Feminicídio - Uma Análise Da Violência Contra A Mulher No Brasil

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 30

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO

FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

ORIENTANDA – LEDA OLIVEIRA RODRIGUES

ORIENTADOR – PROFESSOR DR. ARI FERREIRA DE QUEIROZ

GOIÂNIA-GO
2023
LEDA OLIVEIRA RODRIGUES

FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

Artigo Científico apresentado à disciplina


Trabalho de Curso II, da Escola de Direito,
Negócios e Comunicação da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás Prof. Dr.
Orientador Ari Ferreira de Queiroz.

GOIÂNIA-GO
2023
LEDA OLIVEIRA RODRIGUES

FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

Data da Defesa: 17 de Maio de 2023.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________
Orientador: Prof. Ari Ferreira de Queiroz Nota

______________________________________________________
Examinadora Convidada: Professora Dra.: Claudia Luiz Lourenço Nota
Agradeço еm primeiro lugar а Deus, qυе
iluminou о mеυ caminho durante esta
caminhada.
A minha família, pelo incentivo e colaboração,
principalmente nos momentos de dificuldade.
Ao professor Ary, pela paciência nа
orientação, е incentivo, qυе tornaram possível
а conclusão deste trabalho.
Agradeço imensamente a todos aqueles que
fizeram parte dessa jornada, contribuindo
para vencer mais essa etapa.
SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................. 06
ABSTRACT .......................................................................................................... 06
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 06

1 DO FEMINICÍDIO .............................................................................................. 07

1.1 Notícia histórica .............................................................................................. 07


1.2 No Brasil ......................................................................................................... 10
1.3 Direito comparado .......................................................................................... 12

2 DA IMPLEMENTAÇÃO DOFEMINICÍDIO COMO QUALIFICADORADO CRIME DE HOMICÍDIO.13

2.1 Conceituação ................................................................................................. 13


2.2 Considerado como crime hediondo ................................................................ 16
2.3 Dos tipos ........................................................................................................ 17
2.4 Das espécies .................................................................................................. 18

3 DAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO RECONHECIMENTO DO FEMINICÍDIO À LUZ DA LEI....19

3.1 O feminicídio sob à luz da Lei n° 13.104/2015 ............................................... 19


3.2 O aumento da taxa de feminicídios no Brasil ................................................. 20
3.3 A aplicação da legislação nos casos concretos ............................................. 23

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 26

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 28
6

RESUMO: Este trabalho apresenta um estudo sobre o crime de feminicídio no con-


texto da violência contra a mulher no Brasil, abarcando os aspectos jurídicos da Lei
n° 13.104/2015. Denota elevada importância, em razão da visibilidade dada aos
casos de violência contra a mulher após a promulgação da lei, propiciando as au-
toridades policiais maior facilidade em tipificação do crime, e consequente
abordagem proeminente do judiciário. Em um primeiro momento, esta pesquisa
procura ressaltar a noticia histórica do termo, abarcando a evolução no Brasil, e no
direito comparado. Num segundo momento, objetiva explanar conceitos, expor a
hediondez do crime, com os devidos tipos, e espécies. E, por conseguinte, analisar o
feminicídio à luz da lei, as estatísticas das taxas de aumento, e a abordagem pelo
judiciário brasileiro.

PALAVRAS CHAVE: Feminicídio. Mulher. Violência. Violência de gênero.

ABSTRACT: This work presents a study on the crime of feminicide in the context of
violence against women in Brazil, covering the legal aspects of Law n° 13.104/2015.
It denotes high importance, due to the visibility given to cases of violence against
women after the enactment of the law, providing police authorities with greater ease
in typifying the crime, and consequent prominent approach by the judiciary. At first,
this research seeks to highlight the historical news of the term, covering the evolution
in Brazil, and in comparative law. In a second moment, it aims to explain concepts,
expose the heinousness of the crime, with the appropriate types and species. And,
therefore, to analyze femicide in the light of the law, the statistics of the increase
rates, and the approach by the Brazilian judiciary.

KEYWORDS: Femicide. Woman. Violence. Gender violence.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa vai expor sobre o instituto do feminicídio, tema este de


grande relevância por possuir um teor atual e abrangente. O feminicídio vem se tor-
nando um assunto recorrente no meio social e jurídico, após a tipificação do instituto
como qualificadora do crime de homicídio, através da Lei nº 13.104/2015.
7

Como dispõe a lei, trata-se do assassinato da mulher em razão da sua própria


condição de existência. Junto à Lei 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria
da Penha, a lei do feminicídio tenta garantir uma maior proteção à mulher brasileira.

De modo a resolver o problema, será feito um estudo sobre a noticia histórica


do termo, abarcando a evolução no Brasil, e no direito comparado, com enfoque nos
conceitos, a hediondez do crime, com os devidos tipos, e espécies. Analisando o
feminicídio à luz da lei, as estatísticas das taxas de aumento, e a abordagem pelo
judiciário brasileiro.

A importância deste trabalho se concentra nas diversas discussões e dúvidas


acerca do tema, visto a novidade legislativa do mesmo. Ao promulgar a Lei nº
13.104/2015 o legislador teve o intuito de dar visibilidade para os crimes cometidos
contra mulheres, no contexto da violência de gênero, familiar, doméstico, e de
menosprezo, que já ocorriam demasiadamente na sociedade, porém que estavam
ocultos sobre o viés patriarcal arraigado na evolução do homem, e que não tinham a
penalidade necessária, visto que eram punidos de forma genérica, como simples
homicídio.

O presente estudo vai utilizar o método de pesquisa exploratório-


descritivo, tendente a proporcionar maior familiaridade com o tema abordado, para
torná-lo mais explícito e identificar os fatores que contribuem e/ou determinam tal
fenômeno, por meio do procedimento histórico, e através de uma abordagem hipoté-
tica-dedutiva. Será feito um levantamento bibliográfico, empregando leis pertinentes,
doutrinas, artigos, jurisprudências, estatísticas, e internet.

Visto isso, tem-se o intuito de contribuir para melhor esclarecimento do assun-


to, de modo a possibilitar uma nova visão do que esta tipificado, porém que ocorre a
demasiado tempo perante a sociedade, mas que não tinha a devida classificação e
consequente penalização.

1 DO FEMINICÍDIO

1.1 Notícia histórica

A violência contra a mulher é resultado de uma complexa relação entre


8

cultura, indivíduo, relacionamento, contexto e sociedade, em razão de que os papéis


de homens e mulheres são diferenciados tanto na sociedade quanto dentro de um
relacionamento, no qual o homem exerce poder sobre as mulheres.

