Trabalho Final - HRI II

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS


HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS II

AMANDA PINHEIRO DE MORAIS


GABRIELLA TÁSSIA FERREIRA
LUIZA RODRIGUES CAETANO
MARCELA DE SENA MOREIRA SILVA
MILENE HILARIO SANTOS OLIVEIRA
SUHAILA BESSA REIS
VICTÓRIA CORRAL TAPIA CAMARGO

MOVIMENTO HIPPIE: INFLUÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NA


DÉCADA DE 60 E PARA ALÉM

UBERLÂNDIA
2024
INTRODUÇÃO
Neste trabalho buscamos elucidar quais foram os principais fatores que
desencadearam o surgimento e a ascensão do movimento hippie, e, se o movimento teve
algum impacto fora dos Estados Unidos. O movimento hippie, que teve seu auge na década
de 1960, parte da contracultura, a qual foi marcada por valores como paz, amor, liberdade, e
rejeição aos padrões sociais convencionais. Essas movimentações surgiram nos Estados
Unidos em resposta à guerra do Vietnã e à rigidez da sociedade da época. Neste contexto, os
hippies buscavam uma vida simples, em comunidade, e valorizavam a espiritualidade, a
música e o contato com a natureza.
Na América Latina, o movimento hippie encontrou terreno fértil, especialmente em
países como Brasil e Cuba, onde se mesclou com elementos da cultura local, estendendo sua
influência na música, na arte e até mesmo em movimentos políticos. Na Ásia, países como
Índia e Nepal também foram destinos populares entre os hippies, atraídos pela espiritualidade
oriental e pela cultura alternativa. Logo, o movimento hippie deixou um legado duradouro
nessas regiões, sendo crucial para alterar modos de vida, leituras de mundo e expressões
artísticas.

