Semiótica Do Riso: Uma Análise Do Grupo Porta Dos Fundos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

Por uma semiótica do riso: a semiose risível no grupo de humor Porta dos Fundos

Resumo: O propósito deste artigo é o de apresentar uma proposta epistemológica e


metodológica para pensar o riso do ponto de vista semiótico, de forma específica, a
abordagem de Charles Sanders Peirce. Nesta perspectiva, o sentido do riso deveria ser
investigado como processo de semiose que promove a evolução dos signos. Propomos
um procedimento dividido em quatro passos: a) identificar regularidades que seriam
indícios de um signo-piada; b) observar os aspectos estéticos, éticos e contextuais
envolvidos na produção de sentido; c) analisar a colagem dos signos do riso para atingir
os fins estéticos e éticos; d) investigar a semiose por meio de suas dimensões icônicas,
indiciais e simbólicas. O grupo de humor Porta dos fundos será objeto de investigação,
de forma específica, o esquete: o ensino.
Palavras-chave: Esquete; Piada; Charles Sanders Peirce; epistemologia;

For a semiotics of laughter: the laughable semiosis in the Porta dos Fundos humor
group
ABSTRACT: The purpose of this article is to present an epistemological and
methodological proposal to think about laughter from a semiotic point of view,
specifically, in Charles Sanders Peirce approach. In this perspective, the meaning of
laughter should be investigated as a process of semiosis that promotes the evolution of
signs. We propose a procedure divided into four steps: a) identify regularities that would
indicate a joke-sign; b) observe the aesthetic, ethical and contextual aspects involved in
the production of meaning; c) analyze the collage of the signs of laughter to achieve
aesthetic and ethical ends; d) investigate semiosis through its iconic, indicial and
symbolic dimensions. The humor group Porta dos Fundos will be the object of
investigation, specifically, the sketch: teaching.
Keywords: Skeleton; Joke; Charles Sanders Peirce; epistemology.

Introdução

Desde a filosofia grega antiga, o riso vem se tornando um problema sistemático


de estudo. Na contemporaneidade, o esforço se espraia, desde a filosofia, até as
neurociências. Em comum, embora partindo de pressupostos diferentes, as abordagens
parecem buscar uma essência do risível.

Nosso propósito é bem mais modesto. Interessa investigar, do ponto de vista


semiótico, a semiose da piada. Este será entendido como uma mediação forjada
intencionalmente com o propósito de tornar algo engraçado para alguém em dado
contexto. No lugar de uma teoria universal do risível, interessa investigar o processo de
singularização do riso a partir da ação do signo.
O esforço consiste em apresentar uma proposta epistemológica-metodológica1,
baseada na semiótica de Charles Sanders Peirce, para analisar os sentidos do risível. Nessa
perspectiva, seria preciso levar em conta a relação da semiótica com as outras ciências
normativas, com a ética e a estética, bem como com o contexto que irrita a ação dos
signos. A semiose deveria ser compreendida como um fluxo que articula, desde os ideais
estéticos, até as especificidades de um dado contexto. Seria o processo de atualização do
riso.

Baseado nesse pressuposto, o procedimento de análise, aqui proposto, é composto


por quatro momentos: a) o da identificação indutiva de um signo-piada a ser investigado,
essa distinção se daria a partir da identificação de uma dada regularidade presente em
diferentes piadas, que indicariam uma fórmula do riso; b) o da agência dos aspectos
estéticos e éticos envolvidos na produção das regularidades governadas pelo signo-piada;
c) o da análise de como as fórmulas são mixadas com o propósito de alcançar os fins
estéticos e éticos; e d) o da análise de como o signo torna um dado objeto engraçado,
tomando como base a gramática especulativa2, de forma específica, a segunda tricotomia,
que descreve a relação do signo com o objeto.

No primeiro momento do artigo, destacaremos a semiótica de Charles Sanders


Peirce, enfatizando aspectos epistemológicos importantes para a abordagem semiótica do
risível. A partir dessa contextualização teórica, especular: como deveria funcionar o signo
para tornar um dado objeto engraçado?

No segundo momento, apresentaremos algumas teorias do risível e a pensaremos


do ponto de vista semiótico e pragmático, ou seja, como indícios de hábitos que, graças à
sua eficácia, foram selecionados pelas diferentes comunidades risíveis. Tratar-se-ia de
descer um degrau de generalização: partindo de uma teoria do signo para uma do signo
risível.

1
Seguimos Lopes (2001.p, 98) no que diz respeito à relação intrínseca entre epistemologia e metodologia.
A primeira é entendida como uma teoria do conhecimento que permite uma leitura específica do objeto. É
nesse sentido que o objeto é, antes, construído do que dado. A metodologia é entendida como explicitação
dos modos de conhecer um dado objeto. É nesse sentido que uma metodologia deveria estar conectada a
um posicionamento epistemológico. Nesse sentido, partindo de uma perspectiva epistemológica semiótica,
nosso propósito, portanto, é o de construir uma “lente” para a investigação da piada e, em seguida, explicitar
possíveis caminhos de análise que derivariam da posição epistemológica escolhida.
2
Peirce (1998, p.46) define a gramática especulativa como o ramo da semiótica que deve descrever como
os signos deveriam funcionar para gerar sentido. Trata-se de uma taxionomia dos signos.
No terceiro momento, desceremos mais um degrau de generalização. Trata-se de
investigar singularidades produzidas pelo grupo porta dos fundos, ou seja, como mescla
as fórmulas do risível para produzir um modo específico de inventar piadas. Seriam
singularidades do risível, entendidas como mediações “menores”, características de um
grupo de humor ou humorista.

Portas dos fundos é uma produtora de vídeos de humor veiculados na internet. O


grupo foi formado em 2012 no Rio de Janeiro. Originalmente o elenco era composto por
Antonio Tabet, Clarice Falcão, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Gabriel Totoro, João
Vicente de Castro, Júlia Rabello, Letícia Lima, Luis Lobianco, Marcos Veras, Marcus
Majella e Rafael Infante.

O grupo faz sistemáticas sátiras da sociedade brasileira, dando visibilidade a


assuntos importantes tais como: homofobia, racismo, machismo, corrupção etc. Nesse
sentido, apresenta-se um objeto pertinente pata investigar a complexidade dos fios de
sentidos produzidos pelas piadas do aludido grupo. No momento final do artigo, portanto,
faremos a análise de um signo piada produzido pelo grupo, de forma detalhada, no esquete
o ensino.

