Regeneracao Cardiaca
Regeneracao Cardiaca
Regeneracao Cardiaca
Souza CF, et al. Células-Tronco Mesenquimais: Células Ideais para a Regeneração Cardíaca? Rev Bras Cardiol Invasiva. 2010;
18(3):344-53.
Artigo de Revisão
Células-Tronco Mesenquimais:
Células Ideais para a Regeneração Cardíaca?
Cristiano Freitas de Souza1, Priscila de Napoli1, Sang Won Han1, Valter Correia de Lima1,
Antonio Carlos de Camargo Carvalho1
RESUMO ABSTRACT
DESCRITORES: Células tronco. Células tronco mesenquimais. KEY-WORDS: Stem cells. Mesenchymal stem cells. The-
Terapêutica. Miocárdio. rapeutics. Myocardium.
A
s células-tronco são células indiferenciadas, carac- folhetos embrionários: endoderma, mesoderma e ecto-
terizadas pela capacidade de autorrenovação, derma). Já as células com origem a partir do zigoto são
diferenciação em diversos tipos celulares e re- classificadas como totipotentes, pois, além de se dife-
constituição funcional de determinados tecidos. Dida- renciar nas células dos três folhetos embrionários,
ticamente, são divididas em dois tipos principais: em- originam os tecidos extraembrionários. Em contraste,
brionárias e adultas. as células-tronco adultas aparentemente têm capaci-
dade de autorrenovação limitada e são denominadas
As células-tronco embrionárias para terapia po-
dem ser derivadas da massa interna do blastocisto ou multipotentes, pela capacidade limitada de diferencia-
do zigoto. As primeiras possuem capacidade ilimitada ção em poucos tipos celulares.
de autorrenovação e são pluripotentes (capazes de se As células estromais da medula óssea foram primei-
diferenciar em qualquer linhagem derivada dos três ramente descritas como células progenitoras ósseas
presentes em sua fração estromal. Estudos subsequen-
tes demonstraram que essas células possuíam a capaci-
dade de se diferenciar em linhagens celulares meso-
1
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – São Paulo, SP, Brasil. dérmicas, incluindo condrócitos, osteoblastos, adipócitos
Correspondência: Cristiano Freitas de Souza – Rua Botucatu, 740 –
e mioblastos. Com base nessa capacidade de diferen-
São Paulo, SP, Brasil – CEP 04023-900
E-mail: [email protected] ciação em multilinhagens, Caplan, em 1991, introdu-
Recebido em: 17/3/2010 • Aceito em: 25/7/2010 ziu o termo célula-tronco mesenquimal. 1
344
345
346
mos esperar que maior número de células infundidas que isso, potencial de diferenciação em diversas linha-
acarrete melhores taxas de fixação e, consequentemente, gens mesodérmicas, incluindo osteoblastos, adipócitos
melhores resultados, existe um limite após o qual maior e condrócitos. Embora haja relatos de que as células-
número de células não resulta em qualquer benefício. tronco mesenquimais podem se diferenciar em linha-
Como exemplo, em um modelo de isquemia cerebral gens endodérmica (células hepatócito-like) e ectodérmica
em ratos, houve significativa melhora dos resultados (neurônios e células neurogliais), há discussões con-
quando foram injetadas doses de 1 x 106 células, ao troversas.30 Inicialmente, acreditava-se que o principal
passo que quando esse número foi aumentado para mecanismo de ação das células-tronco mesenquimais
3 x 106 células não houve qualquer melhoria. Os es- no miocárdio seria por meio dessa propriedade de
tudos que tentaram aperfeiçoar a administração das diferenciação. Diversos estudos chegaram a demons-
células-tronco mesenquimais em termos de número e trar esse fenômeno, tanto in vitro como in vivo.31,32
tempo de infusão concluíram que maior número de Entretanto, estudos mais recentes33,34 provaram que,
células e infusão precoce, logo após o insulto isquêmico, na realidade, a diferenciação das células-tronco mesen-
resultam em maiores índices de fixação, porém não foi quimais injetadas é um evento raro, ocorrendo em
possível detectar qualquer benefício em termos de pequena proporção (apenas 0,07% das células-tronco
resultados finais.23 mesenquimais gera cardiomiócitos in vitro ). Essa
O meio de administração das células-tronco me- constatação indica que as células-tronco mesenquimais
senquimais também pode influenciar o caminho que não são capazes de gerar cardiomiócitos em quanti-
essas células percorrem até atingir o órgão-alvo. A admi- dade suficiente para reparar o miocárdio lesado ape-
nistração pode ser intravenosa, intraperitoneal, intra- nas por meio desse mecanismo.