CONTEXTO DO MOVIMENTO: GUERRA FRIA E GUERRA DO VIETNÃ


a. A Guerra Fria
O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, não apenas marcou o início de uma
nova era, como também significou algo de importância fundamental para o futuro do mundo,
além da realidade imediata da derrota da Alemanha. A Rússia se estabelecia como uma
potência hegemônica sobre os reconstituídos Estados do Leste Europeu. Os Estados Unidos
começaram a se preocupar com a possibilidade de uma nova empreitada hegemônica, dessa
vez russa. Naquele momento os soviéticos projetaram poder no vácuo deixado pela
Alemanha Nazista, de tamanha intensidade que nenhuma coalizão no continente seria capaz
de balancear (KEYLOR, 1999).
O esforço russo de criar estados tampões em volta da fronteira foi interpretado como
o princípio de uma tentativa hegemônica continental. O estabelecimento da hegemonia
soviética no Leste Europeu não encontrou oposição, pois a única nação capaz de se opor, era
os Estados Unidos, que já havia se retirado do continente europeu. A opinião pública
estadunidense, não era de forma alguma favorável à manutenção de forças armadas na
Europa. Dessa forma, só um governo com poderes de persuasão sobrenaturais atingiria tal
feito (KEYLOR, 1999).
Truman, presidente dos Estados Unidos da época, ao longo de seu mandato,
acompanhava a expansão da influência soviética na Europa, visto que essa já havia violado as
linhas de demarcação que haviam sido estabelecidas na Conferência de Guerra. Os soviéticos
tinham como objetivo expandir a sua zona de influência para o leste do Mar Mediterrâneo,
mais especificamente para o Golfo Pérsico, que eram regiões pertencentes ao império
Britânico (KEYLOR, 1999).
O primeiro confronto entre Ocidentais e a URSS, ocorreu no Irã, em razão do seu
posicionamento estratégico, a influência russa na região deteriorou-se com o tempo devido à
queda do império czarista e ao surgimento dos Bolcheviques. Aproveitando-se desse
momento, a Grã-Bretanha expandiu suas influências na área, especialmente após o controle
das reservas de petróleo descobertas, como solução foi realizado um acordo entre esses três
países, entretanto a situação ficou instável, quando a Rússia negou o Irã de prestar apoio a
uma insurgência que estava acontecendo perto da fronteira do país, tal atitude de Moscou não
foi bem vista pelos EUA e a Grã- Bretanha que impuseram sanções ao Estado Soviético
(KEYLOR, 1999).
Os membros do Pentágono e do Departamento de Estado assumiram a tarefa de
desenvolver uma lógica de respostas coordenadas às pressões expansionistas soviéticas
capazes de persuadir a maioria republicana no Congresso e o povo norte-americano para
abandonar a tradição isolacionista em tempo de paz. Truman, deu início o que ficou
historicamente conhecido como a “Doutrina Truman”, na qual consistia em empregar
recursos econômicos norte-americanos para reforçar nações amigas ao redor do bloco
soviético que parecessem suscetíveis à pressão de poderosos vizinhos ou à insurgência de
movimentos comunistas domésticos vinculados ideologicamente com a União Soviética
(KEYLOR, 1999).
Os EUA convidou todas as nações europeias, incluindo URSS e seus satélites, para
preparar um plano de recuperação econômica com massiva assistência norte-americana com
base na cooperação econômica permanente entre todos. Contudo, dias após as negociações,
Molotov e sua comitiva abandonaram a conferência enquanto o governo soviético denunciava
o projeto e proibia os governantes do leste europeu sob sua influência de se envolverem com
isso. As razões pelas quais Moscou não aceitou o plano de recuperação econômicos dos EUA
consistia pela insistência norte-americana de ter acesso as despesas domésticas dos países, o
que foi considerado pelos soviéticos como uma afronta a sua soberania nacional e pela
necessidade da URSS de esconder a sua situação econômica, em decorrência da sua
vulnerabilidade pós- Segunda Guerra Mundial (KEYLOR, 1999).
Os Estados Unidos conseguiram por meio do Plano Marshall e a criação do Fundo
Monetário Internacional (FMI) , promover o crescimento econômico, o que de acordo com os
economistas da época era completamente impensável. Em contrapartida, a URSS encontrava-
se cada vez mais isolacionista. Enquanto os Estados Unidos patrocinaram as economias
mundiais, com a finalidade de promover crescimento econômico, os partidos comunistas
europeus contribuíram na criação do Cominform – anteriormente, chamado de Internacional
Comunista, um programa de caráter soviético, comandado por Stalin, que não teve o sucesso
desejado quando comparado com o Plano Marshall (KEYLOR, 1999).
Em 1948, a Europa remodelou-se entre dois blocos políticos e econômicos,
representados pelos EUA e a URSS, com cada bloco defendendo os seus interesses. As
relações entre as duas esferas finalmente foram rompidas com a tomada comunista em 1948,
na Tchecoslováquia, impedindo o ir e vir do Ocidente para o Oriente e vice-versa. O encontro
entre os Ocidentais e os Orientais ocorreu na Alemanha - visto que essa havia sido dividida
em quatro zonas de influências - , que tinha como objetivo solucionar os impasses políticos e
propor uma solução (KEYLOR, 1999).
Em janeiro de 1947, os blocos americano e britânico da Alemanha foram formalmente
unidos e, em julho, o Plano Marshall foi estendido para as três zonas ocidentais da Alemanha.
A França, que inicialmente se opôs a quaisquer tipos de medidas que poderiam favorecer a
integração política e econômica alemã por motivos históricos, concordou em junho de 1948
