Abertura Do Mercado de Gás

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Universidade de Brasília

Faculdade de Direito

ISABELLA TANUY GONÇALVES

A ABERTURA DO MERCADO DE GÁS NATURAL NO BRASIL:


CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E COMPETÊNCIA

The Opening of the Natural Gas Market in Brazil:


Competition, Regulation and Jurisdiction

Brasília
2020
i
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE DIREITO

A ABERTURA DO MERCADO DE GÁS NATURAL NO BRASIL:


CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E COMPETÊNCIA

Autor: Isabella Tanuy Gonçalves

Orientador: Prof. Dr. Márcio Iorio Aranha

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau de Bacharel, no Programa de
Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília, linha de pesquisa de
Transformações da Ordem Social e Econômica e
Regulação.

Brasília, 11 de dezembro de 2020.

ii
FOLHA DE APROVAÇÃO
ISABELLA TANUY GONÇALVES

A Abertura do Mercado de Gás Natural no Brasil: Concorrência, Regulação e


Competência

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel, no Programa


de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, linha de pesquisa de
Transformações da Ordem Social e Econômica e Regulação.

Aprovada em: 11 de dezembro de 2020.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Prof. Dr. Márcio Iorio Aranha
(Orientador – Presidente)

______________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana de Oliveira Frazão Vieira de Mello
(Membro)

_____________________________________
Prof. Dr. Bolívar Moura Rocha
(Membro)

_____________________________________
Prof. Me. Angelo Gamba Prata de Carvalho
(Suplente)

iii
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade de Brasília os últimos cinco anos de crescimento e aprendizado


constante – acadêmico, profissional e pessoal.

Agradeço ao professor Marcio Iorio, a quem devo pela orientação ao longo deste trabalho, com
revisões detalhadas e comentários precisos, e pelo interesse em Direito Regulatório desde as
aulas de Direito Administrativo 3 em 2018.

Agradeço à professora Ana Frazão, que é fonte de inspiração acadêmica e profissional desde os
primeiros semestres do curso de graduação.

Agradeço ao Bolívar os ensinamentos constantes e o incentivo à reflexão e ao aperfeiçoamento


profissional. Sou muito grata por todo o aprendizado na equipe de Levy & Salomão.

Agradeço aos demais professores que fizeram parte da minha trajetória como estudante e como
ser humano – obrigada por me ensinarem a questionar e refletir.

Agradeço aos amigos da FD/UnB: Anna, Elisa, Giovanna M., Luana, Leonardo, Eduardo,
Bruno e Ana Letícia. Agradeço à Giovanna C. a amizade desde o primeiro dia de encontro e os
(vários) momentos que compartilhamos ao longo da graduação. Agradeço ao Fernando as tardes
de companhia no estágio no último ano, com conversas, reclamações e ajudas constantes – e
fotos de países que não conhecemos.

Agradeço à Marina os dias de escritório, as conversas infinitas, os desabafos, os lanches da


tarde, os conselhos e a preocupação de sempre.

Agradeço ao Luís Carlos o carinho, a parceria, a paciência nas inúmeras leituras de texto e o
apoio ao longo do curso, deste trabalho e do dia a dia.

Agradeço à minha mãe, Regina, e à minha irmã, Letícia, o amor, a confiança e a compreensão
de sempre. Obrigada por serem minhas companheiras de vida.

iv
FICHA CATALOGRÁFICA

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GONÇALVES, I. T. (2020). A Abertura do Mercado de Gás Natural no Brasil: Concorrência,
Regulação e Competência. Monografia Final de Curso, Faculdade de Direito, Universidade de
Brasília, Brasília, DF, 54 p.

v
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1

CAPÍTULO I
HISTÓRICO DO MERCADO DE GÁS NATURAL NO BRASIL E ABERTURA
COMERCIAL ............................................................................................................. 4
1.1. EXPLORAÇÃO DO GÁS NATURAL NO BRASIL ........................................... 4
1.2. ABERTURA DO MERCADO DE GÁS NATURAL ........................................... 6

CAPÍTULO II
CRÍTICAS AO TCC DA PETROBRAS: EMBATES ENTRE REGULAÇÃO E
CONCORRÊNCIA ................................................................................................... 11
2.1. INVESTIGAÇÕES DO CADE QUE RESULTARAM NO TCC ....................... 11
2.1.1. Comgás x Petrobras: investigação de suposta discriminação de preços .... 11
2.1.2. Abegás x Petrobras: investigação de suposto abuso de posição dominante
.............................................................................................................................. 14
2.2. TERMOS DO TCC CELEBRADO PELA PETROBRAS .................................. 16
2.3. CRÍTICAS AO ACORDO CELEBRADO .......................................................... 19
2.4. LIMITES À COMPETÊNCIA DO CADE EM SETORES REGULADOS ....... 24
2.4.1. Regulação e Concorrência: origem e distinções ....................................... 24
2.4.2. Conflitos entre Regulação e Concorrência: a Primary Jurisdiction Doctrine
............................................................................................................................. 27
2.4.3. A Primary Jurisdiction Doctrine e o TCC da Petrobras ........................... 31

CAPÍTULO III
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO E O MERCADO DE GÁS NATURAL
..................................................................................................................................... 36
3.1. REGULAÇÃO E POLÍTICA REGULATÓRIA ................................................. 36
3.1.1. Histórico da atividade regulatória ............................................................. 38
3.1.2. Política regulatória .................................................................................... 41
3.2. PRESSUPOSTOS DA TEORIA SOCIAL DA REGULAÇÃO E DA TEORIA
INSTITUCIONAL DA REGULAÇÃO ...................................................................... 42
3.3. REGULAÇÃO NO SETOR DE GÁS NATURAL ............................................. 43

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 50


ANEXO A – VOTO RELATOR NO PA Nº 08700.002600/2014-30
ANEXO B – TCC DA PETROBRAS

vi
Resumo
No contexto da abertura do mercado brasileiro de gás natural, pauta atualmente relevante para
promover a concorrência no setor energético brasileiro, verifica-se que o Termo de
Compromisso de Cessação (TCC) celebrado entre a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) e o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em 2019 representou alteração
expressiva na estrutura do mercado, ao estabelecer uma série de desinvestimentos e obrigações
comportamentais à Petrobras. Diante disso, o presente trabalho visa discutir a competência do
CADE para reformular substancialmente estruturas de mercado e as possíveis consequências
do TCC celebrado para o mercado de gás natural. Para tanto, analisam-se o histórico econômico
e normativo do setor de gás natural no Brasil, os termos do TCC, a competência para a definição
de políticas regulatórias e soluções teóricas para possíveis conflitos entre regulação setorial e
concorrência. A partir disso, conclui-se (i) que o referido acordo extrapola os limites de atuação
da autoridade concorrencial brasileira no mercado de gás natural, com base na Primary
Jurisdiction Doctrine; e (ii) que intervenções estruturais de grande impacto para o mercado
devem ser realizadas pelas respectivas autoridades regulatórias, as quais, segundo os
pressupostos da Teoria Social da Regulação e da Teoria Institucional da Regulação, não
consideram apenas embates entre atores privados quando de sua atuação, mas buscam atender
ao melhor interesse público, estabelecendo estratégias e políticas bem definidas.

Palavras-chaves: gás natural; desverticalização; abertura do mercado de gás natural;


concorrência e regulação setorial; TCC da Petrobras; Primary Jurisdiction Doctrine;
competência; política regulatória.

vii
Abstract
In the context of the recent opening of the Brazilian natural gas market, which is presently
relevant to increase competition in the Brazilian energy sector, the settlement agreement (TCC)
entered into between Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) and the Administrative Council for
Economic Defense (CADE) in 2019 represented a significant change in the market structure,
by establishing multiple divestments and behavioral obligations to Petrobras. Considering these
events, this paper aims to discuss CADE's jurisdiction to substantially redesign market
structures and the possible consequences of the TCC matter regarding the natural gas market.
This paper shall also analyze the economic and normative history of the natural gas market in
Brazil, the TCC’s terms and conditions and which authority has jurisdiction to define regulatory
policies and theoretical solutions for eventual conflicts between sectoral regulation and
competition. Finally, this paper reaches the conclusion that (i) according to the Primary
Jurisdiction Doctrine, the TCC’s terms and conditions exceed CADE’s power to interfere in the
natural gas market and (ii) structural interventions of great impact to the market must be
implemented by the respective regulatory authorities, which, according to the assumptions of
the Social Regulation Theory and the Institutional Regulation Theory, consider not only
conflicts between private parties, but seek to serve the public interest by establishing well-
defined strategies and policies.

Keywords: natural gas; vertical disintegration; opening of the natural gas market; competition
and sectoral regulation; Petrobras TCC; Primary Jurisdiction Doctrine; jurisdiction; regulatory
policy.

viii
Lista de Acrônimos

Abegás Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado


ACC Acordo em Controle de Concentrações
ANP Agência Nacional do Petróleo
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CDL Companhia Distribuidora Local
CNP Conselho Nacional do Petróleo
CNPE Conselho Nacional de Política Energética
Comgás Companhia de Gás de São Paulo
DEE Departamento de Estudos Econômicos
DNC Departamento Nacional de Combustíveis
EPE Empresa de Pesquisa Energética
GBD Gás Brasiliano Distribuidora S.A.
GNL Gás Natural Liquefeito
MME Ministério de Minas e Energia
MPF Ministério Público Federal
NPP Nova Política de Preços
NTS Nova Transportadora do Sudeste S.A.
PA Processo Administrativo
PIB Produto Interno Bruto
PROCADE Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE
RICADE Regimento Interno do CADE
SBDC Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
SDE Secretaria de Direito Econômico
Seae Secretaria de Acompanhamento Econômico
SG Superintendência-Geral do CADE
SIM Superintendência de Infraestrutura e Movimentação
TAG Transportadora Associada de Gás S.A.
TBG Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A.
TCC Termo de Compromisso de Cessação
TCQ Transportation Capacity Quantity

ix
INTRODUÇÃO

O gás natural consiste em mistura de derivados de combustíveis fósseis;


especificamente, segundo a Lei nº 9.478/1997, trata-se de todo hidrocarboneto que permaneça
em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de
reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, incluindo gases úmidos, secos, residuais e gases raros.
Embora existam registros de seu uso econômico já no século XVIII na China, a inserção
do gás natural no cenário mundial como atividade econômica se deu no início do século XX,
quando as técnicas de construção de gasodutos evoluíram, permitindo o transporte de grandes
volumes a longas distâncias. O uso do gás natural como fonte de suprimento energético,
contudo, se desenvolveu principalmente após a crise do petróleo no Oriente Médio na década
de 1970, quando as grandes potências passaram a diversificar seus suprimentos de energia.
Desde então, o gás natural passou a ser utilizado em grande escala por vários países, como
Estados Unidos, Canadá, Japão além da grande maioria dos países Europeus.
No Brasil, a utilização do gás natural teve início por volta de 1940, com as descobertas
de óleo e gás na Bahia, e se ampliou na década de 1980 com a exploração da Bahia de Campos,
no estado do Rio de Janeiro, e posteriormente com o fim do gasoduto Brasil-Bolívia (GasBol).
A partir disso, sua importância aumentou bastante, sendo que em 2018 já representava 12,9%
da matriz energética brasileira (EPE, 2018, p. 21).
O mercado de gás natural é, portanto, um segmento altamente estratégico para o país,
haja vista a utilização de seu produto como insumo em processos de combustão para geração
de energia, calor e frio, na cadeia produtiva de diversas indústrias, como a siderúrgica e a
petroquímica e na produção de combustíveis, fertilizantes e vidros (LOSS, 2007, p. 60). Trata-
se de setor regulado, em que o acompanhamento, a contratação e a fiscalização das atividades
econômicas são de responsabilidade da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o
assessoramento do Presidente da República para definição de políticas e diretrizes de energia,
de competência do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
No contexto da agenda de privatizações do atual governo federal, a abertura do mercado
de gás natural consiste em pauta relevante, cujo objetivo é formar um mercado aberto, dinâmico
e competitivo, bem como promover condições para a redução do preço do gás natural. Trata-se
de mudança significativa no setor, que, até o ano de 1995, estava sob monopólio constitucional
da Petrobras por opção do legislador constituinte.

1
Após a Emenda Constitucional nº 9, que flexibilizou o monopólio da União,
constituindo avanço jurídico expressivo, diversas medidas foram aprovadas, sem, contudo,
promover alteração significativa na dinâmica da indústria de gás natural durante anos. Em 2018,
por meio do Decreto nº 9.616/2018, o governo buscou promover o acesso de terceiros à
infraestrutura e desverticalizar as atividades de transporte das demais da cadeia de gás natural,
visando à abertura de mercado. Todavia, foi o Termo de Compromisso de Cessação (TCC)
celebrado pela Petrobras com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em
2019 que representou alteração mais expressiva na estrutura do mercado, ao estabelecer uma
série de desinvestimentos e obrigações comportamentais.
O presente trabalho se insere, portanto, no contexto das referidas mudanças econômicas
e políticas no mercado de gás natural. O objetivo é precisamente analisar (i) em que medida
está o CADE autorizado a reformular substantivamente a estrutura de mercado, (ii) de quem é
a competência para impor tais medidas e (iii) quais as possíveis consequências do acordo
celebrado para o mercado de gás natural. A pesquisa se justifica à medida que (i) o debate
acadêmico brasileiro sobre o tema é incipiente, por se tratar de assunto muito recente; (ii) a
definição da competência administrativa para a estruturação e a regulação de mercados é fator
relevante para a própria eficiência das políticas econômicas; (iii) o mercado de gás natural é
setor econômico estrategicamente importante para o país.
A discussão proposta é amparada, por um lado, pela Primary Jurisdiction Doctrine,
teoria que diz respeito a um mecanismo de solução de conflitos em casos em que a autoridade
antitruste tem competência para atuar em um mercado regulado. Nessas situações, a Primary
Jurisdiction defende certa deferência à agência reguladora por parte da autoridade antitruste,
principalmente quando há fatos complexos e a agência reguladora está em uma posição melhor
para avaliar a situação como um todo (HOVENKAMP, 2016, p. 956).
Por outro lado, também se utilizam os pressupostos da Teoria Social da Regulação,
cujos principais representantes são Robert Stewart e Cass Sunstein, e da Teoria Institucional da
Regulação. Isso porque ambas compreendem a regulação como um fenômeno jurídico mais
amplo que a simples resolução pontual de conflitos entre atores econômicos, envolvendo a
produção de estratégias jurídicas de comando de setores regulados e a possibilidade de tomada
de decisões regulatórias em prol do interesse público (STEWART, 1988), para a primeira, e da
materialização de direitos fundamentais, para a segunda.

2
Com base nisso, busca-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: qual a relação (i)
entre a Primary Jurisdiction Doctrine e a atuação do CADE relativa ao TCC celebrado com a
Petrobras e (ii) entre os pressupostos da Teoria Social da Regulação e da Teoria Institucional
da Regulação e a política regulatória do governo brasileiro em relação ao mercado de gás
natural?
A hipótese delineada é a de que (i) o TCC celebrado com Petrobras extrapola a
competência do CADE quanto a sua possibilidade de atuação no mercado de gás natural, em
oposição ao que prevê a Primary Jurisdiction Doctrine, e (ii) o governo brasileiro, ao regular o
mercado de gás natural, não considera apenas embates entre atores privados, mas busca atender
ao melhor interesse público, conforme pressupõem a Teoria Social da Regulação e a Teoria
Institucional da Regulação, estabelecendo, para tanto, estratégias e políticas bem definidas.
Ressalta-se, contudo, que o presente estudo não tem por objetivo valorar a política de
abertura do mercado de gás natural ou avaliar substantivamente as decisões que levaram ao
referido cenário, tampouco tem a pretensão de afirmar que todas as ações do governo brasileiro
no contexto do mercado de gás natural são ou foram pautadas pelo melhor interesse público.
Também não se visa discutir de forma aprofundada as ideias da Teoria Social da Regulação e
da Teoria Institucional da Regulação como pensamentos produzidos em contexto e local
específicos, mas sim abordar seus pressupostos enquanto teses substantivas extremamente
relevantes para a compreensão da teoria jurídica da regulação como um todo. De outro modo,
pretende-se, assim, avaliar a competência para a redefinição da estrutura do segmento de gás
natural e os elementos que compõem o processo de tomada de decisões de forma ampla no
âmbito regulatório.
Para tanto, este trabalho se divide em três capítulos: (i) no primeiro, aborda-se o
histórico do mercado de gás natural no Brasil, desde a instituição do monopólio da indústria até
as recentes mudanças legislativas e administrativas em prol da abertura comercial do mercado;
(ii) o segundo tem por objetivo apresentar as críticas ao TCC celebrado entre Petrobras e CADE
enquanto um dos fatores centrais de promoção da abertura do mercado de gás natural,
analisando-se a competência da autoridade concorrencial para promover tal intervenção; (iii)
por fim, o terceiro capítulo busca definir o papel da regulação e a competência para a definição
de políticas regulatórias de forma ampla, apresentando os pressupostos da teoria jurídica da
regulação.

3
CAPÍTULO I:
HISTÓRICO DO MERCADO DE GÁS NATURAL NO BRASIL E ABERTURA
COMERCIAL

O objetivo deste capítulo é apresentar o histórico do mercado de gás natural no Brasil,


desde a instituição do monopólio da indústria, passando por sua extinção, até as recentes
mudanças legislativas e administrativas em prol da abertura comercial do mercado. O
entendimento acerca da evolução do setor é relevante à medida que apresenta a dinâmica do
mercado e suas mudanças recentes, contextualizando a celebração do acordo entre CADE e
Petrobras, aspecto central deste trabalho.
Para tanto, divide-se o capítulo em duas partes: (i) a primeira compreende o início da
exploração de gás natural no Brasil, a formação do monopólio sobre o insumo e sua posterior
flexibilização; e (ii) a segunda aborda uma nova fase de mercado, incluindo as recentes
iniciativas em prol da abertura do setor de gás e o lançamento do Programa Novo Mercado de
Gás em 2019.

1.1. EXPLORAÇÃO DO GÁS NATURAL NO BRASIL

A exploração do gás natural no Brasil se iniciou na década de 1940, a partir da


descoberta de óleo e gás no Recôncavo Baiano. Nesse período, anterior à criação da Petrobras,
empresas privadas brasileiras, autorizadas pelo Conselho Nacional do Petróleo, podiam
explorar o insumo. Em 1953, contudo, a Lei nº 2.004 determinou o monopólio da União sobre
(i) a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros
existentes no território nacional; (ii) o refino do petróleo nacional ou estrangeiro; e (iii) o
transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo
produzidos no país, e o transporte, por meio de condutos, de petróleo bruto e seus derivados,
assim como de gases raros de qualquer origem1.
Na prática, o advento da referida lei representou a consolidação do monopólio da
Petrobras, que produzia o gás e vendia diretamente a consumidores finais, embora nessa época
a participação do gás natural na matriz energética nacional fosse inferior a 1%. Na década de
1980, contudo, a descoberta das reservas petrolíferas e gaseíferas na Bacia de Campos, com

1
Lei nº 2.004/1953, Art. 1º.
4
grande potencial de exploração, constituiu marco importante para o aumento do consumo de
gás natural no país.
Em 1988, a promulgação da nova Constituição produziu diversas mudanças no setor,
incluindo a determinação de que caberia aos Estados da Federação “explorar diretamente, ou
mediante concessão, a empresa estatal, com exclusividade de distribuição, os serviços locais do
gás canalizado”2. Não sendo mais permitida à Petrobras a venda direta a consumidores finais,
essa passou a manter participação societária em quase todas as empresas de distribuição, a fim
de se manter presente no segmento de mercado.
Com o advento das Emendas Constitucionais nº 5 e nº 9, em 1995, foi autorizada (i) a
concessão, pelos Estados, dos serviços de gás canalizado a empresas privadas e (ii) a
contratação, pela União, de atividades do setor de óleo e gás junto a empresas privadas, como
pesquisa, lavra de jazidas de gás e seu transporte por meio de dutos (ANP, 2019). Tais mudanças
representaram avanço jurídico significativo, haja vista a permissão constitucional para a atuação
de agentes privados na indústria de gás natural.
Posteriormente, a Lei nº 9.478/1997 (Lei do Petróleo) revogou a Lei nº 2.004/1953 e
promoveu enfim a flexibilização infraconstitucional do monopólio da Petrobras, ratificando a
propriedade da União sobre os depósitos de petróleo e gás, estabelecendo os princípios da
política energética e criando o CNPE, a ANP e as normas para participação de outras empresas
no setor.
Dentre as competências atribuídas ao CNPE, destacam-se: (i) estabelecer diretrizes para
programas específicos, como os de uso do gás natural, do carvão, da energia termonuclear, dos
biocombustíveis, da energia solar, da energia eólica e da energia proveniente de outras fontes
alternativas; (ii) estabelecer diretrizes para o uso de gás natural como matéria-prima em
processos produtivos industriais, mediante a regulamentação de condições e critérios
específicos, que visem a sua utilização eficiente e compatível com os mercados interno e
externos; (iii) definir a estratégia e a política de desenvolvimento econômico e tecnológico da
indústria de petróleo, de gás natural, de outros hidrocarbonetos fluidos e de biocombustíveis,
bem como da sua cadeia de suprimento3.
Referida legislação determinou ainda a competência da ANP para regular, contratar e
fiscalizar as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo e gás, cabendo-lhe: (i)
implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e

2
Constituição Federal de 1988, Art. 25, §2º (redação original).
3
Lei nº 9.478/1997, Art. 2º.
5
biocombustíveis, contida na política energética nacional; (ii) fiscalizar as atividades integrantes
da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar as sanções
administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato; (iii) estimular a
pesquisa e a adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino e
processamento; (iv) articular-se com os outros órgãos reguladores do setor energético sobre
matérias de interesse comum, inclusive para efeito de apoio técnico ao CNPE; (v) regular e
fiscalizar o exercício da atividade de estocagem de gás natural, inclusive no que se refere ao
direito de acesso de terceiros às instalações concedidas; e (vi) regular e fiscalizar o acesso à
capacidade dos gasodutos4.
Segundo dados levantados pela ANP, o novo regime regulador promoveu o crescimento
da produção de gás natural, que passou de 29,6 milhões de metros cúbicos por dia em 1998 para
63 milhões no final de 2010. Antes uma fonte residual de energia, o gás natural passou a ter
cerca de 10% de participação na matriz energética brasileira em 2011, tendo o setor de óleo e
gás crescido mais de 300% nesse período e passado a responder por cerca de 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) do país (OLIVEIRA, 2013).

1.2. ABERTURA DO MERCADO DE GÁS NATURAL

A despeito do crescimento da indústria e da atuação de empresas multinacionais nos


segmentos flexibilizados na década de 1990, não houve até o momento mudança significativa
na dinâmica do setor. Decorridas duas décadas desde as alterações legislativas, a Petrobras
permanece como (i) monopolista no fornecimento de gás natural, sendo a única vendedora
atacadista para clientes industriais, companhias distribuidoras locais e usinas termelétricas, e
(ii) monopsonista em relação a quase todos os produtores de gás, já que adquire quase a
totalidade da produção interna de seus concorrentes (ANP/SIM, 2018, p. 26)5.
Nos últimos anos, contudo, foram implementadas algumas medidas para a promoção de
um mercado competitivo, como (i) a política de desinvestimentos de ativos da Petrobras
relativos ao setor de gás natural; (ii) a criação do programa Gás para Crescer; (iii) a edição do
Decreto nº 9.616/2018, que atualizou a regulamentação da Lei do Gás; (iv) a edição da
Resolução 16/2019 pelo Conselho Nacional de Política Energética, visando ao aperfeiçoamento
de políticas energéticas voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás natural;

4
Lei nº 9.478/1997, Art. 8º.
5
Disponível em: http://www.anp.gov.br/images/central-de-conteudo/notas-estudos-tecnicos/notas-tecnicas/nota-
tecnica-14-2018-sim.pdf. Acesso: 22 de agosto de 2019.
6
e (v) a celebração de Termo de Compromisso de Cessação entre o CADE e a Petrobras
(MOTTA, 2020, p. 66). Tais acontecimentos serão expostos com mais detalhes a seguir.
Em 2015, a Petrobras iniciou um processo de desinvestimento de alguns ativos do setor
de gás natural e redução de sua participação no mercado, o que representou uma oportunidade
para a revisão do marco legal e regulatório setorial. Diante disso, em junho de 2016, foi lançada
a iniciativa Gás para Crescer, cujo objetivo era estudar e elaborar propostas para manter o
adequado funcionamento do setor e aprimorar o arcabouço normativo do mercado de gás diante
de um cenário de redução da participação da Petrobras (DGN/MME). Para tanto, o programa
contou com a participação de agentes da indústria do gás natural, órgãos governamentais,
sociedade civil e universidades nas discussões.
Tal iniciativa representou uma oportunidade de diversificação dos agentes do setor e
aumento da competição, uma vez que já antecipava a redução da presença da Petrobras na
cadeia produtiva. Órgãos e entidades do governo federal passaram a monitorar continuamente
o mercado de gás natural, com a participação ativa de diversas associações e empresas nas
discussões propostas, trocando experiências no estudo de ineficiências e problemas do setor
para delinear soluções adequadas.
Nessa linha, o CNPE publicou a Resolução nº 10/2016, que estabeleceu as diretrizes
estratégicas para o desenho do novo mercado de gás natural e criou o Comitê Técnico para o
Desenvolvimento da Indústria do Gás Natural no Brasil, visando à formação de um mercado
competitivo. Tais medidas tinham por objetivo (i) garantir a transição gradual e segura para a
manutenção do adequado funcionamento do setor de gás natural e (ii) avaliar a possibilidade de
aceleração da transição.
Dentre as diretrizes fixadas pela referida resolução, é possível citar (i) a remoção de
barreiras econômicas e regulatórias às atividades de exploração e produção de gás natural; (ii)
o reforço da separação entre as atividades potencialmente concorrenciais, produção e
comercialização de gás natural, das atividades monopolísticas, transporte e distribuição; (iii) o
aumento da transparência em relação à formação de preços e a características, capacidades e
uso de infraestruturas acessíveis a terceiros; (iv) a concessão de incentivos à redução dos custos
de transação da cadeia de gás natural e ao aumento da liquidez no mercado, contribuindo para
uma maior dinamização do setor; e (v) a promoção do acesso não discriminatório de terceiros
aos gasodutos de escoamento, Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) e
Terminais de Regaseificação6.