arterial ou intracardíaca. A via intravenosa é, certamente,
a menos invasiva, porém as vias intra-arterial e intra- EFEITO PARÁCRINO
cardíaca proporcionaram melhores índices de fixação
As células-tronco mesenquimais secretam uma varie-
em certos modelos de infarto agudo do miocárdio.24,25
dade de citocinas e fatores de crescimento que pos-
As injeções intra-arterial e intracardíaca também po-
suem atividade tanto parácrina como autócrina. Acredita-
dem resultar em menor acúmulo de células-tronco mesen-
quimais no interior dos órgãos que atuam como fil- se que essa propriedade seja de fundamental importân-
tros, tais como pulmão, fígado e baço (fato geralmente cia para a explicação dos efeitos terapêuticos obser-
observado após a infusão venosa), resultando em maior vados com essas células. Esses fatores secretados pelas
disponibilidade de células para os sítios de isquemia.24 células-tronco mesenquimais exercem ação antiapop-
Uma dúvida ainda não esclarecida refere-se à possível tótica, pró-angiogênica e efeito reparador endógeno.29
ocorrência de oclusões microvasculares após injeção Além disso, a isquemia aumenta a produção de diver-
intra-arterial das células-tronco mesenquimais. Embo- sos fatores. A concentração tecidual de proteínas, tais
ra esse fenômeno tenha sido descrito previamente26, o como fator de crescimento vascular endotelial, fator
clássico trabalho de Chen et al.27, publicado em 2004, de crescimento de fibroblasto básico, fator de crescimen-
não demonstrou tal efeito adverso, apesar da infusão to dos hepatócitos, fator de crescimento insulina-like I
de grande número de células. e adrenomedulina, encontra-se em níveis significativa-
mente maiores em tecido cardíaco isquêmico tratado
A via intra-arterial foi descrita por Katritsis et al.28. Para com células-tronco mesenquimais.35,36
o procedimento, a artéria coronária esquerda era ca-
teterizada e posicionado um balão over-the-wire no Tais fatores podem influenciar as células adjacen-
stent, insuflado a 6 atm por 2 minutos. Durante esse tes e exercer seus efeitos por meio de diversos mecanis-
período, 1,5 ml de células em suspensão, contendo mos, sendo a proteção miocárdica e a neovasculari-
1-2 x 106 células, era infundido distalmente ao balão zação os dois mais estudados. Além disso, os proces-
através de seu lúmen central. Esse procedimento era sos inflamatórios e de fibrose que ocorrem no período
repetido 3 minutos após a desinsuflação do balão e pós-infarto, o metabolismo cardíaco, a contratilidade
restauração do fluxo coronário. cardíaca e a regeneração cardíaca endógena também
podem sofrer influência positiva dos efeitos parácrinos
MECANISMOS DE REPARO MIOCÁRDICO desses fatores. Acredita-se que esses mediadores sejam
expressos e liberados temporalmente, de modo que
Existem três mecanismos já estabelecidos através eles exerçam diferentes efeitos dependendo do microam-
dos quais as células-tronco mesenquimais atuam no biente existente após a injúria isquêmica. Além disso,
reparo miocárdico: regeneração dos cardiomiócitos, tais fatores também podem apresentar ações autócrinas
vasculogênese e efeito parácrino.29 na biologia das próprias células-tronco.37
347
que aumentam a taxa de sobrevivência dos cardio- tiveram origem em estudos que testaram as células-tron-
miócitos. Gnecchi et al.38 demonstraram que as células- co mesenquimais no tratamento da cardiomiopatia de
tronco mesenquimais exercem ação citoprotetora dire- etiologia não-isquêmica. Nagaya et al. 36 injetaram cé-
ta sobre os cardiomiócitos isquêmicos e, além disso, lulas-tronco mesenquimais no miocárdio de ratos que
os meios de cultura condicionados para hipóxia são apresentavam cardiomiopatia dilatada secundária a
capazes de reduzir a apoptose e a necrose de cardio- miocardite experimental. Quando comparados ao gru-
miócitos de ratos expostos a baixas tensões de oxigê- po controle, aqueles que receberam células-tronco mesen-
nio. Nesse mesmo estudo, os autores demonstraram quimais apresentaram considerável melhora da densida-
que o efeito citoprotetor pode ser potencializado nas de capilar e redução da deposição de colágeno no
células-tronco mesenquimais que superexpressaram o miocárdio, resultando em decréscimo da pressão dias-
gene Akt-1 (Akt-CTMs) in vitro. Esses dados comprova- tólica final e aumento do dP/dt máximo do ventrículo
ram que as células-tronco mesenquimais exercem seu esquerdo.
