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ISSN 2317-9082

&
Gestão Aprendizagem
v. 10, n. 2, jul./dez. 2021

Dossiê I

Habermas
Gestão & Aprendizagem

SUMÁRIO

UMA PERSPECTIVA EDUCACIONAL HABERMASIANA: MÍME


SIS PEDAGÓGICA, ÉTICA E EMANCIPAÇÃO .................................. 3-19
Ginaldo Alves Pereira
Anderson de Alencar Menezes

MULTIDIMENSIONALIDADE, INTERLOCUÇÃO E INTERAÇÃO


DIALÓGICA NA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS .... 20-41
Cristóvão Teixeira Rodrigues Silva
Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes

INTERSUBJETIVIDADE, DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO NO


CONSELHO ESCOLAR: UM ESTUDO À LUZ DE JÜRGEN
HABERMAS ................................................................................... 42-60
Thayse Mychelle de Aquino Freitas
Arilene Maria Soares de Medeiros

AS CONCEPÇÕES DE POVO, SOBERANIA E DEMOCRACIA NO


DISCURSO DE POSSE PRESIDENCIAL: POSSIBILIDADES DE
ANÁLISE COM HABERMAS ............................................................61-77
Fabiane da Fontoura Messias de Melo

HABERMAS E A MODERNIDADE OCIDENTAL ENTRE O NEO


FUNCIONALISMO SISTÊMICO DETALCOTT-
PARSONS E A DEPENDÊNCIA DE TRAJETÓRIA
DE JOSEPH SCHUMPETER ....................................................78-101
Thales Viana

HABERMAS, LEITOR DE BENJAMIN .................................102-122


Felipe Moralles e Moraes

CONSENSO HABERMASIANO E GESTÃO ESCOLAR:


PANORAMA DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS (2009-2019)
......................................................................................................123-140
Adrielly Benigno de Moura
Nayara Soares de Oliveira
Raíssa Lima Onofre

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.1, jul./dez. 2021


Gestão & Aprendizagem

EDITORIAL

A Revista Gestão & Aprendizagens, oportunamente, neste número lança uma


significativa contribuição temática ao trazer à cena parte da produção científica,
reflexiva e dialógica de influentes pesquisadores que participaram do Simpósio
Internacional Jurgen Habermas realizado pela Rede Interdisciplinar de Estudos
sobre Violências – RIEV em uma ação conjunta entre a Universidade Federal da
Paraíba, Universidade Federal de Santa Catarina, Universitat de València –
Espanha e Universidade Federal de Alagoas no período de 23 a 26 de novembro
de 2021, com o tema central “Ações Coletivas globais e Mundos da Vida locais em
Diálogo”. Uma provocação para retomada da teoria habermasiana, em especial
quando o mundo fora afetado pelo Leviatã sanitário provocado pelo Sars COVID-
19 (Coronavírus), gerando um “contexto de insegurança e perplexidade sobre o
sentido da vida” e todas as suas relações que envolve desde a luta pela
sobrevivência, ao repensar do existir em todas as suas dimensões.
As ações da vida presente chamaram à reflexão os sujeitos da própria história ora
em razão de suas afecções pessoais, ora em razão das discussões cientificas que
foram postas em dúvidas, e em alguns casos em descréditos conduzindo parte da
população ao desvario sem precedentes, em que a ciência foi posta de lado,
cabendo tomadas de posições mais drásticas diante de uma ilusória repercussão
midiática assentada e reiterada por informações falsas cada vez mais
avassaladoras e desafiadoras fomentando uma das mais significativas crises de
irracionalidade.
Retomar o diálogo tornou-se medida de emergência com vistas a explorar,
pensar, debater e aprender novos modos de pesquisas e alternativas de
compartilhamento de saberes e informação voltados para os contextos locais e
experiências reais, pensar O futuro, pois de acordo com Habermas em sua Teoria
do Agir Comunicativo defende que o processo de racionalização traz em si a
possibilidades libertárias em que a humanidade pode superar limitações que as
impedem o desenvolvimento racional, uma vez que esta mesma humanidade,
metaforicamente, não está condenada à jaula de ferro. É possível superar as
limitações por meio do desacoplamento entre mundo da vida e sistema,
possibilidade concreta de reencontro como desenvolvimento racional.

G&A, João Pessoa, v.10, n. 2, p.2-3, jul./dez. 2021- 2


Gestão & Aprendizagem

Nessa esteira de raciocínio os autores e autoras que escreveram os seis artigos


deste número, frutos das discussões realizadas durante o Simpósio em epigrafe
buscaram discutir temáticas que, interrelacionadas, se constituem em
provocações positivas para pensar, interdisciplinarmente, o mundo da vida
enquanto lugar de legitimidade para validar saberes científicos, morais e
estéticos, portanto, necessários ancorar-se nos pressupostos da racionalidade
capaz de acolher diferentes formas dialógicas e críticas que envolveram a
natureza, a biodiversidade, e os direitos humanos, contribuindo de alguma forma
para exorcizar as patologias da falsas comunicações e modos de vidas aviltantes
que provocam e agridem a todos por meios de uma pretensa validade. É preciso
combater a barbárie! O pensamento habermasiano por meio de seu agir
comunicativo pode propiciar novas formas coletivas de aprendizagens, marcados
por uma forte linguagem crítico social, eis a contribuição efetiva do pensar
científico que une teoria e prática dos autores envolvidos neste número.
Tenham todos e todas, uma excelente leitura!

Capital da Paraíba, primavera de 2022.

Profª Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira


UFPB/DCI/PPGCI

G&A, João Pessoa, v.10, n. 2, p.2-3, jul./dez. 2021- 3


Gestão & Aprendizagem

UMA PERSPECTIVA EDUCACIONAL HABERMASIANA:


MÍMESIS PEDAGÓGICA, ÉTICA E EMANCIPAÇÃO

GINALDO ALVES PEREIRA


Mestre em Filosofia / UFPE
E-mail: [email protected]

ANDERSON DE ALENCAR MENEZES


Doutorado em Ciências da Educação pela Universidade do Porto
E-mail: [email protected]

RESUMO
O propósito de uma pedagogia, baseada na filosofia habermasiana, é construir formas de
experiência e racionalidade na vida cotidiana, superando conflitos e construindo a capacidade
de compreensão entre os sujeitos. A educação seria mais produtiva e criticamente
transformadora, se transmitisse menos, transmitisse ideias prontas e buscasse desenvolver o
raciocínio dos indivíduos, numa postura de cidadãos éticos capazes de compreender por meio
da linguagem. A compreensão mútua sobre o conhecimento é o grande telos da pedagogia, não
se trata de ter mais informação ou melhor raciocínio. A educação tem um fundamento mais
mimético, as imagens mentais desempenham um papel essencial na aprendizagem, pois não
se trata de uma simples transmissão de informações, mas de uma compreensão ampla da
existência e da vida social, sem perder a noção de subjetividade. A sala de aula é um espaço
aberto para despertar a partir de imagens representativas da realidade, o desenvolvimento
cultural é um fator único na perspectiva educacional habermasiana.

Palavras- chave: Educação; racionalidade comunicativa; compreensão; mimético.

A HABERMASIAN EDUCATIONAL PERSPECTIVE:


PEDAGOGICAL MIMSIS, ETHICS AND EMANCIPATION

ABSTRACT
The purpose of a pedagogy, based on the Habermasian philosophy, is to build forms of
experience and rationality in everyday life, overcoming conflicts and building the capacity for
understanding between subjects. Education would be more productive and critically
transforming, if it transmitted less, transmit ready-made ideas and sought to develop the
reasoning of individuals, in a posture of ethical citizens capable of understanding through
language. Mutual understanding about knowledge is the great telos of pedagogy, it is not a
matter of having more information or better reasoning. Education has a more mimetic
foundation, mental images play an essential role in learning, as it is not a simple transmission
of information, but a broad understanding of existence and social life, without losing the notion
of subjectivity. The classroom is an open space to awaken from representative images of reality,
cultural development is a unique factor in the Habermasian educational perspective.

Keywords: Education; communicative rationality; understanding; mimetic.

