do Estatuto da Cidade. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e
Urbanismo (Online), [S. l.], v. 19, p. 1-9, 2021. DOI: 10.11606/1984-4506.risco.2021.192010.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/192010. Acesso em: 3 dez. 2022.
GONÇALVES, R. S. Repensar a regularização fundiária como política de integração
socioespacial. Estudos Avançados, v. 23, n. 66, p. 237-250, 2009. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/ea/a/qKrxnbhPc46GxzR9vxrCPxH/?format=pdf&lang=pt> Acesso em:
07. maio. 2022.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Biblioteca: Catálogo. 2022 Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=31810&view=detalhes > Acesso em
27.mar. 2022
ITAPEVA. Lei nº 74, de 25 de novembro de 1969. Estabelece o Código de Obras da Prefeitura
Municipal de Itapeva. Disponível em: < https://leismunicipais.com.br/a/sp/i/itapeva/lei-
ordinaria/1969/8/74/lei-ordinaria-n-74-1969-estabelece-o-codigo-de-obras?q=74%2F1969>.
Acesso em: 10. abril. 2022.
ITAPEVA. Lei nº 537, de 04 de novembro de 1991. Dispõe sobre o parcelamento do solo para
fins urbanos no território do Município de Itapeva e dá outras providências. Itapeva: Câmara
Municipal, [2006]. Disponível em: <https://www.camaraitapeva.sp.gov.br/atividade-
legislativa/lei/detalhamento/2413/>. Acesso em: 10. abril. 2022.
ITAPEVA. Lei nº 2.499, de 18 de novembro de 2006. Institui o plano diretor municipal e
estabelece as diretrizes e proposições de desenvolvimento no município de Itapeva. Itapeva: Câmara
Municipal, [2006]. Disponível em: <https://www.camaraitapeva.sp.gov.br/atividade-
legislativa/lei/detalhamento/1496/> Acesso em: 10. abril. 2022.
ITAPEVA. Lei nº 2.651, de 08 de outubro de 2007. Institui o Código de Posturas de Itapeva e dá
outras providências. Itapeva: Câmara Municipal, [2007]. Disponível em: <
https://www.camaraitapeva.sp.gov.br/atividade-legislativa/lei/detalhamento/1654/> Acesso em:
10. abril. 2022.
ITAPEVA. Lei nº 2.520, de 13 de janeiro de 2007. DISPÕE sobre o Zoneamento, Uso do Solo e
Ocupação do Solo do Município de Itapeva e dá outras providências. Itapeva: Câmara Municipal,
[2007]. Disponível em: < https://www.camaraitapeva.sp.gov.br/atividade-
legislativa/lei/detalhamento/1530/> Acesso em 10.abril. 2022.
ROLNIK, R. A construção de uma política fundiária e de planejamento urbano para o país: avanços
e desafios. Cadernos ipea: Políticas Sociais-acompanhamento e análise, v. 12, p. 199-210, 2006.
Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/4507 > Acesso em: 10. abr. 2022.
SANTIN, R., COMINAN, R. Direito urbanístico e regularização fundiária. RDC, 2018. Disponível
em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/32734/26014> Acesso em:
12.mar. 2022.
TARTUCE, F. A lei da regularização fundiária (Lei 13.465/2017): análise inicial de suas principais
repercussões para o direito de propriedade. Pensar-Revista de Ciências Jurídicas, v. 23, n. 3,
2018. Disponível em: < https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/7800> Acesso em: 07. maio.
2022.
254
73
UNESP RIO CLARO. Doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista (UNESP –
Rio Claro), e-mail: [email protected]
74 UNESP FRANCA. Doutor em Educação Escolar na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP)- Campus de Araraquara (2010). E-mail: [email protected]
75
PROGRIG. Pesquisador da Sociedade Civil Organizada Protetores da Bacia do Rio Grande (PROBRIG) de Ibiraci
– MG. E-mail: [email protected]
76
UNESP FRANCA. Graduada em Ciências Biológicas (UNIFRAN). Mestranda em Planejamento e Análise de
Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – Franca), e-mail: [email protected]
256
de outros projetos e incentiva pesquisas e discussões acerca do assunto, no caso desta pesquisa, o
confronto dos Fortes Mineiro e Paulista para a determinação da divisa entre São Paulo e Minas
Gerais em Ibiraci - MG.
José da Franca e Horta, autorizou o Capitão Hipólito Antônio Pinheiro a construir um Quartel de
Guardas no Aterrado, para garantir as divisas da Capitania paulista com a de Minas Gerais, estava
oficializando o início de um processo de conflito por posse de terra, dentro da Colônia, que durou
onze anos, já que logo em seguida à instalação do Quartel paulista do Aterrado, em 1807 foi
instalado, a cerca de 1.000 metros de distância, um Quartel mineiro e ambos desempenharam sua
função de vigilância da fronteira, até que em 12 de janeiro, de 1816, por ordem do Rei D. João VI,
conforme se depreende pela carta patente do Cap. Felizardo Antunes Cintra, expedida pelo
Governador Mineiro, Dom Manuel de Portugal e Castro, as forças portuguesas e mineiras,
“deitarem abaixo” o Quartel paulista, arrancando o marco de divisa e colocando-o seis léguas
adentro da Capitania paulista, nas margens do rio Canoas.
Controvérsias sobre o assunto foram proibidas a partir de então, pois segundo ordens reais
“[ ]... todos eram vassalos do mesmo Senhor”, todas as evidências foram destruídas para que não
restassem vestígios de um conflito entre irmãos, segundo Sua Majestade. Ação desempenhada com
tanta eficiência que francanos e ibiracienses praticamente desconheciam toda esta história, ainda
que fartamente documentada. A certidão do Marco n° 1 (marco entre Ibiraci e Franca) foi cravada
apenas em 1937 pela Comissão de Limites São Paulo Minas (BERTELLI, LOPES & LIMONTI,
2019).
Desenvolvimento da pesquisa
A pesquisa foi iniciada pela Organização da Sociedade Civil Protetores da Bacia do Rio
Grande - PROBRIG, a partir de 2004, para reconstituição da história do município de Ibiraci, foram
surgindo as evidências do evento, com rica cartografia, correspondência e documentos oficiais,
conforme pode-se atestar pela história de Ibiraci e bibliografia referente (em Histórico do
Município). Nas pesquisas de campo, foi detectada uma construção, erigida posteriormente, que se
transformou em marco remanescente desta História – a Capela de Nossa Senhora Aparecida, erigida
no Morro dos Quartéis. De acordo com a pesquisa da PROBRIG, o Quartel paulista, em cuja área
encontra-se próximo a Capela, era guarnecido por 12 Soldados de Linha e um Sargento, conforme
correspondência entre José dos Santos Cruz e o Governador de São Paulo, João Carlos Augusto von
Oeynhausen-Gravenburg, em 10 de março de 1820.
Quase 120 anos após a tomada do Quartel paulista pelos mineiros, em 1932, a região do
conflito pertencia à propriedade do Sr. Baldoíno França e tinha sido registrada em cartório com o
nome de “Fazenda Quartéis”, referência clara aos poucos sinais físicos das instalações militares de
um século atrás. À época, um de seus filhos estudava medicina em Belo Horizonte e a pedido de
sua esposa, devota de Nossa Senhora Aparecida, atendendo ao compromisso de uma promessa
pessoal, o fazendeiro erigiu uma pequena capela num dos locais de visão estratégica em sua
propriedade. Do local escolhido, avista-se a área onde existiu o Quartel paulista e na vertente oposta,
258
onde também existiu o Quartel mineiro. Além disto, avista-se toda a calha do Ribeirão
Maçaranduba, que é um dos formadores do rio Sapucayzinho, estendendo a vista obtida do local a
mais de 100 quilômetros de distância.
Em entrevistas efetuadas pela PROBRIG, ao pesquisar a história de Ibiraci, percebeu-se que
os moradores do local tinham informações nebulosas e esparsas sobre a origem da toponímia do
local, “Fazenda Quartéis” e Morro dos Quartéis. Alguns declararam que, tinham ouvido dizer, dos
mais antigos, que ali acontecera uma batalha, há muito tempo. Outros diziam que tropas, em
passagem pelo local, se aquartelaram na região por algum tempo, etc. Na realidade, a construção
dos quartéis foi fartamente documentada, tanto pela cartografia, quanto pela correspondência entre
o Conde de Palma, governador da Capitania de São Paulo e o governador de Minas Gerais, Dom
Manuel de Portugal e Castro, trocada à época da ocupação da área pelos mineiros. Também a
Câmara de Franca, durante mais de 50 anos reivindicou, junto à Presidência da Província de São
Paulo e à Corte Imperial no Rio de Janeiro, a restituição da posse da área, em longos textos
documentais com respectivos mapas da região do conflito.
A Capela de Nossa Senhora Aparecida do Morro dos Quartéis foi tombada pelo Decreto n°
4.839, de 04 de novembro de 2021, em seu artigo 2° afirma que deve ser inscrito no Livro de Tombo
Histórico, na categoria de Bem Imóvel (BI).
O patrimônio histórico, em forma de construções, vem manter viva uma herança intelectual
e cultural de civilizações anteriores à atualidade, porque é o testemunho vivo e tangível de épocas
passadas, e faz com que se possa entender os fatos mediante um aprimoramento no contexto físico
da época, dos costumes, pensamentos e o próprio cotidiano das gerações passadas (CARMO, 2006).
Em conformidade com essa afirmação, o patrimônio histórico, descrito como um conjunto de bens
e valores representativos de uma nação deve ser entendido como herança de um povo e, portanto, é
preciso que seja visto cada vez mais como uma questão da sociedade, e não apenas do poder público
(PAIÃO, 2010).
Quanto a legislação brasileira, a Lei Federal n° 378 de janeiro de 1937, que dá nova
organização ao Ministério da educação e Saúde Pública e, em seu artigo 46° cria o Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atualmente conhecido como IPHAN, com a
finalidade de promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o
enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional. Em novembro do
mesmo ano, foi realizado o Decreto-lei federal n°25/1937 que organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional. De acordo com o artigo 1° desse decreto:
Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
A Constituição Brasileira de 1988, determina a respeito do patrimônio histórico:
259
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis
existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico (Constituição de 1988, art.216).
A arqueologia permite um olhar crítico por fornecer estudos que procuram mais que a
simples coleta de artefatos, possibilitando interpretações e a valorização dos bens sociais e o
patrimônio material das comunidades (ORSER, 1992). Conforme a legislação vigente no país, a Lei
Federal nº 3924 de 1961 dispõem sobre os locais pré-históricos e históricos, estes locais são bens
da União e devem ser objetos de pesquisa e proteção. Sítio arqueológico é definido como sendo “o
local físico ou conjunto de locais onde membros de uma comunidade viveram, garantiram sua
subsistência e exerceram suas funções sociais em dado período de tempo” (Chang, 1968 apud.
IGPlan, 2005 p.2). É marcado pela permanência de partes de um contexto geral, alterado pelos
eventos integrados na conservação dos vestígios. Salvamento Arqueológico é a etapa da escavação
de um sítio arqueológico, já identificado, que sofrerá ou já sofreu algum tipo de dano pela ocupação
da área em que se encontra. Para o salvamento de um sítio, é necessário mapeamento disponível da
área, com a disposição de suas partes, e informações históricas obtidas, assim, orienta os trabalhos
de campo (LUNA; NASCIMENTO, 2009).
O Inventário patrimonial é a verificação física de todos os bens patrimoniais, como também
sua localização, número do patrimônio, descrição e caracterização desses bens e condição de uso e
estado de conservação (INSTITUTO FEDERAL, 2021). O arquivo histórico possui como principais
características e funções, de acordo com Bellotto: “Os arquivos públicos existem com a função
precípua de recolher, custodiar, preservar e organizar fundos documentais originados na área
governamental, transferindo-lhes informações de modo a servir ao administrador, ao cidadão e ao
260
Quartel Paulista
Quartel Mineiro
Imagem 1. Foto panorâmica com localização dos quartéis e da Capela. Fonte: Google, 2022, alterado pelos autores.
Quartel Paulista
Quartel Mineiro
Foto 1. Capela com vista para os quartéis mineiro e paulista. Fonte: Autores, 2022.
Sabe-se que a Capela dos Quartéis já é um bem tombado no município de Ibiraci, podendo,
portanto, ser feito o arquivo histórico. Entretanto, a localização dos quartéis foi pouco desbravada
neste contexto, mesmo evidenciada a partir da pesquisa histórica. Sabendo que para o início de um
salvamento arqueológico é necessário da localização e mapeamento do local, este trabalho poderá
auxiliar para futuros projetos de inventário, tombamento, salvamento e, por fim, arquivamento das
evidencias materiais dos quartéis em um centro de arquivo cultural e patrimonial municipal de
Ibiraci - MG.
Considerações finais
A busca pela história de um local é importante para a identidade da sociedade em que está
inserida nele, é nessa descoberta que a identidade do presente se concilia com o passado e torna-se
a cultura existente. A perda de muitos fatores históricos se dá devido ao descuido com o território
o qual ocorreram os acontecimentos passados, a localização dos quartéis por exemplo,
aparentemente pouco investigada, pode fornecer apontamentos a respeito da história de Ibiraci e
Franca e os estados paulista e mineiro.
Neste sentido, o atual território do município de Ibiraci foi palco de uma batalha entre os
estados de São Paulo e Minas Gerais, sendo, portanto, um marco histórico interestadual de
relevância nacional. Dessa forma, o que até então a região rural dos quartéis é um território
antropizado, com ações de Políticas Públicas poderá se tornar um sítio arqueológico, visto que,
como já demonstrado, representa um grande potencial de estudos no campo da História regional.
Referências
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. 4. ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2006.
Reflexões sobre a História do Médio Rio Grande: Ontem e hoje. BERTELLI, Célio; LOPES,
Matheus Fernandes Alves; PRADO, Vinícius Amorim. (orgs.) p.8-25. Franca: Museu Histórico
Municipal “José Chiachiri”, 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
BRASIL. Decreto – Lei n° 25, de 30 de Novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional.
BRASIL. Lei n° 378, de 13 de Janeiro de 1937. Dá nova, organização ao Ministerio da Educação
e Saude Publica.
BRASIL. Lei n°3.924, de 26 de Julho de 1961. Dispõe sôbre os monumentos arqueológicos e pré-
históricos.
CARMO, Valéria Zanetti de Almeida. A IMPORTÂNCIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
JOSEENSE, 2006.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. – São Paulo: Atlas, 2002.
HARVEY, David (2001) Spaces of Capital: Towards a Critical Geography [A Produção
262
77
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Graduado em Engenharia Ambiental. [email protected]
78
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora Ass. Doutora - UNESP. Doutorado em Ciências da Engenharia
Ambiental (EESC/USP). Pós-doutorado Empresarial em Ciências Ambientais – CNPq. [email protected]
79
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre e Doutorando em Tecnologia. [email protected].
80
Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ensino das Ciências Ambientais. [email protected]
81
Universidade Estadual Paulista (UNICAMP). Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas.
[email protected].
264
ambientais e sociais, como proliferação de insetos e outros vetores, o que contribui para problemas
de saúde pública.
Portanto, é cada vez mais necessário um olhar mais técnico e cauteloso para o gerenciamento
de Resíduos Sólidos, amparado por políticas públicas. Porém, até 2002, não havia nenhuma política
pública específica para o gerenciamento de RCD no país. Com a Resolução 307 do CONAMA
foram estabelecidas diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção
civil (BRASIL, 2002).
A complexidade do gerenciamento deste tipo de resíduo é observada nesta mesma resolução,
pois separa os tipos de RCD gerados em 4 classes, o que atesta uma variedade de 14 fatores como:
composição, local de geração e periculosidade do mesmo. Outro fator que aponta a importância de
um manejo adequado deste resíduo, é a relação RCD/RSU nos municípios, de acordo com o
Panorama da ABRELPE de 2021, cerca de 62% da totalidade de resíduos sólidos gerados nos
municípios, são RCD (ABRELPE, 2021).
A Lei Federal 12.305/2010 – Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) foi um marco,
pois atribuiu diretrizes para o gerenciamento de resíduos sólidos, as responsabilidades dos geradores
e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis, como o Plano Municipal de Gestão
Integrada, que a sua elaboração é condição para que os municípios recebam recursos da União para
o manejo dos resíduos sólidos e serviços de limpeza urbana (BRASIL, 2010).
O objetivo deste trabalho foi diagnosticar e analisar o gerenciamento dos Resíduos de
Construção e Demolição na cidade de Limeira/SP, atestar o cenário, entender como o município
atua nesta vertente, analisar as metas estabelecidas no Plano Municipal de Gestão dos Resíduos da
Construção Civil, e com isso gerar uma atualização da situação do gerenciamento no município e
propor possíveis melhorias. Juntamente com os resultados do questionário “Gerenciamento de
Resíduos Sólidos - Municípios do Estado de São Paulo” (MORAES, 2021), verificar a existência
de leis, fiscalizações, locais ambientalmente adequados para disposição final, e demais estatísticas
relacionadas ao gerenciamento do RCD nos municípios.
sancionada em 2 de agosto de 2010, a Lei 12.305 aborda definições, disposições gerais, objetivos,
diretrizes, princípios e instrumentos a serem aplicados no gerenciamento dos resíduos sólidos no
país, atribui a responsabilidade dos resíduos (BRASIL, 2010).
A complexidade de um resíduo é atestada pela própria PNRS, que determina 11 tipos de
resíduos: Resíduos Domiciliares, Resíduos de Limpeza Urbana, Resíduos Sólidos Urbanos,
Resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, Resíduos dos serviços públicos
de saneamento básico, Resíduos Industriais, Resíduos de Serviços de Saúde, Resíduos de
Construção e Demolição, Resíduos agrossilvopastoris, Resíduos de serviços de transportes e
Resíduos de mineração.
Os mesmos também são classificados de acordo com seu grau de periculosidade, a norma
ABNT 10.004/2004 os separa em: Resíduos Perigosos, Resíduos Não Perigosos, Resíduos Não
Inertes e Resíduos Inertes. Este trabalho tem como foco a vertente dos Resíduos de Construção e
Demolição. Marques Neto (2005 apud Ribeiro, 2013) define o RCD como todo rejeito de material
utilizado na execução de etapas de obras de construção civil, reformas, reparos, restaurações,
demolições e obras de infraestrutura.
Com a crescente da urbanização e tecnologia, a geração do RCD aumentou
exponencialmente. No Brasil, a principal legislação relacionada a esta vertente é a Resolução
CONAMA nº 307, que estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos
da construção civil, atribui responsabilidades aos municípios para implementação de Planos
Municipais de Gestão dos Resíduos da Construção Civil. (BRASIL, 2002).
Devido ao fato de existirem muitas fontes e possibilidades de geração, esse tipo de resíduo
é separado em 4 classes, todas caracterizadas em resoluções do CONAMA. Classe A - Resíduos
reutilizáveis ou recicláveis como agregados (BRASIL, 2002); Classe B - Resíduos recicláveis para
outras destinações (BRASIL, 2015); Classe C - Resíduos para os quais não foram desenvolvidas
tecnologias ou aplicações economicamente viáveis (BRASIL, 2011); e Classe D - Resíduos
perigosos (BRASIL, 2004).
De acordo com Marques Neto (2009), a geração do RCD está relacionada a fatores como:
ausência de gestão do mesmo nos canteiros de obras, mão de obra despreparada no que diz respeito
ao gerenciamento dos resíduos; perdas e desperdícios de materiais em razão de projetos pouco
otimizados e métodos ineficazes; e consumo excessivo de recursos naturais por
superdimensionamento de serviços da construção.
Várias são as fontes de geração do RCD. Por exemplo, a falta de qualidade dos bens e
serviços, no setor da construção, pode dar origem às perdas de materiais, que saem das obras em
forma de entulho e contribuem sobremaneira no volume de resíduos gerados. Por outro lado,
existem ainda as perdas que não saem da edificação, que podem levar ao mau funcionamento das
mesmas e acabam por acarretar o aparecimento de manifestações patológicas. Deste modo, há uma
266
redução da vida útil das estruturas que necessitarão de manutenção mais frequente, vindo também
a propiciar maior consumo de matéria prima e geração de resíduos (LEITE, 2001).
Para realizar um diagnóstico da situação atual do Gerenciamento de Resíduos Sólidos no
estado de São Paulo, e atestar o cumprimento da PNRS, Resoluções CONAMA, e o cumprimento
e/ou criação de legislações municipais, no Estado de São Paulo, foram utilizadas respostas do
questionário intitulado “Gerenciamento de Resíduos Sólidos” aos municípios paulistas, realizado
como parte da pesquisa “Política Nacional de Resíduos Sólidos: Proposta Metodológica com o Uso
de Instrumentos Legais, Administrativos e Tecnológicos como Subsídio para sua Implementação e
Gerenciamento Sustentável” (MORAES, 2019; MORAES, 2021).
A pesquisa é composta por 155 questões, foram consideradas as respostas obtidas entre os
dias 22 de fevereiro de 2021 e 2 de fevereiro de 2022, totalizando a participação de 214 municípios,
o que corresponde a 33,17% das cidades do Estado de São Paulo. A pesquisa foi enviada através de
formulário elaborado no google forms (MORAES, 2021).
Para a absorção do conhecimento e obtenção de dados sobre o gerenciamento do RCD no
município de Limeira, houve a busca por números relacionados à coleta deste tipo de resíduos,
visitas a Ecopontos para compreender como é a estrutura e o funcionamento das unidades, além da
obtenção de documentos adquiridos com o recurso da Lei nº12527/2011 - Lei de Acesso à
Informação. Decorrendo deste recurso foi possível obter juntamente a Secretaria Municipal de
Serviços Públicos, os números mensais dos últimos três anos da disposição de RCD no aterro
sanitário do município, entender como é realizada a coleta do RCD nos Ecopontos e em pontos de
descarte irregular, e o custo do m³ de RCD, para disposição no aterro. Já com a Secretaria Municipal
de Urbanismo foi possível obter os números relacionados à Alvarás de Construção, Alvarás de
Demolição e Habite-se , além do relatório de áreas aprovadas para a execução destas obras. O
município faz parte dos 214 municípios que responderam o questionário “Gerenciamento de
Resíduos Sólidos Municípios do Estado de São Paulo”, portanto os resultados desta pesquisa,
também contribuem para a realização do estudo de caso de Limeira.
Para entender o cenário do gerenciamento de RCD na cidade, foi necessário primeiro
entender as políticas públicas sancionadas pelo município, as leis relacionadas aos RCD, e as
respostas obtidas com o Questionário junto a Prefeitura Municipal de Limeira. O município assim
como foi possível atestar no questionário, e na pesquisa bibliográfica, possui legislações
relacionadas ao gerenciamento de RCD.
Outra ferramenta fundamental é o Plano Municipal de Gestão de Resíduos da Construção
Civil (PMGRCC), que foi elaborado em 2015, com o objetivo de reunir informações, caracterizar,
estabelecer um diagnóstico da situação dos RCD na cidade, atribuir metas para a evolução do
gerenciamento dos mesmos, e com isso gerar reflexões para melhorias futuras. Este plano, a partir
da elaboração, passou a ser a referência no município para esta vertente de resíduos sólidos. O plano
267
é amparado pelas Resoluções CONAMA, como a 307, 348 e 448 e normas ABNT, como a
15.114/2004 e 15.116/2004, relacionadas à construção civil, que como visto nos capítulos
anteriores, estabelece diretrizes para o gerenciamento dos RCD.
O município destina uma parcela da área do Aterro Sanitário para a destinação do RCD, que
se chama Aterro de RCC Classe A, com uma área total de 10.000m² (LIMEIRA, 2015). De 2005 a
2017, a quantidade média per capita de RCC gerenciado pela Prefeitura foi de 1,45 kg/habitante/dia,
o que corresponde aos resíduos coletados por 14 empresas transportadoras de RCC e entregues no
Complexo Municipal de Aterros, às quantidades entregues pelos munícipes e transportadores
autônomos diretamente no aterro e nos Ecopontos, à fração gerada nas obras da própria Prefeitura,
e às quantidades coletadas pela empresa terceirizada que realiza a limpeza urbana e remove entulho
das áreas de descarte irregular (ROSADO e PENTEADO, 2020).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a estimativa da
população na cidade de Limeira em 2021 é de 310.783 habitantes (IBGE, 2022). Com esta
informação, juntamente com os dados oficiais relacionados a disposição de RCD no aterro do
município, temos que a geração per capita de RCD é de aproximadamente 1,55 kg/hab/dia.
Uma política pública fundamental para a evolução no gerenciamento do RCD no município,
e que foi criada com o intuito de cumprir a Resolução 307 do CONAMA, são os Ecopontos.
Inaugurados em 2006, deste período até a elaboração do Plano Municipal de Saneamento do
Município de Limeira (PMS) em 2014, foi constatado uma diminuição de 51% das áreas do descarte
irregular de RCD (DALFRÉ, 2014).
Atualmente existem 11 Ecopontos no município, que operam no seguinte horário de
funcionamento: Segunda a Sábado, das 7h30 às 18h. O habitante pode descartar 1m³ por dia nas
caçambas, de forma gratuita. A Prefeitura Municipal de Limeira não realiza o controle da geração
de RCD nos Ecopontos, a coleta dos mesmos realizada por uma empresa terceirizada, com 4
caminhões basculantes de 6m³ que transportam o RCD coletado para o devido espaço destinado, o
Aterro de RCD Classe A (LIMEIRA, 2021).
A retirada acontece de acordo com a quantidade descartada, portanto não há uma informação
precisa sobre os números diários, mensais e anuais. O custo para o descarte de RCD no aterro é de
R$ 25,00/m³. Desde 2015 existe um valor diferenciado para caçambas contendo RCC misturados
com outros tipos de resíduos (R$ 110,00/m³), já que estes resíduos devem ser dispostos no aterro
sanitário, devido ao risco de contaminação (ROSADO e PENTEADO, 2020).
Conclusões
O objetivo deste trabalho foi buscar, a partir de diferentes legislações, porém com o foco
principal na Política Nacional de Resíduos Sólidos, e a Resolução 307 do CONAMA, que é a
referência e principal legislação relacionada aos Resíduos de Construção e Demolição (RCD) no
268
municipal.
Este estudo reforça ainda mais a necessidade de um maior investimento, cumprimento e
rigor das políticas públicas relacionadas, para com isso aumentar os pontos de entrega voluntária
de RCD, como os Ecopontos, uma maior eficiência nos canteiros de obras, a criação de uma ATT
e o aumento da reutilização e reciclagem do RCD. Por fim, este trabalho pode ser utilizado como
referência para entender o cenário do RCD no município, e com todas as informações inseridas
relacionadas ao gerenciamento do mesmo em âmbito federal e estadual, juntamente com os dados
obtidos no questionário respondido por um terço dos municípios do Estado de São Paulo, utilizá-lo
como diretriz para a aplicação de políticas públicas e inserção de novas tecnologias para que sejam
aplicadas no município de Limeira/SP.
Referências
ABRELPE - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E
RESÍDUOS ESPECIAIS. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2021. São Paulo:
ABRELPE, 2021.
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução CONAMA nº 307, de
05 de julho de 2002. Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da
Construção Civil.
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução CONAMA nº 307, de
05 de julho de 2002. Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da
Construção Civil.
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução CONAMA nº 348, de
16 de agosto de 2004. Altera a Resolução CONAMA nº 307, de 5 de julho de 2002, incluindo o
amianto na classe de resíduos perigosos.
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução CONAMA nº 431, de
24 de maio de 2011. Altera o art. 3º da Resolução nº 307, de 5 de julho de 2002, do Conselho
Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, estabelecendo nova classificação para o gesso.
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução CONAMA nº 469, de
29 de julho de 2015. Altera o art. 3º da Resolução CONAMA nº 307, de 05 de julho de 2002, que
estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil.
BRASIL. Lei nº 12305 de 02 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Institui a
Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras
providências.
DALFRÉ, R. R. Diagnóstico da Situação dos Ecopontos no Município de Limeira - SP. Trabalho
de Conclusão de Curso. Instituto Superior de Ciências Aplicadas - ISCA - Limeira, 2014.
FIGUEIREDO, Paulo Jorge Moraes et al. Os resíduos sólidos e sua significação frente ao impasse
ambiental e energético da atualidade. 1992.
FIORE, Fabiana Alves et al. A gestão municipal de resíduos sólidos por meio de redes técnicas.
2013.
GOUVEIA, N. Resíduos sólidos urbanos: impactos socioambientais e perspectiva de manejo
sustentável com inclusão social. Revista Ciências e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.17, n. 6, p.
1503-1510, jun. 2012.
270
Célio Bertelli82
Caroline C Barbosa83
Victor Hugo B. O Bolzan84
Introdução
O estado de São Paulo é divididoem 21 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(UGRHI), sendo cada uma administrada por um Comitê de Bacia (MARTINS e LIMA, 2017). A
Bacia dos rios Sapucaí Mirim/Grande, na vertente paulista, é gerenciado pelo Comitê de Bacia
Hidrográfica (CBH) Sapucaí Mirim/Grande (UGRHI 8), de acordo com a Lei n° 9.034/1994, que
dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos Hídricos para o biênio 1994/95.
De acordo com o Relatório de Situação da CBH-SMG (2008) a bacia possui áreas com alta
susceptibilidade a erosão devido sua formação geológica e geomorfológica, especialmente nos
municípios de Franca, Pedregulho, Patrocínio Paulista, Restinga e Itirapuã. A bacia não possui
remanescente de vegetação nativa suficiente para a proteção do solo, o que ocasiona no
carregamento de águas pluviais com sedimentos, provocando erosão e obstrução de nascentes.
Portanto, este trabalho pretende propor a aplicação de Políticas Públicas no Pagamento por
Serviços Ambientais na Bacia do Sapucaí Mirim/Grande como instrumento de recuperação,
proteção e conservação de recursos hídricos.
Desenvolvimento
Processos Metodológicos
Pesquisa qualitativa exploratória, baseado na legislação vigente, carta temática de uso e
ocupação da Bacia Hidrográfica dos Rios Sapucaí Mirim/Grande do lado paulista, para
caracterização de vegetação nativa dos municípios que utilizam de águas superficiais para
abastecimento público. Segundo Gil (2002), a metodologia qualitativa estimula a abertura de
outros projetos que possam incentivar e aprofundar as discussões acerca do assunto principal, no
caso do presente projeto, a aplicação do Pagamento por Serviços Ambientais na Bacia do Sapucaí
Mirim/Grande como instrumento para recuperação, proteção e conservação dos recursos hídricos
e promover a sustentabilidade.
82
UNESP FRANCA. Doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – Rio
Claro), e-mail: [email protected]
83
UNESP FRANCA. Graduada em Ciências Biológicas (UNIFRAN). Mestranda em Planejamento e Análise de
Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – Franca), e-mail: [email protected]
84
FAFRAM. Graduado em Engenharia Civil (Uni-FACEF). Pós-graduando em Gestão de Recursos Hídricos pela
Faculdade de Ituverava "Dr. Francisco Maeda"- FAFRAM, e-mail: [email protected]
272
Referencial Teórico
A conscientização da importância da conservação dos recursos hídricos demonstrou
evolução a partir da criação da Política Nacional de Recursos Hídricos, em 1997, pela Lei Federal
n° 9.433 que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos. Já nos anos 2000, é criada a Lei
Federal n° 9.984, que cria a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. NoEstado de São
Paulo, o Plano Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos
estabeleceu-se em 1987, a partir do Decreto n° 27.576 e, em 2016, instituiu-se o Plano Estadual
de Recursos Hídricos – PERH pela Lei Estadual n° 16.337.
A Lei Federal n° 12.651 de 2012, afirma em seu Artigo 3°, inciso II, que Área de
Preservação Permanente (APP) é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar
das populações humanas. Além das faixas marginais de cursos d’agua, o artigo 4° da mesma lei,
considera APP, em zonas rurais e urbanas, para efeitos da lei:
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100
(cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da
curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação
sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado
por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do
ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que
seja a vegetação;
De acordo com Crestana, et al. (1993), a Mata Ciliar é encontrada em todos os biomas do
Brasil, e tem como principal característica ser uma vegetação que cresce nas margens de nascentes,
rios, córregos, represase lagos, assim, protege e mantém limpa as fontes de água. Esse ecossistema
possui um papel fundamental para a restauração, proteção e conservação da água, reduz as perdas
do solo ocorridas através de processos erosivos e de solapamento das margens de rios, proporciona
refúgio e é fonte de alimentação para a fauna silvestre e aquática, assegura a perenidade das fontes
e nascentes (CRESTANA, et al., 1993).
Uma forma de incentivar a proteção, restauração e conservação dos recursos hídricos, e
consequentemente de outros recursos como o solo e o ar, é a promoção de uma recompensa
monetária aos proprietários rurais, detentores de terras com vegetação nativa, que prestarem
Serviços Ambientais.
Para Wunder (2015), o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) pode ser definido como
“transações voluntárias entre usuários e provedores de serviços que são condicionados a regras
acordadas de gestão de recursos naturais para a geração de serviços externos ao seu território”.
Esse processo está ligado ao princípio protetor-recebedor, que contrapõe o princípio poluidor-
pagador. O princípio protetor- recebedor incentiva a conservação de áreas que possibilitem a
melhoria da qualidade e quantidade dos cursos d’água (YOUNG et al., 2012). Portanto, o
Pagamento por Serviços Ambientais age de forma influenciadora dos agentes econômicos para
que estes permitam a manutenção do fornecimento de serviços dos agentes ecossistêmicos, através
de incentivos financeiros (MATSUOKA, 2019).
A Lei Federal 14.119/2021, que Institui o Pagamento por Serviços Ambientais, afirma em
seu Artigo 2°, inciso II e III, que serviços ecossistêmicos são benefícios importantes para a
sociedade gerados pelos ecossistemas e serviços ambientais são atividades individuais ou coletivas
que fornecem manutenção, recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos.
Ainda de acordo com a Lei, descreve o PSA em seu artigo IV como:
IV - pagamento por serviços ambientais: transação de natureza voluntária,
mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor
desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas
condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares
pertinentes.
Os que prestam serviços e os pagadores por esses serviços são estabelecidos nos incisos V
e VI, o qual afirmam:
V - pagador de serviços ambientais: poder público, organização da sociedade civil
ou agente privado, pessoa física ou jurídica, de âmbito nacional ou internacional,
que provê o pagamento dos serviços ambientais nos termos do inciso IV deste
caput ;
VI - provedor de serviços ambientais: pessoa física ou jurídica, de direito público
ou privado, ou grupo familiar ou comunitário que, preenchidos os critérios de
elegibilidade, mantém, recupera ou melhora as condições ambientais dos
ecossistemas.
274
Em São Paulo, foi criada a Lei Estadual 13.798/2009, que institui a Política Estadual de
Mudanças Climáticas – PEMC. Em seu artigo 23, declara que o Poder Executivo instituirá,
mediante decreto, o Programa de Remanescentes Florestais, sob coordenação da Secretaria do
Meio Ambiente, com o objetivo de fomentar a delimitação, demarcação e recuperação de matas
ciliares e outros tipos de fragmentos florestais, podendo prever, para consecução de suas
finalidades, o Pagamento por Serviços Ambientais aos proprietários rurais conservacionistas, bem
como incentivos econômicos a políticas voluntárias de redução de desmatamento e proteção
ambiental.
Em Extrema-MG, no ano de 2003, foi aplicado o Programa Conservador de Águas, em
parceria com a Agência Nacional da Água, derivado do Programa Produtor de Água, como
também com outras instituições e empresas de setor privado (JARDIM & BURSZITYN, 2015).
Este programa tem como principais objetivos: aumentar a cobertura vegetal nas sub-bacias
hidrográficas e implantar corredores ecológicos; reduzir os níveis de poluição rural decorrentes
dos processos de sedimentação e eutrofização e de falta de saneamento ambiental; evidenciar o
conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água na bacia hidrográfica do Rio Jaguari e
garantir a sustentabilidade socioeconômica e ambiental dos manejos e práticas implantadas, por
meio de incentivos financeiros aos proprietários rurais (PEREIRA et al., 2010).
Para fins legais, foi considerado o valor de referencia pago por hectare/ano para o
proprietário rural participante do Programa, estipulado em 100 Unidades Fiscais de Extrema
(UFEX) da época, correspondendo a R$ 141,00. Dessa forma, o proprietário receberia um valor
maior do que receberia no arrendamento de pasto, atividade mais comum na época no município
(BURSZITYN, 2015). Atualizando este dado, o Decreto Municipal n°4.084 de 27 de setembro de
2021, determina que o valor da UFEX para o ano de 2022 é de R$ 3,44, ou seja, o valor pago para
os proprietários é de R$344,00. O valor de Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP) é R$
31,97 (SÃO PAULO, 2022).
Quanto as áreas consolidadas, de acordo com a Lei Federal n° 12.651/2012, em seu artigo
3°, inciso IV as descreve como: “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de
julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último
caso, a adoção do regime de pousio”. Em seu Artigo 61 afirma: “Nas Áreas de Preservação
Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de
ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.” O Sistema
Agrossilvipastoril é um modelo que possui em sua estrutura componentes: Florestal, agrícola,
pastagem e animal. Este sistema contribui para o aumento da fertilidade do solo, diminui a
dependência de produtos químicos, melhora a capacidade produtiva dos animais e das pastagens,
além de diversificar a geração de renda (OLIVEIRA et al., 2003).
275
A respeito dos imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação
Permanente, a lei determina, no artigo 61, que será obrigatória a recomposição das respectivas
faixas marginais, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do
curso d’água, conforme tabela a seguir (tabela 1):
Tabela 1. Recomposição de vegetação separadas por quantidade de módulo fiscal. Fonte: Lei
12.651/2012.
Até 1 módulo fiscal 5,00 metros
1 – 2 módulos fiscais 8,00 metros
2 - 4 módulos fiscais 15,00 metros
+ de 4 módulos fiscais 20,00 a 100,00 metros
A vazão Q7,10 é entendida como valor anual da média de 7 vazões diárias consecutivas que
pode ser repetida, em média, uma vez a cada dez anos (VON SPERLING, 2007).