em fundir seu bloco com o bloco Anglo-Americano, assim criando a “Trizonia”. Como
resposta a tal ato, a URSS realizou o bloqueio de Berlim, com o intuito de impedir o acesso
ocidentral a Alemanha e portanto expulsar a ocupação ocidental da cidade. Obviamente, tal
tentativa não obteve êxito, não só porque os países começaram a utilizar o acesso aéreo para
levar suprimentos, como também a capacidade americana de possuir bombas atômicas
capazes de destruir cidades russas a longas distâncias (KEYLOR, 1999).
Uma importante ramificação do Bloqueio de Berlim foi a formalização da divisão da
Alemanha em duas entidades políticas distintas, cada uma alinhada com uma superpotência
diferente. No lado Ocidental, surgiu a República Federativa da Alemanha. Apesar de sujeita a
certas restrições de soberania, nunca foi protegida como uma antiga inimiga. Pelo contrário,
foi reconhecido como um bastião de resistência contra o bloco comunista e valorizado pelo
seu potencial na continuidade da Europa Ocidental como um todo. No lado Oriental, emergiu
a República Democrática Alemã (KEYLOR, 1999).
Em abril de 1949, o Tratado do Atlântico Norte foi firmado, estabelecendo um acordo
de segurança regional que vinculava cada membro signatário a prestar assistência em caso de
ataque a qualquer outro membro. No mesmo dia da assinatura por parte do presidente
Truman, ele solicita ao Congresso a aprovação do Programa de Assistência de Defesa Mútua,
demonstrando o compromisso dos Estados Unidos com seus novos aliados na recém- criada
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O Tratado foi moldado por um
sentimento comum de perigo, impulsionado pelo temor de uma possível agressão da União
Soviética. Além disso, países como Espanha (devido ao regime de Franco), Suécia e Irlanda
foram incluídos, apesar de não possuírem costa atlântica, com o objetivo de preservar sua
neutralidade (KEYLOR, 1999).
Um surto inesperado de hostilidades entre comunistas e anticomunistas eclodiu na
Coreia. Após o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, a Coreia, anteriormente
membro do Eixo, foi dividida entre os Estados Unidos e a União Soviética. Durante três anos,
a União Soviética tentou promover esforços para reunificar a nação, mas sem sucesso.
Portanto, cada poder estabelecido criou um governo em sua zona de controle, reivindicando
autoridade sobre todo o país.Neste contexto, a parte comunista da Coreia, apoiada pela
URSS, atacou a parte não comunista. Assim, o temor anterior de uma aniquilação potencial
pelos soviéticos deu lugar a uma compreensão mais específica sobre um possível ataque
coreano que poderia alterar significativamente o equilíbrio de poder no continente
(KEYLOR, 1999).
O Plano Pleven propôs a criação de uma força militar integrada na Europa, financiada
pelos Estados membros, sem estabelecer um exército alemão separado, dessa forma os
soldados alemães seriam incorporados a exércitos europeus, sob um ministro da defesa
europeu. Em 1952, foi assinado um tratado que estabelecia a Comunidade de Defesa
Europeia, enquanto um acordo anterior entre EUA, Reino Unido e França encerrava a
ocupação militar na República Federal da Alemanha, restaurando sua soberania com a adesão
ao tratado.Entretanto, tal cenário modificou-se, em razão, da saída do presidente Truman e a
posse de Eisenhower, nos EUA e na URSS a morte de Stalin. A partir disso, as tensões
envolvendo essas duas nações foram persistindo por décadas e estiveram à beira do colapso
inúmeras vezes, como a Crise dos Mísseis (1962) que colocou as duas regiões hegemônicas
frente a frente, o mundo nunca esteve o mais perto de uma destruição global de proporções
nucleares do que nesse período (KEYLOR, 1999).
Ademais, outro evento de extrema importância na Guerra Fria que foi palco de
conflitos beligerantes indiretos entre EUA e a URSS foi a Guerra do Vietnã (1955-75) que de
forma análoga a Guerra da Coreia e a Crise dos Mísseis em Cuba , marcou períodos de
instabilidade política e econômica no cenário internacional. Em virtude disso, tais conflitos
geraram profundos reflexos nos Estados Unidos, principalmente a Guerra do Vietnã nos
quais, por exemplo, dividiu a sociedade entre apoiadores e opositores da guerra,
impulsionando um movimento pacifista e anti-guerra. Gerando também, desconfiança no
governo devido a mentiras e encobrimentos, além de questionamentos sobre a competência
das instituições militares, deixando um legado de trauma para os veteranos.
b. A Guerra do Vietnã
Antes do Vietnã ser um país independente, o mesmo pertencia a uma região asiática
conhecida como Indochina, ao lado dos atuais Laos e Camboja, que foram dominados pela
França desde o final do século XIX. Esta situação mudou após a queda da França em 14 de
Junho de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, na qual resultou no enfraquecimento da
administração francesa, levando assim, a ocupação japonesa na Indochina. Como força de
resistência, Ho Chi Minh (importante líder político, fundador do Partido Comunista
Vietnamita em 1930) fundou a Liga para a Independência do Vietnã (Vietminh), unindo
nacionalistas sob o comando comunista, com apoio dos EUA (KEYLOR, 1999).
Com a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial em 1945, o Vietminh declarou
a independência da República Democrática do Vietnã, mas a França tentou recuperar seu
domínio, na qual deferiu ataques sobre o território, iniciando uma guerra de libertação
nacional. Neste cenário, a priori, os EUA apoiaram o Vietminh, mas com Truman no poder,