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.4-19, jul./dez. 2021


GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

1 INTRODUÇÃO

Pensar a educação na perspectiva de Habermas é considerar a linha da crítica


social na Escola de Frankfurt e também as novas implicações que a autenticidade de
seu pensamento possibilita. Por isso, a proposta de pesquisa é fazer uma abordagem
da razão comunicativa dentro de uma pedagogia da ação comunicativa. Dessa forma,
este trabalho implica diretamente na compreensão habermasiana de racionalidade e
mundo da vida. Em relação ao aspecto funcional do entendimento, a ação
comunicativa serve à tradição e à renovação do saber cultural; em relação ao aspecto
de coordenação da ação, serve à integração social e à criação da solidariedade; e, por
fim, em relação ao aspecto da socialização, serve à formação de identidades pessoais.
As estruturas simbólicas do mundo da vida se reproduzem pela via da
continuação do saber válido, da estabilização da solidariedade dos grupos e da
formação de atores capazes de responder a suas ações. O processo de reprodução
enlaça as novas situações com os estados do mundo já existentes [...] A estes processos
de reprodução cultural, integração social e socialização correspondem os componentes
estruturais do mundo da vida que são a cultura, a sociedade e a personalidade.
(HABERMAS, 1987, p. 196).
Uma educação fundada no saber intersubjetivo da ação comunicativa refere-se,
diretamente, às experiências das pessoas no mundo vivido. Dessarte, se pode esconder
mais a necessidade de conciliar a pluralidade étnica e cultural, principalmente num
mundo globalizado e interligado pelos novos meios de comunicação. O processo de
aprendizagem precisa ser mais humanizante e conciliatório, no qual os indivíduos se
percebam como seres pensantes, realizadores de ações transformadoras no mundo.
Com isso, essa pesquisa reflete sobre as possibilidades e caminhos vivenciados por
meio de uma prática pedagógica mais mimética, integrada à ética e emancipação
humana, segundo o pensamento de Jürgen Habermas.

2 PERSPECTIVA EDUCACIONAL HABERMASIANA

A perspectiva do agir comunicativo realiza a função de coordenar ações que


possibilitam a ‘integração social e a geração de solidariedade’, seguindo a dinâmica do
jogo social de referência cultural, que dá respaldo às interpretações e validade das
intenções de verdade, assim como a própria compreensão da identidade dos sujeitos.
Por outro lado, segue-se um processo dinâmico de mudanças através de novas ações e
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GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

ideias que transformam a vida social e visão de mundo dos sujeitos. É nesse prisma
que Habermas define três agentes fundamentais nesse processo, ‘a cultura, a sociedade
e a pessoa’ (HABERMAS, 2012, p. 252-253).

A cultura constitui o estoque ou reserva de saber, do qual os


participantes da comunicação extraem interpretações no momento em
que tentam se entender sobre algo no mundo. Defino a sociedade por
meio das ordens legítimas pelas quais os participantes da comunicação
regulam sua pertença a grupos sociais, assegurando a solidariedade.
Interpreto a personalidade como o conjunto de competências que
tornam um sujeito capaz de fala e de ação - portanto, que o colocam em
condições de participar de processos de entendimento, permitindo-lhe
afirmar sua identidade.

O agir comunicativo resulta no saber intersubjetivo, pois é uma conceituação


ampliada do entendimento e aprendizagem. A linguagem não é apenas verbal, mas a
ação ou atitude que pode carregar em si a interpretação de uma realidade, como
também é portadora de conhecimento. Nesse sentido, a pedagogia se efetiva de forma
dialógica, tomando as interações sociais como cheias de significados, buscando uma
linguagem, uma comunicação de entendimento entre as pessoas que se relacionam
num determinado âmbito significativo da sociedade (HABERMAS, 1987).
Em uma proposta de teoria pedagógica é preciso pensar a realidade do espaço
escolar e sua função no mundo da vida, na realização de formar o ser humano para
cumprir bem seu papel social. Segundo José Pedro Boufleuer (2001, p. 56), em
Habermas é possível identificar três funções importantes da educação, pois ela influi
diretamente na ‘formação de identidades pessoais’, na ‘reprodução cultural’ e na
‘integração social’, promovendo a cooperação como dinâmica importante do mundo
vivido. Nisso sobressai a uma proposta de educação integral, que desenvolva a
sensibilidade humana para uma experiência mais completa das dimensões da
existência humana nos laços de convivência social.

2.1. Mímesis e Educação

A questão que se suscita é sobre a possibilidade de uma via mais pedagógica


mais esclarecedora, em sentido de conhecimento humano, através da visão estética, de
forma específica através da mímesis. O Sentido de mímesis está ligado, enquanto
pensamento filosófico, àquilo que manifesta a beleza da arte, é o que move a estética.

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GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

Ela é abordada no campo ‘artístico-literário’ e no pensamento filosófico (TREVISAN,


2000, p. 117).
A reflexão que se desenvolve agora é a possibilidade do sentido pedagógico da
mímesis, a possibilidade de conhecimento e sensibilidade compreensiva que ilumine
as ações educativas, gerando novas práticas formativas mais humanas e
esclarecedoras. Habermas busca resgatar esse conceito de mímesis em adorno
direcionando sua função de formação humana, possibilitando novas formas
aprendizagem, principalmente em sentido de uma razão comunicativa que a principal
questão defendida aqui. (TREVISAN, p. 117).
A educação, em sentido de ação comunicativa, deve buscar a reconstrução
racional das relações de aprendizagem, pensar aquilo que se fala, o saber precisa ser
identificado na vida partilhadoa no mundo. Assim, o ensino deve privilegiar o
‘multiculturalismo’ e a abertura cultural para os processos de compreensão da vida
social e da formação humana, focando “a interação cultural pelo diálogo, mantendo o
respeito pela especificidade de cada cultura”. (MUHL, 1999, p. 251).
Na Modernidade, identifica-se que o plano racional busca sempre uma evolução
humana, mas na Pós-Modernidade essa visão entra crise, rejeitando a ‘ideia da
metáfora da mente como espelho’, por ser fomentadora do conhecimento científico
prático. Com isso, houve, consequentemente, a crise da concepção de uma de essência
humana, a qual ficou impossibilitada de uma ontologia, levando assim à morte das
grandes narrativas. (TREVISAN, 2000, p. 126). Isso tudo leva também a uma falta de
identificação do outro, tornando o ser humano insensível ao outro, por isso, Habermas
admite que:
[...] A racionalidade moderna tornou-se totalitária, ao deixar-se
dominar pela estratégia teórica de exclusão do outro sob a compulsão
da identidade do mesmo, invadindo o mundo da vida e dos valores,
através da burocratização e monetarização de todos os vínculos
estabelecidos pelo ser humano com seu meio de existência [...]
(TREVISAN, 2000, p. 130).

Nesse sentido, em Habermas a filosofia deve pensar sempre os papéis da


educação, numa visão de reconstrução dos saberes, seguindo uma via dupla: “ela deve
se constituir em uma teoria crítica da sociedade e, simultaneamente, promover o
processo de cooperação interdisciplinar” (MULH, 1999, p. 252). Nessa perspectiva,
Habermas vê uma reciprocidade entre os processos de filogêneses e ontogêneses que
gera aprendizagem, de maneira que a formação humana possa assumir uma prática

