A Educomunicação Como Ativadora Da Participação Infantil Proposta Pelo Marco Legal Da Primeira Infância

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A educomunicação como ativadora da participação

infantil proposta pelo Marco Legal da Primeira Infância


Daniele Próspero

O Brasil sempre foi considerado um país jovem, não só pelo seu pouco tempo
de história, mas também pela característica da sua população. Dentro deste
universo, é preciso, no entanto, um olhar ainda mais direcionado, tendo em
vista as mais de 20 milhões de crianças de zero a seis anos que fazem parte da
sua população.
O olhar atento ao que é considerada a primeira infância tem se disseminado
cada vez mais na sociedade, tendo em vista a sua importância para o desenvol-
vimento do ser humano, desde os mais evidentes, como o crescimento físico e
a aquisição da linguagem, até a criação das bases sociais e culturais que funda-
mentarão sua vida adulta.
Esse movimento foi acompanhado de alguns avanços na legislação nas últi-
mas décadas, a fim de se estabelecer um consenso da criança como cidadã
de pleno direito. Em 1988, a Constituição Federal já estabeleceu no seu artigo
227, que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
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O PROTAGONISMO INFANTOJUVENIL NOS PROCESSOS EDUCOMUNICATIVOS
A educomunicação como ativadora da participação infantil proposta pelo Marco Legal da Primeira Infância

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à


alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão”1.
Esse norte orientou, inclusive, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescen-
te (ECA)2, em 1990, que destaca a “condição peculiar da criança e do adolescen-
te como pessoas em desenvolvimento”. Nesse sentido, a condição peculiar de
desenvolvimento impõe prioridade na garantia de direitos e proteção integral.
Um novo e importante avanço para garantir a efetividade dessa proteção in-
tegral à criança, sobretudo na primeira infância, foi dado com a aprovação do
Marco Legal da Primeira Infância (lei nº 13.257 - 8 de março de 2016)3, legisla-
ção que estabelece os princípios e diretrizes para a formulação e a implemen-
tação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade
e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil. Com a
publicação da lei o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina a reconhe-
cer a importância da criança e valorizar a primeira fase da vida.
O Marco Legal visa superar a segmentação de ações, aumentando a eficácia
das políticas voltadas para a infância e definindo estratégias de articulação in-
tersetorial. A proposta foi objeto de uma Comissão Especial na Câmara dos De-
putados, contou com a liderança de vários parlamentares comprometidos com
a causa e com o engajamento dos movimentos e organizações que atuam na
defesa dos direitos da primeira infância, sendo, portanto, uma política constru-
ída de forma conjunta, trazendo, assim mais credibilidade para sua efetivação.
Entre as novidades da lei, está o destaque para o incentivo à participação
da criança na formulação de políticas, enfatizando assim, a importância das
crianças enquanto sujeitos, não apenas beneficiados, mas também autores

1 Saiba mais sobre a prioridade absoluta em: http://prioridadeabsoluta.org.br/en-


tenda-a-prioridade/#_ftnref1
2 Disponível em: http://www.direitosdacrianca.gov.br/documentos/ECADIGITAL.pdf
3 Disponível em: http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/mar-
co-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf
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das decisões que lhes dizem respeito. O protagonismo infantil, portanto, se