efeito protetor no miocárdio pela liberação de fatores
parácrinos e que a ativação da via de Akt potencializa Contratilidade
a produção e a liberação desses fatores. Algumas evidências sugerem que as células-tron-
co mesenquimais exercem efeito positivo na contrati-
Neovascularização
lidade cardíaca. Como exemplo, pode-se analisar a
Outro importante processo biológico positivamente melhora funcional observada no miocárdio de ratos
influenciado pelas células-tronco mesenquimais por submetidos a injeção de Akt-CTMs. Nesses animais,
meio de seus efeitos parácrinos é a neovascularização. tal efeito benéfico poderia ter sido consequência do
Apesar do conceito de que as células-tronco mesen- efeito miocárdico protetor das células-tronco mesen-
quimais são incorporadas pelas estruturas vasculares, quimais, levando à limitação do tamanho do infarto e/ou
diversos estudos sugeriram que apenas uma pequena da ação direta de fatores inotrópicos liberados por
porção desses vasos possuía células do doador. O essas células. Estudos preliminares em cardiomiócitos
processo molecular que leva à angiogênese e à arterio- isolados de ratos adultos expostos a diferentes concen-
gênese envolve mediadores como óxido nítrico, fator trações de células-tronco mesenquimais e Akt-CTMs
de crescimento vascular endotelial, fator de crescimento parecem confirmar que as células-tronco mesenquimais
de fibroblasto básico, fator de crescimento dos hepa- são capazes de liberar fatores que atuam positivamen-
tócitos e angiopoietina, entre outros. A ação desses te na modulação da contratilidade celular.41
mediadores provoca migração e proliferação das célu-
las endoteliais e das células musculares lisas vasculares, Regeneração cardíaca
aumento e maturação dos vasos, e síntese de matriz Tem sido proposto que as células-tronco mesen-
extracelular. Dessa maneira, as células-tronco mesen- quimais, quando injetadas no miocárdio isquêmico,
quimais atuariam na promoção da densidade capilar apresentam a propriedade de se proliferar e transdife-
e no desenvolvimento de vasos colaterais observados renciar em cardiomiócitos ou então fundir-se com os
em tecidos isquêmicos de animais submetidos a sua cardiomiócitos nativos a fim de regenerar o miocárdio
infusão. perdido. A partir desse conceito, surgiu a hipótese de
que o transplante de células-tronco mesenquimais exó-
Remodelamento cardíaco
genas poderia ativar as células-tronco cardíacas e/ou
Além da citoproteção e da neovascularização, os estimular a replicação dos cardiomiócitos por meio de
fatores parácrinos liberados pelas células-tronco me- efeitos parácrinos, permitindo assim a regeneração car-
senquimais podem alterar a matriz extracelular, resultan- díaca endógena. Tal hipótese torna-se concebível a
do em efeitos favoráveis no remodelamento pós-infarto. partir da demonstração de que alguns fatores libera-
Já foi demonstrado que a injeção direta de células- dos pelas células-tronco mesenquimais podem melhorar
tronco mesenquimais em corações isquêmicos de ratos a proliferação, a mobilização, a diferenciação, a so-
promoveu decréscimo da fibrose, apoptose e dilata- brevivência e o funcionamento dos progenitores car-
ção ventricular esquerda, além de aumentar a espessura díacos endógenos. Até o momento, não existem estu-
miocárdica. Tais efeitos resultam na preservação das dos avaliando os efeitos das células-tronco mesenqui-
funções sistólica e diastólica do coração sem evidên- mais transplantadas sobre tais progenitores, porém exis-
cias de regeneração miocárdica.39 Além disso, as célu- tem evidências sugerindo tais efeitos. Foi demonstrado
las-tronco mesenquimais expressam algumas molécu- que a administração intramiocárdica de fator de cresci-
las envolvidas na biogênese da matriz extracelular, mento dos hepatócitos e fator de crescimento insuli-
tais como colagenases, metaloproteinases, serina-pro- na-like I na borda do infarto induz migração, prolifera-
teases e inibidores da serina-protease, sugerindo que ção e diferenciação das células-tronco cardíacas.42 Uma