Por uma semiótica do risível

Para entender a piada do ponto de vista semiótico seria preciso evidenciar as


consequências epistemológicas que estão implicadas em assumir a aludida abordagem.
Para isso é necessário destacar o contexto no qual Peirce desenvolveu sua semiótica no
escopo de uma crítica ao “espírito cartesiano” que Santaella (2004, p. 46) resume da
seguinte forma:

A fonte do cartesianismo está na intuição, mas seu alvo está no conhecimento


certo e seguro. Dada qualquer proposição, ou ela é original, imediata, não
determinada, ou ela é derivada, quando, então, procede de uma proposição
anterior. Qualquer linha de raciocínio deve ter um ponto de partida, uma origem,
do que decorre que, em algum momento, é possível atingir uma proposição
originária que não é deduzida de nenhuma outra. Se essa proposição é
indubitavelmente certa, é porque chegamos a um ato mental intuitivo,
instantâneo. Proposições desse tipo são incapazes de demonstração, nem
necessitam disso, pois satisfazem o que é requerido para chegar à certeza do
conhecimento.

Peirce estabelece as bases de sua crítica ao cartesianismo na dita série cognitiva


de textos (1868-1869). Poder-se-ia dizer que é senão a partir dessas críticas que Peirce
desenvolve a máxima que seria uma das molas propulsoras do desenvolvimento de sua
semiótica: só podemos pensar com signos. No seu artigo seminal, “Sobre quatro
capacidades que o homem reivindica para si”, Peirce coloca em xeque alguns princípios
do cartesianismo:

1.Não temos poder de introspecção; pelo contrário, todo conhecimento do mundo


interno é derivado por raciocínio hipotético a partir de nosso conhecimento de
fatos externos. 2. Não temos nenhum poder de intuição, pois cada cognição é
determinada logicamente por cognições prévias. 3. Não temos nenhum poder de
pensar sem signos. 4. Não temos nenhuma concepção do absolutamente
incognoscível (PEIRCE, 1998, p.29).

É nesse sentido que o signo entra como elemento epistemológico decisivo na


teoria de Peirce. No lugar do sujeito e o nominalismo entram o signo e sua ação
pragmática como elementos fundantes no processo do conhecimento.

Nesse sentido, para escapar do individualismo, ele vai buscar na fenomenologia


os princípios para sua arquitetura filosófica. Isso porque a fenomenologia deveria
apresentar as categorias universais da aparência, ou seja, aspectos que poderiam ser
observados por toda a comunidade, escapando, portanto, da tenacidade como fundamento
da crença e indo em direção ao método científico.

Peirce (1998), portanto, começa sua investigação fenomenológica, buscando as


categorias universais da aparência. A partir daí, toma as categorias fenomenológicas
como esqueleto diagramático dos fenômenos. Depois de décadas de autocrítica e
heterocrítica, Peirce desenvolve a crença de que as categorias fenomenológicas são três:
primeiridade, secundidade e terceiridade.

Primeiridade estaria relacionada com os aspectos potenciais, espontâneos,


qualitativos e monádicos. A secundidade, aos aspectos da materialidade, ação e reação,
força bruta e ao acontecimento presente. Terceiridade estaria relacionada com
regularidade, mediação, expectativa, mente e razoabilidade.

Nesse sentido, são problematizados: o sujeito e suas dicotomias enquanto


fundamentos do conhecimento; o materialismo mecânico; um ideal absoluto ou imutável.
A noção de signo e, portanto, a semiótica, é forjada no escopo dessas problematizações.
A ação do signo é sinônimo de transformação, inteligência, evolução, mente e
coletividade.
Assim, no escopo de um posicionamento epistemológico semiótico, o riso não
pode ser pensado como essência ou princípio absoluto. Tratar-se-ia antes de um processo
evolutivo que, em cada contexto e na transformação histórica-social, vai buscando
mesclas de fórmulas para tornar algo engraçado. Essa evolução é promovida pelo
processo de semiose que se desenvolve socialmente.

Para entender essa trama evolutiva é importante levar em conta a lógica da


arquitetura filosófica de Peirce, ou seja, as ciências ou quase-ciências mais gerais e
abstratas dão fundamento para as de menor abstração. Assim, antes de chegar à semiótica,
é mister perceber sua relação com a estética e a ética.

Se a fenomenologia está preocupada com a universalidade das categorias em sua


mera aparência, as ciências normativas vão inserir fins na aparência. A estética está
preocupada com o que é admirável em si. A ética com a avaliação das ações para chegar
à meta admirável. Trata-se, portanto, de uma especificação e contextualização da estética.
A semiótica se preocupa com os meios razoáveis para alcançar o fim admirável.

A estética, ética e lógica são chamadas normativas porque elas têm como função
estudar ideais, valores e normas. Que ideais guiam nossos sentimentos?
Responder essa questão é tarefa da estética? Que ideais orientam nossa conduta?
Essa é a tarefa da ética. A lógica, por fim, estuda os ideais e as normas que
conduzem ao pensamento (Peirce, 1998, p. 2).

Peirce (1998, p. 201) chama de lógica utens aquela que se desenvolve nas
problemáticas do dia a dia, ou seja, sem a autocritica e heterocrítica rigorosas que
deveriam ser característicos da ciência. Nesse sentido, se a lógica é pressuposta pela ética
e estética, então, estas últimas também deveriam ter sua modalidade utens. Por outros
termos, cultivo de ideias e avaliação das condutas que se desenvolvem no cotidiano.

Nesse sentido, uma semiótica utens do risível deveria ser pressuposta por uma
estética e uma ética utens do risível. Não caberia no escopo desse trabalho uma reflexão
sobre uma estética e ética do risível, deixaremos esse aprofundamento para um outro
texto. No entanto, é mister indicar a agência das outras ciências normativas sobre uma
semiótica do risível.

Segundo Santaella (2017), a estética de Peirce tem seu bem supremo naquilo que
é admirável em si. Esse admirável é senão a própria evolução da racionalidade em sua
mudança e aperfeiçoamento dos hábitos. Nesse sentido, uma estética do risível poderia
ser pensada como uma atração pela racionalização risível do mundo como um bem em si.