Por muitos séculos, as mulheres eram dependentes economicamente dos


homens, quer fosse por falta de ocupações remuneradas que pudessem
exercer, quer fosse pela falta de preparo para exercer atividades com
remuneração compatível com o custo de vida, quer fosse pela não
aceitação do ingresso da mulher em determinadas atividades
remuneradas. A própria separação matrimonial era um remédio judicial
difícil de ser concedido1.
Com o desenvolver da sociedade, arraigada de crenças, e leis patriarcais, foi
construída uma visão inferiorizada e preconceituosa sobre a mulher, elevando o
homem a um grande patamar, onde tudo lhe é devido e permitido. O patriarcalismo
cimentou o pensamento que o homem possui força física, sendo superior a mulher,
que é frágil.

O código romano utilizou-se do Direito como um instrumento de conservação


da discrepância entre os sexos, e mantendo a inferioridade da mulher.

(...) o papel social, e logo jurídico, designado à mulher é de inferioridade


em relação ao homem. No direito privado, está sempre sujeita à potestas
alheia: à pátria potestas, se filiafamilias; normalmente à manus do marido,
se esposa; e à tutela perpétua, se sui iuris. Não pode ser tutora de
impúberes e adotar filhos; testemunhar um testamento; garantir obrigações
de homens (intercedere pro allis). No âmbito do direito público não é
diferente: a mulher não participava da res publica, desempenhando
funções de caráter público: não pode, \J.g., exercer uma magistratura nem
postulare pro allis perante o magistrado. A capacidade de fato se dava aos
25 anos, antes disso e após os 14 anos havia um período de curatela. As
mulheres, no entanto, estavam sempre sob tutela. Elas eram consideradas
incapazes para a prática dos atos da vida civil; necessitavam, sempre, de
um tutor que lhes representasse os direitos na sociedade romana (tutela
perpétua). Jamais podiam ocupar qualquer cargo público 2.
A cultura patriarcal e repressora da mulher é o catalisador para a violência
contra a mulher, a violência sexual e o feminicídio, em razão de que a mulher é
tratada como um objeto de posse, submetida a relacionamentos abusivos, à
violência doméstica e a tratamentos degradantes e desumanos, pelo fato de serem
mulheres.

1
ALMEIDA, Dulcielly Nóbrega de; PERLIN, Giovana Dal Bianco, VOGEL, Luiz Henrique, e
WATANABE, Alessandra Nardoni. Violência contra a mulher. P. 16. Brasília, Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2020.
2
PINHO, Leda de. A mulher no direito romano (noções históricas acerca do seu papel na constituição
da entidade familiar). P. 278. Revista Jurídica Cesumar. vol. 2, n. 1, pgs. 269-291. ano. 2002.
9

Nesse sentido, Beauvoir expõe que “o homem espera da posse da mulher


mais do que a simples satisfação de um instinto; ela é o objeto privilegiado através
do qual êle domina a Natureza 3”. “Assim, a mulher não se reivindica como sujeito,
porque não possui os meios concretos para tanto, porque sente o laço necessário
que a prende ao homem sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes,
se compraz no seu papel de Outro4”.

O assassinato de mulheres aumentou significantemente, tendo em sua


maioria como agente o homem, que detém algum tipo de relação amorosa ou íntima
com a vítima, mas também pode estar relacionado a outros tipos de circunstâncias,
sendo acometido por estranhos, ou até mesmo tendo o agente uma mulher.

Segundo a socióloga Eleonora Menicucci, o termo feminicídio surgiu na


década de 70, com a finalidade de reconhecer e dar visibilidade a violência contra as
mulheres e suas consequências, que em sua maioria resulta em morte. É o tipo de
violência do qual geralmente não ocorre em um único episódio, e sim uma
sequência, de forma contínua e gradativa, agressiva e de violência extrema 5.

A primeira utilização da palavra feminicídio é datada de 1976, quando a


pesquisadora, escritora e ativista feminista Diana Russell foi ao Primeiro Tribunal
Internacional de Crimes contra as Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica, para defender
um processo sobre mortes de mulheres nos Estados Unidos e no Líbano 6.

Em sua fala, Diana mostrou que os assassinatos foram motivados pela


misoginia, fossem eles os de mulheres consideradas “bruxas” ou aqueles
justificados pela “honra ferida”. Assim, em razão dos seus estudos de casos de
violência sexual contra mulheres, Diana Russel faz o termo “feminicídio” passar a
integrar o vocabulário moderno, definindo-o como “o assassinato intencional de
mulheres ou meninas porque elas são mulheres 7”.

O feminicídio não é apenas um crime praticado por homem contra mulheres,

3
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo (fatos e mitos). (trad. Sérgio Milliet.) 4. Ed. P. 198. São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
4
BEAUVOIR, op. cit. p. 15.
5
PRADO, Debora, e SANEMATSU, Marisa. Feminicídio (#invisibilidade mata). P. 11. São Paulo:
Instituto Patricia Galvão, 2017.
6
HYPENESS. Feminicídio (a história do termo que mudou a legislação brasileira). Disponível em:
<https://www.hypeness.com.br/2021/08/feminicidio-a-historia-do-termo-que-mudou-a-legislacao-
brasileira/>. Acesso em: 12 nov 2022, às 10h30.
7
HYPENESS. op. cit.
10

e sim por homens que desempenham um papel de machismo, posse e soberania


não somente no âmbito pessoal, como também no social, sexual, emocional,
financeiro, patrimonial, jurídico e ideológico, causando nas vítimas a subordinação,
desigualdade, exploração, menosprezo, e principalmente exclusão social 8.

Assim, desde os primórdios, resultante da sociedade machista, a mulher é


vista como um ser subordinado e inferior ao homem. Mesmo após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a mulher é enquadrada como incapaz de se cuidar
sozinha, sem o auxílio de uma figura masculina, resultando no excessivo número de
mulheres agredidas no âmbito familiar.

1.2 No Brasil

O Brasil apresenta sistemas educacionais mais precários, e possui maiores


traços culturais e sociais de misoginia, o que resulta em mais casos de tratamentos
degradantes contra a mulher, estupros e violência doméstica. Aliado a isso, a grande
dificuldade do poder público em coibir a violência doméstica, resulta em feminicídio.

O conceito do feminicídio no Brasil, ganhou cada vez mais espaço após a


criação da lei Maria da Penha, em 2006. A Lei nº 11.340/2006 em seu artigo 5º,
dispõe a configuração da violência doméstica, que foi o marco inicial para instituir a
violência doméstica e familiar no crime de feminicídio.

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial.
O Art. 7º da Lei Maria da Penha descreve os tipos de violências cometidas
contra as mulheres no âmbito familiar, como:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre


outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e

8
FILHO, Cleudemir M. B. Violência de Gênero (Feminicídio). Disponível em: <
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_
produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Cad-Dir_n.32.09.pdf>. Acesso em 19 nov 2022, às 10h40.
11

perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas


ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua
intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja
a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de
seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.
Diante do contexto da violência contra a mulher, que inúmeras vezes fica
obscura, só se tornando pública a partir de sua morte, emergiu a tipificação do crime
de feminicídio, por meio do advento da Lei 13.104/2015, como forma de coibir a
violência decorrente de gênero.

A Lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, surgiu após a


instauração de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar a
situação da violência contra a mulher no Brasil, tendo em vista os alarmantes
resultados do Mapa da Violência 2012. A pesquisa foi realizada pelo Instituto
Sangari, no período de 2000 a 2010, tendo os resultados demonstrados que
aproximadamente 44 mil mulheres foram vítimas de homicídio no Brasil, 41% das
quais dentro de suas residências.

A referida lei passou a vigorar em 10 de março de 2015, alterando o artigo


121, §2º do Código Penal, ao inserir o feminicídio como nova qualificadora do crime
de homicídio. Considera-se feminicídio o homicídio na sua forma tentada ou
consumada, praticado contra mulher por razões de condição de sexo feminino, e irá
se configurar quando da análise da motivação, isto é, quando a agressão ocorrer
com fulcro no gênero da vítima.

Segundo Rogério Greco, há uma sequência de fatos que introduziram o


12

legislador a criar a qualificadora do feminicídio:

Sob a ótica de uma necessária e diferenciada proteção à mulher, o Brasil


editou o Decreto nº 1.973, em 1º de agosto de 1996, promulgando a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, concluída em Belém do Pará (conhecida como
Convenção de Belém), em 9 de junho de 1994. Seguindo as
determinações contidas na aludida Convenção, em 7 de agosto de 2006
foi publicada a Lei nº 11.340, criando mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art.
226 da Constituição Federal, que ficou popularmente conhecida como
‘Lei Maria da Penha’ que, além de dispor sobre a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabeleceu
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de
violência doméstica e familiar, nos termos dispostos no art. 1º da
mencionada lei. Em 9 de março de 2015, indo mais além, fruto do Projeto
de Lei do Senado nº 8.305/2014, foi publicada a Lei nº 13.104, que criou,
como modalidade de homicídio qualificado, o chamado feminicídio, que
ocorre quando uma mulher vem a ser vítima de homicídio
simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino.9
O autor Guilherme de Souza Nucci entende que:

Uma das razões de condição de sexo feminino (§ 2.º-A, I) invoca: “quando


o crime envolve violência doméstica e familiar”. Note-se mais um motivo
para se considerar objetiva a qualificadora do feminicídio, pois a condição
de ser mulher é justamente a causa de grande parte da violência ocorrida
no lar e na família, em virtude da covardia com que atua o agente. Não se
trata de motivação para agredir a mulher, mas o companheiro o faz porque
ela é mais fraca. Os motivos podem variar dos mais pífios aos mais
relevantes na ótica do agressor, porém, para constituir-se violência
doméstica ou familiar, segundo a própria Lei Maria da Penha, o motivo do
ataque é irrelevante.10
Desde que a lei entrou em vigor, o feminicídio passou a constar nos dados da
polícia e do Poder Judiciário, já que os processos criminais são autuados por tipo de
crime. Com isso, este tipo de crime passou a ter maior visibilidade, e assegurou-se o
acesso às estatísticas de morte de mulheres em decorrência de gênero, em que
pese não ter ocorrido à diminuição do índice de violência contra o sexo feminino,
sendo o mesmo mais visível a sociedade.

1.3 Direito comparado

O conceito passou a ser usado com mais frequência na América Latina após

9
GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. P. 484. Niterói: Impetus, 2017.
10
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal (parte especial: arts. 121 a 212 do código
penal). P. 52. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
13

a série de assassinatos de mulheres na cidade de Juárez, no México. Inspirada na


obra de Diana Russel, a antropóloga Marcela Lagarde, em 1998 trouxe o termo à
discussão na América Latina, ao descrever os assassinatos de mulheres ocorridos
desde 1993 em Ciudad Juarez, situada no Estado de Chihuahua, no norte do
México, na fronteira com a cidade de El Paso (Texas/EUA). 11

A antropóloga constatou que não se tratavam de simples homicídios, mas de


mortes com requintes de crueldade, de ódio extremo e específico contra mulheres.

O instituto Patricia Galvão, primeira organização feminista brasileira focada na


defesa dos direitos das mulheres por meio de ações na mídia, criado em 2001,
relata sobre a preocupação em criar uma tipificação para o crime de feminicídio:

A preocupação em criar uma legislação específica no Brasil para punir e


coibir o feminicídio segue recomendação de organizações internacionais,
como a Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) e o Comitê sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW), ambos da ONU. A tipificação do feminicídio tem sido
reivindicada por movimentos de mulheres, ativistas e pesquisadoras como
um instrumento essencial para tirar o problema da invisibilidade e apontar
a responsabilidade do Estado na permanência destas mortes.12
Desse modo, 16 países da América Latina já adotaram leis específicas ou
dispositivos para lidar com o assassinato de mulheres por razões de gênero, como:
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador,
Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, e
Venezuela.13

2 DA IMPLEMENTAÇÃO DO FEMINICÍDIO COMO QUALIFICADORA DO CRIME DE HOMICÍDIO

2.1 Conceituação

A Lei 13.104/2015 foi sancionada para penalizar o crime de feminicídio, e pa-


ra ser uma tentativa de diminuir o número exorbitante de mulheres mortas, preven-

11
GOVERNO DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. Apresentação. Disponível em:
<https://www.naosecale.ms.gov.br/apresentacao-2/>. Acesso em: 12 nov 2022, às 11h00.
12
INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. Legislações sobre feminicídio na América Latina. Disponível em:
< https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/legislacoes/>. Acesso em: 12 nov 2022, às
11h30.
13
INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. op.cit.
14

do-o como uma qualificadora do crime de homicídio, previsto no art. 121, § 2º do


Código Penal, e incluindo-o no rol dos crimes hediondos, previsto na Lei nº 8.072/90.

Homicídio simples
Art. 121. (...)
Homicídio qualificado
§ 2º (...)
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
(...)
§ 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando
o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
(...)
Aumento de pena
(...)
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se
o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta)
anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Para Almeida “o feminicídio é considerado a expressão máxima da violência
ou a etapa final do processo de violência contra a mulher, da cultura da dominação
masculina e da desigualdade nas relações de poder existentes entre homens e mul-
heres”14.