as células-tronco mesenquimais transplantadas podem vez que as células-tronco mesenquimais liberam tanto
inibir a fibrose por meio de efeitos parácrinos.40 Dados fator de crescimento dos hepatócitos quanto fator de
que corroboram o efeito antirremodelamento exercido crescimento insulina-like I em situações de isquemia,
pelas células-tronco mesenquimais por via parácrina pode-se aventar a hipótese de que as células-tronco
348
mesenquimais injetadas em corações isquêmicos pos- Outro estudo pré-clínico, também desenvolvido em
sam atrair e ativar as células-tronco cardíacas residentes. laboratório nacional49, avaliou a morfologia e o fun-
cionamento cardíacos assim como as alterações histo-
REGENERAÇÃO DOS VASOS SANGUÍNEOS lógicas induzidas por células-tronco da medula óssea
e células-tronco mesenquimais injetadas no miocárdio
Diversas evidências indicam que as células-tron- de ratos hipertensos. Depois de 24 horas da indução
co mesenquimais são capazes de estabilizar a forma- de isquemia, os animais foram tratados com a infusão
ção de vasos sanguíneos e aumentar a angiogênese de um de três meios (normal ou controle, células-tron-
após a ocorrência da injúria cardíaca43,44 tanto in vitro co mesenquimais ou célula de medula óssea). Após 30
como in vivo.45 Existe estreita relação entre as células- dias, o ecocardiograma e a análise histológica revela-
tronco mesenquimais e a vasculatura, inclusive já ten- ram que aqueles tratados com células-tronco mesen-
do sido demonstrado que essas células residem na quimais apresentavam melhora da fração de ejeção do
zona perivascular da medula óssea.46 Essa proximidade ventrículo esquerdo e redução da área do ventrículo
física entre as células-tronco mesenquimais e o sítio esquerdo infartada.
perivascular possui papel crítico no turnover celular e
no reparo de órgãos. Uma vez sofrida injúria, essas Em relação ao possível processo de integração das
células seriam ativadas a partir do sítio perivascular, células transplantadas no tecido hospedeiro e posterior
proliferariam e secretariam fatores tróficos que atuariam transdiferenciação, estudos pré-clínicos apresentaram
no reparo tecidual. Os pericitos (células indiferenciadas resultados discrepantes. Os achados em relação à re-
presentes na parede vascular) são células do tipo dução do tamanho do infarto variaram entre pouco
mesenquimal que surgem como possível fonte in vivo significativos50 e bastante representativos51. Em um mo-
de células-tronco mesenquimais terapêuticas. delo de insuficiência cardíaca crônica induzida por
doxorrubicina em coelhos52, os pesquisadores demons-
ESTUDOS PRÉ-CLÍNICOS traram os efeitos das células-tronco mesenquimais em
reduzir a fibrose miocárdica, em aumentar a ação das
Os estudos pré-clínicos com células-tronco me- metaloproteinases 1 e 2, e em diminuir a atividade dos
senquimais tiveram como principal objetivo avaliar inibidores teciduais.
seus efeitos na função miocárdica e identificar como
essas células exerciam tais efeitos. Certamente, os prin- Ainda que efeitos imunossupressores e imunomo-
cipais itens avaliados foram o destino das células- duladores tenham sido atribuídos às células-tronco
tronco mesenquimais transplantadas, sua complexa inte- mesenquimais, os estudos pré-clínicos não obtiveram
ração com o tecido do hospedeiro e eventuais efeitos bons resultados ao avaliar o efeito do transplante dessas
adversos indesejados. células em modelos de miocardite. No estudo mais
representativo, Ohnishi et al.53 relataram efeitos positi-
Diversos estudos foram realizados em animais de vos da injeção intravenosa de células-tronco mesen-
pequeno e de grande portes. Um estudo recente 47 quimais após a indução de miocardite em ratos. Tais
utilizando modelo de porco demonstrou que 8 sema- benefícios foram secundários à redução do número
nas após a infusão intramiocárdica de células-tronco de células inflamatórias CD68+ e menor expressão da
mesenquimais houve ganho significativo da função proteína-1 quimiotática de monócitos, que resultaram
ventricular esquerda. Os pesquisadores observaram em melhora da função cardíaca.