Foi possível perceber que os rios que fazem parte da Bacia e são utilizados para a captação
de águas superficiais em maior escala são: Rio Canoas, Ribeirão Pouso Alegre, Ribeirão do Jardim
e Ribeirão das Pedras, e a demanda total ultrapassa o valor determinado do Q 7,10. Demonstrando
assim, a necessidade de projetos que incentivem a restauração, proteção e conservação dos
recursos hídricos.
Resultados e Discussão
O Sistema Agrossilvipastoril é um modelo que possui em sua estrutura componentes:
Florestal, agrícola, pastagem e animal. Portanto, para aplicação do PSA, foram consideradas áreas
de interesse aquelas que mantém as atividades agrossilvipastoril, em conformidade com a lei, assim
como Extrema-MG, principalmente as áreas de pastagem.
Considerando o caso de Extrema – MG, o valor da UFEX para o ano de 2022 é de R$ 3,44,
ou seja, o valor pago para os proprietários é de R$344,00. No caso da Bacia, foi levantado o Valor
276
de Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP), sendo R$ 31,97 no ano de 2022, portanto
devem ser pagos 10 UFESP, que equivalem à aproximadamente 100 UFEX, ou seja, o valor a ser
pago por hectare/ano ao proprietário rural incluído na área da Bacia do Sapucaí Mirim/Grande
com APP em volta de corpos d’água seria de R$ 319,70 para o ano de 2022.
Conclusão
O PSA fornece uma fonte de renda ao proprietário rural, incentivando estes a prestarem
serviços que favorecem a qualidade e quantidade dos recursos hídricos que são utilizados para
abastecimento público. Espera-se com essa pesquisa uma melhor conscientização da população
urbana e rural quanto a importância dos recursos hídricos, assim como proteção e conservação da
vegetação nativa para a manutenção dos mananciais de abastecimento público, proteção e
conservação da fauna e flora, conexão dos corredores ecológicos promovendo fluxo gênico e
atendendo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU em 2015.
Referências
BERTELLI, Célio. Mapa de Uso e Ocupação do Solo da Bacia Hidrográfica do Sapucaí
Mirim/Grande – Franca-SP, 2014.
BRASIL, Diário Oficial da União. Lei n° 14.119, de 13 de janeiro de 2021. Institui a Política
Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais; e altera as Leis n os 8.212, de 24 de julho de1991,
8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para adequá-lasà nova
política. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.119-de-13-de- janeiro-de-
2021-298899394. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.
BRASIL, Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm.
Acesso em: 25 de janeiro de 2022.
BRASIL, Lei n° 9.433, de 8 de janeiro de 1997. “Institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.
CBG-SMG. UGRHI 8. Relatório de Situação dos Recursos Hídricos, 2008.
CRESTANA, M.S.M. FILHO, D.V.T, CAMPOS, J.B. Governo do Estado de São Paulo.
Sistemas de Recuperação com Essências Nativas. São Paulo: Campinas, 1993.
DA COSTA, R. B.; DE ARRUDA, E. J.; SILVA DE OLIVEIRA, L. C. Sistemas
agrossilvipastoris como alternativa sustentável para a agricultura familiar. Interações
(Campo Grande), [S. l.], v. 3, n. 5, 2016. DOI: 10.20435/interacoes.v3i5.567. Disponível em:
https://multitemasucdb.emnuvens.com.br/interacoes/article/view/567. Acesso em: 3 out. 2022.
EXTREMA, MINAS GERAIS. Decreto Municipal n°4.084, de 27 de setembro de 2021. Fixa o
valor da UFEX para o ano de 2022. Disponível em: <
https://www.extrema.mg.gov.br/imprensaoficial/wp-content/uploads/2021/10/Decreto-
4.084.pdf>. Acesso em: 16 de set. 2022.
FRANCO, J.M, UZUNIAN, A. Cerrado brasileiro – 2. ed. São Paulo: Editora HARBRA, 2010.
(Coleção biomas do Brasil).
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. – São Paulo: Atlas, 2002.
277
JARDIM, M.H, BURSZTYN, M.A. Pagamento por serviços ambientais na gestão de recursos
hídricos: o caso de Extrema (MG). Engenharia Sanitaria e Ambiental [online]. 2015, v. 20, n. 03
[Acessado 16 Setembro 2022] , pp. 353-360. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-
41522015020000106299>. ISSN 1413-4152. https://doi.org/10.1590/S1413-
41522015020000106299.
MATSUOKA, E.H. Conservação de Água Através de Pagamento por Serviços Ambientais:
Avaliação de Fatores Críticos de Sucesso dos Projetos do Rio Camboriú e das Cidades de
Extrema e Nova Iorque. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2019.
OLIVEIRA, T. K. et al. Sugestões para a implantação de sistemas silvipastoris. Rio Branco:
Embrapa Acre, 2003. 28 p. (Embrapa Acre. Documentos, 84).
ONU - Organização das Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil,
Agenda 2030. Assembleia Geral da ONU, 2015.
PEREIRA P.H.; CORTEZ, B.A.; TRINDADE, T.; MAZOCHI, M.N. (2010) Conservador das
Águas, 5 anos. Extrema: Departamento de Meio Ambiente. Disponível em:
<http://www.extrema.mg.gov.br/conservadordasaguas/LivroConservador-20101.pdf>. Acesso
em: 16 ago. 2022.
SÃO PAULO. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Decreto n° 27.576, de 11 de
novembro de 1987. Cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, dispõe sobre o Plano Estadual
de Recursos Hídricos e o Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos e dá outrasprovidências.
Disponível em:
<https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1987/decreto-27576- 11.11.1987.html> .
Acesso em: 25 de janeiro de 2022.
SÃO PAULO. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Lei n° 16.337, de 14 de dezembro
de 2016. Dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos Hídricos - PERH e dá providências
correlatas. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2016/lei-16337-14.12.2016.html. Acesso em:
25 de janeiro de 2022.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda e Planejamento. Índices UFESP, 2012 a 2022. Disponível
em: <https://portal.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Indices.aspx> Acesso em: 16 de set. de 2022.
SOUZA, V.C, FLORES, T.B, COLLETTA, G.D, COELHO R.L.G. Guia de plantas do cerrado,
produção gráfica Karley Augusto de Moura. Piracicaba, SP: Taxon Brasil Editora e Livraria,
2018.
EDUEPB. Tensão entre justiça ambiental e justiça social na América Latina: o caso da gestão
da água [livro eletrônico]. /José Esteban Castro; Luis Henrique Cunha; Marcionila Fernandes;
CidovalMorais de Sousa (organizadores). – Campina Grande, 2017.
VON SPERLING, M. Estudos e modelagem da qualidade da água de rios. 7. Ed. Belo
Horizonte, MG: Ed. Universidade Federal de Minas Gerais, 2007. 588p.
WUNDER, S. Revisiting the concept of payments for environmental services. Ecological
Economics, v. 117, p. 234–243, 2015.
YOUNG, C. E. F. et al. Implementing payments for ecosystem services in Brazil: Lessons from
the Oasis Project. In: BIENNIAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR
ECOLOGICAL ECONOMICS (ISEE), XII, 2012, Rio de Janeiro.
278
Lúcio P. A. Pires85
William A. Borges86
Introdução
A instituição de ensino, a qual, compreende o conjunto de escolas destinadas à
especialização profissional e cientifica, oferecendo serviços de atendimento a comunidade nas
diversas áreas do saber é a universidade. Segundo Pereira (2013), é a instituição que contribui com
a sociedade por meio da produção de uma consciência crítica, fortalecendo o poder de reivindicação
e provocação de um povo; para o autor, a universidade assume um significado especial para o
desenvolvimento geral da nação (PEREIRA, 2013).
Conforme disserta Goulart e Vieira (2008), a instituição universitária produz uma
centralidade no universo social, ou seja, em um território urbano têm modus operandi a perenidade
e permanente estado de eficácia e pertinência sociocultural influenciando no desenvolvimento
social humano. E dentro deste contexto, este artigo objetiva afirmar a relação do desenvolvimento
de um território urbano relacionado a implementação de universidades no mesmo; visando
descrever o desenvolvimento territorial da cidade de Maringá-PR relacionado as universidades que
operam em seu território urbano.
Desse modo, apresenta a fundação das primeiras universidades brasileiras, destacando a
Fundação Getúlio Vargas, EASP, como primeira escola brasileira de administração, e a
promulgação das constituições, as quais, formalizaram a educação superior brasileira. Lembrando
que, a educação, segundo Paulo Freire (1983), é acima de tudo, comunicação e diálogo, um encontro
de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados.
Assim, este artigo, inserido na área de Administração, contribui para a construção da
diversidade de pensamentos e das atividades nas universidades brasileiras produzindo relações
relevantes com a sociedade e o território urbano. Segundo Santos (2004), a universidade deve
conferir uma nova centralidade de extensão social, concebendo modos alternativos ao capitalismo
global. Para o autor, as universidades atribuem participação ativa na construção da coesão social,
no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social, na degradação ambiental e na
defesa da diversidade cultural (SANTOS, 2004).
Por desenlace, conclui que, a melhoria na qualidade de vida do território urbano ocorre com
a implementação de universidades e construção de sua relação com o território, desenvolvida por
85
Universidade Estadual de Maringá, Mestre, [email protected]
86
Universidade Estadual de Maringá, Doutor, [email protected]
279
Desenvolvimento
Realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), o Censo da Educação Superior constitui como importante instrumento de obtenção
de dados para a geração de informações que subsidiam a formulação, o monitoramento e a avaliação
das políticas públicas voltadas a educação brasileira; além de ser o elemento importante para a
elaboração de estudos e pesquisas sobre o setor (BRASIL, 2020).
O censo coleta informações sobre as Instituições de Educação Superior (IES), os cursos de
graduação e sequenciais de formação específica e sobre os discentes e docentes vinculados a esses
cursos; segundo o último senso de 2020, há 2.457 Instituições de educação superior no Brasil, das
quais 77% são faculdades (BRASIL, 2020, p. 10).
O Brasil tem 6,5 milhões de universitários, sendo 6,3 milhões em cursos de graduação e 173
mil na pós-graduação; em 2020, foram levantados 41.953 cursos de graduação e 25 cursos
sequenciais ofertados em 2.457 instituições de educação superior.
Universidade será elaborado no prazo de trinta dias, por uma comissão composta
do presidente do Conselho Superior do Ensino e dos directores da Escola
Polytechnica e das Faculdades de Medicina e de Direito, seguindo-se a sua
aprovação, dentro do prazo de quinze dias, pelas três congregações reunidas, para
esse fim convocadas pelo dito presidente. (BRASIL, 1920, p. 15115).
Contudo, a administração, enquanto área de conhecimento e disciplina acadêmica, segundo
Souza (2007), nasceu nos Estados Unidos da América, rompendo as etapas seguidas pela tradição
europeia de estudos e pesquisas da área, que se concentravam, então, mais na análise sobre o Estado
e suas instituições do que propriamente na produção de teorias de governo; na Europa, a área surgi
segundo a autora, como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o
Estado e sobre o papel de uma das mais importantes instituições do Estado, ou seja, o governo, que
por excelência é produtor de políticas públicas. (SOUZA, 2007)
Apenas nos anos 50, durante o período histórico denominado Guerra Fria, segundo Cook
(2004), ocorre investimentos internacionais na área acadêmica da Administração por meio de
promoção de programas de auxilio externo profissionais da gestão do desenvolvimento, de uma
agência doadora para a realização de uma tarefa predeterminada. O marco histórico brasileiro na
área de conhecimento, é a fundação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo no ano
de 1953, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), segundo Alcadipani e Bertero (2012), a
FGV-EAESP é a universidade situada entre as principais e mais proeminentes do país, apesar de
não ser a primeira, consolida como líder e modelo para as demais instituições de ensino em
administração no Brasil, contando com o apoio e o modelo de ensino americano. Segundo os
autores, a EAESP tornou o centro da área e produção de conhecimento acadêmico brasileiro em
administração (ALCADIPANI; BERTERO, 2012).
Sobre a autonomia universitária, apenas com a promulgação da constituição democrática,
em 1988, a Constituição Federal em seu artigo 207, reafirma o princípio da indissociabilidade entre
o ensino, a pesquisa e a extensão, estabelecendo a autonomia universitária: “As universidades
gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988,
CF, art. 207).
Após o sistema universitário ter sofrido com crises econômicas que diminuíram os
financiamentos para suas atividades e crises políticas que geraram longas e frequentes greves de
servidores e estudantes, e a promulgação da constituição de 1988, as universidades assumiram
papeis significativos nas relações com a sociedade (VIZONI, 2021). Pereira (2013) afirma que a
participação das universidades em programas de políticas públicas assumiu significado especial
para o desenvolvimento geral da nação.
A universidade contribuindo para o aumento da consciência crítica social, fortalecendo o
poder de reivindicação social, provocando enunciações da população perante os desenvolvimentos
territoriais urbanos por meio de suas relações extensionistas.
281
Procedimentos metodológicos
O procedimento metodológico foi iniciado por meio de um levantamento bibliográfico
referente ao tema universidades e instituições de ensino superior, tendo como contextualização os
autores que tem como foco a extensão de polos universitários, como caráter a relação entre
sociedade-universidade, e o desenvolvimento nacional através da educação.
Como complemento da coleta de dados, esta pesquisa utiliza de uma abordagem qualitativa
descritiva, desenhada por Denzin e Linconl (2006), objetivando acionar os dados públicos
demonstrados pelos principais institutos de pesquisas demográficas brasileiros, como INEP e IBGE.
Para formalizar a analise de pesquisa, foi instrumentalizado uma análise de conteúdo, a
partir das bases epistemológicas e empíricas acionadas durante a coleta de dados, a partir dos
escritos de Laurence Bardin (BARDIN, 1977). Esta analise, segundo Silva, Gobbi e Simão (2005),
permite o entendimento das representações que o corpo apresenta em relação a sua realidade e as
múltiplas interpretações dos significados. Acionando um conjunto de instrumentos, os quais,
segundo Bardin (1977), permitem advir da vertente teórica e da intencionalidade, que visa à
inferência, através da identificação objetiva de características das mensagens.
282
Resultados e discussões
Para Paulo Freire (1983), a educação é acima de tudo comunicação, diálogo, um encontro
de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados, e as universidade, enquanto
instituições de ensino superior acadêmico, produzem o encontro entre a sociedade e o
conhecimento.
estreito envolvimento para testar novas ideias e encontrar caminhos mais eficientes
a fim de alcançar os resultados desejado. (VIZONI, 2021, p. 26)
(Fonte: pesquisa no app google maps por Maringá-PR universidades, google mapas, 2022)
O território urbano de marinha, integraliza diversas instituições de ensino superior,
envolvendo em seu município, uma vasta área de prestação e serviços, tendo como a sociedade em
geral destinatária, por meio da extensão universitária. Segundo Santos (2010), a extensão
284
universitária deve ter como objetivo prioritário o apoio solidário na resolução de problemas da
sociedade, ou seja, o desenvolvimento do território em que se encontra a universidade.
E a cidade de Maringá abrange um PIB per capita [2019] de R$ 45.582,78, com Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em 0,808; em 2020, o salário médio mensal era de
2.6 salários mínimos, com proporção de pessoas ocupadas em relação à população total de 46.4%.
Quando comparada com os outros municípios do estado do Paraná, ocupa a posição 12 de 399 e 10
de 399, respectivamente; e na comparação com cidades do país todo, fica na posição 373 de 5570 e
91 de 5570, respectivamente. (BRASIL, 2020)
Quando considerado domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por
pessoa, o município de Maringá tem 26.1% da população nessas condições, o que o coloca na
posição 377 de 399 dentre as cidades do estado e na posição 5233 de 5570 dentre as cidades do
Brasil (BRASIL, 2020). O território do município de Maringá apresenta 83% de domicílios com
esgotamento sanitário adequado, 97.3% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e
90.6% de domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada, ou seja, com presença
de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio; quando comparado com os outros municípios do
estado do Paraná, segundo o senso de 2020, o território fica na posição 21 de 399, 88 de 399 e 2 de
399, respectivamente; em relação a outras cidades do Brasil, sua posição é 806 de 5570, 518 de
5570 e 6 de 5570 (BRASIL, 2020).
Em relação a educação, o foco desse artigo, a cidade de Maringá é composta por educação
pública e privada de alta qualidade, da rede básica de ensino ao ensino superior, com pós graduação
inscrito senso e lato senso; exibindo a taxa de escolarização em 98,4% nos primeiros anos, com o
IDEB da rede publica de 7,2; compondo parte dessa produção, 41.291 alunos matriculados no
ensino fundamental com 2583 docentes [2021], 12.130 matriculados no ensino médio com 946
docentes [2021] com mais de 200 estabelecimentos de ensino em seu território. (BRASIL, 2020)
Apesar dos desestímulos públicos operacionalizados pelo governo federal, e da queda
nacional registrada no número de concluintes em cursos de graduação de 6,0% em relação a 2019
(BRASIL, 2022), no município de Maringá, os dados demonstram um território em pleno
desenvolvimento.
Considerações finais
Como demonstrado pelos autores, a relação da universidade com a sociedade compõe parte
favorável ao desenvolvimento territorial urbano. Há a dificuldade em rastrear e medir o impacto das
atividades de engajamento social instrumentalizadas pelas instituições de ensino superior, pois
algumas dessas atividades estão inseridas em atividades de educação continuada, entretanto, a partir
de uma análise advinda da vertente teórica e da intencionalidade, visando a inferência dos dados
objetivos, ofertados pelos instrumentos de pesquisas nacionais como INEP e IBGE, este artigo
285
Referências
BORTOLANZA, Juarez. Trajetória do ensino superior brasileiro: uma busca da origem até a
atualidade. XVII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA, Mar Del
Plata, 24 nov. 2017. Anais […] Mar Del Plata, 2017. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/181204. Acesso em: 05 set. 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
BARDIN, L. Analise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Educacional Anísio Teixeira (INEP). Censo
da Educação Superior. Brasília, DF, c2022. Disponível em: . Acesso em: setembro . 2022.
BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo demográfico do panorama
de cidades brasileiras, 2020, acesso em setembro, 2022
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/maringa/panorama>
PEREIRA, Lucas B. Extensão Universitária e Políticas Públicas. Revista Extensão & Cidadania,
Vitória da Conquista, v. 1, n. 1, p. 91-104, jun. 2013. Disponível em:
http://periodicos.uesb.br/index.php/recuesb/article/viewFile/5440/pdf_354. Acesso em: 16 jul.
2012.
DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvona S. Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa
qualitativa. In: DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvona S. (Orgs). O planejamento da pesquisa
qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 93p.
286
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. Organização, apresentação e notas de Ana Maria Araújo
Freire. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2018.
FÁVERO, Maria L. A. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968.
Educar em Revista, n. 28, p. 17-36, 2006
GOULART, Sueli; VIEIRA, Marcelo M. F. Desenvolvimento e organizações: as universidades
como eixo de articulação entre o local e o global. Organizações & Sociedade, Bahia, v. 15, n. 45,
p. 91-106, 04 jun. 2008. Disponível em:
https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaoes/article/view/10952/7878. Acesso em: 19 set. 2012.
GOULART, Sueli; VIEIRA, Marcelo M. F.; CARVALHO, Cristina A. Universidades e
desenvolvimento local: uma abordagem institucional. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2005
GOOGLE MAPAS, Aplicativo. Acesso em setembro, 2022 <
https://www.google.com/search?q=maring%C3%A1+universidades&rlz=1C1CHBD_pt-
PTBR919BR919&biw=1366&bih=625&tbm=lcl&sxsrf=ALiCzsabyGHJkl8dcQNxbGsxcGqghjH
SAw%3A1663536421807&ei=JY0nY-
76MPfD5OUP3secmAo&oq=maring%C3%A1+universidades&gs_l=psy-
ab.3..0i512k1j38j0i30i22k1l5j0i30i15i22i10k1j38l2.4462.5955.0.6075.14.10.0.0.0.0.254.1208.0j5
j2.7.0....0...1c.1.64.psy-
ab..7.7.1205...0i512i433k1j0i512i433i131k1j0i30i15i22k1.0.JIWsPMwlTJ0#rlfi=hd:;si:;mv:[[-
23.362314599999998,-51.894165],[-23.4457602,-
51.9986113]];tbs:lrf:!1m4!1u3!2m2!3m1!1e1!1m4!1u2!2m2!2m1!1e1!2m1!1e2!2m1!1e3!3sIAE,l
f:1,lf_ui:2>
MORA, José-Ginés; SERRA, Maurício; VIEIRA, Maria J. O engajamento social como motor do
desenvolvimento regional: contribuição das universidades latino-americanas. In: SERRA,
Mauricio; ROLIM, Cassio; BASTOS, Ana P. Universidades e Desenvolvimento Regional: as Bases
para a Inovação Competitiva. Rio de Janeiro: Ideia, 2018. Cap. 4, p. 123-154.
PREFEITURA MUNICIPAL, de Maringá. Maringá a melhor cidade do Brasil para se viver, acesso
em setembro/2022: <http://www2.maringa.pr.gov.br/site/noticias/2021/02/15/maringa-e-a-melhor-
cidade-do-brasil-para-se-
viver/37083#:~:text=Maring%C3%A1%20se%20destacou%20entre%20os,semana%20passada%
20pela%20Revista%20Exame>, 2021
SERRANO, Rossana M. S. M. Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo Freire.
Extelar Grupo de pesquisa em extensão popular, 2008. Disponível em: https://crystine-
tanajura.webnode.com/_files/200000021- e6560e752b/conceitos_de_extensao_universitaria.pdf.
Acesso em: 7 jul. 2022
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 13.
ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXI. São Paulo: Cortez, 2004.
VIZONI, Fernanda Novares Chippin. O acolhimento dos problemas públicos locais pelos projetos
de extensão universitária do campus avançado em Jadaia do Sul da Univerisdade Federal do Paraná.
Maringá-PR, BCE-UEM, 2021
287
Introdução
Políticas públicas constituem estratégias que tem por objetivo enfrentar questões comuns à
sociedade envolvendo diversos atores. Tais estratégias dependem de premissas e decisões políticas
a fim de implementar programas e ações multidimensionais. A agenda de políticas públicas
ambientais tem buscado promover o desenvolvimento sustentável, definindo responsabilidades
sobre a exploração do meio ambiente e compatibilizando o desenvolvimento econômico, ambiental
e social, de forma a garantir às gerações futuras parte dos recursos naturais que temos hoje, para
suprir suas necessidades. O fortalecimento desta agenda se deu após os eventos subsequentes à
Conferência Mundial do Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972
(OLIVEIRA; SAMPAIO, 2012).
O curso acelerado da urbanização contemporânea apresenta inúmeros desafios e requer
alternativas para o desenvolvimento sustentável das cidades, buscando soluções relativas ao
planejamento e à gestão. Um destes desafios é a gestão de resíduos sólidos, já que estes constituem
um relevante subproduto do estilo de vida urbano, cujo crescimento da geração é maior do que a
própria taxa de urbanização mundial (HOORNWEG; BHADA-TATA, 2012).
A definição de políticas públicas para a gestão de resíduos consiste, portanto, no
ordenamento de princípios e instrumentos para o enfrentamento desta questão, posta a necessidade
de equacionar os problemas oriundos de práticas inadequadas. Diversos países desenvolveram
políticas, compreendidas como “a chave para a implementação de uma gestão sustentável de
resíduos sólidos” (FRICKE; PEREIRA, 2015). Tais políticas foram concebidas distintamente, a
partir das realidades e anseios particulares a cada sociedade.
Partindo dessa premissa, este artigo tem como objetivo apresentar as diferentes trajetórias
da formulação de políticas públicas relativas aos resíduos sólidos, buscando compreender suas
87
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Doutora em Ciências Ambientais (UFSCar). [email protected].
88
Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Ciências Ambientais (UFSCar). [email protected].
89
Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental (USP). [email protected].
90
Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Doutor em Engenharia Civil – Hidráulica e Saneamento (EESC-USP).
[email protected].
288
Desenvolvimento
Foram utilizadas pesquisa documental e bibliográfica (GIL, 2008; SÁ-SILVA et al., 2009)
para realizar um levantamento e uma análise comparativa das políticas públicas de resíduos sólidos
da União Europeia (UE), do Japão, dos Estados Unidos da América, do bloco de países da América
Latina e Caribe (ALC) e do Brasil. A escolha destes países se deu pelas abordagens com relação às
políticas de resíduos sólidos, bem como por questões geopolíticas que impactam no processo das
políticas públicas.
União Europeia
A preocupação com a gestão de resíduos esteve presente ao longo da formação da UE e de
suas políticas ambientais. Em 1975, a Diretiva 75/442/CEE buscava a autossuficiência na
eliminação de resíduos e determinava que os Estados membros elaborassem planos de gestão de
resíduos. Em 1991 esta diretiva foi alterada, buscando priorizar a prevenção ou a redução da
produção e da nocividade dos resíduos, além do seu aproveitamento através da reciclagem,
reutilização, produção de energia a partir de resíduos e ações na busca por matérias-primas
secundárias (LEITE, 1997; JURAS, 2012).
Em 2002 a UE estabeleceu a prevenção e gestão de resíduos como uma das quatro maiores
prioridades do Programa de Ação de Meio Ambiente. Devido a essa priorização, em 2006 foi
elaborado o “pilar da política de resíduos” da UE, a Diretiva Estrutural de Resíduos (Waste
Framework Directive) que apresenta uma abordagem de análise de ciclo (EUROPEAN
COMMISSION, 2010; JURAS, 2012).
Em 2008 a diretiva foi revisada e passou a ser conhecida como ‘Diretiva Marco de Resíduos’
– Diretiva 2008/98/CE –, servindo de base para as legislações básicas dos Estados membros. Trouxe
ainda, como inovação, a “responsabilidade alargada do produtor”, ainda que não seja uma medida
impositiva (JURAS, 2012).
A legislação europeia busca seguir a pirâmide hierárquica da gestão de resíduos, que aponta
uma lógica de prioridades desde a ‘prevenção’ (da geração), compreendida como melhor opção, até
a opção menos desejável, a ‘disposição final’, sendo a não geração de resíduos prioridade da UE.
Esta legislação também aplica o princípio do poluidor-pagador para responsabilizar o fabricante
pelos resíduos gerados no final da vida útil dos produtos (JURAS, 2012).
Na UE os Estados membros possuem majoritariamente estratégias descentralizadas com
autonomia dos governos locais. Os países são responsáveis por elaborar seus planos individuais que
atendam minimamente às diretivas do bloco, de acordo com suas realidades. A UE estabelece os
289
prazos para elaboração dos planos e para o cumprimento das metas. Existem fundos disponíveis aos
membros que necessitem de apoio na elaboração e implementação do plano (LEITE, 1997; JUCÁ
et al., 2012).
Este caráter de independência dos Estados membros é motivo de críticas, já que, apesar da
integração dos países, não existem punições efetivas para os membros que não cumpram as
regulações (JUCÁ et al., 2012).
Japão
O Japão possui legislação sobre o tema de resíduos sólidos desde 1954 – Lei da Limpeza
Pública. Baseada em preceitos de saúde pública, o país soube aliar a importância da legislação à
efetivação das políticas públicas. O crescimento populacional, aumento da geração e diversificação
dos resíduos gerados fez necessária a atualização da lei, substituída pela Lei de Gestão de Resíduos
e Limpeza Pública em 1970 (LEITE, 1997; JUCÁ et al., 2012; JURAS, 2012).
Este país adota uma gestão descentralizada dos resíduos, com os municípios como grandes
atores do gerenciamento e as províncias, junto ao Estado, como atores de planejamento. Foi criada
também a Agência Japonesa Ambiental em 1971, com o papel de regular e normatizar a gestão de
resíduos (LEITE, 1997; JUCÁ et al., 2012; JURAS, 2012).
A estratégia nacional foca nos 3Rs – reduzir, reutilizar e reciclar – sendo o primeiro muito
relevante em um país de densidade populacional elevada, que não possui grandes áreas disponíveis
para aterros sanitários. Assim, além de elevados investimentos em reciclagem, que garantem um
dos maiores índices do mundo, a incineração é a principal forma de tratamento de resíduos sólidos
(LEITE, 1997; BROLLO; SILVA, 2001; JUCÁ et al., 2012).
No campo das legislações, existem três leis principais derivadas da Lei Básica do Meio
Ambiente: a Lei de Gestão de Resíduos e Limpeza, revista periodicamente; a Lei para a promoção
da utilização eficiente de Recursos, promulgada em 1991; e a Lei fundamental do ciclo dos
materiais, promulgada em 2000 (LEITE, 1997; JUCÁ et al., 2012; JURAS, 2012).
Observa-se que o modelo de gestão de resíduos japonês é adaptado à realidade local, com
elevados investimentos em incineração, devido à necessidade de redução de volume dos resíduos
(LEITE, 1997; JUCÁ et al., 2012).
Estados Unidos
A principal regulamentação neste país é o Ato de Disposição de Resíduos Sólidos (Solid
Waste Disposal Act) de 1965 – complementada em 1976 –, mas outras legislações nacionais e
regulamentações regionais, estaduais e municipais se aplicam. Dentre os objetivos da lei de 1965
estavam: proteger a saúde humana e o meio ambiente dos perigos potenciais da disposição de
290
resíduos; reduzir a quantidade de resíduos gerada; e assegurar que o manejo dos resíduos ocorra de
maneira ambientalmente adequada (BROLLO & SILVA, 2001; JURAS, 2012; JUCÁ et al., 2012).
Em 1970 o foco nacional da gestão de resíduos estava na reciclagem e recuperação
energética. Já a complementação da lei em 1976 obrigou o fechamento de locais de disposição à
céu aberto, o que gerou uma “crise do lixo” entre o final da década de 1980 e 1990, com empresas
privadas substituindo governos na gestão de resíduos sólidos (LOUIS, 2004).
Conforme a intenção da legislação de 1976, a gestão de resíduos passou de um sistema
municipal na década de 1980 para um sistema regional em 1990, no qual os estados possuem
autonomia e são e responsáveis pela definição de suas políticas públicas (JUCÁ et al., 2012). No
entanto, Louis (2004) destaca que uma consequência indesejável foi a privatização dos serviços por
poucas empresas, que passaram a ter grande influência na regulação.
Desse modo, os EUA possuem um modelo de gestão baseado em um órgão regulador
nacional, responsável também pelo monitoramento e fiscalização nos estados, sofrendo influência
do setor privado. A figura de agência regulamentadora permite que as normas formuladas
aprofundem a abordagem de questões complexas apresentadas na legislação (BROLLO & SILVA,
2001; LOUIS, 2004; JURAS, 2012; JUCÁ et al., 2012).
Brasil
No caso brasileiro, na década de 1980 questões relativas às dificuldades de disposição dos
resíduos sólidos passam a integrar a agenda pública local, tanto pelos impactos ambientais negativos
da disposição inadequada, quanto pela crescente dificuldade de encontrar áreas de disposição, com
292
o crescimento vertiginoso das malhas urbanas. Ainda assim, a PNRS levaria três décadas para ser
promulgada (NETO; MOREIRA, 2010).
Os debates da futura PNRS iniciam-se na década de 1990, mesmo período em que a questão
dos resíduos sólidos enquanto problemática “vem à tona” para a sociedade, sendo confrontada com
a realidade da catação em ambientes insalubres. A transdisciplinaridade do tema e interesses
conflitantes adiaram o debate deste marco legal que, após uma conjunção de fatores, dentre eles a
eleição de um governo federal com estreita relação junto aos catadores de materiais recicláveis,
logrou a promulgação e regulamentação da PNRS em 2010 (SANTIAGO, 2021).
Destacam-se na lei os princípios da precaução, do poluidor-pagador, do protetor-recebedor,
da ecoeficiência, da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, do respeito às
diversidades locais e regionais e do reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como
um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania (BRASIL,
2010).
É importante ressaltar que diversos princípios, com destaque para o da responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos também são encontrados em legislações previamente
analisadas, como da UE e do Japão. Com relação aos objetivos da PNRS, a hierarquia para a gestão
de resíduos sólidos, que prioriza a não-geração ou prevenção, também está diretamente relacionada
àquela da UE e do Japão (BRASIL, 2010; NETO; MOREIRA, 2010; JURAS, 2012).
A gestão integrada pode ser tida como pilar da estratégia brasileira, tratando da articulação
entre o poder público, o setor privado e a sociedade civil organizada. Nesta perspectiva sobreleva-
se o destaque e prioridade às soluções regionais e consorciadas – em um paralelo com a estratégia
dos EUA – para viabilizar a gestão de resíduos, ainda que a responsabilidade pela execução da
política seja descentralizada (BRASIL, 2010; NETO; MOREIRA, 2010; JURAS, 2012).
Em um setor com realidade heterogênea, deficitária e detentor de contrastes regionais, a
aplicação da PNRS tem sido desafiadora, estando o país muito aquém das metas inicialmente
estabelecidas, sobretudo com relação a erradicação de locais de disposição irregular, prevista em
lei desde a Política Nacional do Meio Ambiente, e a elaboração dos Planos Municipais de Gestão
Integrada de Resíduos Sólidos, que evidenciam a fragilidade do sistema de gestão municipal. Temas
como a regionalização e a logística reversa também constituem entraves no processo de
implementação.
Finalmente, é importante ressaltar, principalmente ao comparar a legislação brasileira com
a de outros países, a recente democracia do país, assim como da maioria dos países da América
Latina e Caribe, que se encontram em consolidação, apresentando impasses e retrocessos, além da
persistência de oligarquias nos governos locais.
Considerações Finais
A gestão de resíduos sólidos constitui uma temática transversal e complexa. Enquanto países
do Norte Global instituíram políticas públicas no setor desde a década de 1970, no Sul Global as
discussões iniciam-se na década de 1990 e as políticas são promulgadas a partir dos anos 2000. Esta
diferença temporal implica na necessidade de atuação simultânea, por parte dos países do Sul Global
analisados, em questões estruturais – como a disposição final inadequada – e estruturantes – como
a logística reversa ou a responsabilidade estendida do produtor. Ainda, estes países possuem um
componente social – dos catadores de materiais recicláveis – que adiciona complexidades não
enfrentadas nos países do Norte Global analisados.
Desse modo, os países do Sul Global analisados apresentam dificuldades na implementação
de suas políticas para a gestão de resíduos sólidos. Influências do contexto global, menor força
294
Referências
BRASIL. Lei nº 12.305 de 02 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília,
2010b. D.O.U. de 03/08/2010, p. 2.
BROLLO, M. J.; SILVA, M. M. Política e Gestão Ambiental em Resíduos Sólidos. Revisão e
Análise Sobre a Atual Situação no Brasil. In: XXI Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária
e Ambiental, João Pessoa, 2001. Anais...João Pessoa, 27p. 2001.
ESPINOZA, P. T.; ARCE, E. M.; DAZA, D.; FAURE, M. S.; TERRAZA, H. Relatório da
avaliação regional da gestão de resíduos sólidos urbanos na América Latina e Caribe 2010.
OPAS/OMS, 2010. 164p. Disponível em: https://goo.gl/PDQcML. Acesso em: 15 dez 2022.
EUROPEAN COMMISSION. Being wise with waste: the EU’s approach to waste management.
Luxembourg: Publications Office of the European Union. 2010. 16 pp.
FRICKE, K.; PEREIRA, C. A Alemanha como Protagonista do Desenvolvimento
Socioambiental em Gestão de Resíduos. In: FRICKE, K. et al. (Coord.). Gestão sustentável de
resíduos sólidos urbanos: transferência de experiência entre a Alemanha e o Brasil. Braunschweig:
Technische Universität Braunschweig, 2015. p. 21-23.
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. 200p.
HOORNWEG, D.; BHADA-TATA, P. What a waste: a global review of solid waste management.
Washington DC: World Bank Group, 2012. 98 p. (Urban Development Series Knowledge Papers).
Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/entities/publication/1a464650-9d7a-58bb-
b0ea-33ac4cd1f73c. Acesso em 15 dez 2022.
JUCÁ, J. F. T. et al. Análise das diversas tecnologias de tratamento e disposição final de
resíduos sólidos no Brasil Europa, Estados Unidos e Japão. Jaboatão dos Guararapes, PE:
FADE/UFPE, 2012. 168p. DOI: 10.13140/2.1.3547.8082. Acesso em: 15 dez 2022.
JURAS, I. A. G. M. Legislação sobre Resíduos Sólidos: comparação da Lei 12.305/2010 com a
legislação de países desenvolvidos. Consultoria Legislativa da Câmera de Deputados. Brasília. Abr
2012.
LEITE, W. C. A. Estudo da gestão de resíduos sólidos: uma proposta de modelo tomando a
Unidade de Gerenciamento de Recursos hídricos (UGRHI-5) como referência. 1997. 250 p. Tese
(Doutorado em Hidráulica e Saneamento) – Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade
de São Paulo, São Carlos, 1997.
LOUIS, G. E. A historical context of municipal solid waste management in the United States.
Waste management & research, v. 22, n. 4, p. 306-322, 2004.
MARSHALL, R. E.; FARAHBAKHSH, K. Systems approaches to integrated solid waste
management in developing countries. Waste Management, v. 33, n. 4, p. 988-1003, 2013.
NETO, P. N.; MOREIRA, T. A. Política Nacional de Resíduos Sólidos: reflexões acerca do novo
marco regulatório nacional. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, São Paulo, v. 15, p. 10-19,
2010.