eles acabaram negando ajuda (KEYLOR, 1999).
Na Conferência de Genebra em 1954, os EUA não apoiaram a França, levando-a a
apelar para a União Soviética e China. O acordo dividiu temporariamente o Vietnã no
paralelo 17, com o norte controlado pelo Vietminh e o sul por Ngo Dinh Diem, visando
eleições com pretensões de unificar em dois anos o norte e o sul, além de estabelecer a
retirada das forças francesas. Após recusar o acordo de Genebra, os EUA formaram a
SEATO (Organização do Tratado do Sudeste Asíatico) em 1954, para conter insurgências na
Indochina e impedir a unificação do Vietnã. Sendo responsáveis também por cancelar as
eleições propostas, apoiando o governo do sul e triplicando a ajuda militar. Enquanto a China
e a União Soviética acabaram apoiando o norte, formando a Frente de Libertação Nacional
em 1960 (KEYLOR 1999).
Com Kennedy (1961), os EUA aumentam o envolvimento militar, além de diversas
propostas de reformas no Vietnã do Sul que acabam falhando devido à corrupção e à
repressão do governo. E como consequencia do assassinato de Ngon Dinh Diem por oficiais
sul-vietnamitas em 1963, o cenário se torna mais instável em comparação com anteriormente
(KEYLOR, 1999).
Após a morte de Kennedy (em 22 de Novembro de 1963) e Diem (em 2 de Novembro
de 1963), o Vietnã do Sul enfrenta instabilidade política. Dado que Johnson (vice de
Kennedy), acaba por intensificar o envolvimento militar dos EUA em nome das forças
anticomunistas locais. E em 1964 Johnson é reeleito, e ataques dos vietcongues (Frente
nacional de libertação do Vietname do sul), desencadeiam resposta maciça dos EUA. O envio
de tropas americanas para o Vietnã aumenta rapidamente neste período, ultrapassando meio
milhão em 1969. Além disso, o ataque do Tet (feriado importante no Vietnã) em 1968,
embora não bem-sucedido militarmente, abala a confiança pública nos EUA, surgindo a partir
disso, grupos dissidentes nos campi universitários e críticas crescentes nos EUA. Johnson, em
meio a este contexto, tenta negociar, mas é pressionado a encerrar os bombardeios, e com o
aumento do descontentamento, ele decide não buscar reeleição (KEYLOR, 1999).
Em 1969, o então presidente Richard Nixon adotou uma estratégia conhecida como
"Vietnamização", que visava retirar gradualmente as tropas americanas do Vietnã enquanto
fortalecia as capacidades militares do Vietnã do Sul para que pudesse assumir a
responsabilidade pela sua própria defesa. Isso implicava em uma redução progressiva no
número de militares americanos no país. Uma das primeiras ações significativas foi a redução
do número de soldados americanos de 540.000 no final de 1968 para 139.000 no final de
1971 e 25.000 até o final do primeiro mandato de Nixon em 1973. Entretanto, Nixon também
intensificou a violência em resposta aos sucessos militares norte-vietnamitas, a fim de
"ganhar tempo" para que o Vietnã do Sul pudesse fortalecer suas defesas (KEYLOR, 1999).
Em 1970, os EUA invadiram o Camboja com o objetivo de interromper as rotas de
abastecimento inimigas e expulsar os soldados norte-vietnamitas que usavam o território
cambojano como santuário. E em 1972, houve uma ameaça direta ao programa de
Vietnamização de Nixon quando o Vietnã do Norte lançou uma ofensiva militar, no qual
Nixon respondeu com bombardeios intensificados, incluindo ataques a instalações militares e
portos no Norte do Vietnã. Em dezembro do mesmo ano, pouco após o anúncio de um
possível acordo de paz, Nixon ordenou um bombardeio maciço em Hanói e Haiphong, as
principais cidades do Vietnã do Norte, para forçar os norte-vietnamitas a aceitar os termos
americanos (KEYLOR, 1999).
Em meio a isto, o conselheiro de segurança nacional Henry Kissinger conduziu
negociações secretas com o norte-vietnamita Le Due Tho, buscando uma base para um
acordo de paz. No final de 1972, os EUA acabaram concordaram em aceitar um cessar-fogo,
em vez da retirada total das forças norte-vietnamitas do Vietnã do Sul, uma concessão
importante (KEYLOR, 1999).
Finalmente, em 27 de janeiro de 1973, os EUA e o Vietnã do Norte assinaram um
acordo de paz em Paris, no qual os termos incluíam a retirada de todas as tropas americanas
do Vietnã do Sul em dois meses, uma troca de prisioneiros de guerra e a promessa de eleições
livres no Vietnã do Sul. Após a retirada dos Estados Unidos da Indochina, os regimes pró-
ocidentais na região entraram em colapso devido a insurreições comunistas. O governo de
Saigon caiu em 30 de abril de 1975, seguido pela tomada de poder pelos comunistas no
Camboja e Laos (KEYLOR, 1999).
Durante o conflito, 57.939 americanos perderam suas vidas, tornando-o a guerra
estrangeira mais longa e custosa na história dos EUA. A Força Aérea dos EUA lançou uma
quantidade significativa de bombas sobre o Vietnã, superando três vezes a tonelagem da
Segunda Guerra Mundial, além do mais os custos financeiros da guerra, incluindo a ajuda
militar a Saigon, totalizaram cerca de 150 bilhões de dólares, com outros 200 bilhões
reservados para benefícios aos veteranos, e a escalada do envolvimento militar americano
coincidiu com aumentos nos gastos do governo interno, levando a déficits orçamentários e
inflação (KEYLOR, 1999).
O envolvimento na Indochina causou um ceticismo generalizado em relação ao
governo, uma aversão a intervenções estrangeiras, e como já mencionado anteriormente,
afetou os veteranos com problemas como abuso de drogas e transtorno de estresse pós-
traumático, e as consequências sociais e políticas do conflito perduraram por gerações na
sociedade americana (KEYLOR, 1999).