torna aspecto relevante e fundamental para que o Marco possa ser imple-
mentado no país.
Neste aspecto, o Marco Legal da Primeira Infância se alinha a outras legisla-
ções internacionais, como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança
(e, para a Organização das Nações Unidas - ONU, criança é qualquer pessoa
entre zero e 18 anos), que estabelece dois importantes preceitos para quem
quer educar para a cidadania: o direito de crianças e adolescentes terem sua
opinião levada em conta nas questões que lhes digam respeito; e o conceito de
autonomia progressiva.
No Brasil, este espaço a ser ocupado pelas crianças vem se desenvolvendo
ao longo dos anos em diversos momentos de construção e consolidação das
políticas públicas. Vital Didonet (2016, p.68) lembra que um dos momentos
marcantes foi durante o processo de mobilização para a Assembleia Nacional
Constituinte (ANC) a fim de elaborar a nova Constituição Federal. A mobilização
registrou, entre outras ações, a participação das crianças, que estiveram pre-
sentes em vários momentos. Elas participaram das marchas pelas ruas e praças,
no colo dos pais, em carrinhos ou caminhando levando faixas e cartazes. Muitas
escolas realizaram “assembleias constituintes escolares”, na qual, imitando os
constituintes na elaboração da nova Carta Magna do País, escreviam o novo
Regimento da sua escola, colocando nele as regras de convivência. O Regimen-
to de uma pré-escola de Brasília feito pelas crianças de quatro a seis anos, por
exemplo, foi impresso pela Comissão Nacional Criança Constituinte (CNCC) e
distribuído como exemplo de construção democrática de normas que regem
um ambiente social de desenvolvimento e aprendizagem infantil, com as opini-
ões e escolhas das crianças.
A mídia também se valeu deste olhar. A maioria dos spots de TV, anúncios, car-
tazes e chamadas eram constituídos de falas e imagens de crianças. Sua figura e
voz eram marcantes como apelos para uma consciência social e política sobre o
significado da infância e a transcendência do momento para a sociedade olhar
para ela.
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Além disso, em diversas ocasiões as crianças foram ao Congresso Nacional, ao


encontro dos constituintes, ora com a Comissão Nacional, ora com represen-
tações estaduais, manifestar suas necessidades e vontades. Foram, também,
a órgãos do poder executivo, pois era importante que as instituições governa-
mentais também avançassem nas ações para a infância, como está demonstra-
do nessa nota publicada num jornal de Brasília:

Algumas das crianças que participam do Movimento Criança e Constituin-


te estiveram ontem no Ministério da Educação e especificaram os direitos
que consideram fundamentais. Para Sérgio Marangoni Alves, que tem 14
anos, e cursa o 2º do Colégio Alvorada, a Constituinte deverá garantir o
estudo “bom e gratuito” para todas as crianças, além de moradia, acesso
à saúde e educação, não só a partir de sete anos, mas desde o nascimen-
to. “Para o governo -explicou - até sete anos a criança praticamente não
existe”. (DIDONET, 2016, p.69)

Segundo Vital Didonet, as crianças foram atores decisivos na coleta de assinatu-


ras num abaixo-assinado pedindo a inclusão dos direitos da criança na Consti-
tuição. As assinaturas eram feitas nas escolas, em centros sociais e comerciais,
ruas, praças, pátios de igrejas, etc. Essa ação contribuiu para que milhões de
pessoas parassem para pensar na criança e no seu direito de ser ouvida ao
elaborar uma nova Constituição para o país. Na entrega desse abaixo-assinado,
grupos de crianças, com seus professores ou outro responsável, acompanha-
ram a entrega dos pacotes de folhas com assinaturas de seus respectivos esta-
dos. Para ilustrar, trechos do Jornal de Brasília, de 7 de abril de 1987:

No Congresso Nacional, as crianças das Aldeias SOS de Brasília vão re-


citar um trecho do poema “Os Direitos da Criança”, disse José Lourei-
ro, e entregar flores aos constituintes. “Será uma intimação poética e
contundente”, afirma Vital Didonet, presidente da Comissão criada pelo
Ministério da Educação. A Comissão atua desde o ano passado e vem
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conseguindo adesões em vários estados em prol dos direitos da criança


na nova Constituição4.