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mais mimética no ensino. Por outro lado, o conceito de mímesis e formação topa na
questão do projeto de modernidade, que em Adorno é preciso ser superado; em
Habermas é retomado, quando explicita que a sua falha não está em ‘uma razão no
excesso de razão, mas sim em falta de mais racionalidade’ (TREVISAN, 2000, p. 131-
132).
Segundo Trevisan (2000, p. 150) a filosofia da educação deve pensar os meios
de superação do ensino técnico, mudando para uma perspectiva comunicativa. Em
Adorno, a mímesis é fundada numa ideia do caráter expressivo da arte; Habermas
defende uma visão mais argumentativa do ser mimético da arte. Dessa forma, busca
reconciliar a visão da mimese colocando a questão na relação de entendimento entre
os sujeitos, em uma forma de razão dialógica e interativa entre os sujeitos. Assim, as
experiências são mais significativas por considerar a realidade experimentada por cada
indivíduo, mas universalizada no debate racionalizado (TREVISAN, 2000, p. 136).
Outra controvérsia enfrentada pro Habermas é a diferença na concepção da
mímesis entre Adorno e Benjamin. Na visão adorniana, a mímesis é como algo
intocável; já na perspectiva de Benjamin, ela se manifestada na linguagem profana. Ele
defende que a democratização da arte leva a um crescimento humano pelo acesso das
classes menores em sua linguagem. Já para Adorno seria profanar o templo sagrada da
arte, perdendo o sentido mimético, que vai justamente levar a ideia de indústria
cultural à perca do sentido elevado de arte, empobrecendo a cultura e estagnando os
processos de humanização. (TREVISAN, 2000, p. 157-158).
Na filosofia de Walter Benjamin pode-se ver um otimismo na ‘desaurização da
arte’, pois agora não só uma classe elevada pode contemplar as obras artísticas em uma
linguagem elevada, mas as classes populares podem fazer sua contemplação e ter sua
participação nos benefícios da arte. Habermas pensa que a questão principal não é,
necessariamente, identificar a perca da aura na obra de arte, mas em identificar quais
são as ‘pretensões artísticas’, ou seja, é preciso desenvolver uma razão comunicativa,
na qual os sujeitos se entendam nessa relação artística. Também, para que a
intencionalidade do artista seja condizente com o próprio sentido da arte que ele
produz (TREVISAN, 2000, p. 158).
Habermas afirma que adorno está preso ao paradigma da
‘episteme/representação’, por isso propõe que a questão deve passar para o ‘paradigma
da metáfora especular’ (TREVISAN, 2000, p. 159). Com isso, é possível pensar uma
nova concepção de racionalidade, que assimile o conhecimento e as relações sociais no

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mundo vivido. Nessa realidade caí ‘o sujeito epistêmico autorreferencial’ e se promove


o “[...] Sujeito da interação comunicativa que, através da fala, procura entabular
entendimentos com os outros indivíduos, acerca do mundo e resolver os problemas
concretos de sua sobrevivência através de argumentos” (MUHL, 1999, p. 244).
A escola, por ser uma instituição social, enfrenta em sua atuação as patologias
dos sistemas sociais. No Brasil, os alunos da educação básica são vítimas das ilusões
vendidas pela lógica do mercado de trabalho e todas as fantasias em torno do status
que envolvem as novidades constantes encantadoras, as quais dão um sentido de
eficácia e desenvolvimento (TREVISAN, 2000, p. 248). Sobre isso, argumenta Muhl
(2011, p. 1040), que o domínio da ‘ideologia tecnocrática’ leva a uma dominação
sistêmica educação “[...] Implicando a eliminação da diferença entre práxis e técnica e
tornando a relação entre os membros da comunidade escolar impessoal.
A filosofia da educação de ver e se preocupar em manter o vínculo da
racionalidade com as realidades humanas de forma integral, conservando ‘a unidade
da razão’, atualmente se encontra ‘tão fragmentada e reduzida pela predominância de
uma visão instrumentalista do conhecimento’ (MUHL, 2011, p. 1045). Historicamente,
pode-se ver a debilidade do ensino das ciências humanas nas escolas brasileiras, os
currículos pouco contemplam essa área do conhecimento, por dar predominância às
de cálculo e ciências da natureza. Isso leva a uma adestração das habilidades e
competências dos alunos, que parecem ter poucas opções para seguir e fazer seu
destino. Assim, é necessário um ensino que busque desenvolver as várias habilidades,
principalmente a sensibilidade estética, como forma de aprendizagem e crescimento
cultural (TREVISAN, 2000, p. 250).
Para Trevisan (2000, p. 259-260), Habermas busca realizar um novo espaço
para mimeses definida por Adorno, a questão é superar a visão representativa da
mímesis por estar condicionada a ideia de ‘pensamento teleológico da filosofia da
história’. Por isso, Habermas vê na ação comunicativa a saída para realizar uma
mímesis pedagógica iluminada pela perspectiva de reconstrução do projeto de
modernidade, buscando a racionalização como forma de crescimento humano e social.
Assim, a mímesis em Habermas tem o sentido de consenso e não de
conhecimento justaposto. O entendimento entre os interlocutores tem o sentido
deturpado pela cultura atual que dar uma ideia de relativismo; no pensamento
habermasiano o consenso se dar pelo melhor argumento. Isso possibilita uma
‘pedagogia mais democrática’ e um encaminhamento para realização de um ensino, no

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qual a filosofia tenha a liberdade da crítica, da busca pelo conhecimento válido.


Também, sendo base para novas relações de conhecimento e racionalidade no um do
da vida (TREVISAN, 2000, p. 264-265).
Na visão de Adorno a dimensão das ‘energias criativas e transformadoras’ tinha
desaparecido da vida social e da educação, sendo relegadas ao exotérico, além do mais,
as mídias fazem um papel de formação deturpada do sentido estético, levando as
pessoas a perderem o senso da crítica. Por outro lado, a teoria da ação comunicativa
busca reativar essas energias, liberando-as para o mundo da vida e para a formação
humana, possibilitando uma pedagogia que englobe as riquezas da estética, visando a
racionalização do espaço escolar e consequentemente do mundo vivido (TREVISAN,
2000, p. 271).
A mímesis na educação evoca o ensinar pelas imagens, pelo lúdico, superando
uma formação prática que ainda está situada na ‘razão instrumentalizada’. É preciso
desenvolver a compreensão de um ensino que contemple as várias habilidades do
indivíduo, sua capacidade atlética, seu dom para escrever, para liderar, para a
criatividade, para curiosidade científica (TREVISAN, 2000, p. 273).
O conceito de mundo-da-vida em Habermas possibilita ainda uma justificativa
de fundamentação da ética e da arte no plano da racionalidade. Segundo Prestes (2005,
p. 43), o mundo contemporâneo se caracteriza pela variedade de ideias diferentes sobre
arte e estética, assim como as questões éticas. Mas a racionalidade comunicativa de
Habermas, por garantir ‘a interdependência das várias formas de argumentação’,
considerando ‘a verdade do mundo objetivo, o moralmente prático e o esteticamente
expressivo, abre espaço para uma renovação satisfatória da relação estética com as
questões do conhecimento e prática moral.
Segundo Habermas (1993, p. 119):

A experiência estética não renova apenas as interpretações das


necessidades, à luz das quais percebemos o mundo; interfere, ao
mesmo tempo, também nas explicações cognitivas e expectativas
normativas, modificando a maneira como todos esses momentos
remetem uns aos outros.

A formação humana na teoria ação comunicativa deve ser fundada na superação


do educar o ‘homo economicus’, para a formação do ‘homo ludnens’ pelo lúdico é
possível desenvolver o conhecimento em uma dimensão mais ampliada, percebendo a
própria raiz do saber, que é gerada pela experiência da realidade vivida em sua

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esteticidade. Dessa forma, desenvolve-se a raiz simbólica do lúdico e artístico com


ampliação do saber e da capacidade comunicativa, pois, assim, as interações humanas
terão mais sentido no mundo da vida, por reconhecer a própria estrutura da
comunicação e entendimento que rege as relações humanas. (TREVISAN, 2000, p.
282-283).

A reprodução do mundo da vida ocorre pela formação da competência


linguística estética, cognitiva e ética, ou seja, da primeira, segunda e
terceira pessoas do discurso. É isso que possibilita a participação na
comunidade do diálogo sem incorrer em autocontradição
performativa. Habermas não busca, assim, uma equivalência entre
sujeito e objeto, posturas que são próprias das pedagogias não-
diretivas, mas o objeto, passa a circular, ser compartilhado e definido
entre os virtuais participantes do diálogo. A mímesis comunicativa
seria a forma de consolidar a relação fraterna, capaz de contrapor-se à
falsa cisão ou separação sujeito-objeto, que serve, fundamentalmente,
para separar o objeto do mundo da vida (TREVISAN, 2000, p. 284).