O professor Francisco Dirceu Barros, conceitua feminicídio como:

O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de hom-


icídio motivada pelo ódio contra as mulheres ou crença na inferioridade da
mulher, caracterizado por circunstâncias específicas nas quais o pertenci-
mento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre es-
sas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de violên-
cia doméstica/familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de
mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio re-
portam, no campo simbólico, à destruição da identidade da vítima e de sua
condição de mulher. Como anota o mapa da violência contra a mulher, es-

14
ALMEIDA, Dulcielly Nóbrega de; PERLIN, Giovana Dal Bianco, VOGEL, Luiz Henrique, e
WATANABE, Alessandra Nardoni. Violência contra a mulher. P. 73. Brasília, Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2020.
15

te conceito traz luz a um cenário preocupante: o do feminicídio cometido


por parceiro íntimo, em contexto de violência doméstica e familiar, além de
se caracterizar como crime de gênero ao carregar traços como ódio, que
leva a destruição da vítima, e pode ser combinado com as práticas da
violência sexual, tortura e/ou mutilação da vítima antes ou depois do as-
sassinato.15
Nesse sentido, Luiz Regis Prado leciona que:

O artigo 121, § 2º, inciso VI qualifica o delito de homicídio quando este é


praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”.
A circunstância em apreço, que recebe o nomen iuris feminicídio, sanciona
mais severamente o assassinato de mulheres decorrente de uma cadeia
progressiva de agressão, verificada no âmbito doméstico e familiar, ou,
ainda, quando provém de um ato discriminatório relacionado à específica
condição de ser mulher.
Passada uma década da promulgação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha), o legislador brasileiro ainda precisa fazer uso da criminalização
para conter a violência doméstica, visto que os instrumentos estatais dis-
poníveis para prevenção e repressão de tais condutas, embora repre-
sentem significativo avanço, revelam-se ineficazes.16
O crime de feminicídio consiste no homicídio praticado contra a mulher em
decorrência do fato de ela ser mulher, caracterizado por circunstâncias de misoginia,
menosprezo pela condição feminina, discriminação de gênero, violência sexual, ou
em decorrência de violência doméstica.

Segundo Luiz Regis Prado, a norma explicativa cria dois contextos de violên-
cia contra a mulher muito distintos:

Na expressão “razões da condição de sexo feminino”, de acordo com o


que determina o § 2º-A (norma penal explicativa), são abarcadas situações
em que o delito envolve violência doméstica e familiar (I), ou menosprezo
ou discriminação à condição de mulher (II).
Nota-se, de primeiro, que essa norma explicativa cria dois contextos de
violência contra a mulher muito distintos: o primeiro, limitado ao contexto
doméstico e familiar, tem sua incidência marcada pelos limites já es-
tabelecidos pela legislação específica (Lei 11.340/2016), que reflete,
na verdade, a violação de uma relação especial de confiança estabelecida
entre a vítima e o sujeito ativo, em razão de vínculos familiares ou
afetivos extrafamiliares.
O segundo contexto, muito mais amplo e indeterminado, não requer
qualquer relação especial existente entre autor e vítima, mas concerne a
uma motivação específica, mais reprovável desde o ponto de vista da cul-

15
BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos prático. P. 20. Leme, São Paulo:
JH Mizuno, 2019.
16
PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal: parte especial - arst. 121 a 249 do CP, volume 2. 3.
ed. P. 101. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
16

pabilidade, que é a prática do homicídio por discriminação ao sexo femi-


nino. Neste último caso o delito é praticado por qualquer pessoa.17
Assim, o crime de feminicídio se revela através das mortes de mulheres pela
razão de serem mulheres, em razão da desigualdade de gênero que persiste em
nossa sociedade, quando for cometido em meio a violência doméstica e familiar, ou
que envolva menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

2.2 Considerado como crime hediondo

O crime de feminicídio ao ser penalizado como uma circunstância qualificado-


ra do homicídio, o inclui na lista de crimes hediondos, tal qual o estupro, genocídio, e
latrocínio, entre outros, os quais são encarados de forma negativa pelo Estado, e por
essa característica detém penas mais gravosas.

Para Antônio Lopes Monteiro, crime hediondo ocorreria quando a “conduta


delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade, seja na execução, quando o
agente revela total desprezo pela vítima, insensível ao sofrimento físico ou moral a
que a submete, seja quanto à natureza dobem jurídico ofendido, seja ainda pela es-
pecial condição das vítimas”.18

O professor Francisco Dirceu Barros entende que:

A lei dos crimes hediondos, incrementando estruturalmente as funções das


penas criminais, insere determinados delitos em um regime jurídico mais
gravoso em que favores penais restam a eles inacessíveis ou condiciona-
dos a circunstâncias mais severas. O feminicídio integra este rol de in-
frações penais de modo que é insuscetível de: Anistia, graça e indulto; Fi-
ança.
Além disso, a pena somente será progredida de regime, após o cumpri-
mento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de
3/5 (três quintos), se reincidente (STJ. 5ª Turma. HC 311.656-RJ, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 25/8/2015 (Info 568)).
Nos termos do art. 83, V, do CP, o condenado por crime hediondo que
não for reincidente específico poderá obter livramento condicional após
cumprir 2/3 da pena.
Para progressão de regime, embora não obrigatório, pode haver a
realização do exame criminológico, devendo ser, em qualquer caso,
devidamente fundamentado. (Súmula Vinculante 26).

17
PRADO, op. cit. P. 102.
18
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos. 10° ed. P. 16. São Paulo: Saraiva, 2015.
17

Por fim, a prisão temporária em casos de feminicídio poderá ter prazo de


30 dias, prorrogável por igual período em casos de extrema e comprovada
necessidade.19

2.3 Dos tipos

Segundo Pasinato, a identificação e classificação dos feminicídios enfrentam


alguns obstáculos, em razão ausência de dados oficiais que possibilitem uma visão
mais próxima do número de mortes de mulheres, e dos contextos em que estas
ocorrem:

Um dos maiores obstáculos para os estudos sobre mortes de mulheres, e


sobre os homicídios de forma geral, no Brasil é a falta de dados oficiais
que permitam ter uma visão mais próxima do número de mortes e dos con-
textos em que ocorrem. Os estudos e relatórios sobre a situação dos fem-
icídios em países da América Latina não enfrentam situação diferente. A
maior parte dos trabalhos aponta para a falta de dados oficiais, a ausência
de estatísticas desagregadas por sexo da vítima9 e de outras informações
que permitam propor políticas de enfrentamento para esta e outras formas
de violência que atingem as mulheres. Em muitos casos a estratégia
adotada pelos estudos acaba sendo a utilização de dados provenientes de
diferentes fontes – como registros policiais, registros médico-legais, pro-
cessos judiciais, documentos do Ministério Público e, uma das fontes mais
utilizadas, a imprensa escrita.20
Afirma Pasinato, que:

Reconhecendo que o conceito de femícidio/feminicídio ainda carece de


melhor formulação, algumas autoras têm empregado uma tipologia que
teria sido elaborada por Ana Carcedo em sua pesquisa sobre os femicídios
na Costa Rica (s.d.), procurando assim demonstrar que, embora essas
mortes sejam todas provocadas por uma discriminação baseada no gêne-
ro, existem características que refletem as diferentes experiências de
violência na vida das mulheres e tornam esse conjunto de mortes heter-
ogêneo e complexo.21
Desse modo, a classificação mais comum dos feminicídios divide-os em três
diferentes grupos, quais sejam: íntimos, não íntimos e por conexão.

