A Biblia Esclarece

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A BÍBLIA

ESCLARECE
IR. ROSANA PULGA, FSP

A BÍBLIA
ESCLARECE
1a edição – 2020

Direção-geral: Flávia Reginatto


Editores responsáveis: Vera Ivanise Bombonatto e Matthias Grenzer
Copidesque: Ana Cecilia Mari
Revisão: Sandra Sinzato
Gerente de produção: Felício Calegaro Neto
Projeto gráfico: Tiago Filu
Diagramação: Jéssica Diniz Souza

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Apresentação

Amigo, amiga!
Paulinas, pensando em você, vem ao seu encontro
neste Mês da Bíblia para encantá-lo com a Palavra de
Deus.
Oferecemos gentilmente a você que nos visita um
texto esclarecendo os primeiros capítulos do livro do
Gênesis, que sempre despertam muita curiosidade, mas
também geram interpretações distorcidas. Esperamos
ajudá-lo a entrar no âmago das palavras simbólicas e
significativas.
Faça bom proveito! Esperamos que A BÍBLIA ES-
CLARECE seja útil a você.

IRMÃ ROSANA PULGA

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O
s primeiros capítulos da Bíblia, de 1 a 11, tra-
zem narrativas muito bonitas e provocadoras.
Adoramos lê-las, mas são muito difíceis de
compreender. Não podemos fazer delas uma leitura fria,
fundamentalista, literalista ou, como se diz popularmen-
te, “ao pé da letra”. Os autores dessas narrativas utiliza-
ram um gênero literário que chamamos mitológico, ou
seja, criaram “personagens” para poder explicar aquilo
que era muito difícil, nos ajudando a entender melhor
o que a ciência daquela época, a filosofia e a teologia
também não eram capazes de tornar claro, por não terem
elementos suficientes. Entretanto, ninguém pode negar
que um Ser superior, uma inteligência e uma vontade di-
vina foi o autor de toda a criação cósmica. Chamemo-lo
de Deus, de Ser Infinito, de Presença Criadora, ou com
outro nome, segundo a cultura de cada povo; porém,
é sempre o mesmo YAHWEH – “EU SOU”, “EU É”,
“EU ESTOU”, “EU ESTAREI sempre contigo”.

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Quantas vezes você já se perguntou: será que Adão e
Eva existiram mesmo? E essa história de pecado original
que ambos cometeram por terem comido uma maçã? E
a serpente que fala? Isso é verdade ou é fake? Depois, há
Caim matando Abel! E de quem eram filhos, se a Bíblia
não os nomeia filhos de Adão e Eva? E tem mais: a Torre
de Babel; a travessia do mar Vermelho; Nicodemos que
pensa ser necessário entrar no útero de sua mãe para
nascer de novo; e Jesus que fala que é preciso dar a Deus
o que é de Deus e a César o que é de César... Quem
responde a isso, então?
A Bíblia não tem nenhuma resposta pronta. Ela quer
alertar você. Ela é um livro falante! Você não sabia? É
verdade! E para que a Bíblia possa falar com você é pre-
ciso lhe fazer muitas perguntas. E você deve perguntar
diretamente a ela, muitas vezes, a mesma questão.
– Ah! É verdade que a Bíblia fala em línguas?
– Sim! É verdade. Veja bem, ela foi escrita em três
idiomas, hebraico, grego e também um pouco em ara-
maico; então, fala essas três línguas.
– Mas como posso entendê-la, se não conheço essas
línguas?

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– Aí é que está a questão! Você necessita de esclare-
cimentos e precisa buscá-los.
Portanto, vamos procurar dar alguns esclarecimen-
tos, certos de que não esgotaremos o assunto; porém,
abriremos uma janela para que você possa ler um pouco
por trás das palavras e assim, compreendendo melhor,
consiga, antes de tudo, “viver a palavra como Palavra
de vida, de salvação”.
– Qual o significado das palavras Adão e Eva, que
dominam a narrativa da criação?
– Primeiramente, é bom saber que temos duas
narrativas da criação. Uma delas é a de Gênesis 2,4b a
25 – O jardim do Éden. Foi escrita antes do cativeiro
na Babilônia. Essa narrativa tenta esclarecer a origem
da criação diante das perguntas que os sábios do povo
se faziam: “Mas, afinal, quem somos, de onde viemos
e para onde vamos?”. Perguntas existenciais que toda
pessoa humana se faz, não é verdade? Então, a palavra
Éden tem origem na língua dos sumérios e significa
“pomar, jardim, lugar aprazível”; portanto, Deus, criador
de todas as coisas, colocou o ser humano num lugar
bom para viver. Já a palavra Adão, do hebraico Adam,
significa “homem” e está intimamente relacionada a