295
Introdução
91
Discente no Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás. E-mail:
[email protected];
92
Discente no Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás. E-mail:
[email protected];;
93
Docente na Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected];
297
Figura 01: Sistema de Governança para enfrentamento dos impactos do desastre de Mariana, conforme o
TTAC e TAC Gov – 08/2018
Segundo dados da Fundação Renova, até setembro de 2022, já foram desembolsados 24,73
bilhões de reais para execução das ações reparatórias e compensatórias, dos quais 46% foram
destinados para o pagamento de indenizações e auxílios financeiros para as mais de 403 mil pessoas
atingidas pela tragédia. No que se refere à reparação socioambiental, o Fundação declara que já
houve a redução de 34% dos rejeitos que afetaram os 670 quilômetros dos cursos de água, por meio
de planos de manejo e retirada desses resíduos e com a implementação de projetos de
renaturalização e implantação de estações de tratamento natural. Os solos que sofreram com o
depósito de rejeitos estão sendo monitorados e passam por um processo de restauração florestal
(FUNDAÇÃO RENOVA, 2022). Todavia, ao se acessar o site do Comitê Interfederativo, observou-
se que os dados e relatórios de suas ações encontram-se bastante desatualizados, não sendo possível
acompanhar quais foram suas deliberações e providências tomadas nos últimos anos (CIF, 2022).
Relativo à tragédia de Brumadinho, ao invés da instituição de uma estrutura de governança
complexa, como ocorreu em Mariana, buscou-se criar uma instância que articulasse os órgãos do
estado de Minas Gerais para que as medidas de reparação fossem executadas da forma mais célere
possível. Assim, no ano de 2019, por meio do Decreto do estado de Minas Gerais número 176, foi
instituído o Comitê Gestor Pró-Brumadinho, que desde 2021 passou a atuar como a estrutura
administrativa encarregada para acompanhar e executar as medidas fixadas nos acordos judiciais
relativos ao episódio. O Comitê é composto por membros do governo de Minas Gerais, do
Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e da Defensoria Pública de Minas
Gerais (COSTA, et. al., 2022).
302
Quanto a reparação socioeconômica, até o momento foram destinados 2,5 bilhões de reais
para a construção de casas, usinas fotovoltaicas, creches e obras rodoviárias, além da
implementação de projetos específicos em cada uma das cidades atingidas. No que se refere à
reparação socioambiental, conta-se com orçamento estimado de 5 bilhões de reais a serem
empregados conforme plano de trabalho ainda em tratativa, mas com realização de algumas medidas
emergenciais, como o manejo dos rejeitos, recuperação da fauna e flora, retirada de peixes,
montagem de estruturas provisórias e execução de obras (MINAS GERAIS, 2022).
Além do mais, o programa de mobilidade constitui-se na obrigação da empresa Vale pagar
o valor de 4,95 bilhões de reais para o estado de Minas Gerais, a serem destinados para recuperação
e pavimentação de rodovias estaduais, construção de ponte sobre o Rio São Francisco, construção
de rodoanel e melhorias no metrô na região metropolitana de Belo Horizonte. Nesse mesma
orientação, segue o programa de fortalecimento do serviço público, em que foi fixada uma
obrigação da Vale pagar 3,65 bilhões de reais ao estado de Minas Gerais, para que este execute
ações como conclusão de obras nos hospitais regionais, construção de bacias de contenção de água
da chuva no Córrego Ferrugem, adquira equipamentos para as forças de segurança e instale cisternas
em áreas de seca (MINAS GERAIS, 2022).
Considerações finais
A presente pesquisa buscou analisar a gestão de risco e o funcionamento das políticas
públicas que ocorreram como resposta aos acidentes de Mariana e Brumadinho, apresentando
informações sobre a sua aplicação e os seus avanços. Dessa maneira, considera-se um modelo
inédito de governança, que esforçou-se para integrar múltiplos “stakeholders”, e a comunidade
atingida pelo desastre.
Contudo, a Agência Nacional de Mineração (ANM, 2020) aduz que o Brasil detém 769
(setecentas e sessenta e nove) barragens de rejeito, das quais 425 (quatrocentas e vinte e cinco) estão
incorporadas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Dentre essas barragens,
quatro encontram-se em nível de risco alarmante, sendo elas: a) Barragem B3/B4, Minerações
Brasileiras Reunidas S.A. Filial: MBR Paraopeba, Nova Lima, Minas Gerais; b) Forquilha I, Vale
S.A. Filial: Vale Itabiritos, Ouro Preto, Minas Gerais; c) Forquilha III, Vale S.A. Filial: Vale
Itabiritos, Ouro Preto, Minas Gerais; d) Sul superior, Vale S.A. Filial: Vale Minas Centrais, Barão
de Cocais, Minas Gerais (NEVES et al., 2020).
Portanto, nota-se que apesar da gestão de risco e das políticas públicas implementadas em
Minas Gerais após os acidentes, requer-se ainda uma priorização dos projetos, com cronogramas
mais rígidos e responsabilidades definidas, a fim de não apenas gerir os estragos ocasionados pelos
desastres, mas prevenir outros.
303
Referências
ALMEIDA, Lutiane Queiroz de; PASCOALINO, Aline. Gestão de risco, desenvolvimentoe
(Meio) Ambiente no Brasil - Um estudo de caso sobre os desastres naturais de Santa Catarina. São
Paulo: Unesp, 2010.
ANDRETTA JUNIOR, Homero. Uma solução harmônica para a maior tragédia ambiental do país:
comentários ao termo de ajustamento de conduta “governança” – TACGOV. Revista Jurídica da
Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 17, n.1, p. 77-94, jan./dez. 2020.
ANTOINE, J-M. et al. Les mots des risques naturels. Toulouse (FR): Presses Universitairesdu
Mirail, 2008.
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; VIEIRA, Renato Rodrigues; ADAMS, Luis Inácio Lucena. O
desastre de Mariana atuação interfederativa para superação das impactos da maior tragédia da
história do Brasil. Revista da AGU, Brasília, v. 16, n. 2, p. 45-76, abr./jun. 2017.
CARMO, Roberto Luiz do; ANAZAWA, Thathiane Mayumi; BONATTI, Thiago Fernando.
Mariana 2015 – Reflexões sobre um Desastre. Revista Jurídica Consulex, n. 455, jan. 2016.
CARMO, Mendes do. ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. A governança dos efeitos do
desastre em Mariana: avanços, dificuldades e desafios. Revista Direito dos desastres: meio
ambiente natural, cultural e artificial al / Mariana Barbosa Cirne; Marcia Dieguez Leuzinger
coordenadoras [et al.] – Brasília: UniCEUB: ICPD, 2020.
CIF. Comitê Interfederativo. Relatórios. Brasília, 2022. Disponível em:
https://www.gov.br/ibama/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/cif/relatorios. Acesso em 30
nov. 2022.
COSTA, Angélica da Silva; BERNARDO, Renata Anício; ASSIS, Luís Otávio Milagres de;
ANELLLI, Fernando Resende. O papel do estado na responsabilização de pessoas jurídicas
por danos ambientais e estratégias de reparação: relato da experiência de reparação no caso do
rompimento de brumadinho. XI Congresso CONSAD de Gestão Pública, Brasília, 2022.
GUDYNAS, Eduardo. Extractivismos: el concepto, sus expresiones y sus múltiples violencias.
Revista papeles de relaciones ecosociales y cambio global nº 143, 2018, pp. 61-70. Madrid, 2018.
EUROPEAN SAFETY, RELIABILITY & DATA ASSOCIATION. Barriers to learning from
incidents and accidents. Disponível em:
https://www.esreda.org/wpcontent/uploads/2021/01/ESReDA-barriers-learning-accidents-1. pdf.
Acesso em: 07 out. 2022.
FUNDAÇÃO RENOVA. Dados da reparação. Belo Horizonte, 2022. Disponível em:
https://www.fundacaorenova.org/dadosdareparacao/. Acesso em 30 nov. 2022.
MELENDI, Lucila Paula; LOPO, Rafael Martins. A fundação Renova como forma corporativa:
estratégias empresariais e arranjos institucionais no desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton no Rio
Doce, Mariana, MG. Ambientes: Revista de Geografia e Ecologia Política, Paraná, v. 3, n. 2, p.
206-250, 2021.
MILANEZ, B. et al. Minas não há mais: avaliação dos aspectos econômicos e institucionais do
desastre da Vale na Bacia do Rio Paraopeba. Versos – Textos para Discussão. PoEMAS, 2019.
MINAS GERAIS. Pró-Brumadinho. Belo Horizonte, 2022. Disponível em:
https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho. Acesso em 30 nov. 2022.
OLIVEIRA, Valdir de Castro; OLIVEIRA, Daniela de Castro. A semântica do eufemismo:
mineração e tragédia em Brumadinho. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e
Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, jan./mar. 2019.
PECCATIELLO, A. F. O. Políticas públicas ambientais no Brasil: da administração dos recursos
naturais (1930) à criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000). Revista
304
Introdução
O debate (ou será que deveríamos nos referir ao “embate”?) sobre a questão (problema)
dos “agrotóxicos”4 advém de muito tempo. Isto é importante destacar porque significa, antes de
tudo, que esta questão não tem sido adequadamente trabalhada até agora, sobretudo em localidades
com interesses ambientais como, por exemplo, proteção de recursos hídricos visando o
abastecimento de água em determinado município.
Com o intuito de contribuir para um melhor encaminhamento desta questão, pretendeu-se
a elaboração do presente trabalho. Neste sentido, e primeiramente, seria interessante sugerir as
seguintes hipóteses5: i) Os agrotóxicos não podem ser dissociados de um modelo de produção
agrícola o qual poderia ser convencionalmente denominado como “Agricultura Tradicional” - AT.
Isto porque, não se pode pensar no uso dos agrotóxicos de forma dissociada de outros fatores
igualmente relevantes e interdependentes como, por exemplo, máquinas, equipamentos, demais
insumos agrícolas, tecnologia de produção e, por que não, comercialização, dentre outros, e; ii) O
“movimento alternativo” ao uso dos agrotóxicos, por seu turno, deveria ser considerado dentro do
contexto de um (outro) modelo de produção agrícola, o qual poderia ser convencionado como
“Agricultura Orgânica” – AO (Agricultura Ecológica, Agricultura Natural, Agricultura
Biodinâmica, Agricultura Regenerativa, Agricultura Biológica, Permeacultura, Agroecologia,
Sistemas Agroflorestais-SAFS, Sistemas Agrossilvipastoris e outras nomenclaturas congêneres que
atendam os princípios da Lei n. 10.831/2003, cf. Brasil (2003)6.
O objetivo deste trabalho foi o de a partir da discussão do uso ou não de agrotóxicos, bem
como de elementos correlatos, contribuir, via propostas de emenda ao plano diretor, para a
94
Faculdade de Ciências Agronômicas - FCA. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP.
Campus de Franca/SP. Professor Assistente Doutor. E-mail: [email protected]
95
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais- FCHS. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” -
UNESP. Campus de Franca/SP. Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (UNESP/Franca). Bacharel
em Direito. Mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, da
UNESP-Franca/SP. E-mail: [email protected].
96
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais- FCHS. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” -
UNESP. Campus de Franca/SP Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (UNESP/Franca).
Engenheiro Agrônomo e Geógrafo. Mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de
Políticas Públicas, da UNESP-Franca/SP. E-mail: [email protected].
306
Resultados
Inicialmente, entende-se que haveria um melhor esclarecimento da relação AT x AO se
houvesse a concordância com o seguinte paralelismo: A AT está para a Alopatia, assim como a AO
e está para a Homeopatia.
Neste sentido, na exata proporção em se há um consenso geral no sentido que tanto a
Homeopatia quanto a Alopatia têm seus respectivos “espaços”, a AT e a AO igualmente têm os seus
correspondentes “espaços”. O que cabe discutir, na verdade, são as condições para a inserção dos
“espaços” tanto de um (Alopatia / AT) quanto de outro (Homeopatia / AO). Até porque, grosso
modo, não se pode descartar, de antemão, que as principais finalidades de um sistema de produção
orgânico (AO) não possam ser também perseguidas, de uma forma ou de outra, pelo sistema de
produção da agricultura tradicional (AT)7.
Isto vem a ensejar que também se reflita sobre a questão (política) agrária de determinada
região (particularmente, no caso presente, para as zonas de conservação hídrica, ZCH4 e para a
ZCH5, presentes no município de Botucatu/SP).
Este entendimento sugere a também remessa da presente questão (evidentemente que, com
respeito ao escopo dentro do qual o presente documento se insere, naquilo que concerne, naquilo
que couber, por via direta ou indireta)8, à circunscrição de uma ação reflexiva (e, se possível,
política) da municipalidade sobre a questão agrária da região do interesse em tela. Em paralelo, uma
outra dimensão, vinculada à dimensão agrária, deve ser avaliada no debate aqui presente, qual seja,
a tipificação das “porções” de determinada localidade da ZCH4 ou da ZCH59 como “área urbana
consolidada”, “área rural”, “área urbana”, “área de expansão urbana” ou mesmo “área
periurbana”10.
O tipo de agricultura a ser incentivada nas zonas em discussão deve também considerar
elementos de planejamento e política de ordenamento do território (rural e urbano), tanto local (caso
específico das zonas ZCH4 e ZCH5), quanto geral (município de Botucatu em sua parte rural como
um todo, aqui tratado enquanto estudo de caso).
Discussão
Critérios técnicos
Acredita-se, em continuidade à presente reflexão (uso ou não de agrotóxicos, AT, AO,
dentre outros aspectos correlatos, em ZCH4 e ZCH5) que vários pressupostos normativos (e, por
extensão, técnicos) consoante particularmente já dispostos na Lei n. 12.651/2012 devem ser também
aqui considerados.
308
Escopo administrativo
Ademais, imagina-se que a gestão pública ambiental municipal, para efeitos do regramento
da questão dos agrotóxicos na ZCH4 e na ZCH5 deve “conversar intimamente” com as esferas dos
demais poderes (estadual e federal) com respeito ao escopo administrativo da gestão ambiental das
propriedades rurais (e, por extensão, urbanas, naquilo e quando couber), com respeito, por exemplo,
a instrumentos administrativos tais como o Cadastro Ambiental Rural / Programa de Regularização
Ambiental, bem como a Outorga do Uso da Água, dentre outros instrumentos.
De uma forma mais clara, acredita-se, até mesmo por suas implicações na proteção
ambiental atrelada tanto à AT quanto à AO, que a determinação (área, localização, tipificação, etc.)
das APP´s, das áreas de Reserva Legal, dos Corredores Ecológicos, por exemplo, deveria também
passar pela consideração do poder público municipal em termos de seus reflexos para a gestão
sustentável da ZCH4 e da ZCH5.
Entende-se, em outras palavras, que ações (na verdade, interação) do ente federativo
municipal frente aos demais entes com respeito às zonas em discussão, dentro deste escopo,
309
“rebateriam” no modelo agrícola de determinada propriedade rural (AT ou AO) e, por extensão,
conforme linha de raciocínio aqui desenvolvida e defendida, de uma forma ou de outra, no uso de
agrotóxicos ou não.
Aqui caberia, um “aparte” especial: a distinção entre AT e AO está se tornando cada vez
mais difícil, visto que as práticas e técnicas tanto de um modelo agrícola (AT) quanto de outro (AO)
estão se aproximando (integrando, harmonizando, compatibilizando-se) cada vez mais16.
De outro modo, entende-se que há um aspecto administrativo (muito embora, igualmente
revestido de um denso componente técnico) que demandaria uma ação da Municipalidade de
maneira extremamente incisiva tanto no que diz respeito à AT quanto à AO, qual seja, a efetividade
de instrumentos de gestão ambiental, ais como, Anotação de Responsabilidade Técnica17,
Assistência Técnica Rural (e Integrada), análise econômica e financeira de projetos técnicos,
alternativas técnicas e locacionais, dentre outros, tanto no que concerne à AT quanto à AO.
Outros parâmetros
Em derradeiro, a discussão sobre AT, AO, agrotóxicos e outros elementos correlatos,
naquilo que concerne à ZCH4 e à ZCH5 deve, por fim, também considerar os seguintes elementos:
caracterização dos meios físico e biológico; intensidade de exploração compatível com a capacidade
suporte ambiental local; adoção de medidas mitigadoras dos impactos sociais e ambientais;
proibição do uso do fogo, e; comprovação da prestação de serviços ambientais18 tais como: (a) o
sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono;
b) a conservação da beleza cênica natural; c) a conservação da biodiversidade; d) a conservação das
águas e dos serviços hídricos; e) a regulação do clima; f) a valorização cultural e do conhecimento
tradicional ecossistêmico; g) a conservação e o melhoramento do solo; h) a manutenção de Áreas
de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito;
Conclusões
O uso de “agrotóxicos”, ou não, nas zonas de conservação hídrica, ZCH4 e na ZCH5,
localizadas no município de Botucatu/SP, é questão a ser discutida dentro do escopo da reflexão
mais ampla, qual seja, o da prática de uma Agricultura Tradicional (AT) e/ou da Agroecologia
(AO), em ambas as zonas.
Esta discussão é também uma questão do dimensionamento técnico e econômico da
atividade agropecuária (produtiva) em face do tamanho da área cultivada (pequena, média e grande
propriedade rural), quando se estiver referindo ao meio rural em específico. Para tanto, é necessário
que se promova a prévia demonstração da viabilidade técnica, econômica, social, ambiental e
comercial dos empreendimentos agrícolas, conforme o modelo agrícola proposta para determinada
propriedade rural dentro da ZCH4 ou da ZCH5. Esta demonstração deve considerar os elementos
310
Referências
BOTUCATU. Lei Complementar n. 1.153, de 7 de julho de 2015. Institui o Programa de
Pagamento por Serviços Ambientais – PSA, e dá outras providências. Botucatu, SP: Prefeitura
Municipal de Botucatu. 2013. Disponível: https://leismunicipais.com.br/a1/sp/b/botucatu/lei-
complementar/2015/115/1153/lei-complementar-n-1153-2015-institui-o-programa-de-pagamento-
por-servicos-ambientais-psa-cria-o-fundo-municipal-de-pagamento-por-servicos-ambientais-
fmpsa-revoga-a-lei-complementar-n-1045-de-21-de-maio-de-2013-e-da-outras-providencias?r=p.
Acesso: 29 Ago 2022.
BRASIL. Decreto n. 4.974, de 4 de janeiro de 2002. Regulamenta a Lei no 7.802, de 11 de julho
de 1989. 2002. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4074.htm. Acesso: 29 Ago 2022.
BRASIL. Decreto n. 7.794, de 20 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Agroecologia
e Produção Orgânica. 2012. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7794.htm. Acesso: 29 Ago
2012.
BRASIL. Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989. 1989. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7802.htm. Acesso: 29 Ago 2022.
BRASIL. Lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003. Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá
outras providências. 2003. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.831.htm#art1. Acesso: 29 Ago 2022.
BRASIL. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; e dá
outras providências. 2012. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso: 29 Ago 2022.
311
BRASIL. Lei n. 14.119, de 13 de janeiro de 2021. Institui a Política Nacional de Pagamento por
Serviços Ambientais. 2021. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14119.htm. Acesso: 29 Ago 2022.
SÃO PAULO. Decreto n. 66.549, de 07 de marco de 2022. Disciplina a aplicação, no âmbito do
Estado de São Paulo, da Lei federal nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021 e dá providências
correlatas. 2022. São Paulo, SP: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. 2022. Disponível:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2022/decreto-66549-
07.03.2022.html#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%2D%20Fica%20institu%C3%ADda%20a,2
021%2C%20nos%20termos%20deste%20decreto. Acesso: 29 Ago 2022.
Notas
4
Agrotóxicos e afins: a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,
destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos
agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas
e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da
flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; b)
substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de
crescimento, cf. art. 2º, inciso I, alíneas “a” e “b”, da Lei n. 7802/1989.
5
Até por conta de que, entendimentos ou opiniões divergentes precisam ser devidamente
fundamentados com argumentos que sejam igualmente consistentes e válidos (quando não, em
nome de uma segurança técnica e jurídica, evidências científicas e, sobretudo legalmente,
respaldados).
6
“Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas
específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o
respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade
econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de
energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e
mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos
geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção,
processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente”,
cf. art. 1º, da Lei n. 10.831/2003, bem como art. 2º, inciso II, do Decreto n. 7.794/2012.
7
Oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes intencionais; Preservação da diversidade
biológica dos ecossistemas naturais e a recomposição ou incremento da diversidade biológica dos
ecossistemas modificados em que se insere o sistema de produção; Incremento da atividade
biológica do solo; Promoção de um uso saudável do solo, da água e do ar, e reduzir ao mínimo todas
as formas de contaminação desses elementos que possam resultar das práticas agrícolas;
Manutenção ou Incremento da fertilidade do solo a longo prazo; Reciclagem de resíduos de origem
orgânica, reduzindo ao mínimo o emprego de recursos não-renováveis; Orientação pelo uso de
recursos renováveis e por sistemas agrícolas organizados localmente; Incentivo à integração entre
os diferentes segmentos da cadeia produtiva e de consumo de produtos orgânicos e a regionalização
da produção e comércio desses produtos; Manipulação dos produtos agrícolas com base no uso de
métodos de elaboração cuidadosos, com o propósito de manter a integridade orgânica e as
qualidades vitais do produto em todas as etapas, cf. art. 1º, parágrafo 1º, incisos I à IX, da Lei n.
10.831/2003.
8
Artigo 181 (Constituição do Estado de São Paulo-1989) - Lei municipal estabelecerá em
conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento,
parcelamento, uso e ocupação do solo, índices, urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações
administrativas pertinentes: §1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão
considerar a totalidade de seu território municipal, e; §2º - Os Municípios observarão, quando for o
312
Introdução
Localizado no nordeste do estado de São Paulo, o município de Franca possui população de
358.539 habitantes e área total de 605,679 km2, sendo 84,00 km2 de área urbanizada por onde se
distribuem os 313.046 habitantes da cidade (IBGE 2010). Desbravado no século XVI, o município
de Franca foi de fato povoado somente a partir do início do século XVIII, com as descobertas das
minas. A abertura das estradas de Goiás em 1722 e do Desemboque propiciaram a formação de
vários pousos, que se constituíram nos primeiros núcleos povoadores da região, conhecidos como
‘Bairro das Canoas’. Em 1838, Franca passou a ser sede de uma comarca e possuir um juiz de
direito, pela lei provincial nº 7, de 14 de março de 1839, devido a situação de revolta. Em primeiro
de março de 1842 foi criado o distrito policial (IBGE, 2022).
Sobretudo no atual cenário em que as cidades terão de lidar cada vez mais com eventos
climáticos extremos, consequência do acelerado aquecimento global desencadeado pela ação
humana no planeta, há que se estudar meios para que os aglomerados urbanos se tornem resilientes
aos estresses advindos desta situação, bem como venham a contribuir para a reversão do processo
de desequilíbrio climático em curso. Portanto, este artigo pretende fornecer um retrato atualizado
da situação das Áreas verdes, Áreas de Preservação Permanente, Áreas Institucionais e Áreas
Patrimoniais no município de Franca/SP, necessário ao bem-estar e saúde dos seus habitantes,
permitindo assim o poder público realizar comparativos visando aplicação de políticas públicas que
versem sobre o tema.
97
UNESP FRANCA. Eng. Agrônomo e Doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP – Rio Claro), e-mail: [email protected]
98
FAFRAM ITUVERAVA. Eng. Agrônomo e Doutor em Microbiologia Agropecuária pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, (UNESP – Jaboticabal), cursando Pós-Graduação em Gestão de Recursos Hídricos
(FAFRAM – Ituverava), e-mail: [email protected]
99
FAFRAM ITUVERAVA. Biólogo e Mestre em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – Botucatu)
cursando Pós-Graduação em Gestão de Recursos Hídricos (FAFRAM – Ituverava), e-mail: [email protected]
100
FAFRAM ITUVERAVA. Eng. Agrônomo pela Universidade de Franca (UNIFRAN) e cursando Pós-Graduação em
Gestão de Recursos Hídricos (FAFRAM – Ituverava), e-mail: [email protected]
314
2 DESENVOLVIMENTO
Processos metodológicos
Referencial Teórico
A construção do conhecimento da relação homem-natureza se realiza em vista aos processos
que ocorrem na sociedade. Assim, o entendimento da problemática ambiental depende da cultura,
ou seja, da vida em sociedade. São as práticas do meio social que determinam a natureza dos
problemas ambientais que cercam a humanidade (QUINTAS, 2006). Atualmente, o problema de
controle de áreas vegetadas nos municípios vem afetando significativamente o desenvolvimento
sustentável. Os impactos ambientais, incluindo a redução da biodiversidade, são, principalmente,
um produto do crescente metabolismo social da economia humana (CAMPOS; CASTRO, 2017).
A urbanização acelerada ocasionou uma dinâmica intensa de ocupação da cidade, ainda que
se trate de um município com amplitude espacial, isto é, com extensão territorial grande se
comparada com a densidade demográfica de outros municípios da região. No entanto, as taxas de
ocupação e crescimento horizontal de Franca, permitiram celeridade na ação antrópica e na
modificação da paisagem (LOPES, et al., 2019). Para caracterizar a área urbana de Franca, são
separadas as Áreas Verdes, Áreas de Preservação Permanente, Áreas Institucionais e Áreas
Patrimoniais.
Área institucional é a parcela do terreno reservada a edificação de equipamentos
comunitários. De acordo com a Lei Federal n°6.766/1979 que dispõe sobre o Parcelamento do Solo
Urbano, em seu artigo 4°, onde afirma que os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos
seguintes requisitos:
315
Neste mesmo artigo, em seu parágrafo 1°, afirma que: “As áreas previstas neste artigo para
uso institucional ou verde não poderão coincidir com área de reserva legal, de preservação
permanente ou faixas ‘non aedificandi’”. Ou seja, as áreas verdes não são consideradas parcelas de
Áreas de Preservação Permanente (APP) ou vice e versa, não sendo contabilizadas no porcentual
mínimo requerido. A Lei Federal 12.651/2012 considera Área de Preservação Permanente – APP,
em seu Artigo 3°, inciso II:
II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Em Franca – SP, foi constituída pela Lei Complementar n° 09/1996, em seu Artigo 47 são
consideradas áreas de preservação permanente florestas e demais formas de vegetação situadas:
316
Segundo Silva et al. (2021), os processos de produção das cidades vêm gerando
consequências nas condições climáticas, nos quais os espaços livres vegetados urbanos são
apontados como estratégias positivas para adaptação e mitigação das alterações climáticas. Os
mesmos autores relatam ainda que os processos de produção das cidades brasileiras, historicamente,
pouco consideraram os elementos naturais no planejamento, criaram espaços altamente
impermeabilizados, rios canalizados, alterações no relevo e retirada da vegetação, sendo que os
efeitos desses processos, somados às alterações climáticas, vêm gerando graves consequências,
como inundações, deslizamentos, poluição atmosférica, formação de ilhas de calor.
As práticas antrópicas sem controle estabelecido e fiscalizado, acarretam em situações de
risco. As situações de risco podem ser evitadas quando o perigo é identificado, ou seja, que
processos naturais ou da ação humana o estão produzindo, em que condições a sua evolução poderá
desencadear um acidente, e qual a probabilidade deste fenômeno físico ocorrer, então avaliar as
consequências que ele causará, assim podendo diminuir o risco através de um melhor
gerenciamento (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006).
A solução para a pressão antrópica e suas consequências socioambientais pode ser vista nos
‘Objetivos de Desenvolvimento Sustentável’, de 2015, onde a Organização das Nações Unidas
(ONU) propôs aos países membros, uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os
próximos 15 anos, a ‘Agenda 2030’, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
os quais buscam assegurar os direitos humanos, acabar com a pobreza, lutar contra a desigualdade
e a injustiça, alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas, agir contra
as mudanças climáticas. Há décadas, a gestão pública nas esferas federal, estadual e municipal vem
através dos instrumentos legais promovendo ações que venham mitigar e compensar os impactos
ambientais causados pela ação antrópica nas áreas urbanizadas.
De acordo com a Carta de Áreas Verdes, Áreas de Preservação Permanente e Áreas Públicas
do Perímetro Urbano de Franca - SP (Prefeitura Municipal de Franca - SP, 2020), a malha
urbana de Franca possui 8.320,64 hectares (ha), sendo esses divididos em Áreas Verdes (636,18
ha); Áreas de Preservação Permanente (APP) (218,02 ha); Áreas Patrimoniais (2,99 ha); Áreas
Institucionais (190,57 ha), Áreas Públicas (1.047,76 ha) e Áreas Ocupadas Construídas (7.272,88
ha). Entretanto, essas quantificações encontram-se em desacordo com o cenário atual da cidade,
fazendo-se necessários novos dados, como proposto por este trabalho.
Resultados e Discussão
317
Com novo levantamento de dados do perímetro urbano de Franca, foi possível estimar de
forma mais atual, a quantificação da grandeza de Áreas Verdes, Áreas de Preservação Permanente
(APP), Áreas Institucionais e Patrimoniais. Resultando em uma nova carta temática (mapa 1).
Como demonstrado anteriormente, realizou-se um levantamento, em 2020, da Carta de
Áreas Verdes, Áreas de Preservação Permanente e Áreas Públicas do Perímetro Urbano de Franca
- SP (Prefeitura Municipal de Franca - SP, 2020), que teve como resultado uma estimativa da
grandeza da malha urbana de Franca, a qual possui 8.320,64 hectares (ha), divididos em Áreas
Verdes (636,18 ha); Áreas de Preservação Permanente (APP) (218,02 ha); Áreas Patrimoniais (2,99
ha); Áreas Institucionais (190,57 ha) e Áreas Ocupadas Construídas (7.272,88 ha).
Entretanto, estes dados encontram-se desatualizados, portanto, a carta apresentada pelos
autores apresenta dados do ano de 2022 da situação das Áreas Verdes, Áreas de Preservação
Permanentes, Áreas Institucionais e Áreas Patrimoniais do perímetro urbano de Franca – SP.
318
Mapa 1. Grandeza estimada de Áreas Verdes, Áreas de Preservação Permanente (APP), Áreas
Institucionais e patrimoniais do perímetro urbano de Franca - SP.
De acordo com o Mapa de Grandeza estimada de Áreas Verdes, Áreas de Preservação
Permanente, Áreas Institucionais e Patrimoniais do Perímetro urbano de Franca – SP, a área total
do perímetro é de 8.602,17 ha, sendo 973,00 ha (11,31%) de Áreas verdes, 247,02 ha (02,87%) de
APPs, 202,08 ha (02,35%) de Áreas Institucionais; 13,43 ha (0,16%) de Áreas Patrimoniais; 858,67
ha (9,98%) de Áreas não construídas e 6.307,96 ha (73,33%) de Áreas Construídas.
Com isso, é possível perceber que a maior parte de Franca é de Áreas construídas sendo
mais que 30 vezes maior que as Áreas de Preservação Permanentes e mais que 6 vezes maior que
as Áreas Verdes. Assim, fica evidente a necessidade de enfatizar a importância não apenas das
moradias urbanas, do crescimento organizado e eficiente da cidade, mas também do cuidado com
as Áreas Verdes e de Preservação Permanente para a garantia de qualidade de vida da população,
319
proteção dos recursos hídricos, proteção contra enchentes, balanço hídrico local e da fauna e flora,
seguindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (2015).
Conclusão
O crescimento urbano causou uma mobilização social e econômica, com ele, também surgiu
a necessidade de demonstrar a importância da saúde pública e do meio ambiente, sendo que ambos
estão relacionados, principalmente a drenagem urbana e o balanço hídrico.
Franca é um município que possui potencial para ser referência regional em
sustentabilidade, para isso, são necessários investimentos em políticas públicas voltadas a sua área
urbana, que incentivem ações sustentáveis, por exemplo um Plano Diretor de Macrodrenagem e
Microdrenagem, para harmonizar com o balanço hídrico.
Este trabalho servirá como ferramenta de planejamento aplicado em políticas públicas de
uso e ocupação do solo, na malha urbana do município de Franca, que são necessárias para a união
da sociedade e natureza e consolidação dessa relação de maneira sustentável, para melhoria da
qualidade de vida e aplicação de práticas de restauração, proteção e conservação da fauna e flora
nativas da área urbana, como preconizam os Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis (ODS,
2015).
Referências
BARGOS, D.C., MATIAS, L.F. Áreas verdes urbanas: um estudo de revisão e proposta
conceitual. Sociedade Brasileira de Arborização Urbana: REVSBAU, Piracicaba – SP, v.6, n.
3, p. 172-188, 2011.
BOLUND, P. HUNHAMMAR, S. Ecosystem Services in Urban Areas. Ecological Economics,
29, 293-301, 1999.
BRASIL, Lei Federal n° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação
nativa. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12651.htm> Acesso em: 15 de jul. 2022
BRASIL, Lei Federal n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo
Urbano e dá outras Providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm> Acesso em: 10 de jun. 2022.
BRASIL, Lei Federal n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%206.938%2C
%20DE%2031%20DE%20AGOSTO%20DE%201981&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20
Pol%C3%ADtica%20Nacional,aplica%C3%A7%C3%A3o%2C%20e%20d%C3%A1%20outras
%20provid%C3%AAncias.> Acesso em: 10 de jun. 2022.
CAMPOS, Renata Bernardes Faria; CASTRO, Josiane Marcia. Áreas Verdes: Espaços Urbanos
Negligenciados Impactando a Saúde. Saúde & Transformação Social. Florianópolis, v. 8, n. 1,
p. 106-116. 2017.
de-novembro-de-1996 Acesso em: 01 de jul. de 2022.
320
FRANCA, Estado de São Paulo. Lei Complementar N° 137, de 18 de dezembro de 2008. Dispõe
sobre o parcelamento do solo no município de Franca e dá outras providências. Disponível em: <
https://leismunicipais.com.br/a/sp/f/franca/lei-complementar/2008/13/137/lei-complementar-n-
137-2008-dispoe-sobre-o-parcelamento-do-solo-no-municipio-de-franca-e-da-outras-
providencias> Acesso em: 11 de jun. 2022.
FRANCA, Estado de São Paulo. Lei Complementar Nº 9, de 26 de novembro de 1996. Disponível
em: https://franca.sp.leg.br/pt-br/legislacao/lei-complementar-no-9-de-26-
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. – São Paulo: Atlas, 2002.
LOPES, M.F.; BERTELLI, C.; BERTELLI, P.H. “Evolução, Impactos e a Mitigação da Drenagem
Urbana de Franca – SP”. Anais do III Seminário de Recursos Hídricos da Bacia do Sapucaí-Mirim
e Grande. p.2 – 20. 2019.
MINISTÉRIO DAS CIDADES – Cities Alliance. Prevenção de Riscos de Deslizamentos em
Encostas: Guia para Elaboração de Políticas Municipais / Celso Santos Carvalho e Thiago Galvão,
organizadores – Brasília: Ministério das Cidades; Cities Alliance, 2006.
MORERO, A.M.; SANTOS, R.F.; FIDALGO, E.C.C. Planejamento ambiental de áreas verdes:
estudo de caso de Campinas-SP. Revista do Instituto Florestal, v. 19, n. 1, p. 19-30, jun. 2007.
NUCCI, J.C. Qualidade ambiental e adensamento urbano. São Paulo, SP: Humanitas, 2001.
ONU - Organização das Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil,
Agenda 2030. Assembleia Geral da ONU, 2015.
QUINTAS, J.S. Introdução à gestão ambiental pública. 2ª ed. revista. – Brasília: Ibama, 2006.
SILVA, Karielle Ferreira da; PEREIRA, Camila Tavares; PERES, Renata Bovo. Variação
Temporal da Temperatura de Superfície da Área Urbana e dos Parques da Cidade de São
Carlos – SP. Revista da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, [S.L.], v. 16, n. 2, p. 20, 12
ago. 2021. Universidade Federal do Parana. http://dx.doi.org/10.5380/revsbau.v16i2.78629.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1982, p.
7 apud. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. – São Paulo: Atlas, 2002.
p. 61.
VOLPATO, Gilson Luiz. Método Lógico para Redação Científica. Botucatu: Best Writing, 2011.
ZHANG, Ran; SUN, Fengyun; SHEN, Yanan; PENG, Shengjing; CHE, Yue. Accessibility of
urban park benefits with different spatial coverage: spatial and social inequity. Applied
Geography, [S.L.], v. 135, p. 102555, out. 2021. Elsevier BV.
http://dx.doi.org/10.1016/j.apgeog.2021.102555.
321
Introdução
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) se caracteriza como uma Política Pública
a partir do momento em que começa a compor parte da agenda governamental em resposta aos
problemas ambientais enfrentados na atualidade. Seu enquadramento enquanto uma uma Política
pública se dá a partir da identificação do problema de consumo e geração deresíduos que por sua
vez apresenta impacto social. No Brasil suas diretrizes são estabelecidas em âmbito nacional, mas
é através da escala local, com a elaboração e implementação dos Planos Municipais de Resíduos
Sólidos que a PNRS deve se concretizar. Tal característica acompanha o movimento das
Políticas Públicas brasileiras que tendem à descentralização (MARTINS, 2017), na qual os
municípios se tornam responsáveis pela implementação.
Nesse sentido, justifica-se a análise da implementação de uma Política Pública Federalem
realidades regionais e locais. O município de Araraquara apresenta uma série de características
que chamam atenção para o campo investigativo da gestão de resíduos sólidos urbanos.
Sobretudo, apresenta uma dinâmica de incentivo à economia local e possui, aindaque de forma
incipiente, o envolvimento entre Estado, sociedade e empresas na temática, oque em tese,
cumpre com com a premissa da responsabilidade compartilhada prevista na lei. Ao tomar como
unidade de análise uma cidade média que se localiza na região central do estado de São Paulo,
procurou-se compreender como é realizada a gestão de resíduos sólidos urbanos, sobretudo os
orgânicos por representarem mais de 50% do total de resíduos produzidos nas cidades brasileiras,
dado que se verifica também na realidade do município. Para além disso, investigar a gestão dos
resíduos orgânicos se torna viável a partir de iniciativas de empresas como a Minhocaria, atuante
na cidade desde 2017, fato que reforça o campo de análise da responsabilidade compartilhada.