O QUE FOI O MOVIMENTO HIPPIE?


Como um dos mais famosos movimentos de contracultura, o movimento hippie teve
sua ascensão nos anos 60. Incentivado pela inquietação social em meio ao caos internacional
e doméstico no final da década de 1950, o movimento se coloca como resistência, ao se
espelhar em conceitos e ideologias contrárias às vigentes no seu contexto histórico; carregado
de princípios disruptivos e singulares. Contudo, o primeiro passo para entender o movimento
hippie é ter conhecimento da contracultura, que se apresenta como a oposição dos valores
culturais tradicionais. (MORETTA, 2017).
A contracultura pode ser interpretada como um movimento romântico, que questiona
e desafia as normas sociais convencionais, como as relacionadas ao comportamento, à
moralidade, à política e à religião. Incentivado por problemáticas domésticas e internacionais,
o movimento hippie teve seus primeiros apontamentos a partir de agentes revolucionários
como a Geração Beat e sua principal figura Ginsberg (MORETTA, 2017). Pode-se afirmar
que uma das maiores transformações dos anos 60 foi a introdução dos jovens como classe
estudantil em um mercado consumidor, que agora moldava as culturas de massa; além da
ascensão emergente das mulheres no mercado de trabalho e participantes dessa classe
consumidora e produtora da cultura. A juventude que se encontrava nas universidades
construíram uma voz ativa emanada na esperança de um mundo diferente do vivenciado por
seus pais (HOBSBAWM, 1995). As articulações dos jovens concomitantemente com as
movimentações sociais como a luta feminista e o movimento negro, fizeram com que os anos
60 se emaranhanse em um apelo de mudança.
Desse modo, percebe-se a criação de um de uma cultura popular jovem, que nasce
como fator causal do se viria a ser o ponto inicial da contracultura. O movimento nasceu nos
enclaves mais ricos e brancos da sociedade estadunidense, e desde de seu início carregou em
seus pressupostos a rejeição da cultura em massa, os jovens que idealizavam a contracultura
eram inconformistas radicais que ao perceberem sua importância como classe ao sistema
capitalista, se recusavam a fazer parte do mesmo. A concentração imaginária e ideológica
dessas movimentações contra a massa, muitas vezes foram justificadas pela ociosidade da
juventude, contudo, as ações impositivas em negação ao capitalismo e a tecnocracia foram
implementadas a uma força constante e nada ociosa nos primeiros anos de instauração desse
estilo de vida. O movimento hippie assim como outros agentes da contracultura detinham
características identitárias como os livros, as roupas, a música e os comportamentos perante a
sociedade, cenário fortemente citado no capítulo 3 “A Contracultura” de uma postagem
informativa da Puc-Rio.
Contudo, apesar de serem contra toda e qualquer produção pro produtivista e
capitalista, o movimento foi utilizado por esses meios para sua própria propagação mundial,
entretanto, mesmo com a disseminação via reprodutores em massa, a contracultura hippie não
se fez entender como participante do sistema vigente. Fator que pode ser explicado pela
definição de Roszak do conceito”[...] uma cultura tão radicalmente dissociada dos
pressupostos básicos de nossa sociedade que muitas pessoas nem sequer a consideram uma
cultura, e sim uma invasão bárbara de aspecto alarmante” (ROSZAK, 1972, p.54 apud PUC-
Rio, 2006). O Objetivo era nítido, construir uma sociedade com os princípios opostos ao
produzido pelo padrão mundial capitalista, portanto, o individualismo dava lugar ao holismo,
assim como a valorização da produtividade material era substituída pela prioridade aos
prazeres, desejo e o ócio. As comunidades alternativas foram o meio no qual, os hippies
expressaram de forma mais abundante seu estilo comunitário, através dos compartilhamento
de recursos e liberdades que em geral são restritas, como a liberdade sexual e até as relações
com o uso de entorpecentes e psicodélicos para a acreditada expansão da consciência e
conexão espiritual (MORETTA, 2017).
Os hippies movimentavam um forte engajamento político, a favor do pacifismo,
contra o armamento nuclear e ações imperialistas, em um contexto social em que guerras e
confrontos civis eclodiram. Neste contexto, segundo a ideologia hippie estava claro quem
eram os oprimidos de um Estado opressor, colocando assim, o movimento como agente
central na atuação contra essas desigualdades a partir de uma própria perspectiva (LUTFI,
2015). Um dos exemplos mais conhecidos foi o movimento "Flower Power" que foi
popularizado durante o evento conhecido como "Verão do Amor" em 1967, quando milhares
de jovens se reuniram no distrito de Haight-Ashbury, em São Francisco, Califórnia. A
manifestação se deu em prol do fim da Guerra do Vietnã, os participantes do movimento
adotaram símbolos como flores, roupas coloridas, características de identificação do grupo
para promover uma mensagem de amor, paz e harmonia. O movimento hippie, portanto, foi
pivô de inúmeras mudanças de valores e normas que transcenderam seu tempo, perdurando
até os dias atuais, influenciando em ambientes diversos desde as filosofias de vida, a moda,
os posicionamentos políticos, até nos movimentos sociais como um todo. (MORETTA, 2017)