A partir dessa aspiração risível, desenvolver-se-ia uma ética do risível que


conduziria as ações em consonância com as aspirações estéticas. Nesse sentido, seria uma
especialização da estética. As piadas deveriam ser avaliadas no escopo de uma
comunidade risível que devem direcionar os esforços do risível para dados contextos e
sujeitos.

A semiótica do riso, por sua vez, deveria fornecer os meios razoáveis para tornar
os contextos e seus objetos engraçados. Seriam as fórmulas do risível que são inventadas,
testadas, aperfeiçoadas sistematicamente em uma dada comunidade risível. O fim da
semiótica é senão o argumento ou o meio racional para realizar os fins éticos e estéticos.

Nesse sentido, é possível destacar as primeiras consequências do que poderia ser


uma semiótica do risível: a) o riso não é entendido como essência ou uma forma estática,
mas antes como lógicas em transformação em níveis de generalidades diferentes que são
selecionados por uma comunidade risível; b) essas transformações são avaliadas pela
ética e impulsionada pelos impulsos admiráveis da estética; c) a semiótica do risível
poderia ser entendida como as fórmulas para tornar algo engraçado.

Peirce (2008, p. 29) apresenta variações sobre sua definição de lógica ou


semiótica. Em geral, o autor destaca este ramo como a ciência que estuda o caráter
representativo dos signos em relação aos seus objetos. Esta representação é pensada como
uma mediação inteligente que tem como objetivo tornar eficientes as relações entre o
objeto e sua representação. Interessa à lógica, portanto, estudar como deveria funcionar o
signo para que tivesse um determinado efeito.

É nesse sentido que a semiótica estuda o processo de semiose ou ação do signo.


Nesse sentido, convém uma definição de signo para Peirce. A definição mais básica de
signo pode ser sintetizada da seguinte forma: signo é uma coisa, o seu fundamento, que
evoca uma outra, seu objeto, para alguém, seu interpretante.

Nessa trama, o objeto é o contexto que está sendo representado pelo fundamento
do signo. Este último, por sua vez, faz a mediação do contexto para uma mente qualquer,
o interpretante (PEIRCE, 1998, p.147). O signo, portanto, é sinônimo de tradução,
mediação, mente e inteligência.
Poder-se-ia dizer que Peirce vislumbrou até mesmo os signos do riso quando fala
do chiste. O propósito de Peirce era elaborar um conceito de signo tão geral capaz de
abarcar todas as possibilidades de produção de sentido, inclusive o signo risível:

Eu quero uma definição tal como um zoologista daria a um peixe, ou um Químico


de um corpo graxo ou de um corpo aromático - uma análise da natureza essencial
de um signo, se a palavra for usada como aplicável a tudo que a ciência mais geral
da semiótica deve considerar como sua ocupação estudar [...] se ele é da natureza
de um chiste, ou é selado e atestado, ou se depende da força artística; e eu não
para aqui porque as variedades de signos não foram, por qualquer meio, exauridas
(PEIRCE IN SANTAELLA, 2020, p.37).
Assim, se Peirce apresenta uma teoria universal do signo, ou seja, do modo como
um fundamento representa seu objeto para um interpretante, então, uma semiótica do
risível deveria se ocupar de investigar lógicas capazes de tornar um dado objeto engraçado
para um dado campo interpretante.

No entanto, é preciso partir de uma aspiração estética ao risível como mola


propulsora do processo de semiose: ideais de tornar o mundo engraçado, inventar. Assim
como o cientista busca a verdade, o humorista buscaria o riso. Assim como é preciso
destacar os aspectos éticos: a especificação dessa aspiração em dado contexto, ou seja, a
avaliação das piadas, submetidas a autocrítica e a heterocrítica.

Nesse sentido, a partir do refinamento e direcionamento das ações e dos propósitos


na ética, parte-se para a busca dos meios para atingir os propósitos, ou seja, uma semiótica
do riso. Tratar-se-ia, portanto, de fórmulas que deveriam tornar objetos engraçados em
dados contextos.

Do ponto de vista semiótico, essas fórmulas seriam Legi-signos3 do risível. Essas


fórmulas devem ter persistido, dada sua eficiência em tornar objetos engraçados, logo,
continuam graças a uma crença. Ou seja, seu fundamento seria pragmático e não absoluto
e imutável. Mas como investigar essas fórmulas?

As teorias do riso vêm, ao longo da história, buscando deslindar o fenômeno do


riso. Nesse sentido, é plausível que a recorrência de dados predicados, nas diferentes

3
Plaza (2010) destaca o papel dos legi-signos para pensar o processo de semiose. Isso porque é senão o
legissigno que apresenta as regras sintáticas que possibilitam o signo fazer alusão ao seu objeto movido por
um dado propósito: “O legisigno, estabelece uma rede de relações e conexões internas entre forma e
significação que se imprime na sintaxe e configura os caracteres de seu objeto imediato’’ (PLAZA, 2010,
p.72). Em nosso contexto, os legi-signos do risível, portanto, seriam as fórmulas gerais que, em dados
contextos, deveriam gerar riso: as sintaxes do risível que conduzem a produção dos signos.
teorias, indicaria fórmulas do risível que foram selecionadas e aperfeiçoadas na evolução
de uma cultura do risível.

Assim, poder-se-ia reduzir o grau de generalização de uma teoria universal dos


signos em direção a uma semiótica do risível. É claro que não é propósito esgotar as
possibilidades abstrativas tal como Peirce chegou em sua semiótica. Trata-se antes de um
esforço inicial em direção a uma investigação das semioses do risível.

Teorias do humor e legi-signos risíveis

Eagleton (2020) propõe que as teorias do humor podem ser acomodadas em três
grandes classes: as teorias do alívio, teorias da superioridade e teorias da incongruência.
A teoria do alívio propõe que o riso deriva do relaxamento de uma tensão cognitiva.

