Um Sujeito para A Transformação Social - Introdução À Psicanálise Proletária - Alysson Mascaro
Um Sujeito para A Transformação Social - Introdução À Psicanálise Proletária - Alysson Mascaro
Um Sujeito para A Transformação Social - Introdução À Psicanálise Proletária - Alysson Mascaro
Então, bom dia, pessoal! Meu nome é Clarice, sou psicanalista, coordenadora da
Escola Tamí de Formação Popular. Junto com meus camaradas Luí Alberto Júnior e
Pedro Ambra, estou coordenando esse curso de introdução à psicanálise proletária,
que se encerra hoje, dia 2 de dezembro, com uma conferência aberta.
Então, foi uma primeira aposta. E boa! Eu fico muito feliz de ter compartilhado ela
aqui com tantos camaradas valorosos. Foi uma experiência muito importante. Veremos
nossos próximos passos. Então, também estou pedindo para seguir a Tamí nas redes.
Siga a gente nas redes sociais. No Instagram, temos outros cronogramas a serem
cumpridos, tanto na perspectiva política quanto na perspectiva da educação.
Sem mais delongas, quero apresentar nosso querido camarada de hoje, que é o
professor Alisson Mascaro. Ele é professor na Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, no Largo de São Francisco. Livre-docente em filosofia e teoria geral
do direito pela Universidade de São Paulo, Doutor em filosofia e teoria geral do
direito pela Universidade de São Paulo. É graduado em direito também pela USP,
advogado, professor emérito e implantador de cursos de graduação e pós-graduação em
direito em várias instituições no Brasil. Autor, dentre outros livros, de "Estado e
Forma Política", "Crise e Golpe" e "Crítica do Fascismo" pela Boitempo, e
"Filosofia do Direito: Introdução ao Estudo do Direito e Sociologia do Direito"
pela Editora Atlas.
O Alisson é um camarada muito querido, e acho que vocês sabem que quando a gente
fala camarada, a gente está falando de um outro laço social, que não é só esse laço
social da docência, que não é só esse laço social do afeto da amizade, mas é um
camarada com quem a gente compartilha horizontes revolucionários, horizontes
políticos de emancipação. Então, por isso, estou muito feliz e muito animada de
escutá-lo, porque sempre que eu o escuto, acho que reativa esse meu ímpeto
revolucionário, saio sempre muito engajada em fazer a revolução.
E o Alisson então vai falar com a gente hoje sobre um sujeito para transformação
social. Muito obrigada, Alisson. A palavra é toda sua, querida Clarice. Bom dia,
muito obrigado pelo convite. Bom dia a todas e todos. Uma alegria estar com todas e
todos vocês na escola Tamí. Tenho tido notícias, acompanhado o trabalho de todas e
todos. Para mim, é uma alegria ver tantas pessoas que, neste caso, neste curso, ou
são da psicanálise ou se aproximam da psicanálise e, ao mesmo tempo, da luta
política transformadora da sociedade. Então, ao ver a especial junção, inclusive, a
vida na nossa sociedade entre quem luta as lutas do inconsciente e quem luta as
lutas da sociedade da classe trabalhadora, eu aceitei esse convite da Clarice, do
Pedro Ambra, e com muita alegria vim aqui estar com vocês para refletir e
compartilhar sobre este sujeito da transformação social, este sujeito que somos nós
e com quais sujeitos lidamos em nossa luta política social.
Para mim, pensar o nosso tempo é poder avançar na compreensão científica do nosso
tempo, é fundamental na nossa esperança de que nós consigamos, junto com a
sociedade, transformar o mundo. Então, quero dar esse abraço a todas e todos e
quero começar esta reflexão dizendo que muito daquilo que me ocupa nos termos da
produção intelectual da filosofia, da tentativa de compreensão da política do nosso
tempo, não é entender aquilo que chamo de factualidade das nossas eh dos nossos
acontecimentos e dos eventos sociais, mas, muito pelo contrário, é buscar alcançar
aquele nível, eu diria mais decisivo, determinante, que é o nível das formas da
sociabilidade. Para mim, esta sempre foi a ocupação mais decisiva. Eu dedico a
estas questões, dentre outros livros, um que se chama "Estado e Forma Política".
Para mim, a forma da sociabilidade é decisiva porque, se começamos a trabalhar com
o problema social a partir dos conteúdos que se apresentam e que nós mesmos e
mesmas desenvolvemos, estamos muitas vezes adistríamos às factualidades que não
revelam o eixo, a estrutura decisiva da própria sociabilidade.
Pois bem, ao invés de trabalharmos com a ideia de que alguém sofre e a nossa
primeira de lidar com isto é a empatia imediata e isto não se deve negar, a
pergunta decisiva é: por que toma forma este sujeito deste modo? Então, mais do que
pensarmos no imediato da sua condição, que eu diria que é a factualidade, o evento,
o acontecimento daquele sujeito, a pergunta decisiva aqui é por que ele é um
sujeito e por que se apresenta enquanto tal. E por via de regra, referências,
problemas, questões, potências, afetos deste sujeito são praticamente os mesmos de
todas as demais pessoas, porque ao pensarmos nós em relações familiares de base ou
ausência de família, eh na base da formação desta criança, depois também eh este
sujeito quando adulto, esse sujeito quando criança, sujeito quando adulto.