A mímesis será mais efetiva na vida das relações humanas quando for
desenvolvida na vida educacional. Ela possibilita também uma interação voltada para
dimensão do outro, uma sensibilização de entendimento, na qual as pessoas se
compreendam mutuamente buscando sempre superar os conflitos gerados pelo
desentendimento e divergências. Isso é importante para evitar novamente que a
humanidade recaia na barbárie, como Adorno tanto alertava, e colocava como tarefa
fundamental da educação. (TREVISAN, 2000, p. 287).
Nesse seguimento, a educação não pode ser vista sem a relação com a ética, pois
a mímesis requer um conhecimento ampliado da racionalidade pautada no
entendimento intersubjetivo, de um saber dialógico entre os indivíduos do mundo da
vida. A ação ética é requer atitudes estéticas, na qual a produção artística alarga a
compreensão humana sobre a amplitude dos horizontes da saciedade, cultura e
personalidade. Essa visão ampla é a própria realidade de incomensurabilidade da
realidade em sua apreensão racional. Assim, é preciso uma integração do
conhecimento para haver maior claridade sobre uma realidade ou sobre o todo da
realidade.

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GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

3 EDUCAÇÃO ÉTICA E RACIONALIZAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR

A ética do discurso deve pensar a racionalidade da ética que está por trás das
afirmações, em um mundo marcado pela ciência moderna e lógica produtiva. É um
fundamental refletir as consequências e verdadeiro sentido das pretensões dos agentes
discursivos. Por outro lado, é preciso considerar uma ética universalista como nos
termos kantianos, superando a ética particularista de pequenos grupos, uma vez que o
mundo no processo de Pós-Modernidade está interligado, não tendo sentido pensar
em contextos locais, mas mundiais (OLIVEIRA, 1993, p. 9-10).
Segundo Muhl (1999, p. 245), “A razão comunicativa é uma razão que não é
alheia aos sentimentos, às vivências, à moralidade, à experiência estética dos
indivíduos [...]”. Essa racionalidade contempla as vivências do mundo da vida, pois ela
agrega a vida humana na integralidade ‘concretizada na história’, organizando a vida
comunicativa da realidade cotidiana. A consciência epistemológica do sujeito é movida
pela intersubjetividade, deslocando-se de um individualismo do ‘Eu’ cognitivo, o qual
só vê a si mesmo como base do conhecimento. Ao contrário, na ideia de Habermas
(1990, p. 212):

[...] A auto-consciência forma-se através da relação simbolicamente


mediada que se tem com um parceiro de interação, num caminho que
vai de fora para dentro. Nesta medida, a autoconsciência possui um
núcleo intersubjetivo; sua posição excêntrica testemunha a
dependência contínua da subjetividade face à linguagem, que é o meio
através do qual alguém se reconhece no outro de modo não-
objetivador. Como em Fichte, a autoconsciência surge de encontro com
um outro Eu colocado perante mim.

Segundo Manfrendo de Araújo Oliveira (1993, p. 12), a cultura moderna faz uma
divisão de áreas nas ciências, fomentado sua dimensão instrumental, confinando áreas
do saber a uma particularidade de ciência. Isso infere na realidade ética, uma vez que
parece ter campos individuais, como a religião, por exemplo, que desenvolve sua ética
própria. Mas isso dificulta a necessidade de uma universalização, que seria essencial
para o diálogo e entendimento entre as pessoas. Ademais, na visão de ação ética, em
Habermas, Manfrendo de Araújo Oliveira (1993, p. 14), define-se que o mundo da vida
sem racionalização, sem atuação da ação comunicativa recai no problema de um
mundo condicionado pelas forças mercadológicas, sendo o capital a mola propulsora
de toda a dinâmica da vivência e relações humanas. Por isso, o pensamento de

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GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

Habermas busca encontrar caminhos, dentro das organizações, como saída para o
desenvolvimento da razão comunicativa no âmbito da vida partilhada, nas relações
éticas e comunicativas.

Autonomia das novas organizações vai ser conquistada precisamente


por uma demarcação neutralizante em relação à estruturas simbólicas
do mundo vivido, fazendo-se indiferentes aos elementos constitutivos
do mundo vivido ou seja, à cultura, à sociedade e à personalidade.
Essas organizações funcionam independentes das disposições de ação
e dos fins pretendidos por seus membros; abstraem sistematicamente
dos contextos particulares de vida de seus membros; abstraem
sistematicamente dos contextos particulares de vida de seus membros,
que poderiam perturba o processo [...]. (OLIVEIRA, 1993, p. 14).

Nesse sentido, o mundo da vida é regido por uma forma de comunicação entre
os indivíduos de forma que construam relações pautadas na racionalidade e
entendimento, possibilitando o surgimento de contextos de formalização da vida
social, regido por regras racionalmente instauradas, regendo as relações interpessoais.
Por outro lado, o crescimento do processo de modernização, movido pela razão
instrumental, provoca a formação de subsistemas, de forma que provoca o
“Afastamento progressivo das relações sociais da identidade dos agentes: a esfera do
agir comunicativo, cada vez mais, passa à periferia da estrutura social
sistematicamente integrada [...]” (OLIVEIRA, 1993, p. 16).
Muhl (1999, p. 214) mostra que a dificuldade do modelo de uma razão
comunicativa nas relações humanas enfrenta o entrave da dominância sistêmica,
provocando patologias na ‘reprodução cultural’ e na vida de interações sociais como
um todo. Isso provoca a crise de identidade, a qual dificulta a elaboração uma
identidade coletiva, consequentementede estabelecer uma falta de integração em toda
o mundo da vida, inclusive da educação que não tem um objetivo humanizador que
paute a formação humana. Assim, é preciso enfrentar o problema ético da vida
condicionada por forças exteriores ao processo de razão e comunicação entre os
indivíduos, sendo importante purificar os mecanismos de interação dessas forças
alienantes. (OLIVEIRA, 1993, p. 17-18).

À medida que a cultura se torna mercadoria, e isso não só por sua


forma, mas também por seu conteúdo, ela se aliena àqueles momentos
cuja recepção exige uma certa escolarização − no que o “conhecimento”
assimilado por sua vez eleva a própria capacidade de conhecer [...] A
intimidade com a cultura exercita o espírito, enquanto que o consumo
da cultura de massas não deixa rastros; ele transmite uma espécie de
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experiência que não acumula, mas faz regredir. (HABERMAS, 1984, p.


196).

A primeira questão em Habermas é situar a ética na vida humana. Compreende-


se, assim, que só existe o ético por conta das relações humanas, na capacidade de
reconhecimento de normas universais, fruto da interação dos sujeitos. O sentimento
ético tem legitimidade moral igual às normas, pois a origem da ação correta passa pelo
consenso entre os participantes do mundo partilhado. Assim, a verdade ética em
sentido habermasiano é possível, semelhante à verdade no conhecimento racional, que
é validado pela argumentação, entendimento e consenso (OLIVEIRA, 1993, p. 19).

3.1 A sala de aula como espaço de Racionalização

A ação pedagógica em sentido habermasiano tem uma realização ética através


de um alargamento da compreensão da realidade humana, a mímesis na formação
humana, desenvolve a sensibilidade para a pluralidade humana, e o reconhecimento
do outro dentro da visão ampliada de humanismo. A sala de aula é o chão da interação
do saber. Atualmente, é evidente a educação na razão instrumental, uma tendência
máxima sobre disciplinas de cálculo e ciências da natureza, a qual se funda no
desenvolvimento quantitativo dos alunos, privilegiando habilidades em raciocínios
sobre essas áreas citadas.
É uma realidade na educação a tendência mercadológica, principalmente no
oferecimento de conteúdos que possibilitarão com que os alunos consigam alcançar
seus interesses profissionais. Parece que em sentido filosófico, a formação educacional
atualmente é mais sofista que socrática, ou seja, o saber é relativo, a sala de aula deve
ser um cursinho para passar no vestibular ou em algum concurso, a dimensão do
sentido da vida, da verdade humana e felicidade humana, já parece não ter espaço no
currículo e prática pedagógica. Por isso, é que também a educação se tornou um
produto, com marketing em torno da escola, como qualquer produto mercadológico,
pois ela parece ser a realizadora dos sonhos almejados.
Isso corrobora com aquela questão defendida por Bourdieu (1998, p. 28) sobre
a metáfora do capital cultural, na qual os indivíduos não têm acesso igualmente ao
conhecimento. Percebe-se, então, que a desigualdade social também está na aquisição
do conteúdo cultural. Assim, a escola não consegue vencer essa lógica e ser um espaço
democrático e igualitário de saber, mas um mecanismo de reprodução da desigualdade