No escopo desse conceito guarda-chuva, o aludido autor cita, por exemplo, Conde
de Shaftersbury, filósofo do século VII, que entendia a comédia como espaço de liberação
do nosso espírito aprisionado pelas normas sociais. Sigmund Freud, em seu texto Chistes
e sua relação com o inconsciente, é outro autor muito citado no escopo das teorias do
risível. Segundo o autor, na experiência do riso, o superego relaxa sua dominação sobre
o inconsciente, logo, a energia psíquica que era gasta com a repressão se converte em
alívio. Este último deriva do reconhecimento da inibição social e sua transgressão.

Uma segunda teoria geral seria a da superioridade. Segundo Albertini (1999), na


aludida abordagem, o riso seria efeito de uma sensação de superioridade diante do
ridículo. Eagleton (2020) cita uma série de filósofos tais como Platão, Cícero e Hobbes
que caracterizavam o riso como um prazer malicioso derivado de uma deformidade.
Nesse sentido, esse tipo de riso seria característico de homens menos virtuosos e com
deficiências morais. Helitzer & Mel (2014) destacam que o riso sempre tem um alvo e
que, relacionado a este, deve haver hostilidade, realismo, exagero, emoção e surpresa.

Do ponto de vista semiótico, a teoria da superioridade poderia ser entendida como


uma fórmula para selecionar aspectos risíveis do objeto dinâmico. Se algo quebra a
normalidade de alguma forma, então, deve ser um objeto privilegiado para se tornar
risível.

Outra teoria que se apresenta de forma regular em diferentes abordagens é a da


incongruência. “Nessa visão, o humor surge do impacto entre aspectos incongruentes:
uma súbita mudança de perspectiva, um deslize inesperado do significado, um atraente
dissonância e discrepância” (EAGLEATON, 2020, p.61).

Entre aqueles do “time” da incongruência estão também Kant e Schopenhauer.


Este último, em o mundo como vontade e representação, discorre que o riso deriva da
dissonância entre o conceito do objeto e o próprio objeto. Já Kant vê a incongruência
como triunfo de uma razão baixa sobre uma razão que censura. O riso aparece como alívio
(EAGLEATON, 2020).

No entanto, essas fórmulas estariam ainda em alto grau de abstração e


generalidade de modo a não contemplar as especificidades da semiose risível. Por outros
termos, são aspectos encontrados de forma regular nas piadas, no entanto, não são
suficientes para distinguir o sentido do riso.

Nessa perspectiva, exagerar em uma forma de expressão, por exemplo, pode ser
arte expressionista ou música clássica e provocar contemplação, e não riso. Nem mesmo
a descarga emocional é necessariamente cômica: filmes de suspense, terror, jogos de
futebol, trabalham com alívios e nada tem de engraçados.

Se a fórmula como a da contradição, por exemplo, está presente em uma obra


surrealista e em uma piada, então o que as diferencia? Nossa hipótese é que se desenvolve
o processo de semiose, que deve trazer consigo aspectos estéticos, éticos bem como as
contingências de um contexto.

É nesse sentido que assumimos a hipótese de que o sentido do riso deve ser
compreendido no modo como as fórmulas são atualizadas em consonância com os
aspectos estéticos, éticos e contextuais. Poderiam ser esses um dos aspectos que
diferenciariam um exagero que provoca medo daquele que gera riso.

No entanto, não quer isso dizer que tais fórmulas não sejam importantes para a
investigação do sentido do risível. Só quer dizer que, do ponto de vista da semiose, não
são suficientes. As fórmulas estariam em um nível de abstração da matemática do risível:
é preciso levar em conta as diferentes dimensões do processo de semiose.

Entendemos que a semiose deve ser pensada como: um fluxo que envolve as
aspirações estéticas; os problemas que resistem e irritam a mente que busca novas
soluções; as avaliações éticas na delimitação dos propósitos e esforços; a semiótica como
os meios para resolver os problemas apresentados.
No escopo da semiótica, propriamente dita, gostaríamos ainda de distinguir níveis
diferentes de generalização. Em um nível mais abrangente teríamos culturas do risível
como fórmulas mais gerais. Por outro lado, gostaríamos de designar o termo de
singularidades do risível para lógicas menores do risível, característica de um humorista
ou grupo de humor.

Seria o que Bense (2003, p. 89-90) chama de estados estéticos. O aludido autor,
inspirado na semiótica peirciana, propõe níveis diferentes de ordens ou determinações:
fenômenos físicos, como as leis naturais, seriam altamente determinados. Fenômenos
culturais-convencionais de média determinação (cultura risível) e fenômenos estético-
artísticos como fracamente determinados.

Nessa perspectiva, singularidades do riso seriam generalidades menores, ou seja,


marcariam formas regulares que dados humoristas ou grupos de humor produzem a partir
de uma generalidade mais abrangente como a cultura risível (as fórmulas da
superioridade, contradição e alívio, por exemplo). As singularidades, portanto, estariam
em um nível menor de generalidade em relação a cultura, mas não se confundiriam com
um evento singular, ou seja, uma piada específica. Esta última seria antes uma atualização
dessa generalidade menor e tem a função de inserir a secundidade no processo de
composição do sentido.

Se isso for verdade, então, o sentido do riso deveria ser pensado como fluxo que
conecta aspectos estéticos, éticos e semióticos motivados por um objeto-problema que
clama por transformação, ou seja, por meios que o tornem risível. No próximo tópico,
apresentaremos uma proposta metodológica de análise do sentido risível baseado na
epistemologia semiótica.

Por uma metodologia semiótica do risível

Tendo destacado os aspectos epistemológicos de uma semiótica do risível, cabe


adentrar nas consequências metodológicas de tal posicionamento. Por outros termos,
propor um procedimento metodológico para analisar a semiose do risível.

Há décadas pesquisadores buscam adaptar a semiótica de Charles Sanders Peirce,


que é iminentemente teórica, para um procedimento metodológico de investigação das
linguagens empíricas.
Santaella (2002), em sua semiótica aplicada, apresenta a possibilidade de analisar
as linguagens, privilegiando a ação das tricotomias. Seja no fundamento (legi-signo; sin-
signo e quali-signo); seja na relação com seu objeto (ícone, índice e símbolo); seja no
efeito interpretante (rema, discente e argumento).

Não obstante, Bense (2003), também seguindo a lógica da tricotomia de Peirce,


destaca três modos de pensar os estados estéticos; a partir dos meios que estariam
relacionados ao fundamento do signo; como referências ao objeto; ou como efeitos
interpretantes.