6
Resolução nº 10/2016, Art. 2º.
7
Sendo a clara a intenção do governo de promover a abertura do mercado de gás natural,
foi editado posteriormente o Decreto nº 9.616/2018, que atualizou o decreto regulamentador da
Lei nº 11.909/2009 (Lei do Gás) de acordo com as diretrizes estabelecidas pela iniciativa Gás
para Crescer.
Conforme consta de sua exposição de motivos7, as principais alterações podem ser
consolidadas em cinco aspectos: (i) simplificação do processo de expansão das malhas de
gasodutos, visando à maior dinamicidade e à melhor distribuição de responsabilidade entre os
atores no processo de planejamento; (ii) introdução do sistema de entradas e saídas para
transporte de gás natural, possibilitando que a negociação do gás natural ocorra dentro da malha,
independentemente de sua localização física; (iii) promoção da desverticalização entre as
atividades de transporte de gás natural e as demais da cadeia; (iv) acesso de terceiros aos
gasodutos de escoamento, às unidades de processamento de gás natural, aos terminais de gás
natural liquefeito (GNL) e às instalações de estocagem; e (v) tentativa de harmonização entre
regulações das esferas federal e estadual (MOTTA, 2020, p. 73).
Em 2019, com a posse do novo presidente da Petrobras, alinhado a essas diretrizes, a
empresa passou a ter maior foco na exploração e produção de petróleo. A nova gestão se
mostrou contra a manutenção do monopólio no setor de gás natural e a favor da abertura
comercial em prol do crescimento econômico e da formação de um mercado competitivo,
incentivando, portanto, mudanças legislativas e regulatórias e a venda de ativos para a iniciativa
privada8.
No mesmo ano, foi instituído, por meio da Resolução CNPE nº 4, o Comitê de Promoção
da Concorrência do Mercado de Gás Natural no Brasil, com competência para propor medidas
de estímulo à concorrência no mercado de gás natural, encaminhar ao CNPE recomendações
de diretrizes e aperfeiçoamentos de políticas energéticas orientadas à promoção da livre
concorrência no setor e propor ações a entes federativos para a promoção de boas políticas
regulatórias. Como resultado das propostas apresentadas pelo referido comitê, o CNPE aprovou
novo ato normativo, a Resolução nº 16/2019 (CMGN/MME, 2019).
Tal resolução estabelece diretrizes de política energética voltadas a promover a
concorrência no mercado de gás natural, definindo como deve ser a transição para um mercado
concorrencial e estabelecendo, como de interesse da política energética nacional, medidas

7
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Exm/Exm-Dec-9616-18.pdf.
Acesso: 2 de maio de 2020.
8
Ver o discurso de posse do presidente Castello Branco. Disponível em:
https://www.agenciapetrobras.com.br/upload/documentos/apresentacao_g8yEY2Z7uU.pdf. Acesso em: 3 de maio
de 2020.
8
estruturais e comportamentais a serem observadas pelo agente de posição dominante no setor
de gás natural, a Petrobras.
De forma sintética, o CNPE dispõe que a transição para um mercado competitivo de
gás natural deve ocorrer mediante (i) a criação de condições para ampliação do acesso e do
aumento da eficiência na operação e na utilização das infraestruturas de transporte de gás
natural; (ii) a promoção da independência dos transportadores de gás natural para eliminar
potenciais conflitos de interesse e garantir a oferta ampla e não discriminatória de serviços de
transporte; (iii) a restrição de operações entre comercializadores de gás natural e
concessionárias de distribuição de gás canalizado que sejam partes relacionadas, isto é, do
mesmo grupo econômico; (iv) o aumento da transparência quanto ao teor dos contratos de
compra e venda de gás natural para o atendimento do mercado cativo e quanto às regras para o
acesso negociado e não discriminatório às infraestruturas de escoamento e processamento de
gás natural; (v) a alienação total das ações que a Petrobras detém, direta ou indiretamente, nas
empresas de transporte e distribuição de gás natural; e (vi) a promoção de programa de venda
de gás natural por meio de leilões e a remoção de barreiras para que os próprios agentes
produtores comercializem o gás que produzem9.
Há ainda orientações direcionadas aos entes federativos, quais sejam: (i) o aumento da
transparência do teor dos contratos de compra e venda de gás natural para atendimento do
mercado cativo; (ii) a aquisição de gás natural pelas distribuidoras estaduais de forma
transparente e que permita ampla participação de todos os ofertantes; (iii) maior transparência
na metodologia de cálculo tarifário e na definição dos componentes na tarifa, (iv) a adoção de
metodologia objetiva de cálculo tarifário, que dê os corretos incentivos econômicos aos
investimentos e à operação eficiente das redes; e (v) a privatização das concessionárias
estaduais de serviço local de gás canalizado, isto é, das Companhias Distribuidoras Locais10
(CDLs)11.
O ato normativo também recomenda ao Ministério de Minas e Energia (MME), em
articulação com o Ministério da Economia, a ANP e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE),
a criação de condições para facilitar a participação de empresas privadas na oferta do gás
importado da Bolívia12. Além disso, prevê que essas mesmas entidades, em conjunto com o
CADE, monitorem a implementação das ações necessárias à abertura do mercado de gás

9
Resolução CNPE nº 16/2019, Art. 2º.
10
Trata-se de sociedades empresárias que fornecem serviço de gás canalizado aos seus consumidores, que podem
ser indústrias, comércios ou residências.
11
Resolução CNPE nº 16/2019, Art. 5º.
12
Resolução CNPE nº 16/2019, Art. 6º.
9
natural, propondo medidas adicionais e complementares ao CNPE, caso necessário13.
Em 23 de julho de 2019, ocorreu o lançamento oficial do Programa Novo Mercado de
Gás pelo Presidente da República, em que foi proposta a criação do Comitê de Monitoramento
da Abertura do Mercado de Gás Natural, instituída pelo Decreto nº 9.934/2019, com a finalidade
de monitorar a implementação das ações necessárias à abertura do mercado de gás natural e
propor ao CNPE eventuais medidas complementares.
Referido programa visa implementar as medidas necessárias ao desenho do novo
mercado de gás natural, com foco em normas infralegais e em uma estratégia negocial em
relação aos estados e aos agentes dominantes do mercado, sem abandonar a importância de
alterações legislativas para a concretização do projeto. Assim, o Programa Novo Mercado de
Gás tem como pilares (i) a promoção da concorrência, (ii) a harmonização das regulações
estaduais e federal, (iii) a integração do setor de gás com os setores elétrico e industrial, e (iv)
a remoção de barreiras tributárias. (CMGN/MME, 2019).
É nesse contexto de abertura de mercado, portanto, que se deu a assinatura do TCC da
Petrobras com o CADE, duas semanas após a publicação da Resolução CNPE nº 16/2019.
Referido acordo previu uma série de desinvestimentos, compromissos comportamentais e
questões de governança corporativa muito alinhados às recomendações do CNPE, sendo talvez
a medida mais enérgica pela abertura do setor até o momento, o que será abordado com maior
profundidade no capítulo seguinte.

13
Resolução CNPE nº 16/2019, Art. 8º.
10
CAPÍTULO II:
CRÍTICAS AO TCC DA PETROBRAS: EMBATES ENTRE REGULAÇÃO E
CONCORRÊNCIA

O segundo capítulo visa apresentar as críticas ao Termo de Compromisso de Cessação


celebrado entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, já mencionado
no capítulo anterior como um dos fatores centrais de promoção da abertura do mercado de gás
natural. Especificamente, serão abordados os termos do acordo, a adequação do instrumento
utilizado e, principalmente, a falta de competência do CADE para intervir de forma acentuada
em políticas regulatórias definidas por sucessivos governos durante anos, evidenciando o
debate sobre limites entre regulação e concorrência.
Tal discussão é relevante para este trabalho, porquanto permite compreender as
previsões do acordo e responder aos questionamentos propostos acerca da competência do
CADE para reformular substantivamente a estrutura de mercado e das possíveis consequências
do acordo celebrado para o mercado de gás natural. A fim de cumprir esse objetivo, divide-se
o presente capítulo em quatro partes: (i) a primeira aborda as investigações que deram origem
à celebração do TCC, esclarecendo o contexto em que foi assinado; (ii) a segunda trata dos
termos do acordo em si, explicitando as obrigações nele previstas; (iii) a terceira compreende
as críticas feitas ao acordo; e (iv) a quarta discute os limites da competência do CADE em
relação ao gás natural enquanto setor regulado à luz da Primary Jurisdiction Doctrine.

2.1. INVESTIGAÇÕES DO CADE QUE RESULTARAM NO TCC

O TCC celebrado entre CADE e Petrobras, no dia 8 de julho de 2019, encerrou duas
investigações sobre abuso de posição dominante no mercado de gás natural, as quais serão
detalhadas abaixo.

2.1.1. Comgás x Petrobras: investigação de suposta discriminação de preços

A primeira investigação se refere a processo administrativo14 instaurado por denúncia


da Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) em face da Petrobras, cujo objeto era suposta
discriminação anticompetitiva no fornecimento de gás natural às distribuidoras de gás

14
Processo Administrativo nº 08700.002600/2014-30.
11
canalizado não integradas ao Sistema Petrobras, em virtude da Nova Política de Preços (NPP)
da estatal, no período entre maio de 2011 e setembro de 2015.
Segundo a Comgás, a Petrobras teria aplicado descontos unilaterais no preço do gás
natural adquirido pela Gás Brasiliano Distribuidora S.A. (GBD), companhia que integra o grupo
econômico da Petrobras, em detrimento das demais distribuidoras. Isso porque a GBD possuía
contratos na modalidade NPP, que substituiu a modalidade Transportation Capacity Quantity
(TCQ), conforme será explicado abaixo.
Até 2007, havia duas formas de uma distribuidora adquirir gás natural: (i) alguns estados
eram abastecidos pelo gasoduto Bolívia-Brasil e contratavam o produto tendo por base o preço
do gás boliviano (contratos TCQ), enquanto (ii) outros estados eram abastecidos pelos demais
gasodutos ao preço do gás nacional (contratos de gás nacional). Nesse sentido, havia dois
modelos de contratos distintos, cuja utilização dependia da localização geográfica da
distribuidora local e cujos preços se relacionavam às diferenças nos custos de produção
(SG/CADE, 2016)15.
A partir de 2007, a Petrobras optou por unificar sua política comercial para as
distribuidoras sob uma modalidade contratual única, denominada Nova Política de Preços
(NPP), que representou mudança significativa na precificação. Antes, a fórmula de cálculo dos
preços era composta por duas variáveis: uma referente ao custo da molécula de gás, e outra
relativa ao custo do transporte. Assim, a diferença no preço repassado às distribuidoras refletia
a distância percorrida pelo gás, estando atrelada à sua origem (boliviano ou nacional).
O advento da NPP, contudo, ocorreu simultaneamente aos esforços de integração da
malha dutoviária nacional de transporte pela Petrobrás e à construção de terminais de
importação de gás natural liquefeito (GNL) com estações de regaseificação na costa brasileira.
Com isso, a oferta de gás canalizado passou a ser organizada segundo uma lógica postal, em
que os estados localizados a distâncias maiores das regiões produtoras e/ou importadoras teriam
o custo de transporte subsidiado. A fórmula passou a ser composta por uma parcela variável e
uma parcela fixa, as quais seriam mais flexíveis e, portanto, permitiriam a implementação da
política postal de preços. Assim, ao mesmo tempo que a NPP possibilitou maior flexibilidade
na precificação, também a tornou menos transparente, por não mencionar as variáveis
utilizadas.

15
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZE
FhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yPNifv2SSmeYbiYXhI9nM0cdHf5tZ8BlsLWGH-UgVGe1zE9-
0bARFFscWtr1-sb8wvm6ajgG0Y8iif4icMYCGrI>. Acesso em 16 de maio de 2020.
12
À época, as distribuidoras que já possuíam contratos em vigor com a Petrobras teriam
de esperar o encerramento do prazo de vigência ou rescindi-los para migrar o volume já
contratado para o novo modelo. No caso concreto, a Comgás celebrou um contrato TCQ de
longo prazo com a Petrobras em 1996, com vigência até 2019, e posteriormente contratou
volume adicional com a Petrobras no formato NPP. Dessa forma, o preço final da Comgás, à
época da conduta, seria uma combinação entre os contratos NPP e TCQ. A GBD, por sua vez,
já contratava todo seu fornecimento de gás por meio da NPP desde dezembro de 2012
(SG/CADE, 2016).
Nesse contexto, a Comgás alegou que a Petrobras teria iniciado, em 2011, uma política
de descontos somente nos contratos NPP, beneficiando distribuidoras verticalmente integradas
para as quais a NPP teria maior peso na composição dos preços, em especial a GBD. Em razão
disso, o preço da Comgás estaria mais alto que o das distribuidoras integradas da mesma região
(São Paulo) sem justificativa legítima, o que supostamente estaria lhe causando prejuízo. A
mencionada política foi finalizada em 2015.
Após a instrução processual, a Superintendência-Geral (SG) do CADE emitiu nota
técnica opinando pela condenação por discriminação anticompetitiva. Em síntese, entendeu-se
que (i) devido ao monopólio da Petrobras upstream e à verticalização no downstream, seria
plausível supor que existem incentivos à discriminação por parte da empresa; (ii) o preço de
aquisição do gás é repassado diretamente ao consumidor final por força de regulação, de modo
que a oferta do insumo pela Comgás a um preço mais elevado poderia prejudicar sua
competitividade; (iii) embora o escopo territorial da atuação da Comgás e da GBD seja distinto,
há uma competição potencial entre as concessionárias no momento de convencer um potencial
cliente a se instalar em uma região ou outra; (iv) apesar de os dados do caso concreto não
indicarem a ocorrência de prejuízo efetivo à Comgás, é suficiente a possibilidade de dano para
a configuração de infração contra a ordem econômica. Os pareceres da Procuradoria Federal
Especializada junto ao CADE (PROCADE) e do Ministério Público Federal (MPF) se
alinharam às conclusões da SG.
Todavia, na 1ª Sessão Extraordinária de Julgamento do CADE, em 19 de junho de 2019,
o conselheiro relator Paulo Burnier proferiu voto com entendimento contrário. Diante das
evidências apresentadas aos autos, concluiu que (i) a Comgás foi a única CDL que apresentou
crescimento no estado de São Paulo no período considerado pela investigação, tendo aumento
de market share e de número de clientes; (ii) a Comgás esteve em situação mais vantajosa que
as demais concessionárias de gás natural, quando considerado o preço da combinação do gás

13
natural proveniente dos contratos NPP e TCQ; (iii) a conduta teve contornos limitados de
discriminação, considerando as particularidades dos regimes de precificação TCQ e NPP, bem
como as oportunidades oferecidas pela Petrobras à Comgás para migrar integralmente para o
regime NPP; (iv) a política de descontos da Petrobras foi aplicada indistintamente para os
contratos NPP, que possuem mecanismo de precificação próprio e diverso dos contratos TCQ;
(v) os incentivos para prática exclusionária são frágeis considerando as características de
monopólio natural presentes em diversos segmentos do setor e o fato de a Petrobras ser
dominante a montante não é suficiente para caracterizar exercício abusivo de poder de mercado;
(vi) ainda que a comprovação de efeitos anticompetitivos no mercado não seja exigida pela lei,
que permite a condenação pela simples potencialidade do dano, o ônus de comprovação mínima
de efeitos deve ser maior nas situações em que a conduta unilateral esteja bem delimitada no
tempo e encerrada no momento da apuração; (vii) a análise indicou a existência de eficiências
e justificativas para a prática investigada, tendo em vista o esforço de preservação da
competitividade do gás natural em um contexto de crise energética circunstancial16.
Na mesma sessão, o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do conselheiro
Maurício Oscar Bandeira Maia. O mérito do caso, contudo, não chegou a ser apreciado pelos
demais membros do Tribunal, visto que, segundo as informações disponíveis nos autos
públicos17, a Petrobras protocolou requerimento de TCC no dia 17 de junho de 2019, dois dias
antes de o conselheiro relator proferir seu voto.

2.1.2. Abegás x Petrobras: investigação de suposto abuso de posição dominante

A segunda investigação diz respeito a inquérito administrativo18 instaurado por


representação da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado
(Abegás), devido ao suposto exercício abusivo de posição dominante pela Petrobras, tratamento
discriminatório e falseamento à concorrência, referindo-se especialmente à decisão da Petrobras
de retirar descontos que vinham sendo concedidos de forma regular e ininterrupta sobre o preço
do gás natural por quatro anos. Em sua denúncia, a Abegás alegou a imposição de cláusulas
abusivas (take or pay e ship or pay19) pela Petrobras a determinadas CDLs, como forma de
discriminação às que não fossem parte do seu grupo econômico.

16
A íntegra do voto do conselheiro relator se encontra no Anexo A.
17
Requerimento de TCC nº 08700.003133/2019-71.
18
Inquérito Administrativo nº 08700.007130/2015-82.
19
Lei nº 10.312/2001: “Art. 1º (...)
14
A esse inquérito, foram apensados dois outros processos em tramitação no CADE: o
Inquérito Administrativo nº 08700.009007/2015-04 e a Petição nº 08700.003335/2018-31. O
primeiro foi instaurado por representação da Âmbar Energia Ltda., operadora da usina
termelétrica de Cuiabá (UTE-Cuiabá), que denunciou suposta prática anticoncorrencial de
recusa de contratação, discriminação anticompetitiva e impedimento de constituição e
funcionamento de entrante no mercado de energia elétrica a gás natural. Em síntese, a
representante alegou que Petrobras estaria exercendo de maneira abusiva sua posição
dominante no fornecimento de gás natural para discriminar a Âmbar na oferta do insumo ou,
ainda, para impedi-la de ter acesso a esse insumo essencial, utilizado para oferecer concorrência
à Petrobras na produção de energia elétrica.
Em 2018, contudo, a SG determinou o arquivamento do caso UTE-Cuiabá por não ter
encontrado quaisquer indícios de abuso ou discriminação por parte da representada na
pactuação das condições comerciais – verificou-se, ao contrário, que a rescisão do contrato de
fornecimento pela Petrobras se deu por violação de cláusula anticorrupção pela Âmbar
(SG/CADE, 2018).
Quanto ao segundo processo apensado, tratava-se de investigação proposta pelo
Presidente do CADE para apurar supostos abusos relacionados à discriminação injustificada e
à imposição de restrições a concorrentes e clientes, decorrentes da atuação da Petrobras no
fornecimento de gás natural no setor de energia.
O Inquérito Administrativo nº 08700.007130/2015-82, relativo à representação da
Abegás, não teve sua instrução processual concluída devido ao protocolo de requerimento de
TCC pela Petrobras. A despeito disso, o arquivamento do caso UTE-Cuiabá, que indicou a
ausência de ilícitos cometidos pela Petrobras no fornecimento de gás natural para o setor
termelétrico, bem como a constatação da ausência de discriminação às CDLs ou favorecimento
à GBD pelo conselheiro relator no caso Comgás consistem em indícios favoráveis à
representada, principalmente por haver considerável sobreposição dos fatos nos casos
mencionados.

§4º Entende-se por cláusula take or pay a disposição contratual segundo a qual a pessoa jurídica vendedora
compromete-se a fornecer, e o comprador compromete-se a adquirir, uma quantidade determinada de gás natural
canalizado, sendo este obrigado a pagar pela quantidade de gás que se compromete a adquirir, mesmo que não a
utilize.
§ 5º Entende-se por cláusula ship or pay a remuneração pela capacidade de transporte do gás, expressa em um
percentual do volume contratado”. (BRASIL, 2001)
15
2.2. TERMOS DO TCC CELEBRADO PELA PETROBRAS

O acordo celebrado com a Petrobras em julho de 2019 prevê, em síntese, obrigações de


três naturezas: estruturais, comportamentais e de governança corporativa. As obrigações
pactuadas devem ser monitoradas por um Trustee, que fornecerá ao CADE e à Petrobras
informações sobre a operação e a gestão dos ativos desinvestidos20.
Nos termos do TCC, a Petrobras se comprometeu a alienar (i) suas participações
societárias na Nova Transportadora do Sudeste S.A. (NTS), na Transportadora Associada de
Gás S.A. (TAG) e na Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG); e (ii) a
sua participação acionária em companhias distribuidoras, seja por meio da alienação de suas
ações na Gaspetro, seja por meio da alienação de sua participação indireta nas CDLs brasileiras,
respeitados os termos dos acordos de acionistas vigentes21. O prazo de fechamento das
operações é 31 de dezembro de 202122, sendo que a Petrobras poderá, motivadamente, solicitar
ao CADE a dilação, por um ano, do prazo de execução dos projetos de desinvestimento23.
Nos termos do TCC, enquanto não forem realizadas as alienações, a Petrobras deve, no
prazo de até seis meses contados da data de assinatura do acordo, indicar, para o Conselho de
Administração das referidas empresas de transporte e da Gaspetro, conselheiros
independentes24, com o objetivo de assegurar a desverticalização funcional das empresas. O

20
A íntegra da versão pública do acordo se encontra no Anexo B.
21
Cláusula 2.1.
22
Cláusula 2.1.3 (c).
23
Cláusula 2.9.1.
24
Cláusula 2.1.2.
Conforme definido pelo Regulamento do Novo Mercado da B3:
“Art. 16 O enquadramento do conselheiro independente deve considerar sua relação:
I - com a companhia, seu acionista controlador direto ou indireto e seus administradores; e
II - com as sociedades controladas, coligadas ou sob controle comum.
§1º Para os fins da verificação do enquadramento do conselheiro independente, não é considerado conselheiro
independente aquele que:
I - é acionista controlador direto ou indireto da companhia;
II - tem seu exercício de voto nas reuniões do conselho de administração vinculado por acordo de acionistas que
tenha por objeto matérias relacionadas à companhia;
III - é cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até segundo grau do acionista controlador, de
administrador da companhia ou de administrador do acionista controlador; e
IV - foi, nos últimos 3 (três) anos, empregado ou diretor da companhia ou do seu acionista controlador.
(...)
§3º Nas companhias com acionista controlador, os conselheiros eleitos mediante votação em separado serão
considerados independentes.
Art. 17 A caracterização do indicado ao conselho de administração como conselheiro independente será deliberada
pela assembleia geral, que poderá basear sua decisão:
I - na declaração, encaminhada pelo indicado a conselheiro independente ao conselho de administração, atestando
seu enquadramento em relação aos critérios de independência estabelecidos neste regulamento, contemplando a
respectiva justificativa, se verificada alguma das situações previstas no §2º do Art. 16; e
16
intuito dessa regra é, essencialmente, reduzir o poder de decisão da Petrobras nos elos da cadeia
produtiva de gás natural e, consequentemente, mitigar seu acesso a informações
concorrencialmente sensíveis da oferta de outros vendedores.
Além disso, até o final do processo de desinvestimento, a Petrobras deve (i) garantir que
os ativos a serem alienados sejam conduzidos segundo o curso ordinário, preservando ou
adotando medidas para a preservação de sua viabilidade econômica e competitividade, de
acordo com as boas práticas de negócios, e (ii) minimizar riscos de potencial perda de
competitividade. Para tanto, comprometeu-se especificamente a (i) não tomar qualquer medida
que possa ter um impacto adverso significativo sobre o valor, gestão ou competitividade dos
ativos a serem alienados ou que possa alterar sua natureza, escopo da atividade, estratégia
industrial ou comercial ou política de investimento; e (ii) disponibilizar recursos suficientes
para o desenvolvimento dos ativos, levando em consideração os planos de negócios existentes25.
O TCC também prevê requisitos para os compradores dos ativos da Petrobras, os quais
devem (i) ser independentes em relação ao Sistema Petrobras, não possuindo, direta ou
indiretamente, participação societária da Petrobras ou de suas afiliadas (considerando-se o
cenário pós-desinvestimento); (ii) possuir recursos financeiros e incentivos para manter e
desenvolver os ativos desinvestidos como uma força competitiva viável e ativa no Brasil em
relação à Petrobras e aos demais concorrentes no mercado; (iii) ser independentes em relação
aos agentes que compõem os demais elos da cadeia de gás natural, não possuindo, direta ou
indiretamente, participação societária desses agentes (considerando-se o cenário pós-
desinvestimento)26.
Quanto aos remédios comportamentais, a Petrobras se comprometeu a (i) não contratar
novos volumes de gás natural a partir da assinatura do acordo27; (ii) promover as adequações
necessárias aos contratos de serviço de transporte, a fim de que os transportadores TAG, NTS
e TBG, sob supervisão da ANP, possam ofertar a capacidade remanescente ao mercado28; (iii)
declinar da exclusividade ainda remanescente em função de ser carregadora inicial referente
aos contratos de serviço de transporte vigentes29; (iv) negociar, de boa fé e de forma não

II - na manifestação do conselho de administração da companhia, inserida na proposta da administração referente


à assembleia geral para eleição de administradores, quanto ao enquadramento ou não enquadramento do candidato
nos critérios de independência”. A íntegra do regulamento está disponível em:
<http://www.b3.com.br/data/files/B7/85/E6/99/A5E3861012FFCD76AC094EA8/Regulamento%20do%20Novo
%20Mercado%20-%2003.10.2017%20(Sancoes%20pecuniarias%202019).pdf>. Acesso em 12 de junho de 2020.
25
Cláusula 4.1.
26
Cláusula 5.1.
27
Cláusula 2.5.
28
Cláusula 2.2.1.
29
Cláusula 2.2.2.
17
discriminatória, o acesso de terceiros aos sistemas de escoamento de gás natural e às unidades
de processamento de gás natural30; (v) publicar edital de processo competitivo para
arrendamento do Terminal de Regaseificação da Baía de Todos os Santos até setembro de
202031; e (vi) indicar nos sistemas de transporte da NTS e da TAG quais são os volumes de
injeção e retirada máxima em cada ponto de recebimento e zona de entrega perante a ANP e os
referidos transportadores, no intuito de eliminar flexibilidades e congestionamentos
contratuais32.
Referidas obrigações comportamentais têm por objetivo proporcionar o acesso de
terceiros a infraestruturas essenciais, mitigando as barreiras à entrada de novos agentes no
mercado brasileiro de gás natural. Isso porque a Lei nº 11.909/2009 (Lei do Gás) não previu a
obrigatoriedade de acesso aos gasodutos de escoamento, às unidades de processamento e às
plantas de regaseificação, inibindo novos produtores de competirem efetivamente contra a
Petrobras.
Como o petróleo possui valor muito superior ao gás natural, produtores de gás associado
ao petróleo priorizam a venda deste e a manutenção de uma boa relação com o agente
dominante, optando por vender suas parcelas de gás para a Petrobras na “boca do poço” (ou
antes da etapa do processamento), mesmo a preços mais baixos (ANP/SIM, 2018, p. 5). Nesse
sentido, o acordo visa conceder a outros produtores a oportunidade de escoar sua produção de
gás natural para consumidores mais interessantes, como distribuidoras locais e termelétricas,
segmento antes explorado exclusivamente pela Petrobras.
A princípio, as medidas propostas pelo CADE se alinham bastante às diretrizes
publicadas pelo CNPE em 2019, representando passo significativo na reformulação estrutural
do mercado de gás natural. No entanto, embora o TCC possa beneficiar a competitividade do
mercado no curto e longo prazo, cabe questionar o contexto processual em que se deu a
assinatura do acordo e a competência do CADE para prever tais obrigações, tema a ser abordado
no tópico seguinte.

30
Cláusulas 2.3 e 2.4.
31
Cláusula 2.6.
32
Cláusula 2.2.
18
2.3. CRÍTICAS AO ACORDO CELEBRADO

Conforme já mencionado, a assinatura do TCC pela Petrobras não se deu em contexto


desfavorável à empresa no âmbito das investigações. Ao contrário, o relator do caso Comgás
votou pelo arquivamento do processo e, embora o caso da Abegás ainda estivesse em fase
instrutória, a investigação UTE-Cuiabá a ela apensada já havia sido arquivada pela ausência de
comprovação de ilícitos.
Sendo o risco de condenação reduzido, não é comum a negociação de remédios tão
expressivos em sede de TCC, como a alienação de ativos, mesmo em situação de significativo
poder de mercado. A despeito disso, a Petrobras optou por celebrar um acordo com obrigações
agressivas, que reduzem significativamente sua atuação nos segmentos de transporte e
distribuição de gás natural, para beneficiar concorrentes.
Nas considerações iniciais do TCC, expressamente se afirma que (i) os procedimentos
administrativos não imputaram uma conduta específica por parte da Petrobras; (ii) a empresa,
com a assinatura do acordo, não reconheceu a prática de qualquer ato ilícito; e (iii) os
desinvestimentos previstos seriam voluntários por parte da Petrobras, em prol da abertura do
mercado de gás natural. Tais fatores revelam, em princípio, dois vícios: de finalidade e de
competência.
De plano, a ausência de conduta anticompetitiva demonstra a existência de desvio de
finalidade. A Lei nº 12.529/2011 prevê que:

Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art.
48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da
prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de
conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos
interesses protegidos por lei.
§ 1º Do termo de compromisso deverão constar os seguintes elementos:
I - a especificação das obrigações do representado no sentido de não praticar a conduta
investigada ou seus efeitos lesivos, bem como obrigações que julgar cabíveis;
II - a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou parcial, das
obrigações compromissadas;
III - a fixação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos
Difusos quando cabível. (BRASIL, 2011)

O dispositivo acima revela os elementos aptos a fundamentar a celebração de TCC, a


saber (i) prática anticompetitiva sob investigação, (ii) juízo de conveniência e oportunidade a
ser realizado pelo CADE, devidamente fundamentado, e (iii) atendimento aos interesses
protegidos por lei.

19
Quanto ao primeiro ponto, o Regimento Interno do CADE (RICADE) reforça a
existência de restrição à formalização de acordo, que necessariamente deve ocorrer no âmbito
de um processo investigativo:

Art. 178. Qualquer representado interessado em celebrar o compromisso de cessação


de que trata o art. 85 da Lei nº 12.529, de 2011, deverá apresentar requerimento do
termo ao Cade, dirigido ao Conselheiro-Relator, se os autos do processo
administrativo já houverem sido remetidos ao Tribunal, na hipótese do art. 74 da Lei
12.529, de 2011, ou ao Superintendente-Geral, se o procedimento preparatório de
inquérito administrativo, o inquérito administrativo ou o processo administrativo
ainda estiverem em curso na Superintendência-Geral.

