24 Horas Na Roma Antiga Philip Matyszak
24 Horas Na Roma Antiga Philip Matyszak
24 Horas Na Roma Antiga Philip Matyszak
Publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha em 2017 por Michael O’Mara Books Limited.
Copyright © Philip Matyszak 2017
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Diretora: Juliana Corso Thomaz
Gerente editorial: Naihobi Steinmetz Rodrigues
Editora: Sabrina Didoné
Tradução: Débora Isidoro
Design e ilustrações da capa: © Patrick Knowles
Projeto gráfico: Jade Wheaton
Adaptação de projeto gráfico: Estúdio Isis
Revisão: Ana Carolina Salinas e Marina Ávila Birriel
A ficha catalográfica deste livro encontra-se em poder da Editora.
Grafia atualizada seguindo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Todos os direitos
reservados. É proibido copiar, armazenar, distribuir, transmitir, reproduzir ou de qualquer outra forma
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SUMÁRIO
ANTERROSTO
FOLHA DE ROSTO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
HORA II (8H–9H)
A VIRGEM VESTAL VAI BUSCAR ÁGUA
HORA IV (10H–11H)
A ADOLESCENTE ROMPE COM SEU NAMORADO
HORA V (11H–12H)
O PEDREIRO TRABALHA EM UMA TUMBA IMPERIAL
HORA VI (12H–13H)
A DONA DA TAVERNA NA HORA DO ALMOÇO
HORA IV (15H–16H)
A ANFITRIÃ ORGANIZA A NOITE
HORA X (16H–17H)
A LAVADEIRA TRABALHA ATÉ MAIS TARDE
HORA XI (17H–18H)
O COZINHEIRO FICA AFLITO
BIBLIOGRAFIA
O fato de Petronius Brevis ser pai — de uma filha — é motivo para muito
humor atrevido no pequeno prédio de apartamentos que ele chama de lar.
A esposa de Petronius trabalha em uma banca de peixes no Fórum
Piscarium de Roma. Faz parte do seu trabalho supervisionar a transferência
dos peixes vivos. Esses peixes são trazidos à Roma de noite em barris com
água. Eles são transportados vivos para evitar o problema de estragarem no
caminho. Uma vez removidos dos barris, durante as horas de
funcionamento do mercado, os peixes nadam em bacias rasas entalhadas
nos balcões de pedra da banca. Assim, os romanos podem levar o peixe
realmente fresco. Na verdade, não é incomum que um peixe seja servido à
mesa menos de uma hora depois de sua morte na peixaria.
Tirar os peixes dos barris e levá-los para as bacias é algo que precisa
ser feito antes de os primeiros clientes chegarem ao Fórum, mais ou menos
ao nascer do sol, e isso significa que a esposa de Brevis tem que sair de casa
uma hora antes do amanhecer. Antes de ir trabalhar, normalmente ela
prepara o café da manhã e o deixa sobre o balcão da cozinha para o marido
comer quando chegar, apesar de a refeição poder servir de ceia,
considerando a hora em que ele chega.
Brevis normalmente chega em casa uma hora depois de a esposa ter
saído para ir trabalhar, horário em que ele faz sua refeição, lava-se
rapidamente e vai para a cama. Isso porque Petronius Brevis é membro da
Vigiles, a Patrulha Noturna de Roma, e, à essa altura, ele já passou as
últimas nove horas em pé. Por causa desses horários desencontrados, às
vezes Petronius passa uma semana sem ver a esposa. E é daí que vêm as
piadas sobre a filha dele, porque os vizinhos especulam sobre como
conseguiram organizar a concepção.
No momento, Brevis tem várias longas horas de expediente pela
frente. Ele e seu esquadrão têm uma função dupla: embora os vigiles sejam
encarregados de manter a lei e a ordem nas ruas depois que escurece, isso é,
na verdade, incidental à principal obrigação deles, que é a prevenção de
incêndios. Afinal, o estrago que um bêbado violento ou um assaltante
assassino pode causar é pequeno, comparado ao caos provocado por um
incêndio, mesmo que moderado. Roma é dividida em sete distritos para
efeitos de prevenção, e Brevis e seus colegas sabem muito bem que foi no
distrito coberto pelo colega deles — Regio II — que o pior incêndio da
história de Roma começou.
Isso foi em 64 d.C., e o fogo que começou naquelas ruas sinuosas
perto do Circus Maximus acabou crescendo, tornando-se uma conflagração
que só foi controlada seis dias depois — quando bem mais que um quarto
de Roma tinha sido completamente destruído.
O GRANDE INCÊNDIO
Na quente noite de verão de 19 de junho de 64, um incêndio começou em uma das lojas
enfileiradas junto dos muros do Circus Maximus. Como o historiador Tácito explicou
posteriormente, “não havia mansões protegidas por muros, nem templos cercados por
paredes de pedras, nem obstruções de nenhum tipo para impedir seu avanço”.
Tácito — que experimentou o fogo quando jovem — dá a descrição a partir da experiência
pessoal: “As ruas ficaram lotadas de pessoas tentando fugir. Havia mulheres gritando
apavoradas, os incapacitados e idosos. Havia homens cuidando deles mesmos ou de outras
pessoas, alguns com enfermos nas costas, ou esperando por eles. Enquanto olhavam para
trás, [o fogo] os atacava pelos lados, ou pela frente. Às vezes, eles fugiam para um distrito
vizinho, só para encontrá-lo em estado ainda pior do que aquele que tinham abandonado.”
Muitos acreditavam que um incêndio tão grande como aquele só poderia ter sido provocado,
e desenvolveu-se a suspeita de que o Imperador Nero havia decidido que o fogo era uma
forma estratégica de limpeza urbana, depois do qual ele reconstruiria Roma de acordo com
seus planos.
As barracas precárias dos ambulantes nas ruas, os depósitos em
galpões e os andares superiores de muitos edifícios são de madeira, secos e
tão aglomerados que quase não há uma estrutura que não toque outra. Basta
uma faísca de carvão cuspida por um fogo malfeito ou uma lamparina de
óleo derrubada por um rato procurando comida, e, em minutos, uma parede
de chamas podia varrer a rua que Brevis e seu batalhão patrulhavam.
Não é surpresa, então, que o vigia tenha poder para invadir qualquer
lugar onde desconfie da existência de um fogo fora de controle. Além do
poder estatutário para multar estabelecimentos ou residências descuidados,
o vigia também pode dispensar punição física básica. Dado o grande perigo
que um incêndio representa para a vizinhança, o adjetivo “incendiário”está
entre os piores insultos que um romano pode lançar contra outro, e há pouca
simpatia por qualquer um que se torne alvo das atenções do vigia.
Uma vez detectado um incêndio, a unidade tem protocolos bem-
estabelecidos para enfrentá-lo. Em curto prazo, providencia-se a evacuação
dos edifícios próximos e a organização uma corrente de baldes a partir das
residências no entorno. Todas as casas têm que manter uma quantia
determinada de água para esse fim, e Brevis e seus homens podem informar
de imediato quanto tempo demora para uma corrente de baldes unir
qualquer parte de sua rota de patrulha à fonte mais próxima. Um
desafortunado novato no grupo é designado “homem cobertor” e carrega
cobertores encharcados de vinagre para abafar qualquer pequeno foco de
fogo antes que se alastre. Se for necessário reforço, o grupo do carro de
bombeiros é acionado. O carro de bombeiros não é uma invenção nova —
os ancestrais do veículo, usados pelos vigiles, já apagavam incêndios no
Egito séculos antes. Foi um inventor grego que trabalhava para a Grande
Biblioteca de Alexandria (um homem chamado apropriadamente de Herói)
quem primeiro desvendou os princípios de uma bomba poderosa o
suficiente para transportar água através de uma mangueira.
Todos os grupos de vigiles têm especialistas. Há, é claro, os médicos
que cuidam dos agredidos por assaltantes e dos vigiles que, às vezes, são
feridos em um encontro físico com uma grande gangue de ladrões. Também
têm os que são feridos em incêndios ou pulam de edifícios em chamas
(embora os vigiles também tenham um esquadrão de “homens-colchão” que
tentam amenizar quedas desse tipo).
Se o carro de bombeiros falha, o vigile chama a artilharia pesada, que
é, bem, artilharia pesada. Ao longo de séculos de guerras e cercos, os
romanos se tornaram muito bons em derrubar muralhas de cidades, e
balistas, onagros e outras peças de artilharia usadas para esse propósito são
ainda mais destruidoras quando apontadas para prédios de apartamentos
romanos comuns (isto é, decrépitos). Então, quando acontece um incêndio
importante, o prefeito encarregado dos vigias toma uma decisão rápida
sobre onde deve acontecer a interrupção do fogo. A artilharia entra em ação
e cria a interrupção com um trabalho de demolição ultrarrápido. Uma
construção de quatro andares pode se tornar uma pilha de entulho com
velocidade impressionante, quando submetida aos disparos de um perito.
Uma vez derrubado o prédio, é tarefa de Brevis e seus colegas subir na
pilha instável de escombros, armados com ganchos de cabos compridos, e
arrancar de lá qualquer coisa inflamável. Eles têm que fazer esse trabalho
rapidamente, já que o fogo se aproxima depressa. É óbvio que esse é um
trabalho perigosamente empolgante, e isso ajuda a explicar a veemência
com que Brevis e seu esquadrão advertem aqueles que tratam o fogo com
descuido. (Não é nem preciso dizer que os proprietários dos prédios
demolidos raramente ficam contentes com a escolha do prefeito para a
localização da interrupção do incêndio.)
QUEIMA DE ESTOQUE
Antes de os vigiles serem organizados pelo Imperador Augusto, no início do primeiro século,
as únicas brigadas de incêndio em Roma eram particulares. Uma delas pertencia a Licinius
Crassus. Em caso de incêndio em uma casa, esse indivíduo interessado no bem-estar público
aparecia na propriedade em chamas, com seus bombeiros a postos, e se preparava para
debelar as chamas — assim que o prédio fosse vendido para ele. Quanto mais o proprietário
postergava a venda ou tentava negociar, mais sua propriedade queimava e perdia valor.
O CARROCEIRO NO
ENGARRAFAMENTO
O PADEIRO COMEÇA A
TRABALHAR
A HISTÓRIA DO BURRO
Na manhã seguinte, fui atrelado ao que parecia ser a roda maior
do moinho. Minha cabeça foi coberta com um saco e fui
imediatamente empurrado pela trilha curva de sua base circular.
Em uma órbita circunscrita, sempre andando sobre meus passos,
eu viajava por aquele caminho estabelecido…
Embora, como um ser humano, tivesse visto muitas rodas de
moinho giradas de maneira similar, fingi ignorar o processo e,
como um novato, permaneci empacado no lugar em um estupor
fingido. Torcia para ser julgado imprestável e inadequado para
aquele tipo de trabalho e transferido para outra tarefa mais
fácil, ou até solto no pasto.
Mas exercitei esse meu ardil inutilmente, porque vários garotos
armados com varas logo me cercaram e, enquanto eu estava ali,
sem suspeitar de nada por ter os olhos vendados, eles gritaram
todos juntos de repente como se dessem um sinal, e caíram sobre
mim desferindo uma sequência de pancadas, me assustando
tanto com seus gritos, que abandonei rapidamente meu plano,
puxei bem depressa o eixo com toda força e cumpri prontamente
os circuitos prescritos, provocando gargalhadas com minha
súbita mudança de disposição.