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GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

no acesso ao capital cultural. Isso, no Brasil é mais que evidente, os próprios


professores são criticados quando não se atinge as metas quantitativas do ensino, como
se os alunos fossem um produto que deve oferecer números, as dimensões humanas
são deixadas de lado em favor de uma mecanização da pessoa humana.
A filosofia da educação deve estar atenta a essas questões na escola, é preciso
aproveitar esse momento, para poder fomentar a decadência dessa visão de
aprendizagem. A razão instrumental não desenvolve a integralidade do saber, da vida
humana, é preciso um novo despertar formativo, os alunos precisam ser protagonistas
da sua aprendizagem, pois qualquer que seja o cenário, eles sempre estarão
desenvolvendo sua busca formativa. Por isso, é fundamental o desenvolvimento de
uma educação da sensibilidade do sujeito, onde os alunos percebam a dimensão ampla
da realidade humana, principalmente em sentido lúdico, desenvolvendo o senso da
arte, a realidade formativa da mímesis.
Pensar a sala de aula como espaço de aprendizagem é refletir também o papel
do professor de filosofia, que deve pensar, em sentido habermasiano, tanto a estrutura
formativa do espaço escolar, como também a racionalidade que move o ensino. Não
sendo o bastante, deve pensar as práxis pedagógicas em sua eficácia formativa, os
métodos e didáticas da prática do ensino. Uma questão, que poderia ser perguntada,
era sobre a possibilidade da sala de aula como ‘lugar ideal de fala’. Habermas fala do
lugar ideal como sendo o espaço onde a argumentação dos interlocutores pode ser
fundamentada, visando um entendimento epistemologicamente válido.
Essa questão parece importante, uma vez que poderia se ter um direcionamento
mais prático para uma filosofia da educação e também apresentaria uma hipótese que
acrescentaria mais reflexões e contribuições à filosofia de Habermas. A sala de aula
pode ser um ‘lugar ideal de fala’ na medida em que um debate, em um determinado
nível, pode ser mediado por regras em busca de maior compreensão sobre uma
temática e um consenso de entendimento, usando a racionalidade comunicativa, “A
práxis educativa é condição para a mediação da cultura, e o autodesenvolvimento de
um indivíduo se torna possível numa relação intersubjetiva, pois estes ocorrem
fundamentalmente na comunicação” (GOMES, 2009, p. 243).
Por outro lado, é difícil pensar a sala de aula como ‘lugar ideal de fala’ na medida
em que está em jogo o conhecimento e aprendizagem, pois os alunos ainda estão em
desenvolvimento da experiência nas ciências e na capacidade crítica e argumentativa.
Assim, o professor pode até fazer um ambiente ideal de aprendizagem, mas a

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dificuldade de ser um ‘lugar ideal de fala’ esbarra na necessidade de aprender sobre a


filosofia, questão que precisaria ser desenvolvida para realizar um conhecimento
válido.
Essa questão pode encontrar algumas teorias educacionais que podiam
corroborar para a sala de aula como lugar de ideal de fala, em filosofias da educação
que prezam o conhecimento dos alunos, onde o professor é um mediador. Pode-se citar
o pensamento de Paulo Freire que defende uma pedagogia da autonomia, a qual preza
formar indivíduos mais conscientes e autônomos. Também, a perspectiva de Simon
Bolivar pode aclarar mais essa questão, uma vez que ele defende um ensino construído
pelo aluno em superação do modelo explicador, possibilitando um ensino que leve à
emancipação humana. “[...] É preciso recuperar a experiência esquecida da reflexão,
tornando a escola e, de modo especial, a sala de aula um espaço público de exercício do
pensar, como condição necessária para a formação da opinião pública” (MUHL, 2011
p. 1043).
Outra questão é a influência kantiana, uma vez que Habermas se coloca no papel
de herdeiro no que compete a reconstrução do projeto de modernidade. Será se ele
concorda com a visão educacional de Kant? Para Kant o ser humano sem educação é
um animal, a educação o humaniza, livrando-o dos instintos animais. Na proposta de
educação, Kant defende que o ideal humano é alcançar a maioridade ou autonomia,
sendo conscientes das suas escolhas e ideais, mas admite que é necessária uma
educação heteronímica, uma vez que, na infância ou início dos estudos, os indivíduos
ainda não têm maturidade para usar a autonomia.
No pensamento de Habermas “[...] O sujeito transcendental de Kant é
substituído pela comunidade comunicativa e as categorias do entendimento passam a
ser entendidas como competências desenvolvidas pela espécie humana de produzir
entendimentos” (MUHL, 2011 p. 1037). Assim, seguindo essa linha, a sala de aula não
pode ser um lugar ideal já que os alunos estão em processo de heteronomia, buscando
chegar à maioridade intelectual. Por outro lado, pode-se considerar o ensino médio no
sistema educacional, como o nível da educação em que os alunos estão alcançando
maior conhecimento crítico. Por isso, no Brasil, a filosofia se torna obrigatória no
ensino nesse nível educacional, podendo ajudar aos alunos a terem contato com ideias
e argumentações, possibilitando o desenvolvimento da autonomia humana.
Essa questão se torna extensa e deveria ser mais abordada, mas a princípio, na
perspectiva habermasiana, a sala de aula poderia ser um ‘lugar ideal de fala’ para

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construção do entendimento intersubjetivo, uma vez que a questão educacional parte


de uma reflexão de seu modelo filosófico e não um posicionamento diretamente
pedagógico. Mas, pode-se até afirmar que a sala de aula, nas aulas de filosofia, deve ser
o lugar ideal para desenvolver o conhecimento e experimentos de ideias filosóficas,
inclusive das habermasianas.
Nessa perspectiva, pode-se fazer com que os educandos tenham contato com um
debate entre interlocutores sobre um determinado tema. Isso deve acontecer mesmo
sem ter a finalidade de oferecer uma resposta válida pela razão, mas sim mostrando o
modelo proposto por Habermas para se chegar a um entendimento entre os
interlocutores numa temática, buscando a compreensão mútua na racionalidade
comunicativa. Sobre isso, Martinazzo (2005, p. 205) argumenta que:

A prática educacional fundada em uma pedagogia conhecimento


intersubjetivo, possibilita tratar a sala de aula como um ambiente de
projeção da vida social, é como se fosse um ensaio do mundo vivido,
assim, tem um grande valor ético, à medida que forma os indivíduos
para ações concretas da vida, despertando a compreensão de vida
social e racionalidade como os meios de superação dos problemas das
ciências e dos conflitos sociais.

Assim, é importante racionalização do espaço escolar, segundo Habermas


(1990, p. 34) “Racionalizar significa aqui o cancelamento das relações de coerção que,
penetrando imperceptivelmente nas estruturas comunicativas [...]”. A atuação do
professor de filosofia na escola, numa perspectiva da pedagogia da ação comunicativa,
tem papel fundamental na crítica dos valores e objetivo ditados por sistemas sociais.
Ele deve ser uma mente sempre atenta à prática pedagógica, de forma a escapar da
educação instrumentalizada, desenvolvendo formas de aprendizagem mais
humanizadas que priorize a ética, o diálogo e a sensibilidade ao entendimento do outro.
Atualmente, uma teoria parece adentrar na formação docente e nas ideias de
aprendizagem no âmbito escolar, é a teoria das múltiplas inteligências de do psicólogo
Howard Gardner, que defende várias formas de inteligência: a Inteligência lógico-
matemática, a Inteligência linguística, a Inteligência visual-espacial, a Inteligência
corporal-cinestésica, a Inteligência musical, a Inteligência interpessoal, a Inteligência
intrapessoal.
Para Gardner (2000, p. 59): "[...] Graças à evolução, cada um de nós é equipado
com estes potenciais intelectuais, que podemos mobilizar e conectar segundo nossas
próprias inclinações e as preferências de nossa cultura". Assim, há uma interação
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dessas capacidades e o ser humano, contudo o desenvolvimento delas depende do