A expressa menção à investigação administrativa em curso, em ambos os diplomas


normativos, denota a necessidade de uma correspondência lógica e finalística entre o TCC a ser
celebrado e a suposta conduta anticompetitiva apurada. É evidente, assim, que o compromisso
de cessação foi instituído como mecanismo negocial da atuação repressiva do CADE e não
como compromisso de cooperação lato sensu, não se prestando à prevenção de possíveis
infrações futuras ou à correção de condutas alheias à(s) investigação(ões) em curso.
No presente caso, conforme consta do próprio TCC, não há prática ilícita imputada,
obrigação de cessar conduta ou especificação de efeitos lesivos, de modo que o acordo não
cumpre sua finalidade prevista em lei (qual seja, cessar prática sob investigação), tampouco
preenche os requisitos legais mínimos. A inexistência de infração concorrencial, nesse sentido,
demonstra a ausência de fundamento legal para a celebração do acordo.
Em verdade, o TCC celebrado materializa um esforço de cooperação em prol da abertura
do mercado de gás natural e da entrada de novos agentes no setor, por meio do desinvestimento
voluntário de ativos da Petrobras, o que foge ao escopo de um termo de compromisso de
cessação.
Isso porque, enquanto acordo bilateral a ser celebrado por agente público, o TCC deve
se limitar ao cumprimento de sua finalidade legal expressamente delimitada, atendendo aos
“interesses protegidos por lei” e em consonância com o princípio da legalidade, expresso no
art. 37, caput, da Constituição Federal. Sendo o CADE responsável por proteger a concorrência
e a ordem econômica, deve também o TCC se prestar a esse fim, de modo que não se entende
adequada sua utilização por uma empresa para alinhar sua estratégia de negócios com a
autoridade concorrencial e obter elemento de proteção contra eventuais processos
administrativos ou intervenções regulatórias.
Nesse sentido, cabe ao CADE, em seu juízo de conveniência e oportunidade, vetar
iniciativas que extrapolem a finalidade intrínseca do TCC, preservando o intuito da legislação
20
quando da previsão do instrumento de cessação da conduta, sob pena de promover uma
intervenção indevida em setores econômicos. Tendo o instrumento escopo definido, não pode
o CADE de forma discricionária celebrar TCCs que não se prestem a endereçar condutas
anticompetitivas, ainda que tenham a capacidade de beneficiar o mercado.
Ademais, especificamente em relação ao mercado de gás natural, o monopólio é,
inclusive, amparado pela Constituição33, tendo sido intencionalmente estruturado dessa forma
por decisões governamentais ao longo de anos. Nesse contexto, seria o CADE competente para
promover uma mudança estrutural dessa magnitude, a despeito da política regulatória
estabelecida? Tal interferência, em virtude de mera detenção de poder de mercado, pode
representar precedente perigoso para intervenções em diversos setores cuja estrutura é
monopolista ou oligopolista, o que não é respaldado pelo acervo normativo brasileiro,
especialmente em situações nas quais o próprio Estado legitima essa condição.
Por outro lado, o vício de competência remete à própria previsão constitucional da
defesa da concorrência no Brasil, que, no art. 173, §4º, dispõe: “[a] lei reprimirá o abuso do
poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros”. Da mesma forma, o art. 1º da Lei nº 12.529/2011 prevê “a
prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames
constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade,
defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”.
Da leitura dos dispositivos, resta claro que o poder econômico, por si só, não está sujeito
à repressão do Estado, mas sim o abuso. Nesse sentido, qualquer intervenção da autoridade
antitruste deve se restringir a situações em que condutas abusivas anticompetitivas forem
identificadas, sob pena de extrapolar suas competências. Segundo José Afonso da Silva,

Condenado é o abuso, não o poder me si, que é de fato. O abuso caracteriza-se pela
dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros.
(...) No fundo, o que se busca preservar é esse princípio da concorrência (art. 170, IV),
porque sua eliminação é o meio pelo qual o poder econômico domina o mercado.
(SILVA, 2008, p. 720)

É evidente que a legislação concorrencial brasileira não autoriza repressão ou


condenação por parte da autoridade antitruste ante a ausência de ato de particular que constitua
infração à ordem econômica. Assim, se a mera existência de poder de mercado não enseja
interferência estatal, a intervenção do CADE em relação à Petrobras não se justifica na situação

33
Vide art. 177, inciso I.
21
relatada, o que demonstra patente vício de competência. Particularmente, a posição dominante
da Petrobras também não resulta de violação antitruste, mas de escolhas do Poder Legislativo,
que, ao flexibilizar o monopólio do gás natural, não optou por promover redesenho estrutural
radical como fez em outros setores (ROCHA, MOTTA e MALVAR, 2019).
É evidente que o TCC celebrado consiste em solução negocial, a qual detém suas
particularidades e conta com a anuência da parte signatária – no caso, a Petrobras. Nessa linha,
considerando que as obrigações previstas não foram impostas unilateralmente e que a Petrobras
poderia realizar os desinvestimentos de forma autônoma, sem a necessidade de acordo, as
críticas contidas neste trabalho não são direcionadas à desproporcionalidade das medidas
enquanto forma de sanção. De modo distinto, busca-se discutir os limites da administração
consensual, tendo em vista que a autoridade pública não pode agir com a mesma liberdade de
uma parte privada e exceder suas competências ou desconsiderar a função dos instrumentos
negociais legalmente previstos, o que representaria intervenção indevida por parte do CADE.
Cabe ressaltar que a função do CADE é, essencialmente, proteger a livre concorrência
enquanto bem jurídico tutelado pela Constituição34 e pela legislação infraconstitucional, e não
o direito de entrada de concorrentes no mercado ou a redução de preços no setor. Tais fatores
podem ser consequência de um mercado competitivo e até objeto de política pública do governo
federal, mas não são bens jurídicos tutelados pelo direito concorrencial em si.
Além disso, a assinatura do acordo também representou o encerramento de uma
investigação que teve pouco avanço sobre se de fato houve uma conduta e se essa poderia ser
considerada uma infração concorrencial sob a regra da razão. Tal questão se revela problemática
por representar (i) possível desacordo em relação ao interesse público; e (ii) prejuízo ao
aprimoramento das práticas de defesa da concorrência adotadas pelo Brasil.
O primeiro ponto remete ao fato de o CADE não ter avançado na instrução processual
o suficiente para comprovar se realmente a Petrobras praticou um ilícito concorrencial e, mesmo
assim, ter disposto como obrigação a alienação de diversos ativos. Em síntese, entende-se que
o CADE não ofereceu à sociedade uma apuração minimamente detalhada sobre (i) a suposta
infração à ordem econômica, (ii) o mercado relevante afetado, (iii) a estrutura do mercado ou
(iv) os efeitos líquidos da conduta. Em se tratando de empresa estatal, isso se torna ainda mais
indispensável, já que os ativos a serem alienados possuem viés público (CABRAL, 2019).

34
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade” (BRASIL, 1988)
22
Por outro lado, não concluir a investigação também prejudica a construção de uma
jurisprudência sobre condutas unilaterais que dê segurança jurídica às empresas. Em 2019, uma
equipe técnica da OCDE conduziu um processo de Peer Review, cujo resultado fundamentou a
adesão do CADE como membro permanente do comitê de defesa da concorrência da entidade.
Ao final, a equipe fez algumas recomendações de aprimoramento, como a necessidade de se
concluir processos investigativos de condutas unilaterais, a fim de firmar diretrizes à
comunidade empresarial e sinalizar para o mercado, de forma clara, quais práticas não são
admissíveis pela legislação concorrencial (OCDE, 2019, p. 188). Nesse sentido, o encerramento
dos processos relatados sem resultado representa perda significativa para o aprimoramento da
política de defesa da concorrência e da jurisprudência do CADE.
É certo que as obrigações previstas no TCC têm o potencial de gerar efeitos positivos
para a concorrência no mercado, ao conceder a oportunidade de outros agentes do mercado
adquirirem ou acessarem partes significativas das infraestruturas de transporte e processamento
de gás natural. Ocorre que o TCC é um negócio jurídico que vincula tão somente as partes
signatárias, não tendo controle sobre ações de terceiros. Nesse sentido, não pode o CADE, por
meio do acordo, controlar a viabilidade e a atratividade dos negócios desinvestidos, não
havendo garantias de que os ativos a serem alienados “serão adquiridos em tempo hábil por
agentes não verticalizados e experientes que realizarão investimentos para expansão e melhoria
das infraestruturas” (MOTTA, 2020, p. 80). Grande parte da doutrina, inclusive, sugere que
empresas verticalizadas têm maiores incentivos e condições econômicas para operar e realizar
investimentos no mercado de energia35.
Em suma, a devida reformulação estrutural do setor, no intuito de promover a
concorrência, exige esforços que vão além da desverticalização, especialmente quando
promovida por acordo bilateral. Embora o TCC possa endereçar alguns aspectos em prol da
abertura do mercado de gás natural, não é suficiente para criar um cenário de rivalidade por
parte de empresas privadas em face da Petrobras. Diversas questões, como o acesso isonômico

35
“In the energy sector, the European Commission and national regulators have been promoting structural
‘unbundling’ of the large energy companies, in particular splitting the transmission networks for electricity and
gas, which are natural monopolies, from the more competitive activities (generation, production, and distribution).
(…) The energy sector also has features that make vertical separation less attractive. Integrated companies may
have greater incentives to construct interconnectors between national energy markets and may be more able to co-
ordinate operation and scheduling of the various layers in the supply chain (balancing supply and demand at all
times is an overriding imperative in energy markets). There are indications that vertically integrated companies
tend to spend more and research and development investment – they can apply new innovations to a variety of
activities, and thus have a better chance of internalizing the benefits of this investment”. (NIELS, JENKINS e
KAVANAGH, 2016, p. 369-372)
23
a gasodutos e a flexibilização das regras que versam sobre consumidores livres36, requerem
respostas mais complexas, que devem ser buscadas por meio da atividade regulatória,
sujeitando todos os players do mercado a uma política desenhada a partir de suas
especificidades e de seus incentivos (MOTTA, 2020, p. 81). Caso contrário, o acordo pode
gerar falhas de mercado, visto que, de um lado, a Petrobras estaria vinculada aos termos do
TCC assinado e, de outro, os demais agentes do mercado agiriam de forma livre, de acordo com
seus interesses privados.
A abertura do mercado de gás natural, portanto, consiste em situação complexa, sem
resposta antitruste à altura. A regulação é solução muito mais adequada a promover mudanças
tão expressivas no setor, capaz de sujeitar todos os players nele atuantes a suas
regulamentações, em conformidade com as diretrizes do CNPE. É questionável, assim, a
previsão de mudança significativa na estrutura do referido setor por meio de acordo com a
autoridade antitruste, que não é competente para executar diretrizes político-regulatórias, em
instrumento que não envolve a participação dos demais agentes econômicos do setor, tampouco
considera suas controvérsias e as singularidades das estruturas de incentivos da indústria.

2.4. LIMITES À COMPETÊNCIA DO CADE EM SETORES REGULADOS

Tendo em vista o caso relatado, procede-se à discussão acerca dos limites da atuação do
CADE em setores regulados. É evidente que, na jurisdição brasileira, a autoridade da
concorrência e os agentes reguladores têm funções independentes, representando a proteção
constitucional a bens jurídicos distintos. Para analisar a sobreposição entre suas competências,
é importante que se compreenda a origem e a natureza de ambos, conforme descrito a seguir.

2.4.1. Regulação e Concorrência: origem e distinções

O surgimento das agências reguladoras no Brasil remete à superação do modelo de


Estado Social. Principalmente após a segunda metade da década de 1990, abandonou-se a ideia
de atuação do Estado como prestador direto de serviços à população, assumindo esse um papel
de fiscalização, incentivo e planejamento em relação à iniciativa privada37.

36
Existem dois tipos de consumidor no mercado de gás natural, os cativos e os livres. Consumidores cativos são
usuários que compram o gás natural da própria distribuidora, enquanto consumidores livres são aqueles que
compram o gás natural de outros agentes (produtores, importadores ou comercializadores) (IBP, 2019, p. 5).
37
“Após a Constituição de 1988 e, sobretudo, ao longo da década de 90, o tamanho e o papel do Estado passaram
para o centro do debate institucional. E a verdade é que o intervencionismo estatal não resistiu à onda mundial de
24
Nesse contexto, surgiu a figura do Estado Regulador, em conformidade com as
premissas de subsidiariedade e cooperação e no intuito de garantir a prestação de serviços de
forma adequada à população. O Estado, assim, se incumbiu da criação de normas jurídicas em
prol da regulação da ordem econômica, utilizando-se de mecanismos preventivos e repressivos
para coibir eventuais condutas abusivas de particulares38. A prestação de serviços, portanto, foi
transferida a entidades privadas, como concessionárias e permissionárias de serviços públicos
e organizações sociais, fazendo emergir o modelo de agências na perspectiva da regulação
setorial.
Com isso, foram criadas diversas agências reguladoras, sob o regime de autarquias,
responsáveis pela regulação de setores econômicos privados e de setores econômicos públicos
quando delegados a empresas privadas. Seu objetivo era, essencialmente, promover o
acompanhamento conjuntural da realidade econômica de forma sistêmica, visando ao seu
gerenciamento e planejamento a partir da administração das normas e constituindo, assim,
forma de ordenação de setores relevantes via atividade contratual, ordenadora, gerenciadora e
fomentadora (ARANHA, 2019, p. 214).
Nos termos da Lei nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras), as agências
reguladoras têm natureza de autarquia especial, caracterizada pela ausência de tutela ou de
subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e
pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos39. Além disso, é
de sua competência a edição de atos normativos infralegais devidamente motivados e a
imposição de obrigações, restrições e sanções na medida em que necessárias ao atendimento do
interesse público, sendo o processo de decisão das agências reguladoras de caráter colegiado40.
Dentre as competências legislativas comuns à maioria das agências instituídas, vale
mencionar também (i) proteção ao meio ambiente, (ii) proteção aos interesses do consumidor
quanto a preço, oferta e qualidade, (iii) negociação e celebração de acordos com agentes

esvaziamento do modelo no qual o Poder Público e as entidades por ele controladas atuavam como protagonistas
do processo econômico. Sem embargo de outras cogitações mais complexas e polêmicas, é fora de dúvida que a
sociedade brasileira exibia insatisfação com o Estado no qual se inseria e não desejava vê-lo em um papel
onipotente. arbitrário e ativo - desastradamente ativo - no campo econômico. (...)
A privatização de serviços e atividades empresariais, por paradoxal que possa parecer, foi, em muitos domínios, a
alternativa possível de publicização de um Estado apropriado privadamente, embora, é verdade, o modelo
escolhido não tenha sido o da democratização do capital. Ao fim desse exercício de desconstrução. será́ preciso
então repensar qual o projeto de país que se pretende concretizar sobre as ruínas de um Estado que. infelizmente,
não cumpriu adequadamente o seu papel. (BARROSO, 2012, p. 288)
38
Constituição Federal de 1988: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado”.
39
Lei nº 13.848/2019, Art. 3º, caput.
40
Lei nº 13.848/2019, Arts. 4º a 6º.
25
econômicos, (iv) fomento ao desenvolvimento econômico, (v) regulamentação dos setores
respectivos, (vi) fiscalização, (vii) fomento à competitividade, (viii) composição de conflitos
entre os agentes econômicos e (ix) promoção da livre concorrência.
Por outro lado, a autoridade da concorrência surgiu no Brasil em 1962 como um órgão
do Ministério da Justiça, tendo a função de fiscalizar a gestão econômica e o regime de
contabilidade das empresas. Com o advento da Lei nº 8.884/1994, foi criado o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), encarregado da política de defesa livre da
concorrência no país e composto por três órgãos: (i) a Secretaria de Direito Econômico (SDE),
do Ministério da Justiça, (ii) a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério
da Fazenda, e (iii) o CADE.
Nessa estrutura, o CADE era responsável por julgar os processos administrativos
relativos a condutas anticompetitivas e apreciar os atos de concentração submetidos à sua
aprovação. Os processos eram instruídos pela SDE e pela Seae, que emitiam pareceres técnicos
não vinculativos, e julgados posteriormente pelo CADE.
Em maio de 2012, com a entrada em vigor da nova Lei de Defesa da Concorrência, Lei
nº 12.529/2011, o SBDC foi reestruturado e a política de defesa da concorrência no Brasil teve
significativas mudanças. Pela nova legislação, o CADE passou a ser responsável por instruir os
processos administrativos de apuração de infrações à ordem econômica, assim como os
processos de análise de atos de concentração. A SDE foi extinta e a Seae deixou de atuar na
instrução processual e passou a ter a função de promover a advocacia da concorrência perante
os órgãos do governo e a sociedade.
O CADE também ganhou uma nova estrutura, sendo constituído pelo Tribunal
Administrativo de Defesa Econômica, pela Superintendência-Geral e pelo Departamento de
Estudos Econômicos (DEE). Ficou a cargo da Superintendência-Geral a investigação e a
instrução de processos de repressão ao abuso do poder econômico e a análise dos atos de
concentração. Ao DEE, por sua vez, coube aprimorar as análises econômicas e fornecer maior
segurança sobre os efeitos das decisões do CADE no mercado.
A função atual do CADE, portanto, é zelar pela livre concorrência no mercado,
realizando a análise prévia de atos de concentração e investigando e reprimindo condutas
anticompetitivas, a partir dos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre
concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do
poder econômico.

26
Da descrição das respectivas funções, extrai-se que, enquanto a regulação deriva da
necessidade de proteção dos direitos fundamentais lato sensu em determinados setores, a
concorrência remete a uma face econômica específica do Estado regulador, qual seja a
igualdade de condições concorrenciais. Nesse sentido:

A ideia de igualdade de condições concorrenciais permeia o âmago de atuação


subsidiária do Estado Regulador na economia e, portanto, revela que o pressuposto do
Estado Regulador não é propriamente a defesa do mercado, mas de algo mais
subjacente de formato jurídico, repita-se, o direito à igualdade de condições
concorrenciais. Esta característica distintiva do Estado regulador não esgota, todavia,
todo o significado da regulação.
(...) a compreensão de que resumir a regulação à proteção da igualdade de mercado,
que, diga-se de passagem é fundamental para o Estado regulador, significa descrevê-
la por apenas uma de suas dimensões, mais precisamente, a dimensão econômica,
quando a regulação detém outras dimensões justificadoras de sua existência, quais
sejam a técnica e a política. Nesta última, inserem-se os juízos de moral jurídica
traduzidos em princípios jurídico-constitucionais de convivência social e que são a
razão de ser da nossa estrutura fundamental de poder herdada das revoluções
constitucionalistas. A regulação, portanto, tem sua razão de ser, o seu mote, o seu
senhor, em mais do que o objetivo de proteção do direito à igualdade de condições
concorrenciais: ela se assenta sobre os pilares do próprio constitucionalismo, vale
dizer, os direitos fundamentais. Estes podem justificar a regulação em espaços
infensos à concorrência. (ARANHA, 2019, p. v)

2.4.2. Conflitos entre Regulação e Concorrência: a Primary Jurisdiction Doctrine

Conforme visto, cabe às agências reguladoras não apenas observar aspectos econômicos
e concorrenciais do mercado, mas também diversas outras questões técnicas e políticas ligadas
à proteção de direitos fundamentais. Por ser diverso seu escopo de atuação e haver relativa
coincidência entre os atores que estão a elas submetidos, não raro ocorrem conflitos entre a
autoridade da concorrência e as agências reguladoras, que consideram fatores distintos em sua
análise.
Como resposta a essas situações, tem-se a Primary Jurisdiction Doctrine, mecanismo
jurídico desenvolvido pela jurisprudência estadunidense e aplicável a casos que envolvem
conflito antitruste em mercados regulados (HOVENKAMP, 2016, p. 956).
A Primary Jurisdiction Doctrine teve início no século XX, a partir da decisão da
Suprema Corte Americana em Texas & Pacific Railway Co. v. Abilene Cotton Oil Co. (1907).
O caso se refere à ação ajuizada pela Abilene, perante tribunal estadual, em que alegava a
cobrança de taxa não razoável para enviar mercadorias de Louisiana para o Texas. A Texas &
Pacific Railway respondeu que o tribunal não tinha jurisdição para atender o pedido e que,

27
mesmo se tivesse, não poderia concedê-lo porque a Interstate Commerce Commission41 (ICC)
já havia considerado a taxa razoável.
A Corte concluiu que somente a ICC estava habilitada a decidir uma controvérsia
relativa à razoabilidade das tarifas de uma transportadora, visto que o objetivo principal da
Commerce Act42 – e uma das principais funções da ICC – era garantir a uniformidade e impedir
a discriminação nas tarifas cobradas pelas transportadoras. Esse objetivo seria frustrado se os
tribunais julgassem as taxas estabelecidas – segundo o Tribunal, o conteúdo da lei seria
esvaziado ante a ausência de uniformidade (LOCKWOOD, 2007, p. 711).
A teoria se desenvolveu ao longo de diversos precedentes e passou a ser utilizada em
casos de jurisdição antitruste. Quinze anos após Abilene, a Suprema Corte julgou o primeiro
caso antitruste que exigiu a aplicação da Primary Jurisdiction Doctrine. Em Keogh v. Chicago
& N.W. Ry (1922), Keogh acusou oito ferrovias e doze indivíduos de conspirar para manter
taxas de frete excessivamente altas e pediu indenização. A Corte entendeu que, mesmo que as
taxas contestadas fossem fruto de uma conspiração, o pedido não poderia ser julgado
procedente. Isso porque, segundo o tribunal, uma taxa não seria necessariamente ilegal só por
ser resultado de uma conspiração para restringir o comércio – a legalidade das taxas é
determinada pela Act to Regulate Commerce43.
Keogh, assim, não teria sofrido dano concorrencial, visto que (i) a Act to Regulate
Commerce já prevê a possibilidade de indenização por danos decorrentes de taxas ilícitas, de
modo que não caberia reparação sob a lei antitruste pelo mesmo motivo ou por taxas
consideradas lícitas pela Comissão; e (ii) o dano pressupõe a violação de um direito e não seria
possível responder se uma taxa menor mantida pela transportadora seria não discriminatória ou
aprovada pela ICC. A conclusão da Suprema Corte foi de que a aprovação de uma taxa como
razoável e não discriminatória pela ICC determinaria seu caráter como tal para fins de
ajuizamento de ação.
Em síntese, passou a se defender que, mesmo quando a autoridade tem competência
para resolver questões concorrenciais em um mercado regulado, deve haver alguma deferência
à agência reguladora (WINTERS, 2017, p. 549). Para além disso, a Primary Jurisdiction
Doctrine entende que o regulador pode, muitas vezes, estar em uma posição melhor que a
autoridade concorrencial para avaliar como a questão antitruste se encaixa no quadro
regulatório como um todo (HOVENKAMP, 2016, p. 957).

41
Comissão de Comércio Interestadual.
42
Lei Comercial.
43
Lei de Regulação do Comércio.
28
Alguns anos depois, em Ricci v. Chicago Mercantile Exchange (1973), a Suprema Corte
Americana também se utilizou do raciocínio da Primary Jurisdiction. A corretora Ricci alegou
ter seu acesso negado à Chicago Mercantile Exchange44 devido a uma prática concertada de
recusa de contratar envolvendo a própria bolsa e pelo menos um de seus membros. Nesse
sentido, a parte autora alegava violações à Commodity Exchange Act45 e à Sherman Act46.
A Suprema Corte entendeu que a autoridade antitruste deveria esperar pela decisão da
Commodity Exchange Commission47, responsável por fiscalizar a bolsa de mercadorias e suas
regras. Vale ressaltar que não se tratava de caso de competência exclusiva (exclusive
jurisdisction): a comissão não tinha poder para conferir imunidade antitruste. Era seu dever,
contudo, determinar quais normas da bolsa de mercadorias seriam aplicáveis ao caso e se elas
haviam sido violadas. Se as regras tivessem sido violadas, o processo relativo à disputa
antitruste poderia continuar sem impedimentos; caso contrário, o tribunal deveria decidir se o
uso da legislação antitruste para condenar uma conduta permitida por regra anteriormente
aprovada pela Commodity Exchange Commission criaria inconsistência relevante, apta a
justificar uma isenção antitruste pontual (HOVENKAMP, 2016, p. 957).
A Primary Jurisdiction pressupõe, portanto, um contexto de regulação efetiva. A teoria
sustenta, em síntese, maior deferência à agência reguladora em casos que exijam o exercício de
sua discricionariedade ou versem sobre questões de fato mais técnicas ou específicas do setor.
Assim, um conflito com agentes de uma indústria regulada deveria ser levado primeiramente à
autoridade administrativa, mais especializada e equipada para interpretar e determinar as
circunstâncias regulatórias subjacentes à questão jurídica, como uma etapa preliminar de
valoração (MEHREN, 1954, p. 931).
Não se trata, pois, de defender a concessão de imunidade material em relação aos
princípios e regras da legislação antitruste (SCHWARTZ, 1954, p. 446), mas sim de garantir
que isenções pontuais concebidas pelo legislador ou exigidas pela lógica e estrutura da
sistemática regulatória não sejam prejudicadas pela sobreposição do julgador em detrimento da
autoridade reguladora do mercado em questão.
A despeito do nome Primary Jurisdiction, a teoria reconhece que os tribunais
efetivamente têm jurisdição sobre os litígios e que a questão a ser discutida é se eles devem
exercê-la de plano ou requerer a análise prévia da respectiva agência reguladora (MEHREN,

44
A Chicago Mercantile Exchange é uma bolsa de mercadorias dos Estados Unidos com sede em Chicago.
45
Lei de Troca de Mercadorias.
46
Lei Antitruste americana de 1890.
47
Comissão de Troca de Mercadorias.
29
1954, p. 932). Na prática, o uso da doutrina está muito mais atrelado à sensatez do órgão
julgador e à necessidade de se preservar a coesão do ordenamento jurídico do que propriamente
a uma previsão normativa – cabe ao tribunal determinar se a intervenção judicial ou antitruste,
sem consulta à agência reguladora, pode ser prejudicial aos objetivos regulatórios e regramentos
do setor no caso concreto (SANTAGUIDA, 2007, p. 1517). Nessa linha:

A doutrina fomenta diversos propósitos relevantes. Permite que uma questão seja
solucionada pela instituição escolhida pelo Congresso para exercer essa função.
Permite que um problema seja resolvido por uma instituição com maior expertise no
assunto. Leva à uniformidade em relação à lei federal. Produz interpretações de
estatutos, regras e tarifas que se ajustam bem a outras interpretações e que permitem
a uma agência implementar um regime regulatório de forma coerente e eficiente48
(PIERCE, 2017, p. 8).

No caso Keogh, a Primary Jurisdiction tornou inaplicável a regra do Sherman Act que
prevê a ilicitude de atos relativos à conspiração, visto que a aplicação da referida norma ao caso
específico esvaziaria o critério de legalidade estabelecido no estatuto regulatório. Para evitar
esse resultado, a Corte concluiu que a legalidade da taxa deve ser definida apenas em função
da norma regulatória, concedendo maior segurança jurídica ao agente regulado.
Apesar de eventuais críticas, a principal contribuição da Primary Jurisdiction se refere
à proteção da atuação regulatória e à não submissão dos agentes de setores regulados a duas
regras conflitantes – administrativa setorial e antitruste (LINGWALL, 2020, p. 116). Embora
em determinadas situações as empresas devam se sujeitar simultaneamente aos comandos da
agência regulatória e da autoridade concorrencial, é importante que o regulador defina
primeiramente seu interesse no tema a ser julgado pelo tribunal antitruste.
Em síntese, a doutrina entende ser necessária (i) a avaliação do regulador setorial acerca
das circunstâncias do caso concreto, como uma etapa preliminar da investigação antitruste; ou,
em alguns casos, (ii) o reconhecimento de uma posição melhor por parte da autoridade
reguladora quando o direito antitruste não for o meio mais adequado para resolver a questão,
evitando a sobreposição de funções (CUNNINGHAM, 2017, p. 3). Trata-se de uma questão de
coerência e segurança jurídica para os agentes regulados, em que a exigência de consulta prévia
à autoridade responsável pelo setor visa proteger o interesse público e garantir uma
administração eficiente (MEHREN, 1954, p. 965-966).

48
Tradução livre de “The doctrine furthers several important purposes. It allows an issue to be resolved by the
institution Congress chose to perform that function. It allows an issue to be resolved by an institution with superior
subject matter expertise. It leads to uniformity with respect to federal law. It leads to interpretations of statutes,
rules, and tariffs that fit well with other interpretations and that allow an agency to implement a regulatory regime
in a coherent and efficient manner”.
30
Isso é particularmente importante porque o direito concorrencial e o direito regulatório
têm, em última instância, os mesmos objetivos: prevenir operações ilegítimas e o exercício de
poder de mercado e favorecer a alocação eficiente de recursos, principalmente quando o livre
mercado, por si só, não for capaz de atingir tais resultados (CRAMPTON, 2002, p. 6). Para
tanto, é importante definir regras e procedimentos que concedam maior transparência e
previsibilidade aos agentes econômicos e seus investidores, conciliando as perspectivas
antitruste e regulatória e reconhecendo seu caráter complementar.