Devido à sua importância, a participação infantil também foi incorporada no


Artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente, destacando que: “O direito
à liberdade compreende os seguintes aspectos: II - opinião e expressão; V -
participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação e VI - participar da
vida política, na forma da lei”. Entende-se a participação como a liberdade de
falar e ser levado em conta; portanto, a garantia da participação da criança e
do adolescente deve ser compreendida na perspectiva do direito à liberdade
de expressão e de ser ouvido nos diferentes âmbitos: família, escola, políticas,
sistema de justiça, espaços de participação social, entre outros, não devendo
sofrer nenhuma pressão ou coação.
Ao tornar a participação algo presente no texto de uma legislação, como faz o
Marco da Primeira Infância, é possível garantir, com mais efetividade, que este
direito seja de fato vivenciado pelas crianças brasileiras, afinal, participação é
o ponto central para o desenvolvimento de qualquer ser humano: participar é
uma necessidade humana fundamental.
Bottomore & Outhwaite (1996) apontam justamente que, como cidadãos, as
crianças e adolescentes devem ter acesso a meios que os permita exercer essa
cidadania reivindicatória. Porém, é preciso desenvolver metodologias e fer-
ramentas adequadas a essa faixa etária, para que de fato as crianças possam
participar e contribuir efetivamente com as políticas públicas que lhes dizem
respeito.
A XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente5 – que tem
um período vigente de janeiro de 2018 a outubro de 2019 para a realização de
quatro etapas – tem um eixo temático que discute exatamente estas questões:

4 Disponível em: http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/07/Avan-


cos-do-Marco-Legal-da-Primeira-Infancia-1.pdf
http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/112467/1/1987_01%20a%2007%20
de%20Abril_132.pdf
5 Disponível em: http://www.direitosdacrianca.gov.br/copy_of_TEXTOBASEFINAL.pdf
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“Participação, Comunicação Social e Protagonismo de Crianças e Adolescen-


tes”. O que se espera é identificar as ações necessárias para garantir que crian-
ças e adolescentes possam participar das discussões e deliberações de políticas
públicas nas esferas municipais, estaduais, distrital e nacional. E afirma:

Esse debate abrange questões sobre o direito à participação e envolve


temas como liberdade de expressão, utilização das novas tecnologias de
informação e comunicação, além da garantia de que as especificidades
culturais e identitárias dos diferentes segmentos sejam consideradas nos
espaços participativos. As vozes infantojuvenis precisam ecoar, expres-
sando sua opinião, na busca pela consolidação de seus direitos. (CONAN-
DA, 2018, p. 27)

O que se percebe é que, ao discutir participação infantil, é inerente sua sinergia


com o debate sobre liberdade de expressão, tendo em vista que:

Isso possibilita à criança e ao adolescente construir uma relação mais au-


tônoma diante do contexto que os cerca, tornando-os mais empodera-
dos e com capacidade para leitura crítica de cenários, apresentação de
suas necessidades e perspectivas, contribuindo, assim, para a solução de
problemas que tenham relação com sua história, sua vida, seu cotidiano.
Pensar a participação infantojuvenil na perspectiva de formação política
e defesa de direitos humanos implica reconhecer nesse público a capaci-
dade de opinar e contribuir mais concretamente para a construção das
políticas públicas que lhes dizem respeito. (CONANDA, 2018, p.27)

Participação e educomunicação nas políticas públicas


As iniciativas educomunicativas - que têm como um dos seus princípios a par-
ticipação ativa das crianças em processos que garantam o fortalecimento da
sua expressão - podem ser, assim, ativadoras para que este direito à parti-
cipação previsto no Marco Legal possa ser colocado em prática e não fique
restrito aos documentos.
Soares (2011, p.18) lembra que a educomunicação reconhece, em primeiro
lugar, o direito universal à expressão. Ou seja, para a educomunicação, a co-
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municação é vista como um direito fundamental, assim como os demais (edu-