Santaella (2005), em suas matrizes da linguagem, faz um esforço inventivo para,


a partir da semiótica de Peirce, buscar um caminho para a análise empírica das linguagens.
As matrizes da linguagem estariam entre o alto grau de abstração da gramática
especulativa e a especificidades das linguagens manifestas. A autora divide sua proposta
em três matrizes (também em consonância com as categorias fenomenológicas): sonora,
visual e verbal.

Plaza (2010, p. 90-91), em sua tradução intersemiótica, segue o mesmo caminho.


O autor propõe uma tipologia de traduções: icônica, indicial e simbólica. A icônica produz
uma montagem sintática similar ao objeto que traduz. No indicial, existe um movimento
topológico-metonímico ou homeomórfica. Na primeira existe uma relação de parte pelo
todo do objeto traduzido; no segundo, existe uma relação de ponto a ponto. Na simbólica,
se estabelece traduções fundadas mais em aspectos lógicos, mais abstratos e intelectuais
do que sensíveis.

Em todas essas propostas, os autores buscam o caminho do mais abstrato e geral


para a análise de linguagens empíricas. Nesse caminho, tem-se privilegiado a gramática
especulativa. Incorporamos essa tradição de pesquisa, associando-a com aspectos da
semiose, que destacamos no tópico anterior.

O procedimento da análise passaria por quatro momentos; a) identificação de


regularidades que seriam indícios de um signo-piada; b) observar os aspectos estéticos,
éticos e contextuais envolvidos; c) análise da mixagem das fórmulas (singularidades) do
riso para alcançar os fins estéticos e éticos d) análise da semiose a partir de suas dimensões
icônicas, indiciais e simbólicas, destacando como o signo transforma um objeto dinâmico
específico em risível.
O primeiro trabalho é o de identificar as regularidades, que seriam indícios da ação
de um signo-piada em um dado contexto. A partir dessa distinção contextual, interessa
destacar as fórmulas associadas ao aludido contexto geral, e verificar se, de fato,
encontram regularidade. Em seguida, interessa inferir os aspectos estéticos e éticos que
mobilizam a produção do signo-piada.

Identificado o signo-piada e seus fins, parte-se para a análise de sua bricolagem.


Como um dado inventor de piadas transforma um objeto cotidiano em risível? Trata-se
das associações de fórmulas, ou seja, da mixagem que caracterizaria o processo de
singularização da piada.

A partir da análise da bricolagem sígnica, parte-se para a análise mais tradicional


fundamentada na gramática especulativa, analisando como essa bricolagem sígnica é
atualizada em um contexto específico, ou seja, como o signo, afetado por um objeto
dinâmico, torna-o engraçado.

Santaella (2002, p. 60), propõe três caminhos de análise. O privilégio no


fundamento do signo, a autora chama de análise de representação. O propósito dessa
análise se volta para as formas propriamente expressivas do signo. O segundo caminho é
o da referência, no qual o foco é na relação do signo com o objeto representado. Nesse
caminho, o pesquisador é que faz o papel de interpretante ao analisar as relações do signo
com o objeto representado. Ora, é senão esse método que nos interessa, posto que nosso
propósito é o de investigar como o signo do riso representa seus objetos. O terceiro modo
focaria no efeito do signo em dadas mentes, nos interpretantes.

Nesse sentido, poder-se-ia apresentar três caminhos analíticos para o signo risível:
icônico, indicial e simbólico, trata-se da segunda tricotomia da classificação dos signos:
analisa a relação do signo com o objeto. Tratar-se-ia de analisar como a mixagem das
fórmulas (legi-signos) ou estados estéticos evocam o objeto dinâmico e o tornam
engraçado.

No primeiro modo de análise o foco é, portanto, no legi-signo icônico, ou seja,


como as aludidas fórmulas se relacionam com seu objeto por meio de relações qualitativas
e produzem expressões engraçadas?

O segundo modo de analisar a produção do riso estaria sob dominância indicial,


ou seja, no modo como o signo indica seu objeto dinâmico. Se o índice gera sentido por
meio da contiguidade entre signo e objeto, então, a risibilidade deveria partir dessa
relação. O índice é também, diz Peirce (PEIRCE, 2008, p.84), o meio em comum entre
os interlocutores e o que nos chama atenção para a realidade de um dado objeto. Tratar-
se-ia de transformar um contexto em risível? Como o fato de chamar atenção para algo
pode ser engraçado?

Uma terceira lógica risível seria a simbólica. Partir-se-ia de um legi-signo-


simbólico-argumentativo. Trata-se de investigar a risibilidade no próprio argumento.
Tratar-se-ia de tornar dados silogismos risíveis.

No próximo tópico, portanto, utilizaremos esse procedimento para analisar um


signo-piada característico do grupo de humor Porta dos fundos. Destacaremos uma
fórmula risível observada de forma regular nas piadas, bem como analisaremos um
esquete específico para investigar a atualização do risível em seu processo de semiose.

Os signos risíveis no esquete o ensino

Partindo do procedimento de investigação proposto, destacaremos quatro


momentos de análise: a) identificação do contexto geral que indica um dado signo-piada;
b) os aspectos estéticos e éticos relacionados ao signo; c) a bricolagem das fórmulas; d)
a análise dos signos a partir da tipologia dos signos e sua atualização em dado contexto.

O primeiro procedimento é o de identificar a regularidade de um contexto geral


que aciona o signo. De princípio, foi feita uma observação randômica dos vídeos do grupo
portas dos fundos. Nessa pesquisa foi percebida uma série de objetos-risíveis recorrentes
que indicaria seu aspecto geral. Associado a esses contextos regulares, identificamos
algumas fórmulas: neste artigo, analisaremos uma destas. Seria um modo singular de
tornar o aludido contexto geral engraçado, o que chamamos de signo-piada.

Chamaremos a ação desse signo de superioridade-sarcástica-analógica-


exagerada-progressiva na crítica cultura de violência simbólica brasileira. A extensão do
nome é proposital para evidenciar o caráter associativo que caracterizaria o processo de
singularização risível.