MAIO DE 1968
O “Maio de 68”, ocorrido na França, pode ser compreendido como um levante que
contribuiu grandemente para os movimentos sociais contemporâneos. De acordo com Alberto
Alves da Silva, representa um “divisor de águas no que consiste a abertura de uma nova
consciência por parte da juventude que desejava um novo modelo de sociedade, pautado pela
liberdade de gênero e a luta pela paz mundial” (SILVA, 2013, p. 1). Foi expressivo entre os
universitários, pois se tratava de um estrato propício a mobilizar mudanças, já que o sistema
educacional universitário na França não havia mudado durante várias décadas e por isso,
entrou em crise (THIOLLENT, 1998).
Além disso, o contexto da crise universitária estava inserido no contexto global da
sociedade, com lutas ideológicas e políticas mobilizadas em defesa de pautas como a
democratização, as liberdades individuais e coletivas e a denúncia contra guerras, etc. É
importante destacar que, no período em que ocorriam as manifestações em paris, ocorriam
vários outros eventos históricos, como a guerra americana no Vietnã, a revolta negro-
americana, a luta armada na América Latina e África e a Revolução Cultural na China, que
contribuíam para a revolucionarização da juventude universitária francesa (THIOLLENT,
1998).
Em 22 de março iniciavam-se as movimentações do levante que viria a ser o Maio de
68, na Universidade de Nanterre. Nesse momento, estudantes desafiavam autoridades
universitárias. A partir disso, a ação estudantil contra a repressão passa a ganhar mais força e
expressão em toda a França, e no dia 10 de maio, houve um salto qualitativo a partir da
adesão de trabalhadores operários e da classe média assalariada. Em um curto espaço de
tempo, ocorreu uma grande greve de aproximadamente 10 milhões de trabalhadores, e
ocorriam manifestações expressivas nas ruas (THIOLLENT, 1998).
De acordo com Daniel Bensaïd, professor ativista no Maio de 68, a associação entre o
operariado francês e os estudantes no levante foi consequência de uma “proletarização do
futuro profissional”, ou seja, a perspectiva de que os termos entre os estudantes e os operários
não era de solidariedade, mas sim, de combate comum, já que os jovens em formação
universitária viriam a compor um novo proletariado intelectual. Nessa perspectiva, o que
começou a ser criado em 1968 foi uma cultura democrática de lutas, expressa especialmente
na ocupação: ocupavam-se as universidades, e ocupavam-se as fábricas (BENSAÏD, 2008).
Em paralelo ao que ocorria na França, no contexto dos Estados Unidos, acontecia o
movimento hippie, que também surgiu como um movimento de contestação e
revolucionarização da juventude. O ano de 1968 tornou-se símbolo dessa rebeldia que ocorria
em diferentes lugares do mundo e que trazia propostas políticas, diferentes visões de mundos
e novos paradigmas teóricos (KAMINSKI, 2017). As motivações para esse fenômeno são
incertas, sendo difícil definir um pensamento orientador ou dominante, porém, a respeito dos
costumes e modelos de comportamento, é possível inferir que, em um mundo rumo à
globalização, o movimento hippie americano tenha sido a referência (MOREIRA, 2008).
A juventude da década de 60 havia adquirido características distintas, de forma em
que “o corpo contracultural foi tanto um fator de identidade, de reconhecimento de seus pares
através do mundo, como uma arma política, de contestação” (KAMINSKI, 2017, p. 470).
Para além da questão cultural, a incorporação de alguns desses aspectos eram, por si só, uma
forma de contestar determinados valores difundidos, trazendo a perspectiva de liberdade
sexual, automarginalização como forma de recusa à sociedade de consumo, e a liberdade da
mentalidade humana, criticando o racionalismo (KAMINSKI, 2017).
Esses fatores possuem implicações à estrutura política vigente, com maior ou menor
intensidade. Destaca-se aqui, a questão da guerra: a proposta hippie de convivência com “paz
e amor” entre todos os indivíduos desafiavam as autoridades americanas em guerra no
Vietnã, uma das principais pautas do movimento hippie. Assim como nos Estados Unidos, na
França, os protestos realizados pelos estudantes e pelos operários foram um claro desafio às
fundamentações políticas (MOREIRA, 2008).
Na França, o fim do levante de Maio de 68 se dá a partir da repressão violenta do
governo. Desde as primeiras movimentações, ocorrera a ocupação policial nas universidades,
além da presença permanente e ostensiva de batalhões de choque. A partir da greve geral,
manifestantes exigiam a demissão de De Gaulle, que era o presidente da época, e a formação
de um governo popular. Mais tarde, ocorrem eleições e o partido de De Gaulle cresce em
votos, ocasionando frustração por parte dos revolucionários do Maio de 68. Com a greve
geral encerrada, suas demandas essenciais não atendidas e a derrota eleitoral - De Gaulle
permaneceu no poder, a movimentação perdeu suas forças (PONGE, 2008).
Nessa perspectiva é possível afirmar que o ocorrido na França em maio de 1968 foi
um importante marco na história, que marcou uma geração de jovens estudantes e
trabalhadores. Tratou-se de um movimento abrangente, que articulou debates universitários,
manifestações em rua, e greve de 10 milhões de trabalhadores. Dessa forma, criou-se um
espaço para o desenvolvimento cultural nas instituições inspirado no movimento, que
criticavam diversas formas de autoritarismo, possibilidade de realizar críticas ao conteúdo do
ensino e aos métodos de didática, além do surgimento de uma contracultura ecológica e
novas formas de ação, como a ocupação dos locais de poder (THIOLLENT, 1998).