Femicídio íntimo: aqueles crimes cometidos por homens com os quais a


vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins.
Incluem os crimes cometidos por parceiros sexuais ou homens com quem
tiveram outras relações interpessoais tais como maridos, companheiros,
namorados, sejam em relações atuais ou passadas;

19
BARROS, op. cit. P. 31.
20
PASINATO, Wânia. Femicídios e as mortes de mulheres no Brasil. P. 233. Cadernos Pagu, n. 37,
p. 219-246, jul./dez. 2011.
21
PASINATO, op. cit. P. 235.
18

Femicídio não íntimo: são aqueles cometidos por homens com os quais a
vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas com
os quais havia uma relação de confiança, hierarquia ou amizade, tais como
amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde, empregadores.
Os crimes classificados nesse grupo podem ser desagregados em dois
subgrupos, segundo tenha ocorrido a prática de violência sexual ou não.
Femicídios por conexão: são aqueles em que as mulheres foram assassi-
nadas porque se encontravam na "linha de fogo" de um homem que tenta-
va matar outra mulher, ou seja, são casos em que as mulheres adultas ou
meninas tentam intervir para impedir a prática de um crime contra outra
mulher e acabam morrendo. Independem do tipo de vínculo entre a vítima
e o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos.22
Esta classificação busca evidenciar a violência por traz do crime de femi-
nicídio, abarcando o caráter social generalizado da violência de gênero, pois reflete
as relações de poder historicamente estabelecidas entre os sexos, não sendo a
violência contra a mulher pontual e privada.

2.4 Das espécies

Baseado no conceito do termo, o professor Francisco Dirceu Barros, identifica


as seguintes espécies de feminicídio:

a) Feminicídio “intralar”: ocorre quando as circunstâncias fáticas in-


dicam que um homem assassinou uma mulher em contexto de
violência doméstica e familiar.
b) Feminicídio homoafetivo: ocorre quando uma mulher mata a outra
no contexto de violência doméstica e familiar.
c) Feminicídio simbólico heterogêneo: ocorre quando um homem as-
sassina uma mulher motivado pelo menosprezo ou discriminação à
condição de mulher, reportando-se, no campo simbólico, a destru-
ição da identidade da vítima e de sua condição de pertencer ao sexo
feminino.
d) Feminicídio simbólico homogêneo: ocorre quando uma mulher as-
sassina outra mulher motivada pelo menosprezo ou discriminação da
condição feminina.
e) Feminicídio aberrante por aberratio ictus: ocorre quando, por aci-
dente ou erro no uso dos meios de execução, o homem ou a mulher,
ao invés de atingir a mulher que pretendia ofender, atinge pessoa di-
versa, respondendo, portanto, como se tivesse praticado o crime
contra aquela. No caso de feminicídio aberrante por aberratio ictus,
não são consideradas as qualidades da vítima, mas da mulher que o
agente pretendia atingir. O feminicídio aberrante por aberratio ictus
divide-se em com resultado único e com resultado duplo.

22
PASINATO, op. cit. P. 236.
19

f) Feminicídio aberrante por aberratio criminis: ocorre quando, fora


dos casos de aberratio ictus, o agente, por acidente ou erro na ex-
ecução do crime, executa o ato, mas sobrevém resultado diverso do
pretendido. No feminicídio aberrante por aberratio criminis o agente
responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo, mas se
ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do concurso
formal (Art. 70 do Código Penal).
g) Feminicídio aberrante por error in persona: quando o autor deseja
matar uma mulher no contexto de violência doméstica e familiar, ou
mesmo motivado pelo menosprezo ou discriminação, erra a iden-
tidade, assassinando outra mulher.
h) Feminicídio aberrante por aberratio causae: vem a ser o erro so-
bre nexo causal. É a hipótese do chamado dolo geral. Ocorre quan-
do o agente, imaginando já ter matado a mulher no contexto de
violência doméstica e familiar, ou motivado pelo menosprezo ou dis-
criminação, pratica nova conduta, que vem a ser causa efetiva da
consumação.23
Essa divisão em espécies mostra a gama de formas de como o crime de fem-
inicídio pode ocorrer, visto que abarca modos desde incidente dentro do lar, até o
cometido por erro. Entretanto, apesar de serem classificadas várias espécies deste
crime, no Brasil ainda persiste a dificuldade de identificação do mesmo.

3 DAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO RECONHECIMENTO DO FEMINICÍDIO À LUZ DA LEI

3.1 O feminicídio sob à luz da Lei n° 13.104/2015

Com a implementação do crime de feminicídio deu-se visibilidade para


aqueles crimes que já ocorriam demasiadamente na sociedade, porém que estavam
ocultos sobre o viés patriarcal arraigado na evolução do homem. Ao normatizar o
assassinato de mulheres, considerando as características do crime, reflete o
reconhecimento político-jurídico de uma violência específica, que é também uma
violação aos direitos humanos das mulheres.

O principal ganho com a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) é justa-


mente tirar o problema da invisibilidade. Além da punição mais grave para
os que cometerem o crime contra a vida, a tipificação é vista por especial-
istas como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mul-
heres no País, quando ela chega ao desfecho extremo do assassinato,

23
BARROS, op. cit. P. 25.
20

permitindo, assim, o aprimoramento das políticas públicas para coibi-la e


preveni-la.24
“A tipificação em si não é uma medida de prevenção. Ela tem por objetivo
nominar uma conduta existente que não é conhecida por este nome, ou seja, tirar da
conceituação genérica do homicídio um tipo específico cometido contra as mulheres
com forte conteúdo de gênero. A intenção é tirar esse crime da invisibilidade.” 25

Segundo o Instituto Patricia Galvão, são esperados três impactos importantes


com a tipificação penal:

1) Trazer visibilidade: para conhecer melhor a dimensão e o contexto da


violência mais extrema contra as mulheres.
2) Identificar entraves na aplicação da Lei Maria da Penha: para evitar
‘mortes anunciadas’.
3) Ser instrumento para coibir a impunidade: refutar teses comuns – não só
no Direito, mas em toda a sociedade, incluindo a imprensa – que colocam
a culpa do crime em quem perdeu a vida.26
Assim, a Lei do Feminicídio, ao dobrar a pena mínima e estender ao teto
(trinta anos) a pena máxima, funciona como uma medida legal de maior eficácia pa-
ra coibir o assassinato de mulheres, dar maior visibilidade e conhecimento dos
casos, e busca meios de coibi-la e preveni-la.