2.4.3. A Primary Jurisdiction Doctrine e o TCC da Petrobras

Compreendida a proposta da Primary Jurisdiction Doctrine, procede-se ao seu cotejo


com o caso da Petrobras, já relatado anteriormente. De plano, não se extrai da análise do TCC
e dos processos administrativos relacionados uma avaliação cautelosa por parte do CADE
quanto à coesão do ordenamento jurídico ou à divisão mais apropriada de funções.
Historicamente, a doutrina sobre isenção antitruste resultante de regulação que mais tem
repercutido na jurisprudência do CADE é a da State Action49 (SAMPAIO, 2013, p. 155).
Enquanto nos Estados Unidos a teoria era utilizada para verificar imunidade decorrente de
regulação estadual, o CADE se utiliza da State Action também para regulação federal e
municipal (NETO e FILHO, 2016, p. 23). O entendimento amplo da autoridade concorrencial
brasileira é no sentido de que não se deve punir uma empresa regulada por infração à
concorrência se ela estiver obedecendo estritamente a um comando da regulação emanado pela
autoridade competente.
O CADE, no entanto, já reconheceu que a regulação não afasta de todo a aplicação do
direito concorrencial, visto que pode deixar uma margem maior ou menor de liberdade para a
atuação privada, cabendo, assim, a atuação do órgão de defesa da concorrência50. Em outros
casos, em uma análise de razoabilidade, o CADE já concluiu que a regulação pode ser
insuficiente para garantir que a conduta dos agentes não prejudique excessivamente a

49
A State Action também consiste em doutrina de construção jurisprudencial estadunidense. Em 1943, no caso
Parker v. Brown, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu, pela primeira vez, que uma conduta não deve
se submeter ao controle concorrencial quando ela for considerada uma ação estadual – isto é, uma state action. Tal
conclusão se baseia no entendimento de que os estados da federação americana são soberanos e, portanto, a ação
legítima do estado não deve ser submetida ao escrutínio antitruste nem ser considerada violadora das leis antitruste
(AFONSO, 2017, p. 47). Posteriormente, em Cantor v. Detroit Edison, a doutrina foi desenvolvida e a Corte
decidiu que não há imunidade concorrencial se o Estado simplesmente aprovar uma conduta anticompetitiva
iniciada por um agente privado sem que essa conduta seja parte de uma política estadual obrigatória.
50
Tal entendimento foi exposto no julgamento do Processo Administrativo nº 08000.002605/1997-52.
31
concorrência, principalmente quando o regulamento for desatualizado ou precário (SILVA,
2005, p. 18-19).
Tal construção jurisprudencial se refere, assim, à possibilidade de intervenção do
CADE, em virtude de ilícito concorrencial, quando houver comando regulatório expresso ou
política regulatória definida em sentido contrário, não enderençando, contudo, (i) os limites da
intervenção da autoridade antitruste em mercados regulados quando não houver instrução
explícita do regulador em contraposição e (ii) o juízo de eficiência e coesão sobre o caso
concreto para determinar qual a autoridade mais adequada a solucionar o conflito.
Dessa forma, enquanto a State Action pode constituir mecanismo eficaz para
compreender os limites da atuação do CADE quando a autoridade reguladora expressamente
optar por uma política que não privilegia a concorrência (e.g., fixação de preço público estatal),
a Primary Jurisdiction, que até o momento não teve espaço nas decisões do CADE, visa
preservar uma coordenação de tarefas apropriada entre autoridades antitruste e agências
reguladoras de forma mais ampla (GENGEL, BROWN e DENICOLA, 2014, p. 1), analisando
as particularidades de cada caso concreto, o que seria benéfico ao ordenamento jurídico
brasileiro.
Diante desse cenário, entende-se que o caso analisado não se alinha à preocupação da
Primary Jurisdiction em conceder segurança jurídica e previsibilidade aos agentes regulados,
principalmente porque (i) o CADE não tem competência para promover reformas estruturais
drásticas; (ii) não há correspondência entre as obrigações previstas e as supostas condutas
anticompetitivas identificadas; e (iii) as mudanças pretendidas pelo Conselho seriam melhor
executadas pela agência reguladora responsável pelo setor, que estaria em uma posição mais
adequada.
Em relação ao primeiro argumento, entende-se que a falta de competência do CADE
para promover tais mudanças demonstra a sobreposição de funções em relação ao agente
regulador, especialmente porque a Lei do Petróleo determina ser a ANP responsável por
“implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e
biocombustíveis, contida na política energética nacional”51. Dessa forma, caberia à ANP
executar as diretrizes do CNPE relativas à abertura do mercado de gás natural junto aos agentes
privados, não sendo a autoridade concorrencial apta a promover reformas estruturais nos setores
conforme seu juízo de conveniência e discricionariedade.

51
Lei nº 9.478/1997, Art. 8º, I.
32
O segundo ponto remete à ausência de correlação entre os compromissos assumidos
pela Petrobras no âmbito do acordo celebrado e as supostas práticas anticompetitivas das quais
a empresa foi acusada, visto que o CADE não forneceu explicação razoável sobre como a
alienação das participações societárias em transportadoras e companhias distribuidoras
endereçaria as pretensas condutas de abuso de posição dominante e discriminação de preços.
Em verdade, o próprio acordo reconhece que os procedimentos administrativos não imputaram
uma conduta específica à Petrobras e que as obrigações assumidas seriam voluntárias.
Ambos os fatores demonstram o desalinhamento entre a atuação do CADE nesse caso e
o raciocínio da Primary Jurisdiction, à medida que refletem certa despreocupação com os
limites de competência. Enquanto referida teoria visa fornecer maior segurança ao agente
econômico, a extrapolação da competência legal do CADE e a consequente sobreposição de
funções entre a autoridade concorrencial e o agente regulador pode levar a incongruências no
ordenamento jurídico, como a intervenção da autoridade antitruste em monopólios sem a
existência de um ilícito concorrencial para ampará-la.
Quanto ao terceiro aspecto, entende-se que o acordo celebrado entre Petrobras e CADE
não considerou que as obrigações atribuídas às partes seriam melhor implementadas pelo
regulador setorial. Isso porque, no caso concreto, a autoridade reguladora estaria em uma
posição melhor para avaliar comportamentos e incentivos de outros players, submeter os
demais agentes do setor de gás natural a uma política voltada ao desinvestimento da Petrobras
e adaptar suas ações conforme a reação do mercado e de seus regulados, o que não é possível
por meio de simples acordo bilateral. Nesse sentido, embora o TCC possa prever uma obrigação
de alienar, não é capaz de criar um cenário econômico favorável ao cumprimento dessa
disposição ou avaliar de forma efetiva a possibilidade prática de compra por outros agentes dos
ativos a serem desinvestidos.
Tal limitação já foi demonstrada em outros casos decididos pelo CADE, como na
aquisição da Fox pela Disney52. Na sessão ordinária do dia 22 de fevereiro de 2019, o Tribunal
do CADE apreciou referido ato de concentração, tendo decidido pela aprovação da operação
condicionada à celebração de Acordo em Controle de Concentrações (ACC). Tal acordo buscou
endereçar as preocupações concorrenciais identificadas no mercado de licenciamento de canais
de esportes de TV por assinatura no Brasil, tendo como principal compromisso o
desinvestimento do conjunto de ativos necessários à operação da Fox Sports no Brasil. Na
ocasião, o Tribunal pontuou não ser possível a venda dos ativos ao Grupo Globosat, dado que

52
Ato de Concentração nº 08700.004494/2018-53.
33
aumentaria a concentração do mercado.
Decorrido mais de um ano sem sucesso no cumprimento da obrigação, o CADE
procedeu à revisão dos remédios aplicados. O Parecer da PROCADE concluiu que não houve
apresentação de informações falsas ou enganosas, tampouco o descumprimento do ACC pelas
partes. Ao contrário, registrou que, nesse caso, as partes interessadas e envolvidas não mediram
esforços para fazer cumprir o que restou decidido pelo CADE, não tendo obtido êxito pela
inaplicabilidade do remédio imposto no atual momento do mercado – findo o prazo
estabelecido, e mesmo após prorrogações sucessivas, não foram identificados compradores
efetivos e a alienação se mostrou economicamente inviável. Diante de tal situação, o Tribunal,
na sessão ordinária do dia 6 de maio de 2020, aprovou a operação sob novo ACC, que previu
apenas medidas comportamentais.
Embora o caso Disney/Fox seja um ato de concentração e não uma investigação de
condutas, a necessidade de revisão dos remédios acordados indica certa limitação do CADE
quanto ao acompanhamento conjuntural da realidade dos mercados, principalmente porque a
competência da autoridade concorrencial abrange diversos setores econômicos. Assim, mesmo
que indiscutível a competência e a adequação do CADE para analisar atos de concentração, é
importante reconhecer a existência de um distanciamento natural do conselho quanto aos
setores analisados, quando comparado aos respectivos reguladores setoriais, mais
especializados e próximos à realidade e às mudanças de cada mercado.
Tal perspectiva reforça a incoerência e a possível ineficiência das obrigações previstas
no TCC celebrado entre Petrobras e CADE, principalmente no que se refere à alienação de
ativos. No caso concreto, a situação ainda é agravada pela tentativa de se promover mudança
estrutural por instrumento antitruste em um mercado cujo monopólio constituiu opção
legislativa por anos.
Não se trata de criticar a possibilidade de imposição de remédios estruturais pelo CADE,
mas sim de (i) questionar sua necessidade e razoabilidade no caso analisado, haja vista a falta
de competência do CADE para promover reformas estruturais drásticas, principalmente quando
essas não têm por objetivo endereçar condutas anticompetitivas devidamente identificadas; e
(ii) discutir a conveniência de possível renúncia pontual, por parte do CADE, de sua atuação
em prol do agente regulador quando isso for mais apropriado e efetivo para o caso concreto,
segundo o racional da Primary Jurisdiction Doctrine.

34
O presente trabalho não tem por objetivo defender a importação indiscriminada da teoria
norte-americana para o Brasil, mas sim buscar, na experiência estrangeira, boas práticas em
termos de solução de conflitos e aplicá-las na medida em que compatíveis com o arcabouço
normativo brasileiro.
Tendo em vista que o Estado brasileiro optou por estabelecer tanto a regulação
concorrencial quanto a setorial, é necessário que se desenvolvam mecanismos para mitigar
eventuais conflitos entre ambas as áreas. Isso porque a concentração apropriada de esforços e
o direcionamento de tarefas à autoridade competente e mais capacitada para solucionar
determinadas situações promoveria maior eficiência, melhor aproveitamento dos recursos
públicos e maior coerência para o ordenamento jurídico.
Em síntese, quanto ao caso analisado, conclui-se que (i) o TCC extrapola a possibilidade
de atuação do CADE no mercado de gás natural; (ii) com base na Primary Jurisdiction
Doctrine, seria importante o reconhecimento, por parte da autoridade concorrencial, de uma
melhor posição do órgão regulador para promover as reformas pretendidas, principalmente sob
o ponto de vista da eficiência; e (iii) é necessário repensar a forma de solucionar conflitos entre
regulação e concorrência, a fim de se conferir maior coesão e previsibilidade aos agentes
privados e de se alcançar um arquétipo institucional que melhor atenda ao interesse público.

35
CAPÍTULO III:
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO E O MERCADO DE GÁS NATURAL

Pontuadas as críticas ao TCC e compreendida a relação entre regulação e concorrência,


o terceiro capítulo tem por objetivo aprofundar o tema da regulação, abordando sua origem,
objetivos e função no ordenamento jurídico, a partir das premissas da Teoria Social da
Regulação e da Teoria Institucional da Regulação. Tal entendimento é relevante à medida que
permite compreender (i) qual o papel da regulação; (ii) o processo de definição de políticas
regulatórias de forma ampla; e (iii) como isso ocorre no mercado de gás natural
especificamente, no intuito de melhor amparar as conclusões do segundo capítulo.
Para tanto, divide-se o presente capítulo em três partes: (i) a primeira trata da origem e
definição da regulação e do seu aspecto político; (ii) a segunda aborda os pressupostos da Teoria
Social da Regulação e da Teoria Institucional da Regulação como elementos da função
regulatória; e (iii) a última trata do panorama regulatório no mercado de gás natural.

3.1. REGULAÇÃO E POLÍTICA REGULATÓRIA

Conforme mencionado no capítulo anterior, a regulação consiste em instrumento


utilizado para a consecução dos direitos fundamentais, mediante acompanhamento conjuntural
da realidade econômica de setores de interesse público (ARANHA, 2019, p. 10). Em síntese, a
regulação se dá via fiscalização, incentivo e planejamento dos setores relevantes, como saúde,
telecomunicações e energia.
A fiscalização remete à verificação dos setores econômicos para evitar formas abusivas
de comportamento de particulares que possam gerar prejuízo aos consumidores e
hipossuficientes. O incentivo, por sua vez, se refere ao estímulo que o governo pode oferecer
para o desenvolvimento econômico e social do país, por meio de isenções fiscais, aumento de
alíquotas para importação ou abertura de crédito, por exemplo (CARVALHO FILHO, 2019, p.
1285). Por fim, o planejamento “é um processo técnico instrumentado para transformar a
realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos” (SILVA, 2002, p. 676),
que consiste na fixação de metas a serem alcançadas pelo governo em determinado período de
tempo.

36
Nessa linha, entende-se que a regulação constitui forma de intervenção na ordem
econômica que visa à concretização dos direitos fundamentais e se verifica por meio de
imposições normativas dirigidas principalmente a particulares e de mecanismos preventivos e
repressivos para coibir eventuais condutas abusivas, via atividade contratual, ordenadora,
gerenciadora e fomentadora.
Tal forma de atuação remete à figura do Estado Regulador, que confere primazia à
atividade de empresas privadas e “através de regime interventivo, se incumbe de estabelecer as
regras disciplinadoras da ordem econômica com o objetivo de ajustá-la aos ditames da justiça
social” (CARVALHO FILHO, 2019, p. 1284). A regulação, assim, pode ser compreendida
como pressuposto desse modelo, que se apoia sinteticamente:

a) no Estado garante dos direitos fundamentais, inclusive a igualdade de condições


competitivas; b) no Estado de intervenção permanente e simbiótica; c) no Estado
Administrativo, por sua apresentação de agigantamento da função de planejamento e
gerenciamento das leis; d) no Estado legitimado na figura do administrador, do
processo de gerenciamento normativo da realidade ou do espaço público regulador;
e) no Estado de direitos dependentes de sua conformação objetiva em ambientes
regulados; f) no Estado Subsidiário, em sua apresentação de potencialização da
iniciativa privada via funções de fomento, coordenação e fiscalização de setores
relevantes; e g) no conceito de regulação como processo de realimentação contínua
da decisão pelos efeitos dessa decisão, reconformando a atitude do regulador em uma
cadeia infinita caracterizada pelo planejamento e gerenciamento conjuntural da
realidade. (ARANHA, 2019, p. 43-44)

Nesse sentido, a regulação é instituto capaz de servir a fins múltiplos e até contraditórios,
sejam econômicos, políticos ou culturais. A experiência regulatória demonstra a atenção às
seguintes finalidades: (i) promover publicidade e transparência, (ii) combater a formação de
cartéis, (iii) conter monopólios e oligopólios, (iv) harmonizar economicamente as indústrias,
(v) exercer a função de advocacy, (vi) legitimar agentes econômicos e (vii) promover a defesa
do consumidor (MCCRAW, 1975, p. 180). Na prática, contudo, a regulação se desenvolveu de
formas e em momentos distintos ao redor do mundo, com modelos diversos de agências
reguladoras.

37
3.1.1. Histórico da atividade regulatória

Em 1887, foi criada a primeira agência reguladora dos Estados Unidos, a Interstate
Commerce Commission (ICC), que deu início à constituição de diversas agencies para a
regulação de atividades, imposição de deveres na matéria e aplicação de sanções, se
posicionando como a principal forma de controle das atividades econômicas, sobretudo no
início do século XIX (MEDAUAR, 2018, p. 66).
Embora o movimento regulatório tenha desacelerado no país na década de 1920, foi
retomado no governo de Franklin Roosevelt na década de 1930, sob a política do New Deal,
com destaque para a regulação federal do mercado de títulos e valores mobiliários (Securities
Acts de 1933 e 1934).
No modelo norte-americano, cada independent agency é estabelecida por uma lei,
aprovada pelo Congresso, que define seus objetivos e prevê sua área de atuação – como a
Federal Trade Commission53, criada pela Federal Trade Commission Act54 em 1914, e a
Federal Energy Regulatory Commission55, criada pela Department of Energy Organization
Act56 em 1977. Tais agências surgiram com uma função intermediária e ligeiramente distinta
das exercidas pelos poderes estatais clássicos: a administração das leis (ARANHA, 2019, p.
15).
O intuito era, essencialmente, desenvolver entidades imunes à influência política direta,
pautadas pela expertise técnica em determinada área (SCIGLIANO, 1994, p. 111-117). Por esse
motivo, as agências reguladoras estadunidenses foram institucionalizadas como órgãos
independentes do Executivo, que não compõem o Gabinete da Presidência ou os ministérios e,
portanto, não estão sujeitos ao controle presidencial (BREGER e EDLES, 2015, p. 6).
Além disso, para desempenhar suas funções, as agencies dispõem de poderes quase
legislativos e quase jurisdicionais (quasi-legislative e quasi-judicial power, na literatura
estrangeira), visto que (i) embora a administração das leis tenha conteúdo normativo, não se
confunde com a formulação de leis, e (ii) a resolução de conflitos e aplicação de sanções pelas
agências se dá em âmbito administrativo, não se confundindo com a atividade dos tribunais.

53
Agência Nacional de Comércio.
54
Lei da Agência Nacional de Comércio.
55
Agência Reguladora Nacional de Energia.
56
Lei Organizacional do Departamento de Energia.
38
Enquanto a origem da regulação por agências autônomas nos Estados Unidos remonta
ao final do século XIX, com a criação da ICC, esse modelo de entidade técnica com funções
distintas e políticas definidas levou alguns anos para ser implementado na Europa (MAJONE,
1994, p. 78). A despeito da existência de algumas commissions no final do século XIX em
países europeus (como a Railway Commission britânica, criada em 1873), essas não possuíam
as características de autonomia, tecnicidade e planejamento comuns às agências reguladoras
estadunidenses. Ao invés de implementar políticas definidas e atuar na regulação dos mercados,
respondiam a interesses privados (BALDWIN e MCCRUDDEN, 1987).
Mesmo essa iniciativa tímida foi contida pelo movimento europeu de estatização, que
teve início no final do século XIX e se intensificou na primeira metade do século XX, após a
Primeira Guerra, a crise de 1929 e a Segunda Guerra (CLIFTON, COMÍN e DIAZ-FUENTES,
2004, p. 2). Nesse período, muitos países europeus passaram a deter o monopólio de empresas
públicas em setores estratégicos, como telecomunicações, eletricidade e gás. A intenção não
era simplesmente regular preços, condições de entrada e qualidade dos serviços, mas também
promover o desenvolvimento econômico nacional e a inovação técnica, gerar empregos,
redistribuir renda no âmbito regional e elevar a segurança nacional, corrigindo falhas de
mercado (MAJONE, 1994, p. 79).
Principalmente após a crise dos anos 1970, contudo, a insatisfação com a intervenção e
a performance econômica do Estado levaram à compreensão de que as empresas privadas, e
não as estatais, deveriam atuar como fornecedoras, satisfazendo a demanda dos consumidores
(CLIFTON, COMÍN e DIAZ-FUENTES, 2004, p. 4). Por se entender que muitos dos objetivos
da estatização tornaram-se obsoletos ou poderiam ser perseguidos de forma mais eficiente por
outros meios, teve início um movimento de apoio às privatizações, em fortalecimento à
capacidade regulatória do Estado. Isso porque, em muitos casos, a privatização representaria a
substituição de monopólios públicos por privados, caso as empresas não estivessem sujeitas à
regulação pública de preços, condições de entrada e prestação de serviços (MAJONE, 1994, p.
84).
Assim, sobretudo a partir da década de 1980, verificou-se expressivo crescimento da
regulação administrativa na Europa, que se deu principalmente em modelo supranacional, no
âmbito da antiga Comunidade Europeia. Isso se deve ao interesse de indústrias multinacionais
voltadas à exportação em evitar regulamentações inconsistentes ou de rigor distinto entre os
países membros – a regulamentação comunitária poderia eliminar ou ao menos reduzir o risco
de normas conflitantes (MAJONE, 1994, p. 87).

39
Na América Latina, ocorreu processo semelhante de reestruturação do papel do Estado,
com a ampliação da regulação setorial e das agências reguladoras autônomas em diversos países
a partir da década de 1990. De 43 agências em 1979, sendo a maioria do setor financeiro, o
número subiu para 134 no final de 2002 – enquanto em 1979 apenas 21 agências reguladoras
eram nominalmente autônomas, o número total de agências autônomas foi para 119 em 2002
(LEVI-FAUR e JORDANA, 2006, p. 336).
Tal mudança foi principalmente incentivada pela popularidade57 dos movimentos de
liberalização e privatização nos anos 1990, enquanto respostas ao mal-estar social e econômico
causado pela crise dos anos 1970. Isso porque, no período pós-Guerra, os países latino-
americanos passaram por um movimento de industrialização intensiva coordenada pelo Estado,
em prol da redução do atraso tecnológico em relação aos países mais ricos. Nesse período, o
setor público se expandiu rapidamente e os instrumentos de coordenação foram desenvolvidos
por meio da concentração do poder econômico (WHITEHEAD, 1994, p. 42), cujas fragilidades
foram evidenciadas posteriormente durante a Crise do Petróleo.
Referida crise econômica coincidiu com a transição das autocracias para os regimes
democráticos (MACEWAN, 1988, p. 125). Sob os governos eleitos, o movimento de
privatização na América Latina ganhou força e se deu de forma bastante acelerada, o que, por
conseguinte, levou à mencionada expansão das agências reguladoras.
Especificamente quanto ao Brasil, conforme mencionado no capítulo anterior, a origem
da regulação remete à transição do Estado Social, que atraía para si o desempenho de diversas
atividades econômicas, para o Estado Regulador, o qual, por meio de regime interventivo, se
dedica a estabelecer as regras disciplinadoras da ordem econômica com o objetivo de conformá-
la aos princípios da justiça social (CARVALHO FILHO, 2019, p. 1284).
Segundo o art. 174 da Constituição, enquanto agente normativo e regulador da atividade
econômica, o Estado deve exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Tal
previsão reflete o abandono ao agigantamento estatal e o movimento de privatização das
empresas estatais após o elevado endividamento público do país na década de 1980, que levou
à substituição do modelo burocrático pelo modelo gerencial de administração.

57
Segundo Remmer, “Neoliberal or market oriented reform programs were viewed as inherently unpopular,
politically hazardous, and consequently dependent upon the existence of strong and relatively autonomous
authoritarian governments. Through time these notions have been revised or at least diluted on the basis of
additional evidence. Authoritarianism is no longer viewed as a critical prerequisite for the adoption of market-
oriented policies (…)” (REMMER, 1998).
40
O insucesso do modelo de Estado Social, portanto, permitiu que se concebessem novas
formas de intervenção estatal na ordem econômica. O Estado passou a assumir um papel
subsidiário na prestação de serviços públicos e na exploração de atividades estatais de natureza
econômica, tendo por principal função o controle, o incentivo, a coordenação e o fomento da
iniciativa privada. Tais encargos passaram a ser exercidos principalmente por meio da
regulação, tendo diversas agências reguladoras sido criadas entre o final da década de 1990 e o
início da década de 2000 no Brasil, quando a extinção total ou parcial do monopólio estatal de
determinados serviços deu espaço à atuação do setor privado na execução de funções
econômicas relevantes (MEDAUAR, 2018, p. 66).

3.1.2. Política regulatória

Compreendido o contexto do Estado Regulador, é relevante distinguir regulação de


política regulatória. Enquanto a regulação se refere à administração das leis, não se confunde
com a formulação da política pública correspondente (ARANHA, 2019, p. 15). Dentre as
competências conferidas às agências reguladoras, não se inclui a de definir ou formular políticas
públicas, tarefa inerente às entidades políticas. É de responsabilidade dos entes federados
formular políticas públicas para os diversos setores regulados, cabendo às respectivas agências
reguladoras executá-las (FURTADO, 2016, p. 156).
Nesse sentido, embora seja função das agências regular os setores sob sua
responsabilidade, não cabe a elas formular políticas públicas, tarefa que deve ser realizada em
nível ministerial, com a participação do chefe do Executivo e do Poder Legislativo.
Tal divisão pode ser observada no contexto do setor petroleiro – conforme já
mencionado, a Lei n° 9.478/97 (Lei do Petróleo), além de criar a Agência Nacional do Petróleo
(ANP), criou o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão integrante da
Administração direta, cuja função é essencialmente a de sediar o debate sobre a questão
energética no país. Nesse sentido, fica a cargo do CNPE a definição da política energética,
enquanto a regulação e execução dessas políticas ficam sob a responsabilidade das agências
ligadas a essa área: ANEEL e ANP (FURTADO, 2016, p. 156-157).

41
3.2. PRESSUPOSTOS DA TEORIA SOCIAL DA REGULAÇÃO E DA TEORIA
INSTITUCIONAL DA REGULAÇÃO

No âmbito jurídico, foram desenvolvidas algumas teorias de análise do fenômeno


regulatório, cada qual com foco em uma dimensão específica da regulação. Algumas teorias
jurídicas da regulação têm caráter substantivo, enfatizando os valores que as justificam, como
direitos fundamentais, os princípios do Estado Regulador relativos aos direitos do consumidor,
à proteção do meio ambiente e ao bem-estar do trabalhador (SUNSTEIN e PILDES, 1995, p.
88). Essa vertente entende a regulação como um fenômeno jurídico-institucional de proteção
de bens jurídicos externos à estrita relação entre os atores regulados e seus interesses
(ARANHA, 2019, p. 97).
Dentre as teorias jurídicas da regulação de caráter substantivo, destacam-se a teoria
social da regulação e a teoria institucional da regulação. A teoria social da regulação diz respeito
à experiência regulatória dos Estados Unidos da América, cujos principais representantes são
Richard Stewart e Cass Sunstein. Referida vertente remete à crise do Estado Regulador
estadunidense da década de 1960, contexto no qual as pretensões regulatórias deixaram de se
limitar ao bom funcionamento dos setores econômicos para acrescentar preocupações de
direitos sociais, como defesa do consumidor, meio ambiente e saúde do trabalhador (ARANHA,
2019, p. 97). Tal perspectiva se refere à constituição do Estado Social Regulador.
Segundo Stewart, essa forma estatal se caracteriza pela compreensão da regulação
enquanto produção de estratégias jurídicas de comando de setores regulados, e não apenas como
solução pontual de conflitos entre atores econômicos (STEWART, 1988, p. 129). De forma
semelhante, Sunstein entende que a regulação dos anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos sofreu
mudanças significativas, deixando de se preocupar exclusivamente com a estabilização da
economia ou com o controle de preços e de entrada no mercado regulado e passando a defender
aspectos como saúde, segurança pública, apoiando-se em previsões de direitos fundamentais
para compensar a “subordinação social de grupos em posição de desvantagem” (SUNSTEIN,
1990, p. 13).
Em perspectiva mais abrangente, tem-se a teoria institucional da regulação, que avançou
em uma concepção de regulação funcionalmente orientada à proteção e à objetivação dos
direitos fundamentais, mais próxima à tradição constitucionalista e mais independente em
relação ao histórico regulatório próprio dos Estados Unidos. Essa visão da regulação enquanto
forma de proteção aos direitos fundamentais não afasta as contribuições da teoria social da

42
regulação americana, mas vai além para inserir a regulação como meio de “materialização de
direitos fundamentais, inscrita nas garantias institucionais que os cercam e aberta à nova
racionalidade material que rege o Estado Regulador de cunho reflexivo” (ARANHA, 2019, p.
98).
Em síntese, ambas as correntes defendem a insuficiência da análise econômica dos
interesses de atores privados presentes em um setor regulado, concentrando-se no conteúdo da
disciplina regulatória voltada à concretização de direitos. O próprio ordenamento jurídico
brasileiro se alinha a essa perspectiva quando reconhece a função das agências reguladoras de
zelar pelos direitos do consumidor e do meio ambiente, pela concorrência nos mercados58 e
pelo bem-estar do trabalhador.
Para este trabalho, portanto, as principais contribuições das teorias abordadas acima são
(i) o não esgotamento dos objetivos da regulação em fatores econômicos e no bom
funcionamento do mercado; e (ii) a existência de preocupações relativas aos direitos sociais e à
proteção de bens jurídicos constitucionalmente tutelados por parte da atividade regulatória. No
tópico seguinte, são exploradas essas questões no âmbito do mercado de gás natural, bem como
a função dos agentes reguladores de cumprir os princípios e objetivos da política energética
setorial, definida pelos poderes Executivo e Legislativo, conforme explicado anteriormente.