O problema geral que aciona a mediação desse signo são casos de violência
simbólica naturalizadas na cultura brasileira, foram identificados os seguintes temas
recorrentes: racismo, machismo, violência policial, homofobia, misoginia bem como
deboche diante dos direitos humanos.
O contexto geral, como foi destacado, faz parte do processo de investigação
semiótica, posto que é senão um contexto geral que aciona um dado hábito, no qual suas
fórmulas deveriam ser eficientes.

Tratar-se-ia do aspecto indutivo que associa uma réplica ao signo que influencia
sua ação. Por outros termos, o signo-piada é entendido como o meio para resolver uma
dada classe de problemas risíveis.

Na tabela abaixo será apresentada a relação entre o esquete, seu objeto risível, ou
seja, uma réplica do contexto geral que aciona o hábito e o signo-piada que torna o objeto
engraçado: o que analisaremos nesse artigo. Não apresentaremos uma tabela demasiada
exaustiva. Interessa antes indicar a regularidade que seria indício de um signo-risível.

Esquete Objeto risível Signo


Ensino Crítica à educação sexual Signo
Sobre a mesa Machismo Signo
Colonizado Neoliberalismo Signo
Cantada Machismo Signo
Negro Racismo Signo
Suborno Corrupção Signo
Lei seca Corrupção Signo
Cidadão de bem Corrupção Signo
Veado Homofobia Signo
Piranho Machismo Signo
Comercial de Margarina Machismo Signo
Mercado Feminino Machismo Signo
O mundo tá ficando chato Racismo Signo
Escritor Branco Racismo Signo
Sabe com que tá falando? Corrupção Signo
Bala de borracha Violência policial Signo

Depois de identificar, por meio do raciocínio indutivo, o signo que influencia um


dado contexto geral, por meio de aspectos regulares, que seriam efeitos de sua ação, cabe
destacar os aspectos estéticos e éticos que estão associados a esse signo-piada. Por um
lado, é preciso destacar que, na composição do signo-piada, deve existir uma aspiração
estética para tornar o mundo engraçado.

A partir da estética, a ética deve especificar esse propósito, associando a um


contexto e a uma ação. No caso do grupo Porta dos fundos, o propósito ético é senão
tornar risíveis argumentos violentos que se naturalizaram na cultura brasileira. Assim, o
propósito mais geral de fazer rir está associado a um singular: rir e criticar aspectos da
cultura brasileira que são preconceituosos e violentos. É importante destacar que esse
conceito geral deve ser atualizado em um específico para produzir o sentido risível.
Trata-se da emergência de uma irritabilidade específica que leva a ação do signo,
ou seja, mobiliza o humorista para o inquérito de invenção da piada. Nesse sentido,
analisaremos um esquete específico, na qual é possível observar a ação do signo-piada
em questão.

Faremos uma análise detida do esquete intitulado: ensino. O esquete foi produzido
em 2016 e tinha como objeto do riso o argumento de que os professores são doutrinadores
da ideologia dita esquerdista. O movimento Escola Sem Partido, liderado pelo procurador
Miguel Nagib, simboliza essa representação social.

No do escopo da dita dominação ideológica estaria a ideologia de gênero. Para


os que acreditam na dominação ideológica, os professores usariam seu espaço
privilegiado de ensino para doutrinar os alunos na ideologia esquerdista. Em 2016, uma
série de professores passaram a ser perseguidos por fazer a aludida ideologia de gênero.

Nesse contexto, entram em pauta temas como educação sexual, bem como o do
respeito à diversidade. Membros da escola sem partido acreditam que esclarecer esses
temas levaria as crianças à prática do sexo desordenado, bem como seriam influenciadas
a se tornarem gays. Esse, portanto, é o contexto que incita a irritação do grupo de humor
para o inquérito da piada: seria uma atualização do contexto geral que destacamos acima.
É importante, mais uma vez destacar, a influência dos elementos qualitativos, individuais
e gerais para a produção do sentido.

A ação de tornar esse argumento do MBL risível, portanto, é a especificação dos


propósitos éticos. Em seguida, cabe a semiótica buscar meios de tornar o aludido
argumento risível: é o processo de atualização do signo.

Passamos para o terceiro momento da análise. Analisar as fórmulas utilizadas e


sua mixagem para tornar um dado objeto engraçado. De princípio, é possível identificar
a fórmula risível da superioridade. Trata-se da fórmula: se algo quebra a normalidade,
então pode se tornar risível.

Essa “quebra de normalidade” pode ser entendida como a falta de sentido de


propor que ensinar sobre dados temas, torna os alunos os próprios temas. A fórmula da
superioridade, portanto, seleciona do objeto dinâmico em questão: a falta de sentido do
argumento. É o objeto selecionado para se tornar risível.
Para tornar esse objeto risível, a fórmula da superioridade vai ser mixada com uma
outra fórmula mais específica: a do sarcasmo. Segundo Singh (2012) no sarcasmo existe
o uso de instrumentos indiretos para ridicularizar ou zombar de quem traz consigo
elementos grosseiros ou ofensivos. O sarcasmo tem finalidade, portanto, destrutiva.

A diferença para ironia é que o sarcasmo é mais incisivo e está relacionado a


contextos nos quais há algum tipo de violação. Nesse sentido, o sarcasmo é uma resposta
risível e ao mesmo tempo cortante a uma dada violência. A superioridade, portanto, é
colada com o sarcasmo para ridicularizar de forma “cortante” o argumento em questão.

Mas qual fórmula resolve o problema dos instrumentos indiretos do sarcasmo?


Outra fórmula, portanto, é mixada ao processo de semiose em questão: o da analogia.
Segundo Peirce (1998, p.6), a analogia é um tipo de inferência que mescla abdução e
indução. A inferência analógica se articularia da seguinte forma: se dois objetos
apresentam predicados em comum, então, não é improvável que apresentem outros
aspectos em comum.

A analogia não é considerada uma inferência forte, como uma boa inferência
indutiva, como também não é tão fraca como abdutiva. Nesse sentido, traz consigo o
aspecto criativo da hipótese com a observação da indução. Na singularidade risível do
Porta dos Fundos, a inferência analógica é usada como uma fórmula para compor seu
sarcasmo, a saber.