3.2 O aumento da taxa de feminicídios no Brasil

De acordo com os dados divulgados pelo Anuário de Segurança Pública do


ano de 2020, desde a promulgação da lei do feminicídio, o número de casos teve
aumentos significativos no período de 2016 a 2019, indicando uma melhoria da no-
tificação deste crime por parte das autoridades policiais. “Os casos registrados pas-
saram de 929 em 2016, primeiro ano completo de vigência da lei, para 1.326 em
2019 – um aumento de 43% no período”.27

24
INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. Feminicídio.Disponível em: <
https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/#impactos-e-importancia-
da-lei-de-feminicidio>. Acesso em: 29 jan 2023, às 10h00.
25
INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. op.cit.
26
INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. op.cit
27
LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro; et al. Anúario brasileiro de segurança pública 2020. Disponível
em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf>.
P. 119. Acesso em: 26 fev 2023, às 11h00.
21

28

Já no ano de 2020, os casos de feminicídios, apresentaram variação de 0,7%


na taxa, que se manteve estável em 1,2 mortes por grupo de 100 mil pessoas. Sen-
do que em números absolutos, 1.350 mulheres foram assassinadas por sua con-
dição de gênero, ou seja, morreram por ser mulheres. Sendo que 34,5% do total de
assassinatos de mulheres foi considerado como feminicídio pelas Polícias Civis es-
taduais.29

30

Nesse caminho, os dados divulgados pelo Anuário de Segurança Pública do


ano de 2022, revelam que entre o ano de 2020 e 2021, teve uma queda de 1,7% na
taxa dos casos de feminicídios.

28
LIMA, op.cit.
29
BUENO, Samira; et al. Anuário brasileiro de segurança pública 2021. Disponível em: <
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/10/anuario-15-completo-v7-251021.pdf>. P.
94. Acesso em: 26 fev 2023, às 12h00.
30
BUENO, op.cit.
22

31

No entanto, segundo reportagem do G1 SP, baseada nos dados do Fórum


Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram
vítimas de feminicídio no Brasil, média de quatro mulheres por dia. O aumento foi de
3,2% em relação ao primeiro semestre de 2021, quando 677 mulheres foram assas-
sinadas. E se comparar com o ano de 2019, o crescimento foi de 10,8%.32

Assim, há de se considerar que apesar do crescente número de casos de


feminicídios após a promulgação da lei, de ter havido uma melhoria da notificação

31
SPANIOL, Marlene Inês; et al. Feminicídios caem, mas outras formas de violência contra meninas
e mulheres crescem em 2021. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2022/07/10-anuario-2022-feminicidios-caem-mas-outras-formas-de-violencia-contra-
meninas-e-mulheres-crescem-em-2021.pdf>. P. 9. Acesso em: 26 fev 2023, às 15h00.
32
ACAYABA, Cíntia; ARCOVERDE, Léo. Feminicídios batem recorde no 1º semestre de 2022 no
Brasil quando repasse ao combate à violência contra a mulher foi o mais baixo. Disponível em: <
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/12/07/feminicidios-batem-recorde-no-1o-semestre-de-
2022-no-brasil-quando-repasse-ao-combate-a-violencia-contra-a-mulher-foi-o-mais-baixo.ghtml>.
Acesso em: 04 mar 2023, às 09h00.
23

deste crime por parte das autoridades policiais, ainda persiste a dificuldade destas
de tipificar o crime enquanto feminicídio. Isto ocorre devido as autoridades policiais
agirem com maior facilidade em classificar o crime enquanto feminicídio, quando
este ocorre no contexto doméstico, com indícios de autoria conhecida: o companhei-
ro ou ex-companheiro, em contrapartida quando ocorrem em outro contexto encon-
tram dificuldades de classificação.33

3.3 A aplicação da legislação nos casos concretos

A penalização específica de casos de homicídios femininos como crime de


feminicídio representa um avanço histórico no país, e no judiciário, em especial em
comparação com a forma como o tema era recebido anteriormente pelo sistema de
justiça criminal brasileiro.

O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento da dispensa da análise


do animus do agente quando há a incidência da qualificadora do feminicídio nos
casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica
e familiar, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOM-


ICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MEIO QUE DIFI-
CULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO. PLEITO DE AFASTA-
MENTO DAS QUALIFICADORAS. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONGRU-
ÊNCIA LÓGICA COM OS TERMOS DA ACUSAÇÃO. TESE DEFENSIVA
NÃO DEBATIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS SOB ESSE PRISMA.
SÚMULAS 282 E 356/STF. INEXISTÊNCIA DE PROVA ACERCA DA MO-
TIVAÇÃO RELACIONADA À CONDIÇÃO DE SER MULHER. IR-
RELEVÂNCIA. ÂNIMO DO AGENTE. ANÁLISE DISPENSÁVEL DADA A
NATUREZA OBJETIVA DO FEMINICÍDIO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO
DE EXCESSO DE LINGUAGEM. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A ausência de
debate no acórdão sob o prisma trazido nas razões do especial atrai, à es-
pécie, a incidência das Súmulas 282 e 356/STF, ante a falta de preques-
tionamento, não bastando, para afastar referido óbice, a alegação no sen-
tido de que sempre se insurgiu contra a sua manutenção, e sob o mesmo
fundamento (fl. 196), uma vez que o prequestionamento consiste na apre-
ciação da questão pelas instâncias ordinárias, englobando aspectos
presentes na tese que embasa o pleito apresentado no recurso especial
(AgRg no REsp n. 1.795.892/RN, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Tur-
ma, DJe 27/9/2019). 2. A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou
o entendimento segundo o qual o feminicídio possui natureza objeti-
va, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do
seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à

33
SPANIOL, op.cit, p. 9.
24

violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do


agente não é objeto de análise (AgRg no REsp n. 1.741.418/SP, Reyn-
aldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/6/2018) 3. Não constitui
excesso de linguagem o parágrafo acrescido exclusivamente a título de
reforço argumentativo da linha de raciocínio exposta na decisão question-
ada, máxime quando desprovido de qualquer alusão meritória. 4. Agravo
regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 1454781 SP 2019/0054833-
2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento:
17/12/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2019).
(Grifo nosso)
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela possibilidade de aplicação
simultânea das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, em razão de que
possuem natureza distinta, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FEMINICÍDIO.
MOTIVO TORPE. COEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE. NATUREZAS DIS-
TINTAS. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. USURPAÇÃO DA COM-
PETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Esta Corte possui o entendi-
mento segundo o qual "as qualificadoras do motivo torpe e do femi-
nicídio não possuem a mesma natureza, sendo certo que a primeira
tem caráter subjetivo, ao passo que a segunda é objetiva, não haven-
do, assim, qualquer óbice à sua imputação simultânea" (HC n.
430.222/MG, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em
15/3/2018, DJe 22/3/2018). Precedentes. 2. A jurisprudência desta Corte é
firme no sentido de que somente devem ser excluídas da decisão de
pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes
ou sem nenhum amparo nos elementos dos autos, sob pena de usurpação
da competência constitucional do Tribunal do Júri. Precedentes. 3. Agravo
regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 1166764 MS
2017/0238851-0, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Da-
ta de Julgamento: 06/06/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 17/06/2019).
(Grifo nosso)
Os tribunais de justiça tem o entendimento de aplicar a qualificadora de femi-
nicídio quando há indícios de que a motivação do crime foi a condição de gênero e
menosprezo à condição de mulher, in verbis:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO AB-