APULEIO, O asno de ouro, livro 9, 11-13
Seja qual for o formato, o pão é posto sobre uma pá de madeira, que
será usada para colocá-lo no forno. Ela ocupa o centro da sala e é um
enorme arco feito de tijolos claros de argila. O espaço sob o arco é separado
em dois fornos distintos, dispostos lado a lado e fechados por sólidas portas
de ferro. Avaliando que a fornada no interior do forno está pronta,
Misthrathius abre as portas e libera uma explosão de calor no ambiente. Os
pães dourados estão empilhados lá dentro, a partir da prateleira inferior —
que é menos quente e é onde os pães menores são assados — para a mais
alta, onde são assados os pães grandes.
A cada meia hora, cada forno produz mais uma dúzia de pães, que a
filha do padeiro leva para a frente da loja, com entrada pela rua principal, e
acomoda cuidadosamente nas prateleiras separadas por tipo. Apesar de ser
cedo, já há uma pequena multidão esperando a padaria abrir. Um grupo de
vigias cronometra as rondas de forma a passarem por ali justamente quando
os rústicos, mas saborosos, pães de painço chegam às prateleiras. Os vigias
se misturam a operários suados, que compram um pão antes de irem para
casa depois de passarem a madrugada descarregando as balsas nas docas do
Aventino. Entre os outros clientes, há uma jovem escrava. Como todos os
dias, ela está ali para comprar o grande pão branco que vai ser parte do
desjejum de seu senhor.
O PÃO DE HERCULANO
No início da manhã de 24 de agosto do ano 79 d.C., um pão foi colocado nos fornos de
tijolos de uma padaria na cidade de Herculano. O pão era destinado a Celer, o escravo de
Quintus Granius Verus. Nunca chegou ao seu destino, pois Celer, o padeiro e a maior parte
da população de Herculano foram mortos pelo fluxo de lava da erupção do Monte Vesúvio,
que destruiu a cidade.
No entanto, o design de um forno de tijolos é tão bom para impedir a entrada do calor
externo quanto para retê-lo em seu interior, e o pão sobreviveu — embora assado em ponto
de carbonização. O pão é redondo, “tipo bolo”, descrito anteriormente, com a superfície
marcada por cortes para poder ser dividido em oito pedaços.
O pão foi cientificamente analisado, e a receita, recriada. Este pão em particular é de
fermentação natural, e, embora Celer, o escravo, não soubesse disso, fermentação natural
depende de dois tipos de levedura natural, Lactobacillus e Acetobacillus.
A fermentação pode ser incentivada simplesmente deixando uma mistura de farinha e água
sobre a mesa da cozinha por alguns dias (completando os ingredientes conforme necessário).
Então, uma vez que você tem o seu fermento, adicione:
Meio litro de água
400g (14 onças) de farinha de espelta
(se não encontrar, use farinha de pizza)
400g de farinha integral
Uma colher de sopa de farinha de centeio, se tiver
Uma colher de azeite
Depois de misturar todos esses ingredientes, você terá uma grande porção de massa
ligeiramente pegajosa ao toque. Deixe descansar por 45 minutos em local quente e úmido, e
depois amasse novamente, dessa vez adicionando uma colher de chá de sal. Coloque-a em
sua forma de bolo, pressione seu carimbo pessoal, faça cortes de cerca de 1 cm de
profundidade na superfície da massa para marcar os segmentos e permitir que a massa
cresça.
Depois de uma hora, seu pão deve estar pronto para assar —asse-o por 25 minutos a 220 °C
(428 °F). Não permita que o fluxo de lava de vulcões próximos interrompa o processo de
cozimento, e você deve obter um pão fino e crocante.
HORA NOCTIS IX
(3h–4h)
Ao sair da padaria quente, a escrava olha para cima e estuda o céu noturno.
Há muito a ser feito antes de o resto da casa começar a despertar. A
primeira tarefa, para a qual ela acaba de comprar o pão, é preparar um
desjejum, que deve ser servido quente. No entanto, cuidar do fogão não
deve atrapalhar os outros preparativos para a manhã. Calcular
cuidadosamente o tempo desses preparativos fará toda a diferença entre
levar uma surra ou ganhar meia hora extra de descanso. Felizmente, é uma
noite clara, portanto, calcular as horas não representa nenhum desafio. O
relógio da escrava está espalhado no céu, brilhando.
Em Roma, a iluminação pública simplesmente não existe, e poucas
pessoas acendem lamparinas a óleo. Acima da cidade adormecida, as
estrelas são visíveis em toda sua glória, e essa escrava é completamente
familiarizada com as constelações. Ela procura a Cauda de Cachorro, a
estrela no fim da constelação da Ursa Menor. Em todo o céu, essa é a única
estrela que nunca muda sua posição. Com a facilidade conferida pela
prática, a garota localiza a estrela e observa o ângulo entre ela e o
aglomerado de estrelas que conhece como os Sete Bois. O ângulo entre a
Cauda do Cachorro e os Bois fica cada vez mais obtuso depois da meia-
noite, enquanto as estrelas giram no céu. Olhando rapidamente para o alto, a
garota sabe que a nona hora da noite está bem adiantada. É hora de correr
pela rua e voltar para casa.1
Este é o único lar que a escrava já conheceu, pois ela é da vernae, a
classe de escravos que nasceram na casa de seu senhor. De fato, sua
aparência e seus maneirismos sugerem com veemência que seu pai é o
próprio paterfamilias, o dono da casa. A garota provavelmente foi
concebida depois do flerte com uma das empregadas uma década e meia
atrás. Tendo mãe escrava e sem nunca ter sido formalmente reconhecida
pelo pai, a menina era, por lei e costume, uma escrava desde o momento em
que nasceu, e assim permaneceu desde então.
O longo tempo de residência na casa e a provável filiação dão à garota
alguns privilégios, mas sua aparência também lhe rendeu a inveja e o rancor
de sua senhora. A senhora não tem filhos, apesar de seus esforços e da
fertilidade a ela prometida por uma variedade de pharmaka gregos e
amuletos etruscos. Ela vê a escrava como uma censura viva por seu fracasso
em dar um herdeiro ao marido. Hoje, essa senhora vai visitar a família do
outro lado de Roma, e isso desperta sentimentos contraditórios na garota.
Por um lado, ela não sofrerá com tarefas e punições arbitrárias enquanto a
senhora estiver ausente, mas, por outro lado, terá de enfrentar o processo de
pentear a dona da casa para a viagem. Essa é uma das razões pela qual a
escrava quer chegar em casa e, rapidamente, reavivar o fogo da residência.
O CASO DE VERGÍNIA
No início da República Romana, um magistrado chamado
Appius Claudius foi tomado de paixão por uma jovem chamada
Vergínia. Para se apossar da menina, ele apresentou falsas
testemunhas. Uma delas alegou que a garota era adotada pelo
pai.
Vergínia era, na verdade, segundo este homem, filha de uma
das escravas de sua casa. Portanto, pela lei romana, ela era
sua escrava. O homem exigiu a custódia da menina, e Appius
— que se autonomeou o magistrado do caso — imediatamente
concedeu a posse.
Uma vez declarada “verna” — uma escrava nascida em casa
— Vergínia poderia então ser vendida ao lascivo Appius. O
plano foi frustrado pelo pai da menina, que esfaqueou a filha
até a morte, depois que todos os recursos legais foram
bloqueados. Aqui, Appius se superou, pois, por decreto dele
mesmo, o pai não era culpado de assassinato, mas de matar
uma escrava, o que configurava dano à propriedade.
O pai indignado liderou um movimento popular que derrubou o
governo. Appius foi preso por seus crimes e se matou na
prisão.
Detalhes em Livy, Ab Urbe Condida 3.44ff
Ao voltar para a cozinha, ela primeiro tirará a longa túnica externa que
usa presa à cintura sobre a roupa interna, mais curta. Depois de pendurar
esta túnica atrás da porta, ela reaviva o fogo e pega o pão. Ela o coloca em
um recipiente de barro de formato especial, que o manterá quente e
fumegante para quando seu senhor chegar para um desjejum apressado.
Depois que o senhor comer, a garota vai atiçar as chamas para que fiquem
mais altas, a fim de aquecer os ferros de modelar para o cabelo de sua
senhora. O cabelo é muito importante para uma mulher romana. A escrava
usa o seu em um estilo “natural”, penteado para trás e preso com um cordão
de couro. Esse penteado revela imediatamente seu status na parte inferior
da escala social. Uma mulher como sua senhora, ou como qualquer pessoa
com pretensões de posição social, usa o cabelo elegantemente penteado,
preso no alto da cabeça e de acordo com a última moda. Conseguir esse
efeito requer tempo e dinheiro, então, quanto mais elegante e elaborado o
penteado, mais dinheiro e lazer deve ter a mulher embaixo dele. A senhora
não é a única a exigir que a escrava tente fazer um penteado que só pode ser
obtido, na verdade, com o dobro do tempo e do orçamento disponíveis. Por
isso, a escrava fica miseravelmente ciente de que pode ser esbofeteada,
furada com grampos de cabelo ou mesmo queimada com o próprio ferro de
modelar, se seus esforços não corresponderem às expectativas.
Para deixar o ferro de modelar (calamistrum) quente o suficiente, a
escrava enterra o cilindro externo oco nas brasas do fogo revivido. Mais
tarde, ela enrolará o cabelo de sua dona ao redor do núcleo sólido do
instrumento e, em seguida, colocará o cilindro externo quente sobre ele. Tal
como acontece com muitas outras coisas na vida da escrava, isso exige um
cálculo cuidadoso de tempo. Se o cilindro externo estiver muito quente,
danificará as mechas de sua senhora. Se não estiver quente o suficiente, o
cabelo não vai enrolar. Em ambos os casos, a culpa recairá sobre a
cabeleireira, e a garota sofrerá as consequências. A técnica preferida da
escrava é deixar o cilindro ficar muito quente e depois resfriá-lo lentamente
até a temperatura ideal — é mais fácil esperar que o cilindro esfrie do que
se preocupar em aquecê-lo novamente.
Com tudo preparado, a garota sai da cozinha para olhar o céu estrelado, que
é claramente visível acima do átrio aberto da casa. A luz da lamparina já
está piscando em algumas janelas, com a casa começando a se mexer.
Embora reste cerca de um quarto de hora antes de poder esperar seu senhor
na cozinha, a menina sabe, por experiência, que não deve parecer ociosa.
Ela dá um passeio tranquilo até seus aposentos e volta com um grande
novelo de lã de ovelha.
CARDANDO A LÃ
Comece com um pedaço de lã tosquiado direto de sua ovelha. Lave-o. As ovelhas tendem a
ficar muito sujas, e a sujeira penetra profundamente nas fibras. No entanto, você vai querer
manter os óleos naturais da lã, portanto, não lave a mais de 70 °C (158 °F). (A lanolina em lã
de ovelha não só ajuda a manter a peça final resistente à água, como o óleo também é ótimo
para a pele.) Depois de lavá-la, deixe a lã secar completamente em um local quente.
Em seguida, pegue suas pás de cardar. Elas são como raquetes de pingue-pongue quadradas,
com um lado coberto por pinos de ponta reta. Quanto maior a densidade dos pinos, mais fina
será a lã, mas mais esforço você precisará fazer ao cardar. Portanto, combine o tamanho das
pranchas com a força da parte superior de seu corpo — isso é trabalho duro.
Cubra um quadrado com mechas de lã. Sente-se e coloque esse quadrado sobre o joelho.
Agora passe suavemente o outro quadrado pelas fibras do quadrado carregado. Continue na
mesma direção, pois a ideia é alinhar todas as fibras. Repita até que a maior parte da lã tenha
sido transferida para o quadrado que é movimentado. Em seguida, troque os quadrados e
repita. No fim, todas as fibras de lã serão alinhadas no quadrado.