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outra palavra hebraica, adamah, que quer dizer “terra
avermelhada, barro, argila”, fazendo referência ao tipo
de solo que existia na região da Palestina. Eva (mulher),
por sua vez, da raiz hebraica hawwá, significa “a que
vive, a vivente, o sopro”. Costela, em hebraico, “lado”,
sono: “não vi”.
Adão, portanto, é um “punhado de barro” nas mãos
de Deus. Deus é seu criador, do barro veio e ao barro
há de retornar. Contudo, Eva significa a vida, o sopro,
a ruah de Deus. Então Deus tirou o homem do barro,
da terra, da argila e soprou nele a vida, dando-lhe, com
sua ruah, um sopro de vida imortal. Morre o barro – a
vida humana –, mas não a vida divina que soprou nele,
tirando-a do seu próprio sopro, do seu próprio espírito.
Costela “lado”; sono profundo: “não vi”. Logo, a vida é
um mistério profundo guardado no segredo de Deus;
porém, homem e mulher são, em princípio vital, iguais.
O homem é o “macho” de sua espécie e a mulher, a
“fêmea” de sua espécie. Sendo assim, o homem nunca
deve pisar na mulher, subjugando-a ou desprezando-a,
nem a mulher sobrepor-se ou inferiorizar o homem.
Deus os criou para que andem juntos, lado a lado, a
fim de que construam e defendam a vida, a qual, na
sua essência, é divina.

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E Deus teve cuidado com essa vida e a colocou num
jardim, num pomar regado por grandes rios – o Tigre
e o Eufrates – na região da Mesopotâmia, onde o povo
“escolhido”, os israelitas, tribos pobres e nômades, fize-
ram sua experiência de pobreza, de exclusão, no período
do cativeiro na Babilônia (cf. Gn 2,6-15). Se Deus cuida
da vida, o homem e a mulher, à imagem e à semelhança
de Deus, devem, por sua vez, cuidar um do outro e da
vida de toda a criação.
Vamos tentar entender algumas palavras-chave que
estão nessas narrativas:
a) Maçã: apesar de essa palavra, na interpretação
popular e fundamentalista, figurativamente dar
nome ao fruto da árvore do jardim do Éden de
que Adão e Eva comeram, ela nunca aparece de
fato na narrativa.
b) “Então o homem exclamou: ‘Esta é a carne da
minha carne e osso dos meus ossos. Ela se cha-
mará mulher, porque Deus a tirou do homem’”
(Gn 2,23). Em primeiro lugar, além de confirmar
o que foi dito acima, os estudiosos dizem que essa
poderia ter sido a primeira fórmula da aliança ma-
trimonial feita entre o casal, uma aliança como a

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que Deus fez com Moisés. “Eles serão meu povo e
eu serei teu Deus” (Jr 32,38). Assim seremos um.
c) O pecado original: original pode significar o
primeiro pecado que deu origem aos demais que
vieram depois; como também pode significar a
origem frágil do ser humano feito de barro, de
terra, de argila. Os estudiosos dizem que está na
nossa origem humana ser frágeis e fracos, ceden-
do às tentações que nos afastam de Deus e de
nós mesmos. Também podemos transmitir por
“genes” essa fraqueza de buscar, por ganância, o
afastamento de Deus e dos irmãos e irmãs que
fazem a história conosco.
d) Serpente: por ser um animal bonito, esperto e as-
tutamente traiçoeiro, ela simboliza a tentação para
o mal. Na época, o povo de Israel, vivendo entre
tribos que cultuavam diferentes deuses, “baais”,
estava descobrindo um Deus único, Senhor e
Criador de todas as coisas; era o rudimento da
“revelação” do Deus Um, que se revelou ao líder
Moisés. Portanto, havia a frequente tentação de
voltar atrás, seguindo a religião dos “baais”, a qual
era atraente e cheia de orgias. Por isso, muitas nar-