3.3. REGULAÇÃO NO SETOR DE GÁS NATURAL

Conforme exposto no primeiro capítulo, o uso do gás natural no Brasil se iniciou por
volta de 1940, com as descobertas de óleo e gás na Bahia, tendo sua importância sido
gradualmente ampliada ao longo do tempo.
Em 1953, foi editada a Lei nº 2.004, que determinou o monopólio da União sobre (i) a
pesquisa e a lavra de jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros no

58
Lei nº 13/848/2019: “Art. 26. No exercício de suas atribuições, incumbe às agências reguladoras monitorar e
acompanhar as práticas de mercado dos agentes dos setores regulados, de forma a auxiliar os órgãos de defesa da
concorrência na observância do cumprimento da legislação de defesa da concorrência, nos termos da Lei nº 12.529,
de 30 de novembro de 2011 (Lei de Defesa da Concorrência).
(...)
Art. 31. No exercício de suas atribuições, e em articulação com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
(SNDC) e com o órgão de defesa do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, incumbe às agências
reguladoras zelar pelo cumprimento da legislação de defesa do consumidor, monitorando e acompanhando as
práticas de mercado dos agentes do setor regulado.
(...)
Art. 33. As agências reguladoras poderão articular-se com os órgãos de defesa do meio ambiente mediante a
celebração de convênios e acordos de cooperação, visando ao intercâmbio de informações, à padronização de
exigências e procedimentos, à celeridade na emissão de licenças ambientais e à maior eficiência nos processos de
fiscalização”.
43
território nacional; (ii) o refino do petróleo nacional ou estrangeiro; e (iii) o transporte marítimo
de petróleo e derivados, assim como de gases raros59. Segundo a lei, a União exerceria o
monopólio estabelecido por meio (i) do Conselho Nacional do Petróleo (CNP)60, como órgão
de orientação e fiscalização; e (ii) da sociedade Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) e de suas
subsidiárias, como órgãos de execução61.
À Petrobras, de propriedade e controle inteiramente nacionais e com participação
majoritária da União, caberia explorar, em regime monopolista, diretamente ou por meio de
subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, exceto a distribuição. Por outro lado, o
CNP, enquanto entidade autônoma diretamente subordinada ao Presidente da República, teria
como finalidade superintender as medidas concernentes ao abastecimento nacional de petróleo
e ao aproveitamento de outros hidrocarbonetos fluídos e de gases raros62.
Nesse contexto, embora não houvesse agência reguladora, já havia um princípio de
regulação do setor de gás natural, consubstanciada na atuação do CNP, órgão colegiado
composto pelos ministros das Forças Armadas, da Fazenda e do Trabalho, Indústria e Comércio,
e representantes de sindicatos da indústria e do comércio. Era responsável, assim, por definir a
política regulatória setorial, sendo suas decisões orientadas preponderantemente por seu
presidente, nomeado pela Presidência da República, e passíveis de veto por parte dos ministros
militares (FGV/CPDOC).
O CNP teve papel relevante (i) na estratégia do governo para superar impactos da
primeira crise do petróleo e (ii) no cumprimento da sua missão de garantir o abastecimento e
das determinações governamentais para redução do consumo de combustíveis (ANP, 2020).
Em 1990, contudo, foi substituído pelo Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), do
quadro do Ministério da Infraestrutura, cuja principal função era “orientar e fiscalizar as
atividades relativas ao monopólio da União”63 nas matérias ligadas a petróleo, gás e outros
hidrocarbonetos fluidos.
Da análise das competências previstas no art. 222 do Decreto nº 99.244/1990, verifica-
se que o DNC reunia funções normativas e de orientação, fiscalização e superintendência.
Tratava-se, portanto, de entidade intermediária entre um conselho de política regulatória

59
Lei nº 2.004/1953, Art. 1º.
60
O CNP já havia sido criado pelo Decreto-Lei nº 395/1938: “Art. 4º Fica criado o Conselho Nacional do Petróleo,
constituído de brasileiros natos, designados pelo Presidente da República, representando os Ministérios da Guerra,
Marinha, Fazenda, Agricultura, Viação e Obras Públicas, Trabalho, Indústria e Comércio, assim como as
organizações de classe da Indústria e do Comércio”.
61
Lei nº 2.004/1953, Art. 2º.
62
Lei nº 2.004/1953, Art. 3º.
63
Decreto nº 99.244/1990, art. 222.
44
setorial e uma agência reguladora, atuando tanto no controle e coordenação da iniciativa
privada, quanto na definição das diretrizes energéticas.
Posteriormente, tal estrutura foi alterada pela Lei nº 9.478/1997 (Lei do Petróleo), ainda
vigente, que promoveu a flexibilização do monopólio da Petrobras, estabeleceu os princípios
da política energética e criou o CNPE, enquanto conselho responsável pela política energética,
e a ANP, como agência reguladora autônoma, conforme apontado no primeiro capítulo.
Nos termos do art. 2º da referida lei, o CNPE é um conselho vinculado à Presidência da
República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, que tem a função de propor
ao chefe do Executivo políticas nacionais e medidas específicas destinadas a (i) promover o
aproveitamento racional dos recursos energéticos; (ii) rever periodicamente as matrizes
energéticas aplicadas às diversas regiões do Brasil; (iii) estabelecer diretrizes para programas
energéticos específicos; (iv) definir a estratégia e a política de desenvolvimento econômico e
tecnológico da indústria de petróleo, de gás natural, de outros hidrocarbonetos fluidos e de
biocombustíveis, bem como da sua cadeia de suprimento; e (v) definir a estratégia e a política
de desenvolvimento tecnológico do setor de energia elétrica.
Por sua vez, a ANP foi criada como entidade integrante da Administração Federal
indireta, vinculada ao Ministério de Minas e Energia e submetida ao regime de autarquia
especial, como órgão regulador da indústria de petróleo, gás natural, seus derivados e
biocombustíveis. Cabe à ANP promover a regulação, a contratação e a fiscalização das
atividades econômicas do setor, implementando a política energética nacional definida pela
legislação e pelo CNPE, realizando estudos em prol das atividades de exploração,
regulamentando e autorizando as atividades ligadas ao abastecimento nacional de combustíveis
e estimulando a adoção de novas tecnologias relacionadas a exploração, produção, transporte,
refino e processamento.
O art. 1º da Lei nº 9.479/1997 prevê dentre os objetivos da política energética nacional
(i) preservar o interesse nacional; (ii) promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de
trabalho e valorizar os recursos energéticos; (iii) proteger os interesses do consumidor quanto
a preço, qualidade e oferta dos produtos; (iv) proteger o meio ambiente e promover a
conservação de energia; (v) garantir o fornecimento de derivados de petróleo e biocombustíveis
em todo o território nacional; (vi) incrementar a utilização do gás natural; (vii) utilizar fontes
alternativas de energia; (viii) promover a livre concorrência; e (ix) atrair investimentos na
produção de energia.

45
Da leitura dos referidos dispositivos, verifica-se o alinhamento da legislação brasileira
e da política regulatória do setor de gás natural aos pressupostos da teoria social da regulação e
da teoria institucional da regulação, à medida que os objetivos da regulação energética nacional
não se limitam a aspectos econômicos ou de funcionamento do mercado, incluindo questões
relativas à proteção de direitos fundamentais, à preservação ambiental e ao bem-estar da
população.
Isso é particularmente relevante para esse trabalho porque (i) reforça a competência da
ANP para executar as políticas definidas pelo CNPE; e (ii) acentua a diferença entre as funções
da ANP e do CADE, tendo esse um escopo de atuação mais restrito e específico, voltado à
proteção da concorrência e da ordem econômica.

46
CONCLUSÃO

Nos últimos anos, o Poder Público tem enfatizado a relevância do mercado de gás
natural ao promover diversas iniciativas pela sua abertura, no intuito de promover o crescimento
econômico do setor e desenvolver um cenário de competitividade efetiva. A partir dos debates
fomentados entre agentes da indústria, órgãos governamentais, universidades e membros da
sociedade civil, foram estabelecidas diretrizes para o desenho do novo mercado de gás natural,
visando garantir a manutenção do funcionamento adequado do mercado no período de transição
e avaliar a possibilidade de aceleração da mudança, conforme discutido no capítulo I.
Nesse contexto de abertura do mercado de gás natural, incentivada inclusive pela gestão
atual da Petrobras, este trabalho buscou formular crítica à utilização de meios impróprios para
tentar atingir os objetivos pretendidos, principalmente em caso de sobreposição entre as
atividades antitruste e regulatória. Isso porque o TCC celebrado entre CADE e Petrobras, objeto
central da análise proposta, embora tenha o potencial de estimular a concorrência no mercado,
apresentou diversos problemas, particularmente (i) desvio de competência e (ii) desvio de
finalidade. Nos termos do acordo, os procedimentos administrativos que deram origem à
celebração do TCC não imputaram uma conduta específica à Petrobras, a signatária não
reconheceu a prática de ilícito e os desinvestimentos previstos seriam voluntários por parte da
Petrobras.
Conforme analisado no segundo capítulo, não há correspondência lógica e finalística
entre o acordo e a suposta conduta anticompetitiva apurada. Tendo a lei definido finalidade
específica para o TCC, relativa à cessação de ilícitos concorrenciais, e sendo esse um
mecanismo negocial típico da atuação repressiva do CADE, é evidente sua inadequação para
alinhar com empresas, de forma voluntária, estratégias de negócios alheias à proteção da
concorrência e da ordem econômica. Além disso, não é função do CADE coibir o poder
econômico ou o monopólio em si, mas sim reprimir eventuais infrações à ordem econômica e
o abuso do poder de mercado. A partir de tais elementos, demonstrou-se que o esforço de
cooperação em prol da abertura do setor de gás natural, materializado pelo acordo, não é
amparado pela legislação concorrencial.
Reforça isso a ausência de competência do CADE para executar diretrizes de política
regulatória setorial. Embora seja possível sua contribuição, enquanto instituição pública, para
as discussões relativas à abertura do setor, evidenciou-se, no terceiro capítulo, a existência de
uma estrutura regulatória complexa e bem definida no setor de gás natural, cujas principais

47
autoridades são a ANP e o CNPE, não havendo espaço para a apropriação de funções alheias.
Ao longo desta pesquisa, buscou-se demonstrar o escopo mais amplo da atuação
regulatória, quando comparada à atividade antitruste: enquanto o CADE tem como foco a tutela
da ordem econômica e a proteção à concorrência, às agências reguladoras compete não apenas
intermediar conflitos de agentes privados e fiscalizar a execução de atividades econômicas
relevantes, mas também fomentar o desenvolvimento econômico e a competitividade, produzir
regulamentações, estabelecer soluções negociais com agentes econômicos e proteger os
interesses dos consumidores, o meio ambiente e a saúde do trabalhador.
Nessa linha, embora a dimensão econômica seja relevante aos agentes reguladores, sua
atuação não se encerra nela, sendo orientada inclusive para a materialização de direitos sociais,
em consonância com os pressupostos das teorias substantivas da regulação. Para além dos
objetivos gerais previstos em lei, a estrutura da regulação também apresenta dimensão política,
consubstanciada na definição da política regulatória setorial em nível ministerial, com a
participação do chefe do Executivo e do Poder Legislativo, a ser executada pela respectiva
agência reguladora.
A partir desse panorama, entende-se (i) não caber ao CADE a execução da política
energética setorial, o que, no mercado analisado, é de responsabilidade da ANP; (ii) haver
pontos comuns, mas escopos de atuação diversos entre a autoridade antitruste e o agente
regulador; e (iii) ser pouco eficiente o dissentimento e a sobreposição entre as referidas
entidades, visto que isso prejudica a melhor execução de ambas as funções e a segurança
jurídica do agente econômico regulado.
Considerando tais questões, abordou-se a contribuição da Primary Jurisdiction Doctrine
enquanto mecanismo adequado de solução de conflitos entre concorrência e regulação. Em um
contexto de regulação efetiva, a teoria sustenta maior deferência à agência reguladora em casos
que exijam o exercício de sua discricionariedade ou o conhecimento de questões de fato mais
técnicas ou específicas do setor. O objetivo não é defender a concessão de imunidade material
em relação às regras da legislação concorrencial, mas garantir que isenções pontuais exigidas
pela lógica e estrutura da sistemática regulatória não sejam prejudicadas pela sobreposição
unilateral do direito antitruste.
Assim, embora inquestionável a autoridade do CADE para decidir sobre ilícitos
anticompetitivos, discute-se se ele deveria exercê-la de plano ou após análise prévia do interesse
da agência reguladora no caso concreto. A ideia é, essencialmente, ponderar o conflito de forma
racional, considerando a necessidade de preservação da coesão do ordenamento jurídico: o

48
julgador deve determinar (i) se a intervenção antitruste, sem consulta à agência reguladora, pode
ser prejudicial aos objetivos regulatórios do setor e (ii) se a autoridade reguladora está em
posição mais adequada à resolução da demanda apresentada.
Considerando a análise empreendida, verificou-se que o TCC celebrado entre CADE e
Petrobras não se alinhou à preocupação da Primary Jurisdiction em conceder segurança jurídica
e previsibilidade aos agentes regulados, principalmente porque (i) o CADE não tem
competência para promover reformas estruturais profundas; (ii) não há correspondência entre
as obrigações previstas e as supostas condutas anticompetitivas identificadas; e (iii) as
mudanças pretendidas pelo Conselho seriam melhor executadas pela ANP.
No que tange à Primary Jurisdiction, esta pesquisa procurou evidenciar a necessidade
de aplicação de um mecanismo semelhante de solução de conflitos entre concorrência e
regulação, mais amplo em relação aos atualmente utilizados pelo CADE e com ênfase na
preservação da coerência do ordenamento jurídico, que não deve sujeitar o mesmo agente a
comandos conflitantes.
A partir dos elementos expostos, evidenciam-se os seguintes objetivos da crítica
apresentada: (i) expressar reprovação ao desvio de finalidade e competência evidenciados no
acordo celebrado, bem como ao uso indiscriminado de recursos específicos da atividade
antitruste; (ii) incentivar o aprimoramento jurisprudencial e institucional da autoridade da
concorrência; (iii) reconhecer a importância da atividade regulatória em um contexto
constitucional de primazia da atuação privada e o caráter complementar entre regulação e
concorrência; (iv) ressaltar a necessidade de uma avaliação mais cautelosa em caso de
sobreposição de competência, no intuito de elevar a coerência sistêmica e institucional diante
das escolhas do Estado brasileiro, especialmente quanto à coexistência das atividades
regulatória e antitruste; e (v) buscar, na experiência estrangeira, boas práticas para a resolução
de conflitos.

49
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54
ANEXO A – VOTO RELATOR NO PA Nº 08700.002600/2014-30

55
31/08/2020 SEI/CADE - 0635931 - Voto

Ministério da Justiça e Segurança Pública- MJSP


Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE
SEPN 515 Conjunto D, Lote 4 Ed. Carlos Taurisano, 3º andar - Bairro Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70770-504
Telefone: (61) 3221-8475 - www.cade.gov.br

PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08700.002600/2014-30

Representante: Companhia de Gás de São Paulo – Comgás

Representadas: Petróleo Brasileiro S.A.

Advogados: Alex Azevedo Messeder, Hélio Siqueira Júnior, Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, Tamara Hoff e outros/as.

Relator: Conselheiro Paulo Burnier da Silveira

VOTO
ACESSO PÚBLICO

Ementa: Processo Administrativo. Mercado de transporte e distribuição de gás natural canalizado. Política de
descontos da Petrobrás aplicável aos contratos da “Nova Política de Preços” (NPP). Prática delimitada no
período de 2011 a 2015. Discriminação de preços em relação a rivais no mercado downstream. Pareceres da
SG, da ProCADE e do MPF pela condenação. Ausência de comprovação de efeitos negativos efetivos. Voto
pelo arquivamento.

Palavras-chaves: Processo Administrativo. Suposto abuso de posição dominante. Mercado de transporte e


distribuição de gás natural. Tratamento discriminatório em relação a rivais. Ausência de efeitos
anticompetitivos. Arquivamento.

Sumário

1. Relatório

1.1. Representação da Comgás

1.2. Processo Administrativo

1.3. Parecer da ProCADE

1.4. Parecer do MPF

1.5. Re-distribuição do Processo Administrativo

2. Preliminares

3. Mérito

3.1. Conduta investigada

3.2. Mercado relevante e poder de mercado

3.2.1. Dimensão produto: gás natural

3.2.2. Dimensão geográfica: cenários alternativos

3.2.3. Existência de poder de mercado

https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yOL3K7eFDY… 1/13
31/08/2020 SEI/CADE - 0635931 - Voto
3.3. Teoria do dano e potencialidade lesiva da conduta analisada

3.3.1. Capacidade de fechamento de mercado

3.3.2. Incentivos ao fechamento de mercado

3.3.2.1. Pressão substitutiva de fontes energéticas alternativas

3.3.2.2. Influência na decisão alocativa de grandes indústrias

3.4. Análise dos efeitos negativos da conduta

3.5. Análise de eficiências e de justificativas da prática

3.5.1. Objetivo de proteção da competitividade do gás natural

3.5.2. Histórico de negociação entre as partes

3.6. Conclusão quanto à licitude da conduta no plano concorrencial

4. Dispositivo

1. Relatório

1.1. Representação da Comgás

1. Em 01.04.2014, a Companhia de Gás de São Paulo (“Comgás”) protocolou uma Representação, junto à Secretaria de Direito Econômico
(“SDE”) do Ministério da Justiça, em desfavor da Representada Petróleo Brasileiro S.A. (“Petrobras”), para investigar suposta prática de discriminação de
preços e de condições de contratação no fornecimento de gás natural pela Petrobras às concessionárias de distribuição de gás canalizado, de forma a
beneficiar distribuidora de propriedade da estatal e prejudicar as demais distribuidoras do mercado.
2. Segundo a Representante, a Petrobras teria atuado de maneira discriminatória ao conceder descontos unilaterais sobre o preço do gás natural
a apenas uma modalidade de contratação de gás natural canalizado, gerando vantagens competitivas a sua subsidiária Gás Brasiliano Distribuidora S.A.
(“GBD”), em detrimento da Comgás. Nos termos da Representação, tal conduta configuraria ilícito antitruste, com enquadramento normativo previsto no
art. 36, caput, incisos I e IV, e § 3º, do mesmo artigo, incisos IV e X, e art. 66, da Lei 12.529/11.
3. Em 17.04.2014, a Superintendência-Geral (“SG”) do CADE instaurou um Inquérito Administrativo destinado à apuração da prática descrita
na Representação.

1.2. Processo Administrativo

4. Em 11.11.2015, a a Superintendência-Geral (“SG”) do CADE instaurou o Processo Administrativo com a consequente notificação da
Representada para produção de provas, bem como exercício de contraditório e ampla defesa.
5. Em 05.08.2016, a SG concluiu sua análise acerca do presente Processo Administrativo, com a recomendação de condenação da Representada
por entender pela existência de conduta discriminatória no fornecimento de gás natural, em prejuízo da concorrência, durante o período de abril de 2011 a
maio de 2015 (SEI nº 0227992). Determinou-se, igualmente, a remessa dessa recomendação à Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de
São Paulo (“Arsesp”) e à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”).
6. Em 17.08.2016, por ocasião da 121ª Sessão Ordinária de Distribuição, o Processo Administrativo foi distribuído à Conselheira Cristiane
Alkmin Junqueira Schmidt.

1.3. Parecer da ProCADE

7. Em 14.10.2016, a Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE (“ProCADE”) acompanhou a recomendação de condenação sugerida
pela SG por entender pela existência de infração concorrencial decorrente do tratamento discriminatório no fornecimento de gás canalizado à distribuidora
GBD pela Petrobras (SEI nº 0243110).

1.4. Parecer do MPF

8. Em 02.12.2016, o Ministério Público Federal junto ao CADE concluiu pela ocorrência de infração contra a ordem econômica referente à
pratica de discriminação anticompetitiva no fornecimento de gás natural, opinando pela condenação da Representada, em conformidade com a SG e a
ProCADE (SEI nº 0260837).

1.5. Re-distribuição do Processo Administrativo

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9. Em 09.01.2019, o processo foi redistribuído à minha relatoria, conforme sorteio realizado na 184ª Sessão Ordinária de Distribuição (SEI nº
0566672), na sequência da renúncia da Conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt ao cargo de Conselheira do CADE conforme exoneração em
01.01.2019, o que exigiu nova distribuição processual (SEI nº 0232784).

É o relatório.

2. Preliminares

10. A Representada não apresentou questões preliminares ou prejudiciais de mérito (SEI nº 0147883).

3. Mérito

3.1. Conduta investigada

11. A conduta investigada no presente processo consiste na concessão de descontos temporários no preço do gás natural fornecido pela Petrobrás
a todas as distribuidoras de gás natural do país contratadas sob o regime denominado de Nova Política de Preços (NPP). A conduta apurada durou,
aproximadamente, 4 (quatro) anos: de maio de 2011 a setembro de 2015.
12. A Representante alega que tal prática teve o condão de beneficiar a distribuidora GásBrasiliano (GBD), que é verticalmente integrada à
Petrobras e atuante no noroeste do Estado de São Paulo, em detrimento das demais concenssionárias no mercado de distribuição de gás natural que detêm
também contratos de fornecimento com a Petrobrás.
13. A Nova Política de Preços (“NPP”) foi uma iniciativa da Petrobras para unificar sua política comercial e implementar uma modalidade
contratual básica para todas as distribuidoras, a partir de 2007. Ocorre que alguns contratos de fornecimento de gás natural no Brasil, anteriores a 2007,
ainda estavam em vigência, em especial os chamados contratos TCQ (Transportation Capacity Quantity). Nesses contratos, o preço do gás natural é
[1]
composto pelas variáveis custo da molécula de gás e custo de transporte , enquanto, em contratos NPP, o preço do gás é composto pela soma de uma
parcela fixa, atualizada anualmente pelo IGPM/FGV, e uma parcela variável, reajustada trimestralmente de acordo com a variação de uma cesta de óleos
combustíveis e da taxa de câmbio. O contrato TCQ é também referido por “contrato boliviano” em razão da origem do gás natural, que alimenta esses
contratos, ser exclusivamente da Bolívia.
14. A Comgás, concessionária de distribuição de gás canalizado com atuação no Estado de São Paulo, possui dois contratos com a Petrobras para
o fornecimento do insumo: (i) um contrato TCQ, firmado em 1996 e com vigência até 2019, e (ii) um contrato NPP, por meio do qual pactuou um volume
de gás adicional ao então contratado, em 2007. De acordo com a Representada, durante as negociações do novo contrato, a Petrobras sugeriu informalmente
a migração de todo o volume contratado TCQ para NPP. Entretanto, o volume adicional contratado em regime NPP possuía, à época, preços superiores, o
que inviabilizaria a migração pela Comgás conforme sugerido. Assim, atualmente, o preço final da distribuidora é formado por um mix entre os contratos
NPP e TCQ. Atualmente, a Representante informou que a Petrobrás fornece [ACESSO RESTRITO AO CADE, PETROBRÁS E COMGÁS].
15. A partir de maio de 2011, a Petrobras passou a conceder descontos trimestrais sobre a parcela variável do preço do gás previsto nos contratos
regidos pela regra de precificação NPP, o que se estendeu até setembro de 2015. Os contratos TCQ não receberam descontos. Aqui reside a origem da
disputa e da alegação de discrimnação, considerando que a Comgás era abastecida por dois regimes contratuais (NPP e TCQ) enquanto a GásBrasiliano
(GBD) comprava gás natural unicamente pelo regime NPP. Ou seja, a Comgás tinha um mix de contratos, de modo que o desconto incidia apenas sobre a
parcela relativa ao contrato NPP.
16. O Departamento de Estudos Econômicos (“DEE”) do CADE, em Nota Técnica nº 026/2014, destacou que os descontos possuem natureza:
(i) temporária (trimestrais), (ii) variável (calculados a cada concessão); (iii) homogênea; e (iv) não isonômica, “uma vez que, apesar de aplicarem-se
indistintamente a todos os contratos NPP, não contemplam concessionárias com contratos regidos pelas demais regras de precificação” (§ 46 da Nota
Técnica).
17. É fato incontroverso nos autos que a prática ocorreu no período de 2011 a 2015 sob a forma de descontos temporários aos contratos de
regime NPP para fornecimento de gás natural entre a Petrobrás e distribuidoras do país.
18. A figura abaixo ilustra a conduta apurada:

Fonte: elaboração do Gabinete 5 do Tribunal do CADE

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19. Feitas essas breves considerações, passa-se ao exame do mercado relevante, em ambas as dimensões de produto e geográfica, bem como à
análise de poder de mercado da Representada (Petrobrás).

3.2. Mercado relevante e poder de mercado

3.2.1. Dimensão produto: gás natural

20. O mercado de gás natural abastece um amplo leque de atividades industriais na forma de combustível, com aplicações na geração de energia
elétrica, em processos industrias termointensivos e na geração de calor. Esse insumo também é usado para fins de transporte, por meio do gás natural
[2]
veicular, e como fonte de energia e aquecimento em ambientes residenciais e comerciais.
21. O gás natural é extraído de bacias sedimentares em território nacional (mar ou continente). A maior parte do gás natural produzido no Brasil
está associado à extração de petróleo em campos marítimos de águas profundas, o que demanda grandes investimentos em gasodutos de escoamento e
[3] [4]
unidades de processamento. Tal insumo pode também ser importado por meio de navios metaneiros, que transportam Gás Natural Liquefeito (“GNL”) ,
ou por dutos de origem Argentina ou Boliviana. O gás boliviano corresponde à quase totalidade de gás natural importado por gasodutos no país e a
Petrobras carrega e distribui esse insumo de forma exclusiva.
22. Os substitutos do gás natural incluem uma série de combustíveis, que transformam algum tipo de energia em energia térmica. Do ponto de
vista concorrencial, os substitutos mais próximos são o óleo combustível e o gás liquefeito de petróleo (“GLP”).
23. Pelo lado da oferta, a cadeia produtiva do gás natural é dividida em três níveis. O nível upstream consiste na exploração de áreas naturais, na
produção propriamente dita, além do escoamento para as refinarias, e na importação. O nível midstream engloba o processamento e o transporte em dutos
de alta pressão (gasodutos), que funcionam como principal elo da distribuição do gás. Na extremidade da cadeia, o downstream abrange a distribuição local
por meio de dutos de menor pressão ou ainda a granel, geralmente por carretas de gás liquefeito (“GNL”) ou de gás comprimido (“GNC”).
24. A conduta investigada concentra-se na relação comercial que se dá entre o midstream e o downstream. Ou seja, na compra do gás natural
vindo dos gasodutos pelas distribuidoras (mercado de transporte, a montante) que, em seguida, distribuem para os clientes finais por diferentes formas
(mercado de distribuição, a jusante). Assim, os mercados relevantes na dimensão produto são o transporte e a distribuição de gás canalizado.