Enrole suavemente a lã até que obtenha um cilindro frouxo. Isso é chamado de “rolag”, e
agora está pronto para ser fiado.
1 Este método de contar as horas pelas estrelas ainda pode ser usado hoje, pois as constelações
mudaram apenas de nome. A Cauda de Cachorro é agora Polaris, a Estrela Polar, enquanto os Sete
Bois se tornaram o Arado para os europeus e a Ursa Maior para os americanos. (N.A.)
HORA NOCTIS X
(4h–5h)
O MAPA DE PEUTINGER
No ano de 1494 d.C., um erudito deparou-se com uma descoberta extraordinária na cidade de
Worms, na Alemanha. Era um pergaminho de quase sete metros (22 pés) de comprimento.
Nesse pergaminho, eram relacionadas todas as estações de caminho (mansiones) do cursus
publicus romano (o nome dado ao correio e serviço de transporte imperial).
O pergaminho não é um mapa propriamente dito, pois a intenção não é mostrar o território,
mas as rotas. Assim, o gráfico é altamente distorcido, da mesma forma que um mapa de
metrô moderno mostrando as estações não reflete com precisão a geografia da cidade acima
delas.
No entanto, a relação é um feito surpreendente que retrata a localização de mais de 500
cidades em rotas de curso e mais de 3.500 estações de passagem e outros locais. O resultado
é que, com ela, é possível reconstruir quase dia a dia a rota mais provável que Titus Aulus
Macrius teria percorrido em sua viagem à Grã-Bretanha. Também é possível traçar rotas
ainda mais românticas, pelo Oriente Médio para a Índia e Taprobana (como os romanos
chamavam Sri Lanka).
O ancestral do mapa foi provavelmente uma carta de cursus publicus elaborada pelo então
capataz do imperador Augusto, Agripa. Ao longo dos séculos, esse gráfico foi melhorado e
ampliado para se tornar a versão que temos hoje. Ela está agora na Biblioteca Nacional
Austríaca em Viena, e mostra o cursus publicus como era por volta de 430 d.C., ou 300 anos
depois que o mensageiro Titus Aulus Macrius trabalhou para aquela organização.
O CORREIO LENTO. UM CARRO CURSUS PUBLICUS.
5 Serviço de correio expresso a cavalo inaugurado em 1860, que levava correspondências através de
territórios selvagens dos Estados Unidos. A rota ligava as cidades de St. Joseph e Sacramento. [N.T.]
HORA NOCTIS XII
(6h–7h)
Como todos os dias de aula, a manhã de Publius Phelyssam começa com ele
assistindo ansiosamente à contagem de cabeças por seu professor. Até
agora, 15 na turma se afastaram para deixar o mensageiro imperial passar.
O litteratus — professor de Publius — é pago por dia pelos alunos. Se ele
não conseguir 20 estudantes em sua turma, não vai receber o necessário.
Isso é uma coisa ruim.
Em primeiro lugar, porque isso significa que as aulas terão que
acontecer ao ar livre, como agora, e não na basílica em frente. A basílica é,
de longe, a melhor escolha, pois é protegida do sol e do vento e tem bancos
na lateral, nos quais Publius e seus colegas podem sentar. Nos dias em que
o litteratus não pode pagar ao atendente que cuida da basílica o ingresso
para dar a aula, ou quando a basílica está em uso para uma função oficial,
Publius e seus colegas sentam-se infelizes, de pernas cruzadas, na calçada,
com suas tábuas de cera equilibradas desajeitadamente sobre os joelhos.
Publius não gosta disso; a turma é tomada por uma disposição irritadiça, e
os outros usuários da calçada também não gostam muito da ideia.
A segunda razão pela qual não entrar na basílica é uma coisa ruim é
que isso deixa o litteratus de mau humor, e ele desconta nos alunos. Se o
professor soubesse que tinha sido apelidado de “Orbilius” pela turma, talvez
tivesse ficado muito satisfeito. Esse era o nome do professor do poeta
Horácio — a quem ele apelidou de “o flagelador” (plagosus), pela liberdade
com que usava seu chicote. O professor de Publius certamente também não
economiza chicote — uma pequena engenhoca de couro que está
constantemente ao seu lado — e, como a maioria dos romanos, não vê nada
de errado em impor alguma educação aos seus pupilos. É por isso que ele
ficaria satisfeito se soubesse que algum conhecimento de Horácio ficou
retido nos alunos, por mais depreciativa que fosse a forma como aplicaram
esse conhecimento.
6 Sátira 7.203ff
HORA I
(7h–8h)
O canto dos alunos da basílica traz esse verso à mente do senador enquanto
ele corre para encontrar seu patrono. O fato de Mamlius Aurelius Ofella ser
senador de Roma e, portanto, tecnicamente, estar entre os senhores do
mundo por direito, provoca em Ofella uma ocasional pontada de humor
irônico. Neste momento, Ofella não se sente senhor de nada.
O fato é que Ofella pertence de corpo e alma a um senador mais antigo
— Lucius Ceionius Commodus. Foi Ceionius quem patrocinou Ofella no
Senado quando ele era simplesmente um ninguém relativamente rico, mas
ambicioso, da Espanha. Foi Ceionius quem pagou o custo, de outra forma
proibitivo, de encenar jogos no anfiteatro quando Ofella era Aedili e subia a
escada senatorial. Foi Ceionius quem apresentou Ofella à sua esposa um
tanto empobrecida, mas altamente aristocrática, e foi Ceionius quem
financiou discretamente uma grande parte de seu dote.
Seria bom pensar que Ceionius fez tudo isso apenas porque era um
indivíduo rico e filantrópico, que fez amizade com Ofella por ter um
coração bondoso e, desde então, cuidou de seus melhores interesses. Mas,
se assim fosse, Ofella não estaria tão apressado em meio à multidão matinal
para apresentar saudações ao homem que chama de seu senhor.
O SISTEMA DE PATROCÍNIO
É exatamente para este tipo de transação que existe em Roma a relação cliente-patrono. É
também por isso que nenhum romano, seja mendigo de rua ou senador, sonharia em ficar sem
patrono. O direito romano é lento e caro, e a maioria das questões legais normalmente pode ser
resolvida sem envolver advogados, desde que o sistema cliente-patrono funcione sem
problemas. Passe um problema para cima na cadeia de patronagem e, em algum momento, ele
chegará a alguém com autoridade suficiente para resolver o assunto, ou a dois representantes
de clientes em lados opostos que podem forçar uma resolução.
É também por isso que, assim que atinge qualquer posição de autoridade, um patrono em
potencial começa imediatamente a procurar clientes. Não só muitos clientes contribuem para a
reputação de uma pessoa, mas — como Ofella sabe muito bem — os clientes são
frequentemente os instrumentos pelos quais o patrono faz as coisas.
No caso do desgraçado Julius, as coisas se complicaram porque o ex-
marido havia hesitado por tempo demais e a maior parte da papelada teve
que ser feita ali mesmo. Foi isso que aconteceu, mas agora Ofella tinha que
avançar a passos rápidos para não insultar seu patrono por estar atrasado.
Como Ceionius é um senador de alto escalão e membro do conselho
consultivo de Adriano, evidentemente não lida pessoalmente com assuntos
menores, como divórcios e investimentos. No entanto, ele ainda precisa de
senadores como Ofella tanto quanto eles precisam dele. Na verdade, uma
das razões para Ceionius ser um senador tão importante (e para os rumores
sobre ele ser um possível sucessor do imperador) é precisamente ter muitos
clientes. Clientes no senado apoiam qualquer legislação que Ceionius
propõe e bloqueiam qualquer ação de seus oponentes. Podem animar seus
discursos, contribuir para suas despesas e trabalhar duro para trazer
senadores não alinhados para o lado de Ceionius, quando há uma votação
apertada.
Como cliente, embora esteja muito acima de qualquer outro na rua em
termos de poder e prestígio, Ofella não é dono de si mesmo. Não tem seu
destino nas mãos, mas totalmente ligado ao de seu patrono. Se inimigos
conseguirem miná-lo, Ceionius quase certamente terá um fim difícil.
Adriano executou quase uma dúzia de senadores que o desagradaram, e
Ceionius pode facilmente entrar na lista. Como cliente de Ceionius, Ofella
então também sofreria consequências, certamente, embora não
necessariamente à custa da própria vida. Em vez disso, ele pode, por
exemplo, conseguir enfim o comando militar que está buscando, mesmo
que seja alta a probabilidade de obter apenas um posto menos procurado,
como comandante de um pequeno forte de guarnição em algum lugar na
extremidade mais úmida do novo muro na Grã-Bretanha.
Ou, se acharem que é muito perigoso confiar a Ofella o comando de
soldados potencialmente rebeldes, aqueles que derrubaram Ceionius
poderiam sugerir que, como o ar em Roma é muito insalubre, Ofella pode
preferir se mudar para outro lugar. Toma, por exemplo. As margens do Mar
Negro podem não ser um lugar feliz para um senador desgraçado viver, mas
ele pode ter que se conformar com esse fim, a menos que queira morrer em
Roma. O Senado é implacável com aqueles que caem em desgraça, e
acusações de traição são fáceis de articular contra alguém que não entenda
o sinal e deixe a cidade.
As consequências do fracasso são muito graves, por isso Ofella, como
outros clientes de Ceionius, trabalha para seu patrono com verdadeira
dedicação. As cores dele estão em seu mastro. Mesmo que seu patrono
esteja claramente do lado perdedor, Ofella não pode abandonar o barco.
Como lhe é exigido, Ofella reconheceu publicamente e em repetidas
ocasiões os favores que seu patrono prestou. Até que esses favores sejam
pagos integralmente, não há como Ofella deixar seu patrono sem incorrer
na mais condenável das acusações — ingratidão.
Ofella pensa nas pessoas que viu na rua naquela manhã, todas
surpresas e gratas por se encontrarem de repente na presença de um senador
romano — um dos maiores homens em Roma, quando a própria Roma é o
maior poder na terra. O que essas pessoas pensariam, se soubessem que, na
verdade, ele era só um fantoche ambulante, uma marionete vazia?
HORA II
(8h–9h)
GUARDIÃS DA CHAMA
Ao assumir o governo, Numa não interferiu nos lares individuais
das curiae [conselhos públicos ou religiosos], mas construiu uma
comum a todas elas no espaço entre o Monte Capitolino e o
Palatino (pois esses montes já haviam sido unidos por uma única
muralha dentro da mesma cidade, e o Fórum, no qual o templo
foi construído, fica entre eles), e ele decretou, de acordo com o
costume ancestral dos latinos, que a guarda das coisas sagradas
deveria ser confiada às virgens…
E eles consideram o fogo consagrado a Vesta, porque essa
deusa, sendo a terra e ocupando o lugar central no universo,
acende os fogos celestiais a partir dela mesma. Mas há quem
diga que, além do fogo, há algumas coisas sagradas no templo
da deusa que não podem ser reveladas ao público, das quais
apenas os pontífices e as virgens têm conhecimento.
DIONÍSIO DE HALICARNASSO, Roman antiquities 2.66 (tradução para o inglês
de Loeb 1937.)
Foi por isso que ele mandou chamar Caio. A primeira coisa que ele
tem que decidir é se o acusado é culpado de envenenamento por atribuição
ou se, ao realizar um ato criminoso, a escrava foi além dos limites de sua
obrigação. Há algumas coisas que não se pode forçar nem mesmo um
escravo a fazer. Se este for um desses casos, o acusado não pode ser
responsabilizado pelas ações de sua escrava, mesmo que tenha ordenado
que ela cometesse o crime.