No esquete o ensino, parte-se do contexto no qual um pai reclama que seu filho
teve aula de orientação sexual e se tornou gay. Em seguida, faz-se analogias a outros
contextos: índio, árvore e Zumbi dos Palmares. Nos casos análogos, os filhos haviam se
tornado índios, árvores e Zumbis. No caso do Zumbi, o aluno não prestou atenção e se
tornou um zumbi de série americana, no entanto, a aula era sobre Zumbi dos Palmares.

A analogia, por sua vez, é combinada com a fórmula do exagero, bem como da
progressão. O grupo utiliza a fórmula do exagero nos contextos analógicos, no sentido de
tornar o sarcasmo mais ácido e ridicularizar, ainda mais, a falta de sentido do argumento
do MBL. Esse exagero, no entanto, é apresentado de forma progressiva, ou seja, parte-se
do contexto “real” da educação sexual; depois para o contexto indígena; em seguida o
aluno se torna árvore; e por fim, a falta de atenção do aluno que o torna um zumbi de
seriado americano.
É mister destacar as associações das fórmulas para resolver a problemática em
questão: o modo como a superioridade se especifica em sarcasmo; para isso captura a
analogia, no sentido de utilizar elementos indiretos; ao mesmo tempo que se utiliza do
exagero para explicitar o caráter ridículo do argumento; a progressão para produzir uma
evolução gradativa da tensão.

Essa combinação de fórmulas é encontrada nos esquetes citados no quadro acima,


indicando a regularidade-generalidade do signo-piada em investigação. Esse momento da
análise, portanto tem o propósito de analisar a composição do signo, de forma específica,
da montagem de um legi-signo para influenciar ações específicas em dados contextos.

O próximo momento da análise deve destacar como esse legi-signo se atualiza,


representando o argumento do MBL. Trata-se de analisar o funcionamento dos ícones,
índices e símbolos, posto que descrevem como o signo representa seu objeto.

De princípio, vamos para aos legi-signos-icônicos. Por outros termos, como a


bricolagem sígnica produz o riso, privilegiando a expressão do signo? Essa dimensão de
sentido se condensa mais no fundamento do signo do que no objeto que sugere.

De princípio, destacaremos o modo como a fórmula em análise do exagero


manipula os qualisignos e produz signos estereotipados e exagerados. No caso do aluno
que se “torna” Gay, seus movimentos, suas roupas, sua entonação da voz e seus gestos
são potencializados em relação aos estereótipos, socialmente convencionados.

Da mesma forma, o segundo aluno representa o exagero de um estereótipo de


Índio. Na terceira cena, o pai chega com a própria árvore na mão. Na última cena, um
estereótipo de zumbi de filme americano. Nesse sentido, o exagero progressivo se
apresenta no próprio fundamento do signo como elemento risível, a partir das qualidades
expressivas.

A segunda dimensão de análise é aquela sob a dominância da secundidade. Em


termos de classificação, seria um legisigno-indicial-discente. É importante destacar que
para Peirce o índice é signo que indica o contexto, ou seja, o efeito da contiguidade entre
sujeitos e predicados que derivam o signo indicial. A fumaça é signo do encontro do fogo
com a madeira, assim como a pegada da areia com o pé. Nesse sentido, essa dimensão
risível se propõe a analisar como um contexto (trazendo consigo seus valores, objetos,
sujeitos e predicados) pode se tornar risível.
Nessa trama, a doutrinação esquerdista é o contexto que é evocado, de forma
específica, aulas de “educação sexual”. Essa dimensão risível, portanto, concentra-se na
bricolagem de contextos, de modo a tornar um dado contexto risível. No aludido esquete,
conecta-se o contexto da educação sexual com outros contextos relacionados à educação:
como dia do índio, dia da árvore e aula de história do Brasil.

Forja-se um contexto surreal no qual os pais aparecem na sala da diretoria com


seus filhos transformados em gays, Índios, árvores e zumbis. Esses índices produzem,
portanto, um contexto nonsense, ou seja, o senso de realidade é tornado ridículo pelo
revezamento contextual produzido.

Os indícios que apontam rapidamente para contextos diferentes, atualizam o fluxo


das fórmulas da progressão e do exagero. O riso indicial está, sobretudo, nas surpresas
geradas pelo contexto utilizado e por sua mudança e progressão rápida: um gay, um Índio,
uma árvore, um zumbi.

Nessa semiose, portanto, produz-se indícios que vão exagerando o contexto


progressivamente. Trata-se do legi-signo, aqui em análise, agindo sobre os índices e
produzindo efeitos contextuais risíveis.

Se a especificidade dos aspectos icônicos estão em tornar as expressões risíveis; e


a dos índices em produzir contextos engraçados, os aspectos simbólicos se voltam para
tornar o argumento risível.

É o nível, portanto, do Legi-signo-simbólico-argumentativo. Já foi apresentado


como o legissigno foi “mixado” no processo de singularização das fórmulas risíveis.
Tratar-se-ia de um signo-piada que traz consigo a fórmula da superioridade, do sarcasmo,
da analogia, do exagero, da progressão com o propósito de tornar risíveis os aspectos
relacionados à violência simbólica da cultura brasileira.

Esse Legi-signo piada é atualizado na sua relação com o argumento do MBL, no


sentido de torná-lo engraçado. Eis o argumento que se torna objeto do signo: aulas sobre
educação sexual influenciam os alunos a se tornarem gays.

O grupo porta dos fundos, então, captura desse argumento o seguinte:


compreender um assunto faz com que você se torne o próprio assunto. O grupo elabora o
sarcasmo, estabelecendo analogias com outros contextos, de modo que o ridículo dessa
lógica vai sendo apresentado de forma gradual e exagerada na variação dos contextos.
No primeiro argumento: aprender sobre o respeito à diversidade sexual, o torna
gay; se é assim, então, no dia do Índio, no qual se explica sobre a cultura indígena, os
alunos devem se tornar índios; logo, no dia da árvore, os alunos devem se tornar árvores;
caso o aluno compreenda a aula de forma equivocada, então, ele se tornará o próprio
equívoco. Assim confundir o Zumbi dos Palmares com um zumbi de seriado americano,
faz o aluno se tornar um zumbi de seriado.

Nessa dinâmica de sentido, portanto, a graça se concentra no próprio argumento,


que é tornado risível. Seguindo a lógica da fórmula, o argumento vai sendo conectado
com outros silogismos de forma progressiva e exagerada: chegando ao auge que, se o
aluno entender errado, ele se torna o próprio equívoco.