3.2.2. Dimensão geográfica: cenários alternativos

25. Em relação à definição de mercado relevante na dimensão geográfica, na etapa do midstream (transporte), os gasodutos percorrem distâncias
continentais com válvulas instaladas em diversos pontos para permitir o redirecionamento de parte do gás para as diferentes localidades. Os dois principais
dutos de transporte no país são: a rede da região Norte (AM) e a rede interligada das regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul.
26. No Brasil, a Petrobras possui o monopólio no transporte do gás em tubos de alta pressão, sendo a única vendedora de gás natural para as
distribuidoras locais, entre elas, a Comgás. Com o monopólio da oferta, o mercado de transporte, na sua dimensão geográfica, foi considerado nacional pela
SG (SEI nº 0227992, § 45).
27. No que tange à etapa do downstream (distribuição), as concessionárias exploram a atividade em caráter de exclusividade, conforme o
contrato de concessão. A despeito disso, no segmento industrial, as distribuidoras sofrem pressão competitiva em suas margens de atuação, isto é, em
pontos de intersecção de áreas de concessão, ainda que em diferentes Estados da Federação. Ademais, há também interação competitiva entre as
concessionárias na disputa pela instalação de grandes consumidores industriais em suas áreas de concessão, a chamada competição pelo mercado.
28. Quando do julgamento do AC nº 08012.006171/2010-03 (“AC GBD”), em voto aprovado por unanimidade pelo Tribunal do CADE, o
Conselheiro-Relator Olavo Zago Chinaglia, apesar de entender ser desnecessário o aprofundamento da análise e definir como local o mercado relevante
geográfico, apontou a possibilidade de interação competitiva entre as concessionárias instaladas em áreas de concessão contíguas ao, por exemplo,
disputarem grandes consumidores industriais, ofertando menores preços (SEI nº 0016654, p. 199).
29. No mesmo sentido, em instrução realizada no AC nº 08012.006668/2014-99 (“AC Cemig-GNF”), constatou-se uma competição potencial
[5]
entre concessionárias em diferentes localidades , motivo pelo qual foram definidos três cenários de mercado relevante geográfico para o mercado de
distribuição de gás canalizado (local, regional e nacional). De uma maneira geral, observou-se que o cenário nacional seria mais plausível que o cenário
regional, não tendo havido, entretanto, uma definição de mercado relevante geográfico de forma precisa (SEI 0093140, p. 72 e ss.). Ou seja, pode-se
considerar que as distribuidoras possuem interação competitiva no segmento industrial, às margens das áreas de concessão e no momento de atração de
novos investimentos, a despeito da impossibilidade de atuação em área de concessão de outra distribuidora.
30. Nesse contexto, por entender que a competição entre as distribuidoras por grandes consumidores industriais ocorre em âmbitos estadual,
regional e nacional, a SG adotou diferentes cenários de mercado relevante geográfico para o mercado de distribuição de gás canalizado. São eles: (i) cenário
local; (ii) cenário estadual; (iii) cenário regional; e (iv) cenário nacional.
31. O cenário local, tradicionalmente adotado pelo CADE, abrange o território de concessão da distribuidora, ou seja, a área em que a Comgás
possui o monopólio sobre a operação dos dutos de distribuição. O cenário estadual, em razão de “as áreas serem contíguas, com significativa integração
[6]
logística e proximidade dos mesmos mercados consumidores e insumos necessários a algumas indústrias” , abarca o Estado de São Paulo, onde existem
três áreas de concessão, das concessionárias Comgás, GBD e SPS. O cenário regional inclui a Região Sudeste, enquanto o cenário nacional abarca todo o
território brasileiro.
32. A Representada argumentou que a SG teria adotado definições de mercado relevante inconclusivas e hipotéticas, sem optar por uma das
alternativas. No entanto, a definição de mercado relevante é um instrumento para auxiliar a análise, não se tratando de um fim em si. Como se verá a seguir,
em qualquer dos cenários analisados, observa-se que a Representada detem poder de mercado e, portanto, dominância para fins de proseguimento da análise
concorrencial.

3.2.3. Existência de poder de mercado

33. Consoante já aventado, no que se refere ao mercado nacional de transporte de gás natural, a Petrobras possui monopólio dos trechos da
malha integrada no Brasil. Segundo a ANP, a estatal “controla a totalidade dos gasodutos de transporte da malha integrada, exceção feita à recente venda da
[7]
malha sudeste, mas que permanece operada pela Transpetro, subsidiária integral da Petrobras”.
34. Quanto ao mercado de distribuição de gás natural nos diferentes cenários – local, estadual (Estado de São Paulo), regional (Região Sudeste) e
nacional – observa-se, na tabela abaixo, a participação de mercado dos concorrentes, em termos de volume vendido, de janeiro a julho de 2014.

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Tabela 1: Participação no mercado de distribuição de gás natural canalizado em volume vendido para os cenários estadual, regional e nacional, de
jan. a jul/2014

Fonte: Abegás.

35. Como demonstrado na Tabela 1, no cenário local, a Comgás detém 100% de participação de mercado, ou seja, não há sobreposição
horizontal. No cenário estadual, a Petrobras (GBD) possui participação de mercado de apenas 4,6%, em termos de volume vendido, de janeiro a julho de
2014. Não obstante a Petrobras tenha apresentado nenhuma ou baixa participação de mercado na distribuição de gás natural, nos cenários local e estadual,
respectivamente, a SG entendeu que há incentivos à Petrobras discriminar distribuidoras não integradas à estatal, tendo em vista sua participação em
[8] [9]
mercados de combustíveis substitutos (óleo combustível e GLP) e de distribuição de gás a granel .
36. Nos cenários regional e nacional, por sua vez, a Petrobras apresentou significativo market share no mercado de distribuição de gás natural,
38,1% e 56,6%, respectivamente, em termos de volume vendido, de janeiro a julho de 2014, conforme demonstrado na Tabela 1. Tais cenários evidenciam
claramente o poder de mercado da estatal.
37. Ademais, a SG aprofundou a análise no cenário estadual ao avaliar a evolução da participação de mercado das distribuidoras. As tabelas e os
gráficos abaixo apresentam a evolução da participação de mercado dos concorrentes no mercado de distribuição de gás natural, no Estado de São Paulo, de
janeiro de 2010 a julho de 2014, em termos de volume vendido e em termos de extensão de rede.

Tabela 2: Evolução do market share do mercado de distribuição de gás natural no Estado de São Paulo, de jan/2010 a jul/2014, em volume vendido

Distribuidora 2010 2011 2012 2013 2014*

Comgás 86,5% 85,7% 86,9% 87,30% 88,20%

Sistema Petrobras (GBD) 4,2% 5,0% 5,0% 4,90% 4,60%

Grupo Gás Natural Fenosa (SPS) 9,4% 9,3% 8,2% 7,70% 7,20%

Total 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Abegás

Gráfico 1: Evolução do market share do mercado de distribuição de gás natural no Estado de São Paulo, de jan/2010 a jul/2014, em volume
vendido

Fonte: Abegás

Tabela 3: Evolução do market share do mercado de distribuição de gás natural no Estado de São Paulo, de dez/2010 a jun/2014, em extensão de
rede.

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Distribuidora dez/2010 dez/2011 dez/2012 dez/2013 jun/2014

Comgás 77,4% 79,1% 80,9% 82,9% 83,8%

Sistema Petrobras (GBD) 7,7% 7,6% 7,3% 6,5% 6,3%

Grupo Gás Natural Fenosa (SPS) 14,9% 13,3% 11,9% 10,5% 10%

Total 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Abegás

Gráfico 2: Evolução do market share do mercado de distribuição de gás natural no Estado de São Paulo, de dez/2010 a jun/2014, em extensão de
rede

Fonte: Abegás

38. A partir das tabelas e gráficos acima, observa-se que a participação de mercado das três distribuidoras no Estado de São Paulo manteve-se
estável, em termos de volumes vendidos, de janeiro de 2010 a julho de 2014. Em termos de extensão de rede, por sua vez, houve um aumento de
participação de mercado da distribuidora Comgás, e uma ligeira redução do market share das concessionárias GDB e SPS. Diante desses dados, a SG
“entende plausível supor que a capacidade de crescimento da empresa GBD, que poderia chegar a participações de mercado bem maiores com pouco
investimento relativamente à Comgás, tem o condão de reforçar os incentivos à discriminação” (SEI n˚ 0227992, § 83).
39. Ressalta-se que a existência de poder de mercado da Petrobras já havia sido objeto de apreciação pelo CADE no Ato de Concentração n˚
08012.001015/2004-08 (“AC Gemini”), no Processo Administrativo nº 08012.011881/2007-41 (“PA Gemini”) e na instauração do presente processo
administrativo, de modo que esta análise apenas reforça o entendimento pela existência de situação de dominância econômica em pelo menos um dos elos
da cadeia (midstream) com participação no elo seguinte (downstream).
40. No mesmo sentido, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”), ressaltou que:

“Com relação à estrutura concentrada na indústria do gás, é possível identificar que a ausência de limites à participação cruzada dos agentes ao longo da cadeia
de valor da indústria, em especial à atuação de forma simultânea na atividade naturalmente monopólica (transporte) e nos segmentos potencialmente
[10]
competitivos, tais como produção e comercialização, produz fortes incentivos para a adoção de práticas anticompetitivas” (grifos do voto).

41. A ANP reafirmou seu posicionamento quanto à possibilidade de discriminação no mercado de distribuição de gás natural pela Petrobras, em
razão do monopólio da estatal no mercado a montante (de transporte), e de sua participação como concorrente no mercado a jusante (de distribuição), em
Nota Técnica nº 014/2018-SIM da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação da ANP.
42. Conforme apontado pela Agência, a Petrobras atua nos dois polos da cadeia de gás natural ao vender o insumo e, em grande medida, comprar
gás canalizado por meio de distribuidoras estaduais, dado que controla a maior parte dessas companhias. Entre as mudanças estruturais sugeridas pela ANP
para o efetivo desenvolvimento da comercialização de gás natural no país, destaca-se a desverticalização completa do elo de distribuição da cadeia,
limitando a participação acionaria da produtora nas distribuidoras estaduais de gás canalizado.
43. Ante todo o exposto, resta claro o poder de mercado da Petrobras, monopolista do mercado de transporte, com significativa participação no
mercado de distribuição, e em mercados de combustíveis substitutos.

3.3. Teoria do dano e potencialidade lesiva da conduta analisada

44. A análise de práticas exclusionárias por parte das autoridades antitruste deve perpassar a identificação de uma teoria do dano que justifique
de que forma a conduta investigada pode, ainda que potencialmente, restringir a concorrência no mérito no mercado relevante atingido pela estratégia
comercial.
45. No caso em tela, a conduta da Representada pode ser examinada como uma prática exclusionária que pode gerar o efeito de fechamento
vertical de mercado (vertical foreclousure). Esse gênero de efeito anticompetitivo assume potencialidade lesiva em mercados caracterizados pela presença
de um monopolista em um nível upstream da cadeia que controla o acesso a insumo essencial para agentes econômicos no nível dowstream e, ao mesmo
[11]
tempo, atua no mercado dowstream por meio de uma empresa afiliada . Nessa estrutura de cadeia de valor, é possível que o monopolista no mercado
upstream adote estratégias de fechamento de mercado, com o objetivo de excluir seus rivais no nível dowstream.
46. Existem diversas formas pelas quais o fechamento de mercado pode ser operado. A estratégia mais óbvia consiste na recusa de fornecimento
ao insumo essencial. Sobretudo quando não há obrigações regulatórias de acesso a tal insumo, o monopolista pode se recusar a contratar com rivais no
mercado à jusante. De forma mais camuflada, a recusa de fornecimento também pode tomar a forma de cobrança de preços exorbitantes pelo acesso ao
insumo.

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47. No entanto, ainda que não ocorra a recusa total de acesso ao insumo, o fechamento de mercado pode ser levado a cabo por estratégias de
[12]
compressão da margem dos rivais . O monopolista pode adotar uma combinação dos preços altos no mercado upstream e baixos no mercado downstream,
de modo que um concorrente igualmente eficiente não consiga operar de forma lucrativa no mercado downstream. Esse é o racional da chamada prática de
margin ou price squeeze. Há profundas discussões na teoria econômica acerca da potencialidade lesiva dessas condutas e, mesmo na jurisprudência das
[13]
autoridades antitruste comparadas, não há uniformidade no tratamento dessas práticas .
48. Ao examinar precedentes do CADE sobre a matéria[14], percebe-se que o Tribunal tem estabelecido parâmetros de ilicitude para certas
restrições verticais, as quais acabam se aproximando, em alguns casos, de uma análise similar a dos ilícitos por objeto, tal como ocorre no Direito Europeu.
[15]

49. De qualquer forma, pode-se depreender que a jurisprudência do CADE se firmou no sentido de que restrições verticais devem ser
examinadas a partir de quatro etapas: (i) exame da materialidade da conduta; (ii) aferição da existência de poder de mercado, geralmente com base na
[16]
participação de mercado do agente com posição dominante; (iii) exame de potenciais efeitos negativos; e (iv) avaliação de eficiências. Assim, no
presente voto, a análise concorrencial será feita a partir dessas três etapas.
50. Especificamente na etapa (i) , a análise concorrencial de restrições verticais deve investigar não apenas se o agente dominante possui
capacidade de fechar o mercado, mas também se tal agente possui os incentivos econômicos para fazê-lo. É justamente nessa fase de aferição do
incentivo de fechamento de mercado que se desenvolvem as polêmicas mais profundas da teoria econômica.
51. Nas primeiras décadas de aplicação da política antitruste no contexto norte-americano, condutas de recusa de fornecimento ou de margin
[17]
squeeze eram comumente analisadas com base na chamada Essential Facility Doctrine . Essa teoria proclamava que o detentor de uma chamada
“infraestrutura essencial” teria um dever inato de compartilhar o acesso a essa infraestrutura com outros agentes econômicos, de modo que a recusa de
fornecimento total ou parcial desse insumo caracterizaria uma violação às normas de defesa da concorrência.
52. No famoso caso MIC Corp. vs. AT&T, foram formulados alguns critérios para aplicação dessa doutirna de infra-estrutura. Em síntese,
passou-se a considerar que o dever de fornecimento fundado do agente econômico estaria presente quando se vislumbrasse (i) o controle da infraestrutura
essencial por um monopolista; (ii) a incapacidade de duplicação da infraestrutura essencial; (iii) a existência de recusa de acesso ao insumo e (iv) a
viabilidade técnica de fornecimento do acesso ou ausência de um motivo comercial legítimo para a recusa[18].
53. A doutrina de essential facilities, no entanto, passou a ser duramente criticada no contexto norte-americano na segunda metade do século
XX, sobretudo por não deixar clara a abrangência da definição de infraestrutura essencial e também por não prever com clareza possíveis justificativas de
negação de acesso a essa insfraestrutura[19]. Como destaca Hebert Hovenkamp, a proeminëncias dessas críticas deixam claro que: “The antitrust world
would almost certainly be a better place if it were jettisoned, with a little fine tuning of the general doctrine of refusal to deal to fill any gaps”[20]. Críticas
semelhantes também já foram feitas no direito brasileiro[21].
54. Superando a invocação da teoria de Essential Facilities, sobretudo a partir da década de 1970, a análise de condutas e restrições verticais
passou a ser cada vez mais influenciada por teorias econômicas vinculadas ao chamado movimento da Escola de Chicago. Na perspectiva dessa escola,
passou-se entender que, mesmo quando o monopolista verticalmente integrado possui capacidade plena de recusar acesso ao bem ou infraestrutura, na
prática, esse agente dificilmente teria incentivos econômicos para adotar tal estratégia quando a concorrência no mercado dowstream se der em relação ao
[22]
um rival igualmente eficiente .
55. Isso porque, nesse cenário, o fornecimento do insumo ao concorrente à jusante permitiria que o monopolista extraísse a renda de eficiência
do rival downstream, de modo que o incumbente estaria em uma melhor posição servindo ao concorrente do que o excluindo do mercado.
56. Contemporaneamente, existem diversas teorias mais recentes – situadas na chamada vizinhança “pós-Chicago” – que sustentam que a
plausibilidade dos incentivos ao fechamento de mercado, sobretudo (i) quando o incumbente não for capaz de extrair níveis suficientes de renda do rival à
jusanteou, alternativamente, (ii) quando a estratégia de exclusão for de natureza dinâmica, isto é, quando o incumbente almejar proteger ou transferir o seu
[24]
poder de mercado para o nível inferior da cadeia no futuro .
57. No entanto, independentemente da perspectiva teoria que se considere dominante, parece ter permanecido hígida a contribuição da Escola de
Chicago de que a aferição de práticas exclusionárias verticais pro parte das autoridades antitruste não pode prescindir de uma análise cuidadosa da
existência de incentivos econômicos dessas práticas. Como bem destacam Fumagalli, Motta e Calcagno:

By emphasising the fact that an incumbent must have an incentive – and not only the ability to exclude, the Chicago School makes a valid and important point.
When vertical foreclosure is at issue, one always has to investigate whether there is an incentive to exclude and whether exclusion would be welfare-
[25]
detrimental, that is, whether there is a valid theory of harm.

64. Assim, para os fins do presente voto, ente-se ser necessário, examinar cuidadosamente a existência de capacidade e incentivos da prática
exclusionária ora investigada.

3.3.1. Capacidade de fechamento de mercado

58. A capacidade de a Representada fechar o mercado à jusante por meio do suposto tratamento discriminatório no fornecimento de gás
canalizado às distribuidoras decorre da sua própria posição monopolista no mercado de transporte de gás canalizado.
59. No presente caso, a Nota Técnica da SG analisou cenários alternativos que explicariam a capacidade e o incentivo da Representada em
adotar estratégias de fechamento vertical no mercado de distribuição de gás-natural. Conforme será discutido nos próximos subitens, ainda que a
capacidade de fechamento de mercado seja clara no presente caso, a formulação de juízo acerca dos incentivos de fechamento de mercado depende
intrinsecamente da definição de mercado relevante geográfico que se opta dentre as alternativas discutidas acima deste voto.
60. Quanto ao mercado de transporte de gás natural, em sua dimensão geográfica nacional, a Petrobras é praticamente monopolista, controlando
todos os trechos da malha integrada brasileira.
61. Em suma, a posição dominante da Petrobrás no mercado a montante (midstream) é inequívoca. No entanto, essa situação é insuficiente para
demonstrar a existência de incentivos à discriminação de natureza anticompetitiva. Como transportadora (midstream), a Petrobrás não compete, a princípio,
com as as distribuidoras locais, pois mantem com elas uma relação vertical. Dito isto, cumpre examinar se a Petrobrás possui incentivos à discriminação no
elo subsequente da cadeia (downstream), de modo a analisar como a Petrobrás pode atuar em concorrência com distribuidoras de gás natural tal como a
Comgás. Para isso, resta também examinar como ocorre a concorrência nesse mercado a justante (downstream), para então mensura a participação da
Representada nas empresas de distribuição da gás natural do país, o que é uma realidade na maior parte das unidades da federação.

3.3.2. Incentivos ao fechamento de mercado

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62. Além da capacidade de fechamento de mercado, é necessário que se avaliem os incentivos econômicos de a empresa verticalmente integrada
se engajar em estratégias exclusionárias.
63. A Superintendência-Geral avaliou cenários alternativos e, não necessariamente excludentes, a partir dos quais seria possível inferir esses
incentivos. Esses cenários variam em função das quatro dimensões geográficas. Abaixo segue uma passagem da Nota Técnica nº
26/2016/CGAA4/SGA1/SG/CADE sobre esse assunto:

A partir da análise, concluiu-se inicialmente que existem incentivos nesse sentido quanto à presença da Representada nos mercados de GNL, GLP e, sobretudo,
de óleo combustível, produto cuja competição com o gás natural é utilizada como justificativa para a conduta investigada, conforme se verá na seção 2.6.2.1.
Concluiu-se, ainda, que tais incentivos são os únicos presentes quando se analisa o cenário local de competição, em que a Petrobras não possui participação em
gás canalizado, fato que pode indicar a ausência de incentivos suficientes para ensejar a prática anticoncorrencial. Entretanto, outros incentivos também estão
presentes nos cenários ampliados. Nos cenários regional e nacional, existe claro incentivo à discriminação anticompetitiva decorrente da alta participação da
Representada nesse mercado (38,1% e 56,5%, respectivamente). Por fim, no cenário estadual, apesar de a Representada possuir pequena participação em
distribuição canalizada (4,6%), observou-se que o potencial de crescimento da Petrobras é grande relativamente à Comgás, o que, em conjunto com sua
participação em GNL e outros combustíveis, pode implicar incentivo suficiente para a prática da conduta investigada.

64. Entendo que há basicamente dois eixos que podem explicar os incentivos a uma prática de fechamento de mercado: (i) uma possível pressão
competitiva exercida por outras fontes energéticas e (ii) uma possível influência alocativa na decisão de grandes indústrias se instalarem em localidades do
Estado de São Paulo. É o que se verá a seguir.

3.3.2.1. Pressão substitutiva de fontes energéticas alternativas

65. De acordo com a SG, o incentivo ao fechamento de mercado por parte da Representada poderia decorrer de uma relação competitiva entre o
gás canalizado e outras fontes energéticas, tais como o óleo combustível e o GPL. Nesse sentido, a SG considerou que “existe incentivo para que a
Representada adote tratamento discriminatório de modo a exercitar seu poder de mercado para favorecer suas operações nos mercados de combustíveis
substitutos em detrimento da Representante” (§ 70, SEI n. 0228016).
66. Conforme discutido na seção do presente voto dedicada à definição do mercado relevante, a jurisprudência do CADE tem se mantido firme
no sentido de que, na dimensão produto, o mercado de gás natural não compete com outras fontes energéticas. Assim, poderia ser suscitada uma aparente
contrariedade no posicionamento da SG que, por um lado, acompanhou a jurisprudência do conselho ao retrair a dimensão produto do mercado relevante ao
gás natural e, por outro, considerou a pressão competitiva de outras fontes como elemento relevante de aferição do incentivo ao fechamento de mercado.
67. Tal contrariedade, no entanto, mostra-se apenas aparente. A aferição do incentivo à exclusão não necessariamente deve obediência aos
limites do mercado relevante definido, até mesmo por conta da mera instrumentalidade dessa ferramenta de aferição de posição dominante. Ademais,
mesmo não se constatando substituibilidade próxima entre o gás natural e o óleo combustível, nada impede que a pressão competitiva entre essas fontes
energéticas, ainda que limitada, sirva para explicar a racionalidade econômica do comportamento exclusionário.No presente caso, torna-se ainda mais
necessário considerar a pressão competitiva exercida por outras fontes energéticas em relação ao gás natural, já que a própria Representada elenca como
justificativa para a concessão de descontos na modalidade de contratação NPP o suposto intuito de manter a competitividade do gás natural frente a outras
fontes, como o óleo combustível.
68. Contudo, ao se admitir esse cenário de substitutibilidade entre as fontes energéticas, seria necessário aprofundar a investigação para se
entender qual seria o potencial ganho da Representada ao adotar uma prática exclusionária no mercado de distribuição de gás natural, considerando não só o
desconto oferecido no regime NPP, mas também sua eventual perda de receitas na venda de óleo combustível. Em outras palavras, seria necessário explicar
de que forma poderia ser racionalmente lucrativo para a Representada conceder descontos no fornecimento do gás natural à GBD para deslocar a demanda
para esse produto.
69. Pelo menos em um cenário de definição de mercado relevante geográfico coincidente com a área de concessão, deveria-se colher indícios
adicionais que demostrassem que, na realidade, o possível desvio de demanda da Comgás para fontes de óleo combustível da Petrobrás na dimensão local
compensaria os descontos concedidos na modalidade NPP. Na ausência desses elementos, não ficaria claro porque seria lucrativo para a Petrobrás adotar
uma estratégia para alavancar suas vendas na distribuição de óleo combustível à custo da renúncia parcial de receitas no mercado upstream de transporte de
gás natural.
70. Tal racionalidade poderia ser jsutificada pela posição dominante da Petrobrás no mercado de distribuição de óleo combustível e de GLP. De
acordo com dados da ANP referentes a 2013, segundo os quais a Petrobras detém participação nacional de 90% apenas no setor de distribuição de óleo
[26]
combustível . Quanto ao mercado de GLP, a Liquigás integra o Sistema Petrobras e é a segunda maior distribuidora do país, possuindo em 2010 cerca de
[27]
14% do mercado no estado de SP . Todavia, mesmo esses indícios não demonstram de que forma os subsídios conferidos pela Petrobrás no regime NPP
seriam eventualmente compensados com a estratégia exclusionária. Essa ausência de demonstração da existência de incentivos, por si só, poderia ser
exauriamente para se concluir pela inexistência de infração à ordem econômica.

3.3.2.2. Influência na decisão alocativa de grandes indústrias

71. O segundo elemento que denotaria o incentivo ao fechamento vertical de mercado diz respeito ao favorecimento da concessionária integrada
da Petrobrás para atrair novas indústrias no estado de SP, em detrimento da Comgás. Isso porque o custo do gás natural é um elemento que pode ser
considerado quando da decisão da instalação de uma fábrica (além de outros fatores como distância, tributos especialmente quando comparado com outros
estados da federação, etc.).
72. Na visão da SG, não deve ser descartada a competição pela atração de novos clientes, de modo que esse elemento forneceria os incentivos
para eventual discriminação. É com fundamento nessa possível interação competitiva entre as distribuidoras na atração de grandes consumidores industriais
que a SG cogitou cenários alternativos de dimensão geográfica do mercado de distribuição de gás natural, que poderia ser entendido como estadual
(abrangendo todo o estado de SP), regional (abrangendo os estados do sudeste) ou nacional.
73. Conforme também já discutido na seção relativa à definição de mercado relevante, a jurisprudência do CADE tradicionalmente definia o
mercado relevante geográfico como a área de concessão da distribuidora. Contudo, novos elementos de discussão e análise foram trazidos pelo julgamento,
por exemplo no âmbito do Ato de Concentração nº 08012.006171/2010-03 (“AC GBD”), que consistiu na aquisição, por parte do Grupo Petrobras, da
distribuidora de gás canalizado Gás Brasiliano Distribuidora S.A. (GBD). Nesse precedente, o Tribunal do CADE vislumbrou a possibilidade de uma
interação competitiva entre as distribuidoras na atração de grandes consumidores industriais, de modo que poderia existir uma competição potencial entre as
concessionárias que estão em localidades distintas, no momento de convencer a potencial cliente a se instalar na sua região em vez de se fixar na região de
outra concessionária.
74. Todavia, conforme será destacado, a tese de que a conduta da Representada exerceu uma influência na decisão alocativa de novas indústria é
de difícil comprovação. A partir dos elementos formados nos autos, é possível depreender que a decisão de instalação de indústrias é multifatorial e, durante
o período da conduta, houve a efetiva instalação de novas indústrias na área de concessão da Comgás.

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3.4. Análise dos efeitos negativos da conduta

75. Não há evidências claras de que a conduta tenha gerado efeitos negativos sobre o mercado. Para sustentar a existência de danos potenciais, a
Nota Técnica da SG traz uma matéria de jornal veiculada pelo Valor Econômico em 21.02.2014 e uma reclamação da Associação Brasileira das Indústrias
de Vidro (Abividro) de 27.09.2014.
76. Abaixo segue a transcrição da matéria veiculada pelo Valor Econômico, através da qual o Governo de São Paulo tenta sensibilizar a
presidente da Petrobrás a respeito de uma suposta defasagem nos preços do gás natural pagos pelas empresas em São Paulo em relação a empresas de outros
estados da federação:

Fonte: Nota Técnica da SG

77. Com relação à reclamação por parte da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), de fato consta nos autos uma insatisfação
sobre o valor do gás natural na área de concessão da Comgás:

Fonte: Representante

78. Em sentido similar, pronunciou-se igualmente a Associação Paulista de Cerâmicas de Revestimento:

Fonte: Representante

79. Percebe-se que todas as evidências trazidas datam de 2014, quando a política de descontos da Petrobrás ainda estava em vigência. Nesse
momento, a apuração empreendida pelo CADE estava fase inicial, ainda em sede de Inquérito Administrativo, instaurado em 17.04.2014 e transformado em
Processo Administrativo em 11.11.2015.
80. Em suma, as alegações de efeitos negativos são genéricas e permeiam o terreno da potencialidade dos efeitos; mas não propriamente o
terreno da concretude desses efeitos.
81. Nesse ponto, trago uma reflexão para o colegiado, que diz respeito ao fato da conduta apurada ter sido encerrada antes da instauração do
Processo Administrativo no CADE. Em geral, as investigações que apuram supostos abusos de posição dominante ocorrem concomitantemente à prática
investigada, como se depreende pelos casos recentes de condenação do Tribunal do CADE em processos dessa natureza.[28]
82. Entendo que o fato da conduta estar encerrada e delimitada no tempo deve ser levada em consideração quando da análise de seus efeitos –
potenciais ou efetivos – sobre o mercado. O ônus que pesa sobre a autoridade da concorrência, com vistas a uma comprovação mínima de efeitos
anticompetitvos da prática, deve ser majorado nessas situações. Isso porque o debate sobre a potencialidade dos efeitos deve ser calibrado quando tratar de
condutas que já foram cessadas no momento da sua apuração, pois, nestas situações, permite-se uma melhor ângulo de exame sobre seus eventuais efeitos
É
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negativos sobre o mercado. É nesse sentido também que se posiciona parte da doutrina no Brasil: “Quanto mais longo o período de vigência de uma
determinada conduta investigada a posteriori, maior deve ser o ônus da autoridade de se colher alguma evidência efetiva de efeitos” (...) “é bastante
questionável a aplicação dessa hipótese normativa [efeitos potenciais] a eventos cuja investigação se dá anos depois de sua ocorrência e/ou cessação, posto
que em tal situação tem a autoridade condições de verificar efetivamente quais efetios decorreram da prátic”[29].
83. Dito isto, destacam-se dois elementos trazidos pela Petrobrás que pesam contra a tese da existência de efeitos negativos sobre o mercado
alegada pela Representante Comgás.
84. Primeiramente, destaca-se que a Comgás foi a única beneficiada pela política trimestral de descontos da Petrobrás. Isso porque a Comgás era
a única que tinha um contrato NPP em vigor quando do início dos descontos. Essa situação perdurou por, aproximadamente, 1 (um) ano, em um contexto de
duração total da conduta de 4 (quatro) anos. Além disso, a política de descontos era trimestral, de modo que as distribuidoras de gás natural não tinham
clareza a priori de quanto tempo duraria tal política de descontos. A tabela abaixo sintetiza a situação experimentada pela Comgás no início da política de
descontos da Petrobrás:

Fonte: Representada

85. Ou seja, não houve reclamações das Associações, tampouco do Governo de São Paulo, quando a Comgás era a única beneficiada pela
política de descontos da Petrobrás.
86. Um segundo aspecto que merece ser destacado – e até mais relevante que o anterior – se refere ao preço da molécula de gás natural praticado
pela Petrobrás para a Comgás durante um período ampliado, para além dos 4 (quatro) anos nos quais vigorou a política de descontos da Petrobrás. A tabela
abaixo é igualmente elucidativa:

MÉDIA DE PREÇOS DOS GÁS NATURAL

Fonte: ANP e Petrobrás

87. Percebe-se que a Comgás esteve em situação mais vantajosa que as demais concessionárias de gás natural, quando considerado o preço mix
do gás natural adquirido da Petrobrás, incluindo ambos os contratos NPP e TCQ. Apesar dos valores do mix terem ficado abaixo durante o período da
conduta apurada, deve-se levar em conta a natureza dos investimentos e decisões tomadas pela maior parte dos agentes econômicos desse setor,
caracaterizada sobretudo por indústrias, que consideram prazos longos de investimento e de retorno, inclusive as próprias concencessionárias de gás o que é
confirmado pela longa duração dos contratos de concessão, geralmente por período de 20 (vinte) anos.
88. Sob essa ótica, também não consta reclamações nos autos da parte das associações industriais de São Paulo, tampouco do Governo de São
Paulo, a respeito do custo do gás natural para as indústrias da região.
89. A Representada apresenta, ainda, argumentos relativos ao aumento de market-share da Comgás durante o período da conduta apurada, bem
como o aumento do seu número de clientes. De fato, esses dados constam nos autos e não foram objeto de contestação por parte da Representada. No
entanto, tratam-se de fatores positivos que poderiam encontrar explicações em outros fatores, como aquecimento da economia, lembrando que a Comgás
está situada em área industrial “nobre” do Estado de São Paulo decorrente da proximidade da região metropolitana, bem como do Porto de Santos para
escoamento da produção.