cação, saúde etc.). Falar e ser ouvido, acessar e produzir informação (qualifica-
da e ética), relacionar-se individual e coletivamente, expressar publicamente
opiniões por meio de quaisquer meios e participar ativamente do espaço pú-
blico são dimensões e interfaces de uma mesma necessidade, de um mesmo
direito: a comunicação.
Isso acontece porque a educomunicação, como uma maneira própria de rela-
cionamento, faz sua opção pela construção de modalidades abertas e criativas
de relacionamento, contribuindo, dessa maneira, para que as normas que re-
gem o convívio passem a reconhecer a legitimidade do diálogo como metodo-
logia de ensino, aprendizagem e convivência. (SOARES, 2011, p.45).
As crianças e adolescentes envolvidos em práticas educomunicativas partici-
pam diretamente na produção, por exemplo, de veículos de comunicação, per-
mitindo exercerem o seu direito a se expressar. A participação no processo de
produção da comunicação traz resultados também na ampliação da cidadania
dos sujeitos envolvidos.
Peruzzo (2002) destaca que a construção dessa cidadania se dá nas dimensões:
individual (fortalecimento das liberdades individuais e dos direitos individuais),
política (maior consciência e prática de participação nos órgãos de representa-
ção locais ou nacionais) e social (conquista do acesso de benesses relativas a
melhores condições de existência). Realiza-se assim uma dinâmica de exercício
de direitos e deveres de cidadania.

A educação para a cidadania está na inserção das pessoas num proces-


so de comunicação, onde ela pode tornar-se sujeito do seu processo de
conhecimento, onde ela pode educar-se através de seu engajamento em
atividades concretas no seio de novas relações de sociabilidade que tal
ambiente permite que sejam construídas. (PERUZZO, 2002, p.1)

E é justamente por essa característica em promover espaços de diálogo e parti-


cipativos que a educomunicação já foi inserida como parte estratégica do pro-
cesso de engajamento de crianças e adolescentes em vários processos decisó-
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O PROTAGONISMO INFANTOJUVENIL NOS PROCESSOS EDUCOMUNICATIVOS
A educomunicação como ativadora da participação infantil proposta pelo Marco Legal da Primeira Infância

rios de políticas públicas como, por exemplo, nas Conferências Infantojuvenis


pelo Meio Ambiente6.
A conferência é uma das ações previstas para a promoção da educação ambien-
tal, no âmbito do Ministério da Educação, em conjunto com o Ministério do
Meio Ambiente, que busca estimular processos dialógicos e participativos, en-
fatizando a importância da ação coletiva e da atuação em rede. É um processo
democrático e participativo nas escolas, que reúne estudantes, professores e
comunidade escolar para dialogar e refletir sobre as questões socioambientais,
para elaborar um projeto de ação com o objetivo de transformar sua realidade
e escolher representantes que levam adiante as ideias acordadas entre todos.
Ela está na sua quinta edição, sendo que a etapa nacional foi promovida em
junho de 2018.
Ela acontece em quatro fases, uma local, uma regional, uma estadual e a na-
cional, que é a conferência em si. A fase local acontece dentro das escolas e se-
leciona os alunos que participarão da próxima fase, que é de responsabilidade
dos Núcleos Regionais de Educação. Cada núcleo seleciona um projeto para a
fase estadual, que selecionará dentre eles 27 para a fase nacional.
O documento base da V Conferência enfatiza o que se compreende por edu-
comunicação neste processo: “A educomunicação é uma maneira de unir edu-
cação com comunicação e defende o direito que as pessoas têm de produzir,
difundir informação e comunicação no espaço educativo” (MEC, 2018, p.10)7.
A I Conferência foi realizada no país em 2003. Na ocasião, foram organizados
grupos de trabalho com o objetivo de trabalhar os cinco projetos em diferentes
linguagens por meio das técnicas da educomunicação (vídeo, rádio e jornal) e
também apresentação em powerpoint e a elaboração da Carta dos Jovens para
um Brasil Sustentável. Essas ferramentas também visavam a livre expressão dos
delegados sobre a Conferência e sobre as questões ambientais.