WOODSTOCK
Assim como todo o movimento hippie, o festival de Woodstock, ocorrido em Bethel
em Nova York no final da década de 60, também passou por algumas contradições. Enquanto
o festival mantinha sua marca de imposição aos preceitos do sistema econômico, o mesmo
possuía fins lucrativos por diversas partes. Ainda assim, o evento manteve as características
principais do movimento, quebrando qualquer tipo de pudor existente entre os mais puritanos
(SALVADOR, 2014).

De cabelos compridos e vestindo calças jeans, eles ouviam rock e a música, mais do
que entretenimento, era um instrumento de contestação, de mudança social e política.
E mudou. Uma das principais manifestações desse movimento aconteceu no
Woodstock Music & Art Fair ou, simplesmente Festival de Woodstock. [...] Era para
ser um encontro para afirmar a cultura hippie, celebrar a paz e o amor e protestar
contra a Guerra do Vietnã (1959-1975), mas se tornou um dos marcos culturais do
século XX (MARIUZZO, 2009).

O Rock'n'roll se fez presente na cena cultural de contracultura dos hippies,


incorporando não só o espírito jovem, mas ainda letras e ritmos que subvertiam as produções
da época, as quais eram consideradas elitistas e que alcançavam um público um pouco mais
velho. Dentre as variações de rock, o estilo psicodélico obtinha bastante ascensão, com
grupos como Pink Floyd e Led Zeppelin, algo que pode ser interpretado pelo uso excessivo
de drogas alucinógenas, em essencial o LSD, e ainda, pela tentativa de fugir da realidade que
se encontravam. Foi, portanto, com esse estilo musical e esse público que Woodstock adveio
(SALVADOR, 2014).
A divulgação do evento foi realizada sem qualquer vinculação ao movimento hippie,
até mesmo para que ele fosse de fato efetuado, principalmente se levar em consideração a má
fama deles. Durante todo o festival, houve diversas complicações na infraestrutura do local,
como problemas com o banheiro, com a lama, a parte técnica etc., além da grande lotação
causada pela enorme quantidade de público, mas também por invasores que não conseguiram
comprar os ingressos. Entretanto, nada disso impediu a continuidade dos shows, marcado
pelas imagens de jovens com uma mesma identidade visual, do uso indiscriminado de drogas,
da nudez e do sexo ao ar livre (SALVADOR, 2014).
Com a percepção de que aquele evento seria marcante, os organizadores permitiram
que tudo fosse documentado pela Time Warner, com a filmagem de filme e disco. Apesar dos
organizadores, Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld, terem suas
vidas declaradas como hippies, todo o festival foi planejado para que adquirissem lucros, no
entanto com todos os problemas citados acima, acabaram por sair no prejuízo. Esse prejuízo,
entretanto, só pôde ser retido devido à exportação da marca Woodstock feita pela Time
Warner durante a década de 70 (SALVADOR, 2014).
Mesmo que Woodstock seja o maior e mais famoso evento hippie do mundo, durante
o mesmo período houveram outros festivais como o Altamont Free Concert, assim como diz
seu nome, um concerto gratuito com o objetivo de contrapor e sobressair o Woodstock.
Todavia, o evento foi ainda mais caótico do que o seu predecessor, feito em uma pista de
corrida nas imediações de uma rodovia ao norte do estado. Não só isso, mas a segurança do
local foi realizada pelos Hells Angels, a gangue de motoqueiros mais famosa da história. Com
isso, o evento não adquiriu tanto sucesso, o qual foi marcado pela morte de quatro pessoas
durante os shows (SALVADOR, 2014).
Em suma, os eventos que seguiam a linha de agir e manifestar pela contracultura e
pela liberdade (não do liberalismo econômico) por meio das músicas que marcaram o
movimento, serviram não só para expor suas contradições, como no caso de Woodstock, mas
também para espalhar a ideologia de “Paz, Amor e Música” com todo seu caráter idealista.
Sendo assim, o fim da década de 60 e início da década de 70, se procedeu em prol de
propagar novos estilos musicais, não só nos Estados Unidos e na Europa, mas ainda na
América Latina, como no Brasil por exemplo, com os Mutantes e a Tropicália que já existiam
na década de 60, e que posteriormente abririam espaços para cantores como Raul Seixas, os
Novos Baianos, entre outros artistas que marcaram uma geração, caracterizados pelo
movimento. Por outro lado, uma percepção que se pode ter, é de que o movimento hippie foi
algo momentâneo, que foi sendo esquecido aos poucos durante as décadas, além de seus
estilos musicais como o Folk e o Rock psicodélico, que quase não se faz presente no cenário
atual, visto que muitas das obras produzidas eram baseadas puramente nos acontecimentos e
ideais hippies (SALVADOR, 2014).