3.5. Análise de eficiências e de justificativas da prática

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90. Há dois aspectos que merecem destaque nessa seção da análise de eficiências e de justificativas da prática. A título preliminar, esclarece-se
que essa seção apenas seria necessária caso houvesse comprovação de efeitos negativos da conduta sobre o mercado, o que não restou comprovado,
sobretudo considerando que o fato da conduta estar encerrada desde 2015.

3.5.1. Objetivo de proteção da competitividade do gás natural

91. A política de descontos da Petrobrás, que vigorou de 2011 a 2015, tinha uma razão de ser: preservar a competitividade do gás natural no
Brasil em relação a outras fontes energéticas, em particular o óleo combustível. De fato, havia uma política pública à época de investimentos elevados em
fontes energéticas alternativas, que trouxe benefícios variados para a economia brasileira através de uma maior diversificação da matriz energética, além de
estímulos a energias limpas, tal como gás natural, que contribui para a tutela do meio-ambiente e compromissos internacionais variados assumidos pelo
Brasil na esfera internacional.
92. Houve, portanto, uma clara justificativa para a prática, inclusive com eficiências que beneficiaram, ao fim e ao cabo, a própria Comgás
considerando essa dimensão de preservação da competitividade do gás natural. Evidentemente, o exercício de quantificação de eficiências é sempre difícil,
mas o simples fato da existência de uma justificativa e um lastro de benefícios identificáveis, ainda que não-quantificáveis, denota a presença de eficiências
que poderiam sopesar eventual dano concorrencial identificado.

3.5.2. Histórico de negociação entre as partes

93. Além disso, destaca-se o longo e litgioso processo negocial empreendido entre a Petrobrás (Representada) e a Comgás (Representante) ao
longo dos últimos anos.
94. Um momento chave dessas negociações ocorreu em 2007, quando a Petrobrás passou a celebrar contratos de fornecimento de gás natural sob
o regime de precificação denominado de Nova Política de Preços (NPP) aplicável a todos os novos contratos celebrados. Considerando que algumas
concenssionárias, Comgás inclusive, detinham contratos do tipo TCQ em vigor nesse momento, ofereceu-se a possibilidade de migração para o regime NPP
ou manutenção do regime TCQ até o término de sua vigência contratual de modo a respeitar os contratos em execução. Segundo a Petrobrás, a
Comgás, [ACESSO RESTRITO AO CADE E A PETROBRÁS].
95. Em 2011 e 2012, a Petrobrás alega ter feito outras duas ofertas para a Comgás na tentativa de permitir a migração do volume de gás natural
do contrato TCQ para o regime NPP. Nesse momento, destaca-se que a Petrobrás já aplicada a política de descontos temporários objeto deste Processo
Administrativo. No entanto, a Petrobrás [ACESSO RESTRITO AO CADE E A PETROBRÁS].
96. Em 2018, a Petrobrás e a Comgás celebraram acordo judicial de modo a encerrar um conjunto de 8 (oito) ações judiciais, dentre as quais se
incluem ações relacionados ao objeto deste Processo Administrativo. Abaixo seguem as ações listadas no “Termo de encerramento de pendências judiciais”
datado de 03.07.2018:

a) Ação de Indenização no 0346291-55.2015.8 19.0001. ajuizada pela COMGÁS em face da PETROBRAS. CONSÓRCIO GEMINI, WHITE MARTINS
GASES INDUSTRIAIS LTDA., e GNL GEMINI COMERCIALIZAÇÃO E LOGISTICA DE GÁS LTDA. - GÁSLOCAL, perante a 52° Vara Cível do Rio de
Janeiro - RJ, tendo por objeto a controvérsia acerca do fornecimento de gás canalizado pela PETROBRAS à planta de produção de GNL do CONSÓRCIO
GEMINI localizada no Município de Paulinia - SP (AÇÃO INDENIZATÓRIA -CONSÓRCIO GEMINI"):

b) Ação Declaratória n° 0004126-06.2006.826.0157. ajuizada pela COMGÁS em face da PETROBRAS e da VALE FERTILIZANTES S.A. perante a 3° Vara
Cível de Cubatão-SP, tendo por objeto controvérsia acerca do fornecimento de Hidrocarbonetos Leves de Refino - HLR pela PETROBRAS à planta da VALE
FERTILIZANTES, localizada em Cubatão - SP ('AÇÃO DECLARATÓRIA VALE");

c) Ação de Indenização n° 3003133-62.2013.8.26.0157, ajuizada pela COMGÁS em face da PETROBRAS e da VALE FERTILIZANTES S.A. perante a 2°
Vara Cível de Cubatão-SP, tendo por objeto controvérsia acerca do fornecimento de gás canalizado pela PETROBRAS à planta da VALE FERTILIZANTES
localizada em Cubatão-SP (,la AÇÃO INDENIZATÓRIA VALE");

d) Ação de Indenização n° 1004021-60,2016.8.26.0157, ajuizada pela COMGÁS em face da PETROBRAS e da VALE FERTILIZANTES S.A. perante a 2°
Vara Cível de Cubatão - SP. tendo por objeto controvérsia
acerca do fornecimento de gás canalizado pela PETROBRAS à planta da VALE FERTILIZANTES localizada em Cubatão-SP ("2a AÇÃO
INDENIZATÓRIA VALE");

e) Ação de Indenização n° 0009918-57,2014.8,26.0157, ajuizada pela COMGÁS contra a PETROBRAS perante a 11 Vara Cível de Cubatão – SP tendo por
objeto controvérsia acerca do fornecimento de gás natural canalizado pela PETROBRAS à Usina Termelétrica - Euzébio Rocha ("UTEEZR) em Cubatão - SP (
AÇÃO INDENIZATORIA EUZEBIO ROCHA)

f) Ação de Indenização n° 0382305-38.2015.8190001, ajuizada pela COMGÁS contra PETROBRAS e BRASKEM QPAR S.A. perante a 39° Vara Cível do Rio
de Janeiro - RJ, tendo por objeto controvérsia acerca do fornecimento de HLR pela PETROBRAS à BRASKEM ('AÇÃO INDENIZATÕRIA -BRASKEM");

g) Ação Ordinária no 0169662-61.2017.8.19.0001, ajuizada pela COMGÁS contra a PETROBRAS perante a 341 Vara Cível do Rio de Janeiro - RJ, tendo por
objeto controvérsia relacionada à cobrança de 'ship ar pay" pela PETROBRAS no âmbito do Contrato TCQ ("AÇÃO ORDINÁRIA SOP"): e

h) Ação de Produção Antecipada de Provas n° 5027560-44.2017.4.036100, ajuizada pela COMGÁS em face da PETROBRAS e UNIÃO FEDERAL perante a
4° Vara Cível Federal de São Paulo - TRF3, objetivando a obtenção de informações sobre subsídios de preços do Gás Liquefeito de Petróleo de 13k9 (GLP P13)
e respectivos danos causados à COMGÁS ("PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS GLP P13").

97. Nesse acordo, há uma repactuação dos atuais contratos de fornecimento de gás natural, cuja síntese pode ser extraída da passagem abaixo
constante dos documentos apresentados em juízo para a homologação do acordo judicial:

[ACESSO RESTRITO AO CADE, PETROBRÁS E COMGÁS]

98. No mesmo documento, que toma a forma de minuta de carta da Comgás para à ARSESP com o assunto “aditivos aos Contratos de
Suprimento e Termos de Compromisso para Celebração de Futuros Contratos de Suprimento Comgás/Petrobras”, chama a atenção a seguinte passagem:

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31/08/2020 SEI/CADE - 0635931 - Voto
As negociações destes Novos Contratos de Suprimento de Gás tiveram como princípio a atuação em bases isonômicas pela PETROBRAS frente às outras
distribuidoras, inclusive as loca lizadas no Estado de São Paulo - GBD e GNSPS - que já tiveram seus contratos renegociados, com uma repactuação da
Quantidade Diárias Contratual do Contrato NPP, com a manutenação da Quantidade Diária Contratual do Contrato TCQ, por continuar sendo este último
significativamente mais barato que o custo de gás praticado sob o contrato NPP. (grifos do voto)

99. Ou seja, a própria Comgás reconhece, hoje, que os contratos TCQ são “significativamente mais baratos” que os contratos NPP, de modo que
os clientes da Comgás também se beneficiaram de um fornecimento de gás natural mais barato quando considerado um período ampliado da conduta
apurada. Desse modo, fica difícil visualizar uma situação de efeitos negativos sobre o mercado – evidentemente, que aguardem nexo de causalidade com a
conduta apurada nesse Processo Administrativo, notadamente da prática de descontos com duração aproximada de 4 (quatro) anos para os contratos do tipo
NPP.
100. Em suma, o fato da Petrobrás e da Comgás terem empreendido tratativas diversas sobre os regimes contratuais de NPP e TCQ enfraquece o
argumento de que a política de descontos temporários da Petrobrás teria o condão de prejudicar o mercado. Pelo contrário, a existência dessas tratativas,
que incluem ofertas e recusas de migração de regime contratual, além do recente acordo judicial apontam mais para aspectos privados do que prejuízos à
ordem econômica a qual deve ser tutelada pelo CADE.

3.6. Conclusão quanto à licitude da conduta no plano concorrencial

101. Em breve resumo, a conduta apurada teve contornos limitados de discriminação, considerando as particuliaridades dos regimes de
precificação TCQ e NPP, bem como as oporunidades oferecidas à Comgás para migrar integralmente para o regime NPP. A política de descontos da
Petrobrás foi aplicada indistintamente para os contratos NPP, que possuem mecanismo de precificação próprio, o qual considera a produção nacional de gás
natural, diversamente dos contratos TCQ baseados unicamente no gás natural importado da Bolívia.
102. Além disso, os incentivos para prática exclusionaria são frágeis considerando as caracterísiticas de monopólio natural presentes em diversos
segmentos do setor, bem como a pressão competitiva limitada exercida por outras fontes enegéticas.
103. A análise também indicou a inexistência da comprovação de efeitos anticompetitivos no mercado. Ainda que tal comprovação não seja
exigida pela Lei nº 12.529/2011, que permite a simples potencialidade de efeitos anticompetitivos para constatar uma ilegalidade na esfera concorrencial, o
ônus de uma comprovação mínima de efeitos – efetivos ou potenciais – deve ser maior nas situações em que a conduta unilateral investigada esteja bem
delimitada no tempo e encerrada no momento da sua apuração. Isso ocorreu no presente caso, considerando que a conduta apurada teve início em 2011 e
término e 2015 antes da instauração do Processo Administrativo.
104. Por fim, a análise verificou a existência de eficiências e justificativas para a prática investigada, considerando o objetivo de proteção da
indústria nacional de gás natural, preservando investimentos em redes de dutos, bem como as empresas que dela dependem para seus processos produtivos.
De fato, houve um esforço de preservar a competividade do gás natural em razão de conjuntura de crise energética circunstancial.

4. Dispositivo

105. Pelos motivos expostos, entendo pela inexistência de infração à ordem econômica, com vênias às posições manifestadas pela
Superintendência-Geral, ProCADE e MPF, de modo que voto pelo arquivamento do presente Processo Administrativo.

É o voto.

Brasília, 19 de junho de 2019

[assinatura eletrônica]

PAULO BURNIER DA SILVEIRA

[1]
De acordo com a Representada, “o contrato TCQ é indexado ao preço de uma cesta de óleos combustíveis internacionais e é precificado em dólar, o qual
é convertido pela taxa de dólar do dia anterior ao do pagamento, sendo, portanto, inteiramente dependente e atrelado à taxa de cambio vigente no momento
do pagamento” (SEI 0001982, par. 29).
[2]
Voto do Conselheiro Paulo Burnier no Processo Administrativo nº 08012.011881/2007-41 (“PA Gemini”).
[3]
A promoção da concorrência na indústria de gás natural. ANP, 2018, p. 5.
[4]
Quando o GNL chega em território nacional, é conduzido a terminais regaseificadores para a introdução de gás natural, em estado gasoso, na malha de
transporte. Em: ANP, 2018, p.14.
[5]
Na instrução do referido processo foi identificado que há competição entre as distribuidoras: (i) pelo mercado (no momento do chamamento ou da
licitação pública); (ii) por meio da atração de consumidoras industriais (influência na decisão alocativa de indústrias consumidoras de gás através da
capacidade de ofertar preços menores ou outras condições contratuais mais favoráveis); e (iii) por meio da regulação (entidade reguladora observa
comportamento mais eficiente de outras distribuidoras e impõe prática semelhante às distribuidoras por ela reguladas) (SEI nº 0227992, § 50).
[6]
Nota Técnica da SG (SEI nº 0227992, §74).
[7]
A promoção da concorrência na indústria de gás natural. ANP, 2018, p. 5.
[8]
Dados da ANP de 2013 apontam que a Petrobras tinha participação de 90% no mercado de distribuição de óleo combustível (ANP. Anuário Estatístico
Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2014.) Quanto ao mercado de GLP, a SG afirma que “a Liquigás integra o Sistema Petrobras e é a
segunda maior distribuidora do país, possuindo em 2010 cerca de 14% do mercado no estado de SP (v. parecer da Secretaria de Acompanhamento
Econômico do Ministério da Fazenda no Ato de Concentração nº 08012.011945/2011-91, Requerentes: Companhia Ultragaz S.A., Tucunare
Empreendimentos e Participações Ltda. e Repsol Gás Brasil S.A., julgado em 15.08.2012).”
[9] A Petrobras também atua no mercado de distribuição de gás natural liquefeito, por meio da empresa GásLocal, joint venture formada entre as empresas
White Martins e Gaspetro (controlada pela Petrobras). As três empresas em conjunto constituíram o chamado Consórcio Gemini (Ato de Concentração nº
08012.001015/2004-08). A GásLocal se localiza em Paulina, SP, município que pertence à área de concessão da Comgás, e atua em todo o Estado de São
Paulo.

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31/08/2020 SEI/CADE - 0635931 - Voto
[10]
Análise da regulamentação, da estrutura da indústria e da dinâmica de formação dos preços do gás natural no Brasil. ANP, 2011 (SEI 0002018, p. 338).
[11]
HOVENKAMPT, Herbert. Federal Antitrust Policy: The Law of Competition and Its Practice, St. Paul: West Academic Publishing, 2016, p. 387.•
[12]
Nesse aspecto, a doutrina comumente trata a prática de margin squeeze como uma mera variação da prática de recusa de fornecimento. Nesse sentido,
cf. HOVENKAMPT, Herbert, Federal Antitrust Policy: The Law of Competition and Its Practice, St. Paul: West Academic Publishing, 2016, p. 401.
[13]
Como destacam Fumagalli, Motta e Calcagno: “this is certainly the most controversial area in competition policy, and one in which economics has
arguably not yet been able to guide policy makers in the design of sensible rules and enforcement practices”.(FUMAGALLI, Chiara; MOTTA, Massimo;
CALCAGNO, Claudio. Exclusionary Practices: The Economics of Monopolisation and Abuse of Dominance, New York: Cambridge University Press,
2018).
[14] Nesse sentido, cf. a título de exemplo, PA no. 08012.007443/1999-17; 08012.003824/2002-84; no. 08012.001518/2006-37 e, mais recentemente, PA
nº 08012.001518/2006-37.
[15]
Como bem esclarecem Caio Mário Pereira Neto e Daniel Geradin: “despite the general approach based on the rule of reason, a closer look at case law
shows some inconsistency in the actual implementation of this type of analysis. Indeed, the Brazilian Competition Law System has been applying different
standards of proof to different cases, with some decisions applying such a low standard to ‘potential effects’ or ‘the anticompetitive scope of the
conduct’ that they come close to a form-based approach”. GERADIN, Damien and NETO, Caio Mário da Silva Pereira, Restrições verticais adotadas por
empresas dominantes: uma análise do Direito Concorrencial no Brasil e na União Europeia, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 150).
[16]
A título exemplificativo, cf. PA nº 08012.001271/2001-44 (caso SKF), PA nº 08012.011042/2005-61 (caso Raízen) e, mais recentemente, PA
nº08012.007423/2006-27 (Unilever Brasil Ltda. e Nestlé Brasil Ltda.) A doutrina também corrobora essa análise trifásica por parte do CADE em restrições
verticais. Nesse sentido, cf. Paulo Furquim de Azevedo, Restrições Verticais e Defesa da Concorrência: a experiência brasileira, Textos para discussão.
Escola de Economia de São Paulo FGV/SP, 2010.
[17]
A origem da Essential Facilities Doctrine remete a uma decisão da Suprema Corte norte-americana de 1912 (U.S. vs Terminal Railroad). No entanto, a
doutrina antitruste em geral aponta como o caso mais emblemático de aplicação dessa teoria o famoso precedente Aspen de 1985 (Aspoen Skiing Co. v.
Aspen Highlands Skiing Corp, 472 US 585, 105, 1985).
[18] MCI Communic. Corp. vs. AT&T, 708, F.2d 1081, 1132-1133 (7th Cir.), 1983.
[19] Para uma síntese das críticas feitas à doutrina de Essential Facilities, cf. SEELEN, Christopher M. The Essential Facilities Doctrine : What Does It
Mean To Be Essential ? Marq. L. Review, v. 80, n. 4, 1997.
[20] HOVENKAMPT, Herbert. Federal Antitrust Policy: The Law of Competition and Its Practice, St. Paul: West Academic Publishing, 2016, p. 410.
[21] Como destacada Priscila Broglio em tese específica sobre o tema: “a aplicação da legislação brasileira de defesa da concorrência, dentro de um
panorama mais abrangente de função social dos bens de utilidade pública e dos contratos relacionados a esses bens, é uma solução bastante superior
à simples justaposição da doutrina da infra-estrutura essencial (especialmente da formulação norte-americana) ao nosso sistema (A obrigatoriedade de
contratar como sanção fundada no direito concorrencial brasileiro, 2008, Tese de Doutorado. P. 230)..
[22]
Essa constatação foi sustentada principalmente pelos defensores da chamada “Single Monopoliy Profit Theory”. Nesse sentido, cf. REY, Patrick;
TIROLE, Jean. A Primer on Foreclosure. in: Handbook of Industrial Organization III, edited by Mark Armstrong and Rob Porter, [s.l.: s.n.], 2006.
[24]
FUMAGALLI, Chiara; MOTTA, Massimo; CALCAGNO, Claudio, Exclusionary Practices: The Economics of Monopolisation and Abuse of
Dominance, New York: Cambridge University Press, 2018, p. 475-486.
[25]
FUMAGALLI, Chiara; MOTTA, Massimo; CALCAGNO, Claudio, Exclusionary Practices: The Economics of Monopolisation and Abuse of
Dominance, New York: Cambridge University Press, 2018, p. 475.
[26]
ANP. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2014. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?pg=71976#Se__o2>.
[27]
(v. parecer da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda no Ato de Concentração nº 08012.011945/2011-91, Requerentes:
Companhia Ultragaz S.A., Tucunare Empreendimentos e Participações Ltda. e Repsol Gás Brasil S.A., julgado em 15.08.2012).
[28] Dentre outros, vide: Processo Administrativo nº 08012.007423/2006-27 (Della Vita vs. Unilever-Kibon e Nestlé) de 16.10.2018; Processo
Administrativo nº 08012.001518/2006-37 (Marimex vs. Rodrimar) de 08.08.2018; Processo Administrativo nº 08012.001518/2006-37 (Multi Armazens vs.
Tecon Rio Grande) de 08.08.2018.
[29] Cf. Caio Mário da Silva Pereira Neto; e Paulo Leonardo Casagrande. Direito Concorrencial: Doutrina, Jurisprudência e Legislação. Coleção Direito
Econômico. Org. Fernando Herren Aguillar. São Paulo: Saraiva, 2016. pp. 98-99. Os autores afirmam, ainda, que a possibilidade de condenações por
efeitos é especialmente importante para evitar que o CADE tenha que aguardar a produção de efetios deletérios para atuar, sobretudo em casos em que a
conduta unilateral investigada esteja em andamente, como ocorre na maior parte das vezes dos processos dessa natureza.

Documento assinado eletronicamente por Paulo Burnier da Silveira, Conselheiro, em 10/07/2019, às 17:11, conforme horário oficial de Brasília e
Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site http://sei.cade.gov.br/sei/controlador_externo.php?


acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0635931 e o código CRC 924916D4.

Referência: Processo nº 08700.002600/2014-30 SEI nº 0635931

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ANEXO B – TCC DA PETROBRAS

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03/09/2020 SEI/CADE - 0635976 - Termo de Compromisso de Cessação (TCC)

Ministério da Justiça e Segurança Pública- MJSP


Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE
SEPN 515 Conjunto D, Lote 4 Ed. Carlos Taurisano, 3º andar - Bairro Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70770-504
Telefone: (61) 3221-8461 - www.cade.gov.br

TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO DE PRÁTICA

(Versão Pública)

O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (“CADE”), neste ato representado


por seu Presidente, ALEXANDRE BARRETO DE SOUZA, conforme disposto no artigo 10, inciso VII,
da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, em cumprimento à decisão plenária exarada na 146ª Sessão
Ordinária, realizada em 08 de julho de 2019; e PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. –
PETROBRAS (doravante denominada “PETROBRAS” ou “COMPROMISSÁRIA”), já devidamente
qualificada no Processo Administrativo nº 08700.002600/2014-30 e no Inquérito Administrativo nº
08700.007130/2015-82 (em conjunto denominados “Procedimentos Administrativos”) mencionados neste
documento, e neste ato representada por seu presidente ROBERTO DA CUNHA CASTELLO
BRANCO, inscrito no CPF nº 031.389.097-87, domiciliado na Av. República do Chile nº 65, Rio de
Janeiro/RJ, decidem celebrar o presente TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO (“Termo de
Compromisso ” ou “TC”), de acordo com as cláusulas e condições seguintes, em conformidade com o art.
85 da Lei nº 12.529/11 e com o Regimento Interno do CADE. Neste documento, CADE e PETROBRAS
são denominados, conjuntamente, como SIGNATÁRIOS.

Considerando que:

• Em 11/11/2015, por meio do Despacho SG nº 1306/2015, o Processo Administrativo nº


08700.002600/2014-30 foi instaurado para investigar alegada prática de conduta de abuso de posição
dominante pela Petrobras, na forma de oferecimento de condições comerciais (concessão de descontos)
discriminatórias mais benéficas à Gás Brasiliano Distribuidora - GBD - distribuidora estadual de gás
canalizado integrada ao Sistema Petrobras, tendo o referido procedimento sido submetido ao Tribunal
Administrativo de Defesa Econômica – TADE com recomendação de condenação da Petrobras por suposta
prática de infração à ordem econômica;

• Em 15/06/2016, por meio do Despacho SG nº 722/2016, o CADE instaurou o Inquérito Administrativo nº


08700.007130/2015-82, a partir de representação da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de
Gás Canalizado (Abegás) em face da Petrobras, para investigar condutas da PETROBRAS relacionadas ao
mercado de gás natural;

• Em 23/05/2018, por meio do Despacho Decisório 120/2018 do Gabinete da Presidência do CADE, foi
determinada a instauração do Inquérito Administrativo nº 08700.003335/2018-31, para investigar a atuação
da Petrobras no fornecimento de gás natural ao setor de energia como um todo, o qual foi apensado, em
razão de relação de continência, em 07/06/2018, ao Inquérito Administrativo nº 08700.007130/2015-82;

• Entre os anos de 2016 e 2018, tendo em vista a intenção da PETROBRAS de reduzir e otimizar sua
participação no setor de gás natural, a PETROBRAS participou, junto a diversos outros agentes do

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03/09/2020 SEI/CADE - 0635976 - Termo de Compromisso de Cessação (TCC)

mercado de gás, da Iniciativa do Gás para Crescer, que teve por objetivo propor medidas para o
aprimoramento do arcabouço normativo do setor de gás natural;

• Pela Iniciativa do Gás para Crescer pretendeu-se lançar as bases para um mercado de gás natural com
diversidade de agentes, liquidez, competitividade, acesso à informação e boas práticas, e que contribua
para o crescimento do país. As premissas dessa Iniciativa compreenderam a adoção de boas práticas
internacionais, aumento da competição, diversidade de agentes, maior dinamismo e acesso à informação,
participação dos agentes do setor e respeito aos contratos, de modo a construir um ambiente favorável à
atração de investimentos prioritariamente privados;

• Em 09/04/2019 foi editada a Resolução nº 4 do CNPE com a instituição do Comitê de Promoção da


Concorrência do Mercado de Gás Natural no Brasil, tendo como atribuição propor medidas de estímulo à
concorrência no mercado de gás natural;

• Os Procedimentos Administrativos não imputaram uma conduta específica por parte da PETROBRAS e
que esta Companhia, com a assinatura deste TC, não está reconhecendo a prática de qualquer ato ilícito;

• O presente Termo de Compromisso consubstancia os esforços de cooperação entre CADE e


PETROBRAS para execução do relevante e voluntário desinvestimento na área de gás natural que a
PETROBRAS pretende realizar no Brasil, colaborando com o movimento para abertura do mercado de gás
natural no Brasil.

Cláusula Primeira – Do objeto e da abrangência


1.1. O presente Termo de Compromisso tem por objeto preservar e proteger as condições concorrenciais no
mercado brasileiro de gás natural, por meio da realização de um conjunto de ações da
COMPROMISSÁRIA visando à abertura do mercado brasileiro de gás natural, incentivando a entrada de
novos agentes econômicos no mercado de gás natural, bem como suspender e, caso cumpridas
integralmente as obrigações nele previstas, arquivar em relação à PETROBRAS os Procedimentos
Administrativos.
1.2 O presente Termo de Compromisso abrangendo os dois Procedimentos Administrativos envolvendo o
setor de gás natural será, para todos os fins de direito, considerado como instrumento obrigacional único e
indivisível, razão pela qual o eventual descumprimento de qualquer de suas cláusulas não acarretará a
aplicação de qualquer consequência jurídica, sanção ou penalidade em duplicidade.
1.3. CADE e PETROBRAS reconhecem e declaram que o presente Termo de Compromisso não importa
em reconhecimento de culpa e/ou prática de quaisquer infrações à ordem econômica pela PETROBRAS.
1.4. A celebração do presente Termo de Compromisso não acarretará o recolhimento de contribuição
pecuniária para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos ou de qualquer outra obrigação de natureza
financeira por parte da PETROBRAS, ressalvado o disposto no item 9.1.