modelo cultural de cada civilização em um espaço/tempo específicos.
Essa teoria das múltiplas inteligências parece ser uma via que possibilita maior
abertura a uma racionalidade comunicativa. Consiste numa pedagogia que privilegia a
mímesis, uma forma de racionalidade ampla, que valoriza os aspectos humanos em
uma integralidade maior, libertando a visão de ensino em um só tipo de inteligência,
mas buscando práticas que valorizem habilidades diferentes.
No ensino atual, percebe-se que certos saberes são considerados mais valiosos
que outros, como já foi tratado acima, valorizando-se muito a lógico/matemática.
Contudo, os alunos que não têm uma maior inteligência para essa dimensão acabam
perdendo de desenvolver outras inteligências que eles apresentam mais aptidões, as
quais são desvalorizadas.
No entanto, a filosofia da educação deve estar atenta a essa ideia de múltiplas
inteligências, em sentido que a visão mercadológica já está desenvolvendo o marketing
sobre essa teoria. Corre o risco de haver uma instrumentalização dessa visão ampla de
inteligência, encobrindo uma abertura de racionalização mais humanizada, para
conseguir apenas usar a ideia de múltiplas inteligências para continuar usando a lógica
de pedagogias tradicionalistas, de apenas informar como sentido de formação.

4 CONCLUSÃO

Portanto, a prática escolar tem uma grande oportunidade de ampliar os níveis


de aprendizagem, para uma educação mais emancipatória, a questão é salvaguardar
essa ideia de múltiplas inteligências da visão colonizadora, que serve ao sistema,
principalmente à lógica mercadológica. Considerar essa teoria de Howard Gardner é
aumentar o espaço de aprendizagem, fomentando mais investimento em estruturas
que possibilitem o desenvolvimento das mais variadas inteligências. Por exemplo, mais
esportes, mais música e outras habilidades artísticas e formativas.
As inteligências interpessoal e intrapessoal são importantíssimas para maior
realização da comunicação e entendimento na ação comunicativa, de forma que a
escola se torna o lugar de um projeto de experiência mais racional e humanizada. A
própria ética da alteridade, assim como os projetos coletivos terão espaços
compreensivos para serem desenvolvidos, quebrando com a lógica instrumental e
individualista que marca a cultura atual. Assim, abrirá espaço para o ensino

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GINALDO ALVES PEREIRA | ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

esclarecedor, com mais diálogo e coletividade, possibilitando um projeto mais amplo


de emancipação humana.

REFERÊNCIAS

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BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. 251p.
GARDNER, Howard. Estruturas da mente. A Teoria das Inteligências
Múltiplas. Trad. Costa, S. 2a Ed., Porto Alegre: Artmed Editora, 2000. 340p

GOMES, R. L. Educação e Comunicação em Habermas: o entendimento como


mecanismo de coordenação da ação pedagógica. Cadernos de Educação -
FaE/PPGE/UFPel - Pelotas [33]: maio/agosto, 2009. p. 231-250.

HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Trad. Flávio R. Kothe.


Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica


de Gadamer. Trad.: Álvaro L. M. Valls. Porto Alegre: L&M, 1987.

HABERMAS, J. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio


Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. 136p.

HABERMAS. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. 92p.

HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo, 2: sobre a crítica da razão


funcionalista. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Editora WMF Martins
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MÜHL, E. H. Racionalidade comunicativa e educação. Campinas, SP:


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(Coleção filosofia – Nº 28)

TREVISAN, A. L. Filosofia da educação: mímesis e razão comunicativa. Ijuí-RS:


Ed. UNIJUÍ, 2000. 328p.

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Gestão & Aprendizagem

MULTIDIMENSIONALIDADE, INTERLOCUÇÃO E
INTERAÇÃO DIALÓGICA NA EDUCAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS

CRISTÓVÃO TEIXEIRA RODRIGUES SILVA


Doutorando em Educação / PPGEd/UFRN
E-mail: [email protected]

ANTONIO BASILIO NOVAES THOMAZ DE MENEZES


Doutorado em Educação / UFRN
E-mail: [email protected]

RESUMO
A Educação em Direitos Humanos (EDH) tem como objetivo amplo a formação de uma
sociedade solidária, para tanto, adota práticas educativas multidimensionais, na articulação
entre sujeitos, saberes e metodologias. Partindo de tais ideias, este artigo busca responder a
seguinte pergunta: quais princípios que estruturam a multidimensionalidade da educação em
direitos humanos, para a formação de uma sociedade solidária, podem ser formulados a
partir das condições de entendimento dialógico presentes no mundo da vida? O estudo
desenvolve-se em uma perspectiva teórica e abordagem dedutiva, com o uso da revisão de
literatura. Inicialmente, apresenta-se o conceito de educação como processo dialógico e
multidimensional para, em seguida, indicar o sentido de multidimensionalidade na EDH. Na
segunda parte, trata-se dos princípios estruturantes EDH, a partir da ideia de solidariedade
como interlocução e diálogo. Ao final, compreende-se que a estrutura dialógica do mundo da
vida serve de fundamento para os princípios: interlocução de saberes e da interação dialógica
entre sujeitos. Tais princípios orientam as práticas multidimensionais para além do
conhecimento técnico-científico, incluindo aspectos normativos-sociais e subjetivos, através
de práticas educativas baseadas no diálogo e na crítica reflexiva, que leva à formação de sujeitos
comprometidos com o respeito à diferença e à coordenação social através do entendimento.

Palavras-Chave: Multidimensionalidade; Educação em Direitos Humanos; Diálogo.

MULTIDIMENSIONALITY, INTERLOCUTION AND


DIALOGICAL INTERACTION IN HUMAN RIGHTS
EDUCATION

ABSTRACT
Human Rights Education (HRE) has as its broad objective the formation of a solidary society,
so it adopts multidimensional educational practices, in the articulation between subjects,
knowledge and methodologies. Based on such ideas, this article seeks to answer the following
question: which principles that structure the multidimensionality of human rights education
for the formation of a solidary society can be formulated from the conditions of dialogic
understanding present in the world of life? The theoretical study is developed from a deductive
approach, with the use of literature review. Initially, the concept of education is presented as a
dialogic and multidimensional process, followed by indicating the meaning of
multidimensionality in the HRE. The second part deals with the structuring principles of HRE,
based on the idea of solidarity as interlocution and dialogue. In the end, it is understood that
the dialogic structure of the lifeworld serves as a foundation for the principles: interlocution of
knowledge and dialogic interaction between individuals. Such principles guide

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NOVAES THOMAZ DE MENEZES

multidimensional practices beyond technical-scientific knowledge, including normative-social


and subjective aspects, through educational practices based on dialogue and reflective
criticism, which leads to the formation of individuals committed to the respect for difference
and social coordination through understanding.

Keywords: Multidimensionality; Human Rights Education; Dialogue.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como instrumento de transmissão de saberes culturais, normas sociais e


formação de personalidades individuais, as práticas educativas podem contribuir para
a aproximação entre conhecimentos e contextos de vida, fomentando relações
intersubjetivas solidárias. Para isso, requer estruturar-se na noção multidimensional
do processo de ensino-aprendizagem, englobando aspectos técnico-cognitivos, social-
normativos e de subjetivo-expressivos. O desafio que se apresenta às práticas
educativas, nas sociedades atuais, em grande medida construídas a partir de saberes
neutros/objetivos e de relações sociais mediadas pelo poder e pelo lucro, é a integração
entre conteúdos, relacionamentos intersubjetivos e metodologias, rompendo com
perspectivas pedagógicas tecnicistas, individualistas e descontextualizadas.
Tais questões são ainda mais evidentes ao se tratar da Educação em Direitos
Humanos (EDH), a qual está voltada para a formação de sujeitos solidários. Por isso,
é preciso refletir sobre as práticas que envolvem a EDH e seus princípios estruturantes,
que, segundo a literatura especializada e os documentos político-pedagógicos, são
ações educativas multidimensionais. A priori, a EDH compromete-se com uma
perspectiva educativa ampla e integrativa, aproximando conteúdos e contextos sociais,
em um ambiente de respeito às diferenças.
O artigo busca uma resposta para o seguinte problema quais princípios que
estruturam a multidimensionalidade da educação em direitos humanos, para a
formação de uma sociedade solidária, podem ser formulados a partir das condições
de entendimento dialógico presentes no mundo da vida? A resposta pode ser
construída a partir dos elementos centrais das relações comunicativas, que tomam o
mundo da vida – integrado pelas dimensões objetivas, social e subjetiva – como
referência para produção de entendimentos linguísticos, consensos sociais e saberes.
A noção de multidimensionalidade do mundo da vida permite que se pense na
ampliação do processo de ensino-aprendizagem para além de saberes técnicos-