Devemos pensar na forma da família, porque ela perpassa cada qual ao seu modo e
cada qual com o seu acontecimento distintos, ela perpassa todos os sujeitos,
constituindo e dando inclusive coerção necessária, seja pela presença ou pela
ausência, a todos os sujeitos, quem tem sofre e quem não tem sofre também. Esta
forma da família, então, eu diria que o fundamental para alcançarmos eh o ponto de
tomada de horizonte transformador de mundo é entendermos por que nos acionamos
desta forma. Então, a partir de todo este ferramental, de todo este horizonte, será
possível, eu diria, aplicarmos estas descobertas, descermos uma eh um degrau da
escada para entendermos as circunstâncias das reproduções dos sujeitos em
específico, a partir das formas que constituem estes mesmos sujeitos.
Então, não se pode apenas fazer este volteio, que é o imediato de chegar ao sujeito
pela própria eh narrativa imediata do sujeito, pela própria, eu diria, interpelação
do imediato do sujeito, porque exatamente também a psicanálise opera neste nível,
com o mesmo movimento que fará eh o Marxismo de modo geral. É preciso "cavucar"
para descobrir o sintoma, aquilo que não se revela no primeiro momento deste
próprio sujeito, ou aquilo que não se fala num primeiro momento deste próprio
sujeito. Jeito portanto, buscar as formas é também fazer este movimento, diria eu,
no atacado, porque exatamente, para a maioria das pessoas, somos nós indivíduos que
ali estamos e temos uma vida para o qual voltaremos e mais ou menos nesta vida, o
que importa é ser feliz, sofrer menos ou qualquer outra, eh fantasia que constitui
o dia-a-dia das pessoas, viver com Deus, viver eh moralmente de modo digno, enfim,
quaisquer possibilidades aqui de delinear este belo ou trágico cenário, eh que se
nos acompanha. Ninguém me ama, ninguém me quer, como diria a música, ou então: "eh,
se Deus está conosco, quem é contra nós, tanto faz", porque sempre estamos aqui, no
imediato, tanto do pior quanto do melhor, para uma espécie de enfrentamento que não
sabe porque enfrenta.
Exatamente perguntar sobre as formas sociais é perguntarmos por que todos nós
devemos, em algum momento, crer que Deus e se é por nós, quem será contra nós, ou
porque, em algum momento, todas as pessoas passarão pelo encontro com a música e da
nora, ninguém me ama, ninguém me quer, e fará sentido para todas as pessoas, em
algum momento da vida, ao menos, e para muitas pessoas, em muitas vezes da vida, e
para algumas, eventualmente a vida inteira. Bem, então, exatamente o que eu estou
aqui propondo nesta minha reflexão é pensarmos estas formas da sociabilidade que
não são aqui formas, eu diria, compulsórias, mas históricas compulsórias. Fora da
história, elas são compulsórias historicamente.
Aqui, portanto, pensar formas sociais é pensar sempre uma historicidade fundante. E
agora vem um problema: esta historicidade fundante que faz com que a família não
seja um dado eterno, seja um dado de de formação social, a partir de formas sociais
históricas específicas, este dado constituinte, bem como o dado da política, somos
cidadãos e cidadãs, estes dados são históricos. É verdade: não havia cidadania nos
termos pelos quais conhecemos na Idade Média, não havia, no tempo da Europa feudal,
alguma coisa parecida com isto, e no entanto senhoras e senhores, tudo aquilo que é
histórico nas formas sociais, nos é apresentado, se nos revela como se fosse
eterno.
Porque no tempo em que nós nascemos até o tempo em que nós morreremos, nós,
sujeitos, todos nós, todas nós, viveremos praticamente todos os espaços de nossa
vida, todos os recônditos das nossas relações sociais sempre sob essas formas.
Então, nascemos sob um horizonte da família, morreremos sobre o horizonte da
família, e alguém dirá: Ah, mas se alguém viver bem quase centenário, viver bem
aqui no sentido de tempo de vida, se alguém viver uma vida extensa, daqui a 80
anos, as formas da família serão muito diferentes, senhoras e senhores, quase não
mudam nada em 100 anos, tanto é que eu estou olhando. Aqui, metade de vocês está
com a câmera ligada. Eu estou olhando mais ou menos. Nenhum de nós viveu num tempo
no qual, em décadas dos meados do século XX, tivemos movimentos, eu diria, de uma
certa atualização estética de gente que se achava jovem e que, portanto, tinha uns
dísticos de rebeldia e de uma certa juventude transviada, como se dizia na época, e
que tinha exatamente - estou falando aqui no nível da estrutura linguística cuja
forma é a mesma - dimensões como estas das gírias. Nenhuma de nós aqui, nenhuma de
nós, vivemos no tempo de gírias como, por exemplo, "é uma Brasa, mora", enfim,
coisas do tempo do Roberto Carlos ou algo assim. É um Broto Legal, enfim, coisas
desse tipo. No entanto, nós estamos com gírias como outras muito distintas do
Século XXI e mais ou menos entendemos alguém que diga que tal fulana era um Broto
Legal e entendemos que é uma Brasa, mora. E a pessoa, mais ou menos, quando escuta
alguma coisa como "em nóis é sangue bom" e coisas que são daí para frente até
chegar às gírias que vocês e eu também não conhecemos, que são as de quem tem 15
anos de idade, está produzindo, portanto, a pauta da gíria do século XXI presente.