As coisas eram mais fáceis nos dias da República Romana. Naquele
tempo, um escravo era um escravo — não mais do que uma “ferramenta
falante”, para usar as palavras de Cato, o Velho. No entanto, no mundo mais
civilizado do Império, a lei reconhece que a escravidão é uma condição
antinatural, e os sujeitos a ela — por nascimento ou infortúnio — são, no
entanto, tão humanos quanto qualquer outro. Portanto, todos os tipos de
questões legais se desenvolveram em torno dos direitos dos escravos e seu
relacionamento com seus senhores. Por exemplo, um senhor pode ser
forçado a vender um escravo se, em julgamento, for decidido que ele o
tratou de maneira bárbara, e um senhor que abandona um escravo doente
para economizar o custo do tratamento médico é julgado autor de alforria
por negligência. Se o escravo se recupera, ele o faz em liberdade.
Neste caso em particular, pelos cálculos do pretor, a escrava sabia que
receber ordens para envenenar alguém era flagrantemente ilegal. Portanto
— já que a lei hoje em dia reconhece que os escravos são seres humanos
racionais e não ferramentas —, a resposta adequada deveria ter sido
denunciar seu senhor às autoridades. Esse princípio — de que um escravo
pode denunciar um senhor que está cometendo um crime grave — remonta
à primeira República, quando um escravo chamado Vindictus denunciou
seu senhor por traição.
Esse escravo foi julgado, e a conclusão foi de que ele agiu
corretamente (e é por isso que, em milênios futuros, um homem que
provasse ter agido corretamente seria decretado “vingado”). Esse
precedente, avalia o pretor, significa que, se a escrava presente diante dele
hoje prosseguiu com a matança, não foi por ameaças, mas porque
envenenar a amante do mercador estava totalmente de acordo com suas
próprias inclinações.
Portanto, foi uma ação voluntária. Contudo, os acusadores — a família
do falecido — também estão presentes e o confrontam severamente. O
pretor quer a opinião de Caio antes de decidir que um processo por
envenenamento por atribuição é inadmissível por lei.
É previsto pela Lex Ælia Sentia que os escravos que foram
acorrentados por seus senhores, ou foram marcados, ou foram
submetidos à tortura por algum delito e condenados, ou foram
entregues para lutar com outros ou com animais selvagens, ou
lutar com gladiadores, ou lançados na prisão e depois libertados
pelo mesmo ou por outro senhor, ficarão livres e pertencerão à
mesma classe dos inimigos que se renderam incondicionalmente.
INSTITUTOS DE CAIO 1.13
Não que ainda exista uma chance de isso acontecer. Enquanto o pretor
esperava que alguns documentos ou uma testemunha aparecessem,
Cerinthus escapuliu de seu posto e caminhou para a multidão que se reunia
ao redor da basílica. O coração de Miyria palpitou quando ela pensou que
seu Cerinthus a tinha visto e que passaria alguns momentos roubados em
sua companhia. Enquanto ela abria caminho à força entre a multidão para
encontrá-lo, Cerinthus foi interceptado por uma ruiva que usava um vestido
curto.
Intrigada, Miyria parou, ignorando a pressão em seu cotovelo,
enquanto a serviçal tentava puxá-la para longe dali. Quaisquer dúvidas
quanto ao relacionamento entre Cerinthus e a garota logo foram
descartadas. Cerinthus deu uma rápida olhada para a basílica, onde o pretor
estava em intensa consulta com algum oficial, e depois puxou a jovem ruiva
para trás de uma pilastra para um beijo profundo e lascivo, que foi
correspondido de todo coração.
Miyria não tinha ideia de quanto tempo ficou ali parada, atordoada.
Em algum momento, o pretor deixou a basílica, e seu Cerinthus deu um
último abraço e uma apalpada na garota ruiva, depois correu atrás de seu
empregador. Nesse ponto, meio cega pelas lágrimas, Miyria havia fugido da
cena de traição, esbarrando no jurista ao sair correndo.
Sua casa fica no cruzamento da rua da ponte Aemilian, não muito
longe do Porticus Octaviae, onde a audiência estava acontecendo. Então,
em questão de minutos, Miyria passou correndo pelo porteiro assustado,
fugiu para o quarto, jogou-se de bruços na cama e agora está chorando
inconsolavelmente no travesseiro. Vários minutos depois, ouve-se uma
respiração ofegante na porta quando a serviçal chega, verifica o estado da
jovem que é sua responsabilidade e, com sabedoria, retira-se.
Depois de um tempo, Miyria se recompõe. Ela está certa de que seu
relacionamento com aquele porco traidor acabou — sem dúvida. Sua criada
estava certa ao dizer que ela, filha de um rico comerciante, é boa demais
para um mero escrivão legal. E que ele, sem se importar com os riscos que
ela havia assumido, ou com o fato de ela ter se disposto a ignorar a
diferença de status entre eles, a tenha desrespeitado tanto — bem, isso dói
quase tanto quanto a traição. Ela sabe agora que nunca mais o verá. Ele vai
ficar esperando uma mensagem que seria levada à tarde por sua criada
complacente. Bem, que essa mensagem seja tão dolorosa quanto possível
— mas também digna, para mostrar a Cerinthus que não foi uma prostituta
de rua que ele perdeu, mas uma dama.
Até agora, seu aspirante a amante, minha musa lhe disse onde
procurar a presa e como armar suas armadilhas. Agora, a
mulher que você selecionou deve ser cativada e conquistada.
Então, sedutores em todos os lugares, prestem atenção no que
tenho a dizer agora, porque esta é a parte mais importante da
minha lição…
Antes de mais nada, tenha certeza disso. Não há mulher que você
não possa conquistar, se tiver certeza de que é capaz de
conquistá-la. Os pássaros prefeririam parar de cantar na
primavera, o gafanhoto preferiria ficar em silêncio no verão, e
uma lebre se viraria e perseguiria os cães, mas uma mulher não
resistiria ao doce cortejo de um jovem amante.
OVÍDIO, Ars amatoria (A arte do amor)
Felizmente — tudo sem o conhecimento de Cerinthus —, Sulpícia
será a guia dessa jovem, pois ela foi a fonte das cartas amorosas que ela
havia enviado anteriormente. Sulpícia já está morta há várias gerações, mas
o bem mais precioso de Miyria é uma cópia das Elegias de Tibulo e
Propércio, em que os poemas de Sulpícia são preservados. Sulpícia viveu
no reinado do imperador Augusto, mas tinha a idade de Miyria quando
escreveu sua poesia. Dezesseis anos é uma idade tardia para uma garota
aristocrática romana se casar (muitas se casam aos 13 ou 14), mas a filha de
um comerciante, como Miyria, pode se casar mais tarde, na idade avançada
de 18 anos. As duas meninas conheceram a excitação sombria do romance
proibido e a frustração com uma geração mais velha que tentava controlar
cada movimento seu.
8 Na verdade, essa é uma etimologia falsa, mas um erro contemporâneo e não moderno. (N.A.)
HORA VI
(12h–13h)
Copa mora na própria taverna. Como o lugar costuma ficar aberto até
meia-noite — e às vezes até mais tarde, se os edis estiverem em um dia de
complacência — normalmente, não abre para o desjejum. No entanto, vale
a pena esperar para almoçar aqui, porque o Nono Pilar é um dos
restaurantes mais atraentes do baixo Esquilino. O vinho realmente tem
gosto de uvas, diferentemente dos que são oferecidos por aqui e que têm um
sabor que sugere que os proprietários o fabricaram em suas botas (como diz
o ditado). Porém, o principal atrativo da Taverna Nono Pilar é a atraente
Syrisca.
A melhor palavra para descrever Copa é “carnuda”. Esse atributo às
vezes é útil, pois, quando Syrisca dança para os clientes com o rosto corado
de vinho e uma faixa grega no cabelo, eles definitivamente prestam atenção.
Mesmo aqueles que estão nos divãs caros da alcova dos fundos — com
guirlandas de pétalas de rosas na cabeça e que Copa pretende encher de
vinho até o pôr do sol — vão se sentar e prestar atenção. Mas os olhos são
tudo que eles põem na garota. Tem uma vara de nogueira ao alcance da mão
de Copa, e ela é quase tão grossa quanto seu pulso. Qualquer um que tente
mudar a dança de Syrisca da vertical para a horizontal se familiariza com a
nogueira pouco antes de ser ejetado do local em velocidade média.
CANÇÃO DE COPA
Syrisca está dançando, de um jeito ébrio, sensual,
Uma faixa grega no cabelo
Gira os quadris no ritmo produzido
Por suas castanholas…
Como isso ajuda um homem cansado
A voltar à poeira quente do dia
Em vez de ficar deitado aqui…
bebendo de copos sempre reabastecidos?
Venha descansar seu corpo cansado
Sob as vinhas que dão sombra
Com uma guirlanda de rosas coroando sua cabeça
Enquanto arranca um beijo dos lábios doces
De uma menina jovem.
PSEUDO-VIRGÍLIO, Copa (passim)
Os clientes não são inteiramente culpados. Muitas casas romanas de
bebidas (popina) também funcionam como bordel (lupanaria), assim como
outras tavernas também servem como hospedarias ou pensões, ou
combinam todos esses serviços. Muitos taverneiros presumem
automaticamente que as taverneiras estão disponíveis, mas não é assim que
funciona a Nono Pilar. Copa não tem objeções morais em prostituir suas
garçonetes, mas é que é cansativo resolver brigas entre clientes ciumentos
de um lado e garotas invejosas do outro, e é absolutamente irritante perder
boas funcionárias para a gravidez. Então, Copa mantém tudo limpo — não
por moralidade, mas por conveniência.
Terminado o trabalho lá fora, Copa volta para as sombras amigáveis
de seu estabelecimento. Há uma névoa de fumaça de madeira dos fogos na
cozinha; o aroma do pão assado recentemente se mistura com o cheiro dos
patos assados e aspargos que serão o prato principal de hoje. Há também a
fragrância persistente da madeira de macieira que Copa queima todas as
manhãs para esconder o cheiro azedo de vinho velho e a humanidade
compacta e mal banhada que é uma parte incontornável da atmosfera de
todas as tavernas.
Também há o ruído das conversas. Syrisca não está dançando agora
(porque a taverna está lotada de clientes), e, embora os fregueses apreciem
o show, apreciam ainda mais uma boa refeição. Para muitos ali presentes, a
sexta hora marca o fim da jornada de trabalho, que começou uma hora antes
do amanhecer.
O plano agora é comer uma boa refeição regada com várias taças de
vinho aguado e voltar para casa para dormir, antes de jantar com os amigos.
Consequentemente, Syrisca e duas outras criadas estão atarefadas,
circulando com travessas cheias entre os bancos, empurrando com
delicadeza mãos tateantes e trocando piadas e cumprimentos de baixa
qualidade com clientes regulares. Existe um motivo para as cantadas
grosseiras serem chamadas de taberna blandita, pois os clientes levemente
embriagados da Nono Pilar são tão incapazes de criar epigramas latinos
delicados quanto as mulheres a quem eles se destinariam são incapazes de
apreciá-los.
As tavernas têm a reputação de serem lugares bastante grosseiros e
mundanos, e a Nono Pilar faz o possível para viver de acordo com essa
reputação.
POETA FLORO PARA ADRIANO
Eu não gostaria de ser César
E vagar pela Grã-Bretanha
Sofrendo de gota nos joelhos
Porque geadas citas demoram a descongelar.