O espaço urbano na atualidade representa um campo vasto de estudos sobre a
temáticaambiental, pois ele abriga diversas atividades econômicas sociais e políticas importantes
paraa compreensão da sociedade moderna. Todas as mudanças vivenciadas a partir do processo
deindustrialização e posteriormente de urbanização carregam consigo consequências ambientais,
como é o caso da crescente produção de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). A exemplo disso, no
ano de 2007 o número de resíduos gerados nas cidades já ultrapassava a porcentagem de aumento
101
Graduanda em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. A presente pesquisa está
vinculada ao processo 2021/11653-1 da FAPESP sob orientação do Professor DoutorRafael Alves Orsi
322
populacional (ZAGUETTO, 2018) e, desde então, pouco foi feito para reverter esse quadro. É
nesse cenário que surge a necessidade de estratégias alternativas que conciliem a dimensão social,
ambiental e econômica da vida em sociedade.
Diante dos novos desafios impostos no cenário internacional com relação à temática
ambiental, governos e organizações caminham em busca de alternativas que conciliam
preservação ambiental e crescimento econômico. É nesse contexto que surge na última décadaum
debate mundial acerca da transição do que seria um sistema linear para um sistema circular,
proposto a partir de um manifesto publicado em 2002 por William McDonough e Michael
Braungart denominado “Cradle to Cradle” ou C2C. Tal debate se fortalece ainda mais com o
surgimento em 2009 da Fundação Ellen Macarthur, que se constitui atualmente como referência
em projetos que visam a transição para a Economia Circular (EC). Essa perspectiva ganha
destaque por apresentar mudanças na base produtiva que pode contribuir para a redução da
geração de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) uma vez que para essaabordagem o conceito
de resíduo não deve existir, pois tudo deve ser projetado para retornar ao ciclo produtivo. No
entanto, diversas questões vêm sendo levantadas no que diz respeito a real capacidade desse
sistema circular responder aos problemas ambientais enfrentados na atualidade, o que reafirma a
importância de analisar sua aplicabilidade na realidade concreta (MURRAY, 2017)
No cenário brasileiro as proposições da Economia Circular aparecem de forma incipiente
atrelada a projetos e debates promovidos pelos governos de forma local. A exemplo disso, em
pesquisa anterior realizada no Município de Araraquara, foi possível identificar dentro da Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) diversos pontos que se enquadram nas propostas para
circularidade, o que a primeira instância indica novos horizontes para a agendaambiental do país
a partir de iniciativas locais. Levando em consideração a relevância dessa temática, a presente
pesquisa se utiliza como campo de análise a cidade de Araraquara para responder a seguinte
pergunta: Em que medida as proposições da Economia Circular estão inseridas na gestão de RSU
do Brasil a partir da perspectiva local, e até que ponto esses preceitos respondem às demandas de
um país de capitalismo periférico? O município tomado como campo de análise está localizado
no interior do estado de São Paulo com cerca de 240 mil habitantes e possui uma economia que
se destaca por manter um setor da agroindústria consolidado. No entanto, vale ressaltar que, nos
últimos anos, outros setores da economia vêm se desenvolvendo, sobretudo com o incentivo de
ações do governo para promover uma economia local voltada à temática do desenvolvimento
urbano sustentável.
Para a implementação da PNRS a cidade conta com as ações da Cooperativa Acácia na
realização da coleta seletiva, e do DAAE para coleta dos demais resíduos e limpeza urbana através
de transportadoras de pequeno e grande porte. Além disso, no ano de 2020 o governo municipal
institui uma nova cooperativa chamada Sol Nascente, a partir da capacitação de egressos do
323
sistema penitenciário, para trabalhar com compostagem e limpeza urbana. De acordo com o Plano
Municipal de Saneamento Básico (PMSB), os resíduos que não são coletados pela cooperativa
Acácia têm como destinação final o aterro da cidade de Guatapará/SP, que atende 23 municípios,
sendo Araraquara o segundo maior gerador. O município encaminha para o aterro de Guatapará
cerca de 150 toneladas de resíduos por dia sem nenhum tratamento. Além disso, o Plano
Municipal aponta que são desperdiçados anualmente cerca de 11,5 milhões de reais ao enviar
resíduos apenas de natureza orgânicapara aterros (PMSB, 2014).
Imagem 1
Fonte: https://premio.abrasce.com.br/all_case/abrace-o- planeta/
Com os dados apontados, podemos observar que a procura por serviços de coletas de
resíduos orgânicos vem crescendo na cidade de Araraquara desde 2019 e esse crescimento é
acompanhado pela quantidade de resíduos compostados. No total entre o último quadrimestre de
2019 até 2021 foram tratados cerca de 370 toneladas de resíduos orgânicos que seriam
encaminhados para aterros
sanitários.
Durante o processo de análise dos dados novas questões foram levantadas sobre o
gerenciamento de resíduos da empresa. Nesse sentido foi utilizada a ferramenta SurveyMonkey
para mensurar dados que não estavam dispostos nas planilhas através de um questionário de nove
perguntas para compreender os seguintes aspectos:
1. Enquadramento legal da empresa atualmente MEI ou ME;
2. Tamanho em metros quadrados do pátio de compostagem;
3. Serviços prestados atualmente;
4. Se o número de coletas residenciais inclui os condomínios;
5. Se as coletas em condomínios acontecem nele todo ou apenas algumasresidências;
6. O motivo dos dados das coletas de pequenos geradores dos anos anteriores a2021 não
estarem contabilizados;
7. Bairros mais atendidos;
8. Se existem mecanismos para mensurar a quantidade de rejeitos ou outros materiais que
acabam sendo enviados junto com os resíduos orgânicos;
9. Se a empresa tem se inserido nos debates municipais e regionais sobre Economia Circular
Referente ao enquadramento legal, a empresa atualmente segue funcionando enquanto
MEI e além das coletas, oferta os serviços de palestras para empresas, oficinas e treinamentos
voltados para gestão de resíduos. O pátio possui 1.850 metros quadrados onde são compostados
327
todos os resíduos coletados. Em sua maioria, os bairros das coletas residenciais se concentram no
Jardim Imperador, região que reside moradores de classemédia. Referente a ausência de dados
sobre as coletas de pequenos geradores, a empresa declarou que ela é realizada a coleta desde o
segundo semestre de 2016 e por ser uma quantidade pequena os pesos não eram registrados.
Quanto aos condomínios, apenas algumas casas realizam as coletas, não existindo um contrato
fechado com a gestão do espaço. A empresa informou que tem realizado reuniões e orçamentos
mas o valor alto acaba inviabilizando os contratos.
Quanto aos mecanismos de controle dos materiais que acabam sendo enviados de maneira
inadequada junto com os resíduos orgânicos, como por exemplo microplásticos, plástico filme,
papel alumínio, lacres e etc, não existe nenhum controle sobre a quantidade. A empresa informou
que apenas separa esses materiais durante o processo de triagem no pátio e o descarta de maneira
correta. Por fim, analisando a atuação da empresa em diversas frentes e movimentos municipais
que serão mencionados na sessão seguinte, foi questionado seu envolvimento em debates sobre a
EC. A mesma informou que faz parte de frentes parlamentares da vereadora Fabiana Cristina
Virgílio (PT), sobretudo à frente de direito à cidade. Também foi informado que a lei da moeda
verde no município, que consiste em uma semana de incentivo a troca de materiais recicláveis
enquanto moeda social para descontos emalimentos, foi assinada pelos idealizadores da empresa
junto a vereadora.
Além de oferecer os serviços de coletas residenciais, planos para empresas e venda de
composteiras domésticas, a empresa busca atuar em projetos com organizações da sociedade civil
bem como manter o diálogo com a Prefeitura Municipal de Araraquara. Segundo sua idealizadora,
a microempresa possui uma boa relação com a prefeitura representada poralgumas ações como
a o início da elaboração de um projeto socioambiental em 2017 eprojetos de educação
ambiental em escolas do bairro São Rafael. Além disso, recentemente realizou treinamento e
capacitação de egressos do sistema penitenciário para compor a Cooperativa Sol Nascente,
projeto que visa trabalhar com limpeza urbana, compostagem e hortas urbanas.
Quanto às ações sociais, seus gestores estão envolvidos no projeto Horta Comunitária da
Zona Norte disponibilizando adubos e fertilizantes para a plantação de vegetais e hortaliças, bem
como trabalhando na revitalização do espaço junto com a comunidade local. Todo o montante de
composto e biofertilizante que não é entregue aos clientes residenciais, nem disponibilizado para
projetos ou para a loja abrace o planeja, a empresa comercializacom agricultores da região e
em 2022 passou a embalar no próprio pátio e a distribuir para lojas, floriculturas etc.
Por fim, foi perguntado a gestora quais os impactos da pandemia de Covid-19 foram
sentidos durante os anos de 2020 e 2021, e a mesma respondeu que nos primeiros meses as coletas
diminuíram com a paralisação das atividades nas empresas, mas que em contrapartida as vendas
de composteiras aumentaram. Quando questionada sobre os projetos futuros, a idealizadora
328
mencionou que deseja expandir a venda de composteiras para outras cidades, mecanizar mais os
processos a partir da compra de uma retroescavadeira e expandir o negócio até a capacidade
máxima do pátio para em um segundo momento começar a atuar na ecovila que vem sendo
construída no município por um coletivo da sociedade civil.
Ao caracterizar as ações da empresa Minhocaria, parte-se para o acompanhamento da
agenda do município de Araraquara que versa sobre a temática ambiental e sobre o gerenciamento
de RSU foi acompanhada juntamente com a análise do Plano Municipal de Saneamento Básico
(PMSB). Para a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o município
conta com as ações da Cooperativa Acácia na realização da coleta seletiva, e do DAAE para
coleta dos demais resíduos e limpeza urbana através de transportadoras de pequeno e grande
porte. De acordo com o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), os resíduos que não são
coletados pela cooperativa Acácia têm como destinação final o aterro da cidade de Guatapará/SP,
que atende 23 municípios, sendo Araraquara o segundo maior gerador. O município encaminha
para o aterro de Guataparácerca de 150 toneladas de resíduos por dia sem nenhum tratamento.
Além disso, o Plano Municipal aponta que são desperdiçados anualmente cerca de 11,5 milhões
de reais ao enviar resíduos orgânicos para aterros ao invés de tratá-los adequadamente como
previsto em lei. Ao observar os entraves da gestão municipal em busca da implementação da
PNRS, através dos instrumentos mencionados acima, observa-se uma desatenção na questão dos
resíduos orgânicos que compõem 54% dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) gerados na cidade
(PMSB, 2014) Segundo o PMSB, a coleta dos resíduos é de responsabilidade da Secretaria de
Obrase Serviços Públicos e a autarquia Departamento Autônomo de Águas e Esgoto (DAAE)
compete à função de gerenciar o aterro, a central de triagem e os bolsões de entulho.
O plano realiza a caracterização dos resíduos de acordo com suas classes apresentadas
pela PNRS e pela ABNT NBR 10004, sendo eles divididos em: I Perigosos; II Não-perigosos
(IIA Não-inertes e IIB Inertes). Os Resíduos Sólidos Domiciliares (RSD) fazem parte da
classe IIA, e em sua maioria são de origem orgânica IIA, pois apresentam características de
biodegradabilidade ou solubilidade em água. Sua coleta é realizada por uma empresa contratada
e atende 100% da área urbana da cidade e 30% da zona rural. A disposição final dos RSU se dá
através do aterro sanitário localizado no município de Guatapará, a cerca de 50 km da cidade. O
documento apresenta um estudo sobre a caracterização dos RSU da cidadeno qual observamos
o crescente montante de resíduos orgânicos.
kg % kg %
329
ELEMENTO INFORMAÇÕES
Conclusão
Após compreender como a gestão de RSU é realizada em Araraquara, sobretudo
os impasses e a falta de projetos para a implementação da gestão de orgânicos é possível
traçar um diagnóstico inicial sobre sua relação com a EC. Além disso, podemos
categorizar a gestão de forma comparativa ao diagrama de borboleta (como é visto na
imagem 02) que prevê o fechamento dos ciclos biológicos e técnicos. Na esfera pública,
a legislação e o PMSB ainda enfrenta dificuldades em implementar uma melhor gestão
dos RSD bem como dos orgânicos, sendo boa parte encaminhada ao aterro sanitário, e
portanto não cumprindo com os princípios da EC. No entanto com a coleta seletiva
solidária a partir da cooperativa, boa parte de materiais recicláveis que possuem valor no
mercado são reintroduzidos da cadeia produtiva, o que aponta avanços.
Já na esfera da empresa social Minhocaria, mesmo que em uma escala pequena,
suas atividades e coletas fazem com que os restos de alimentos retornem para o ciclo
332
biológico gerando matéria orgânica e composto para iniciar um novo ciclo de produção
de alimentos. Pensando nesse movimento, a gestão da empresa pode em certa medida se
encaixar nos princípios da EC mesmo que sobre alguns questionamentos em relação às
particularidades da realidade local em detrimento de um conceito desenvolvido e pensado
para outros tipos de empreendimentos. No caso dos orgânicos representante do ciclo
biológico e foco desta pesquisa, bem como no caso da coleta seletiva, a reintrodução de
materiais é feita por organizações que se enquadram no setor 2.5. Ou seja,
empreendimentos sociais e cooperados que se distanciam do perfil de empresas que
globalmente estão envolvidas com a promoçãoda EC. Para analisar em que medida se
assemelha ou se distancia desses preceitos, foielaborado um diagrama da gestão de RSU
na cidade de Araraquara, como se vê na imagem02, que servirá de material para as
próximas etapas da pesquisa.
Referências
ARARAQUARA. Prefeitura Municipal De Araraquara. Plano Municipal De
Saneamento Básico –Pmsb, Araraquara – Sp, 2014.
BRASIL. Lei N. 12.305, De 02 De Agosto De 2010. Política Nacional De Resíduos
Sólidos,
3.Ed Câmara Dos Deputados, Brasília, 2017.
MARTINS, A. M. Formulação E Implementação Do Plano Municipal De Gestão
Integrada De Resíduos Sólidos: Uma Análise Das Forças, Fraquezas, Oportunidades E
Ameaças No Município De Araraquara-Sp. Revista Brasileira Multidisciplinar -
Rebram, [S. L.], V. 20,N. 1, 2017. Disponível Em:
Https://Www.Revistarebram.Com/Index.Php/Revistauniara/Article/View/467. Acesso
333
POLÍTICA E GESTÃO NA
EDUCAÇÃO
335
Introdução
O Currículo Paulista representa uma política pública normativa resultante de ações
que se normatizaram um documento que estabelece as competências e habilidades
essenciais para o desenvolvimento integral dos estudantes paulistas, visando a
implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Enquanto política recente, proveniente de outras políticas públicas voltadas para a
Educação Básica, a sua implementação tem sido impactada pela pandemia da COVID-19
na sua plenitude, uma vez que os documentos iniciais evidenciam ações e prazos que ainda
não foram efetivados, mas que, por outro lado, a parceria público-privado tem desvelado
mecanismos de garantia desse planejamento regulamentalmente posto à sociedade.
Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo principal apresentar o processo de
implantação e a sua execução até o momento, evidenciando o levantamento de documentos
que nortearam a inserção dessa política no Sistema Estadual de Ensino de São Paulo, os
recortes relevantes do processo que impactam nos avanços da Educação Infantil Paulista,
haja vista que os primeiros insumos desvelam que a política proposta pode promover
melhorias para a qualidade essa etapa da Educação Básica, bem como para o
desenvolvimento das crianças de forma plena.
102
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas. Graduada
em Pedagogia pela UNIFRAN, tecnólogo em Gestão da Produção pela FATEC Franca/SP e Filosofia pela
Universidade Federal de São João Del Rei (campus Franca/SP). E-mail: [email protected]
103
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas. Graduada
em Pedagogia e Matemática com habilitação em Física pela Universidade de Franca. E-mail:
[email protected]
104
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas da
Unesp/Franca. Graduada em Letras – Português e Inglês e Pedagogia pela Universidade de Franca. E-mail:
[email protected]
105
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas. Graduada
em Pedagogia pela Unifran – Universidade de Franca-SP. E-mail: [email protected]
106
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas. Licenciado
em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia e Bacharel em Letras com habilitação em Tradutor e
Intérprete da Língua Inglesa pela Universidade de Franca. E-mail: [email protected]
336
A Educação Infantil brasileira passou por diversas mudanças ao longo dos anos e
contempla vários estudos acerca dessa temática. No período colonial as crianças desde
pequenas já tinham o futuro traçado, no qual as negras e as indígenas eram vistas como
adequadas ao mercado de trabalho começando desde muito pequenas, enquanto, as crianças
da elite, filhos dos senhores, possuíam regalias para o estudo e eram privadas de tarefas
domésticas e de qualquer outro tipo de trabalho.
Avançando mais um pouco historicamente, é a partir de meados do século XIX com
a industrialização e com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, em que muitas mães
trabalhadoras se depararam com a falta de um local para deixar seus filhos enquanto
exerciam seus trabalhos laborais, muitas vezes com uma carga horária extensa e noturna.
Tal fato, mobilizou diversas reivindicações, motivando a criação de creches voltadas ao
assistencialismo, atendendo assim, a criança pobre e da mãe trabalhadora.
Por muitos anos, as creches ficaram sob responsabilidade da Secretaria de
Assistência Social, mas foi somente com a Constituição Federal de 1988 que a educação
infantil passa a atender conforme a faixa etária, assim afirma o artigo 208, inciso IV: “O
dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de [...] atendimento em
creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988). Nesse sentido,
a lei prevê a educação infantil como um direito de todos, sendo parte integrante do sistema
educacional e oferecida de forma gratuita e deixando de ter cunho assistencial. Vemos que
a Constituição abre novas oportunidades de um debate mais detalhado sobre a educação,
possibilitando a criação de novas leis que elevem a qualidade do ensino em nosso país
sobretudo na primeiríssima infância. Outro marco relevante na educação, é a promulgação
da Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/ 96) onde no artigo 29
enfatiza a educação infantil conforme a faixa etária, sendo o atendimento de creches e
entidades equivalentes para crianças de zero a três anos e a pré-escola para crianças de
quatro a cinco anos de idade.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), surge em 1998
como resultado de discussões em âmbito nacional, com a contribuição de professores e
profissionais que atendem as crianças de creches e pré-escolas. O RCNEI (1988) é composto
por três volumes: Formação Pessoal e conhecimento de Mundo; Identidade e Autonomia;
Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e
Matemática. O Referencial foi preparado como um guia de reflexão didática e educacional
onde prevê o respeito a diversidade cultural e pedagógica brasileira (BRASIL, 1998, p.9).
Nesse mesmo ano, cria-se Subsídios para o Credenciamento e Funcionamento das
Instituições de Educação Infantil (BRASIL, 1998) que prevê os fundamentos legais,
princípios e orientações gerais para a educação infantil brasileira. Os Indicadores da
337
Qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009, p.14), foi concebido “com o objetivo de
auxiliar as equipes que atuam na educação infantil, juntamente com as famílias e as pessoas
da comunidade, a participar de processos de autoavaliação de creches e pré-escolas [...].
Nesse sentido, os Indicadores contribuem para que as instituições de educação infantil
tracem meios para que suas práticas educacionais estejam interligas aos direitos
fundamentais da criança.
o Currículo Paulista foi homologado pelo Secretário Estadual de Educação. Este documento
versa sobre o processo de (re)elaboração, implantação e implementação dos Currículos dos
municípios e das propostas pedagógicas das escolas. (SÃO PAULO, 2019, p. 24 – 25).
O objetivo da organização curricular do Estado de São Paulo é diminuir as
desigualdades educacionais dos estudantes, já que propõe a equidade levando em conta as
diferentes necessidades do educando.
Segundo a perspectiva defendida pelo Currículo Paulista, a equidade diz
respeito à inclusão de todos os estudantes nas escolas e à garantia de seu
direito a educação pública e de qualidade prevista na LDB, na
Constituição, na legislação estadual e dos municípios paulistas. Diz
respeito, ainda, à necessidade de respeitar a diversidade cultural, a
socioeconômica, a étnico-racial, a de gênero e as socioculturais presentes
no território estadual. Promover a equidade supõe também dar respostas
adequadas e com respeito ao público atendido nas modalidades da
Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo,
Educação Escolar Indígena e Educação Escolar Quilombola, segundo as
necessidades locais. (SÃO PAULO, 2019, p. 26-27)
Assim, para o atendimento de bebês (zero a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas
(1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses), o
Currículo volta-se às vivências familiares, comunitárias e culturais. Falar de infância não é
339
um mero recorte temporal da vida dos sujeitos, mas é reconhecer que esta fase se altera em
diferentes meios sociais e culturais e que é um movimento múltiplo, que vai se conceber a
partir de diferentes processos: cognitivo (dimensões da mente), físico (motoras), social
(trocas sociais, interação), afetivo (emoções), cultural (construções culturais) e linguístico
(comunicação, língua). Tal como discorre a BNCC da Educação Infantil, há eixos
estruturantes que orientam o Currículo Paulista e garantem os direitos de conviver, brincar,
participar, explorar, expressar e conhecer-se.
A instituição infantil, ou seja, a escola, assume um espaço de priorização das
interações e as brincadeiras como eixos estruturantes, elementos que norteiam o tempo e o
espaço na etapa, por sua vez, os professores devem priorizar o protagonismo da criança,
reconhecendo que a mesma é um sujeito dotado de direitos, legitimando-a a assumir a sua
realidade por meio de uma escuta ativa e propostas norteadoras. A família e a escola devem
estar em vinculadas, compartilhando responsabilidades e conhecendo as especificidades de
cada instituição. Os Campos de Experiências do Currículo Paulista, norteados pela BNCC,
são “
O Eu, o outro e o nós: as propostas que envolvem este campo privilegiam
as experiências de interação, para que se construa e se amplie a percepção
de si, do outro e do grupo, por meio das relações que se estabelece com
seus pares e adultos, de forma a descobrir seu modo de ser, estar e agir no
mundo e aprender, reconhecer e respeitar as identidades dos outros;
Corpo, gestos e movimentos: As experiências com o corpo, gestos e
movimentos devem promover a validação da linguagem corporal dos
bebês e das crianças e potencializar suas formas de expressão,
aprimorando a percepção do próprio corpo e ampliando o conhecimento
de si e do mundo; Traços, sons, cores e formas: os saberes e
conhecimentos trazidos nesse campo potencializam a criatividade, o senso
estético, o senso crítico e a autoria das crianças ao construírem, criarem e
desenharem usando diferentes materiais plásticos e/ou gráficos, bem como
desenvolvem a expressividade e a sensibilidade ao vivenciarem diferentes
sons, ritmos, músicas e demais movimentos artísticos próprios da sua e de
outras culturas; Escuta, fala, pensamento e imaginação: as experiências
nesse campo respondem aos interesses das crianças com relação a forma
verbal e gráfica de comunicação como meios de expressão de ideias,
sentimentos e imaginação. Propõem a inserção de vivências relacionadas
aos contextos sociais e culturais de letramento (conversas, escuta de
histórias lidas ou contadas, manuseio de livros e outros suportes de escrita,
produção de textos orais e/ou escritos com apoio, escrita espontânea etc.);
Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações: os saberes e
conhecimentos que envolvem esse campo atendem a curiosidade dos
bebês e das crianças em descobrir o sentido do mundo e das coisas, por
meio de propostas com as quais possam testar, experimentar, levantar
hipóteses, estimar, contar, medir, comparar, constatar, deslocar, dentre
outros. (BRASIL, 2017, p. 40)
Ainda que o Currículo Paulista contemple uma organização de como fazer para as
instituições, docentes e famílias e esses possibilitem encontros, interações lúdicas, noção de
tempo e espaço para as crianças, deve-se compreender que toda a estrutura curricular é
340
meramente diretiva, já que são os atores, as crianças, quem direcionará quanto ao caminho
a seguir, não há garantias de planos completos. (BARBOSA, 2015, p. 195)
107
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo é uma avaliação externa, aplicada
anualmente, pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo para avaliar de forma sistemática o Ensino
Básico no Estado e produzir um diagnóstico da escolaridade com o intuito de orientar a gestão do ensino e do
monitoramento das políticas públicas de melhorias na educação paulista.
341
Considerações Finais
A Educação Infantil no Brasil, enquanto etapa fundamental para a Educação e o
desenvolvimento das crianças, vem ganhando espaços de discussões, pesquisas e de
planejamento e implantação de políticas públicas que visam atender aos direitos da criança
previstos constitucionalmente e às peculiaridades da infância.
É valoroso destacar que a criança enquanto sujeito social e de direitos teve
relevância nos últimos trinta anos, o que, de certa forma, as políticas públicas voltadas para
a infância têm sido estruturadas e executadas em passos lentos.
Cunha (2016) evidencia que o atraso e a morosidade que atinge as políticas para a
infância advém das marcas da colonização europeia. Os naufrágios durante o período da
colonização e a escravidão são problemas consideráveis que se fazem presentes no estudo
da infância no Brasil, principalmente, a ausência de relatos históricos da trajetória da
criança.
Com a promulgação da Constituição de 1988, na qual explicita a Educação Infantil
como direito de todas as crianças do país, e por meio da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional a qual estabelece que a oferta à educação para a faixa etária de 0 a 5
anos a fim de complementar a ação das famílias e da comunidade.
O Currículo Paulista, enquanto política norteadora de demais políticas públicas
educacionais para o Sistema Estadual de Ensino de São Paulo, prevê objetivos consideráveis
para a minimização de desigualdades e, principalmente, a valorização dos espaços de
interações e brincadeiras como eixos primordiais para o protagonismo da criança. Em
contrapartida, os documentos públicos desta política reiteram a importância de mecanismos
de acompanhamento da sua implementação, o que ainda não foi evidenciado a qualidade
desse processo, bem como os primeiros impactos e resultados dessa política por meio da
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
343
Referências
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; RICHTER, Sandra Regina Simonis. Campos de
Experiência: uma possibilidade para interrogar o currículo. Campos de experiências na
escola da infância: contribuições italianas para inventar um currículo de educação
infantil brasileiro. Campinas: Leitura crítica, 2015. P. 185-198, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília:
MEC/CNE, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do
Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Subsídios para credenciamento e funcionamento de Instituições de Educação Infantil.
Brasília, MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Ministério da Educação.
Secretaria da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2009.
__________. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Brasília, DF, 23 de dez. de 1996.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Brasília, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.
CAMILO, Camila (org.) Material educacional Nova Escola: Educação Infantil:
Caderno do Professor de São Paulo. 1.ed. São Paulo: Associação Nova Escola, 2021.
CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Deliberação CEE n° 169/2019. Fixa normas
relativas ao Currículo Paulista da Educação Infantil e Ensino Fundamental para a rede
estadual, rede privada e redes municipais que possuem instituições vinculadas ao Sistema
de Ensino do Estado de São Paulo, e dá outras providências. Disponível em:
https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/mpb-169-
2019_60d99e7d47af5.pdf?query=INOVA%C3%87%C3%83O. Acesso em: 02 de
novembro de 2022.
CUNHA, Ione da Silva. A evolução das políticas de atendimento à infância no Brasil:
entre concessões e o reconhecimento de direitos. Revista de Estudos Aplicados em
Educação. v.1, n.2, ago./dez. 2016
Currículo em Ação para Redes Municipais. Disponível em: https://www.undime-
sp.org.br/wp-content/uploads/2022/pdf/curriculopaulista/curriculo_23.pdf . Acesso em
07.11.2022
SÃO PAULO, Secretaria de Estado da Educação. Resolução de 06-08-2019. Fixa normas
relativas ao Currículo Paulista da Educação Infantil e Ensino Fundamental para a rede
estadual, rede privada e redes municipais que possuem instituições vinculadas ao Sistema
de Ensino do Estado de São Paulo, e dá outras providências. Disponível em:
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/RESOLU%C3%87%C3%83O,%20DE%20
6-8-2019.HTM?Time=09/12/2022%2015:38:36 . Acesso em: 02 de novembro de 2022.
Disponível em: https://www.undime-sp.org.br/curriculopaulista/. Acesso em 07.11.2022
Disponível em: https://www.undime-sp.org.br/1seminariodeeducacaoinfantil/ . Acesso
em: 08.11.2022
344
Introdução
Segundo Dayrell (2003, p.153), ‘’Seria limitado olhar para a juventude apenas
como algo passageiro, sem reconhecer sua singularidade’’. Dessa forma, cabe refletir
acerca do processo de desenvolvimento da adolescência e de suas consequências na vida
cotidiana destes jovens. Assim sendo, o objetivo deste projeto de extensão tem como base,
compreender e acolher a vivência de adolescentes aprendizes frente aos desafios do
mercado de trabalho, atrelados com o desenvolvimento da adolescência e as questões
singulares que a envolvem. O projeto: PROGRAMA DE EXTENSÃO: PARA ALÉM DO
MERCADODE TRABALHO: PROJETO DE VIDA E PROMOÇÃO DA SAÚDE COM
ADOLESCENTES APRENDIZES- ANO III da Universidade Federal do TriânguloMineiro
(UFTM), objetiva analisar os fatores de vulnerabilidade, sobretudo em que direitos como
à Saúde e a Educação estão fragilizados e propondo um espaçoseguro, de acolhimento,
conversas e reflexões sobre diversos âmbitos de vida.
Desenvolvimento
O método de desenvolvimento, se deu a partir de uma equipe composta por 15
estudantes, divididos em grupos, alunos graduandos dos cursos de Psicologia e Terapia
Ocupacional da UFTM em que eram coordenados pelo discente coordenador do projeto de
Extensão. O local de atuação se dá em uma Fundação Pública de Uberaba, MG. Em que
os encontros com os jovens aconteciam de forma quinzenalmente, enquanto que os
graduandos realizavam um encontro semanal com o orientador do Programa para
formações.
108
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Graduanda em Psicologia. [email protected]
109
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Doutor em Saúde Coletiva. E-mail.
[email protected]
110
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Graduanda em Psicologia. E-mail:[email protected]
111
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Graduanda em Psicologia. E-mail:[email protected]
112
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Graduanda em Psicologia. E-mail:[email protected]
345
os jovens para que tais situações não venham a se tornar um ciclo comum e frequenteda nossa
realidade brasileira.
Segundo Bock (2007, p. 68), situa a adolescência e a juventude como resultado de
mudanças socioeconômicas, percebendo a adolescência como um “período de latência
social constituída a partir da sociedade capitalista gerada por questões de ingresso no
mercado de trabalho e extensão do período escolar, da necessidade dopreparo técnico’’.
Assim, podemos refletir acerca do que seria a adolescência na nossa sociedade
atualmente, o preparo dos jovens para o mercado de trabalho e a diminuição dos mesmos
nas salas de aula e sua correlação. O neoliberalismo e a produção em massa, pode ser
associada também de acordo com esta fala do autor, com o inicio ao mercado de trabalho
de modo com que mais jovens estejam presentes no mercado de trabalho, isto acarreta
muitas angustias nos jovens e através de diálogos observados nas rodas de conversa
durante os encontros, fica nítido o quanto o desgaste emocional perpassando questões do
adolescer e de ser adolescente com o mercado de trabalho, se torna algo mais comum.
O projeto, visou trabalhar o enfoque com evasão escolar e mercado de trabalho,
justamente por se tratar de uma temática atual que atinge os alunos da FETI. O espaço de
acolhimento do projeto, visava propor o local de fala dos adolescentes do qual era
inexistente em suas realidades. O projeto tem como principal objetivo e justificava
promoção de saúde para estes jovens, em forma de encontros, atividades e conversas. Dos
quais foi possível ver os resultados dos participantes.
Além disso, o desenvolvimento entre os próprios alunos graduandos da UFTM se
deu de forma com que aprendessem a trabalhar em equipe e a lidarem com temáticas que
perpassam suas áreas de atuação, no caso o curso de psicologia e o curso de terapia
ocupacional. O projeto de extensão, colabora com o ensinamento dos estudantes visando
com que estes tenham práticas pautadas no ensino e extensão.
Conclusões
Concluindo, o projeto: PROGRAMA DE EXTENSÃO: PARA ALÉM DO
MERCADO DE TRABALHO: PROJETO DE VIDA E PROMOÇÃO DA SAÚDE COM
ADOLESCENTES APRENDIZES- ANO III da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM), se faz necessário na medida em que visa promover a saúde dos jovensaprendizes
e promover um local de promoção de reflexões, debates e de acolhimento de angustias que
não é recorrente na rotina dos mesmos.
Dessa forma, foi possível notar a medida dos encontros, que os mesmos alunos que
antes se angustiavam e não participava de discussões, retornavam comfeedbacks positivos
aos graduandos acerca de como o projeto e encontros estavam dandoretornos positivos
347
para a sua saúde mental. Além disso, alunos que antes não tinham conhecimento acerca
da evasão escolar, ou que não refletiam de como as consequências desta ação podem afetar
as suas vidas e educação, conseguiram repensar acerca da temática e partilhar seus
pensamentos.
O projeto visa trabalhar outras temáticas acerca da adolescência, do mercado de
trabalho e principalmente temáticas que estão presentes na vida destes jovens. Para que
haja assim a promoção de um espaço seguro de acolhimento, uma rede de proteção e um
amparo destes jovens.
Dessa forma, o estudo através da colaboração de ensino e extensão, foi benéfico
para estes adolescentes aprendizes de acordo com relatos informais dos jovens, além de
feedbacks diários em que os mesmos informavam o que os extensionistas poderiam levar
para os encontros como uma temática e como forma de dar voz a estes adolescentes. Outro
ponto marcante que ficou como conclusão, se dá as questões pautadas nas políticas
públicas e nesta dualidade dos jovens aprendizes, uma vez que estão respaldadas por leis
que garantem seu bem-estar no mercado de trabalho e a sua educação, porém, na prática,
infelizmente muitos jovens acabam tendo a sua educação escolar evadida, para que possam
continuar no mercado de trabalho. Entretanto, muitos permanecem no manuseio entre as
duas frentes: Mercado de trabalho e vida escolar, mas acabam se desgastando
mentalmente, passam por estresses e acabam tendo condições de ensino que são, mais
prejudicadas do que o jovem que não estuda e trabalha.
O impacto na saúde mental dos adolescentes é notório através das conversas e
diálogos realizados ao longo dos encontros da FETI, porém, quando comparadas as
respostas relacionadas a saúde mental dos aprendizes antes de serem iniciados os encontros
do projeto, com os feedbacks colhidos ao final do projeto, foi possível percebera diferença
que esta extensão gerou na vida destes jovens. A escuta e o local de fala oferecidos aos
jovens, foi capaz de melhorar em questões relacionadas ao estresse cotidiano. Estes pontos,
foram observados e relatados por estes aprendizes. Dessa forma,o programa tem um papel
de promoção de saúde aos adolescentes essencial, pois, muitosos jovens da instituição estão
em situação social de vulnerabilidade e como já foi relatadopor eles, em outros locais eles
não possuem esta oportunidade tal como no projeto que visa acolhe-los e dialogar de
diversos temas.
Assim, é possível proporcionar uma adolescência digna, com um desenvolvimento
mental saudável para estes jovens, o que certamente é fruto de muito trabalho dos
extensionistas articulado as demandas dos jovens que necessitam de amparos.
Na questão da vida escolar, foi relatado e observados que os aprendizes não
conheciam a UFTM, ou que era possível adentrar em faculdades privadas através de bolsas,
348
Referências
Abramovay, M., & Castro (2015). M. Ser jovem no Brasil hoje: políticas e perfis da
juventude brasileira. Cadernos Adenauer, 16(1), 13-25. Disponível
em:https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=55825619-323e-712f-2f0a-
f7b2fb31 b673&groupId=265553.
BARBOSA SILVA, Larissa Horácio; PEREIRA, Álvaro Itaúna Schalcher; RIBEIRO,
Francisco Adelton Alves. Reflexões sobre os conceitos de adolescência e juventude:
uma revisão integrativa. Revista Prática Docente, v. 6, n. 1, e 026, 2021.
Rizzo, Catarina Barbosa da Silva e Chamon, Edna Maria Querido de Oliveira. O sentido
do trabalho para o adolescente trabalhador. Trabalho, Educação e Saúde [online]. 2010,
v. 8, n, pp. 407-417
349
Introdução
Os assuntos que envolvem o universo do adolescer são os mais variados, perpassando
por questões delicadas que necessitam de atenção de todos os atores de uma Rede de
Proteção. O intuito é proteger esta etapa do ciclo de vida, proporcionar um desenvolvimento
que represente a efetividade das garantias fundamentais do ser humano, alinhada à legislação
específica deste público, destes, os direitos preconizados na Constituição Federal (1988) e
no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Com este objetivo alguns atores sociais
envolvidos na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, bem como a formação de
alunos e integrantes da rede de proteção, se uniram para colocar em prática um formato de
trabalho que consiga integrar agentes da educação municipal, da rede de proteção e de alunos
de escolas municipais.
Esse processo vislumbra o fortalecimento das ações de prevenção à violação dos
direitos fundamentais, mas, sobretudo, a promoção dos mesmos direitos por meios das
políticas públicas. Associado ao fomento do pensamento crítico dos adolescentes, haja vista
que refletir os temas do adolescer podem buscar auxílio na efetivação das políticas públicas,
sob a forma de direitos. Essa busca permite, ainda, torná-los importantes agentes
multiplicadores e protagonistas da defesa de seus próprios direitos.
Como é sabido, o período de pandemia de Covid-19 impactou severamente a todos,
contudo, os adolescentes em situação de vulnerabilidade individual e social se viram alijados
da efetivação do direito à educação, ao trabalho protegido, à cultura, e mesmo ao convívio
familiar. Ficando expostos à violência intrafamiliar em suas muitas manifestações, como
violência sexual e o trabalho infantil. Situações que podem – e já estão produzindo –
inúmeros impactos no desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Ou seja, a
propalada doutrina da proteção integral se viu longe de sua efetividade devido à herança
histórica de desigualdades, às quais foram agudizadas pela pandemia.