É mister destacar a importância das relações entre os aspectos icônicos, indiciais


e simbólicos. Além de terem suas especificidades risíveis, as dimensões menos
complexas dão fundamento às mais complexas.

Ou seja, o riso icônico tem sua singularidade risível ao mesmo tempo em que dá
fundamento para o indicial. Por outros termos, contextos precisam de qualidades para
compor seu cenário. Por outros termos, as variações de contextos são percebidas por
meios de variações icônicas: do estereótipo do gay para o do Índio, para o da árvore etc.

Da mesma forma o símbolo, posto que é geral, precisa dos índices para que sua
analogia seja atualizada em contextos diferentes. O argumento se torna progressivamente
ridículo em suas ações em contextos diferentes.

É importante também destacar que é, senão, sendo determinado por um objeto


dinâmico que os legi-signos evoluem na relação com seus interpretantes. Esses signos
expressam o encontro do geral com a especificidades do contexto. É senão sendo
dinamizada pelas resistências do real que as leis se transformam em consonância também
com os aspetos estéticos e éticos.

Nossa proposta, portanto, é a de que o sentido do riso poderia ser entendido a


partir do entrelaçamento de níveis de complexidade e abstração diferentes; desde as
aspirações estéticas; as especificações das ações éticas; os meios semióticos; as fórmulas
do riso; as fórmulas menores promovidas por um grupo de humor ou humorista; até
chegar em um contexto específico que aciona um signo-piada. Entendemos que o sentido
do riso, do ponto de vista semiótico, poderia ser compreendido a partir desse processo de
atualização.

Considerações finais

A partir do esquete ensino do grupo porta dos fundos, portanto, buscamos


apresentar nossa proposta de análise semiótica do risível. Nesses termos, o aludido
esquete seria uma atualização do signo-piada investigado. Este último foi apresentado sob
a fórmula: superioridade-sarcástica-analógica-progressiva-exagerada com o propósito
ético de tornar risível (ideal estético) a violência simbólica na cultura brasileira.

Como foi destacado, trata-se de uma singularidade, ou seja, uma generalidade


menor, que faz parte do modo como o grupo porta dos fundos inventa o risível. O processo
de singularidade é marcado pelo modo regular que combina as fórmulas para resolver
dado problema geral do risível. Essa regularidade foi apontada em um quadro que, embora
não exaustivo, indica a generalidade da fórmula e sua relação com o contexto.

Neste trabalho, por outro lado, o privilégio foi o da análise qualitativa de como
esse signo-piada se atualiza em um contexto específico. Nos termos de Peirce, seria uma
réplica. Essa não deve ser entendida no escopo de um dado platonismo no sentido de ser
uma cópia degenerada de uma essência, mas antes como um processo de atualização4.

Por fim, foi apresentado um procedimento de análise que traz consigo a


possibilidade de investigar a semiose da piada risível a partir da articulação entre estética
e ética, destacando a construção do signo risível e analisando os sentidos produzidos.

Nossa hipótese é que a invenção do sentido risível poderia ser investigada a partir
do seu processo de atualização: seja em um esquete de humor, publicidade ou programa
de jornalismo. Cada um trazendo um emaranhado de fios em interação em seu processo
de atualização, desenvolvendo o potencial das ideias. Nesse sentido, fica em aberto a
investigação da evolução da cultura risível a partir de uma abordagem semiótica,
impulsionada pelas aspirações estéticas e ações éticas.

Referências bibliográficas

4
Em outro texto, destacaremos a noção de atualização em Peirce com maior profundidade, no entanto, cabe
dizer que a réplica seria um efeito da relação entre um contexto, que irrita um sistema de hábitos, e o
processo de inquérito, que busca solucioná-lo. Ícones, índices e símbolos seriam expressões desse processo
de atualização-evolução.
ALBERTI, Verena. O riso e o risível na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Ed.
FGV, 1999.
BENSE, Max. Pequena Estética. São Paulo: Perspectiva, 2003.
EAGLENTON, Terry. Humor: o papel fundamental do riso na cultura. Tradução: Alessandra
Bonrruquer. Rio de Janeiro: Record, 2020.
HELITZER, Mel. Como escrever humor. Rio De Janeiro. Gryphus, 2014.
IBRI, Ivo Assad. Kósmos Noetós: A Arquitetura Metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo:
Perspectiva/Hólon, 1992.
LOPES, Maria Immacolata. Pesquisa em comunicação. São Paulo: Loyola, 2001.
MORREALL, John. Taking laughter seriously. Albany: The State University of New York, 1983.
PEIRCE, Charles Sanders. The collected papers of Charles Sanders Peirce. Electronic
edition. Vols. I-VI. C. Hartshorne & P. Weiss (eds.). Charlottesville: Intelex Corporation.
MA:Harvard University, 1931-1935.
____. Antologia Filosófica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da moeda, 1998.
____. Semiótica. São Paulo: perspectiva, 2008.
____. Ilustrações da lógica da ciência. Tradução de Renato Rodrigues Kinouchi. São Paulo:
ideais e letras, 2008.
PLAZA, Júlio. Tradução intersemiótica. São Paulo: perspectiva, 2013.
ROMANINI, Anderson Vinícius. Semiótica minuta- especulações sobre a Gramática dos a
gramática dos signos e da comunicação a partir da obra de Charles S. Peirce (Tese de
Doutorado). Universidade de São Paulo: São Paulo, 2006.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengagen Learning, 2002.
____. A teoria geral dos signos. São Paulo: Ática S.A, 1995.
____. O método Anti-Cartesiano de C. S Peirce. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
____. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual e verbal. São Paulo: Iluminuras, 2005.
____. Estética de Platão a Peirce. São Bernardo do Campo: Editora Cod 3s, 2017.
___. Charles Sanders Peirce. Exertos. São Paulo: Paulus, 2020.
SINGH, R. K. Humour, irony and satire in literature. International Journal of English and
Literature, v. 3, p. 65 – 72, Outubro 2012. Acesso em 20 Set. 2020. Disponível em:
https://www.academia.edu/4541187/Humour_Irony_and_Satire_in_Literatura.

Você também pode gostar