6 Mais informações em: http://conferenciainfanto.mec.gov.br/2007-2018-v-cnijma


7 Disponível em: http://conferenciainfanto.mec.gov.br/images/pdf/passo_passo_vc-
nijma_11112017.pdf
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O PROTAGONISMO INFANTOJUVENIL NOS PROCESSOS EDUCOMUNICATIVOS
A educomunicação como ativadora da participação infantil proposta pelo Marco Legal da Primeira Infância

De acordo com o relatório final8 da Conferência, “por meio de metodologias


participativas e dinâmicas e de instrumentos de educomunicação, as propos-
tas contidas no Documento Base foram priorizadas e estas foram qualificadas,
servindo de referência para a construção da Carta ‘Jovens Cuidando do Brasil’,
além de diversos produtos de mídia”.
O mesmo processo foi realizado nas duas conferências seguintes. Na II Confe-
rência Nacional Infantojuvenil9 pelo Meio Ambiente, realizada em abril de 2006,
no município de Luizânia (GO), entorno de Brasília. Na ocasião, inclusive, foi ela-
borado um manual de educomunicação para apoiar as escolas na realização às
atividades10. Em continuidade aos eventos realizados nos estados, foram produ-
zidos materiais de educomunicação e elaborada a Carta das Responsabilidades.
As crianças e adolescentes puderam participar de oficinas de rádio, jornal e
publicidade como processos educativos que visam a apropriação das lingua-
gens e a produção democrática de produtos de comunicação, bem como a
recepção crítica e consciente das mensagens dos meios de comunicação de
massa. A oficina de rádio, por exemplo, contou com o envolvimento de 130
participantes. Nessa oficina os delegados vivenciaram todas as etapas de pro-
dução de um programa de rádio e produziram vinhetas e foram orientados
a, depois da conferência, disseminarem na escola as produções feitas sobre
a temática e até mesmo procurar na cidade uma emissora para oferecer um
projeto de educomunicação em rádio comprometido com questões de meio
ambiente da comunidade.
Na III Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente, promovida
também em Luizânia, em 2009, o material didático enviado às escolas, durante
a fase de preparação, trouxe um novo desafio às escolas, com a proposta de re-
alizarem projetos de pesquisa sobre os subtemas da Conferência, e apresentou

8 O relatório final da I Conferência está disponível em: <http://portal.mec.gov.br/in-


dex.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=9913&Itemid=>
9 O relatório final da II Conferência pode está disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=9914&Itemid=>
10 Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/view/12704956/manual-
-de-educomunicacao-ii-conferencia-nacional-cdcc
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A educomunicação como ativadora da participação infantil proposta pelo Marco Legal da Primeira Infância

o conceito de educomunicação “oferecendo, assim, a possibilidade dos jovens


ampliarem a criatividade e os meios de expressão como ferramentas poderosas
de intervenção direta na sua realidade cotidiana”11. Durante a Conferência Na-
cional, mais uma vez foram produzidos materiais de educomunicação - fanzine,
spots de rádio e cartazes produzidos - e elaborada a Carta das Responsabilida-
des para o Enfrentamento das Mudanças Ambientais Globais, a qual apresenta
os compromissos e propostas dos adolescentes.
Mas não é somente a educação ambiental que tem engajado as crianças e ado-
lescentes nas discussões. Outro espaço que também incorporou a educomuni-
cação como parte de sua proposta de participação foram as Conferências dos
Direitos da Criança e do Adolescente, que visam mobilizar os integrantes do Sis-
tema de Garantia de Direitos - SGD, crianças, adolescentes e a sociedade para
a construção de propostas voltadas para a afirmação do princípio da proteção
integral de crianças e adolescentes nas políticas públicas, fortalecendo as es-
tratégias/ações de enfrentamento às violências e considerando a diversidade.
Desde 2005 crianças e adolescentes vêm participando como delegados ofi-
ciais, com direito a voz e voto, em todas as etapas: municipal, estadual e na-
cional. Ou seja, opinam sobre o que está sendo discutido e fazem propostas
que serão votadas em plenária, e se aprovadas, são incluídas no documento
final da Conferência.
Em 2012, pela primeira vez, as crianças e adolescentes fizeram parte de to-
das as comissões organizadoras das conferências regionais, ou seja, não ape-
nas participaram das discussões, mas também da construção metodológica das
conferências. Além disso, todas as conferências estaduais e também a nacional
contaram com diversos adolescentes envolvidos na cobertura educomunicativa
das atividades.
Cerca de 18 integrantes de cada Estado participaram de oficinas de formação
com a equipe de educadores da ONG Viração Educomunicação sobre planeja-