113
Universidade Estadual de São Paulo. Especialista em Direito de Família e Sucessões e Mestranda no
Programa de Análise e Planejamento de Políticas Públicas. E-mail: [email protected];
114
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Doutor em Saúde Coletiva. E-mail. [email protected];
115
Universidade Estadual de São Paulo. Mestra em Serviço Social pela Unesp Franca. E-mail:
[email protected];
350
Nessa seara, o setor Educação foi um dos que imediatamente observou os impactos
da pandemia nos estudantes. E ainda, um dos que reconheceram que isoladamente pouco ou
nada poderiam promover para fazer frente a este estado de coisas. Outrossim, reconhecemos
que a intersetorialidade é, para além de um conceito associado à gestão pública, alberga uma
prática política. Logo, para minimizar os impactos da pandemia no processo educacional é
que fora construída uma proposta intersetorial. A construção de um Processo Formativo,
oriundo de uma experiência ulterior com usuários de drogas e suas famílias aliada a serviços
de saúde mental, de educação e de proteção social foi trazido à tona pelo Prof. Dr. Ailton
Souza Aragão para uma equipe de profissionais.
O Processo está ancorado no conceito de intersetorialidade e na participação dos
envolvidos e dos cidadãos, aqui, os adolescentes estudantes na rede pública municipal de
ensino. Em sua dialogicidade, as políticas públicas, que convergem para a proteção integral,
se efetivam a partir das experimentações dos envolvidos, da problematização dos temas
cotidianos que perpassam o Adolescer e o saber-fazer dos profissionais envolvidos no
Processo, que será detalhado a seguir.
perspectiva de aposta ao jogo social, com uma característica de ser semicontrolado e com
futuros imprevisíveis. Todavia, traz possibilidades de estratégias para que seja possível.
Conclusões
O Processo Formativo tem evidenciado que a pandemia de Covid-19 não impactou
apenas o sistema de saúde, mas fragilizou as famílias e os adolescentes estudantes e,
sobretudo, deixou os profissionais da educação reféns quanto às melhores formas de intervir.
O diagnóstico para uma capacitação sob a forma de um Processo indica a relevância do
trabalho intersetorial e, sobretudo, a superação de ações formativas episódicas e
fragmentadas. E, em se tratando de adolescentes estudantes, que estes sejam estimulados a
agirem como atores sociais multiplicadores.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 ou. 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 de
novembro de 2022.
BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 28 de novembro de
2022.
DAGNINO, Renato, CAVALCANTI, Paula Arcoverde, COSTA, Greiner. Gestão
Estratégica Pública. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2016.
MATUS, Carlos. O plano como aposta. 1991, v. 5, n. 4, p. 28-42, 1991.
PEREIRA, Potyara A. P. A intersetorialidade das políticas sociais numa perspectiva
dialética. Pereira PAP, organizador. Política social: temas e questões. São Paulo: Cortez, p.
1-22, 2008.
355
Introdução
A pandemia trouxe uma grande transformação nos hábitos da população brasileira
e do mundo. Ceifou a vida de milhares de pessoas pelo globo e impôs a adoção de novos
hábitos, além de exigir que as estratégias de gestão, pública e privada, fossem repensadas. O
primeiro caso de covid-19 foi registrado no Brasil em 26 de fevereiro de 2020 (BRASIL,
2020a). Em razão da rápida transmissão, da inexistência de vacina e de tratamentos eficazes
para combate ao vírus, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a recomendar ações
de prevenção à contaminação tais como, lavagem das mãos, uso de máscaras faciais e
restrição de contato social. A adoção do distanciamento social como uma das principais
medidas de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus, afetou o funcionamento de
universidades, escolas, transporte público, etc. (MALTA, 2020). Em nosso país, ocorreu o
fechamento temporário de diversos empreendimentos comerciais como restaurantes,
cinemas, teatros, etc.; aulas presenciais nas unidades de ensino infantil, fundamental, médio
e superior foram suspensas. Em alguns municípios brasileiros foi adotada a restrição total
da circulação de pessoas, prática que ficou conhecida como lockdown (BELO
HORIZONTE, 2020). Esse cenário exigiu o replanejamento das políticas públicas,
principalmente aquelas voltadas às áreas da saúde e da educação. As ações governamentais
tiveram que atender a novas demandas surgidas com a pandemia.
O presente estudo tem por objetivo realizar um levantamento das estratégias
adotadas pela Secretaria de Educação de Minas Gerais durante a situação de pandemia, a
partir de um estudo de campo realizado em duas escolas públicas estaduais situadas no
município de Passos, MG. O estudo configura-se como pesquisa exploratória, qualitativa e
quantitativa. Além do levantamento bibliográfico de artigos sobre a temática pesquisada, foi
realizado o levantamento da legislação relacionada às estratégias de enfrentamento dos
desdobramentos da pandemia nas escolas públicas de Minas Gerais, adotadas pelo poder
público, sobretudo a Resolução SEE Nº 4.310/2020 e a Lei Federal nº 13.987/2020. Além
116
UNESP. Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Pública. UNESP, campus de Franca. E-mail:
[email protected]
117
UNESP. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas
Públicas. UNESP, campus de Franca. E-mail: [email protected]
356
disso, foi realizada uma verificação das plataformas digitais oferecidas pela Secretaria de
Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) como suporte para as escolas públicas
estaduais nas ações educativas no período da pandemia.
O estudo se deu a partir de uma pesquisa de campo realizada em duas das maiores
escolas estaduais da cidade de Passos, município situado na Mesoregião Sul e Sudoeste do
estado de Minas Gerais, com uma população de 115.337 habitantes e 164 anos de
emancipação (IBGE, 2021). O critério para a escolha das unidades de ensino foram o número
de matrículas (no mínimo 500 matrículas anuais cada escola) e que as instituições escolhidas
para o estudo possuíssem pelo menos 30 anos de fundação.
O passo seguinte foi a realização de uma pesquisa de campo. Foram entrevistados
61 alunos das duas escolas pesquisadas, sendo 29 estudantes da Escola Estadual Nossa
Senhora da Penha e 32 alunos da Escola Estadual Deus Universo e Virtude. As entrevistas
foram realizadas presencialmente, nas dependências das instituições escolares estudadas,
entre os dias 12/11/2021 e 13/12/2021 com os docentes e entre os dias 02/12/2021 e
09/12/2021 com os estudantes. Foram entrevistados 14 docentes das duas instituições de
ensino através de entrevistas semiestruturadas, pelas quais foi possível se verificar a
funcionalidade das plataformas digitais, o nível de dificuldade para seu uso e frequência de
utilização pelos professores. A etapa final da pesquisa consistiu na compilação e
interpretação dos resultados obtidos.
As escolas pesquisadas
EE Deus Universo e Virtude
A E.E. Deus Universo e Virtude, conforme consta no documento de seu projeto
político pedagógico (PPP), iniciou atendimento em 15/02/1965 e situa-se na Rua dos
Tapajós, 1984, no bairro Nossa Senhora Aparecida, CEP-37900524, periferia da cidade. Mas
a sua trajetória teve início no ano de 1962 quando a escola foi legalizada, conforme disposto
no artigo 29 da Lei nº 2610 de 08/01/1962 (Código do Ensino Primário). Com base no
Decreto nº 6932 de 16/04/1963 determina-se a instalação da Entidade Escola junto à loja
Maçônica Deus, Universo e Virtude, na Rua Sete de Setembro no centro de Passos. A partir
do dia 23 de setembro de 1968 assumiu a denominação de “Escolas Reunidas de Deus,
Universo e Virtude”. Apesar de seu endereço central, a instituição priorizava o atendimento
a estudantes em condições de vulnerabilidade social oriundos principalmente dos bairros
Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora das Graças. O distanciamento da escola dos
bairros dos alunos atendidos fazia com que a maioria das crianças frequentassem as aulas
em dias alternados. A partir do ano de 1984, a escola passou a contar com prédio próprio, no
atual endereço e recebeu a denominação de “Escola Estadual Deus, Universo e Virtude”
357
1.2.0.C.E. No ano de 1987 a instituição passou a atender alunos dos anos finais do Ensino
Fundamental, conforme previsto no Plano de Ofertas Educacionais e Resolução nº6050/86
MG. 14/02/87. Em 1992 houve a criação do Colegiado Escolar, importante instrumento de
atuação da comunidade na tomada de decisões estratégicas da escola. No ano de 2005 teve
início o atendimento a estudantes do Ensino Médio pela Portaria nº 61/05 MG. 15/01 (EE
DEUS UNIVERSO E VIRTUDE, 2019). A partir de 2020, com vistas ao atendimento das
necessidades da comunidade escolar, foi introduzido o Ensino Médio Integral.
instituições escolares escolhidas para o presente estudo foram a Escola Estadual Deus
Universo e Virtude, localizada no Bairro Nossa Senhora Aparecida, região periférica do
município, que atende estudantes do Ensino Médio em Tempo Integral e a Escola Estadual
Nossa Senhora da Penha, localizada no bairro Penha, região central da cidade, que atende
exclusivamente alunos no ensino regular.
Conclusões
Iniciativas como a impressão de material didático dos PETs e sua entrega aos
discentes podem ter mitigado as defasagens causadas pela situação de pandemia. Mas os
dados obtidos através da pesquisa de campo sinalizam que as dificuldades quanto ao acesso
aos recursos digitais (computadores, aparelhos smartphones e internet rápida) ainda foram
obstáculos encontrados por um número relevante de alunos (40,98% dos estudantes
consultados) nas duas escolas pesquisadas. Entre os docentes das duas instituições de ensino,
os resultados da pesquisa apontaram para um índice relativamente baixo de docentes que
não possuíam as ferramentas necessárias para se trabalhar com as aulas online em seus lares
(14,29%), mas ainda indica limitações no alcance da proposta da Secretaria de Educação de
Minas Gerais. Tais informações sugerem que esses obstáculos podem ter diminuído a
eficiência e o alcance do planejamento da SEE-MG para o enfrentamento da pandemia.
Referências
AGÊNCIA MINAS. Escolas desenvolvem estratégias para garantir aprendizado com os
PETs. Secretaria-Geral. Belo Horizonte, 2021. Disponível em:
https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/escolas-desenvolvem-estrategias-para-
garantir-aprendizado-com-os-pets. Acesso em 28 jun. 2022.
BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura Municipal. Decreto nº 17.297, de 17 de março de
2020. Declara situação anormal, caracterizada como Situação de Emergência em Saúde
Pública, no Município de Belo Horizonte em razão da necessidade de ações para conter a
propagação de infecção viral, bem como de preservar a saúde da população contra o
Coronavírus – COVID-19 [Internet]. Diário Oficial do Município DOM; Belo Horizonte
(MG); 2020 mar 17 [citado 2020 jun 6];26(5976):extra. Disponível
em: http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1226967 [ Links ]
BRASIL, Lei nº 13.987/2020. PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO
ESCOLAR – PNAE. 2020b. Caderno de Legislação 2021. FNDE Ministério da Educação.
Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.987-de-7-de-abril-de-2020-
251562793. Acesso em 28 jun. 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Painel coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério de Saúde;
2020a. Acesso em 20 nov. 2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ [ Links ]
CETIC. TIC Kids Online Brasil 2019. Resumo Executivo. Disponível em:
https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20201123115919/resumo_executivo_tic_dom_2019.pdf.
Acesso em: 21 jan. 2021.
COSTA, F. A; WIZIACK, S. K. L. Políticas Públicas para Educação Básica do Brasil
durante o período da Pandemia do Covid-19. Notas de Trabalho, nº 8. Franca, 2021.
Disponível em: https://www.franca.unesp.br/Home/ensino/pos-
graduacao/planejamentoeanalisedepoliticaspublicas/lap/2020-fabiano-stella_notas-8.pdf.
Acesso em 23 jun. 2022.
362
MINAS GERAIS. Resolução SEE nº 4310/2020. Dispõe sobre as normas para a oferta de
Regime Especial de Atividades Não Presenciais, e institui o Regime Especial de
Teletrabalho nas Escolas Estaduais da Rede Pública de Educação Básica e de Educação
Profissional, em decorrência da pandemia Coronavírus (COVID-19), para cumprimento da
carga horária mínima exigida. Disponível em:
https://www2.educacao.mg.gov.br/images/documentos/Resolucao%20SEE_N__4310.pdf.
Acesso em 02 nov. 2022.
MINAS GERAIS. Plano de Estudos Tutorados. Belo Horizonte, 2022. Disponível em:
https://estudeemcasa.educacao.mg.gov.br/pets_ocultoeleicao/pet-ensino-m%C3%A9dio-
2022-oculto. Acesso em: 02 nov. 2022.
MALTA, Deborah Carvalho et al . A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de
vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiologia e Serviço de Saúde,
Brasília, v. 29, n. 4, e2020407, set. 2020 . Disponível em:
http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
49742020000400025&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 29 nov. 2022.
363
118
Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências humanas e Sociais.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas.
[email protected]
364
criou o seu 8º caderno de educação, dessa vez, voltado totalmente para os seus princípios
educacionais119.
Sendo assim, a metodologia aqui utilizada é a de análise documental da BNCC a
partir da perspectiva que o caderno nº8 apresenta. Para essa análise, foi realizada uma
comparação entre conceitos, objetivos, princípios e outros termos chaves entre os dois
documentos, para que fosse possível mapear possíveis semelhanças e diferenças.
119
O primeiro caderno de educação foi criado em 1992: Como Fazer a Escola que Queremos, nos anos
posteriores outros cadernos foram criados, como o caderno nº 2 específico para alfabetização, os cadernos nº
3, 4 e 5 voltados para a Educação de Jovens e Adultos, o 6º com foco no planejamento, o 7º para jogos e
brincadeiras e outros.
365
decisório não está nas mãos das instituições públicas, pois as definições e o monitoramente
estão com as instituições privadas, isso também é um processo de privatização das escolas.
Ainda para Peroni, Caetano e Arelaro (2019), todo esse processo faz parte do
contexto neoliberal e neoconservador120, pois o neoliberalismo afirma uma crise no Estado,
transferindo o poder público para o mercado. Até mesmo o que continua nas mãos do Estado,
sucumbe à lógica empresarial. Tal lógica é bastante visível na BNCC. Na Base, o foco apenas
na inserção no mercado de trabalho, a grande valorização no resultado – gestão do resultado,
as avaliações numéricas, a culpabilização do professor, o agir como consumidores por parte
dos pais, tudo isso mostra a racionalidade do mundo empresarial sendo incorporado dentro
das escolas (MARTINS E KRAWCZYK, 2018). O que confirma isso para Peroni, Caetano
e Arelaro foi o modo em que a política foi aprovada: “a aprovação de uma política pública
de forma antidemocrática, sem transparência e sem ampla discussão com a sociedade
brasileira revela o modus operandi dos sujeitos individuais e coletivos que fazem parte”
(2019, p. 43).
Além das gestões escolares, é necessário lembrar que a BNCC impacta diretamente
na produção de materiais didáticos, que possibilita a difusão da ideologia que quer, sem
contar a própria questão comercial dessa produção, assim como novas outras possibilidades
comerciai, como os sistemas de monitoramento e avaliação, que também é um mercado
bastante lucrativo. Apesar do Movimento Todos Pela Educação ter sido um grande influente
na aprovação da BNCC, não foi o único, diversas outras instituições desse meio
mercadológico compraram a ideia.
Ou seja, a BNCC, assim como todas as outras políticas, é resultado dos arranjos
e pressões dos atores envolvidos. É de extrema importância avalias os interesses por trás das
ações, para que seja possível visualizar o resultado que se espera. As origens da BNCC estão
pautadas em grupos que precisam manter suas posições de poder dentro de um sistema
capitalista em funcionamento. O objetivo não é uma educação de qualidade com foco numa
sociedade mais justa e igualitária, mas sim, manter e intensificar as diferenças entre as
classes.
120
Os autores justificam, a partir de Harvey, que existem pontos semelhantes entre neoliberalismo e
neoconservadorismo, como a restauração do poder de classe e a governança pela elite.
366
pela terra, pois precisa ter uma educação que possibilite a libertação e a autonomia do
trabalhador rural. A partir da pressão do MST, da academia e de outros atores, a necessidade
de uma educação específica para aquele que trabalha no campo tem se tornado cada vez mais
presente nas discussões.
Os princípios da educação do campo se dão em torno da garantia de uma educação
de qualidade para todos os povos do campo; da formação humana dos indivíduos para o
desenvolvimento sustentável; respeito às características do campo; respeito ás organizações
e conhecimento por elas produzido e que aconteça no campo (SOUZA, 2008). Portanto, a
educação do campo valoriza as lutas dos movimentos sociais, enfatizando a importância de
uma educação pública que valorize as especificidades, a identidade e a cultura de cada
comunidade. Caldart (2004) salienta que a educação do campo vai da educação infantil até
a universidade, mas também que não acontece apenas dentro das escolas, compreendendo
um conjunto de processos formativos que ocorre em diversos espaços e com diferentes
práticas.
De acordo com Neto (2012), nos anos 1990 surge o movimento “Por uma Educação
do Campo”, em que partia do princípio que o homem do campo é diferente do urbano, ou
seja, tem necessidades específicas. Logo, a escola do campo deveria ser diferente da urbana.
Tal movimento nasce das discussões das demandas do MST:
Quando a organização dos ST cria em sua estrutura um setor de educação,
deixa para trás a concepção ingênua de que a luta pela terra é apenas pela
conquista de um pedaço de chão para produzir. Fica claro que está em jogo
a questão mais ampla da cidadania do trabalhador rural sem terra, que entre
tantas coisas inclui também o direito à educação e à escola [...] Trata-se da
revisão das formas tradicionais de fazer, de pensar e de dizer a educação
do povo, demonstrando na prática quem pode e deve ser o sujeito das
mudanças fundamentais para a nossa educação. (MST, 2005, p. 11).
educativas do movimento – assim como os outros cadernos. O caderno divide seus princípios
em dois grupos: os filosóficos e os pedagógicos. Os filosóficos estão ligados às concepções
relacionadas à pessoa humana e à sociedade. Já os pedagógicos são as formas de fazer e
pensar a educação, para que os princípios filosóficos sejam alcançados (MST, 1996).
São 5 princípios filosóficos: (1) educação para transformação social; (2) educação
para o trabalho e a cooperação; (3) educação voltada para as várias dimensões da pessoa
humana; (4) Educação com/para valores humanistas e socialistas e (5) Educação como um
processo permanente de formação/transformação humana. E 13 princípios pedagógicos: (1)
relação entre prática e teoria; (2) combinação metodológica entre processos de ensino e
capacitação; (3) a realidade como base da produção de conhecimento; (4) conteúdos
formativos socialmente úteis; (5) educação para o trabalho e pelo trabalho; (6) vínculo
orgânico entre processos educativos e processos políticos; (7) vínculo orgânico entre
processos educativos e processos econômicos; (8) vínculo orgânico entre educação e cultura;
(9) gestão democrática; (10) auto-orgânica dos/das estudantes; (11) criação de coletivos
pedagógicos e formação permanente dos educadores; (12) atitude e habilidade de pesquisa;
e (13) combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. São esses os
princípios que aqui são colocados em contraponto com a BNCC.
A Base reafirma o tempo todo a aprendizagem por competências, o que aproxima
muito das propostas de Tyler que tem a eficiência e a racionalidade como centro do processo
(ZWIRTES E MARTINS, 2020), trazendo a lógica empresarial para a prática educacional.
Que fica oposto ao primeiro princípio filosófico do caderno de educação, que coloca a
educação voltada para transformação social e não só para o mercado.
(...) o documento propõe que o sujeito esteja habilitado para o mercado de
trabalho, dentro das suas limitações e possibilidades. Ou seja, é necessário
que o aluno reconheça o mundo do trabalho tal como está colocado, sem
possibilidades de mudança e, a partir de experiências, reconheça-se e
reconheça a posição que ocupa nesse modo de organização, de maneira
passiva. (ZWIRTES E MARTINS, 2020, p. 41).
Enquanto no primeiro princípio do caderno, o MST define que a educação deve ter
um: “um processo pedagógico que se assume como político, ou seja, que se vincula
organicamente com os processos que visam a transformação da sociedade atual, e a
construção, desde já, de uma nova ordem social” (MST, 1996, p. 6). Não obstante, o segundo
princípio fala sobre a relação escola e trabalho. Mas traz outra perspectiva para essa relação,
onde a cooperação e a melhoria de vida das famílias camponesas é o principal objetivo, e
não as demandas do capital. Assim como o terceiro princípio, em que a educação deve ser
voltada para várias dimensões humanas, como a formação político-ideológica, a formação
368
Conclusões
Esse trabalho teve como intenção levantar apenas algumas discussões sobre essa
relação entre BNCC e Educação do Campo. A finalidade aqui não foi abranger todos os
pontos possíveis de discussão e muito menos esgotar as possibilidades, mas refletir um
pouco os pontos antagônicos de origem dos dois objetos (BNCC e Educação do Campo),
fazendo com que a compreensão da finalidade de educação seja tão diferente em cada um.
369
Referências
BRASIL. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília: MEC, [2018].
Ministério da Educação, Brasília, 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em 10 dez 2022.
CALDART, Roseli Salete. O MST e a formação dos sem terra: o movimento social como
princípio educativo. Estudos avançados, v. 15, p. 207-224, 2001.
CALDART, Roseli Salete. Elementos para construção do projeto político e pedagógico da
educação do campo. Revista Trabalho Necessário, v. 2, n. 2, 14 dez. 2004.
CALDART, Roseli Salete. Educação do Campo: Notas para uma Análise de Percurso. Rio
de Janeiro: Trabalho, Educação e Saúde. V. 7, n. 1, p. 35-64, 2009.
FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
MST. Princípios da Educação no MST. Caderno da Educação, nº 8. Porto Alegre, MST,
1996.
MST. Dossiê MST ESCOLA: documentos e estudos, 1990-2001. São Paulo: Editora
Expressão Popular, Setor de Educação do MST/Iterra, 2005.
MST. Quem Somos. Disponível em: https://mst.org.br/quem-somos/ Acesso realizado em
11 dez 2022.
NETO, L. B. Educação do campo ou educação no campo?. Revista HISTED BR On-line,
Campinas, SP, v. 10, n. 38, p. 150–168, 2012.
PERONI, V. M. V.; CAETANO, M. R.; ARELARO, L. R. G. BNCC: disputa pela qualidade
ou submissão da educação?. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, [S.
l.], v. 35, n. 1, p. 035–056, 2019.
370
Introdução
A história das instituições de atendimento às crianças bem pequenas (de zero a três
anos de idade) no Brasil é marcada pelo assistencialismo, com vistas aos cuidados de higiene,
alimentação e de segurança física, onde não havia preocupação com um trabalho voltado
para a educação e o desenvolvimento intelectual dessas crianças (OLIVEIRA, 1988). Em
1988, principalmente após o movimento das mães trabalhadoras que reivindicaram o direito
de ter onde deixar seus filhos, a Constituição Federal reconheceu a educação infantil como
primeira etapa da educação básica e como um direito de todas as crianças, com matrícula
facultativa na faixa etária de creche.
A partir deste cenário, há então um aumento significativo no número de creches, com
significativo aumento de vagas, sem que fossem levados em consideração critérios básicos
de qualidade de atendimento. Com base nisso, ao longo dos anos, o Ministério da Educação
– MEC publicou diversos documentos e leis orientadoras da política nacional para a
qualidade do atendimento na primeira infância (creches e pré-escolas), como os “Parâmetros
Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil” (2006 – 3 volumes, revisado e atualizado
em 2018), os “Indicadores da Qualidade na Educação Infantil” (2009), os “Critérios para
um Atendimento em Creches que respeite os Direitos Fundamentais das Crianças” (2009),
as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (2010), entre outros. Esses
documentos e legislações corroboraram para que se mantivesse um debate acerca da
qualidade deste atendimento dentro desses estabelecimentos, admitindo que, apesar da
qualidade se tratar de um conceito negociado e intimamente ligado ao tempo e espaço que
se discute, é possível traçar indicadores básicos que sirvam de referência para todas as
instituições do país.
De fato, nesses documentos, os direitos das crianças são balizadores de um
atendimento de qualidade, a exemplo do que é citado nos “Critérios para um Atendimento
que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças” (BRASIL, 2009a), que define que a
121
Professora de educação infantil e Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, Universidade
Estadual Paulista (UNESP), [email protected]
122
Doutorado em Educação Escolar, Universidade Estadual Paulista (UNESP), [email protected]
372
ter caráter mediador e investigativo (CANÇADO; CORRÊA, 2021), com um olhar singular
dos professores para as crianças e de como elas aprendem de maneira mais criativa, segura
e autônoma.
Nessa perspectiva, percebemos o quanto é necessário verificar como as equipes
pedagógicas desenvolvem seus processos de autoavaliação da qualidade do atendimento das
instituições em que atuam, mais especificamente as creches, buscando entender como ela
ocorre, considerando o contexto local e as peculiaridades de cada comunidade. A avaliação
como instrumento essencial de verificação da qualidade educativa (através de um
instrumento que pode ou não ser padrão, desde que seja adaptável a realidade da instituição),
é o que garante processos compartilhados de reflexão acerca dos problemas e dos aspectos
constituintes da identidade da creche para que ações de melhoria sejam delineadas
(CANÇADO; CORRÊA, 2021).
Posto isso, a segunda etapa desta pesquisa de mestrado propõe analisar as impressões
da equipe pedagógica de uma creche do interior do estado de São Paulo, acompanhando as
discussões e reflexões acerca dos indicadores de qualidade do documento “Indicadores da
Qualidade na Educação Infantil Paulistana” (2015), concomitantemente à avaliação dos
indicadores pelo grupo de docentes. Os resultados serão analisados a luz do referencial
teórico pertinente e das legislações vigentes e divulgados na dissertação.
Conclusão
Percebemos que, embora a equipe pedagógica da instituição analisada reconheça a
importância de uma sistemática de avaliação da qualidade do atendimento que oferecem,
atrelada a construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico, na prática isso não ocorre. A
instituição demonstra carência de tempo de qualidade para discussões e reflexões em grupo,
o que impossibilita chegarem a um consenso sobre os conceitos de identidade, qualidade e
avaliação. Também, sem um PPP realmente balizador das ações realizadas na instituição,
não é possível afirmar que o trabalho ali desenvolvido seja de qualidade, principalmente pela
falta de planejamento e de organização dessas ações. Assim, concluímos ser urgente que as
redes municipais tenham uma política de avaliação da qualidade de creches, que promovam
processos de avaliação, bem como a reelaboração de seus PPPs de forma democrática,
proporcionando momentos coletivos de reflexão que possibilitem o planejamento de ações
transformadoras, visando à melhoria do atendimento, instrumento importante no combate
das desigualdades educacionais.
Referências
377
123
Professora de Direito na Fundação Educacional de Andradina/SP. Mestranda em Direito na Unesp em
Franca/SP. Graduada em Direito na UFMS em Três Lagoas/MS. Endereço eletrônico: [email protected]
.
124
Advogada. Doutoranda em Educação Escolas na Unesp em Araraquara/SP. Mestre em Direito na
Unesp em Franca/SP. Graduada em Direito na UFMS em Três Lagoas/MS. Endereço eletrônico:
[email protected] .
379
expectativa de vida era muito baixa, por volta de 19 (dezenove) anos, enquanto um brasileiro
não escravo tinha a expectativa de vida aproximadamente de 27 (vinte e seite) anos
(CARDOSO, 2008).
Mister frisar que a Lei Áurea tratou formalmente da abolição, diante da situação de
que os negros, embora livres, não possuíam bens, terras, nem dinheiro para poderem se
manterem ou sobreviverem, sendo assim, forçados a continuar no mesmo local em que eram
escravos, apenas modificando as nomenclaturas do tipo de prestação de serviço, na qual
foram destinados ao trabalho informal em troca somente de moradia e alimento, visto que a
mudança de fato na vida deles foi ocorrendo gradualmente ao longo do tempo.
Outro fator que agrega ao anterior, é que o escravo era considerado no imaginário
coletivo como um desumano e não uma vítima. Somente em 1940 esse tipo de conduta
passou a ser criminalizada pelo Código Penal (HADDAD, 2017). Embora até hoje existam
suas raízes preconceituosas.
O fito da manutenção desse tipo de serviço tinha o condão basicamente econômico,
isto é, explorar o trabalho à custa de outro, sem qualquer condição de pagamento de valores,
além das condições indignas de vida. O que transgrediu por completo a esfera física e
psicológica daquele cidadão. E ainda nos tempos atuais os resquícios deste período tem
reflexos no pensamento da coletividade, que em doses homeopáticas tem sido contornado,
por meio de políticas públicas, legislações e conscientização.
É notório que para desajustes sociais sejam melhorados é preciso de luta social
reivindicando seus direitos, bem como a imposição de leis, apesar de ainda apresentem
dificuldades na sua executoriedade, ou seja, sua eficácia de forma plena.
Destarte, passado pouco mais de cem anos da abolição da escravatura, o preconceito
e racismo ainda persiste na mente do ser humano, o que deve ser eliminado, na construção
de uma sociedade justa e igualitária, visto que independente de qualquer cor de pele, todo
ser humano é igual, devendo o Estado garantir os direitos intrínsecos aos seres humanos.
É importante pontuar que o Brasil promulgou há pouco tempo a Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância, chamada Convenção da Guatemala, pelo Decreto nº 10.932/2022 (BRASIL,
2022). Tal decreto tem força de Emenda Constitucional no país em razão de ter sido
aprovado nas duas Casas do Congresso Nacional – Senado e Câmara dos Deputados – em
dois turnos por três quinto dos votos pelos membros e, por se tratar de convenção
internacional de direitos humanos, conforme o artigo 5º, §3º da Constituição Federal
(BRASIL, 1988). Nesse sentido, a definição adotada oficialmente de racismo no Brasil é
definida no artigo 1º, do item 4 da Convenção de Guatemala, a saber:
381
Portanto, a luta pela igualdade de direitos ainda é tema latente, embora avanços
tenham ocorridos, o preconceito e a discriminação ainda fazem presente no imaginário
brasileiro, o que deve ser modulado, a fim de que haja para todos uma vida justa e respeitosa
entre as pessoas.
Por isso, no próximo tópico será abordado sobre a efetividade da Lei de Cotas no
ingresso das Universidades Federais.
Dentre essas pessoas, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNA Contínua) de 2021, 43% dos brasileiros se declararam brancos, 47%
pardos e 9,1% pretos (IBGE, 2022a). Assim, de acordo com esses dados, o “perfil dos
inscritos e participantes do Exame Nacional do Ensino Médico – ENEM, principal forma de
ingresso no ensino superior, sofreu mudanças no tempo e, como esperado, foi fortemente
afetado pela pandemia” (IGBE, 2022b).
Além disso, a Sinopse Estatística do ENEM, realizado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP – trouxe que entre os anos de 2010 a 2017 houve
uma mudança no perfil de cor ou raça dos inscritos. Enquanto a representatividade dos
brancos caiu de 42,9% para 35%, o grupo de inscritos partos ou negros passou de 49,6%
para 60% (IBGE, 2022b).
Diante disso, vários são os fatores sugeridos pelos pesquisadores, podendo ser,
maior reincidência de pretos ou pardos que tentam o ENEM ou, mudança cultural na
autoidentificação por cor ou raça (IBGE, 2022b). Com a pandemia da covid 19, houve uma
redução do total de inscritos no ENEM, atingindo seu menor percentual em 2021, passando
de 5,1 milhões em 2019 para 5,8 milhões em 2020 e 3,4 milhões em 2021 (IBGE, 2022b).
De 2019 para 2021 houve também nova mudança no perfil, na questão do aumento
na proporção de brancos inscritos, que passou de 37% para 43%, e dos participantes pretos
ou pardos que passou de 58% para 51%, no mesmo período (IBGE, 2022b). “Como se vê,
os dados referentes ao aumento de matrículas de estudantes negros em universidades deixam
claro que as cotas incrementam a inclusão, a heterogeneidade nas universidades e afetou a
realidade de inúmeras famílias” (ALMEIDA, 2022).
Conclusão
A falta de acesso à educação, seja em qualquer nível ou modalidade, é mecanismo
de manutenção e aumento da desigualdade social, bem como fator de restrição da mobilidade
social, notadamente no ensino superior federal no Brasil, visto que seu ingresso é
famosamente conhecido como difícil e complexo, sendo ocupado por muitos anos por alunos
provenientes das classes mais altas economicamente e, que podiam arcar com uma educação
desde a infância nas melhores e mais caras escolas.
Essa desigualdade assola sempre as camadas pobres e paupérrimas, atrelado a falta
de educação, essa discriminante é potencializada. E a mudança só é possível com uma cultura
inclusiva e equitativa entre os seres humanos, o que tem sido possível verificar com a adoção
da Lei de Cotas, que beneficiou várias pessoas no país, tais como as autodeclaradas negras,
pardas, indígenas ou com necessidades especiais.
383
Referências
ALMEIDA, Marcos Antônio Silva. A LEI DE COTAS (LEI Nº 12.711/2012) E O
INGRESSO NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS COMO MECANISMO DE
POLÍTICA PÚBLICA ANTIRRACISTA. 2022.
BORIN, A. L. A “nova” senzala é logo ali: ao lado da “Capital do agronegócio” lá nos
fundos dos canaviais sertanezinos. Franca: [s.n.], 2011.
BRASIL. Decreto nº 7.824 de 11 de outubro de 2012. Regulamenta a Lei nº 12.711, de 29
de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7824.htm>. Acesso
em: 31 jul. 2022.
________. Decreto nº 10.932 de 10 de janeiro de 2022. Promulga a Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância, firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de
junho de 2013. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2022/Decreto/D10932.htm>. Acesso em: 31 jul. 2022.
________. Lei de 7 de novembro de 1831. Declara livres todos os escravos vindos de fora
do Império, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37659-7-novembro-1831-
564776-publicacaooriginal-88704-pl.html>. Acesso em: 21 jul. 2022.
________. Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do
tráfico de africanos neste Império. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM581.htm>. Acesso em: 21 jul. 2022.
________. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Declara de condição livre os filhos de
mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e
outros, e providencia sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a
libertação anual de escravos. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2040.htm>. Acesso em: 21 jul. 2022.
________. Lei nº 3.270 de 28 de setembro de 1985. Lei dos Sexagenários. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/179463>. Acesso em: 21 jul. 2022.
________. Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM3353.htm>. Acesso em:
21 jul. 2022.
384
125
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Doutora em Serviço Social pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]
126
Sigla de Ensino Remoto Emergencial. Este foi adotado como uma alternativa controvérsia para o ensino
presencial pela UFVJM, após o Decreto Legislativo n.º 6, de 20 de março de 2020, que instaurou o estado de
calamidade pública até 31 de dezembro do mesmo ano, em virtude da pandemia causada pela Covid-19. Nesse
contexto, a UFVJM suspendeu em 19 de março de 2020 as atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e
extensão dos cursos na modalidade presencial. Após tal suspensão, o que sucedeu para se implantar o ERE foi
uma disputa árdua por parte de segmentos da universidade, para garantir as mesmas condições de acesso e
permanência para todos os estudantes ao ensino público, gratuito, laico e socialmente referenciado a que todos
tem direito, conforme a CF de 1988 e regulamentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
n°9.394/1996).
127
Foi declarada em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde a Pandemia da Covid 19, doença
causada pelo coronavírus SARS- CoV-2, tendo sido descoberto na cidade de Wuhan, província de Hubei, na
China, no mês de dezembro de 2019 e que é de elevada transmissibilidade e que causa uma inflamação aguda
no sistema respiratório (LANA et al. 2020).
128
www.ufvjm.edu.br
386
de acessibilidade às pessoas com necessidades especiais; Setor de Pedagogia, que busca dar
suporte psicopedagógico aos discentes; Setor de serviço social, responsável pela realização
de estudos socioeconômicos visando mapear os discentes em vulnerabilidade social e
econômica nos campus. Com relação aos programas desenvolvidos, tem-se a Assistência
Estudantil que é o cerne deste artigo; Bolsa Permanência MEC, a qual não está em
implementação no atual momento no campus Mucuri; Moradia Estudantil Universitária, que
ainda não se efetivou no campus Mucuri; Alunos Conectados, ainda sem estar em plena
implementação no campus Mucuri.
Retomando o Programa de Assistência Estudantil da UFVJM, ele consiste em um
conjunto de ações que têm por finalidade ampliar as condições de permanência dos
estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, de forma a viabilizar a igualdade
de oportunidades quanto ao acesso à graduação presencial e contribuir para a redução das
taxas de retenção e evasão, quando motivadas por insuficiência de condições financeiras e,
ou determinantes socioeconômicas e culturais causados pelas desigualdades sociais.
(PROACE/UFVJM. Edital nº 007 de 06 de outubro de 2020).
Considerando o site da universidade, na parte da PROACE, mais especificamente
na aba que trata do Programa de Assistência Estudantil do campus Mucuri, a pesquisa
documental realizada entre julho de 2020 a abril de 2022, demonstrou como foi
extremamente difícil para o discente do campus permanecer no ensino de graduação.
Em março de 2020 quando todas as atividades da UFVJM foram suspensas pela
Reitoria, houve uma ruptura de comunicação e de aproximação com a comunidade discente
do Mucuri, pois, pelos meios oficiais/site da instituição, os estudantes só voltaram a ter
notícias sobre o que iria de fato acontecer com relação ao programa de assistência estudantil
em outubro de 2020, com a publicação do Edital Especial PROACE/UFVJM
Edital nº 007 de 06 de outubro de 2020 – Campus Mucuri129, ou seja, 7 meses sem notícias
efetivas e sem os discentes terem seus benefícios como era o usual.
Neste Edital foram colocadas novas bases de organização, critérios, funcionamento
e desenvolvimento do programa por conta da emergência sanitária de covid-19. Dito de outro
modo, o programa de assistência estudantil se reorganizou por conta da imposição da
realidade objetiva assustadora imposta a todos nós, e precisou ser reorganizado como um
[...] auxílio Emergencial Especial de natureza eventual e de caráter
temporário, é um
benefício instituído no âmbito do Programa de Assistência Estudantil da
UFVJM, que visa suprir, prioritariamente, a necessidade de custear
parcialmente as despesas dos discentes de graduação, em vulnerabilidade
socioeconômica, durante o período de interrupção das atividades
129
https://portal.ufvjm.edu.br/noticias/2020/publicados-editais-do-auxilio-emergencial-especial/007-edital-
especial-proace-mucuri.pdf . Acesso em 05 de junho de 2022.