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rativas falam do “castigo” imposto por Deus, em
razão da desobediência à aliança feita de comum
acordo entre Deus e Moisés, no monte Horeb ou
Sinai, e depois, mais tarde, com todo o povo.
e) Castigo: o ser humano sente remorso, se vê nu
diante de suas opções. A consciência (onde mora o
sopro divino) pergunta: “Por acaso você fez algum
mal?” “Você voltou aos ‘baais’?” “Você quebrou
nossa aliança, desobedecendo-a?”. O ser humano
custa a aceitar seus fracassos, seus limites, e em-
purra a culpa para frente, geralmente sobre outras
pessoas, e aí nasce a injustiça, a maldade, a conde-
nação. Sendo assim, o humano considera castigo
de Deus a sua condição humana: o sofrimento,
ter de ganhar o pão com suor; sua fragilidade,
inerente ao barro; e também as consequências de
suas escolhas. Só Jesus de Nazaré, que trabalhou,
sofreu e morreu gratuitamente por todos nós, é
que vai dar sentido ao sofrimento, seja qual for
e de onde vier. Lembremos continuamente que
Jesus é o centro de toda a Bíblia. Assim ficará
mais fácil a compreensão dela.

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f) Caim e Abel: Caim significa “aquele que malha
o ferro”, “o construtor de cidades”, “o que tem
morada fixa”. Abel significa “sopro frágil”, “aquele
que pastoreia as ovelhas e as leva aonde há pas-
tagem e água mais propícia. Que bela narrativa
para descrever a luta entre as tribos: aquela dos
agricultores que já conheciam o arado e, portanto,
tinham vida estável e construíam vilas e cidades
– representados por Caim, o forte, o dominador
– contra os pastores, pobres e nômades, indo à
procura dos melhores lugares para seus rebanhos
– representados por Abel, o fraco, o dominado.
É o forte dominando o fraco! Não será essa uma
grande desobediência à Lei de Deus, a qual Jesus
resume claramente em: “Amarás o Senhor, teu
Deus, de todo o teu coração, com toda a tua
alma e com toda a tua mente [...] e a teu próximo
como a ti mesmo” (Mt 22,37-39); “Portanto, tudo
aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei
vós a eles” (Mt 7,12).
g) Torre de Babel: A palavra Babel, de origem he-
braica, significa “confusão”. A história da Torre
de Babel é uma narrativa bíblica que diz respeito

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à comunicação entre os povos. O povo de Israel
viveu entre outras tribos em que cada uma tinha
a própria língua, e provavelmente no período da
unificação das tribos aconteceu esse fenômeno
da confusão entre elas. A torre pode também
significar o orgulho humano que se eleva e traz
consigo o mal-estar, a “confusão” e a injustiça
social. Pode ainda querer pedir que cuidemos dos
ruídos na comunicação. Hoje, quanta “confusão”
causam as fake news ou, num bom português, os
“boatos”.
– Quanto à outra narrativa da criação, apesar de
aparecer primeiro no Gênesis (Gn 1,1–2,4a), na realida-
de é a segunda, pois foi escrita bem mais tarde, depois
da volta do povo de Israel do cativeiro ou do exílio na
Babilônia. Como assim? É que o povo da Bíblia, nesse
período, ao recordar tudo o que haviam vivido na Babi-
lônia, sobretudo no meio de tantas divindades ou baais,
faz sua descrição de como o Deus Um e Único, que se
revelou a Moisés, é o criador verdadeiro de todas as coisas
que estão no céu e na terra. De certa forma, ele deu a
essa narrativa um caráter debochado. Por exemplo, as
grandes divindades babilônicas – o sol, a lua, as estrelas

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– são obras do Deus Um e Único, que as pendurou no
céu para que presidissem o dia e a noite. E agiu assim
também com tudo que se move e vive sobre a terra,
pois, do mesmo modo, é obra dele. Eles usam ainda a
numerologia bíblica: o “seis” para indicar a imperfeição
e o “sete” para indicar a perfeição, a plenitude. Por cinco
vezes, Deus viu e disse que era “bom” o que havia feito,
mas, na sexta vez, na criação do ser humano – homem
e mulher –, Deus viu que o que havia feito era “muito
bom”, porém, não era ainda a perfeição absoluta. Daí,
no sétimo dia, Deus descansa de toda sua obra. O des-
canso não existia entre os babilônios. Mas o povo da
Bíblia reconhece que o sétimo dia seria o da perfeição, o
da totalidade da obra de Deus Criador; portanto, nesse
dia deveria descansar e oferecer ao seu Deus, Senhor e
Criador de todas as coisas, as suas oferendas de louvor;
nada se faria nesse dia em favor próprio, mas tudo em
relação ao culto prestado ao Senhor e Criador de todas
as coisas.
No Novo Testamento, os cristãos reconhecem que
a ressurreição de Jesus não se dá no sétimo dia, mas no
oitavo. Então, os cristãos das primeiras comunidades
fazem a releitura e dizem: “Jesus ressuscita no primeiro