que, logo na primeira semana após o transplante, os
animais apresentaram melhora do fluxo sanguíneo mio- Também foi postulado que as células-tronco me-
cárdico durante a diástole, o que foi diretamente cor- senquimais possuem efeito preventivo na ocorrência
relacionado ao aumento do tamanho dos vasos san- de rejeição crônica pós-transplante cardíaco, por meio
guíneos do grupo tratado com células-tronco mesen- da supressão de células T-CD4+.54
quimais. Tais achados indicaram a ocorrência do pro- Estudos de segurança em animais de grande porte
cesso de neovascularização como consequência de avaliando possíveis efeitos adversos dose-dependente
significativa cardiomiogênese, compatível, assim, com das células-tronco mesenquimais não revelaram qual-
a hipótese da secreção de fatores por essas células. quer ocorrência até o momento.55 O uso off the shelf
As células-tronco mesenquimais também foram tes- das células-tronco mesenquimais alogênicas em um
tadas quanto a possível aplicação terapêutica na car- estudo de segurança em suínos com altas doses repetidas
de células-tronco mesenquimais (até 800 x 106 célu-
diomiopatia chagásica. Em estudo conduzido por Gua-
las-tronco mesenquimais) não revelou qualquer efeito
rita-Souza et al.48, 11 ratos submetidos a um modelo
adverso quanto a arritmia ventricular, anafilaxia ou
experimental de cardiomiopatia dilatada causada pela
aumento significativo de enzimas cardíacas. Além dis-
doença de Chagas receberam a infusão conjunta de mio-
so, a avaliação histopatológica a longo prazo não
blastos e células-tronco mesenquimais autólogas. Quan-
evidenciou rejeição, calcificação, tumorigênese ou
do comparados com o grupo-controle, 4 semanas após
infarto miocárdico.
a infusão, esses animais demonstraram melhora da fração
de ejeção do ventrículo esquerdo e redução dos diâme- A partir do conjunto desses resultados pré-clíni-
tros sistólico e diastólico finais do ventrículo esquerdo. cos foram desenvolvidas estratégias promissoras quanto
349
ao uso clínico das células-tronco mesenquimais, não mente submetidos a cateterismo e angioplastia com stent
só para situações de isquemia miocárdica mas tam- da artéria descendente anterior), porém antes de se-
bém para outras afecções cardiovasculares. rem infundidas essas células foram analisadas. Essa
análise revelou que 66 + 19% das células cultivadas
ESTUDOS CLÍNICOS eram positivas para os biomarcadores das células-tronco
mesenquimais. Além disso, os autores selecionaram 5
A aplicação clínica das células-tronco teve início pacientes portadores de cardiodesfibrilador implantável
em 2002, época em que diversos trabalhos foram para avaliar possível efeito pró-arrítmico da terapia com
realizados com o objetivo de testar a segurança e a células-tronco mesenquimais. Após acompanhamento
eficácia das células mononuclares autólogas da medula
de 16-36 meses não houve qualquer evidência de
óssea no tratamento do infarto agudo do miocárdio.
arritmias nesses pacientes, podendo-se concluir que o
Como os resultados iniciais foram extremamente anima-
transplante de células-tronco mesenquimais não apa-
dores, houve grande interesse em tentar utilizar as
renta resultar em qualquer risco de arritmias para os
células-tronco mesenquimais como fonte para o
pacientes.
transplante. Entretanto, comparadas às células mononu-
clares autólogas da medula óssea, as quais são isola- Atualmente, existem três estudos fase-I-II em anda-
das diretamente da medula óssea, as células-tronco mento com o objetivo de avaliar o uso das células-
mesenquimais necessitam de determinado tempo em tronco mesenquimais em afecções cardiovasculares.