390
Neste mesmo edital foi constatado a informação de que seriam liberadas 3 parcelas
de R$ 450,00 para cada discente contemplado (neste edital só teriam 410 benefícios e estes
vinculados aos estudantes que tivessem cadastros no Cad Único), de acordo com a
disponibilidade orçamentária da UFVJM. Os discentes deveriam estar com matrícula ativa
nos cursos de graduação na modalidade presencial. O que se percebeu desses dados é que a
UFVJM não garantiu nem os R$ 600,00 liberados de auxílio emergencial pelo governo
federal, o qual, diga-se de passagem, só ocorreu por conta da câmara dos deputados federal
e senado terem considerado o valor inicial proposto pelo governo federal algo irrisório e
terem feito uma proposta de aumentar o teto do auxílio emergencial130.
Outros dois editais foram lançados, um em 2020 e outro em 2021. Foram o Edital
Especial nº 11/2020/PROACE/UFVJM, de 18 de dezembro 2020 – campus Mucuri131 e
Edital Especial nº 03/2021 PROACE/UFVJM, de 14 de abril 2021 – campus Mucuri132.
Nestes dois novos editais não foram colocadas de forma transparente nem quantos benefícios
seriam disponibilizados, nem o valor do benefício. O que se manteve foram as regras:
exigência de matrícula ativa nos cursos de graduação presencial e, estudante estar cadastrado
no Cad Único do governo Federal. O que se pode depreender foi a incerteza acerca do
número de benefícios e do valor do mesmo para os discentes que necessitavam do benefício
para permanecerem no curso de graduação no contexto da pandemia e do ensino remoto
emergencial.
Conclusões
Esta pesquisa tratou sobre a política da assistência estudantil na UFVJM- campus
Mucuri, em tempos de covid-19 e do ensino remoto emergencial e mostrou as ações
desenvolvidas pelo Programa de Assistência Estudantil. Ao se retomar o objetivo desse
estudo, qual seja, perceber como ocorreram as ações para efetivar a permanência dos
estudantes que se enquadraram nos requisitos de vulnerabilidade econômica e social, no
período de dois fenômenos: covid-19 e implantação do ensino remoto emergencial (ERE) na
UFVJM, o que se pôde perceber como resultados é que a UFVJM demorou um tempo
significativo para retomar as ações do referido Programa, ficando sete meses sem dar notícias
e implementar as ações junto aos discentes.
130
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/06/05/internas_economia,861218/auxili
o-emergencial-guedes-defende-r-300-mas-congresso-quer-aumenta.shtml. Acesso em 05 de junho de 2022.
131
http://www.ufvjm.edu.br/proace/pae/cat_view/39-/38-/56-editais-campus-do-mucuri/59-encerrados-/218-
edital-especial-2020-campus-mucuri.html . Acesso em 05 de junho de 2022.
132
http://www.ufvjm.edu.br/proace/pae/doc_view/1285-.html . Acesso em 05 de junho de 2022.
391
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988. 496 p.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República do Brasil, 1996a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 06 de junho de 2022.
BRASIL. Lei nº 11.173, de 6 de setembro de 2005. Transforma as Faculdades Federais
Integradas de Diamantina em Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri -
UFVJM e dá outras providências. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2005/lei-11173-6-setembro-2005-538373-
publicacaooriginal-33991-pl.html
BRASIL. Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos
de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. Brasília, DF:
Presidência da República do Brasil, 2007. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2007/decreto/d6096.htm. Acesso em
06 de junho de 2022.
BRASIL. Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de
Assistência Estudantil – PNAES. Brasília, DF: Presidência da República do Brasil,
392
Introdução
O estudo apresentado se propõe a analisar o documento Matriz Nacional Comum de
Competências do Diretor aprovado pelo CNE- Conselho Nacional de Educação, em maio de
2021. Foram utilizadas pesquisas documentais e bibliográficas com vistas à retomada de
princípios de gestão democrática contidos na Constituição de 1988, na LDB 9394/96 e no
Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), cujo arcabouço legal, entretanto, não
impossibilitou que uma nova concepção de gestão escolar venha sendo moldada conforme a
visão empresarial da Nova Gestão Pública e das políticas neoliberais.
Com a aprovação da Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor, tem sido
retomado um debate de décadas, em relação às atribuições e competências do diretor,
intrinsecamente ligadas ao fortalecimento da gestão democrática, sobretudo das escolas
públicas. O que pretendemos, portanto, ao analisar a Matriz é verificar a concepção de gestão
nela imbuída e as possíveis consequências no trabalho do diretor, caso suas competências o
encaminhem para ser um articulador de práticas democráticas ou de concepções
gerencialistas, em conformidade com a Nova Gestão Pública.
Na primeira seção do nosso estudo, discorremos sobre a Gestão Democrática como
um princípio orientador e sobre como o gerencialismo nas escolas vem obtendo destaque
e por fim, na segunda seção, tratamos da Matriz Comum de Competência do Diretor e de
suas expectativas em relação ao trabalho do diretor escolar, tendo como pressupostos a
visão gerencialista e empresarial da educação.
133
Professora da Rede pública de ensino e mestranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento e
Análise de Políticas Públicas da FCHS - UNESP- Franca. [email protected]
134
Professora Doutora da FCHS- UNESP de Franca e orientadora do Programa de Pós-graduação em
Planejamento e Planejamento e Análise de Políticas Públicas da FCHS - UNESP- Franca.
[email protected]
394
No Brasil, o fim do golpe civil-militar de 1964 deu início, nos anos 80, a um processo
de abertura política, redemocratização e de luta por direitos sociais, contexto no qual
obtivemos importantes conquistas que culminaram com a Constituição Federal de 1988, cujo
artigo 6°, conforme nos explicita CURY (2007, p. 4-5), traz
(...) uma definição de Estado Social encarregado da diminuição de
condicionantes sociais ao acesso a determinados bens considerados
indispensáveis para uma vida cidadã e da qual derivaria a igualdade de
oportunidades. Esse circuito virtuoso, juridicamente positivado no campo
da educação escolar, da saúde, da justiça, da segurança e em outros tantos,
mesmo que nem sempre efetivado, está estabelecido sob um regime
democrático que reconhece ao cidadão direitos sociais antes jamais
proclamados como tais. Esse Estado Democrático Social de Direito não
ignorou a defesa do indivíduo, nem as liberdades civis e muito menos a
propriedade privada ainda que reconhecendo sua função social.
Segundo Vieira e Vidal (2015), tanto a Constituição Federal (Art.6º,VI) como a LDB
(Art. 3º, VIII) remetem a aplicação da gestão democrática às unidades federadas que,
sobretudo em relação ao período pós Constituição, com base em sua autonomia, mantiveram
entendimentos próprios (e até diferenciados) acerca da gestão democrática nas escolas. As
autoras relacionam tal fato ao entendimento de que tais atributos legais “não são triviais por
sinalizarem a educação pública como espaço por excelência de sua aplicação, remetendo à
395
autonomia das unidades federadas a legislação sobre a matéria”. (VIEIRA; VIDAL, 2015,
p. 23).
Em relação ao artigo 14 da LDB, segundo as mesmas autoras, há a retomada da ideia
inicial, na qual os sistemas de ensino são responsáveis pela regulamentação das normas da
gestão democrática e a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola, bem como da comunidade escolar e local nos conselhos escolares.
A gestão democrática, ao longo dos anos, mantém-se como foco das políticas de
educação, sobretudo na aprovação de dois Planos Nacionais de Educação (PNE): o primeiro,
sancionado por lei em 2001 (Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001) e o segundo, em 2014
(Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014), com vigência no período de 2014 a 2024. O segundo
PNE, em seu artigo 2º, VI, tem como diretriz a “promoção do princípio da gestão
democrática da educação pública”. Sua regulamentação pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios deverá ocorrer, mediante leis específicas, no prazo de 2 anos, conforme
determinação do artigo 9º. Tais determinações legais no segundo PNE, nos fazem constatar
que, em relação à gestão democrática, os Estados e Municípios necessitam ainda, definir
questões sobre o tema, ou, ao menos, fazer adaptações para, de fato, colocar o princípio em
prática, consistentemente.
No PNE de 2014, as metas 7 e 19 tratam, concomitantemente da gestão democrática
tendo como mote a “qualidade da educação básica em todas as técnicas e modalidades”,
tendo como estratégia “apoiar técnica e financeiramente a gestão escolar mediante
transferência direta de recursos financeiros à escola, garantindo a participação da
comunidade escolar no planejamento e na aplicação dos recursos, visando à ampliação da
transparência e ao efetivo desenvolvimento da gestão democrática” (PNE, estratégia 7.16).
A meta 19, por sua vez, trata especificamente da gestão democrática, focalizando a
necessidade de:
(...) assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da
gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e
desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das
escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto
(Meta 19).
De acordo com Botelho e Silva (2022), em seu artigo Matriz Nacional Comum de
Competência do Diretor: o trabalho do diretor escolar em análise, o novo perfil do diretor,
em consonância com a Nova Gestão Pública (NGP)
(...) precisa estar articulado com as novas demandas que surgiram nas
escolas, que mais se parecem com empresas e, os diretores, com chefes.
Chefes que hierarquicamente “controlam” alguns, e que supostamente tem
certa autonomia, mas, na realidade, acabam por obedecer a ordens do
sistema de ensino, como as secretarias de educação e as próprias políticas
educacionais do MEC (BOTELHO; SILVA, 2022, p. 10).
Conclusões
Embora a intenção de aplicar às escolas os princípios de produção inerentes às
empresas não seja recente, a lógica da produtividade empresarial capitalista sobre as políticas
educacionais e, particularmente à gestão escolar, tem se exacerbado A escola, como
instituição formadora, transformadora e democrática, vem perdendo sua “essência” diante
de parâmetros tão específicos de ação, comuns ao setor privado, que reduzem a autonomia
e limitam o potencial criativo e crítico do diretor, cuja sobrecarga de trabalho acaba por
distanciá-lo da comunidade escolar, promovendo uma ruptura entre seus pares.
Não obstante a isso, precisamos nos ater às singularidades e à heterogeneidade de
cada escola, não observadas pelas políticas públicas propostas. As unidades escolares não
401
são denominadas “unidades” por acaso. As comunidades às quais pertencem são distintas e
possuem demandas específicas e, da mesma forma, os profissionais que a ela pertencem
possuem formação distinta. Até mesmo os recursos educacionais a elas repassados, não são
igualitários. Não há como uniformizar diferenças e peculiaridades inerentes a cada escola. E
é nas diferenças que cada unidade escolar se faz única. Na pluralidade está a sua “marca
registrada” e é nesse contexto que o meio em que se localiza se engrandece e a faz primordial.
Referências
ANPAE. Posicionamento da Associação Nacional de Política e Administração da
Educação (ANPAE) sobre o documento Matriz Nacional de Competências do Diretor
Escolar. [s. d.]. Disponível em < https://www.anpae.org.br/website/notícias/529-matriz-
nacional-de-competências-do-diretor-escolar>. Acesso em 29 set. 2022.
BOTELHO, G., SILVA, L., G., A. Matriz Nacional Comum Curricular de Competências do
Diretor; O trabalho do diretor escolar em análise. Jornal de Políticas Educacionais, v. 16,
n. 1, mar. 2022. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/jpe/article/view/83899>. Acesso
em: 18 out. 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União:
Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil/constituição/constituição.htm. Acesso em 18 de set. de
2022
_____. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/l9394.htm. Acesso em 15 de out. de 2022.
_____. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Institui o Plano Nacional de Educação (PNE)
e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em
15 de out. de 2022.
_____; MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO; CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO.
Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar. Brasília, DF: MEC, 2021.
Disponível em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=170531-
texto-referencia-matriz-nacional-comum-de-competencias-do-diretor-
escolar&category_slug=fevereiro-2021-pdf&Itemid=30192. Acesso em 30 de set. 2022.
BROOKE, Nigel P.; CUNHA, Maria Amália de A. A avaliação externa como instrumento
da gestão educacional nos estados. Belo Horizonte: Game/UFMG, 2011. Disponível em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/avaliacao_externa_fvc.pdf>.
Acesso em: 30 set. 2022.
CABRAL NETO, Antônio; CASTRO, Alda Maria Duarte Araújo. Gestão escolar em
instituições de ensino médio: entre a gestão democrática e a gerencial. Educação &
Sociedade. Campinas. v. 32, n. 116, p. 745-770, jul.-set. 2011. Disponível em <
<http://www.scielo.br/pdf/es/v32n116/a08v32n116.pdf>. Acesso em: 30 set. 2022.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Gestão democrática da Educação em tempos de contradição.
In: Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação, 23, ANPAE – Associação
Nacional de Política e Administração da Educação, 2007, Porto Alegre. Anais... Porto
Alegre: ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação, 2007.
402
Introdução
Este texto objetiva delinear a trajetória dos Ginásios Estaduais Vocacionais do Estado
de São Paulo (1962-1969), sua organização curricular e a possibilidade de interlocução com
a educação básica na atualidade. Diante disso, tomamos como referência teórica
metodológica a pedagogia crítico-Social dos conteúdos, desenvolvida pelo professor José
Carlos Libâneo no livro ‘‘Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social
dos conteúdos’’. A prática pedagógica desenvolvida pelos Ginásios Estaduais Vocacionais
(GEVs) foi única e relevante, tanto pela forma de trabalhar seus conteúdos quanto pela
ênfase dada ao currículo. Os GEVs foram instituições educacionais que surgiram no início
dos anos 1960 no Estado de São Paulo entre 1962 e 1969. Esses colégios funcionaram em 6
cidades: Americana, Batatais, Barretos, Rio Claro, São Caetano do Sul e São Paulo.
Por que estudar os GEVs ? Essas instituições construíram e aperfeiçoaram uma
pedagogia crítica-reflexiva, essas escolas conseguiram se conectar com a realidade concreta
dos educandos através de um currículo flexível, ou seja, as propostas se moldavam conforme
as condições reais dos alunos. À luz desses argumentos, nossa investigação buscou resgatar
os aspectos mais significativos dessa experiência ‘‘revolucionaria’’ para os anos 1960. O
esforço aqui está em analisar possibilidades de recuperação das características mais
relevantes do currículo dos GEVs amparado pela pedagogia crítico-social dos conteúdos
como referencial pedagógico, tendo em vista, que a educação brasileira atualmente enfrenta
diversos desafios, principalmente após o golpe que destituiu a presidenta eleita
democraticamente Dilma Rousseff (2011-2016).
Utilizamos como metodologia a revisão bibliográfica, sendo assim, foram
consultadas diversas obras impressas e digitais, as obras digitais foram buscadas nos
seguintes sites: Google Acadêmico, Gvive e Scielo. Sobre o método utilizado Lakatos e
Marconi (2010, p. 166) descrevem que a ‘‘pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias,
abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo’’.
135
Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da FCHC – UNESP – Campus de Franca.
[email protected]
136
Prof. Dr. Orientadora do Programa de Mestrado em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da FCHC
– UNESP – Campus de Franca. [email protected]
404
Desenvolvimento
Para os objetivos deste texto é interessante compreender á difusão das ideias que
vigoravam entre os anos de 1930 á 1960 até o surgimento dos GEVs em 1962. O período em
questão aborda os movimentos escola-novistas e a tentativa da igreja católica em conter o
avanço de outras ideias educacionais que ameaçavam sua hegemonia, bem como a
implantação da primeira Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61 da educação brasileira. Diante
disso, vale destacar a atuação dos Pioneiros da educação que escreveram o manifesto para
uma educação nova em 1932. Dentre eles estavam Anísio Teixeira (1900-1971), Lourenço
Filho (1897-1970) e Fernando de Azevedo (1894-1974) que ficaram conhecidos como os
‘‘cardeais da educação nova’’. O manifesto propunha uma educação pública gratuita e
obrigatória para todas as crianças, laicidade do ensino, escola única, dentre outras propostas
‘‘revolucionarias’’ para aquele período em questão. Porém estes avanços da escola nova
foram parcialmente interrompidos com a instauração do Estado Novo (1937-1945) na era
Getúlio Vargas.
No período do Estado Novo houve um enorme recrudescimento, diante disso, não
ocorreram mudanças significativas principalmente pelo fato do sistema educacional
brasileiro ter se tornado um aparelho burocrático do Estado, nesse contexto um tanto quanto
ditatorial as práticas pedagógicas começaram a ser padronizadas, especialmente após a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco Campos, que
implantou a Reforma em 1931. Na tentativa de suprir as carências de mão de obra qualificada
para o setor industrial daquele período, foram criadas as leis orgânicas do ensino ou como
ficaram conhecidas, Reformas Capanema, instituídas através de oito decretos-leis.
Dentre estes oito decretos-leis foram inseridas algumas reivindicações do Manifesto
dos Pioneiros da Educação (1932), ou seja, foi uma vitória parcial dos pioneiros da educação
nova. No entanto essas reformas ainda mesmo contendo certas exigências presentes no
Manifesto não conseguiram atender as necessidades da educação brasileira. Saviani (2019)
aponta que as reformas como um todo tinha caráter centralista, burocrático e elitista, isto é,
privilegiava as elites com o ensino secundário, restando ao povo o ensino profissional.
Com o fim do Estado Novo em 1947 tiveram início discussões referentes à criação
das diretrizes básicas da educação, principalmente com o termino da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) e inicio da Guerra Fria. Cunha e Góes (1986) relatam que os debates
quanto a Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61 ficaram principalmente entre os educadores que
eram defensores da escola pública, gratuita e laica e os privatistas do ensino, que utilizaram
o Substitutivo Lacerda para combater o Projeto Mariani. Nesse período ainda prevalecia os
Decretos-leis instituídos na Reforma Capanema, ou seja, experiências isoladas eram
405
proibidas, pois as reformas feitas pelo Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema
estavam alinhadas com os projetos políticos ideológicos de Getúlio Vargas. Diante disso,
era urgente e necessária uma redemocratização para que inovações educacionais pudessem
ser realizadas. Esse cenário educacional começou a se desenhar apenas em 1958 com a
instauração das normas e instruções feitas pelo MEC para o funcionamento de classes
experimentais para o ensino secundário.
era necessária uma aproximação das atividades desenvolvidas, como por exemplo, a
integração curricular, que era feito através dos Estudos Sociais e Estudos do meio. Por dar
grande ênfase em tudo àquilo que era concreto, os GEVs foram reconhecidos como escolas
comunitárias por trazer a realidade dos alunos para o planejamento curricular, absorvendo
as características culturais e socioeconômicas da localidade.
Conforme o passar dos anos os GEVs aperfeiçoaram uma pedagogia social
humanista, isto é, a construção do currículo era desenvolvida de maneira democrática e
participativa por alunos, professores, gestores, pais, e comunidade externa, tendo como norte
uma visão curricular crítica-reflexiva. Pois ‘‘A partir dessas análises, o currículo escolar
devia se apresentar como resposta aos problemas levantados, direcionando a ação educativa
para a concretização dos objetivos já mencionados‘‘ (OLIVEIRA, 1986, p. 54).
Bebendo da fonte das teorias educacionais marxistas os Vocacionais colocavam o
aluno no centro de todo o processo desenvolvido durante o planejamento, a intenção estava
em situar o educando dentro do ambiente em que o mesmo estava inserido, nesta perspectiva
Mascellani (2010, p. 105) relata que ‘‘Quanto ao jovem, porém, o que se propunha
especificamente era uma educação que o formasse no entendimento da realidade
socioeconômica, política e cultural do país, e que ao mesmo tempo o tornasse capaz de
intervir nessa realidade‘‘. Infelizmente os ginásios não resistiram a repressão militar e
tiveram suas atividades interrompidas abruptamente em 12/12/1969, um golpe para alunos,
professores, pais e toda comunidade.
Simpósio, onde é abordado que a analise da realidade amparada por dados objetivos, levará
aos problemas que deverão ser trabalhados e a partir disso, serão estabelecidos às metas que
nortearão este processo, assim como, os recursos necessários e as constantes avaliações que
permitirão visualizar os resultados e quando for preciso desenvolver novas condições para
reformulação (SÃO PAULO, SIMPÓSIO SOBRE ENSINO VOCACIONAL, 1968).
Diante do exposto, a conceituação curricular desenvolvida pelos GEVs, está
claramente embasada nas concepções pedagógicas com características progressistas, tendo
em vista, que o esforço estava em utilizar o conhecimento da realidade concreta dos
educandos e de suas necessidades, para que os mesmos atuassem de forma crítica e reflexiva.
Nesse sentido, para atingir os objetivos esperados os GEVs se utilizaram de duas
importantes ferramentas educacionais, os Estudos Sociais e Estudos do Meio.
Os Estudos Sociais se tornaram a chave para integração entre as disciplinas, pois o
mesmo tinha o papel de interliga-las, sendo assim, se trabalhavam História, Geografia,
Antropologia, Sociologia e Economia, e a partir dos Estudos Sociais eram interligadas as
outras áreas: Português, Educação Física, Matemática, Ciências, Física, Economia
Doméstica, Biologia, Educação Musical, Artes Industriais, Artes Plásticas, Práticas
Comerciais e Agrícolas.
Os Estudos Sociais estiveram encarregados de ser o núcleo do currículo dos ginásios,
ou seja, ficou em sua responsabilidade organizar as atividades que seriam desenvolvidas
junto às outras disciplinas. No bojo dos Estudos Sociais estavam propostas de garantir aos
educandos um panorama da realidade global, em outras palavras, de forma concêntrica os
educandos apreendiam o que estava próximo e gradativamente passavam para o que se
encontrava distante. Isto é, se buscava de maneira crítica-reflexiva contribuir para que os
educandos se encontrassem como indivíduos dentro da sociedade e estivessem em contato
com o mundo.
Outra área que teve grande destaque e colaborou com o processo de
interdisciplinaridade foram os Estudos do Meio, pois parte da interlocução entre as
disciplinas caberia aos Estudos do Meio executar, assim como colocar o aluno frente à
realidade concreta. Segundo Balzan (2013) os Estudos do Meio transcenderiam a sala de
aula entrando em contato direto com a realidade. Esta poderosa técnica pedagógica fazia
com que os alunos refletissem o ambiente ao redor de maneira crítica, as investigações feitas
a partir dos Estudos do Meio levavam os educandos á fazer diferentes pesquisas. Balzan
(2013) esclarece que; na 5° serie os Estudos do Meio se realizavam a partir da realidade mais
próxima, diante disso, se tornava mais fácil locomover com os alunos, na 6° serie se tornava
mais raro os estudos por ter que sair do Estado, na 7° serie as atividades eram voltadas para
408
o país, dificultando ainda mais sua realização, porém não impedindo que fossem feitos os
estudos, na 8° serie os problemas mundiais seriam estudados.
As atividades desenvolvidas pelos GEVs foram duramente criticadas pelos setores
conservadores, isso se intensificou após o golpe militar de 1964. A liberdade educacional e
o caráter transformador dos ginásios não estavam na ordem do dia de um regime truculento,
repressivo e assassino.
137
A Emenda Constitucional nº 95/2016 que foi aprovada em 2016 e tem por objetivo congelar os gastos
públicos pelos próximos 20 anos, abrindo possibilidade de revisão após 10 anos, diante disso, esta Emenda
afetará a qualidade da educação pelo fato de congelar o aumento real de investimentos.
410
Referências
BALZAN, Newton Cesar. Estudos sociais: opiniões e atitudes de ex-alunos. Cadernos de
Pesquisa, n. 22, p. 31-70, 2013.
CUNHA, Luiz Antônio; DE GÓES, Moacyr. O golpe na educação. 04. ed. Rio de Janeiro,
RJ: Zahar, 1986.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São
Paulo: Atlas, 2010.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública. Edições Loyola, 2014.
MARX, Karl et al. Crítica da educação e do ensino. 1978.
MASCELLANI, Maria Nilde. Uma pedagogia para o trabalhador: O Ensino Vocacional
como base para uma proposta pedagógica de capacitação profissional de trabalhadores
desempregados (Programa Integrar CNM/CUT). 1999. 280 p. Tese (Doutorado).
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.
411
138
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de ciências humanas e sociais.
Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. [email protected].
413
educacionais. É de caráter político, pois deve ser construído democraticamente por meio da
integração entre os agentes da escola (equipe gestora, professores e funcionários
administrativos) e a comunidade (alunos, pais, instituições parceiras, entre outras). O plano
plurianual de gestão é o resultado do planejamento escolar e é concebido por meio do projeto
político pedagógico. Seu formato e conteúdo deve apresentar aspectos que possam nortear a
ação da direção, coordenação, equipe docente e administrativa.
Este projeto irá analisar as diretrizes emanadas pelo CEETEPS quanto ao
planejamento e de que forma é interpretado e executado pela comunidade escolar, em
especial os gestores. Tendo em vista o atual formato dos planos das escolas técnicas, sua
forma de concepção e os métodos de execução das ações contidas, propõe-se o seguinte
problema: Quais são as possibilidades e limites do planejamento estratégico situacional de
Carlos Matus na elaboração do planejamento das ETEC’s?
Como objetivo geral, este trabalho irá analisar os limites e possibilidades na
construção PES nas escolas técnicas no âmbito da CEETEPS em geral e particularmente na
esfera da Escola Dr. Júlio Cardoso.
São objetivos específicos deste trabalho:
• Construir um corpus teórico sobre o PES;
• Identificar as características do CEETEPS e em especial da Escola Técnica Dr. Júlio
Cardoso;
• Identificar como a Escola Técnica Dr. Júlio Cardoso do município de Franca
desenvolveu seu planejamento no período de 2017 até 2022;
• Analisar as normas e diretrizes para a construção do planejamento no âmbito das
CEETEPS em geral e da Escola Dr. Júlio Cardoso em particular;
• Identificar as proximidades e os distanciamentos das diretrizes para a construção do
planejamento no CEETEPS e as norteadoras do PES;
• Apreender os limites e possibilidades de construção de um planejamento nos moldes
do PES no âmbito da Escola Dr. Júlio Cardoso.
O planejamento é o meio pelo qual possibilita aos agentes escolares as condições de
análise de cenários, discussão de problemas e propostas de soluções de forma democrática e
integradora. Hoje em dia, no âmbito das instituições públicas e privadas, o planejamento se
faz necessário, independente se seu período de execução seja de curto ou de longo prazo.
Chiavenato (2015) aborda o processo de planejamento estratégico em várias etapas,
desde a intenção estratégica até o resultado. A obra “Planejamento estratégico” constitui-se
como um manual para a elaboração do plano estratégico. Das diversas ferramentas serão
verificadas as que já são aplicadas no projeto político pedagógico como exemplo a definição
da missão, visão e valores, bem como aquelas que fazem parte do processo estratégico, mas
414
ainda não se percebe nos atuais planos plurianuais como é o caso do Planejamento
Estratégico Situacional.
Parente (2010) traz os principais marcos históricos de referência no planejamento
educacional, os pré-requisitos básicos para esclarecer e estimular o desenvolvimento do
pensamento e da ação estratégica na educação além de indicar as principais atividades para
a operacionalização do planejamento com base nas diretrizes do MEC e outros órgãos de
regulação.
Matus (1997) apresenta o planejamento estratégico situacional, também conhecido
pela sigla PES. Este modelo tem como foco uma apreciação situacional, uma etapa inicial
que possui como objetivo a explicação de determinado problema sob pontos de vista
diferentes. Diferentemente do conceito de diagnóstico, fruto do planejamento tradicional, a
proposta de apreciação situacional, construída pela visão dos atores sociais ligados ao
planejamento e sua execução, possibilita uma reflexão e posterior organização das causas
que levam ao problema de forma a facilitar o entendimento e a proposta de ações estratégicas
para resolvê-lo.
Na gestão pública é possível encontrar diversos perfis de atores sociais; uns
cooperam, outros não cooperam seja porque ou se apresentam como indiferentes, ou porque
não compreende o planejamento da forma como se espera pelo planejador ou até porque
podem possuir outros planos conflitosos. O que é problema para um ator, pode não o ser
para outro. Uma possível solução neste emaranhado de perspectivas dos atores sobre
determinado problema está diretamente relacionada a capacidade de coalizão do planejador,
que de alguma forma consegue mapear as causas de determinado problema e suas
interligações, em seguida empregar recursos e ações mais voltadas às pessoas que possuem
interesse em cooperar e levar adiante o planejamento.
Existe uma vasta bibliografia sobre a obra de Matus e o PES. Pesquisas iniciais
trouxeram outros autores que realizam uma análise minuciosa deste modelo de planejamento
nos aspectos teóricos e práticos. Gentilini (2014) examina a influência do PES no
planejamento das áreas sociais, as críticas que surgiram ao planejamento tradicional de
natureza econômica no final dos anos 70, como também abrange os principais conceitos
operacionais e sua adequação nas áreas sociais, especialmente na Educação.
Neto et. al (2006) aponta a escassez deste tema no âmbito público e a falta de clareza
da metodologia. Por fim realiza um estudo de caso na adoção do PES no setor público, na
Coordenadoria da Administração Tributária (CAT) do Estado de São Paulo. Sua pesquisa
exploratória é uma oportunidade para compreensão dos conceitos de administração
estratégica na administração pública, os processos de planejamento do PES e os resultados
415
obtidos que evidenciaram as características, pontos fortes, bem como as limitações deste
modelo. Porém, de forma clara, percebe-se sua importância na modernização do Estado.
Iida (1993) estuda de forma comparativa o planejamento tradicional e o PES, além
de reconhecer este último como método aplicável a sistemas complexos, em situações em
que as incertezas predominam nas organizações sociais. Como resultado, ele identifica o
PES como instrumento flexível, um mapa que pode contribuir na condução das ações de
forma que sejam mais efetivas. Em geral, esta proposta tem condições de corrigir as
inadequações do modelo tradicional de planejamento e o distanciamento entre os
planejadores e executores.
Apesar de sua concepção inicial direcionada ao setor público, Rieg et. al (2014),
realiza um amplo estudo no setor privado quanto à aplicação do PES em três situações: o
problema da desmotivação dos funcionários do setor de qualidade de uma indústria
automobilística; problemas de instabilidade do produto; o plano de carreira em uma empresa
de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica. Como métodos de pesquisa,
os autores iniciam com a abordagem das suas características estruturais e, em uma dimensão
qualitativa e descritiva demonstram na forma de esquemas a aplicação do PES nos
três casos citados o que facilita o entendimento e aplicação em outras situações.
Por fim observa-se que o planejamento estratégico situacional é um tema atual e
relevante. Um amplo estudo e aplicação do modelo pode contribuir em situações diversas
pois tem como princípio a identificação de problemas e posterior compreensão de forma
coletiva e participativa dos atores, pessoas que estão integradas ao planejamento e
implementação de ações no setor público, especialmente na área de educação, objeto de
estudo neste trabalho.
Metodologia
Esta pesquisa é de natureza qualitativa, a qual não se preocupa com
representatividade numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão de um
fenômeno social ou organizacional conforme Gerhardt e Silveira (2009). Quanto ao formato,
este trabalho se apresenta como exploratório e descritivo. Exploratório pois pretende
possibilitar ao pesquisador e ao leitor uma maior familiaridade com o problema, de forma a
torná-lo mais claro. E descritivo por necessidade, pois para se compreender o PES como um
modelo específico de planejamento, deve-se atender para suas etapas e descrevê-las como
forma de melhor compreender a sua sistemática. Espera-se por meio dos estudos que o
problema se torne mais claro e compreensível e que os objetivos sejam atingidos. A pesquisa
seguirá o formato de estudo de caso, a partir de uma intensa exploração de fenômenos ligados
ao planejamento estratégico em uma instituição de ensino.
416
Resultados esperados
A partir do resultado, será apresentado um relatório de análise do planejamento em
comparação ao modelo de Carlos Matus além de um instrumento prático que possa facilitar
sua concepção e implementação. Espera-se que o trabalho traga uma melhor compreensão
acerca dos processos de planejamento com base na estrutura de diretrizes do CEETEPS e
como estas evoluíram nos últimos cinco anos. A identificação dos elementos possibilitadores
na construção do PES irão contribuir na identificação de ferramentas estratégicas que
poderão ser implementadas ou aprimoradas nas escolas técnicas. Já quanto aos elementos
limitadores, espera-se que o trabalho contribua para uma possível reflexão de quais
melhorias e adaptações poderão ser estudadas no CEETEPS e nas escolas técnicas para que
a instituição tenha condições de utilizar as técnicas do Planejamento Estratégico Situacional
como forma de mobilizar com maior eficiência seus recursos humanos.
418
Referências
AZEVEDO, Creuza da S. Planejamento e Gerência no Enfoque Estrategico-Situacional
de Carlos Matus. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/csp/a/LrN4RJ9Knzzn9N7SjjSXSsb/abstract/?lang=pt> Acesso em
21 jul 2022
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Persona, 1977
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
CEETEPS. deliberação nº 3, de 18/07/2013. São Paulo. Disponível em:
<https://www.cps.sp.gov.br/regimento-comum-etec/>. Acesso em 23 jul 2022
CEETEPS. deliberação nº 11, de 18/07/2015. São Paulo. Disponível em:
<https://www.cps.sp.gov.br/regimento-comum-etec/>. Acesso em 23 jul 2022
CHIAVENATO, Idalberto; SAPIRO, Arão. Planejamento estratégico: Fundamentos e
aplicações, da intenção aos resultados. 3ª ed. São Paulo: Campus, 2015.
SÃO PAULO. Decreto lei 6 de outubro de 1969. Assembleia Legislativa de São Paulo.
SÃO PAULO. Decreto lei 4 de março de 1970. Assembleia Legislativa de São Paulo.
SÃO PAULO. Lei nº 952. Assembleia Legislativa de São Paulo.
SÃO PAULO. Lei complementar nº 1049 de 19 de junho de 2008 Assembleia Legislativa
de São Paulo.
SILVA, Alliny, et. al. Planejamento Estratégico Situacional - PES: uma análise
bibliométrica da produção científica brasileira. Disponível em:
<https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/1269>. Acesso em 21 jul 2022
420
Introdução
O presente artigo tem como objetivo promover uma breve reflexão sobre a
participação estudantil na gestão escolar em uma instituição de ensino integrante da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. As considerações e
argumentações aqui apresentadas são provenientes de um trabalho de mestrado, ainda em
construção, realizado através do Programa de Pós-Graduação em Análise e Planejamento de
Políticas Públicas - UNESP141 de Franca - inscrito no campo de estudo “Política, Gestão e
Formação na Educação”, e que visa investigar “A Participação Estudantil na definição da
Política Pedagógica do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), à luz do princípio de Gestão
Democrática".
A referência feita à gestão democrática tem como origem a Constituição Federal de
1988 que, em seu artigo 206 - inciso VI, a inscreve como um dos prinçipios do ensino público
brasileiro, responsável por contribuir com a efetiva participação da Política Nacional de
Educação no processo de redemocratização do país após duas décadas de ditadura militar.
Durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988)142 já havia, conforme demonstram
Albuquerque (2011) e Tavares (1990), por parte de alguns setores ligados à Educação, a
percepção sobre a importância fundamental de se garantir uma ampla participação social na
construção de uma nova ordem democrática, o que colaborou no processo de
institucionalização da gestão democrática do ensino público como um dispositivo
constitucional.
Anos mais tarde, a regulamentação dada a tal dispositivo constitucional pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) consolidou a garantia da participação
dos atores escolares na gestão democrática ao atribuir, a cada sistema de ensino público da
educação básica, de acordo com suas particularidades, a competência de definir suas normas
em relação a esta modalidade de gestão, desde que respeitados os seguintes princípios: “I -
participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
139
UNESP Franca. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas
Públicas. [email protected] .
140
UNESP Franca. Livre Docente. [email protected] .
141
Sigla referente à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca.
142
A referida Assembleia foi instalada no Congresso Nacional no ano de 1987 e teve a tarefa de elaborar a
nova Constituição Federal, dotada de valores e princípios democráticos, após décadas de regime militar.
421
143
O Instituto Federal de São Paulo foi criado pela Lei 11.892/2008 juntamente com outros Institutos Federais
- IFs.
144
Referimo-nos aqui, especialmente, às normativas que regulamentam os órgãos colegiados da instituição
como o Conselho de Classe, o Conselho de Campus e o Conselho Superior, por exemplo.
422
145
Aqui referimo-nos como espaços formais, basicamente, aos conselhos deliberativos presentes nas pesquisas
e análises desses autores; exceção feita ao trabalho de Iadoccico (2019), que se debruçou sobre a análise do
processo de construção do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFSP como espaço de participação
estudantil.
146
O termo negligência aqui empregado destina-se a destacar o papel pedagógico da Educação e de seu
princípio constitucional da gestão democrática no processo de formação dos estudantes em uma perspectiva de
participação social, papel este, muitas vezes ignorado pelas instituições de ensino.
423
147
Ressalta-se que o referido autor tem desenvolvido inúmeros estudos sobre o tema em questão, os quais,
alguns deles, encontram-se em nossa bibliografia.
424
efetiva, sustentada pelo princípio de gestão democrática do ensino público, sem a presença
de elementos como: a autonomia para identificar, propor e discutir demandas; o poder
deliberativo para decidir sobre as políticas institucionais; bem como a existência de espaços
e mecanismos formais de legitimação dessas políticas.
No que concerne à metodologia utilizada, adotamos a perspectiva conceitual de
Fávero e Centenaro (2019) sobre a Pesquisa Documental que contempla suas dimensões
qualitativa e globalizante como diretrizes neste trabalho que versa sobre política
educacional.
A pesquisa documental, como procedimento metodológico que se utiliza
de técnicas e instrumentos para apreensão, compreensão e análise de
documentos, é de grande valia para as investigações em políticas
educacionais. Observando a complexidade envolvida nos documentos de
políticas, certamente a pesquisa documental nessa área produzirá
inferências e conhecimentos pautados numa perspectiva qualitativa e
globalizante, atenta a critérios de plausibilidade e validação que darão
confiança e credibilidade aos conhecimentos produzidos. (FÁVERO;
CENTENARO, 2019, p. 183)
148
Ao tratar-se de uma pesquisa ainda em andamento, até o presente momento, foram examinados, cumprindo
com as três fases da abordagem proposta por Bardin (1977), os seguintes documentos: Lei nº 11.892, de 29 de
dezembro de 2008; Resolução n.º 871, de 4 de junho de 2013; Resolução n.º 1100, de 3 de dezembro de 2013;
Resolução n.º 0045, de 15 de junho de 2015; Resolução n.º 03, de 15 de março de 2018.