Cláusula Segunda – Das Obrigações da COMPROMISSÁRIA

A. Compromissos
2.1. A COMPROMISSÁRIA se compromete a colocar em processo de alienação (i) suas participações
societárias na NTS e na TAG; (ii) sua participação societária na TBG, após a definição da receita da TBG
com a conclusão da chamada pública para contratação de capacidade disponível, cuja consulta pública
ocorreu no ano de 2019; e (iii) a sua participação acionária indireta em companhias distribuidoras, seja
alienando suas ações na própria GASPETRO, seja buscando a alienação da participação da GASPETRO
nas companhias distribuidoras, respeitados os termos dos respectivos acordos de acionistas, a critério da
PETROBRAS (ativos citados nas alíneas (i) a (iii), conjuntamente “Ativos Desinvestidos”), observados,
em relação a todas as alíneas anteriores, os procedimentos e padrões internos aplicáveis e devendo ser
obtidas as aprovações conforme governança interna da Companhia.

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2.1.1. O desinvestimento será executado nos termos da Sistemática de Desinvestimentos da PETROBRAS,


que segue o regramento disposto no Decreto 9.188/17 ou legislação que lhe sobrevenha.
2.1.2. Enquanto não forem realizadas as alienações de suas participações societárias na NTS, TAG, TBG,
bem como a alienação da participação acionária indireta em companhias distribuidoras, a
COMPROMISSÁRIA deverá, no prazo de até 6 (seis) meses contados da data de assinatura deste Termo
de Compromisso, indicar nessas empresas de transporte e na GASPETRO, Conselheiros de Administração
que se enquadrem no conceito de conselheiros independentes, assim definido pelas regras do Novo
Mercado, com o objetivo de assegurar a desverticalização funcional das empresas.
2.1.2.1. O compromisso estabelecido no item 2.1.2 acima não impede que a COMPROMISSÁRIA
indique representantes para ocupar função de diretor ou outras funções técnicas e operacionais na NTS,
TAG, TBG e na GASPETRO.
2.1.3. Serão deflagrados um ou mais processos competitivos que conjuguem um ou mais Ativos
Desinvestidos (“Projetos de Desinvestimento na Área de Gás Natural”), de acordo com as seguintes etapas:
(a) Divulgação ao Mercado sobre cada processo competitivo (“Teaser”) até 31/03/2020, em conjunto com a
implementação da definição da receita da TBG tal como disposto no item 2.1;
(b) Assinatura dos Contratos de Compra e Venda (“Signing”) até 31/12/2020 ou em até 9 (nove) meses da
divulgação do Teaser, o que ocorrer por último;
(c) Fechamento das Operações (“Closing”) até 31/12/2021 ou em até 12 (doze) meses do Signing, o que
ocorrer por último.
2.2. A COMPROMISSÁRIA se compromete a indicar nos sistemas de transporte da NTS e da TAG quais
são os volumes de injeção e retirada máxima em cada ponto de recebimento e zona de entrega, por área de
concessão de cada companhia distribuidora local e consumos próprios, perante a ANP e os referidos
transportadores, dentro dos limites de Quantidade Diária Contratada dos contratos de serviço de transporte
atuais, eliminando flexibilidades e o congestionamento contratual hoje existentes, no prazo de até 90
(noventa dias) após a publicação da aprovação do presente Termo de Compromisso no Diário Oficial da
União. Caso, após a indicação supracitada, as transportadoras indicarem que deverão ser consideradas
áreas distintas (subdivisão, por exemplo, da área de concessão de uma determinada companhia
distribuidora local), a Petrobras deverá, em até 90 dias, ajustar sua indicação original.
2.2.1. A COMPROMISSÁRIA se compromete a, tão logo concluídas as ações previstas no item 2.2,
iniciar negociação com os transportadores (TAG e NTS) para promover as adequações necessárias aos
contratos de serviço de transporte vigentes visando a limitar a flexibilidade de acordo com o item 2.2, a fim
de que os transportadores TAG, NTS e TBG, sob supervisão da ANP, possam ofertar a capacidade
remanescente ao mercado, por entrada e saída, com a definição das respectivas tarifas de entrada e saída
aplicáveis (inclusive as tarifas equivalentes aplicáveis a todos os agentes do mercado), sem reserva de
capacidade nas interconexões entre transportadores e com tarifas de interconexão simbólicas.
2.2.2. A COMPROMISSÁRIA se compromete a declinar da exclusividade ainda remanescente em
função de ser carregadora inicial referente aos contratos de serviço de transporte vigentes, comunicando
aos respectivos transportadores e à ANP deste fato no prazo máximo de 30 (trinta dias) após a publicação
da aprovação do presente Termo de Compromisso no Diário Oficial da União.
2.3. A PETROBRAS se compromete a negociar, de boa fé e de forma não discriminatória, o acesso de
terceiros aos sistemas de escoamento de gás natural, respeitados, para os casos em que os sistemas
possuírem coproprietários, o regramento estabelecido para tais sistemas.
2.4. A PETROBRAS se compromete a negociar, de boa fé e de forma não discriminatória, o acesso de
terceiros às unidades de processamento de gás natural observadas as diretrizes constantes do Anexo I –
“Caderno de Boas Práticas de Gás Natural – Diretrizes para Acesso de Terceiros a Unidade de
Processamento de Gás Natural – UPGN”, ou até regulamentação a ser editada pela ANP aplicável a todos
os agentes do setor.
2.4.1. A PETROBRAS disponibilizará para as contrapartes, com cópia para a ANP, minuta de contrato de
acesso de processamento até 31/12/2019.
2.5. No que concerne aos volumes de gás natural ora adquiridos pela PETROBRAS de parceiros/terceiros,
a PETROBRAS se compromete a não contratar novos volumes a partir da data de assinatura deste Termo
de Compromisso.
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2.5.1. Cabe destacar que o compromisso estabelecido no item 2.5 acima não impede que a
COMPROMISSÁRIA celebre novos contratos para compra de gás de parceiros/terceiros para (i)
viabilizar a produção de gás em campos produtores, em razão de questões técnicas, regulatórias e
operacionais, desde que reportado ao CADE com a justificativa pertinente e limitado a 1.000.000 (um
milhão) m3/dia, sendo que volumes que ultrapassem o referido limite devem ser objeto de deliberação
conjunta entre o CADE e a COMPROMISSÁRIA; (ii) viabilizar projetos de desinvestimento de ativos do
portfólio da Petrobras que envolvam a comercialização de até 1.000.000 (um milhão) m3/dia, em média
anual, por campo produtor, (iii) importação de gás ou ainda (iv) quando houver interesse das partes
envolvidas e se tratar de projetos novos, em que a Petrobras participe em consórcio na exploração com
outras empresas, desde que limitado a 20% (vinte por cento) do volume total de gás novo produzido no
Brasil, ou seja, aquele cuja produção ainda não tenha ocorrido até a assinatura deste Termo de
Compromisso.
2.5.2. Para os casos dos projetos de desinvestimento previstos no item 2.5.1 (ii), a Petrobras se
compromete a incluir nos contratos de compra de gás a possibilidade de saída unilateral do vendedor de
gás natural oriundo do ativo desinvestido.
2.5.3. Cabe à ANP, ao CADE e à Petrobras deliberar conjuntamente acerca dos casos de desinvestimentos
que envolvam volumes de comercialização superiores ao previsto na cláusula 2.5.1 (ii), destacando que tais
desinvestimentos representam necessariamente uma redução da participação da Petrobras no mercado de
gás natural nacional (Petrobras deixa de ser produtora de tais volumes e concede a opção de saída ao
vendedor, sem ônus).
2.5.4. [ACESSO RESTRITO AO CADE E À PETROBRAS]
2.5.5. [ACESSO RESTRITO AO CADE E À PETROBRAS]
2.6. A COMPROMISSÁRIA se compromete a publicar edital de processo competitivo para arrendamento
do Terminal de Regaseificação da Baía de Todos os Santos até setembro de 2020, seguindo os
procedimentos internos da PETROBRAS, com prazo de duração do arrendamento até 31 de dezembro de
2023. A COMPROMISSÁRIA se compromete ainda a, publicado o edital, dar celeridade às etapas
seguintes do processo, conhecidas e monitoradas pelo Trustee de Monitoramento.
2.7. Na hipótese de que as ações propostas nos itens 2.1 a 2.6 deste Termo de Compromisso não estejam
promovendo o surgimento de concorrência no mercado de gás natural, a COMPROMISSÁRIA atenderá à
normatização acerca de medidas de abertura de mercado aplicável a todos os agentes do setor.

B. Ativos Desinvestidos
2.8. Os Ativos Desinvestidos, descritos com mais detalhes no Anexo II, deverão incluir todas as condições
necessárias para assegurar o curso ordinário dos respectivos negócios.

C. Prazo para Execução dos Projetos de Desinvestimento na Área de Gás Natural


2.9. Os Closings relativos aos Projetos de Desinvestimento na Área de Gás Natural deverão ocorrer até
31/12/2021, conforme descrito no item 2.1.3 e suas alíneas, ressalvadas eventuais circunstâncias
impeditivas e/ou atrasos decorrentes de fatos não imputáveis à PETROBRAS, conforme listado no item
8.3.
2.9.1. A PETROBRAS poderá, motivadamente, solicitar ao CADE a dilação, por 1 (um) ano, do prazo de
execução dos Projetos de Desinvestimento na Área de Gás Natural.

D. Conduta Futura
2.10. A PETROBRAS obriga-se a:
2.10.1. Portar-se com honestidade, lealdade e boa-fé durante o cumprimento das obrigações previstas neste
Termo de Compromisso;
2.10.2. Não realizar nenhum ato e não se omitir de qualquer forma que possa prejudicar o regular
andamento de futuras investigações desenvolvidas pelo CADE, portando-se, assim, de maneira condizente
com as obrigações e manifestações de vontade neste Termo assumidas;
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2.11. A PETROBRAS e o CADE reconhecem que as obrigações e efeitos do presente Termo de


Compromisso limitam-se ao mercado brasileiro e ao território nacional, e não têm qualquer relação com
jurisdições ou territórios estrangeiros.

Cláusula Terceira – Condição Suspensiva de Eficácia


3.1. Os Compromissos assumidos por meio das Cláusulas 2.5, 2.6 e 2.7 estão sujeitos à seguinte condição
suspensiva de eficácia:
3.1.1. Adequação da legislação tributária ao modelo de transporte por Entrada/Saída com a entrada em
vigor de modelo de tributação pelo fluxo contratual.

Cláusula Quarta – Compromissos Relacionados

A. Preservação de Viabilidade e Competitividade dos Ativos Desinvestidos


4.1. A partir da data de assinatura deste Termo de Compromisso até a finalização dos processos de
desinvestimento de Ativos Desinvestidos, a PETROBRAS garantirá que os Ativos Desinvestidos sejam
conduzidos segundo o curso ordinário, preservando ou adotando medidas para a preservação da viabilidade
econômica e competitividade dos Ativos Desinvestidos, de acordo com as boas práticas de negócios, e
minimizará riscos de potencial perda de competitividade dos Ativos Desinvestidos. Em particular, a
PETROBRAS compromete-se a:
(a) Não tomar qualquer medida que possa ter um impacto adverso significativo sobre o valor, gestão ou
competitividade dos Ativos Desinvestidos ou que possa alterar a natureza e o escopo da atividade, a
estratégia industrial ou comercial ou a política de investimento dos Ativos Desinvestidos;
(b) Disponibilizar os recursos suficientes para o desenvolvimento dos Ativos Desinvestidos, levando em
consideração os planos de negócios existentes.
4.2 A PETROBRAS deverá ofertar aos respectivos compradores a possibilidade de negociação de um
plano de transição, a fim de preservar a competitividade dos Ativos Desinvestidos.

B. Due Diligence
4.3. De modo a permitir que potenciais compradores realizem uma Due Diligence dos Ativos
Desinvestidos, a PETROBRAS deverá, sujeito a compromissos de confidencialidade e a depender da fase
do processo de desinvestimento, fornecer aos potenciais compradores informações suficientes relacionadas
aos Ativos Desinvestidos.

C. Relatórios
4.4. A PETROBRAS apresentará ao CADE e ao Trustee de Monitoramento regulado na Cláusula Sexta, se
já contratado, relatórios semestrais por escrito, a partir da data de assinatura deste Termo de Compromisso
(ou conforme solicitado pelo CADE) sobre o andamento das ações adotadas no âmbito dos Compromissos
assumido neste TC.

Cláusula Quinta – Compradores dos Ativos Desinvestidos


5.1. Os compradores dos Ativos Desinvestidos deverão preencher, cumulativamente, os seguintes critérios:
(a) independência com relação ao Sistema Petrobras, não possuindo, direta ou indiretamente, participação
societária da PETROBRAS ou de suas Empresas Afiliadas (considerando-se a situação após o
desinvestimento);
(b) possuir recursos financeiros e incentivos para manter e desenvolver os Ativos Desinvestidos como uma
força competitiva viável e ativa no Território Brasileiro em relação à PETROBRAS e aos demais
concorrentes no mercado;

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(c) independência com relação aos agentes que compõem os demais elos da cadeia de gás natural, não
possuindo, direta ou indiretamente, participação societária destes agentes (considerando-se a situação após
o desinvestimento).
5.2. Os compradores deverão obter junto às autoridades regulatórias todas as aprovações necessárias para a
aquisição dos Ativos Desinvestidos.
5.3. Análises antitrustes detalhadas da aquisição dos Ativos Desinvestidos pelos compradores deverão ser
feitas em notificações de atos de concentração independentes ao CADE, na medida em que a notificação
for obrigatória nos termos legais.

Cláusula Sexta – Trustee de Monitoramento

A. Contratação do Trustee de Monitoramento


6.1. A PETROBRAS deverá contratar um Trustee de Monitoramento, pessoa física ou jurídica, observando
as normas de contratação a ela aplicáveis, para realizar as atribuições especificadas no item 6.5 deste
Termo de Compromisso.
6.1.1. O procedimento de contratação do Trustee de Monitoramento deverá ser consumado no prazo de 180
(cento e oitenta) dias corridos contados da assinatura do presente Termo de Compromisso, podendo ser
concedido prazo adicional, caso a PETROBRAS apresente pedido fundamentado.
6.2. O Trustee de Monitoramento deverá:
(a) por ocasião da sua contratação, ser independente do Sistema Petrobras, não possuindo, direta ou
indiretamente, participação societária da PETROBRAS ou suas Empresas Afiliadas;
(b) possuir as qualificações necessárias para realizar suas atribuições, especialmente conhecimento da
indústria de Óleo & Gás;
(c) não possuir conflito de interesses.
6.3. Em até 30 (trinta) dias corridos contados da assinatura do presente Termo de Compromisso a
PETROBRAS deverá submeter ao CADE proposta detalhada de requisitos técnicos objetivos para
qualificação dos licitantes aptos a serem contratados para exercer a função de Trustee de Monitoramento.
6.3.1. A aprovação do CADE dos requisitos constituirá condição suspensiva para o início do procedimento
de contratação do Trustee de Monitoramento.
6.3.2. O prazo mencionado no item 6.1.1 ficará suspenso até a manifestação definitiva do CADE sobre os
requisitos técnicos propostos pela PETROBRAS.
6.4. O CADE deverá informar à PETROBRAS sobre o adequado cumprimento, pelo Trustee de
Monitoramento, das atribuições listadas no item 6.5.

B. Atribuições do Trustee de Monitoramento


6.5. O Trustee de Monitoramento deverá exercer as seguintes atribuições:
(a) propor, em seu primeiro relatório ao CADE, plano de trabalho detalhado, descrevendo como pretende
monitorar o cumprimento das obrigações e compromissos relacionados ao presente Termo de
Compromisso;
(b) acompanhar a administração da PETROBRAS sobre os Ativos Desinvestidos, com o objetivo de
avaliar sua continuada viabilidade econômica e competitividade, e monitorar o cumprimento, pela
PETROBRAS, das condições e obrigações previstas neste TC;
(c) acompanhar o andamento dos processos de desinvestimento de Ativos Desinvestidos e verificar, a
depender do estágio do processo de desinvestimento, se: os potenciais compradores receberam
informações suficientes e corretas relacionadas aos Ativos Desinvestidos, em particular, ao analisar, caso
disponível, a documentação do sistema de consulta de dados, o memorando de informações e o processo de
due diligence ;

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(d) fornecer ao CADE e à PETROBRAS, uma cópia de relatório escrito, trimestralmente, iniciando 3 (três)
meses após a sua contratação, sobre a operação e a gestão dos Ativos Desinvestidos, de modo que o CADE
possa avaliar se o negócio está sendo mantido de maneira consistente com este TC;
(e) reportar prontamente ao CADE, por escrito, enviando à PETROBRAS uma cópia simultaneamente, se
concluir, com fundamentos razoáveis, que a PETROBRAS não está cumprindo este TC;
(f) dentro de 7 (sete) dias corridos da assinatura dos contratos de alienação referentes aos processos de
desinvestimento de Ativos Desinvestidos, submeter ao CADE, enviando à PETROBRAS, ao mesmo
tempo, uma cópia, parecer fundamentado quanto ao atendimento ao disposto na Cláusula Quinta e à
viabilidade dos Ativos Desinvestidos, informando se os Ativos Desinvestidos estão sendo alienados de
maneira consistente com as condições e obrigações previstas neste TC; e
(g) monitorar a transferência dos Ativos Desinvestidos aos compradores.

Cláusula Sétima – Da Suspensão e do Arquivamento dos Procedimentos Administrativos


7.1. Os Procedimentos Administrativos ficarão suspensos até o cumprimento final das obrigações previstas
no presente Termo.
7.2. Findo o prazo de vigência deste Termo de Compromisso, previsto na cláusula 14, e constatado o
cumprimento integral de todas as obrigações nele previstas, os Procedimentos Administrativos serão
arquivados em relação à PETROBRAS, nos termos do artigo 85, §9º da Lei nº 12.529/2011.

Cláusula Oitava – Do Descumprimento do Termo de Compromisso


8.1. O eventual descumprimento do Termo de Compromisso pela PETROBRAS deverá ser
obrigatoriamente declarado pelo Tribunal Administrativo do CADE, após processo administrativo de
apuração, em que será resguardado à PETROBRAS o direito à ampla defesa para demonstração do
cumprimento das obrigações, incluindo a possibilidade de apresentação de qualquer espécie de provas,
inclusive estudos e pareceres.
8.2. Uma vez constatado, pelo Tribunal Administrativo do CADE, o descumprimento de quaisquer
obrigações previstas na Cláusula Segunda do presente Termo de Compromisso, os Procedimentos
Administrativos voltarão a tramitar em face da PETROBRAS, sendo-lhe garantido direito de defesa no
curso das investigações.
8.3. Não serão consideradas como descumprimento às obrigações da PETROBRAS, as hipóteses abaixo
descritas:
a) Suspensão, anulação ou cancelamento, total ou parcial, de qualquer processo de desinvestimento de
Ativos Desinvestidos em virtude de decisão judicial, arbitral ou administrativa, inclusive em razão de
decisão ou recomendação do Tribunal de Contas da União e da Controladoria Geral da União, entre outros,
independentemente da causa;
b) evento de força maior, assim entendido o evento que esteja fora do controle da PETROBRAS e que não
poderia ser por ela razoavelmente previsto e que afete materialmente a execução das obrigações previstas
neste Termo de Compromisso, incluindo mas não se limitando a, greves, atos de sabotagem, paradas não
previstas para manutenção de unidades dos Ativos Desinvestidos, fenômenos naturais, disputas de
terceiros, alterações legais, desastres e explosões;
c) Ausência de interessados nos processos competitivos de desinvestimento de Ativos Desinvestidos;
d) Apresentação de propostas com valores inferiores aos constantes das avaliações econômico-financeiras
relativas a cada um dos Ativos Desinvestidos, desde que realizadas de acordo com os critérios econômico-
financeiros aplicáveis;
e) Não atendimento, integral ou parcialmente, dos requisitos técnicos, jurídicos, financeiros e de
compliance por parte dos potenciais compradores no âmbito dos processos competitivos de
desinvestimento de Ativos Desinvestidos;
f) Não cumprimento ou atraso no cumprimento das condições constantes de contrato de compra e venda
por potencial comprador;

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g) Repetição de processo(s) competitivo(s) em razão de modificação de objeto ou de suas fases em razão


de alteração de escopo ou repetição da fase de apresentação de propostas vinculantes caso a diferença entre
o valor da melhor Proposta Vinculante e as Propostas Vinculantes subsequentes seja de até 10% (dez por
cento) do valor da Melhor Proposta;
h) Suspensão ou dilação do prazo contratualmente estabelecido entre PETROBRAS e um potencial
comprador para a transferência efetiva de cada Ativo Desinvestido em razão de fato de terceiro ou de
autoridade com jurisdição para avaliar a execução do negócio;
i) Necessidade de reavaliação do modelo de negócio dos Projetos de Desinvestimento na Área de Gás
Natural pela PETROBRAS, desde que fundamentada em estudo técnico independente, a ser avaliado
conjuntamente por PETROBRAS e CADE com base em critérios técnicos, metodologia e boas práticas
aplicáveis;
j) A perda da vigência da norma tributária mencionada no item 3.1.1.
8.4. A PETROBRAS se compromete a informar prontamente ao CADE e ao Trustee de Monitoramento a
ocorrência de quaisquer das hipóteses descritas no item 8.3.
8.5. Em caso de ocorrência da hipótese discriminada no item 8.3 “a”, a PETROBRAS deverá demonstrar
ao CADE que despendeu os melhores esforços para tentar reverter o(s) fato(s) impeditivo(s) da
continuidade da alienação do(s) Ativo(s) Desinvestido(s).
8.6. As etapas e prazos previstos nas Cláusulas 2.1.3, 2.9 e 2.9.1 ficarão automaticamente suspensos em
razão da ocorrência das hipóteses previstas na Cláusula 8.3.
8.6.1. Caso as circunstâncias que venham a impedir ou atrasar o cumprimento de algum processo de
desinvestimento de Ativos Desinvestidos, descritas na cláusula 8.3, sejam de natureza transitória e possam
ser revertidas, PETROBRAS e CADE negociarão de boa-fé a readequação deste Termo de Compromisso,
mediante a celebração de Termo Aditivo, de modo a perseguir as finalidades e objetivos consubstanciados
no presente instrumento.
8.6.2. Caso as circunstâncias que venham impedir ou atrasar o cumprimento de algum processo de
desinvestimento de Ativos Desinvestidos, descritas na cláusula 8.3, não sejam de natureza transitória e não
possam ser revertidas, o CADE poderá declarar o presente Termo de Compromisso rescindido, retornando
os Procedimentos Administrativos ao seu curso regular.

Cláusula Nona – Penalidade por Descumprimento


9.1. Caso o CADE identifique que a PETROBRAS não cumpriu com quaisquer das obrigações assumidas
no presente Termo de Compromisso, poderá, observado o disposto na Cláusula 8.1, declarar o
descumprimento parcial e aplicar as seguintes multas:
9.1.1. Findo o prazo de vigência deste Termo de Compromisso e observado o disposto nas Cláusulas 8.3 e
8.6, no caso de a PETROBRAS falhar em completar totalmente o processo de desinvestimento descrito nos
prazos e condições previstos neste Termo de Compromisso, nos termos da Cláusula 2.1 acima, e não
completar o processo de desinvestimento dentro do prazo de quaisquer dilações deferidas pelo CADE, nos
termos da Cláusula 2.9.1 acima, deverá pagar a multa de 0,1% da receita líquida anual, no ano de 2018,
dos ativos que não foram efetivamente desinvestidos, na proporção de sua participação acionária em cada
um dos ativos não desinvestidos. A penalidade deverá ser recolhida em favor do Fundo de Defesa de
Direitos Difusos.
9.1.2 O descumprimento de quaisquer dos compromissos estabelecidos nas Cláusulas 2.2 a 2.6, 4.1 alíneas
(a) e (b), 4.2 e 4.3 deste Termo de Compromisso implicará o pagamento por parte da PETROBRAS,
conforme aplicável, de multa no valor de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia, podendo, nos
termos do artigo 40 da Lei nº 12.529/2011, ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, por até 60 dias corridos,
por evento. A penalidade deverá ser recolhida em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
9.1.3 O descumprimento de quaisquer dos compromissos estabelecidos nas Cláusulas 4.4, 6.1 e 6.1.1 deste
Termo de Compromisso implicará o pagamento por parte da PETROBRAS, conforme aplicável, de multa
no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia, podendo, nos termos do artigo 40 da Lei nº 12.529/2011,
ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, por até 60 dias corridos, por evento. A penalidade deverá ser
recolhida em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

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9.1.4. O descumprimento para o qual não exista penalidade específica estabelecida neste Termo de
Compromisso resultará em pagamento, pela PETROBRAS, conforme aplicável, de multa diária de R$
5.000,00 (cinco mil reais), podendo, nos termos do artigo 40 da Lei nº 12.529/2011, ser aumentada em até
20 (vinte) vezes, por até 60 dias corridos, por evento. Referida penalidade deverá ser recolhida em favor do
Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Cláusula Décima – Da Execução


10.1. O presente Termo de Compromisso constitui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 85, §
8º da Lei nº 12.529/11.

Cláusula Décima Primeira – Da Publicação


11.1. O Termo de Compromisso será divulgado no momento de sua apreciação pelo Plenário do CADE, e
será tornado público após a sua homologação, nos termos do artigo 85, § 7º da Lei nº 12.529/11, mantida a
confidencialidade das disposições dos itens 2.5.4. e 2.5.5., aqui destacados em cinza e sinalizados como
“ACESSO RESTRITO”.

Cláusula Décima Segunda – Das Notificações


12.1. Todas as notificações e outras comunicações expedidas à PETROBRAS deverão ser enviadas para o
seguinte endereço:
A/C: Alex Azevedo Messeder
OAB/RJ nº 119.233
[email protected]
Av. República do Chile, nº 65 - Centro
CEP 20031-912 - Rio de Janeiro (RJ)
Telefone (21) 3224-8786

Cláusula Décima Terceira – Confidencialidade


13.1. PETROBRAS e CADE concordam que todos os documentos comprobatórios do cumprimento das
obrigações da PETROBRAS, conforme Cláusulas Segunda e Quarta, são confidenciais e não devem ser
divulgados a terceiros, comprometendo-se a solicitar que seja resguardado o sigilo em quaisquer instâncias
em que eventualmente este Termo de Compromisso venha a ser discutido.

Cláusula Décima Quarta – Vigência


14.1. Este Termo de Compromisso entra em vigor na data de sua assinatura, permanecendo vigente até 31
de julho de 2024 ou até o cumprimento integral dos compromissos assumidos pelos SIGNATÁRIOS, o que
ocorrer primeiro.

E por estarem de acordo, assinam o presente Termo de Compromisso em 3 (três) vias de igual teor e forma.

Brasília, 08 de julho de 2019.

___________________________________________
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
Alexandre Barreto de Souza - Presidente

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____________________________________________
PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS
Roberto Castello Branco - Presidente

TESTEMUNHAS:

____________________________________________
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA - MME
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior - Ministro

____________________________________________
MINISTÉRIO DA ECONOMIA - ME
Marcelo Pacheco dos Guaranys - Secretário-Executivo

____________________________________________
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP
Décio Fabricio Oddone da Costa - Diretor-Geral

ANEXO I
“Caderno de Boas Práticas de Gás Natural – Diretrizes para Acesso de Terceiros a Unidade de
Processamento de Gás Natural – UPGN”

ANEXO II
Descrição dos Ativos Desinvestidos

* por meio da subsidiária Petrobras Logística de Gás S.A.

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03/09/2020 SEI/CADE - 0635976 - Termo de Compromisso de Cessação (TCC)

Documento assinado eletronicamente por Alexandre Barreto de Souza, Presidente, em 09/07/2019,


às 19:41, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.

Documento assinado eletronicamente por Roberto da Cunha Castello Branco, Usuário Externo, em
10/07/2019, às 17:09, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro
de 2014.

Documento assinado eletronicamente por Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, Usuário
Externo, em 10/07/2019, às 18:11, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02
de dezembro de 2014.

Documento assinado eletronicamente por DÉCIO FABRICIO ODDONE DA COSTA, Usuário


Externo, em 11/07/2019, às 15:40, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02
de dezembro de 2014.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site


http://sei.cade.gov.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0635976 e o
código CRC 8966E64C.

Referência: Processo nº 08700.003133/2019-71 SEI nº 0635976

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