RESPOSTA DE ADRIANO
Eu não gostaria de ser Floro
E espreitar nos bares,
Comer tortas e ervilhas
E vagar pelas vinícolas
Infestando-me de pulgas.
HISTÓRIA AUGUSTA Adriano 16
9 O incidente na taverna do Nono Pilar descrito por Copa no início da hora é relatado (com mais
obscenidades) pelo poeta Catulo, em Carmina 37. A história de Copa segue seu relato tão de perto
que algumas linhas de Catulo são repetidas quase literalmente. (N.A.)
10 Outros grafites de Pompeia, como os jogadores de dados e o aviso aos fregueses para não
tocarem nas garçonetes, fizeram parte da história de Copa. (N.A.)
HORA VII
(13h–14h)
O CONSTRUTOR DE RELÓGIOS DE
ÁGUA COMEÇA UM PROJETO
Copa quer dar um relógio ao pai porque, como a maioria dos romanos, ele
gosta de uma soneca pós-prandial. Em seguida, Pater desce para os banhos
para um jogo de bola com seus amigos idosos. (A versão romana do jogo é
uma mistura animada de handebol e assassinatobol.) O problema é reunir
todo o grupo para um início sincronizado, pois, como diz o provérbio:
“Mais fácil dois relógios entrarem em acordo do que dois filósofos”, com a
implicação de que os dois grupos tendem a ser bastante idiossincráticos. Só
para tornar as coisas mais complexas, o pai de Copa tem o sono pesado,
várias vezes ronca muito além da hora que ele reservou para o exercício e
acorda, mal-humorado e irritado, na hora do jantar. O que ele precisa é de
um despertador.
Acontece que os despertadores são uma proposta relativamente
simples. Um dos mais básicos deles foi inventado séculos atrás por
Ctesibius de Alexandria. Funciona assim: você pega uma jarra e enche com
água de acordo com a hora determinada, marcada no interior. Essa água é
então despejada em um reservatório, do qual flui em um ritmo determinado.
Quando a quantidade de água no reservatório fica abaixo de um peso
específico, uma balança embutida derruba uma bola de chumbo lixado em
um tubo vertical. O tubo tem o diâmetro exato da bola, então, quando a bola
cai, ela empurra o ar para fora através de um apito fixado no fundo. O
resultado é um grito agudo exatamente na hora marcada pela água que foi
despejada.
Na era moderna, a sexta hora (hora sexta) sobrevive, embora tenha percorrido o mostrador
para se tornar a siesta, a hora do cochilo da tarde. Em algum momento da história, trocou de
lugar com a nona hora (hora nona), que se tornou “meio-dia”.
Para muitos romanos (exceto os aficionados pelas orgias primaveris do Festival da Flora), a
melhor época do ano era o feriado da Saturnália no meio do inverno. Era uma ironia cruel
que justamente quando a festa, a entrega de presentes e a alegria estivessem no auge, as
horas fossem mais curtas. O tempo realmente voava quando alguém estava se divertindo.
E tem também esse relógio que é mais parecido com os relógios que
surgirão nos próximos milênios.
Um viajante romano com um relógio de sol descobriria que, em Roma, a sombra que tinha
oito nonos do comprimento do gnômon (a ponta que projetava a sombra) tinha três quartos
do comprimento em Atenas e apenas três quintos do comprimento em Alexandria.
O relojoeiro tenta convencer Copa a também comprar para o pai um
aparelho elaborado que move uma agulha através de um mapa das
constelações e, assim, acompanha as estações pelo uso cuidadoso de
engrenagens e alavancas. No entanto, a taverneira astuta não aceita nada
disso. Esses dispositivos são úteis para os astrônomos, ela admite, mas
essas pessoas também insistem em um dia com 24 horas de duração fixa,
para padronizar suas medições. No entanto, Copa quer um relógio de
verdade para seu pai, que o usará para fins práticos. Se ela quiser saber a
estação, olhará para o céu noturno ou para o estado das folhas do plátano
em seu quintal.
Ela tem uma ideia. De qualquer maneira, construa o mostrador, diz a
Albinus, pois isso impressionará os grisalhos do grupo de seu pai, mas
deixe de lado a maquinaria complexa por trás dele. Ela só terá que lembrar
o escravo de seu pai para avançar a agulha um pouco mais a cada semana.
Sem saber, Copa identificou uma das principais razões pelas quais os
romanos nunca se tornarão uma cultura totalmente mecanizada. Os romanos
têm tanta mão de obra barata disponível, que não há incentivo real para
inventar máquinas para fazer o trabalho ou razão para usar essas máquinas,
se forem inventadas. (Certa vez, alguém inventou um engenhoso guindaste
que reduziria significativamente a mão de obra necessária para construir o
novo anfiteatro do imperador Vespasiano no Coliseu. Vespasiano
recompensou o inventor, mas recusou-se a usar sua invenção, dizendo:
“Você deve permitir que eu dê trabalho aos pobres”.)
Da mesma forma, alguns romanos ricos não valorizam sinos e apitos
operados mecanicamente para marcar a passagem das horas. É mais simples
e barato fazer um escravo olhar para o relógio e depois correr e dizer as
horas, com a vantagem de que o mesmo rapaz pode varrer o chão e servir as
bebidas também.
HORA VIII
(14h–15h)
2. Os Banhos de Nero
Com 22 mil metros quadrados, esses banhos são minúsculos em comparação ao estupendo
complexo de Trajano. Contudo, para o aficionado das termais, os Banhos de Nero têm um
charme insidioso próprio.
As casas ficam perto dos Banhos de Agripa, que evidentemente deveriam ofuscar (e
ofuscam) e são abastecidos pelas famosas águas doces e puras do apropriadamente
denominado Aqua Virgo. Porém, não há nada de virginal nos afrescos eróticos e na
decoração dos quartos internos, que revelam o estilo extravagante de Nero em seu bom gosto
decadente.
Aqueles romanos que planejam para mais tarde uma noite romântica com uma amoratrix,
podem optar primeiro por uma visita ao Nero’s para entrar no clima.
3. Os Banhos de Agripa
Esse foi um dos primeiros grandes complexos de banho da cidade, construído pelo ajudante
de Augusto, Agripa, para melhorar a qualidade de vida em Roma (e, não coincidentemente,
para aumentar o apoio popular de Augusto e as chances de ele permanecer no poder).
Mantendo um tema aquático, os banhos estão localizados no Campus Martius, ao lado da
Basílica de Netuno.
Os banhos já mostravam sinais da idade (foram construídos mais de um século antes, em 27
a.C.) antes de um incêndio destruir o complexo balneário. Tal como acontece com a outra
peça assinada por Agripa — o Templo do Panteão —, caberá ao imperador Adriano
“restaurar” o edifício para algo muito mais magnífico do que o original.
11 11 Banho [N.T.]
12 MARCIAL, Epigramas 7.88
13 Sátira, Juvenal 2
HORA IV
(15h–16h)
APARADOR ROMANO.
(E pode matar. Marcus tem uma digestão delicada totalmente
inadequada para os alimentos ricos e gordurosos e molhos elaborados e
condimentados que são a base dos jantares romanos. Ele ainda estremece
quando se lembra de uma ocasião recente em que evitou cuidadosamente a
lampreia em molho garo, a carne à milanesa e os bolos de mel no vinho.
Apesar de tudo isso, foi derrotado por uma beterraba e passou os três dias
seguintes acampado nas latrinas locais.)
Todo mundo diz a Marcus como ele se deu bem ao casar com Licínia,
cujo pai faz vagas referências sobre ter parentesco com o clã aristocrático
Licinius de Roma. Marcus verificou — o parentesco existe, com certeza,
mas não é nada para se gabar. Várias gerações atrás, o tataravô de Licínia
era escravo na casa de Licinius Lucullus. Ao ser libertado, o escravo fez
como todos os libertos e adotou o gentilictum de seu manumitter, tornando-
se assim um Licínio. Como muitos libertos ambiciosos com um patrono
rico e bem relacionado, o recém-libertado Licínio se saiu bem — como seus
descendentes. Licínia não sabe que Marcus conhece o que ela considera
uma história familiar vergonhosa, e ficaria indignada se descobrisse que
Marcus realmente não se importa com isso. Afinal, o poeta Horácio era
filho de um escravo liberto e também amigo e confidente do imperador
Augusto. Até o grande Catão, o Estoico, descendia de uma escrava
chamada Salônia. A escravidão é um infortúnio que pode atingir qualquer
homem — certamente não há motivo para menosprezar os descendentes
desse homem por isso. É como desprezar um homem por ter uma digestão
fraca, mas, falando nisso, Licínia realmente despreza esse detalhe em
Marcus.
Saber porque a esposa se esforça tanto com suas pretensões sociais dá
a Marcus a resistência para passar pelo planejamento detalhado que faz
parte de cada jantar e sarau da família. Para este jantar, Licínia decidiu que
seu cozinheiro regular não é bom o suficiente para a ocasião, e Marcus vai
ter que se resignar a comer a comida preparada por um fornecedor externo.
O chef em questão é altamente recomendado no círculo social de Licínia, e
isso superou a preferência de Marcus por um homem que ele treinou
cuidadosamente para evitar os alimentos que lhe dão ataques incapacitantes
de indigestão ou crises ainda mais lamentáveis de flatulência.
“… o sinal para que o primeiro prato seja retirado. Não quero que eles
se empanturrem de aperitivos e não tenham espaço para o prato principal,
depois de todo o esforço que fiz para conseguir esse cozinheiro para a
ocasião. Marcus! Você está ouvindo?”
A questão é que, por menos que Marcus goste dessas festas, elas são
parte essencial da vida romana. Receber pessoas para jantares e frequentá-
los é como os romanos de um certo nível social avaliam a credibilidade uns
dos outros, a qualidade de seus amigos e contatos e — uma preocupação
recente de Licínia — as possibilidades de matrimônio de seus filhos. É
também como se ouve as últimas fofocas. Isso não é apenas fofoca social,
mas, em uma era sem jornais, a forma como se ouve falar de um novo
mercado abrindo na Arábia, ou de navios mercantes naufragados por uma
tempestade no Oceano Índico. Essas coisas têm um efeito real nos preços e
nas decisões de negócios, e vale a pena arriscar as consequências malévolas
de comer arganaz assado no mel.
DAMA ROMANA COM PENTEADO ELABORADO.
É uma pena que Licínia não possa participar do jantar — ou, melhor
ainda, comparecer no lugar de Marcus. As mulheres podem e vão a jantares
em Roma, mas Licínia insiste em dizer que ela não é esse tipo de mulher,
como se uma materfamilias romana participando de um jantar fosse tão
escandaloso quanto as mulheres soltas que participavam de simpósios na
Atenas de Péricles. É claro que, se ela participasse da refeição, Licínia
estaria sentada corretamente em uma cadeira, não esparramada em um divã
com mais três ou quarto, como os outros comensais (homens). No entanto,
o fato é que a maioria dos jantares são eventos estritamente segregados por
gênero, e Licínia não pensaria mais em participar de um dos jantares de
Marcus do que Marcus pensaria em invadir um dos encontros matinais que
ela tem com as outras esposas em seu salão matinal.
Uma sala de jantar romana geralmente tem três sofás (que é o que dá
nome ao triclínio). Os convidados se reclinam, apoiados sobre um cotovelo,
três ou quatro em um divã, e comem em uma mesa ao redor da qual os três
sofás estão dispostos. Geralmente, no final de um curso, os garçons
simplesmente retiram a mesa inteira pelo lado aberto e trazem uma nova já
carregada com os pratos do próximo curso. Um jantar é geralmente uma
oportunidade para o anfitrião mostrar riqueza, bom gosto e conexões
poderosas, então, ele se esforçará para garantir que a comida seja a melhor
que ele — ou melhor, sua esposa — possa proporcionar, e que a comida
seja servida às pessoas mais influentes que ele puder encontrar.