E o que estou dizendo é que nós, mais ou menos, nos emos porque a estrutura da
forma social da língua é a mesma. Eu posso salpicar de "bruto legal é uma Brasa,
mor". E aí, Jo, e coisas mais, mas tudo isto, ou então como fala a classe média
paulistana, "E aí, enfim", que são típicas expressões de playboys, mas de ano,
enfim, etc e tal. Tudo isto mais ou menos entendemos porque a forma da língua é a
mesma. Porque por mais que digamos "é nóis", e isto parece que soa ao ouvido de
alguns como atentado à própria declinação verbal, no entanto operamos ainda na
forma linguística e sujeito, verbo, predicado, por mais que a gente possa colocar
umas palavrinhas que nós não entendemos. Mas isto houve sempre e sempre haverá.
Estou dizendo que a estrutura não muda em 70 anos de língua e as pessoas imaginam
que a língua é altamente dinâmica e ela é mesmo e ao mesmo tempo ela é altamente
estática. Assim com todas as demais dimensões.
Então, quem viveu a década de 60 e 70 dizendo "nunca mais a família será a mesma"
enfrenta as mesmas questões da família, tirando, obviamente, alguns detalhes desta
história. Mas eu volto a dizer, do nível da estrutura, que é o nível das formas. É
por isso que as formas sociais são históricas, mas para nós elas se nos entram como
eternas. Porque por mais que rode, rode, rode, rode, o problema da família é o
mesmo, o problema da subjetivação nas formas, eu diria, basilares da dimensão
social são os mesmos. Então as pessoas continuam pobres com estratégias as mais
variadas, mas sempre estratégias da pobreza, seja no tempo daquilo que eu chamo e
muita gente no Marxismo chama de fordismo, seja nos tempos do pós-fordismo. Em
ambos os tempos, a pobreza, a exploração do trabalho da classe assalariada se dá
sob as mesmas formas. Claro, com dispositivos e estratégias que esses sim vão
variando, tanto do "bruto legal" para o "enois, mano". Aqui poderia se dizer: ah,
alguém é trabalhador com carteira assinada e dá glória ao Getúlio Vargas por ter
uma CLT, e alguém hoje é empreendedor de si mesmo vendendo brigadeiro. Mas em ambos
os casos, o capital não é dessa pessoa, o capital é do capitalista, portanto, de
ser trabalhador assalariado a vender brigadeiro, certas estruturas constituintes
nossas da propriedade privada mantém-se as mesmas. A propriedade privada dos meios
de produção de 1950, quando alguém era trabalhador da fábrica e tinha leis
trabalhistas que lhe davam alguns direitos sociais, para hoje, onde uma lei
trabalhista quase nenhuma e direito social quase nenhum, o que temos aqui
basicamente é a mesma dimensão da reiteração da forma da propriedade privada que
não foi sequer arranhada em 50, 70, 80 anos nos termos da sua distribuição e
portanto basicamente as formas sociais são as mesmas. A experiência que teve a avó
de alguém 70 anos atrás de ser pobre miserável, mais ou menos, é a mesma do neto ou
da neta no século 21, que já tem celular, já tem Instagram, já sabe tirar foto
instagramável, já sabe olhar para alguma parede de algum da Vila Madalena e ver
duas asas pintadas bem coloridas e sabe que fica no meio disso e tira uma foto.
Esta pessoa que tem vários dispositivos do cotidiano que a sua avó não tinha, sua
avó não saberia manipular eventualmente alguns ferramentais da tecnologia, não
teria estas informações tão presentes. Muito bem, e inclusive, esta pessoa que tira
foto com na frente de duas asinhas, ela faz assim com a testa porque ela já
aprendeu também num tutorial de YouTube que isto faz a foto ficar melhor, e que com
carinha de nervosinho, as pessoas dão mais likes e eventualmente curtem mais. Estas
coisas. Mesmo assim, esta pessoa continua pobre. Mesmo assim, a dinâmica de vida
desta pessoa está sob formas sociais, todas elas que dão constrição e que dão,
portanto, limites, têm coersão naquilo que é a possibilidade de vida. O que eu
quero dizer é que mesmo tirando foto na frente de duas asinhas coloridas e na Vila
Madalena, esta pessoa paga boletos, esta pessoa faz enfim, toda uma vida voltada a
ter que trabalhar para dar conta da.