11 Dados do relatório final da III Conferência estão disponíveis em: <http://portal.


mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=9916&Ite-
mid=>
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mento e linguagens texto, áudio, vídeo e fotografia, para fazerem as coberturas


dos encontros. Foram produzidos nas conferências jornais mural, televisão de
bolso, fanzine, programetes de rádio, exposição e site/blog, entre outras mí-
dias. Cerca de 50 adolescentes foram também selecionados para a 9ª Confe-
rência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada em Brasília,
no período de 11 a 14 de julho de 2012. Em material referente à Conferência12,
inclusive, foi dado destaque à proposta educomunicativa, enfatizando que:

A cobertura educomunicativa visa promover uma reflexão socioeducati-


va de formação e mobilização de crianças e adolescentes – para, pelo e
com eles – que passa pelas discussões sobre democracia, direitos sociais
do cidadão, educação para a paz e de solidariedade entre os povos. Ou
seja, constrói uma comunicação fundamentada entre princípios e valo-
res humanistas.
Nesse sentido, as crianças e os adolescentes serão protagonistas da
cobertura e apresentarão ao mundo suas opiniões sobre os temas
abordados nas conferências. Aprenderão a fazer o planejamento de
uma cobertura, a levantar dados para suas produções, a debater
suas opiniões, a perceber a importância dos momentos de escuta,
a se comunicar com as pessoas, principalmente as que não estarão
nos eventos, pensando em como mobilizá-las.
A possibilidade de trabalhar com a educomunicação abre espaço
para a criação e fortalecimento de vínculos entre eles, não apenas
no momento da cobertura, mas na escola e na comunidade. Cria,
divulga e fortalece o direito à comunicação que também dá aces-
so a todos os demais. Vai além da já reconhecida liberdade de ex-
pressão: é também o direito de todas as pessoas de ter acesso aos
meios de produção e difusão da informação, de ter condições téc-
nicas e materiais para produzir e veicular essas produções e de ter

12 Informações sobre a Conferência estão disponíveis no site oficial: <http://www.di-


reitosdacrianca.org.br>
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o conhecimento necessário para que sua relação com esses meios


ocorra de maneira autônoma.

Já a conferência atual vigente 2018/2019 continua enfatizando no seu docu-


mento orientador que a educomunicação esteja presente em todas as fases13 e
estabelece que os relatórios dos conselhos Estaduais e Distrital deverão enfati-
zar a presença da educomunicação em suas ações.