SOLVIÇÃO SUMÁRIA ARGUMENTANDO LEGÍTIMA DEFESA.
DESCABIMENTO. 1. Comprovada a materialidade e havendo indícios sufi-
cientes de autoria, revelados pelos elementos de convicção colhidos em
juízo, mostra-se inviável a absolvição sumária. DA QUALIFICADORA
PREVISTA NO ARTIGO 121, § 2º, INCISO II (MOTIVO FÚTIL), DO
CÓDIGO PENAL. DESCABIMENTO. 2. Existentes indícios de que a mo-
tivação do delito foi a condição de gênero e menosprezo à condição
de mulher, mormente em razão de existência de relação amoroso pre-
térita, deve ser mantida a qualificadora do feminicídio. DA QUALIFI-
CADORA DO FEMINICÍDIO. MANUTENÇÃO. 3. A qualificadora do femi-
nicídio somente pode ser excluída se for manifestamente improcedente, o
25

que não ocorre na espécie. DESCABIMENTO. DIREITO DE RECORRER


EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. Incomportável a concessão do
direito de recorrer em liberdade se ainda persistem os motivos para a ma-
nutenção da custódia preventiva, a qual se afigura necessária para
preservar a ordem pública e resguardar a aplicação da lei penal. Além dis-
so, o recorrente permaneceu preso durante todo o tramitar processual,
máxime, quando persistente os requisitos do art. 312 do CPP. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, PROCESSO CRIMINAL -> Re-
cursos -> Recurso em Sentido Estrito 5322992-67.2020.8.09.0097, Rel.
Des(a). DESEMBARGADOR EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES, 1ª
Câmara Criminal, julgado em 30/01/2023, DJe de 30/01/2023).
(Grifo nosso)

EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICA-


DO [MOTIVO TORPE, MEIO CRUEL, EMPREGO DE RECURSO QUE
DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO] - PRONÚNCIA -
QUALIFICADORAS NÃO CARCATERIZADAS - PEDIDO DE AFASTA-
MENTO DE TODAS AS QUALIFICADORAS - MOTIVAÇÃO DO HOM-
ICÍDIO - CABE AO TRIBUNAL DO JÚRI DECIDIR SE O CIÚME CONFIG-
URA OU NÃO MOTIVO TORPE - ENTENDIMENTO DO STJ - ACÓRDÃO
DO TJMT - MEIO CRUEL - ESGANADURA - ESGORJAMENTO - DES-
NECESSÁRIO SOFRIMENTO À VÍTIMA - ARESTO DO TJMT - EM-
PREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - SUR-
PRESA - MANUTENÇÃO DA QUALIFICADORA PERTINENTE - JULGA-
DOS DO TJMT - FEMINICÍDIO - POSSESSIVIDADE, PERSEGUIÇÃO,
AMEAÇAS E AGRESSÕES DECORRENTE DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR
- PREMISSA DO TJMT - QUALIFICADORAS IMPUGNADAS NÃO MANI-
FESTAMENTE IMPROCEDENTES PARA SEREM SUPRIMIDAS DA
ANÁLISE DO CONSELHO DE SENTENÇA - ENUNCIADO CRIMINAL 2
DO TJMT - RECURSO DESPROVIDO. O c. STJ firmou entendimento no
sentido de que cabe ao Tribunal do Júri decidir, no caso em concreto, se o
ciúme configura ou não a qualificadora de motivo torpe. (AgRg no AREsp
1.128.138/MG; HC 255.974/MG; AgRg no REsp nº 1251725/MG; REsp nº
1.706.918) O ciúme pode configurar “motivo torpe, sujeitando, entretanto, à
submissão da questão sob a ótica da soberania do Júri Popular” (TJMT,
RSE NU 0000164-68.2012.8.11.0096). “Demonstrada a plausibilidade da
conduta especialmente dolorífica, consistente em desferir [...] golpes de fa-
ca na vítima, incluindo o ato de esgorjamento de seu pescoço, destinado a
promover desnecessário sofrimento à vítima, deve prevalecer a qualifica-
dora do meio cruel.” (TJMT, RSE NU 0007543-70.2016.8.11.0015) O local
do crime [residência da vítima], o horário [13h50min], o meio empregado
[faca], a extensão/profundidade do golpe e “ausência de lesões de defesa”,
evidenciam que a vítima teria sido atingida de surpresa, sendo pertinente a
manutenção do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima.
(TJMT, RSE nº 44770/2014; TJMT, RSE NU 1003042-96.2019.8.11.0000)
O feminicídio ocorre “toda vez que, objetivamente, haja uma agressão
à mulher proveniente de convivência doméstica familiar” (TJDF, RSE
n. 904781). As qualificadoras impugnadas [motivo torpe, meio cruel, recur-
so que dificultou a defesa da vítima e feminicídio] não se afiguram manifes-
tamente improcedentes para serem suprimidas da análise do Conselho de
Sentença. (TJMT, Enunciado Criminal 2). (TJ-MT - RSE:
10118947520208110000 MT, Relator: MARCOS MACHADO, Data de Jul-
26

gamento: 14/07/2020, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação:


20/07/2020).
(Grifo nosso)
O que podemos analisar é que após a legalização do feminicídio, houve um
grande avanço na forma de identificar esse crime, com aplicação pelo judiciário das
penalidades em seu máximo. Entretanto, ainda persiste dificuldades, pois apesar
das facetas do tipo incriminador, atualmente o mesmo só é identificado mais facil-
mente quando ocorre no âmbito da violência doméstica e familiar, necessitando de
mais políticas públicas e empenho das autoridades policiais, e da própria sociedade
como meio de identificar e coibir o delito em questão.

CONCLUSÃO

Depreende-se da presente pesquisa que o termo feminicídio, decorre da


violência contra a mulher, sendo as motivações mais usuais o ódio, o desprezo ou o
sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em
sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino. Sen-
do uma prática antiga, mas recorrente perante a sociedade até dias atuais.

A violência contra a mulher inúmeras vezes fica obscura, só se tornando pú-


blica a partir de sua morte, contexto em que emergiu a tipificação do crime de femi-
nicídio, por meio do advento da Lei n° 13.104/2015, como forma de coibir a violência
decorrente de gênero.