Mas ela está escondendo sua paixão por um amante secreto. Ele
a encontra constantemente para compartilhar abraços roubados.
Na verdade, ela e seu rapaz estavam fazendo amor com muita
energia quando nós [o marido dela e eu] voltamos cedo da casa
de banhos para o jantar.
Nossa chegada dolorosamente repentina forçou a esposa a agir
rapidamente. Então, ela empurrou o amante para a caixa de
enxofre. Essa caixa era afunilada, feita de varas lisas de vime
com uma abertura estreita no topo. (Eles penduram sobre ela
roupas para branquear nos vapores do enxofre fumegante.)
Com o amante escondido em segurança, ela se juntou com
alegria ao marido à mesa. No entanto, o rapaz estava passando
por um momento difícil em meio à fumaça sufocante, penetrante
e ácida. Finalmente, a densa massa de fumaça começou a
sufocá-lo, enquanto os elementos ativos do enxofre agiram como
de costume e o fizeram espirrar — e continuar espirrando.
APULEIO, O asno de ouro 9.22ff
Não havia nada a fazer, a não ser que Caecilius recorresse ao último
recurso do chef e se colocasse à mercê de seus pares.
O criado foi enviado a outras cozinhas da cidade para indagar se
alguém tinha úberes de porca disponíveis, informando que Caecilius estava
disposto a oferecer tudo, inclusive seu filho primogênito, pelo ingrediente.
Era fim de tarde quando o criado encontrou o que procurava. Um chef da
Ilha Tiberina estava preparando tetrapharmacum para um jantar que uma
sacerdotisa de Ísis ofereceria aos nobres locais.
No último momento, a sacerdotisa descobriu que, como vários desses
nobres locais eram judeus, os úberes de porca estavam definitivamente
excluídos do cardápio. Se Caecilius fosse capaz de fornecer algumas de
suas famosas lebres guisadas em troca, disse o chef, ele poderia ficar com
os úberes. Isso exigiu que Caecilius fosse pessoalmente à Ilha Tiberina,
correndo, carregando vários filés de esturjão pôntico fresco (ou quase). O
cozinheiro da sacerdotisa ficou surpreso ao ser informado de que a lebre
guisada teria violado as restrições alimentares judaicas de forma tão
abrangente quanto a carne de porco, e o chef agradecido entregou os úberes
da porca em troca do peixe.
Como bônus, os úberes já estavam limpos, marinados e preparados, de
modo que tudo o que Caecilius precisa fazer quando chegar à casa dos
Manidus será recheá-los com seus ingredientes prontos e assá-los.
Caecilius enviou um criado antes dele para preparar o forno no local
do jantar e começar a preparar os tordos. Então, ele está sozinho quando sai,
atrasado e já exausto. Sem a ajuda do criado, ele tem que transportar
sozinho todo o equipamento, carregado como o proverbial burro.
O comentário sobre seu atraso por parte do escravo que encontrou
Caecilius ainda fora da casa é a mais branda das reprimendas, comparada à
enxurrada de injúrias com que Licínia recebe seu cozinheiro itinerante.
Caecilius a interrompe de maneira brusca, mas educada.
“Senhora, podemos discutir minhas dificuldades para chegar aqui, ou
posso preparar o jantar para seus convidados. Se preferir a primeira opção,
estou aqui à sua disposição.”
Caecilius está muito feliz por não ser o cozinheiro escravo de uma
casa rica, onde essa ousadia resultaria — no mínimo — em uma surra. Não
é incomum que tais cozinheiros sejam castigados fisicamente, inclusive
durante uma refeição, e o poeta Marcial menciona anfitriões que “preferiam
cortar o cozinheiro ao seu coelho”. O pior que Caecilius pode perder é sua
reputação, e, como a reputação de Licínia também está em jogo, ele sabe
que ela vai recuar diante do ultimato.
A SACERDOTISA PREPARA O
SACRIFÍCIO
Una quai es omnia, Dea Iset — Sendo uma, você é tudo, Deusa
Ísis.
INSCRIÇÃO DE UM CANTO ROMANO À DEUSA
ISIDORO
Assim como o nome “Teodoro” significa “presente de Deus”, o nome “Isidoro” significa
“presente de Ísis”. Isso nos permite vislumbrar, de certa forma, as respectivas religiões dos
pais daquele que acabou se tornando o padre da igreja de nome muito confuso, Santo Isidoro
de Sevilha. Depois disso, dois patriarcas da Igreja Ortodoxa Grega medieval (Isidoro I e
Isidoro II)também se proclamaram presentes da deusa.
O MERCADOR DE ESPECIARIAS
SAI PARA JANTAR
16 De fato, ao meio-dia na Cidade do Cabo, África do Sul, quando você olha para o oeste, o sol está
realmente à sua direita — ou seja, ao norte, assim como no hemisfério norte o sol do meio-dia está à
esquerda. (N.A.)
HORA NOCTIS II
(20h–21h)
A PROSTITUTA ENCONTRA UM
CLIENTE
Mamila nunca tinha imaginado que sentiria falta de seu quarto no Lupara
Larentia. O bordel em que ela costuma trabalhar e viver tem o nome da
famosa (e infame) Acca Larentia. Esta senhora era contemporânea de
Rômulo, o fundador de Roma, e, de fato, segundo alguns relatos, foi a mãe
adotiva do fundador. Depois de ter feito carreira entretendo os grandes e
bons da época, inclusive Hércules (embora, na verdade, poucas mulheres
contemporâneas pareçam ter escapado desse destino), Larentia fez um bom
casamento. Depois de uma velhice feliz, morreu e deixou sua fortuna
considerável para o povo romano. Sua memória ainda é celebrada em um
festival, o Larentina, todo dia 23 de dezembro.
Também é objetivo de Mamila casar-se bem e fugir de sua vida atual.
No entanto, ela tem consciência de que essa é uma ambição que
compartilha com praticamente todas as outras mulheres dos enxames de
prostitutas que frequentam a cidade. Consequentemente, o grupo de
maridos em potencial foi caçado praticamente até a extinção. De qualquer
forma, Mamila tem apenas uma vaga ideia do que constitui a vida familiar
romana regular. O bordel é a única casa de que ela realmente se lembra.
Como muitas prostitutas romanas, Mamila foi “adotada” ao nascer — e,
neste caso, “adotada” significa que foi retirada da rua onde havia sido
abandonada quando recém-nascida e criada por trabalhadoras de bordéis.
Roma pratica o que tem sido brutalmente chamado de “controle de
natalidade pós-natal”, pelo qual crianças indesejadas como Mamila são
literalmente jogadas no lixo. Os azarados são dilacerados por cães
selvagens, os mais sortudos são apanhados para serem criados como servos
escravos, e os mais sortudos de todos são adotados silenciosamente e
levados para a casa de um casal sem filhos que finge que o bebê sempre foi
deles.
Entre os dois e cinco anos de idade, Mamila passou algum tempo em
uma casa abastada. Ela foi alugada pelo bordel que a “adotara” para ser
uma delicatta, uma combinação de animal de estimação humano e
companheira da filha legítima do casal. Porém, a mesma disposição
tempestuosa que levou Mamila a andar pelas ruas esta noite também a fez
ser considerada um membro inadequado de sua família adotiva.
Depois disso, Mamila foi devolvida ao bordel que a tinha alugado para
a família. Durante os anos seguintes, ela cresceu como uma ancilla
ornatrice. Ou seja, uma garota que ajuda a limpar e arrumar o cabelo das
prostitutas da casa depois de cada encontro amoroso e que as fortifica,
ocasionalmente, com um copo de vinho sem água antes do próximo
encontro. Como uma espécie de filha adotiva das mulheres que trabalhavam
no estabelecimento, Mamila não achava a vida tão ruim. Ela simplesmente
presumia que, assim que o villicus puellarum (que cuidava das meninas do
bordel) decidisse em acordo com o médico que ela era viripotens (capaz de
lidar com um homem), dariam a ela o próprio quarto e um emprego regular.
As coisas não aconteceram bem assim porque, antes que ela pudesse
começar a trabalhar no bordel, houve algum tipo de problema. Talvez o
proprietário não tenha subornado os gângsteres locais, ou se desentendeu
com os magistrados da cidade. Tudo o que Mamila se lembrava era de
homens corpulentos com porretes destruindo o local e espancando e
estuprando as meninas. Ela havia fugido e acabou sozinha na rua.
Rapidamente, passou a se dedicar ao único meio de vida que conhecia,
levando uma vida perigosa como uma prostituta sem licença. (O que
aconteceu com seus proprietários originais, Mamila não tinha nem ideia.
Fez questão de não descobrir, já que se considerava uma mulher livre desde
que fugiu do estabelecimento anterior.)
De um modo geral, uma mulher que pretende trabalhar como
prostituta vai procurar o edil da cidade e informa seu nome, idade e local de
nascimento. Ela então escolhe um pseudônimo que será seu nome de
trabalho, já que a maioria das famílias prefere que uma garota trabalhadora
abandone o nome de família original. O edil então dá à mulher uma licença
e faz uma avaliação aproximada do que ela deve cobrar. (Este não é um
conselho gratuito — é porque espera-se que ela pague impostos sobre esse
valor por cliente.)
Então Mancinus, aquele idiota do edil, teve que ir bater na porta dela
depois da meia-noite. Mamila não se arrepende de ter atirado o vaso de
flores na cabeça do magistrado e, de fato, secretamente se orgulha de sua
mão firme e boa pontaria. No entanto, lamenta muito que o ato impetuoso
tenha resultado em sua suspensão do bordel até que se apresente no tribunal
na próxima semana.
LAMPARINA A ÓLEO ROMANA ERÓTICA.
Se você quer uma boa cópula, procure Attice. Ela cobra apenas
16 moedas de cobre.
GRAFITE EM POMPEIA, Corpus Inscriptiones Latinarum 4.17.61
Não é difícil descobrir o que Mamila está fazendo lá. Ela não é tão
descarada quanto as dórides (mulheres que ficam nuas nas portas de alguns
bordéis e tavernas para atrair os transeuntes), mas está vestida com uma
toga. Em um homem romano, a toga é um símbolo de respeitabilidade. Em
uma mulher romana de virtude negociável, a toga é uma vestimenta
altamente prática, sem fechos que a) cai no chão após um movimento
treinado dos ombros, e, b) quando no chão, a vestimenta — que, na
verdade, é um semicírculo de tecido de lã grossa — funciona como um
cobertor macio para o que acontece a seguir.
O homem encapuzado acompanha o olhar do grandalhão e fala alguma
coisa com uma atitude irritada. Relutante, o grandalhão segue em frente,
com Mamila seguindo esperançosa cerca de 40 passos atrás. A figura
encapuzada para em uma portinha sem identificação recortada em uma
parede. Depois de um olhar furtivo em volta que atrai até a atenção dos
pombos,únicos outros ocupantes da rua, o homem encapuzado passa
sorrateiro pela porta. Ao mesmo tempo, ele murmura alguma coisa para o
grandalhão, e um brilho de prata troca de mãos. Mamila se mantém firme,
sorrindo descaradamente enquanto o grandalhão se aproxima.