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dia”, na “primeira feira”, e passam a reconhecer esse dia
como Dies Domine, “Dia do Senhor da Nova Criação”,
da perfeição absoluta, em que o Filho desse Deus Senhor
e Criador ressuscita da escuridão da morte e, glorioso, vol-
ta para junto do Pai. Ele é o Sol da Justiça, o Príncipe da
Paz, o Primeiro (o Alfa, primeira letra do alfabeto grego)
e o Último (o Ômega, última letra do alfabeto grego).
Portanto, esse é o dia da “perfeição absoluta”, começo
e fim de toda a criação. É por isso que o cristianismo
adota o domingo, o oitavo dia, ou seja, o primeiro dia
da semana, a “primeira feira”, como dia do seu descanso,
a fim de ter tempo para agradecer e glorificar a Deus,
que se revelou tal qual é em seu Filho Jesus Cristo Res-
suscitado. Para o cristão observante e temente a Deus,
o domingo é sagrado, é o dia de descansar, de ficar com
sua família, de dedicar-se ao culto de Deus e ao amor
ao próximo, como fez Jesus de Nazaré.
Jesus também usa metáforas, por exemplo, quando
diz a Nicodemos, mestre da Lei em Israel, que é preciso
“nascer de novo”. Nicodemos pensa como poderá, sendo
homem feito, entrar outra vez no útero de sua mãe! Mas
Jesus está falando de um novo útero, o da Lei do Amor
de Deus. Imagino que Jesus deve ter dado uma boa ri-

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sada diante da pergunta de Nicodemos, pois responde:
“Tu és mestre em Israel e não sabes isso?” (Jo 3,10). O
mesmo acontece quando lhe apresentam a moeda dos
impostos. Jesus pergunta: “De quem são esta imagem
e a inscrição?”. Seus interlocutores respondem: “De
César”. Jesus retruca: “devolvei, portanto, a César o que
é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21). Ou
seja, paguem o imposto devido ao império, mas que o
imperador o devolva em benefícios ao povo, pois o povo
pertence a Deus, jamais poderá ser escravo de César.
Jesus, que é o centro de toda a Bíblia, pode ser visto
por nós no Antigo Testamento como o Deus das pro-
messas, como o prometido. No Novo Testamento, por
sua vez, é o Deus da realização das promessas. Assim, as
primeiras comunidades cristãs e, sobretudo, as comuni-
dades dos evangelhos releem o Antigo Testamento sob
a chave de Jesus de Nazaré, Filho de Deus encarnado.
Feito homem, trabalhou, rezou, viveu, sofreu e morreu
rejeitado numa cruz, mas cumprindo o que o Pai lhe
havia pedido: o resgate de toda a humanidade e de toda
sua obra criadora. Jesus, o “resgatador” – Go’el, em he-
braico –, cumpriu a vontade do Pai ao aceitar livremente
a morte de cruz e ao ressuscitar glorioso, levando consigo

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toda a criação. No dizer de Teilhard de Chardin, ele é o
Alfa (A) e o Ômega (Z), o resgatador de toda a criação
visível e invisível, que, com sua ressurreição, iniciou a
atração de todas as coisas para Deus. São Paulo declara
aos romanos: “Toda a criação geme e agoniza [...] aguar-
dando ansiosamente a adoção filial, a liberdade de nosso
corpo” (Rm 8,22-23). Essa libertação se dará quando,
todos, em Cristo, estiverem em Deus.

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Paulinas, pensando em você, vem ao seu encontro neste
Mês da Bíblia para encantá-lo com a Palavra de Deus.
Oferecemos aqui um texto esclarecendo os primeiros ca-
pítulos do livro do Gênesis, que sempre despertam muita
curiosidade, mas também geram interpretações distorcidas.
Esperamos ajudá-lo a entrar no âmago das palavras simbóli-
cas e significativas.
Faça bom proveito! Esperamos que A BÍBLIA ESCLA-
RECE seja útil a você.

IR. ROSANA PULGA, FSP


Filósofa, teóloga, pastoralista e fundadora do SAB – Serviços
de Animação Bíblica. Leia também da mesma autora: Beabá
da Bíblia e Ler e compreender a Bíblia, ambos de Paulinas
Editora.

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