INFLUÊNCIA NA AMÉRICA LATINA E NA ÁSIA


Os Estados Unidos foram palco dessa tendência conhecida como contracultura,
contando com a erupção de movimentos de protestos em prol de pautas como os direitos
civis, feminismo, libertação sexual, etc. Além disso, os hippies e os indivíduos subversivos
que se posicionavam na direção oposta à ordem em favor de uma proposta transcendente
também ganharam destaque. Porém, o fenômeno não se restringiu às fronteiras norte-
americanas, e se expandiu para a América Latina como um todo. (MILLÁN, 2023) Afinal, o
continente não iria se eximir de ressoar grandes ideias alternativas.
Vale destacar que, na década de 1960, houve a emergência de uma “linguagem
internacional de dissidência” que estava conectada em seu cerne tanto à circulação e quanto à
apropriação transnacional de várias formas de expressão. Essa linguagem abrangia a alta
efervescência criativa por meio de textos escritos, filmes, artes gráficas, música e até mesmo
a interação entre pessoas comuns. (SURI, 2005 apud ZOLOV, 2014) Nesse sentido, novas
identidades sociais também se formavam com o consumo desses materiais.
Em paralelo, a política externa de Nixon, presidente estadunidense, sob o contexto da
Guerra Fria, foi incisiva contra a difusão do comunismo, por conseguinte, teve efeitos
catastróficos na América Latina. No Cone Sul, os setores mais reacionários incorporaram
essa lógica através de ataques institucionais violentos contra os movimentos sociais, onde o
controle atravessava as dimensões dos corpos e mentes. A partir disso, países como Peru,
Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai e Chile implementaram ditaduras militares de
conteúdo altamente repressivo. (MILLÁN, 2023) Em resposta, suscitou resistências, ponto
comum com os hippies que questionavam a autoridade estabelecida.
Sob enfoque no caso brasileiro, Maciel (2014) afirma que “desenvolveu com sua cara,
com suas características próprias e tudo, a contracultura”. O retrato da contracultura nos
trópicos, foi representado pelo profícuo Movimento Tropicalista, o qual apresentava níveis
consideráveis de hibridismo cultural, articulando referências nacionais e estrangeiras, em um
trânsito temporal entre passado e presente, além de contar com uma fase experimental que
explorou novas técnicas, arranjos, performances e composições. (BARROS, 2020) O
despertar dessa nova consciência incutiu no público jovem um discurso de resistência diante
da opressão do regime militar.
Em 1968, foi publicado o LP manifesto Panis et Circenses, carregado de elementos de
confrontação política e ironia, por meio de canções de cunho subversivo como "Questão de
Ordem" e "É Proibido Proibir", esta última inspirada nos levantes de Maio de 68 francês. Os
cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso, respectivamente, entoaram-nas no III Festival
Internacional da Canção do mesmo ano, porém, motivados também pelo uso inédito da
guitarra elétrica, foram alvos de vaias dos espectadores. (BARROS, 2014)
Dentro dessa manifestação tropicalista, cabe mencionar também as contribuições do
grupo Os Mutantes, composto por Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee. Eles beberam da
fonte de artistas como Jimi Hendrix e Janis Joplin, assim, um dos elementos díspares
incorporados pelo trio foi o rock, inclusive ganharam o lema de serem um tipo de Beatles
tropical. Ademais, assumiram a vertente do movimento psicodélico, cuja acepção marcou
uma virada significativa no mundo do rock, pois em vez de apenas seguir tendências
efêmeras, passou a se colocar enquanto uma plataforma para desafiar fronteiras anteriormente
rígidas. Com isso, buscaram a integração e reformulação de outros estilos e ritmos, isto é,
assumiu a variação orquestral da instrumentação. (GUERINI, 2021)
Outro ponto-chave é a defesa da expansão da consciência pelo uso de entorpecentes
psicodélicos pelo grupo, incluindo maconha e LSD, apresentadas através de apologia
implícita ou metafórica nas produções, por exemplo a faixa “Ando meio desligado”. Tais
substâncias conduziam os sujeitos a uma dimensão alternativa sensorial, onde os partidários
da contracultura acreditavam ser terra fecunda para percepções diferentes da interpretação do
mundo, com a criatividade inventiva. (BAY, 2008) Portanto, fica claro que a realidade
brasileira foi moldada pelo cenário cultural que visava explorar novas perspectivas, apesar da
aridez institucional, tanto no aspecto contestatório e político quanto no comportamental e
mental. Tratava-se de uma época em que a expressão artística e musical se expandiu
consideravelmente, abraçando experimentações profundas e construtivas. (GUERINI, 2021)
De maneira análoga, surgia a Nova Canção Latino-Americana, um movimento
musical que foi munido por influências da contracultura. Nele havia a reunião de
características como resistência contra a ditadura, em prol dos direitos dos cidadãos e contra
o imperialismo. Essa corrente se torna um símbolo da consciência latino-americana, refletida
no alinhamento das ideias compartilhadas sobre os caminhos a serem seguidos por suas
nações. Desse modo, faz referência ao Nuevo Cancionero na Argentina, ao Nuevo Canto no
Uruguai, ao chileno Peña de los Parra, ao Carlos Puebla e à Nueva Trova Cubana.
(VELASCO, 2007)
Foi através do Festival da Canção de Protesto de 1967, em Varadero, Cuba, que
alcançou visibilidade notável. Durante esse encontro ostensivo, foram delineados seus
contornos fundamentais, a fim de superar a mera composição artística e se engajar ativamente
na denúncia de injustiças sociais, políticas e econômicas. Além disso, ela deveria servir como
um veículo para inspirar a consciência social, incitar a ação política e promover a
solidariedade entre os oprimidos. (VELASCO, 2007)
Na “Nova Trova” cubana, por exemplo, havia também uma particularidade na sua
sonoridade, de caráter nitidamente cosmopolita e eclético, refletindo a diversidade de
influências que os artistas absorviam e sua abertura ao estrangeiro. Silvio Rodríguez,
expoente do movimento, traz referências diretas de Bob Dylan em sua canção "Óleo de
mujer con sombrero", fundindo elementos. No entanto, é possível identificar um esforço em
nome de uma arte própria, onde a veia revolucionária se manifestaria a partir de escolhas
pessoais. Com isso, o comportamento e estilo de vida dos artistas que adotavam cabelos
longos, vestimentas hippies rasgadas, apresentações em locais não convencionais e outros
meios de inconformismo, colocavam em xeque furtivamente as normas sociais vigentes.
(MOORE, 2006)
No continente asiático, a "Hippie Trail" ficou conhecida como um dos principais
caminhos percorridos por jovens ocidentais em busca de experiências espirituais e culturais
na Índia e no Nepal durante as décadas de 1960 e 1970. A Trilha Overland ganhou fama
como uma rota de viagem alternativa, caracterizada pela busca de novas perspectivas
filosóficas, práticas espirituais e intercâmbio cultural. Seu caminho teve início, para alguns de
seus viajantes, em Istambul, na Turquia, e seguiu por diversas rotas até chegar a Katmandu,
no Nepal. Ao longo dessa jornada, os hippies experimentaram uma variedade de culturas,
tradições e paisagens, interagindo com comunidades locais e tornando-se símbolo de
liberdade e conexão entre diferentes culturas (OLIVER, 2014).
Durante o período em que os aventureiros hippies atravessavam a região em direção
ao Nepal, o trajeto obrigatório incluía passagens pelo Paquistão, Turquia e Irã, mesmo que
isso fosse apenas por necessidade, já que seus ideais muitas vezes não eram bem recebidos
nesses países. No entanto, a jornada pela "Overland Trail" não se limitava a um destino final
predeterminado. Os diferentes grupos de viajantes tinham a liberdade de decidir seus rumos,
podendo fazer desvios entre países ou estender sua estadia em lugares específicos conforme
suas preferências. Apesar dessa flexibilidade, certos locais ao longo da rota se tornaram
famosos e foram reconhecidos como destinos simbólicos, como Katmandu, destacando-se
como o ponto final almejado por muitos. Essa reputação conferiu à cidade um caráter místico
e lendário, atraindo a atenção dos aventureiros com seu estilo de vida comunitário,
disponibilidade de drogas exclusivas, hospedagens econômicas e paisagens exclusivas
oferecidas pela maior montanha (SZUVEGES, 2017 apud WORRALL, 2012).
A escolha pelo destino da Trilha Hippie até a Índia pode ser especulada devido ao
modo de vida já conhecido e aos princípios semelhantes aos de Gandhi. Segundo Paul Oliver
(2014), as campanhas de Gandhi pelos direitos civis, sua fé, seu apreço pelas múltiplas
culturas e sua filosofia de vida, que incluía o vegetarianismo, a não violência e um estilo de
vida simples, foram um grande atrativo para os hippies na década de 60. O uso mínimo de
recursos naturais e uma vida sustentável também faziam parte do modo como o líder vivia,
cumprindo assim seu propósito como alguém que não causa danos a outros seres. Desse
modo, a Índia também ficou conhecida por aderir a alguns de seus princípios ao longo do
tempo. Os hippies, em sua busca por liberdade e espiritualidade, encontraram na Índia um
lugar que refletia muitos dos valores que buscavam incorporar em suas vidas. Além disso, a
visita dos Beatles a Rishikesh em 1968, quando buscavam mergulhar mais na cultura indiana,
atraiu ainda mais hippies estrangeiros para o país.
Ao chegarem na Índia, os hippies foram comparados aos exploradores do período do
Raj Britânico, o que levou os locais a associá-los erroneamente à imagem de baixa casta,
devido às roupas peculiares e ao pouco dinheiro que levavam. Essa comparação provocou
curiosidade e levou os locais a questionarem o que estava acontecendo nos outros países para
que preferissem um modo de vida tão simples e alternativo. (OLIVER, 2014)
O fim da Trilha Hippie ao leste foi ocasionado pela Revolução Iraniana em 1979,
quando isso dificultou a passagem destes pelo território e também pela invasão russa ao
Afeganistão, que fecharam o país aos viajantes. (OLIVER, 2014 apud BUCHAN, 2012).
Esses eventos significativos alteraram drasticamente o cenário e a viabilidade da rota,
levando seus visitantes a retornarem aos países de origem ou se estabelecerem na região.

CONCLUSÃO
Como foi apresentado ao longo do trabalho, a influência da Guerra Fria e da Guerra
do Vietnã no movimento hippie foi profunda e duradoura. Ao desafiar os valores dominantes
de seu tempo e buscar uma alternativa pacífica aos conflitos militares, os hippies
promoveram ideais de paz, amor e liberdade que ressoaram além das fronteiras dos Estados
Unidos. Seu legado transcendeu décadas, inspirando gerações posteriores a questionar o
status quo, buscar a harmonia com a natureza e promover a mudança social. Embora o
movimento hippie tenha surgido em um contexto específico, sua mensagem de união,
compaixão e autenticidade continua relevante em um mundo em constante busca por paz e
justiça.

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