Oportunidades de ação
Apesar dos avanços das legislações, como o próprio Marco Legal da Primeira
Infância, na avaliação do CONANDA, o Brasil ainda precisa refletir sobre a par-
ticipação infantil no processo decisório, buscando construir metodologias ino-
vadoras que tenham capilaridade nos mais diversos espaços, sejam capazes de
abarcar a diversidade que esse público nos apresenta e possam contribuir, de
fato, para a transformação social e a mudança na cultura política.
Isso porque, como destaca CECCON (2018, p.79), a “participação” é uma pala-
vra tabu no país, que causa verdadeira ojeriza aos tecnocratas que a conside-
ram supérflua e, falar em participação de crianças, então, parece o cúmulo da
mais desvairada utopia. Porém, como o próprio especialista aponta, diversas
experiências exitosas, realizadas têm dado voz às crianças e têm comprovado
que elas são perfeitamente capazes de perceber, criticar e propor soluções ino-
vadoras para o ambiente em que vivem.
A educomunicação é um caminho que tem se mostrado oportuno para garantir
essa participação, principalmente por proporcionar e incentivar a liberdade de
expressão das crianças. A prática de produzir comunicação, por exemplo, pode
ser uma proposta eficaz para que as crianças reflitam sobre questões que lhes
interessa e possam falar, divulgar e disseminar o que pensam a respeito. Além
disso, favorecem a interação e interlocução com outros pares, contribuindo,
assim para o seu empoderamento enquanto sujeitos de direitos, tornando re-
conhecido seu direito de participar e de opinar.

13 Disponível em: http://www.direitosdacrianca.gov.br/Documentoorinetador_FI-


NAL2018.pdf
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E, mais do que isso, pode ser um trajeto interessante também para dissemi-
nar propostas e públicas que garantem direitos, como o próprio Marco Legal
da Primeira Infância. As crianças podem ser porta-vozes dos direitos trazidos
pelo Marco e também “fiscalizadores” da lei, ajudando a divulgar, por meio de
produções educomunicativas, se o Marco está sendo cumprido ou não e cola-
borando na disseminação de informações a respeito, a fim de que ele possa ser
implementado de forma eficaz e eficiente no país.
A educomunicação se apresenta como oportunidade para ajudar a responder,
inclusive, as perguntas geradoras que têm norteado os debates do eixo de “Par-
ticipação” da XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,
que são: 1. O que fazer para garantir participação e protagonismo de crianças
e adolescentes nos espaços de discussão e deliberação de políticas públicas,
considerando as esferas municipais, estaduais, distrital e nacional? 2. O que
fazer para garantir a liberdade de expressão de crianças e adolescentes, asse-
gurando a proteção integral? 3. O que fazer para potencializar a utilização das
novas tecnologias de informação e comunicação como estratégia de ampliação
da participação de crianças e adolescentes? 4. O que fazer para garantir que as
especificidades culturais e identitárias dos diferentes segmentos sejam consi-
deradas nos diversos espaços?
São aspectos e princípios que fazem parte da prática educomunicativa e, por-
tanto, já construídos, testados e vivenciados por escolas, organizações da so-
ciedade civil e governos, que estão à disposição dos gestores públicos que quei-
ram garantir às crianças o seu direito à participação em políticas públicas que
lhes dizem respeito, favorecendo sua autonomia, organização, mobilização e
formação política.

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A educomunicação como ativadora da participação infantil proposta pelo Marco Legal da Primeira Infância

Referências
CECCON, Claudius. As crianças são o Brasil de hoje: elas não podem esperar. In: Primeira Infân-
cia – Avanços do Marco Legal da Primeira Infância - Série “Cadernos de Trabalhos e Debates”.
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DIDONET, Vital. Trajetória dos direitos da criança no Brasil – de menor e desvalido a criança
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Sobre a autora
Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em
Jornalismo Social e em Educação Comunitária, atua há 16 anos em iniciativas voltadas ao inte-
resse público, tanto na produção de conteúdo sobre a área, como na gestão e planejamento
de projetos, principalmente em temas como educação, juventude, comunicação comunitária
e mobilização social para diversas organizações sociais, institutos empresariais e governos. No
campo educacional, atua na formação de professores, além de desenvolver cursos e materiais
pedagógicos. É sócia-diretora da consultoria Estúdio Cais e sócia-fundadora da ABPEducom (As-
sociação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação), membro do Núcleo
de Comunicação e Educação (NCE) da USP e autora do livro: “Galera em Movimento - Uma
turma que agita a transformação social do Brasil (2007)”. E-mail: [email protected]

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