426
Considerações Finais
Da análise aqui empreendida depreende-se que as fontes analisadas149 revelam as
escolhas institucionais sobre uma dada concepção de gestão escolar operante a partir da
colaboração da comunidade escolar, inclusive a dos estudantes.
Ainda que, como discutido neste artigo, somente as determinações normativas sejam
insuficientes para se realizar um projeto democrático de ensino, lembremo-nos que, no
âmbito da Administração Pública, onde se realizam as políticas públicas educacionais,
vigora o princípio da legalidade150, o que exige de suas práticas estreita consonância com as
diretrizes regulamentares que as orientam. Desta forma, se toda política pública requer, para
a sua validade, a formalização de seus atos a partir de normativas que os materializem, então
os documentos até aqui examinados sinalizam a pertinência do caminho institucional
adotado para efetivação da participação estudantil na gestão escolar, uma vez que neles se
149
Aqui nos referimos especificamente às fontes selecionadas para o presente trabalho, quais sejam: os
documentos formuladores das políticas pedagógicas da instituição pesquisada.
150
Sobre este assunto ver o trabalho de Rezende (2014) denominado “Democracia Administrativa e Princípio
da Legalidade: A Política Nacional de Participação Social Constitui Matéria de Lei ou de Decreto?”
427
Eis aqui o caráter proposital da Educação como política pública, a qual deve abster-
se do mero espontaneísmo e assumir posição de intencionalidade em relação à formação de
sujeitos aptos a exercerem o poder como capacidade de influir sobre as coisas, o que o autor
acima denomina de “poder-fazer”.
Essa diferença entre o poder que serve à dominação (poder-sobre) e o poder que
reforça a condição de sujeito do outro (poder-fazer) é de grande importância na
apreciação das relações de poder que têm lugar na sociedade, especialmente
quando o assunto em pauta é a educação, que é a própria forma pela qual se
plasmam personalidades humanas. (PARO 2007, p. 14)
Por fim, o que o desenvolvimento do trabalho até aqui realizado nos permite concluir
é que a gestão democrática constitui-se sim um princípio jurídico/legal, mas, sobretudo,
político/pedagógico no sentido em que coloca em conflito os diversos interesses e sintetiza,
como resultado de um processo de aprendizagem e negociação, um determinado
comportamento frente a esses interesses.
Referências
151
Como estrutura e ferramentas de gestão, referimo-nos aqui, além da existência de normativas apropriadas
ao conceito de gestão democrática, também à existência concreta de instâncias colegiadas de participação no
IFSP.
428
REIS, Martha Lima & FALCÃO, Nádia Maciel. Participação estudantil e gestão
democrática: apontamentos da legislação educacional. Revista Amazônida, 2016, ANO
01, Nº 02, p. 69 – 81.
REZENDE, Renato Monteiro. Democracia Administrativa e Princípio da Legalidade: A
Política Nacional de Participação Social constitui matéria de lei ou de decreto? Brasília:
Núcleo de Estudos e Pesquisas/ CONLEG/Senado, Outubro/2014.
TAVARES, Maria das Graças Medeiros. Gestão Democrática do ensino público: como se
traduz esse princípio? 1990. 194 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Instituto de
Estudos Avançados em Educação/Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 1990.
VICTOR, Martha Lima Reis. Participação estudantil na gestão da educação profissional
técnica de nível médio: estudo no IFAM – Campus Manaus Zona Leste. 2019. 97 f.
Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE). Universidade
Federal do Amazonas – Faculdade de Educação. Manaus, 2019.
430
Introdução
Norteado pela perspectiva bakhtiniana da análise de discurso, o presente artigo tem
o intuito fazer uma reflexão sobre a formação para o mundo do trabalho como principal
objetivo nos principais documentos de referência para a educação brasileira, sendo esses: o
relatório da UNESCO “Educação: um tesouro a descobrir”, as Leis de Diretrizes e Bases a
partir da década de 1960 e, mais hodiernamente, a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Evidentemente, uma análise mais apurada da presença desta expressão, mundo do
trabalho, seria necessária no que se refere a totalidade dos documentos, assim como para
abarcar construções textuais semelhantes ao longo dos textos, sendo este um escopo maior
que pretende ser contemplado em escritos futuros.
Sendo assim, neste texto pretende-se fazer uma verificação dos discursos neoliberais
atrelados ao foco na preparação para o mundo do trabalho no trecho que se refere ao objetivo
central do material selecionado a partir do cotejamento destes. Essa reflexão será feita a
partir das contribuições da perspectiva sobre contexto, palavra, ideologia e alteridade do
pensador russo Mikhail Bakhtin, que pode ser descrito como, no mínimo, um filósofo da
linguagem. A referida reflexão se debruça em analisar como a formação para a vida laboral
transitou ao longo do tempo em diferentes documentos oficiais que influenciaram
diretamente a educação brasileira, sendo em âmbito internacional o Relatório da UNESCO
de Jacques Delors e nacional as três Leis de Diretrizes e Bases (LDB), 1960, 1971 e 1996, e
152
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, campus de Araraquara. Doutoranda pelo
Programa de Pós-graduação em Educação Escolar Política e na linha de pesquisa Gestão Educacional pela
UNESP de Araraquara e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas
Públicas na linha de pesquisa Políticas e Gestão Educacional, pela na UNESP campus de Franca (2017).
Especialista em Produção de material didático pela UNESP, campus de Bauru-SP (2015) e em Planejamento,
Implementação e Gestão de EaD pela Universidade Federal Fluminense, UFF, Niterói-RJ (2014). Graduada
em Geografia pela Universidade de Franca, UNIFRAN, (2009) e em Pedagogia pela Universidade Federal de
São João Del Rei, UFSJ (2018). E-mail: [email protected] .
153
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, campus de Araraquara. Professor
pesquisador da UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e atua nas áreas de Avaliação
Educacional, Currículo, Tecnologia Educacional e Política Pública. Possui graduação em Química com
Licenciatura em Ciências, Mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, Doutorado em
Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP em São Paulo e Pós-Doutorado pelo Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa. Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar na FCLAr/UNESP,
onde atua e desenvolve pesquisa nas áreas de Avaliação, Currículo, Tecnologia e Política Pública. E-mail:
[email protected]
431
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tanto o relatório de Jacques Delors quanto a
Nova LDB, são da década de 1990 e propõe uma formação para os desafios futuros, sendo
o ofício um ponto focal. Tal escopo continua estruturante na BNCC em seus objetivos e
metas para o que se denomina como mundo do trabalho, sendo este o documento mais atual
em vigor e que influenciou grandes transformações na educação brasileira, como a
implementação do Novo Ensino Médio e as reformas curriculares em todos os estados e
municípios.
A preparação para o trabalho como objetivo desde a primeira Lei de Diretrizes e Bases
Historicamente, o foco da preparação para o mercado de trabalho realizada na
escolarização brasileira não é novidade, pois desde as primeiras legislações durante o Estado
Novo (1937-1945), as orientações vocacionais já são um dos principais objetivos para o
processo de ensino e aprendizagem (ARANHA, 2002). Ao usar o adjetivo de dois gêneros,
“vocacional” em várias documentações oficiais, é trazida a ideia de que a educação deve
conduzir os educandos a compreender sua propensão, no sentido de aprimorar talentos
naturais e, principalmente, de se encaixar em uma carreira. Tal composição de palavras,
“orientação vocacional”, perdurou por muito tempo nas diretrizes educacionais brasileiras,
Munhoz e Melo-Silva (2012) afirmam que dos anos de 1920, com orientações técnicas para
educação, passando por Reformas educacionais nos anos de 1940 e pelas LDBs entre as
décadas de 1960 e 1970, essas duas palavras eram presença garantida em qualquer
documento oficial, principalmente nos parágrafos relacionados aos objetivos principais da
escolarização.
As palavras em si podem ser consideradas bem intencionadas em um primeiro
momento sem se apurar o seu contexto, porém ao serem colocadas como principal objetivo
da educação nacional desde os anos de 1920 até a LDB vigente de 1996, essa composição
demonstra o poder da plasticidade da palavra, o que Valóchinov (2018) denomina como a
capacidade de essa assumir qualquer função, nesse caso ideológica, pois representa a
tradução das exigências de uma determinada classe em relação às mudanças conjunturais.
Considerando a importância do contexto levantada por Bakhtin e seu círculo, o
contexto social, econômico e político sempre influenciou, em certa medida, tal enfoque na
educação como contribuidora para a formação de mão de obra especializada sempre se
voltou para mitigar momentos de crise. A primeira leva de reformas educacionais que
ocorreram entre 1931 e 1946, foram propostas poucos anos depois de dois eventos
devastadores, como a Crise financeira de 1929 e a Segunda guerra mundial, que afetaram
profundamente o panorama econômico brasileiro, fazendo com que os detentores do capital
precisassem de novas estratégias para superar os desafios impostos. Já a criação das LDBs
432
de 1961 e 1971, são frutos de longas e amplas discussões educacionais como foco em
preparar os futuros trabalhadores para a crescente industrialização do país, sendo a LDB de
1961 tendo tramitado por 13 anos nas câmaras dos deputados e dos senadores devido às
discordâncias partidárias (MONTALVÃO, 2010). No período, houve grandes
transformações na modernidade trazidas com o crescimento econômico brasileiro devido à
expansão do capitalismo durante a guerra fria, somadas ao início do período ditatorial em
1964, a conjuntura firmou a ideia de que a educação deveria, principalmente, formar para
exercer uma função social conjuntamente ao progresso da nação.
Tal concepção utilitarista da educação, foi reforçada em 1971, quando a Nova Lei de
Diretrizes e Bases propôs uma reforma para o 2º grau, atualmente chamado de Ensino Médio,
obrigando todas as instituições de ensino, públicas ou privadas de implementarem
concomitantemente formação técnica em seus currículos, proposta que fracassou em menos
de uma década, sendo essa a primeira reforma do Ensino médio.
Desse modo, o que até então era uma orientação vocacional no sentido de
aconselhamento em 1961, mudou seu sentido para prescrição e direcionamento em 1971, o
que se relaciona com a rigidez dos chamados “anos de chumbo” da ditadura brasileira; tal
mudança de sentido confirma a flexibilidade contextual e política da palavra defendida por
Valóchinov (2018). Segundo o autor, a onipresença social da palavra é indicadora de
mudanças sociais, nesse caso uma grande transformação, já que a formação cidadã é
colocada em segundo plano diante da necessidade urgente de formar mão de obra, o que será
433
modificada somente em 1996 com a Nova LDB, porém seu objetivo central ainda está ligado
à preparação para o trabalho.
Considerando o que foi analisado até aqui, pode-se afirmar que todo enunciado
apresenta individualidade, portanto o estilo se mostra de maneira singular, mesmo que essa
não seja de um indivíduo. Comumente, nem todos os gêneros são capazes de refletir tão bem
essa individualidade como, por exemplo, os que requerem uma forma de preenchimento,
entre eles, escritos oficiais, como legislações e documentos norteadores, porém os analisados
nesse texto fogem a regra por representarem um grupo no poder, neste caso os militares e a
elite que os apoiava. Segundo as diretrizes do método da análise do discurso pela perspectiva
bakhtiniana, o estilo é ainda um fator social, tendo em vista às ideologias, axiologias e
valores comungados pelo sujeito que, participante do discurso, evidencia não só seu estilo
individual, mas sim o estilo de dois sujeitos ou mais ou um grupo social e as ideias
partilhadas. Em política pública, essa formação coletiva é denominada por alguns autores
advocacy coalition, a exemplo de Sabatier (1988), que define esse termo como a visão de
mundo daqueles que detém o poder, amparados por um conjunto de ideários, nem sempre
coeso para os que não estão imersos nas mesmas crenças. Tal contexto, dificulta a
compreensão de diferentes lados, nesse caso a realidade da educação dos filhos da classe
trabalhadora. A finalidade do discurso também delimita o estilo do indivíduo, para que assim
possa ser alcançada a atitude responsiva ativa do destinatário, o que pode ser bem traduzida
na relação entre os parlamentares e demais representantes do Estado e sociedade ao se definir
os objetivos, metas, direitos, deveres e responsabilidades em leis e documentos oficiais.
Frente essa seleção, é cabível uma breve elucidação sobre essas competências
escolhidas. As duas primeiras 2 e 5, expressam a intenção de formar um indivíduo para as
rápidas transformações de contexto, torná-los o mais flexíveis e proativos o possível para os
novos tempos, principalmente ao que se refere ao meio tecnológico, como ambas fizeram
questão de salientar. Já as competências 6 e a 10 se voltam para as demandas sociais do
mundo do trabalho, mesmo que a competência número 10 não deixe isso explícito em
436
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum
Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio
da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o
contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e
suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e
suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica
e profissional (BRASIL, 2017, grifo nosso).
Considerações finais
Ao longo dos anos os documentos que definem as diretrizes educacionais mudaram
as palavras-chaves para definir o vínculo com o trabalho, de orientação vocacional a mundo
do trabalho; entretanto, sem necessariamente a perda da ligação com o labor. Assim, todos
os termos para se referir ao trabalho, cada um ao seu modo, colocando o peso da adaptação
às mudanças, principalmente as socioeconômicas e tecnológicas, proporcionalmente mais
no indivíduo do que no Estado, algo complexo, porém é responsivo ao que atende o que se
espera da educação em cada época, sendo o contexto responsável pela estética do discurso
(BAKHTIN, 2003).
Diante do exposto, cabe uma pequena ressalva que se relaciona diretamente aos
objetivos dos documentos e das leis analisados, pois, ao se propor a formação de um
indivíduo para o trabalho com habilidades sociais voltadas para a reflexão, mas, ao mesmo
tempo, objetivar a formação para atender as novas exigências neoliberais que cada vez mais
privam o trabalhador de condições para essa reflexão é, no mínimo, contraditório. Não é que
a educação não tenha que ter esse papel de preparação ou que os alunos não precisem dessa
formação em suas vidas para viabilizar seus futuros, mas a construção do cidadão
democrático vai muito além de um processo de ensino e aprendizagem voltado para o que
se chama de mundo do trabalho e o que pode limitar o educando a uma “cidadania
funcional”. A função cidadã deve partir da reflexão para a resolução que ameacem seus
direitos e a democracia, e que nem sempre estarão diretamente relacionados ao trabalho. A
escolarização deve possibilitar que o indivíduo possa exercer sua cidadania plena dentro de
um Estado democrático de direitos, promover a emancipação por meio da autonomia e não
a sujeição ao mercado de trabalho.
Referências
438
Introdução
Este trabalho justifica-se pela necessidade de discutir e refletir, ao revisitar o
histórico da infância brasileira, o entendimento dos pais sobre a importância da instituição
creche comopromotora do desenvolvimento humano, isto é, cuida ao mesmo tempo em que
ensina.
Apresenta-se o entendimento de criança e de infância havido em cada período da
história. O interesse pelo tema deveu-se ao fato de se compreender o entendimento que os
paise/ou responsáveis tem frente às políticas públicas educacionais da infância, somado às
vivênciasobservadas pela autora em quatro creches de uma cidade do interior paulista; ao
se perceber o nítido discurso dos pais em acreditar na importância da promoção do
desenvolvimento do filho,desde que realizado pela própria instituição e não pela família.
E, ainda, o trabalho em tela ancora-se na pesquisa de campo e no instrumento
questionário (google forms) enviado aos pais e, logo após, na análise sob a abordagem
quanti qualitativa. De acordo com Triviños, “a pesquisa educacional tem como objetivo
maior servir aos processos de transformação da essência da realidade social que
experimentamos” (1987 p.14); no entanto, não se pretende esgotar o assunto.
Ao revisitar as épocas históricas, observou-se que a criança e a infância foram
desprovidas de relevância social, partindo de insignificante inexistência, de descartável,
devido ao alto índice de mortalidade, de adulto em miniatura, de força de trabalho, até
chegar ao cidadão de direitos no século XXI, fato a ser conquistado embora garantido por
lei. Isto é, nãoconquistaram seu espaço como sujeito histórico que opina, atua e participa
da construção dos saberes e é atendido em seus desejos e necessidades.
Segundo Mendes (2010 p. 47-48),
os primeiros anos de vida de uma criança têm sido considerados cada vez mais
importantes. Os três primeiros anos, por exemplo, são críticos para o desenvolvimento da
inteligência, da personalidade, da linguagem, da socialização etc. A aceleração do
desenvolvimento cerebral durante o primeiro ano de vida é mais rápida e mais extensiva do
154
Especialista em Educação e mestra em Planejamento e Análise em Políticas Públicas
155
Professor, ator e mestre em Planejamento e Análise em Políticas Públicas
440
que qualquer outra etapa da vida, sendo que o tamanho do cérebro praticamente triplica
neste período.
É fundamental que a instituição creche crie espaços e formas para acolher,
acompanhar, desenvolver e emancipar todas as crianças que dela necessitarem,
potencializando-as. Entretanto, vale ressaltar que é essencial a parceria da família para
efetivar o desenvolvimentodas crianças, visto que, em tempo pandêmico, a creche não as
atendeu presencialmente; contudo, orientou os pais a estimular a “ensinagem” que lhe
cabia.
Lev Vygotsky (1987), socioconstrutivista, interacionista, afirma que o indivíduo
sofre influência de estímulos do mundo exterior e das relações sociais, que implicam no
seuaprendizado e no desenvolvimento de sua cognição ao longo da sua história de vida. Ele
destaca que é sumamente relevante para o desenvolvimento humano o processo de
apropriação das experiências presentes em sua cultura. Enfatiza a importância da ação, da
linguagem e dos processos interativos na construção das estruturas mentais superiores.
É comum relatos descritivos de professores no âmbito da creche de que o trabalho
assistencialista, higienista é bem presente no entendimento dos pais, ou seja, a instituição
higienizaria e alimentaria os filhos enquanto trabalham; sem se dar conta de que é
promotora de um plano educacional, preocupada com o desenvolvimento pleno das crianças.
Aliando duasações primordiais da educação de crianças pequenas: o cuidar e ao mesmo
tempo o ensinar. Diante tal discurso, ouviram-se os pais. Outro relato de igual valia foi sobre
a omissão dos paisem acompanhar e auxiliar nas atividades ofertadas pela creche como
“dever de casa”. E, por fim, a incapacidade do poder público em criar, durante a pandemia
do Covid-19,condições e políticas públicas eficientes e eficazes para atender os alunos em
home office.
Desenvolvimento
Ao longo da história humana, a criança, embora presente na vida social, participava
apenas quando lhe era permitido. Para compreender, faz-se necessário o estado da arte em
queo tema se reveste, sem trazer à baila um anacronismo entre passado e presente, mas o
foco no ideal de compreender historicamente tal fato para subsidiar o desvelamento da
realidade atual, questionando as possíveis e pertinentes intervenções, visando apontar
caminhos. Assim, observa-se que a criança teve seu “lugar” na sociedade, porém sem “voz
e vez”e vista só como força de trabalho, em especial a criança empobrecida, indesejada e
desvalida.
É recorrente na literatura relatos sobre a diferença da educação entre as crianças
mais e menos abastadas, inclusive nos códigos que regulamentavam as idades para o
441
trabalho infantile para a responsabilidade penal. Segundo Arantes (2011, p.194), “... um
sistema dual no atendimento às crianças, uma vez que o Código Civil de 1916 lidava com os
“filhos de família”, já o Código de Menores de 1927 protegia os “expostos”, os
“abandonados”, os “desvalidos”... Quase sempre, a criança pobre era assemelhada ao
modelo preestabelecido de “infrator” e de “anormal” e recolhida a instituições a pretexto
de o Estado prover aquilo que a família, pela desestrutura, não o fez. O Código de Menores
vigorou até 1990, sendo substituído pelo Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA).
Em 1988, foi promulgada a atual Constituição Federal Brasileira, apelidada de
“Constituição Cidadã” pela essência do ideal de assegurar o direito de todos à educação, à
saúde, ao lazer, à segurança e ao bem-estar físico e social, há muito reivindicado pela
sociedade.Considera-se ainda que o Brasil, signatário de movimentos internacionais, como
a Declaração de Salamanca, Declaração Mundial sobre Educação para Todos, avançou
significativamente aocriar e promulgar o ECA para resguardo dos direitos das crianças e
adolescentes, mais voltadosà educação, ao lazer, e ao amparo do que à vida produtiva de
outrora. Ressalta-se que na décadade 90, isto é, em 1996, foi sancionada a Lei de Diretrizes
e Bases Nacional 9394/96, que garantee idealiza o acesso à permanência e o sucesso de
todas as crianças e adolescentes na escola, o direito à creche que deixa de ser meramente
assistencialista e passa a ser educacional.
Fica a velha (nova) indagação: ainda há diferença entre crianças ditas pobres e
abastadasna educação promovida pela creche e tal diferença é percebida pelo entendimento
da família? Seria a “seguridade do direito” tão importante quanto o compromisso com o
desenvolvimento humano? Atualmente, sabe-se que o Estado não resguarda de fato todos os
direitos supracitados com a eficácia que deveria, embora expresse tal desejo nas
entrelinhas que constituem as
políticas públicas elaboradas, mesmo assim tal efetividade não se comprova; promovendo
ajudicialização da política necessária a garantir os direitos constitucionais e de outras leis
citadas.É oportuno considerar que, pelos estudos da neurociência, a infância é um
período propício para desenvolver plenamente os indivíduos. Segundo Lima (2010,
p.16), “[...] océrebro tem grande plasticidade. Plasticidade é uma facilidade maior de
estabelecer conexõesentre as células nervosas comparativamente a idade adulta [...]”. É a
plasticidade cerebral queproporciona a aprendizagem, visto que a criança desenvolve a sua
aprendizagem de acordo coma biologia da espécie, com a cultura na qual pertence e com
o tempo histórico em que vive.Ainda segundo Lima (2015, p.10), “O desenvolvimento da
criança dependerá da possibilidadeque ela tenha de explorar seu ambiente, movimentando-
se no espaço [...]”. Nesse ponto é quereside a importância da creche e da família como
442
Procedimentos metodológicos
Para a realização do trabalho, fez-se uma pesquisa bibliográfica, documental e
pesquisade campo com os pais das crianças que frequentam quatro creches na cidade de
444
Resultados e discussão
As quatro creches, objeto deste estudo possuem 32 salas de aulas, duas delas
atendem crianças de berçário I (4 meses a1 ano); berçário II (1 ano a 1 no e 11meses);
maternal I (2 anos a 2 anos e 11 meses); Maternal II (3 anos a 3 anos e 11 meses); fase I (4
a 4anos e 11meses); fase II (5 anos a 5 anos e 11 meses). Uma atende o Maternal I e II e a
fase I e II e aúltima atende berçário I e II e Maternal I e II.
As quatro creches estudadas atendem crianças de 0 a 5 anos e 11 meses, possuindo
salasde aulas, solários, playground, hortas, refeitórios, banheiros, bibliotecas com acervo
de materiais didáticos/pedagógico. Seus professores/educadores, são formados em
pedagogia, bemcomo seus auxiliares. Ainda contam com professor de educação física, de
música, nutricionista,coordenadora pedagógica e administrativa.
Os documentos analisados nesta pesquisa (fotos, apostilas, busca ativas, controle de
presenças etc.) foram elaborados pelas creches sob orientação e/ou modelos cedidos pela
Secretaria Municipal de Educação de Franca.
Os questionários enviados aos pais (725 famílias) foram respondidos por 567
pessoas. Para entender e responder à primeira indagação do trabalho: “o que pensam os pais
sobre a função da creche ?” Verificou-se junto aos educadores, em seus relatos, o que estes
445
pensam, verbalizam e descrevem da ideia dos pais sobre a função da creche, se seria apenas
um lugar para “cuidar” de seus filhos enquanto trabalham. Os resultados foram, a saber:
Considerações finais
Ao refletir sobre o tema proposto, através da literatura e dos dados coletados em
pesquisa de campo, houve o vislumbre parcial de caminhos para suporte a posteriores
pesquisase de um novo olhar sobre as questões que envolvem a historicidade das lutas e da
organizaçãosocial que influenciam diretamente a infância e suas necessidades.
Observa-se ainda que a família necessita aprofundar-se nos conceitos da infância e
da sua importância, além de compreender os reais aspectos didáticos, metodológicos e
práticos dainstituição, garantidos pela LDB 9394/96 e com direito a saber o que é oferecido
aos filhos; juntamente com a BNCC e Currículo Paulista ao prever o “direito a
aprendizagem” da criança.
Outrossim, os pais, embora reconheçam o valor da creche como instituição
educativa, não se veem como parceiros e ainda menos como responsáveis pela educação,
desenvolvimento dos filhos, por sua formação e informação. Por fim, percebeu-se, em
tempos pandêmicos, que os pais veem a creche como uma ajuda diária ao dar segurança e
ensino aos filhos, enquanto trabalham, e não como parceira, mesmo sabendo que oferece
regras e atividades pedagógicas que promovem o desenvolvimento pleno das crianças. Isto
é, a creche não deveria “dar mais trabalho” aos pais, mas avocar as atribuições familiares.
Referências
ARANTES, Ester M.M; MOTTA, M. Euchares. A criança e seus direitos. Rio de Janeiro;
PUC-RJ/FUNABEN, 1990.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus
Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
BRASIL. Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases
daEducação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: Acesso em: 23 mar. 2020.
. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança
e doAdolescente. Brasília DF, 1990. Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2020.
FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.
448
LIMA, Elvira Souza. Neurociencia e a Aprendizagem. 2.ed. São Paulo: Inter Alia
Comunicação e Cultura, 2010.
LIMA, Elvira Souza. O desenvolvimento biológico e cultural da criança pequena: da
vidaintrauterina aos seis anos. Revista Direcional Educador, ano11, p. 10, abril 2015.
LIMA, Elvira Souza. A criança como ser de cultura; visão integrada da antropologia e
neurociência. Revista Direcional Educador, ano 11, p. 8-10, maio 2015.
MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações
familiaresno mundo contemporâneo. 6ª edição. Campinas: Papirus, 2012.
PILOTTI, Francisco J.; RIZZINI, Irene (Ed.). A infância sem disfarces: uma leitura
histórica In: _A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação
e da assistência à infância no Brasil. Instituto Interamericano del Niño, 1995, p. 15-30.
SILVA. Sonia das Graças Oliveira. A relação Família/Escola, Disponível
em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/a-relacao-
familia%10escola-3012/artigo/ Acesso em: 26/06/2020.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1984.
449
Introdução
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2019, 23%
dos alunos afirmaram que duas ou mais vezes se sentiram humilhados por provocações dos
colegas. Pensando sobre esse contexto, Malta et al (2022, p. 09) consideram que houve uma
redução nos casos de bullying nas escolas comparado ao PeNSE de 2015, e os autores
enfatizam que “embora seja verificada uma redução da prevalência de bullying entre
estudantes brasileiros em 2019, esse ainda é um grave problema no cenário nacional”159.
Desta forma, é preciso pensar sobre estes 23% de alunos entre 13 e 17 anos (PeNSE 2019)
que sofrem bullying e este é alimentado dentro do espaço escolar, visto que:
se apresenta de forma velada, por meio de um conjunto de comportamentos cruéis,
intimidadores e repetitivos, prolongadamente contra uma mesma vítima, e cujo
poder destrutivo é perigoso à comunidade escolar e à sociedade como um todo,
pelos danos causados ao psiquismo dos envolvidos (FANTE, 2011, p. 21).
Considerando que há anos o bullying é uma realidade das instituições escolares e que
pode causar danos ao envolvidos, é importante evidenciar que um desses danos pode ser a
saúde mental dos sujeitos adolescentes. Neste trabalho, o conceito de saúde mental será
compreendido a partir do que é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a qual
estabelece que
Saúde mental refere-se a um bem-estar no qual o indivíduo desenvolve suas
habilidades pessoais, consegue lidar com os estresses da vida, trabalha de forma
produtiva e encontra-se apto a dar sua contribuição para sua comunidade. Em
relação às crianças, a saúde mental implica pensar os aspectos do
desenvolvimento, tais como: ter um conceito positivo sobre si, ter tanto
habilidades para lidar com seus pensamentos e emoções, quanto para construir
relações sociais, tendo uma atitude de se abrir para aprender e adquirir educação.
156
Este trabalho é resultante da tese, em processo de finalização, intitulada "O corpo (re)significado: discursos
de alunos vítimas de bullying", desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação pela FFCLRP/USP.
157
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP).
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação. [email protected].
158
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP).
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação. [email protected].
159
Neste estudo, os autores sugerem que sejam feitas novas pesquisas para que esta redução seja analisada,
pois consideram que as práticas de conscientização podem ter ajudado a reduzir a prática de bullying, mas não
descartam que há uma limitação nos resultados, visto que as perguntas não foram comparáveis na edição do
PeNSE de 2019 com as edições anteriores, isto ocorreu porque houve mudanças na maneira como foram
realizados os questionamentos.
450
Portanto, partindo da consideração de que bullying é uma violência e que pode ser
interpretado não somente pelo comportamento ou pela prática, mas também pelo discurso,
objetivamos analisar como o sujeito-aluno do Ensino Médio que sofreu bullying no Ensino
Fundamental discursiviza sobre essa violência e se há indícios de que a saúde mental dele
foi afetada. Para embasar esta pesquisa, os pressupostos teóricos utilizados sustentam-se na
Análise de Discurso pecheuxtiana e o corpus foi constituído a partir de um questionário que
propusemos aos alunos do Ensino Médio de uma escola pública do interior de São Paulo.
Teoria
Ao propormos analisar o bullying discursivamente, é importante explicar que, dentro
da perspectiva da Análise de Discurso pecheuxtiana, o discurso é compreendido como efeito
de sentidos entre interlocutores (PÊCHEUX, 2009), isto porque “é no discurso que o homem
produz a realidade com a qual ele está em relação”, relação esta que pode ser materializada
por diferentes linguagens - seja a escrita, a dança, a pintura, o corpo - em diferentes condições
de produção, assim, não podemos dizer que temos o mesmo discurso, pois este é produzido
a partir de situações sócio-histórica-ideológicas distintas.
Outro conceito importante é o de sujeito, pois para a Análise de Discurso ele também
afeta a condição de produção do discurso, isto porque não se trata do indivíduo, mas sim, da
interpelação em sujeito, a partir da posição que este ocupa ao produzir seu discurso (IDEM,
2009), por exemplo, para esta pesquisa, ao tratarmos sobre o bullying, podemos considerar
a posição sujeito-vítima e a posição sujeito-agressor. Com isso, é pelo discurso do sujeito,
pelas condições de produção do seu discurso que podemos interpretar a relação do sujeito
com a ideologia, se partilha de um discurso dominante, ou não, ou seja, é possível acessar
qual formação ideológica é partilhada por ele, o que Pêcheux (IBIDEM) chamará de efeito
ideológico.
Indursky (2011, p. 84), embasada na teoria da Análise de Discurso pecheuxtiana,
explica que “é o indivíduo que, interpelado pela ideologia, se constitui como sujeito,
identificando-se com os dizeres da formação discursiva que representa, na linguagem, um
recorte da formação ideológica”, portanto, quando Pêcheux (2009) conceitua as formações
discursivas como aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição
dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que
451
pode e deve ser dito”160, podemos entender que as formações discursivas são os discursos
produzidos pelo sujeito afetado por uma ideologia, seja esta a dominante ou não.
Desta forma, ao produzir seu discurso, o sujeito não só indicia a formação discursiva
em que se inscreve ou a formação ideológica a que se filia, mas também a imagem que cria
de si e do outro, ou seja, é pelo jogo das formações imaginárias (IDEM) que o sujeito
antecipa a sua relação com o outro e consigo mesmo, por exemplo, como será mostrado neste
trabalho, como o sujeito-aluno do Ensino Fundamental, após sofrer bullying, antecipa como
será a sua relação com os outros alunos no Ensino Médio, assim, temos um sujeito que,
muitas vezes, acredita na transparência dos sentidos e, pela imagem que cria sobre si e sobre
o outro, produz seu discurso afetado e constituído por esse lugar imaginário, como será
observado nas análises.
Metodologia
Quando nos propomos a trabalhar com a Análise de Discurso pecheuxtiana, é válido
diferenciá-la da Análise de Conteúdo tendo em vista que ambas trabalham com o mesmo
viés do método qualitativo: a interpretação. Porém, enquanto a Análise de Conteúdo se
preocupa em verificar o que está por trás do que foi dito, a Análise do Discurso trabalha com
aspectos discursivos, dentre eles, as relações sociais, como explica Lima (2003, p. 78): “o
instrumento da prática política é o discurso, ou, mais precisamente, a prática política, que
tem como função, pelo discurso, transformar as relações sociais, reformulando a demanda
social, o que nos parece ser indiferente aos analistas de conteúdo”. O autor (IDEM, p. 81)
ainda complementa que “na análise de conteúdo, parte-se da exterioridade para o texto,
enquanto na análise do discurso francesa, ao contrário, procuramos conhecer essa
exterioridade pela forma como os sentidos se trabalham no texto, em sua discursividade”.
Sendo assim, para que o analista de discurso possa interpretar essa exterioridade,
partimos do uso do paradigma indiciário proposto por Ginzburg (1989, p. 149), que entende
“um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre os dados marginais,
considerados reveladores” para, assim, encontrarmos pistas nos discursos dos sujeitos-
alunos que nos levem a interpretar como esses sujeitos discursivizam sobre o bullying.
A interpretação do analista ocorre a partir dos dois dispositivos que a Análise do
Discurso trabalha, o teórico e o analítico:
O dispositivo teórico é constituído pelas noções e conceitos que constituem os
princípios da análise de discurso: a noção de discurso como efeito de sentidos, a
noção de formação discursiva, a de formação ideológica, o interdiscurso etc. O
dispositivo teórico vai determinar o dispositivo analítico. Ele orienta o analista em
como observar o funcionamento discursivo. É o dispositivo teórico que faz o
deslocamento de uma leitura tradicional para uma leitura que chamamos
160
Grifos do autor.
452
sintomática: a que estabelece uma escuta que coloca em relação o dizer com outros
dizeres e com aquilo que ele não é mas poderia ser. (ORLANDI, 2015a, p. 29-30)
Análises
Conforme Malta et al (2022), a partir dos dados publicados pelo PeNSE 2019, um a
cada quatro sujeitos-escolares diz ter sofrido bullying na escola. Considerando que este
sujeito-vítima de bullying cresce, dá seguimento aos estudos, entendemos ser importante
analisar como ele discursiviza sobre essa prática tão presente nas escolas, por isso, sabendo
que o sujeito cresce e pode constituir outras relações em sociedade, como estudos, família,
trabalho, para esta pesquisa, vamos nos ater em analisar o discurso do sujeito do Ensino
Médio que foi vítima de bullying no Ensino Fundamental.
No questionário proposto aos sujeitos que participaram da pesquisa, foi perguntado,
na Questão 6, “Você acha que o bullying sofrido no Ensino Fundamental afeta a imagem do
adolescente no Ensino Médio? Por quê?”161:
Recorte 01: Sujeito-aluno A: Com certeza, acredito que no
fundamental é quando a pessoa está descobrindo o que é o mundo,
como as coisas funcionam. E a pessoa que sofre Bullyng nessa fase,
fica com uma imagem ruim de sobre o que é o mundo, porque ela já
tem muitas cicatrizes desde cedo.
Recorte 02: Sujeito-aluno B: Afeta muito, eu particularmente tenho
muitos bloqueios que afetam em meu desenvolvimento no ensino
médio, tenho dificuldades em socializar com a minha turma,
apresentar trabalhos para sala.
Recorte 03: Sujeito-aluno C: Sim, porque muitas das vezes ele tenta
se modificar para assim caber nos preceitos de um “aluno normal”,
que seria aquele aluno que não sofre bullying e é deixado na dele.
161
Nos recortes, as respostas dos sujeitos-participantes foram mantidas conforme escritas originais presentes
nos questionários.
454
Pelos recortes 02 e 03, interpretamos que o bullying atua como aquele que cerceia o
sujeito-vítima, de modo que este passa a restringir suas ações, como apresentar trabalhos e
a socialização com outros alunos, como discursiviza o Sujeito-aluno B; o Sujeito-aluno C
nos indicia que pode ter sido o seu comportamento o motivo para sofrer bullying, então, na
tentativa de não sofrer novamente, pela formação imaginária do comportamento ideal que
não desperta o interesse dos sujeitos-agressores, o Sujeito-aluno C, vítima de bullying, no
Ensino Médio, opta por mudar seu comportamento, assim, interpretamos que esse violência
interfere na saúde mental dos sujeitos-vítimas, tendo em vista que vai de encontro ao que
entende a OMS (2013) por saúde mental, pois os sujeitos-alunos A, B e C indiciam que, no
Ensino Médio, não conseguem desenvolver suas habilidades pessoais e têm comprometida
sua participação ativa na sociedade.
Sobre a alteração em seus comportamentos, ainda respondendo à questão 6,
propomos a discussão dos recortes a seguir:
Recorte 04: Sujeito-aluno D: sim, porque o adolescente se sente
inseguro, insuficiente e busca sempre está no padrão pra agradar
expectativas. e isso acaba o tornando ansioso, deprimido...
Recorte 05: Sujeito-aluno E: Sim, vivenciar uma experiência dessa
te faz tomar atitudes para que elas não se repitam sempre, e isso faz
o jovem mudar seu jeito para se sentir autosuficiente.
De acordo com a OMS (2013), a saúde mental está relacionada ao sujeito ter um
conceito positivo sobre si, porém não é o que discursivizam os Sujeitos-alunos D e E, tendo
em vista o seu desejo por ‘mudar seu jeito’ ou ‘sempre querer estar no padrão para agradar
expectativas’, desta forma, partem da formação ideológica de que existe um sujeito
completo, suficiente que não sofre bullying. Interpretamos, pelos recortes 04 e 05, que há
uma ilusão na tentativa de justificar o ou os motivos da prática do bullying: a culpa a si
mesmo, o que contribui para afetar a saúde mental destes sujeitos-vítimas, pois não olham
para si de forma positiva, com isso, partilham da mesma formação discursiva que o sujeito-
agressor.