O ASTRÓLOGO DIVULGA UM
HORÓSCOPO
A FAMÍLIA BALBILUS
O primeiro Balbilus era filho do famoso astrólogo Trasilo, que era amigo do imperador
Tibério. Uma vez, Tibério estava prestes a jogar Trasilo de um penhasco por prever sucesso
futuro enquanto ele permanecia em miserável exílio. No entanto, Trasilo apontou para um
navio e previu corretamente que a embarcação trazia notícias da restauração de Tibério a
Roma.
O filho de Trasilo foi astrólogo da corte de Cláudio, Nero e Vespasiano. Depois de servir a
esses três imperadores muito diferentes, ele escreveu um tratado sobre astrologia, do qual
sobrevivem fragmentos. Sêneca, o filósofo e homem de letras, descreveu-o como “um
homem de erudição esotérica”. Balbilus morreu em Éfeso na época em que Adriano nasceu.
Sua filha se chamava Claudia Capitolina, e, se ela tivesse dado à luz um filho, este seria o
Balbilus aqui descrito.
Em outras palavras, lixo entra, lixo sai e Balbilus não tem ideia da
precisão das informações que está usando para prever o futuro de Adriano.
Ele sabe que esse trabalho já foi feito antes — Adriano aprendeu suas
habilidades astrológicas com seu tio paterno Aelius, que era considerado
um dos grandes especialistas de sua época. Ele deixou transparecer que o
horóscopo de Adriano preenchia as principais pré-condições de um
horóscopo imperial em que:
CLÁUDIO PTOLOMEU
Nascido no Egito em data desconhecida, Ptolomeu fez seu melhor trabalho no início do
século II. Ele provavelmente baseou sua matemática no trabalho de um certo Teão de
Esmirna e, além disso, teve acesso à riqueza de material da grande Biblioteca de Alexandria.
Sua obra chamada Almagesto não era assim chamada em Roma, na verdade, pois este termo
vem de uma tradução do grego para o árabe, e somente na Idade Média foi traduzido para o
latim. Junto com Elementos de geometria, de Euclides, é um dos textos científicos mais
duradouros.
Ptolomeu descreveu tão bem os fenômenos astronômicos de sua época que sua teoria de que
a Terra era o centro do universo sobreviveu até a invenção do telescópio. Hoje em dia,
“universo ptolomaico” é usado para descrever uma teoria que explica todos os dados
conhecidos. Mesmo estando completamente errada.
Porém, após essa utilização por lutadores que não eram propriamente gladiadores, essa famosa
saudação dos condenados aparentemente nunca mais foi usada.
Por mais livre que seja, uma pilha de músculos de 1,80 m de altura
ainda precisa de emprego. Então, Sergius continua a lutar na arena como
um murmillo, um gladiador fortemente armado que empunha um escudo de
legionário e usa uma espada pesada do comprimento de seu antebraço.
Embora use uma armadura parcial ao lutar, seu orgulho e alegria é o
capacete — um objeto de abas largas de aço da Trácia cravejado de
arabescos de ouro. Uma grade esconde seu rosto enquanto ele está combate,
e, no topo do capacete, há uma crista larga como a barbatana de um peixe
(mormylos) que dá ao murmillo sua designação. Em relevo no brasão de
Sergius, há cenas da luta que lhe rendeu sua reputação e sua liberdade.
Até agora, Sergius lutou uma vez este ano — e perdeu. Felizmente,
apenas uma em cada cinco lutas de gladiadores é fatal. Este combate fez
parte do Ludi Cerealia, no final de abril, e foi travado com espadas cegas.
Afinal, os gladiadores são investimentos muito caros, e seus proprietários
(ou, no caso de Sergius, agentes) não querem vê-los mortos.
No entanto, quando o imperador está patrocinando os jogos, ou no
festival de inverno da Saturnália — quando acontecerá a próxima luta de
Sergius —, a história é diferente. Nessas ocasiões, os oponentes lutam até a
morte. De fato, antes da luta, o editor, que promove os jogos da Saturnália,
terá em mãos as espadas de Sergius e de seu oponente para que ele possa
verificar por si mesmo se estão afiadas a ponto de serem letais. Sergius está
muito ansioso para a ocasião, pois será sua partida de volta com o gladiador
hoplomachus (de estilo grego) que o humilhou da última vez.
Dois combates por ano representam pouco menos da metade das vezes
que um gladiador em tempo integral costuma lutar. Isso provavelmente
explica por que, ao contrário da maioria de seus contemporâneos, Sergius
sobreviveu até os 30 anos. Embora ele receba uma boa quantia por cada luta
— aproximadamente o equivalente ao salário de um ano de um artesão
habilidoso —, Sergius tem gostos caros e uma inclinação infeliz para
apostar nos Azuis nas corridas de bigas. (O jogo era ilegal em Roma, mas
isso não afeta Sergius, que tem amigos nos lugares altos e baixos.)
Qualquer gladiador sabe o que acontece com um homem que não pode
pagar suas dívidas de jogo, pois, como muitos de seus colegas, Sergius tem
um lucrativo negócio paralelo quebrando cientificamente dedos, pernas ou
rótulas (de acordo com as especificações) de devedores inadimplentes.
Cobrança de dívidas à parte, Sergius também mantém seus credores
satisfeitos com o trabalho de guarda-costas. Esses serviços são geralmente
pagos por hora por aristocratas ricos que querem guarda-costas mais para
mostrar sua importância do que para protegê-los do perigo real. No entanto,
há momentos — como no trabalho que Sergius acabou de realizar tão mal
— em que uma reunião clandestina pode ter se tornado violenta sem a
sombra de um gladiador pairando ao fundo.
Sergius não tem ideia do que aconteceu atrás das portas que ele estava
guardando recentemente. Um conclave de contrabandistas, um plano de
traição ou disputas de território entre líderes de gangues de rua — Sergius
manteve a paz em todos esses eventos e se importava menos com os
procedimentos do que com seu pagamento. Com as moedas guardadas e
seguras em sua bolsa, ele corre para o próximo contratante — uma casa
aristocrática no Monte Célio, onde o jantar está terminando.
Um bom anfitrião vai encerrar um jantar com um entretenimento.
Dançarinas lascivas de Gades, talvez, ou os poemas excitantes de Catulo
recitados por uma moça bonita com uma lira. Alguns anfitriões preferem
mostrar acrobatas da Lycia, na Ásia Menor, e outros ainda vão encenar uma
luta de demonstração com gladiadores reais. O combate desta noite será
com espadas de madeira para treinamento de legionários, então, ninguém
morrerá, embora possamos sair com alguns ossos quebrados e contusões
sejam uma certeza. Antecipando-se para o evento, Sergius já guardou seu
equipamento na casa do cliente.
O ESTRÍGIL
Os romanos não acreditavam que sentar em uma banheira cheia de espuma era o caminho
certo para a limpeza. De fato, sentavam em uma banheira grande, de preferência na
companhia de amigos, mas o objetivo do exercício era abrir os poros da pele adequadamente.
Neste ponto, você saía do banho e era devidamente ungido com óleo perfumado. Então,
depois de marinar por alguns minutos, o óleo era raspado da pele, levando consigo qualquer
sujeira, pele morta ou outros impedimentos à higiene.
O raspador era chamado de estrígil, uma lâmina de cobre curva e sem corte que podia ser
operada pelo próprio ocupante do corpo, mas era idealmente empunhada por um servo ou um
escravo gracioso. Eras posteriores têm muitos exemplos de estrígil bem preservado, porque
as conotações de limpeza e purificação significavam que esses objetos eram frequentemente
enterrados simbolicamente com o falecido.
Mais tarde, Sergius irá ponderar sobre isso enquanto, vestindo uma
túnica limpa, dirige-se a um local ainda mais alto no Monte Célio para o
último trabalho da noite.
Uma tarefa nada desagradável o aguarda. A senhora Eppia está
cansada de dormir sozinha enquanto seu marido aristocrata viaja para o
exterior com a corte de seu peripatético imperador Adriano. Consciente de
que a esposa poderia se perder, o marido colocou vigias à porta de sua casa.
No entanto, como observou o poeta Juvenal: “O tempo todo meus velhos
amigos aconselham: ‘Tranque as portas e mantenha sua mulher atrás delas’.
Sim, de fato, mas quem vai guardar os guardas?”
Por uma generosa remuneração, Sergius passará a noite com essa
senhora. O que ela vê nele, se pergunta, que se permite ser chamada de
“carne de gladiador”? Seu rosto está deformado e maltratado, e o capacete
deixou uma cicatriz permanente na testa. Há uma secreção constante em um
olho provocada por uma lesão antiga e uma úlcera no braço.
Mas, como Juvenal também aponta, “Ele é um gladiador! É isso que
ela prefere aos filhos e à família. O que essas mulheres amam é a
espada!”17
Hermes é o sucesso da cidade em competições marciais,
Hermes é habilidoso com todas as armas,
Hermes é um gladiador; o mestre gladiador.
Hermes aterroriza e impressiona toda a sua escola!
[…]
Hermes é objeto do carinho e da ansiedade das atrizes.
Hermes da lança orgulhosa e guerreira.
Hermes ameaça com o tridente de Netuno.
Hermes, o terrível, com seu capacete que esconde o rosto.
Hermes, em todos os sentidos, a glória de Marte
Tudo isso e três vezes homem.
MARCIAL, Epigramas 5.24
É tarde, e a lua está se pondo sob os telhados quando o parasita volta para
casa, as roupas de jantar enroladas embaixo de um braço e um guardanapo
cheio de salgadinhos, pãezinhos e iguarias diversas fechado como um saco
de butim no outro. “Selius, o Parasita”, é assim que o chamam, e —
amolecido pela boa comida e o vinho de seu anfitrião — Selius se pergunta
se isso é realmente um insulto.
Ok, ele é um parasita — isto é, um “para sitos”, que vem do grego e
significa “companheiro comensal”. Também é verdade que os outros no
jantar o desprezam porque, como as flautistas durante a refeição e os
gladiadores depois, ele é menos um dos convidados à mesa e mais parte do
entretenimento que o acompanha. Ninguém convida um parasita tedioso
para jantar; Selius tem que fazer por merecer sua refeição sendo espirituoso,
contando piadas elegantes e citando poesias obscuras. Ele deve ofuscar os
outros em torno da mesa com seu estilo e sua genialidade, e ainda assim
tudo isso deve parecer natural e espontâneo. Isso não é, então, uma arte?
Uma profissão? Considere, reflete Selius enquanto caminha, qual é o
destino de um marinheiro inexperiente? Ele se afoga. Um soldado
inexperiente com as armas é morto rapidamente. Um artista, um escultor,
sem habilidade e treinamento, não encontra clientes. Ele morre por falta de
trabalho. É assim com um parasita — se ele não consegue entrar em um
jantar, ele morre de fome. Na verdade, o parasita é um artista mais talentoso
do que, digamos, um pintor ou um poeta. Um poeta pode passar dias ou
semanas sem produzir um epigrama decente, e um pintor pode deixar sua
arte definhar entre uma encomenda e outra. No entanto, se Selius não
estiver em sua melhor forma, refinando as habilidades pela prática de sua
arte todas as noites, sem esse exercício diário de habilidade sua arte
pereceria, e ele com ela. Dito isso, Selius tem que admitir — com um
tremor interno — que esta noite não foi seu melhor momento.
Maldito seja esse Manidus e seu péssimo senso de humor!Selius
chama Manidus de “amigo” porque ele já foi convidado para jantares com o
homem e participou de um de seus jantares. E como o escritor Lucian
declarou:18
“Sua refeição foi aromatizada com sílfio? Que maravilha que eles
redescobriram um suprimento da planta! Todos pensavam que tinha sido
extinto nos últimos cem anos. E você comeu na taberna de Tingitus perto do
porto? Isso é uma excelente notícia. Alguém me disse que tinha sido
destruída pelo fogo alguns anos atrás. Fico feliz em saber que foi
reconstruída.”