meio de cultura a fim de permitir seu isolamento e expan- Nesses estudos, serão estudados, no total, 140 pacientes
são até que um número adequado de células seja com infarto agudo do miocárdio na Europa e nos
atingido antes do transplante. Isso acarreta um sério Estados Unidos, e a publicação dos resultados será de
problema, uma vez que esse longo tempo de cultivo grande importância na validação ou não das células-
celular pode resultar em contaminação microbiana tronco mesenquimais como fonte para a terapia celular.
das células, levando à perda do preparo celular. Além
desse obstáculo, outra questão a ser citada é o diâme- CONSIDERAÇÕES FINAIS
tro médio das células-tronco mesenquimais. O diâme-
tro dessas células é muito maior que o das células Apesar de todas as aparentes vantagens das célu-
mononucleares autólogas da medula óssea (20 µm vs. las-tronco mesenquimais, algumas dúvidas e desafios
10-12 µm), o que representa grave problema quando permanecem no caminho para seu futuro uso na tera-
a via escolhida para injeção é a intra-arterial, já que pia celular. Talvez a preocupação mais consistente
as células podem provocar embolia e microinfarto coro- seja seu potencial em se diferenciar em outras linha-
nário. Em decorrência dos fatores citados, a aplicação gens mesenquimais, tais como osso e tecido adiposo.
clínica das células-tronco mesenquimais encontra-se, Há trabalhos demonstrando que as células-tronco me-
nos dias de hoje, restrita a pequenos e poucos estu- senquimais eram capazes de formar ossificação tanto
dos fase I-II. ectópica como heterotópica, assim como tumores de
tecido adiposo. Em trabalho recente56 foi possível observar
O primeiro estudo clínico utilizando células-tron- que, após a aplicação de células-tronco mesenquimais,
co mesenquimais foi realizado em 2004, na China, houve formação de estruturas encapsuladas, intramio-
por Chen et al. 27, que infundiram células-tronco me- cárdicas, contendo calcificações em seu interior.
senquimais autólogas por via intracoronária em pacien-
tes vítimas de infarto agudo do miocárdio. Nesse estu- No que se refere ao potencial de as células-tronco
do, 69 pacientes que haviam sido submetidos a an- mesenquimais se diferenciarem em adipócitos, ainda
gioplastia primária dentro de 12 horas após o diag- não há qualquer relato desse fenômeno em corações
nóstico do infarto agudo do miocárdio foram rando- humanos que receberam transplante dessas células.
mizados para receber infusão intracoronária de célu- Porém, diante de resultados obtidos em outros órgãos,
las-tronco mesenquimais ou solução salina. No oitavo essa é uma preocupação relevante e que deve ser
dia pós-intervenção, os pacientes receberam solução mais bem avaliada.
composta de 8-10 x 109 células/ml. Durante o seguimen-
Estratégias para prevenir a diferenciação intramio-
to, ficou evidente que os pacientes que receberam
cárdica das células-tronco mesenquimais injetadas em
células-tronco mesenquimais apresentaram redução do
tipos celulares não desejados, tais como osso, cartila-
porcentual de segmentos hipocinéticos, acinéticos ou
gem ou tecido adiposo, incluem o estímulo à diferencia-
discinéticos, além de melhora da fração de ejeção.
ção das células-tronco mesenquimais, ex vivo ou in-
Um segundo estudo de grande impacto clínico, situ, utilizando-se diversos fatores ou genes. Idealmente,
realizado na Grécia, em 200528, utilizou células-tron- esse estímulo das células melhoraria seu potencial
co mesenquimais cultivadas in vitro por 7 dias em terapêutico e, simultaneamente, limitaria sua diferencia-
meio de cultura com 10% de soro fetal de vitela sob ção em tecidos indesejáveis. Bartunek et al.57 demonstra-
boas condições laboratoriais. Nesse estudo, 1-2 x 106 ram que a estimulação ex vivo de células-tronco me-
células foram infundidas em 11 pacientes por via senquimais com fatores de crescimento antes da inje-
intracoronária (todos os pacientes haviam sido previa- ção em cachorros com infarto crônico provocou a expres-
350
são de genes cardiomiócito-específicos nas células- stromal cells: implications in transplantation. Transplantation.
tronco mesenquimais, assim como melhor desempe- 2003;75(3):389-97.