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CRISTÓVÃO TEIXEIRA RODRIGUES SILVA | ANTONIO BASILIO
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cognitivos, englobando saberes normativos e subjetivos, em relações intersubjetivas


pautadas pela não-coercibilidade e na igualdade entre os envolvidos.
Trata-se de um estudo de abordagem dedutiva, partindo da ideia geral de
relações comunicativas para fundamentar princípios estruturante para a EDH. Os
objetivos fixados são exploratórios, voltados para a reflexão crítica sobre a
multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem, entendendo que a EDH
somente pode cumprir seu objetivo se estiver alicerçada em práticas dialógicas de
interação entre sujeitos e de produção de saberes. Usa-se a revisão de literatura como
procedimento metodológico para apresentar as discussões e a formulação de
interpretações dos conceitos apresentados.
O texto está estruturado em duas partes. Na primeira, discute-se a noção de
multidimensionalidade do mundo da vida e como estruturalmente está ligado às
práticas educativas, em seguida, apresenta-se o seu sentido específico nas delimitações
político-pedagógicas da EDH. Na segunda parte, aborda-se o conceito de sociedade
solidária, a partir das noções de intersubjetividade, pluralismo e reciprocidade, como
objetivo da EDH, e, ao final, apresenta-se a proposta dos princípios estruturantes para
a EDH, com base em uma perspectiva dialógica das relações intersubjetivas e produção
de saberes.

2 MULTIDIMENCIONALIDADE NA EDUCAÇÃO EM DIREITOS


HUMANOS

2.1 Mundo da vida e práticas educativas multidimencionais

A estrutura das relações comunicativas, que formam e tomam como base o


mundo da vida, pode servir de fundamento para entender como o saber é contextual e
intersubjetivo, exigindo sempre justificação diante de contestação alheia. Segundo
Habermas, o mundo da vida é “[...] o lugar transcendental em que os falantes e ouvintes
se encontram [...]” (2019, p. 231). Este espaço permite que as pessoas, em atos
cotidianos de comunicação, possam levantar “[...] a pretensão de que suas
exteriorizações condizem com o mundo objetivo, social ou subjetivo; e onde podem
criticar ou confirmar tais pretensões de validade, resolver seu dissenso e obter
consenso” (HABERMAS, 2019, p. 231). A racionalidade que aí opera baseia-se na
necessidade de justificação de qualquer exteriorização linguística, em referência ao

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conjunto de elementos simbolicamente compartilhado, o que permite a formação de


consensos intersubjetivamente validados como verdadeiros, corretos e sinceros.
É no diálogo que os humanos constroem seus saberes sobre os três aspectos
especializados do mundo da vida: cognitivo, social e subjetivo. A comunicação
linguística permite aos humanos construir intersubjetivamente representações do “[...]
mundo objetivo (enquanto totalidade das entidades sobre as quais são possíveis
enunciados verdadeiros) [...]”; formulações normativas que dizem respeito ao “[...]
mundo social (enquanto totalidades das relações interpessoais reguladas
legitimamente) [...]”; e experiências que integram o “[...] mundo subjetivo (enquanto
totalidade das vivências às quais o falante tem acesso privilegiado e que ele pode
manifestar de modo veraz diante de um público)” (HABERMAS, 2019, p. 221).
A partir da análise do uso cotidiano da linguagem é possível identificar
algumas condições pressupostas que caracterizam e permitem o diálogo, como a
permanente possibilidade de questionamento, produzindo “[...] necessidade de
validação, explicação e justificação [...]” (MARCONDES, 2012, p. 45). Além disso, os
interlocutores precisam, em princípio, ter confiança recíproca, o que envolve suposição
de veracidade, correção e sinceridade dos atos de fala. É no diálogo que os erros, as
incoerências e incompletudes das visões de mundo são interrogadas, o que leva os
interlocutores à transformação permanente dos seus saberes.
A comunicação acontece no abandono de posições egoístas e assunção de
posição solidária entre falantes, no reconhecimento que os outros podem criticar os
saberes apresentados e exigir apresentação de razões. As referências aos critérios de
validade do mundo da vida, mesmo especializados em aspectos distintos, é reflexiva e
multidimensional, o que faz com que os processos de aprendizagem, na formação,
transmissão e reprodução cultural, normativa e subjetiva, ocorrem de forma
simultânea (BANNEL, 2013).
O compartilhamento intersubjetivo do mundo da vida é base do saber humano,
permitindo construir “[...] a relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com
os outros. [...] o mundo como conjunto de significados, mas, também, como espaço de
atividades, e se inscreve no tempo” (CHARLOT, 2000, p. 78). A linguagem, enquanto
sistema simbólico, permite ao sujeito relacionar-se consigo, na formação das
personalidades e individualidades, que são preenchidas pelos desejos, prazeres e
crenças; com o outro, nas relações sociais travadas entre os seres humanos, desde as
interações mais íntimas e particulares, até as formações comunitárias e sociais; e com

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o mundo objetivo, conhecimentos adquiridos sobre os fenômenos e acontecimentos


que são externos e independentes dos sujeitos, que já existiam e continuaram a
acontecer após a passagem de cada um (CHARLOT, 2000).
A produção dos saberes segue as condições para realização da comunicação:
interação dialógica entre sujeitos que se reconhecem com igual capacidade de ação e
fala; entendimento pressuposto sobre critérios de validade; crítica e justificação de
qualquer exteriorização linguística. Rompe-se, desta forma, com ideias
unidimensionais sobre a construção do conhecimento, que se atém apenas ao que pode
ser validado como verdadeiro ou objetivo, renegando questões social-normativos e de
formação da personalidade individual. A constituição do sujeito e do saber “[...] não
pode deixar de ser concomitantemente, científico-técnica e ético-política” (MÜLH,
2016, p. 111).
A partir das características solidárias da comunicação humana, é possível
pensar fundamentos para a educação como um processo multidimensional,
envolvendo sujeitos, saberes e metodologias. Para Franco e Pimenta (2016, p. 543), a
atividade de ensino “[...] é fenômeno complexo realizado entre os sujeitos professores
e alunos, situados em contextos, imbricado nas condições históricas e mediado por
múltiplas determinações”. As práticas educativas são expressão da capacidade
comunicativa baseada no compartilhamento dos critérios de validade que formam
mundo da vida. Pensar a educação de forma fragmentada, em que a teoria não se alinha
à vida cotidiana ou as normas sociais dissociadas de qualquer processo de reflexão
crítica intersubjetiva, deturpa os mais básicos elementos da comunicação.
As relações que tomam o mundo da vida como elemento de entendimento
realizam-se através de uma racionalidade estruturada na crítica reflexiva e na
reciprocidade. Daí, decorre que todo conhecimento precisa ser justificado, a “[...]
validade de qualquer saber depende, sempre de novo, da possibilidade de justificação
da sua validez diante das exigências de um saber de fundo do mundo da vida” (MÜLH,
2016, p. 104). O conhecimento técnico-cognitivo sobre o mundo objetivo não pode ser
tratado de forma isolada das demais dimensões do mundo da vida, nesse sentido, todo
o saber e, consequentemente, a aprendizagem são multidimensionais, pois são
preenchidos de aspectos normativos e subjetivos.
Inserido no mundo da vida, o processo de ensino-aprendizagem é aquele que
compreende dimensões humana, técnica e político-social em permanente articulação
(CANDAU, 2012). A dimensão humanista refere-se à relação interpessoal, “[...]