A essa altura, estava claro para Selius que o comerciante de
especiarias o considerava uma fraude, mas Manidus continuava
pressionando como um sádico, pedindo detalhes. “Então, ontem você nos
disse que conheceu um dos famosos Ciápodes? Essas estranhas pessoas de
uma perna realmente deitam de costas no sol do meio-dia e usam seu pé
enorme como um guarda-sol?…Oh, céus, parece que meu amigo aqui teve
um ataque de tosse. Deixe-me cuidar dele antes de nos contar sobre isso.”
Tortura. Isso é o que era, pura e simples tortura. De fato, quando ele
estava saindo, um dos outros convidados comentou com simpatia que tinha
sido muito menos doloroso ver os gladiadores sendo atingidos na cabeça na
exibição depois do jantar.
Bem, Selius não vai tolerar isso. Da próxima vez que Manidus
convidá-lo para jantar, ele simplesmente não vai.
Ele não percebe que um homem rico, mesmo tendo todo o ouro de
Creso, ainda é pobre se janta sozinho? Quem então o cumprimentará pela
riqueza de seus móveis, o esplendor de seu triclínio, a beleza de seus
serviçais? Um soldado sem suas armas, um cavalo sem seus adornos — isso
é um homem rico à mesa sem um parasita como convidado. Ele oferece um
espetáculo pobre e mesquinho. Não, o patrono precisa do parasita mais do
que o parasita precisa do patrono. Melhor servir uma refeição sem sal do
que ter companhia sem o fermento do charme e da inteligência de um
parasita. O parasita — quando não está sendo interrogado sobre
curiosidades de Cirene — é uma alma alegre e despreocupada. Ele não tem
nenhum cozinheiro com quem se zangar, nenhuma fazenda rural com
capatazes e colheitas para decepcioná-lo. Ele é o único homem à mesa que
pode comer e beber sem as preocupações de que os outros não podem
escapar. Considere as relações tensas tão evidentes entre o cozinheiro e a
anfitriã na refeição desta noite. Se você é o anfitrião e o cozinheiro o
decepciona, você tem que tolerar seu mau humor, ou comprar paz e sossego
comendo mal e abrindo mão de seu prazer. Não Selius, que todas as noites
prova o trabalho de um cozinheiro diferente. Portanto, pensa Selius,
ofereço-te, Manidus, o digitus impudicus, esse gesto obsceno com o dedo
médio que indica desprezo e desdém. Eu não preciso disso.
Quando Selius estava deixando a casa de Manidus, a esposa
murmurou para o marido — sem fazer nenhum esforço para não ser ouvida
—: “Isso foi um desastre. Da próxima vez, convide um filósofo”.
Claro, pensa Selius, isso vai funcionar. Quem você quer no jantar —
alguém que se esforça muito para ser a vida e a alma da festa, ou um
homem sem nenhum senso de humor, que fica ali sentado com um manto
puído e os olhos no chão, como se estivesse em um funeral, não em um
jantar. Talvez Vossa Dragonice esteja pensando em convidar um epicurista
— afinal, os seguidores de Epicuro devem considerar a felicidade o maior
bem, e comidas e vinhos finos podem ajudar bastante a incentivar esse
sentimento.
Pessoalmente, Selius sente que, no que diz respeito à felicidade, os
epicuristas copiaram uma página do próprio manual do parasita. Profundo
em suas meditações, e com seus pensamentos um pouco confusos pelo
vinho, Selius automaticamente vira à direita quando chega ao Velia e
começa a subir um pouco a colina em direção a seus aposentos na parte
inferior do Monte Viminal. Ele murmura para si mesmo: “É puro roubo, os
filósofos aspirando à felicidade. Quero dizer, o que é a felicidade, quando
você chega a ela? Considero que a felicidade é uma alma tranquila em um
corpo em paz consigo mesmo. Então, quem tem isso? É o homem que está
constantemente indagando sobre a forma da terra, se o espaço é infinito e
qual é o tamanho do sol? Luto com as distâncias astronômicas, a natureza
dos elementos, a existência ou não dos deuses, ou me envolvo em
incessantes controvérsias com meus colegas? Esse é o seu filósofo. Eu,
depois de organizar meu próximo jantar, estou convencido de que vivo no
melhor de todos os mundos possíveis. Uma vez que meu estômago está
satisfeito, minhas mãos e pés podem cuidar de si mesmos. Filósofos, ah!
Eles não cabem em um salão de jantar decente”.
Tão preocupado está Selius com sua diatribe interna, que se
encaminha diretamente para um grupo de jovens que vem em sentido
oposto. Há uma colisão violenta e as inevitáveis recriminações. Olhando
para os rostos raivosos, Selius percebe que tem um problema. Esses jovens
foram a uma festa e ele reconhece o tipo de sujeito que só consegue dormir
depois de uma briga. Se é que se pode chamar isso de briga, considerando
que ele vai levar todos os socos e eles vão dar toda a surra.
“Quem comeu o feijão que fez seu rabo explodir?”, pergunta um
desses idiotas, avançando com ar ameaçador. Ele vê as roupas de jantar
embaixo do braço de Selius e dá uma gargalhada. “Com que sapateiro
esteve mastigando alho-poró cortado e cabeça de ovelha cozida, hein?
Responda, ou vai levar — isso — nas canelas!”
Selius salta para trás alarmado. A essa altura, ele está rezando para
chegar em casa com alguns dentes na boca. “Ei, rapazes…”, diz ele
insinuante, e olha novamente para as silhuetas grandes e sombrias que
avançam em sua direção. Onde estão os vigiles quando você precisa deles?
Tomando uma decisão instantânea, Selius joga seu guardanapo cheio
de guloseimas no grupo e foge correndo, batendo ruidosamente as sandálias
nas pedras da rua. Ele desaparece nas sombras seguido pelas risadas
debochadas e pelos gritos ofensivos, mas, para seu grande alívio, ninguém
faz nenhum esforço sério para segui-lo.
Os jovens descem em direção ao Fórum falando alto e, depois de um
tempo, a paz retorna. No silêncio, um gato de rua emerge das sombras para
investigar os alimentos caídos na rua e começa a comer. Acima da rua agora
tranquila, as estrelas brilham no céu na escuridão da meia-noite. E,
enquanto a cidade dorme, o lento movimento das constelações leva Roma
para outro dia.
18 Um pedido de desculpas a Lucian de Samósata (125-180 d.C.), cujos advogados estão, sem
dúvida, preparando suas canetas para redigir uma ação de direitos autorais contra Selius, já que a
maior parte de seu filosofar e divagar é retirada diretamente do diálogo satírico de Lucian, O
parasita. Da mesma forma, o encontro e o diálogo com os bandidos de rua vêm quase textualmente
da terceira Sátira de Juvenal. (N.A.)
AGRADECIMENTOS POR IMAGENS
Modelo de um carro de bombeiros romano (página 16), Mary Evans Picture Library
Mosaico de carrinho de duas rodas (página 30), MuseoPics — Paul Williams/Alamy
Padaria de Pompeia (página 36), foto, Jeremy Day
Amante e escrava (página 52), Werner Forman/Universal Images Group/Getty Images
Cena pós-natal em baixo relevo romano (página 59), Mary Evans Picture Library
O correio lento (página 67), Johann Jaritz/Creative Commons CC-by-SA-3.0
Estudantes romanos em trajes formais (página 78), foto, Philip Matyszak, do Museu do
Vaticano
Senadores romanos em desfile (página 88), DEA/G Dagli Orti/Getty Images
Virgem vestal (página 100) Art Media/Colecionador de Impressos/Getty Images
A Basílica de Pompeia (página 110), martin951/Shutterstock.com
Garota jogando bugalha (página 122), Carole Raddato/Creative Commons CC-by-SA-2.0
Pedreiro com suas ferramentas (página 133), Azoor Photo/Alamy
Estatueta de uma dançarina (página 146), Museu J. Paul Getty/Presente de Barbara e
Lawrence Fleischman
Relógio de água (página 151), Nicku/Shutterstock.com
Interior da casa de banho (página 162), Foto Jeremy Day
Aparador romano (página 173), ilustração de A Vida Privada dos Romanos, de Harold W.
Johnston; Scott, Foresman and Co., Chicago 1903
Dama romana (página 175), DEA/De Agostini/Getty Images
Lavanderia romana (página 187), foto, Jeremy Day
Compra de lebres na banca do mercado (página 193), Museo Ostiense, Ostia Antica, Roma
Estátua da sacerdotisa (página 205), foto Jeremy Day
Especiarias em transporte (página 216), DEA/G. Dagli Orti/Getty Images
Prostituta (página 226), Pecold/Shutterstock.com
Lamparina a óleo romana erótica (página 228), Anagoria/Creative Commons CCby-3,0
Capricórnio (página 237), xilogravura de Quaestio Virgiliana por Francisci Campani, 1540
Mosaico mostrando gladiadores (página 246), Leemage/Corbis via Getty Imagens
Estátua de gladiador (página 250), Granger/REX/Shutterstock
Mosaico de escravos (página 259), Museu Nacional do Bardo, Túnis
BIBLIOGRAFIA
Volte no tempo para o Egito antigo para passar um dia com as pessoas que moravam lá. É
1414 a.C., o 12° ano do reinado de Amenotepe II, na XVIII Dinastia do Novo Reino do
Egito, e época de construção do império. Neste livro, você descobrirá como era um dia no
Egito antigo, passando 24 horas com o povo de Tebas, uma das capitais políticas e
religiosas mais importantes do país. A cada hora, você encontrará um egípcio diferente –
de fazendeiros a soldados, de carpideiras profissionais a parteiras, de construtores a
sacerdotes – e descobrirá as várias camadas da sociedade egípcia. Descubra os perigos
de se desenhar um hieróglifo incorretamente, como as gorduras de íbex e de hipopótamo
podem curar a calvície e conheça o verdadeiro Egito antigo através dos olhos de seu povo.
Volte no tempo para a Atenas da Antiguidade e passe um dia com as pessoas que viveram
lá. É 416 a.C., e Atenas está no auge: seu poderio político e militar é temido em todo o
Mundo Antigo, ao mesmo tempo em que a cidade testa os limites da experimentação
social, literária e filosófica. Ao longo de um dia comum, encontramos 24 atenienses típicos
—da menina escrava ao político; da vendedora de peixe ao pintor de vasos; do cavaleiro
ao médico — e descobrimos como era a verdadeira Atenas, passando uma hora com cada
um deles. Descubra os segredos do simpósio grego, os mistérios das acólitas da deusa
Atena, como amaldiçoar um rival e as intrigas entre Atenas e seus inimigos, enquanto a
cidade paira à beira da guerra fatídica que destruirá sua era de ouro.
Uma das grandes figuras da história moderna, Winston Churchill liderou seu país da hora
mais sombria — isolado e enfrentando uma possível invasão — até o auge, enquanto dava
ao mundo o tempo e o espaço necessários para derrotar os exércitos de Hitler. Este livro
inspirador convida você a explorar a abordagem única de Churchill para lidar com os
profundos desafios políticos de sua época e traça as ideias e influências díspares que
ajudaram a moldar sua personalidade e perspectiva, decodificando-as para revelar como
você pode aplicar seus métodos e práticas a todas as áreas da vida. Você também poderá
aprender a pensar como o homem que ganhou a reputação de maior britânico que já
existiu.