A lei do feminicídio buscou maior grau de proteção às mulheres, pois prevê


uma repressão mais acentuada para quem praticar violência tamanha que gere a
morte, motivada por discriminação, desprezo, opressão, desigualdade, bem como
pela construção da cultura social que coloca o sexo feminino como frágil, visto que
antes da referida lei, não havia nenhuma punição especial, sendo o crime punido de
forma genérica como homicídio.

A Lei n° 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, surgiu após a


instauração de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar a situ-
ação da violência contra a mulher no Brasil, tendo em vista os alarmantes resultados
do Mapa da Violência 2012. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Sangari, no
período de 2000 a 2010, tendo os resultados demonstrados que aproximadamente
27

44 mil mulheres foram vítimas de homicídio no Brasil, sendo que 41% delas foram
mortas dentro de suas residências.

Os números alarmantes de violência contra a mulher indicam que o femi-


nicídio decorre de construções socioculturais plasmadas em um inconsciente cole-
tivo, que espelham relações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas
às pessoas segundo o sexo.

A Lei n° 13.104/2015 passou a vigorar em 10 de março de 2015, alterando o


artigo 121, §2º do Código Penal, ao inserir o feminicídio como nova qualificadora do
crime de homicídio. Considera-se feminicídio o homicídio na sua forma tentada ou
consumada, praticado contra mulher por razões de condição de sexo feminino, e irá
se configurar quando da análise da motivação, isto é, quando a agressão ocorrer
com fulcro no gênero da vítima.

Assim, ao estabelecer o feminicídio como circunstância qualificadora do crime


de homicídio e incluí-lo no rol dos crimes hediondos, a lei impõe maior rigidez no
tratamento contra o autor desse tipo de delito, sendo uma medida legal de maior
eficácia para coibir o assassinato de mulheres, dar maior visibilidade e conhecimen-
to dos casos, e busca meios de coibi-la e preveni-la.

Desde a promulgação da lei, o número de casos teve aumentos significativos,


indicando uma melhoria da notificação deste crime por parte das autoridades poli-
ciais, todavia, ainda persiste a dificuldade destas de tipificar o crime enquanto femi-
nicídio. Isto ocorre devido as autoridades policiais agirem com maior facilidade em
classificar o crime enquanto feminicídio, quando este ocorre no contexto doméstico,
com indícios de autoria conhecida: o companheiro ou ex-companheiro, em contra-
partida quando ocorrem em outro contexto encontram dificuldades de classificação.

Assim, a penalização específica de casos de homicídios femininos como


crime de feminicídio representa um avanço histórico no país, e no judiciário, em es-
pecial em comparação com a forma como o tema era recebido anteriormente pelo
sistema de justiça criminal brasileiro. Portanto, necessita de mais políticas públicas,
e empenho das autoridades policiais, e da própria sociedade como meio de identi-
ficar e coibir o delito em questão, devendo ser um tema cada vez mais explorado, de
modo a informar as pessoas, evitando a violência contra as mulheres, que precisam
da proteção da sociedade, do Estado.
28

REFERÊNCIAS

ACAYABA, Cíntia; ARCOVERDE, Léo. Feminicídios batem recorde no 1º semestre de 2022 no Bra-
sil quando repasse ao combate à violência contra a mulher foi o mais baixo. Disponível em: <
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/12/07/feminicidios-batem-recorde-no-1o-semestre-de-
2022-no-brasil-quando-repasse-ao-combate-a-violencia-contra-a-mulher-foi-o-mais-baixo.ghtml>.
Acesso em: 04 mar 2023, às 09h00.

ALMEIDA, Dulcielly Nóbrega de; PERLIN, Giovana Dal Bianco, VOGEL, Luiz Hen-
rique, e WATANABE, Alessandra Nardoni. Violência contra a mulher. Brasília,
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2020.

BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos prático. Leme,


SP: JH Mizuno, 2019.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo (fatos e mitos). (trad. Sérgio Milliet.) 4. ed.
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.

BUENO, Samira; et al. Anuário brasileiro de segurança pública 2021. Disponível em:
< https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/10/anuario-15-completo-
v7-251021.pdf>. Acesso em: 26 fev 2023, às 12h00.

FILHO, Cleudemir M. B. Violência de Gênero (Feminicídio). Disponível em: <


http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_bibliotec
a/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Cad-Dir_n.32.09.pdf>.
Acesso em 19 nov 2022, às 10h40.

GOVERNO DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. Apresentação. Disponível


em: <https://www.naosecale.ms.gov.br/apresentacao-2/>. Acesso em: 12 nov 2022,
às 11h00.

GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói: Impetus, 2017.
29

HYPENESS. Feminicídio (a história do termo que mudou a legislação brasileira).


Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2021/08/feminicidio-a-historia-do-
termo-que-mudou-a-legislacao-brasileira/>. Acesso em: 12 nov 2022, às 10h30.

INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. Legislações sobre feminicídio na América Latina.


Disponível em: <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/legislacoes/>. Acesso em:
12 nov 2022, às 11h30.

INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. Feminicídio. Disponível em: <


https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/#impacto
s-e-importancia-da-lei-de-feminicidio>. Acesso em: 29 jan 2023, às 10h00.

LAGARDE, Marcela y de los Ríos. Del femicidio al feminicidio. Desde el jardín de


Freud. Bogotá, 2006.

LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro; et al. Anúario brasileiro de segurança pública


2020. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf>. Acesso em: 26 fev
2023, às 11h00.

MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal (parte especial: arts. 121 a 212
do código penal). Rio de Janeiro: Forense, 2019.

PASINATO, Wânia. Femicídios e as mortes de mulheres no Brasil. P. 233. Cadernos


Pagu, n. 37, p. 219-246, jul./dez. 2011.

PINHO, Leda de. A mulher no direito romano (noções históricas acerca do seu papel
na constituição da entidade familiar). Revista Jurídica Cesumar. vol. 2, n. 1, pgs.
269-291. ano. 2002.

PRADO, Debora. Marisa Sanematsu. Feminicídio. #Invisibilidade Mata. São Paulo:


Instituto Patricia Galvão, 2017.
30

PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal: parte especial - arst. 121 a 249 do CP,
volume 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

SENADO FEDERAL. Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência con-
tra a Mulher. Brasília, 2013. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-
a-violencia/pdfs/relatorio-final-da-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-
as-mulheres>. Acesso em: 17 set 2022, às 16h00.

SPANIOL, Marlene Inês; et al. Feminicídios caem, mas outras formas de violência
contra meninas e mulheres crescem em 2021. Disponível em:
<https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/10-anuario-2022-
feminicidios-caem-mas-outras-formas-de-violencia-contra-meninas-e-mulheres-
crescem-em-2021.pdf>. P. 9. Acesso em: 26 fev 2023, às 15h00.

Você também pode gostar