nho contrátil dos corações tratados com essas células, 6. Dominici M, Le Blanc K, Mueller I, Slaper-Cortenbach I,
Marini F, Krause D, et al. Minimal criteria for definig mul-
comparativamente àqueles que receberam células-tron-
tipotent mesenchymal stromal cells. The International Society
co mesenquimais sem estímulo prévio. Uma aborda- for Cellular Therapy position statement. Cytotherapy. 2006;
gem alternativa, objetivando-se a diferenciação dessas 8(4):315-7.
células, é a terapia gênica ex vivo. Já foi demonstrado 7. Zuk PA, Zhu M, Mizuno H, Huang J, Futrell JW, Katz AJ,
que a introdução da miocardina (um fator de transcri- et al. Multilineage cells from human adipose tissue: implications
ção miocardiogênico) nas células-tronco mesenquimais for cell-based therapies. Tissue Eng. 2001;7(2):211-28.
provocou a expressão de um amplo painel de genes, 8. Bieback K, Kern S, Kluter H, Eichler H. Critical parameters
resultando no surgimento de células com fenótipo for the isolation of mesenchymal stem cells from umbilical
parcial de cardiomiócitos.58 cord blood. Stem Cells. 2004;22(4):625-34.
9. Kuznetsov SA, Mankani MH, Gronthos S, Satomura K, Bianco
Outra preocupação relacionada às células-tronco P, Robey PG. Circulating skeletal stem cells. J Cell Biol.
mesenquimais é quanto à instabilidade genética e ao 2001;153(5):1133-40.
potencial de transformação maligna. Um recente estu- 10. Jiang Y, Vaessen B, Lenvik T, Blackstad M, Reyes M, Verfaillie
do avaliou a estabilidade genética de amostras de cé- CM. Multipotent progenitor cells can be isolated from pos-
tnatal murine bone marrow, muscle, and brain. Exp Hematol.
lulas-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo
2002;30(8):896-904.
humano e que foram mantidas em cultura in vitro por
11. Bianco P, Robey PG, Simmons PJ. Mesenchymal stem cells:
tempo prolongado.59 Após período de expansão de 4-5 revisiting history, concepts, and assays. Cell Stem Cell. 2008;
meses, todas as amostras cultivadas apresentaram anor- 2(4):313-9.
malidades cromossomiais generalizadas, assim como 12. Kern S, Eichler H, Stoeve J, Kluter H, Bieback K. Comparative
um fenótipo modificado e mudanças na morfologia. analysis of mesenchymal stem cells from bone marrow,
Além disso, tais células passaram a apresentar múlti- umbilical cord blood, or adipose tissue. Stem Cells. 2006;
plas anormalidades no cariótipo, incluindo trissomias, 24(5):1294-301.
tetraploidias e rearranjos cromossomiais. Quando inje- 13. Wagner W, Roderburg C, Wein F, Diehlmann A, Frankhauser
tadas em modelos de ratos imunodeficientes, tais célu- M, Schubert R, et al. Molecular and secretory profiles of
human mesenchymal stromal cells and their abilities to
las provocaram a formação de tumores em quase todos
maintain primitive hematopoietic progenitors. Stem Cells.
os órgãos desses animais. Isso nos leva a concluir que
2007;25(10):2638-47.
as células-tronco mesenquimais podem ser manejadas
14. Sabatini F, Petecchia L, Tavian M, Jodon de Villeroche V,
em cultura, com segurança, por um período de 6-8 Rossi GA, Brouty-Boye D. Human bronchial fibroblasts exhi-
semanas, porém se mantidas por um período maior bit a mesenchymal stem cell phenotype and multilineage
podem passar por transformações deletérias differentiating potentialities. Lab Invest. 2005;85(8):962-71.
15. Bartholomew A, Sturgeon C, Siatskas M, Ferrer K, McIntosh K,
Certamente, em futuro próximo, essas questões Patil S, et al. Mesenchymal stem cells suppress lymphocyte
serão abordadas em estudos clínicos e poderão defi- proliferation in vitro and prolong skin graft survival in vivo.
nir melhor o papel que as células mesenquimais de- Exp Hematol. 2002;30(1):42-8.
sempenharão na terapia de afecções diversas, incluin- 16. Nauta AJ, Westerhuis G, Kruisselbrink AB, Lurvink EG,
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