Ao propormos analisar o bullying e a saúde mental, é importante considerarmos os
recortes 06 e 07:
Recorte 6: Sujeito-aluno F: Questão 8162. Graças ao bullying e o
descaso das escolas em que estudei, repeti de série duas vezes, pois
não conseguia me concentrar nos estudos, posso dizer com clareza
que isso tudo me levou a ter depressão, sou uma pessoa insegura e
não consigo me relacionar romanticamente com ninguém.
Recorte 7: Sujeito-aluno G: Questão 7163. Sim, após o bullying eu
comecei a ter muito receio de ir à praia de biquini, colocar shorts ou
162
Questão 8: Quais são as consequências e efeitos do bullying para você hoje?
163
Questão 7: O bullying deixou marcas em seu corpo? Quais? (aqui você pode falar sobre marcas físicas e
psicológicas)
455
Lopes Neto (2011, p. 103) considera a relação existente entre bullying e a saúde
mental e explica que “Algumas situações mais extremas são passíveis de ocorrer, como a
fobia escolar, em que o medo, a ansiedade e as manifestações depressivas incapacitem
crianças e adolescentes de frequentar a escola”, nesse viés, compreendemos pelo recorte 6
que o Sujeito-aluno F viveu essa fobia escolar e teve sua saúde mental afetada de modo que
não conseguia lidar com os estresses da vida nem trabalhar de forma produtiva (OMS, 2013),
resultando na reprovação escolar duas vezes. Consideramos ainda que, pelo discurso desse
sujeito, a fobia ainda foi transferida não só para o espaço escolar, mas também para os
relacionamentos, de forma que o Sujeito-aluno F discursiviza que não consegue se relacionar
romanticamente com ninguém, interpretamos que esse pronome indefinido ‘ninguém’ vai
além dos muros da escola, ou seja, o bullying afetou sua saúde mental em relação a ser um
sujeito produtivo e afetivo com qualquer outro sujeito, dentro ou fora do ambiente escolar.
Sobre o discurso do Sujeito-Aluno G, interpretamos que o bullying afeta a saúde
mental do sujeito e dificulta não só a sua circulação na escola, mas em outros espaços
também, pois ao passar a olhar para si, pelo olhar do sujeito-agressor, esse sujeito-vítima
carrega esse olhar para outros ambientes, para a praia, para o clube, para a rua, para qualquer
lugar em que a roupa que evidencie seu corpo possa ser mais uma vez motivo de bullying,
portanto, a saúde mental deste sujeito é afetada, pois, ao partilhar da formação ideológica de
que existe um modelo de barriga que não sofre bullying, esse sujeito veda, limita e restringe
a sua circulação.
Lopes Neto (2011, p. 103-104) explica que os sujeitos-vítimas e os sujeitos-
agressores “Podem apresentar problemas relacionados à depressão, à ansiedade e à
insegurança, dificuldades de concentração, autoagressão, pensamentos suicidas e
suicídio164”, o que vai ao encontro de nossas análises tendo em vista que os sujeitos-alunos
discursivizam sobre essa insegurança, sobre as dificuldades de concentração e sobre a
ansiedade. Por esse motivo, consideramos importante analisar os recortes seguintes
produzidos ao responder à questão 5: Para quem você contou? Quais medidas foram tomadas
pela escola?
164
Em outro trabalho analisamos o discurso dos alunos sobre o bullying, a automutilação e a tentativa de
suicídio, por esse motivo, não faremos essa análise aqui. Está disponível em PAULA, Thaís Silva Marinheiro
de; PACÍFICO, Soraya Maria Romano. Discurso, memória e bullying no/pelo corpo do sujeito-aluno do Ensino
Médio. In: BRAGA, Daniel L.S. (org). Pesquisas e Inovações em Ciências Linguísticas: produções científicas
multidisciplinares do século XXI. Volume 1. Instituto Scientia. 2022. p.57-81. Disponível em:
https://institutoscientia.com/catalogo/livro-linguagens-2/
456
Pelos recortes 08, 09 e 10, interpretamos a urgência de políticas públicas que possam
acolher os sujeitos-alunos vítimas e os sujeitos-alunos agressores de bullying, isto porque os
Sujeitos-alunos D, B e H nos indiciam a necessidade de busca e encaminhamento pela escola
ou pela família por ajuda profissional, não excluímos que existam outros motivos que
colaborem para essa necessidade, mas evidenciamos que o bullying é uma prática que afeta
a saúde mental e que precisa de atenção, que precisa ser trabalhada, pois não deixa de existir
quando o sujeito sai do Ensino Fundamental e vai para outro ambiente, outra escola, cursar
o Ensino Médio, por exemplo.
Referências
FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a
paz. São Paulo: Verus Editora, 2011.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo, SP: Cia.
das Letras. 1989.
INDURSKY, Freda. Da interpelação à falha no ritual: a trajetória teórica da noção de
formação discursiva. In: BARONAS, R.L. (Org.) Análise de discurso: apontamentos para
uma historia da noção-conceito de formação discursiva. São Carlos, SP: Pedro & João
Editores. 2011.
LIMA, Maria Emília. Análise do discurso e/ou Análise de conteúdo. Psicologia em Revista.
Belo Horizonte, 2003.
LOPES NETO, Aramis. Bullying: saber identificar e como prevenir. São Paulo: Brasiliense,
2011.
MALTA, Débora, et al. Bullying entre adolescentes brasileiros: evidências das Pesquisas
Nacionais de Saúde do Escolar, Brasil, 2015 e 2019. Rev. Latino-Am. Enfermagem.
2022;30(spe):e3678. Acesso em 07/12/2022. Disponível em
https://www.scielo.br/j/rlae/a/4JGXvg5rJcjcZkv6PqYR8gM/abstract/?lang=pt
MITTMANN, Solange. Discurso e Texto: na pista de uma metodologia de análise. In:
FERREIRA, M. C.; INDURSKY, F. (Orgs.). Análise do discurso no Brasil: mapeando
conceitos, confrontando limites. p. 153-162. São Carlos, SP: Claraluz. 2007.
ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde (OMS/WHO). Mental Health Action Plan 2013-
2020. 2013. Disponível em https://www.who.int/publications/i/item/9789241506021
Acesso em 06/12/2022.
ORLANDI, Eni. Discurso e Leitura. 3 ed. São Paulo, SP: Cortez; Campinas, SP: Editora
da Universidade Estadual de Campinas. 1996.
ORLANDI, Eni. Análise De Discurso: Princípios e Procedimentos. 12ed. Campinas, SP:
Pontes Editores, 2015a.
ORLANDI, Eni. Análise de Discurso. In: ORLANDI, E.P.; LAGAZZI-RODRIGUES, S.
(Orgs.) Introdução às ciências da linguagem – Discurso e textualidade. 3ed. Campinas,
SP: Pontes Editores, 2015b.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de
Eni P. Orlandi. 4a ed, 287p. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, [1975] 2009.
PESQUISA nacional de saúde do escolar (PeNSE): 2019 / IBGE, Coordenação de
População e Indicadores Sociais. – Rio de Janeiro: IBGE, 2021. 162 p.
PETRI, Verli. Por um acesso fecundo ao arquivo. In: Revista Letras: Corpus: Análise de
Dados e Cultura Acadêmica, nº 21, jul./dez., p. 121-125. 2002. ISSN: 2176-1485
458
Introdução
O campo de estudo escolhido para apresentação deste relato de experiência, situa-
se na temática das Políticas Públicas e Educação especial/ inclusiva, envolvendo a
atualização conceitual teórica de sete professoras que trabalhavam nas salas de recursos
multifuncionais nas escolas da rede municipal de São Sebastião do Paraíso, MG. O
objetivo inicial, é de discutir a luz das legislações existentes as contradições nas práticas
escolares, sendo necessário refletir, discutir e compreender quais concepções que
fundamentam a escola em uma perspectiva inclusiva. Tendo clareza quanto a
configuração dos serviços do Atendimento Educacional Especializado (AEE)
sugestionado pela Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, 2008 e como
este serviço apoia os alunos público-alvo da educação inclusiva, para participarem da
escola comum. A formação continuada é de grande importância, possibilitando o
rompimento com uma lógica tradicional de escola e de uma representação idealizada de
aluno, que não corresponde ao aluno real.
Reconhecendo o território, neste caso a escola, que atuamos e questionando a
lógica das contradições que a nós, foram colocadas, poderemos de forma coerente
construir uma escola mais inclusiva? A função docente se configura como essencial para
a dinâmica dessa inovação, à medida que reflete sobre a prática pedagógica, pensando
sempre em como usar as ferramentas de acessibilidade em uma perspectiva inclusiva,
para acolher todas as pessoas, considerando a diferença de cada um, ou seja a diferença
em si. Pretendemos neste relato narrar como e quais ferramentas usamos para avançar em
nossa prática.
Desenvolvimento
No início do ano letivo de 2020, trabalhava como professora de sala de recursos
multifuncional (SRM), onde permaneci por quase uma década. O trabalho realizado neste
165
Universidade Estadual Paulista” Júlio de Mesquita Filho” Unesp- Franca. Mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. [email protected]
166
Universidade Estadual Paulista” Júlio de Mesquita Filho” Unesp- Franca. Doutora e Professora do
Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. [email protected]
459
espaço dentro das escolas comuns, segue as diretrizes da Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva Inclusiva de 2008, que sugere o Atendimento Educacional
Especializado (AEE).
É importante ressaltar que as instituições escolares seguem os documentos,
normativas e legislações federais, estaduais e municipais como Plano Nacional de
Educação (PNE, 2014/2024), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) entre
outras legislações. No caso da inclusão escolar nossa rede de ensino municipal, possui
como diretriz para educação especial /inclusiva a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva Inclusiva (PNEEPEI,2008) e como documentação estadual, utilizávamos
para formação de professores o caderno do Projeto Incluir, 2006, foi quando nos
deparamos com o isolamento social, decorrente das restrições sanitárias por conta do alto
índice de contaminação pelo vírus da Covid 19, em meio a uma nova forma de interagir,
buscamos meios para conectar com nossos alunos e entre nós professoras.
especializar e assim atender melhor cada situação. Fazíamos isso com as melhores das
intenções pedagógicas, sem perceber fazíamos a segmentação pela deficiência, ou seja, o
modelo médico estava presente em nossa atuação pedagógica.
167
Caderno de textos para formação de professores da rede pública de ensino de Minas Gerais Belo
Horizonte, 2006. Foi encaminhado para as escolas da rede estadual e municipal, como uma cartilha a ser
seguida, porém é um material que traz a concepção medica da deficiência.
462
que, no momento, embora grande parte das escolas comuns comporte-se como se
desejasse construir e desenvolver um Projeto Político- Pedagógico (PPP) inclusivo,
algumas delas operam na lógica da ambivalência: dizem-se “abertas a todos”, porém
buscam identificar quais alunos estão aptos (ou não) para aprender, como esperado, os
conteúdos curriculares; apoiam-se no direito que cada pessoa tem de se desenvolver e de
aprender, conforme a sua capacidade e, ao mesmo tempo, esperam dela a reprodução
exata do que foi transmitido pelo professor.( RAMOS; LANUTI, 2021, p. 58)
Entendemos que nosso sistema de ensino é inclusivo, porém trabalhamos com o
currículo sugestionado pela Base Nacional Comum Curricular, (BNCC, 2017) que impõe
um currículo unificado, preocupado com habilidades e competências comum a todos os
alunos do país e ainda avaliamos alunos com testes padronizados, nomeando-os como
fracos, medianos e avançados, mesmo depois da existência de um período de isolamento
social onde muitos conteúdos não foram trabalhados e após retorno já escutamos pelas
escolas falas do tipo: “ isso não é só fruto de pandemia” , na tentativa de evidenciar o jogo
da representação de alunos no modelo médico que é: definir o que é normal, comparar
pessoas e fixar identidade, segundo Mantoan e Lanuti ( 2022, p. 34)
Considerações finais
Para que a escola avance na proposta inclusiva é preciso investir na formação
continuada dos professores, porém em nossa percepção as formações devem ser alinhadas
com a concepção da escola que queremos. É preciso decidir conjuntamente qual a
proposta pedagógica de nossa escola e nossa filosofia educativa, por isso a importância
do Projeto Político Pedagógico como possibilidade de decidir na coletividade, junto com
todos que dele participam na sua construção.
O que fica como aprendizado de todo o movimento feito por nós, professores de
AEE, foi atualizar e assim e compreender que seguíamos documentações que
contradiziam em suas concepções, nos deixando confusas quanto o tipo de escola que
atuávamos. O projeto Incluir, possui um alinhamento da escola especial, e foi usado como
referencial até 2020, onde compreendemos que a visão médica sobressai a visão social da
deficiência, por isso será necessário deixá-lo para traz. A escola que almejamos que
atende a todos sem distinção, dependerá dos rompimentos de ações excludentes,
existentes dentro das escolas e redes de ensino, comonos provoca Jacque Rancière (2015,
p.183) dizendo que é preciso emancipar o conhecimento e escolher entre fazer uma
sociedade desigual com homens iguais, ou umasociedade igual com homens desiguais.
Ou ainda nos provocar e nos movimentar para uma linha de fuga como sugere Gallo e
Monteiro (2020, p. 199), que a escola precisa serconsiderada sob outras óticas, sob outras
lógicas. Nos propõe inventar escolas outras, resistentes aos modelos meritrocráticos, que
classificam, que selecionam. Esses autores defendem que é no micro, no interior da sala
de aula, da escola, que vigora a militância, a resistência que faz da escola uma escola
outra. ( p.198). Em nossa realidade entendemos que nem tudo ainda conseguimos
desconstruir, mas seguimos resistentes. Quando ao PDI (Plano de Desenvolvimento
Individualizado) ele ainda permanece na rede municipal, porém sua existência deixou de
ter a relevância que tinha, fazemos mais como um protocolo que ainda sobrevive, mas já
tem seus dias contatos, quando os professores através de formação continuada
465
entenderem todos os instrumentos que são legitimados e que excluem mais que incluem.
Aprendemos sobre aimportância da construção do plano de AEE, através do estudo de
caso, e a importância de reconhecer a singularidade de cada aluno. Ainda Mantoan e
Lanuti, (2022, p. 30) estudiosos da filosofia da diferença de Gilles Deleuze explica que a
escola romperá coma lógica da representação, do ideal de aluno, quando compreender o
conceito de diferença em si, sendo a diferença aqui nada ligado a comparação, nada
generalizado, mas algumacoisa comum a todos nós. A diferença é própria de cada ser,
sendo instável, fluída e está sempre atualizando e por tanto escapa a toda forma de
construção social. Sendo a diferença própria de cada ser. As contradições existentes entre
ambas as perspectiva integracionista e inclusiva, foram e são visíveis nas escolas,
convocando a nós professores, questionar cotidianamente sobre ações escolares
excludentes que nos impedem de avançar para momentos efetivos de acesso, participação
e permanência de todos os alunos nas escolascomuns.
Referências
BRASIL, Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva Inclusiva. Brasília. Mec.2008. Site:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em
10/09/2022.
CAVALCANTE, Meire. Orientações para a Organização de Centros de AEE (Nota Técnica
09/2010 MEC/SEESP/GAB), 2011.
GALLO, S. Em torno de uma educação menor. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.27,
n.02, p. 169-178, 2002.
MANTOAN, Maria Teresa E.; Inclusão Escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São
Paulo Summus Editorial, 2015.
, Maria Teresa E.; LANUTI, José Eduardo O. E. A escola que queremos
para todos. Curitiba. Editora: CRV, 2022
MINAS GERAIS, Secretaria de Estado de Educação Caderno de textos para formaçãode
professores da rede pública de ensino de Minas Gerais Belo Horizonte, 2006. 1.
Educação Inclusiva. I. Minas Gerais. Secretaria de Estado de Educação. II. Título.
RAMOS, E. S.; LANUTI, J. E. O. E. A redução da diferença e sua relação com a lógica
ambivalente da exclusão escolar. In: MOREIRA, A. M.; MOREIRA, I. C.; LANUTI, J.
E. O. E. (Org.). Inclusão e exclusão: debates transdisciplinares. 1ed. Andradina: Meraki,
2021, v. 1, p. 58-71.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual.
Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2015
466
Introdução
A temática engloba a educação de qualidade como direito, descrita nos objetivos do
desenvolvimento sustentável presentes na Agenda 2030, cuja análise é realizada com base
na obra “Educação como prioridade” de Darcy Ribeiro, seleção e organização de Lúcia
Velloso Maurício.
Nessa perspectiva, este estudo tem como problemática verificar a relação de Darcy
Ribeiro, por meio de “Educação como prioridade” da autora citada, aproximando da proposta
de educação detalhada no quarto objetivo da Agenda 2030, da ONU, conduzindo a uma
discussão se a educação defendida pelo antropólogo como democrática, de qualidade e para
todos, conversa com o caminho educacional traçado até aqui.
Os objetivos são verificar se a concepção teórica de Darcy Ribeiro se alinha ao quarto
objetivo para a educação proposto pela Agenda 2030 para o Brasil; apresentar o pensamento
de Darcy Ribeiro sobre a educação. Assim, o estudo foi dividido em três seções. A primeira
faz uma análise histórico-crítica do debate para o desenvolvimento sustentável como um
direito na Agenda 2030, esclarecendo os motivos de sua criação e a consolidação dos
objetivos no Brasil. A segunda seção se envolve com o estudo da vida e da obra de Ribeiro,
bem como suas ideais sobre educação e a aproximação com o 4º ODS. Por fim, as
considerações finais se voltam para a problemática para compreender a relação desse marco
teórico com as ideias de Darcy sobre a educação.
A justificativa de se utilizar uma pesquisa qualitativa e dedutiva neste artigo é a opção
por ser um estudo teórico, que se servirá de documentos bibliográficos sobre o assunto, com
emprego de artigos e referências direcionadas à temática.
168
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas da
Unesp/Franca. E-mail: [email protected]
467
à vida social e à produção, através de novas invenções e técnicas: era o desenvolvimento que
em meados do século XX já denunciava um crescimento econômico quantitativo resultando
em avanço industrial, produtividade e crescimento do PIB (Produto Interno Pruto) e tantos
outros indicativos de crescimento econômico. (AMARO, 2003, p. 40).
Durante a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente Humano de 1972,
refletiu-se que o desenvolvimento deveria ser sustentável. Tal ideia ganhou força só em
1987, quando se divulgou o Relatório Brundtland pela Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Nele foi redacionada o primeiro conceito de sustentabilidade
que se referia ao “desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a
habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades” (UNITED
NATIONS, 1987, p. 16).
No entanto um paralelo se criou nessa geração de riqueza absoluta que traduzia em
desenvolvimento: graves danos ambientais começaram a surgir, surgindo também a temática
“sustentabilidade”, como se isso garantisse a completa cobertura ambiental. Em face a esse
problema, houve um aumento nos conflitos sociais e ambientais, fazendo com que as
discussões sobre o desenvolvimento sustentável se intensificassem nas últimas décadas,
tornando necessária a compreensão mais abrangente sobre desenvolvimento sustentável.
Assim, houve maior preocupação com o futuro e o presente do ser humano, exigindo
uma visão integrada de desenvolvimento, na qual houvesse um equilíbrio entre os aspectos
econômico, social, político-institucional e ambiental. Nesse cenário, a ONU (Organização
das Nações Unidas) passa a captar todas as críticas relacionadas ao desenvolvimento
sustentável e a trabalhar para transformá-las em ações positivas. Nesse cenário, torna-se
essencial comtemplar o direito ao desenvolvimento, cuja trajetória de longa data vem sendo
ressignificada de forma a se completarem mutuamente.
Surge, em meio a essas discussões, a Agenda 2030 da ONU buscando atender a essa
dicotomia entre progresso e conflitos sociais e ambientais, instituindo um plano mundial,
que visa a um mundo mais desenvolvido para todos sem discriminação. Desse modo, em
setembro de 2015, em uma Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em Nova York,
estabeleceu-se 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) com a participação de
193 estados-membros, os quais assumiram de forma ousada e comprometida a promoção do
Estado de Direito, dos direitos humanos e das respostas rápidas através de Políticas Públicas
eficientes.
Apesar de ter sido instituída em 2015, essas propostas surgiram durante a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1990,
conhecida como Rio92, na qual se discutiu os problemas globais e caminhos para a
promoção do desenvolvimento sustentável para as gerações futuras, com especial atenção
468
aos seres humanos e ao meio ambiente. Durante esse encontro, ocorrido no Rio, com 100
chefes de Estado, houve a primeira redação da carta de intenções para a promoção de um
novo objetivo para o século, assim foi adotada a Agenda 21. Duas décadas mais tarde, tal
Agenda foi renovada no Rio+20.
Para dar voz às reflexões, o documento “Transformando o nosso mundo: a Agenda
2030 para o desenvolvimento sustentável”, disponível para consulta pública, trata de forma
ambiciosa dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas. O objetivo é
alcançar o direito do ser humano, igualdade de gênero e o empoderamento feminino, que de
forma integrada, abrange as dimensões econômica, social e ambiental, disposto no
desenvolvimento sustentável. (ONU, 2015, p. 1-2):
Diante do exposto no percurso até a Agenda 2030, é necessária também uma análise
apurada dos objetivos da Agenda, bem como o envolvimento dos aspectos econômicos nessa
organização. O enfraquecimento do poder público a favor das iniciativas privadas é o
principal ponto a ser discutido.
Apesar de todo apelo que esta agenda nos remete e da ONU, e alguns governos,
tentarem ampliar a discussão por meio de participação da sociedade global, via
tecnologias de comunicação e dados abertos para trazer organizações e
cidadãos e cidadãs para o debate, o que ocorre é um afunilamento no qual, as
decisões finais, excluem todos os que foram convidados ao debate global e o
texto final não reflete as principais demandas e preocupações expressas por
aqueles convidados a opinarem. Ademais os ODS são genéricos e sem clareza
dos mecanismos de financiamento para a solução das questões. E, cada vez
mais, as resoluções estão sendo colocadas nas mãos do setor privado, que
privilegia uma visão de mercado requentando uma lógica que já demonstrou
ser a causa do desastre global. (PIETRICOVSKY, 2014, p. A1)
objetivos sejam cumpridos perpassam em suas três esferas: União, estados e municípios.
Logo, faz-se necessário uma adaptação do texto global de forma a contemplar as prioridades
específicas da nação. (IPEA, 2018, p. 13)
4. Educação de Qualidade
Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
Meta 4.1 - Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino
fundamental e médio, equitativo e de qualidade, na idade adequada, assegurando
a oferta gratuita na rede pública e que conduza a resultados de aprendizagem
satisfatórios e relevantes.
Meta 4.2 - Até 2030, assegurar a todas as meninas e meninos o desenvolvimento
integral na primeira infância, acesso a cuidados e à educação infantil de qualidade,
de modo que estejam preparados para o ensino fundamental.
Meta 4.3 - Até 2030, assegurar a equidade (gênero, raça, renda, território e outros)
de acesso e permanência à educação profissional e à educação superior de
qualidade, de forma gratuita ou a preços acessíveis.
Meta 4.4 - Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que
tenham as competências necessárias, sobretudo técnicas e profissionais, para o
emprego, trabalho decente e empreendedorismo.
Meta 4.5 - Até 2030, eliminar as desigualdades de gênero e raça na educação e
garantir a equidade de acesso, permanência e êxito em todos os níveis, etapas e
modalidades de ensino para os grupos em situação de vulnerabilidade, sobretudo
as pessoas com deficiência, populações do campo, populações itinerantes,
comunidades indígenas e tradicionais, adolescentes e jovens em cumprimento de
medidas socioeducativas e população em situação de rua ou em privação de
liberdade.
Meta 4.6 - Até 2030, garantir que todos os jovens e adultos estejam alfabetizados,
tendo adquirido os conhecimentos básicos em leitura, escrita e matemática.
Meta 4.7 - Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e
habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive,
entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos
de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma
cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade
cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.
Brasil
Meta 4.a - Ofertar infraestrutura física escolar adequada às necessidades da
criança, acessível às pessoas com deficiências e sensível ao gênero, que garanta a
existência de ambientes de aprendizagem seguros, não violentos, inclusivos e
eficazes para todos.
Meta 4.b - Até 2020, ampliar em 50% o número de vagas efetivamente preenchidas
por alunos dos países em desenvolvimento, em particular os países de menor
desenvolvimento relativo, tais como os países africanos de língua portuguesa e
países latino-americanos, para o ensino superior, incluindo programas de
formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, programas
técnicos, de engenharia e científicos no Brasil.
Meta 4.c - Até 2030, assegurar que todos os professores da educação básica
tenham formação específica na área de conhecimento em que atuam, promovendo
a oferta de formação continuada, em regime de colaboração entre União, estados
e municípios, inclusive por meio de cooperação internacional. (IPEA, p. 109-131).
A revisão dada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) enfatiza que
o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE) garantiria a cobertura de 70% das
metas propostas já em 2024, antes do previsto pela ONU, que se dará em 2030. As metas
globais são apenas um norte para que cada país se guie e trace planos específicos a sua
política. Ainda que a adaptação do IPEA seja promissora, é preciso parcimônia quanto aos
dados. O Observatório do PNE apresenta bons resultados quanto ao acesso à Educação
470
Fonte: Dados extraídos do Observatório do PNE e do Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). Infográfico gerado pela Fundação Telefônica Vivo
Para mudanças nos dados, ações conjuntas devem ser tomadas como melhorias e
adaptações curriculares, investimento em formação docente e de gestores e ampliação de
verbas para a Educação Básica. A Unesco, em recente relatório atribui a responsabilidade de
uma educação de qualidade não só às bases do governo, mas de todos os atores sociais.
Segundo a VI edição do Relatório Luz (RL 2022) o país se encontra numa situação
gravíssima. “Num contexto de crise sanitária e climática de ordem global, o aumento da
pobreza, da fome, da perda de biodiversidade e da qualidade de vida no Brasil são aqui
apresentados com dados que indicam, de forma irrefutável, uma sociedade adoecida”
(RELATÓRIO LUZ, 2022, p. 6)
O Painel ODS Brasil sequer apresenta dados posteriores a 2020 para
qualquer dos indicadores e não há informações de seis metas: 4.1
(indicador 4.1.1), 4.2 (indicador 4.2.1), 4.3, 4.4, 4.6 e 4.7. O cenário geral
da educação brasileira é de cortes orçamentários aprofundados, exclusão e
violações a direitos. Ao contrário do que preconiza o Plano Nacional de
Educação (PNE), avançam os projetos e políticas educacionais
discriminatórias e censoras, como o PL da educação domiciliar
(homeschooling), aprovado na Câmara dos Deputados. A meta 4.14 estava
ameaçada e retrocedeu. [...] A crise econômica e social e a falta de
investimentos governamentais potencializam a violação de direitos,
inclusive o direito à educação infantil. A meta 1 do Plano Nacional de
Educação – universalização do acesso na faixa etária de 4 e 5 anos –
471
prevista para 2016, dificilmente será cumprida em 2024, visto que menos
de 50% das crianças abaixo de 3 anos estavam frequentando creches em
2021. (RELATÓRIO LUZ, 2022, p. 26)
Considerações finais
O presente estudo versou sobre a educação de qualidade que pode ser vislumbrada
nas ideias de Darcy Ribeiro, em seu escrito “Educação como prioridade” e no quarto ODS
da Agenda 2030 da ONU.
A educação é responsabilidade de todos e deve ser de responsabilidade global, já que
influi nas políticas públicas de toda uma nação. Em seu quarto objetivo, a Agenda 2030
propõe uma educação equitativa, inclusiva e de qualidade, e, desta forma, Darcy Ribeiro já
se preocupava com a educação para os dias atuais. Por ser uma preocupação tão significativa
para Darcy, já acreditava que a solução para o futuro do país estava na educação pública de
qualidade, é íntima a relação do compilado por Lúcia Velloso Maurício.
O projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), apesar de ter
contemplado apenas o Rio de Janeiro, era um projeto nacional que alertava para a gravidade
da ferida educacional no país. O 4.º objetivo para o desenvolvimento sustentável, por sua
vez, é educação que inclui, que iguala e que seja de qualidade, bem como promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Tal como no CIEPs todos têm
acesso à aprendizagem, incluindo políticas públicas, planos e programas de desenvolvimento
impostos pelo país.
Referências
AMARO, Rogério Roque. Desenvolvimento – um conceito ultrapassado ou em renovação?
Da teoria à prática e da prática à teoria. Cadernos de Estudos Africanos, n. 4, p. 35-70,
2003. Disponível em: http://journals.openedition.org/cea/1573. Acesso em: 01 set. 2022.
BOMENY, Vinte anos sem Darcy: Impressões e notas. Revista Interinstitucional Artes
de Educar. Rio de Janeiro, V. 3 N.2 – p. 22-30 (jul/out 2017): “Número Especial Darcy
Ribeiro” DOI: 10.12957/riae.2017.31707
PIETRICOVSKY, Iara. Caminhos percorridos da Rio 92 à Pós-2015, Brasília, INESC,
10/09/2014. <http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/caminhos-
percorridos-da-rio-92-a-pos-2015-por-iara-pietricovsku>
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Transformando nosso mundo: A
Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf. Acesso em:
22/09/2022.
474
RIBEIRO, Darcy. Educação como prioridade. São Paulo, Editora Global, 2013.
IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável: Educação de Qualidade. Brasília: Ipea, 2018. Disponível
em: <https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8636/1/
Agenda%202030%20ODS%20Metas%20Nac%20dos%20Obj%20de%20Desenv%20Sust
en%202018.pdf> Acesso em: 02/10/2022.
OS DESAFIOS DO BRASIL PARA ALCANÇAR UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DE
QUALIDADE. Fundação Telefônica Vivo, São Paulo, 07.04.2020. Disponível em:
https://fundacaotelefonicavivo.org.br/noticias/os-desafios-do-brasil-para-alcancar-uma-
educacao-inclusiva-e-de-qualidade/ . Acesso em: 02/09/2022.
GUIA AGENDA 2030 [livro eletrônico]: Integrando ODS, Educação e Sociedade /
organização Raquel Cabral, Thiago Gehre; ilustração Lucas Fúrio Melara. 1. ed. São Paulo:
Lucas Fúrio Melara: Raquel Cabral, 2020.
BOMENY, H. A escola no Brasil de Darcy Ribeiro. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p.
109-120, 2009. Disponível em: <https://goo.gl/XZEGyc>. Acesso em: 2 outubro 2022
MARTINAZZO, Celso José, Sidinei Pithan Da Silva, e Hedi Maria Luft. "A Atualidade Do
Diagnóstico E Da Crítica De Darcy Ribeiro (1922-1997) à Educação Brasileira." Cadernos
De História Da Educação 19.2 (2020): 481-95. Web.
MAURÍCIO, Lúcia Velloso. Educação integral e tempo integral. aberto, Brasília, v. 22, n.
80, p. 1-165, 2009.
DA SOCIEDADE CIVIL, Grupo de Trabalho et al. VI Relatório Luz 2022. 2022.
Disponível em:
https://brasilnaagenda2030.files.wordpress.com/2022/07/pt_rl_2022_final_web-1.pdf.
Acesso em: 2 outubro 2022.
475
JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
Introdução
O Direito à Educação assume expressamente na Constituição brasileira um papel de
direito de base social. O artigo 6º trata de maneira categórica e concisa, para posteriormente
ratificar esse posicionamento, especificando esse direito e outros direitos e institutos
correlatos, no seu Capítulo III do Título VIII, exatamente a partir do artigo 205.
O Direito à Educação obriga o Estado a oferecer o acesso a todos os interessados,
especialmente àqueles que não possam custear uma educação particular. Os direitos sociais
ocupam-se preferencialmente, dentro do universo de cidadãos do Estado, daqueles mais
carentes. Apesar do sentido de direito social, que assume dogmaticamente, o Direito à
Educação deve ser também reconhecido em caráter de liberdade pública.
Anísio Teixeira traça uma linha de ligação entre a democracia e a educação
afirmando que:
A forma democrática implica um desenvolvimento social e político, que
tem por base a educabilidade humana, e no qual a educação é concebida
como processo deliberado, sistemático, progressivo e, praticamente,
indefinido de formação do indivíduo e de realização da própria forma
democrática. As relações, portanto, entre o Estado Democrático e a
Educação são relações intrínsecas, no sentido de que a Educação é a
condição sine qua non da existência do Estado Democrático (1996, p.99)
169
Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Doutoranda. [email protected].
476
A questão do acesso à Justiça abarca discussões acerca da garantia dos direitos dos
indivíduos e da coletividade, em virtude do abuso de poder de entes estatais ou, então, do
não cumprimento de normas constitucionais vinculadas às políticas públicas. (MOTTA,
2008)
A Constituição de 1988 estabeleceu como um princípio constitucional o acesso à
Justiça e garantiu às instituições jurídicas (Magistratura, Defensoria Pública e Ministério
Público) o reconhecimento como essenciais à Justiça.
O chamado processo de judicialização da política diz respeito exatamente a esse
fortalecimento das instituições jurídicas, assim como à expansão do direito através da
inserção de agentes jurídicos na esfera pública.
Casagrande apresenta a seguinte definição para esse processo:
A participação ativa de juízes e tribunais na criação e no reconhecimento
de novos direitos, bem como no saneamento de omissões do governo. [...]
transposição para o Judiciário de uma parcela dos poderes decisórios
típicos do Legislativo e do Executivo, que vem se dando sobretudo a partir
de uma publicização do direito, marcada pela ascensão do direito
constitucional sobre o direito privado. (2008, p.16).
Desenvolvimento
A atual Constituição Federal de 1988 foi de suma importância no encaminhamento
da discussão dos problemas relativos à educação brasileira, pois estabeleceu diretrizes,
princípios e normas que destacam a importância que o tema merece.
Reconheceu a educação como um direito social e fundamental, possibilitando o
desenvolvimento de ações por todos aqueles responsáveis pela sua concretização, ou seja, o
Estado, família, sociedade e a escola (educadores), bem como a concebeu como um direito
público subjetivo, assim compreendido como a faculdade de se exigir a prestação prometida
pelo Estado. (FERREIRA, 2008, p. 37)
477
Não há como negar uma relação especial entre o direito e a educação e a necessidade
de seu conhecimento para o pleno desenvolvimento de suas atividades.
O conceito de cidadania tem sido considerado uma categoria central na modernidade
e, embora a Carta Magna de 1988 represente um grande avanço em relação ao mesmo,
contudo, pode-se perceber um grande déficit de cidadania no Brasil.
O regime democrático ainda não conseguiu reverter a acentuada desigualdade
econômica e a exclusão social. Apesar da implantação de um Estado democrático de direito,
os direitos humanos ainda são violados e as políticas públicas voltadas para o controle social
continuam precárias (MOTTA, 2008, p. 18).
Porém, a partir do efetivo acesso legal à Justiça e, consequentemente, do crescimento
do papel das instituições jurídicas, a cidadania, aos poucos, tem deixado de ser uma mera
abstração teórica.
É nesse panorama que a educação, um direito social garantido pela legislação
brasileira e já amplamente entendida como fundamental para a consolidação de um Estado
nacional desenvolvido e de cidadãos plenos, encontra seus representantes.
De fato, as Instituições Jurídicas não só podem, como devem favorecer a
exigibilidade do direito à educação.
A Lei n.º 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que
regulamentou a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, ao incluir
as Instituições Jurídicas entre os mecanismos para sua exigibilidade, produziu uma nova
relação entre o Poder Judiciário e a Educação. Uma relação que se concretiza nas ações
judiciais ou extrajudiciais para efetividade e garantia desse direito social.
480
Conclusões
A garantia da educação, como um direito social e público subjetivo, decorre de ações
e medidas na esfera política e administrativa. A ausência de política pública que garanta o
direito à educação, efetivada pela escola, provoca medidas judiciais que interferem na rotina
educacional.
Poderia se imquirir, diante desta situação: Não estaria o Poder Judiciário invadindo
atribuições exclusivas do Poder Executivo? A resposta é dada pelo Desembargador Roberto
Vallim Bellocchi, quando afirma: “É função essencial do Poder Judiciário, por intermédio
da atividade jurisdicional reconhecer os direitos subjetivos dos jurisdicionados e lhes
conceder tutela útil e efetiva. Em outras palavras, o respeito aos direitos subjetivos dos
cidadãos legitima o Poder Judiciário a imposição de comandos a todos aqueles, incluindo o
Estado, que vierem a molestá-los”. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação
Cível n. 107.397-0/0-00, comarca de Bauru). Pode-se afirmar que a judicialização da
educação representa a efetividade da defesa de direitos já juridicamente protegidos. Essa
proteção judicial avança na consolidação desse direito do cidadão e significa a exigência da
obrigatoriedade da transformação do legal no real.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília, DF: Senado, 1990.
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Senado, 1996.
BOAVENTURA, Edivaldo Machado. Direito educacional. Rio de Janeiro: Instituto de
Pesquisas Avançadas em Educação, 1999.
CASAGRANDE, C. Ministério Público e a judicialização da política: estudos de caso.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008.
CURY, C. R. J.; FERREIRA, L. A. M. A judicialização da educação, Revista CEJ, Brasília,
v.1, p. 32-45, 2009. Disponível em: < http://cienciaparaeducacao.org/eng/ publicacao/cury-
c-r-j-ferreira-l-a-m-a-judicializacao-da-educacao-revista-cej-brasilia-v-1-p-32-45-2009/>.
Acesso em: 06 abr. 2022.
FERREIRA, L. A. Miguel. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o professor: reflexos
na sua formação e atuação. São Paulo: Cortez, 2008.
JOAQUIM. Nelson. Direito educacional brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2015.
MOTTA, L.E. Acesso à justiça, cidadania e judicialização no Brasil. Disponível em:
<http://www.achegas.net/numero/36/eduardo_36.pde>. Acesso em: 23 abr. 2022.
TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.