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eminentemente subjetiva, individualista e afetiva [...] aquisição de atitudes tais como:


calor, empatia, consideração positiva incondicional” (CANDAU, 2012, p. 14). As
atitudes e a imagem de si, que formam a personalidade de cada sujeito, são produzidas
e influenciadas pelo processo de educativo, em relação de mútua interferência.
A dimensão técnica do ensino-aprendizagem designa a “[...] ação intencional,
sistemática, que procura as condições que melhor propiciem a aprendizagem”
(CANDAU, 2012, p. 15). Enquanto prática social, formal ou informal, há sempre uma
intenção na educação, seja de transmissão, compreensão ou construção de saberes
específicos. O que será ensinado e como o será faz parte da dimensão técnica. Nas
sociedades modernas este talvez seja o aspecto mais evidente, especialmente a partir
da formação das escolas e do ensino formal, que é estruturado e executado a partir de
teorias que buscam maximizar sua eficiência.
A relação interpessoal e a aplicação de uma técnica ocorrem sempre em um
contexto situacional, por isso “[...] a dimensão político-social lhe é inerente. Ele
acontece sempre numa cultura específica, trata com pessoas concretas que têm uma
posição de classe definida na organização social em que vivemos” (CANDAU, 2012, p.
16). A educação é impactada e produz efeitos na realidade vivida, assim não pode se
fechar em si. A consciência de tal dimensão permite-se que seja projetado o futuro com
base em uma perspectiva crítica do presente.
A atividade multidimensional de ensino-aprendizagem, conforme Melo e
Pimenta (2018), está alicerçada em alguns princípios, dentre os quais pode-se
destacar: ensinar com pesquisa; relações dialógicas; processos de rede de saberes e
processos de práxis. Privilegia-se na educação as práticas que estão alicerçadas em
problemas, perguntas, trocas, descobertas, colaboração e interatividade. Tem-se a
construção de relações dialógicas e processos de rede de saberes, adotando-se as
noções de pluralidade nas formas existir e diferença nas formações de saberes. A práxis
refere-se à reflexão sobre a ação, de tal modo que os sujeitos estejam em permanente
análise das ações educativas, que privilegiam a transformação e o realinhamento
permanente (MELO; PIMENTA, 2018).

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2. 2. Práticas multidimensionais na educação em direitos humanos

A EDH assenta-se, como opção político-educacional, em práticas


multidimensionais que integram sujeitos, saberes e metodologias, para dar de conta
da aprendizagem nos aspectos cognitivos (conhecimentos e técnicas), normativos
(atitudes e comportamentos) e subjetivos (valores, sentimentos e desejos) (UNESCO,
2012). O Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (PMEDH), da
UNESCO (2007), descreve a EDH como práticas educativas voltadas à “[...] atitudes e
o comportamento necessários para que os direitos humanos de todos os membros da
sociedade sejam respeitados” (UNESCO, 2007, p. 1). Além de saberes cognitivos,
preocupa-se com a aprendizagem de saberes normativos e subjetivos.
No mesmo sentido, em Candau (2007), é possível encontrar alguns objetivos
político-sociais da EDH: “[...] formar sujeitos de direito, favorecer processos de
empoderamento e educar para o ‘nunca mais’ [...]” (CANDAU, 2007, p. 404). A noção
de sujeitos de direito poderia ser substituída pela ideia de sujeitos integrais, isto é, para
além daqueles que sabem, conhecem ou têm domínio técnico-cognitivo sobre direitos
positivados. A integralidade refere-se à compreensão dos aspectos éticos, político-
social e das práticas concretas que envolvem o contexto histórico e cultural de
construção dos Direitos Humanos.
Diante da apreensão de conhecimento amplo, é possível desenrolar o “[...]
processo de ‘empoderamento’ (‘empowerment’), principalmente orientado aos atores
sociais que, historicamente, tiveram menos poder na sociedade [...]” (CANDAU, 2007,
405). O contexto sócio-histórico faz com que os saberes sejam relativizados e
valorizados em sua produção prática, abrindo espaço para a permanente
transformação social e ampliação da melhoria dos modos de vida. A dimensão
sociopolítica encontra-se na busca incessante de desconstrução das estruturas sociais
de opressão, contra mulheres, negros, pobres, trabalhadores rurais e urbanos, povos
indígenas, população LGBTI+1 etc. Quando a coletividade se entende como produtora,
permite-se também se identifica como agente transformador, neste sentido,
empoderada.
Estes objetivos apontam para a construção “[...] de sociedades
verdadeiramente democráticas e humanas”, que, para os povos latino-americanos, tem

1Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexos, o símbolo de adição refere-se a outras formas de
manifestação que não se adequam aos termos anteriores.
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como elemento fundamental “[...] ‘educar para o nunca mais’, para resgatar a memória
histórica, romper a cultura do silêncio e da impunidade que ainda está muito presente
em nossos países” (CANDAU, 2007, 405). A negação da história, os apagamentos dos
conflitos e a construção de sociedades pacificadas pelo uso da força apenas reforçam a
permanência latente do autoritarismo, que sempre emerge em momento de crise como
solução final. Para uma verdadeira emancipação, faz-se necessário ir de encontro ao
passado, trazer à tona os fantasmas coletivos, julgar as ações de outrora e construir um
futuro em alicerce democrático, plural e pacífico.
Além da aproximação com o contexto da vida, a multidimensionalidade da
EDH ainda expressa a utilização de múltiplas estratégias metodológicas, “[...] que
articulem teoria e prática, elementos cognitivos, afetivos e envolvimento em práticas
sociais concretas”. (CANDAU, 2007, p. 405). A formação de sujeitos ativos, criativos e
transformadores depende de estímulos adequados, os quais não são compatíveis com
aulas expositivas em que a passividade é o único requisito para participação do
estudante. É preciso utilizar “[...] metodologias ativas, participativas, de diferentes
linguagens. [...] que promovam interação entre o saber sistematizado sobre Direitos
Humanos e o saber socialmente produzido” (CANDAU, 2007, p. 405).
Há uma dimensão educativa que é apreendida pelas formas, técnicas e
metodologias adotadas, as quais concretizam uma maneira específica de estar e se
relacionar com o mundo. A melhor forma de aproximar teoria e prática ou promover a
valorização de diversos saberes é realizando-os no cotidiano das atividades educativas.
A repetição de conteúdo, a separação entre o que se aprende da teoria e o que se vive
na prática ou a negação de saberes não-científicos deixa de “[...] mobilizar diferentes
dimensões presentes nos processos de ensino-aprendizagem, tais como: ver, saber,
celebrar, sistematizar, comprometer-se e socializar” (CANDAU, 2008, p. 292).
Essa tipologia proposta por Candau (2008) parece apontar para um
movimento cíclico, que começa com a observação social crítica (ver) e termina com a
transformação dessa sociedade observada (socializar). A EDH é capaz de estimular a
análise da realidade a partir da compreensão de conhecimentos específicos, usando de
múltiplas linguagens – oral, escrita, audiovisual, musical etc. Essa dinâmica ativa faz-
se na construção coletiva e individual de ações e atitudes que são estimuladas e
adotadas nos processos educativos. Ao final, retorna-se à realidade vivida, que será
preenchida pelas novas experiências, atreladas aos saberes produzidos.

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A possibilidade de construção de uma sociedade solidária vai no sentido de


valorizar a autonomia das pessoas e comunidades, em respeito às diferenças
socioculturais que dialogam entre si para formulação das normas sociais capazes de
sustentar a convivência de múltiplas narrativas (CANDAU; KOFF, 2015). A
solidariedade comunicativa deixa evidente a incompletude do sujeito, ressaltando o
potencial intersubjetivo e complementar para a produção de saberes sobre e a partir
do mundo da vida, alicerçando a formação humana, técnica e político-social, na
ampliação e interlocução dos conteúdos, das metodologias e dos espaços.
A dimensão política e ético-normativa da EDH é pensada em termos coletivos,
sempre no sentido de integrar os sujeitos em suas individualidades. O Caderno
Educação em Direitos Humanos (CEDH) aponta alguns elementos que atrelam o
processo educativo à “[...] formação de uma sociedade mais democrática e mais justa
[...]”, situação que requer o “[...] desenvolvimento da autonomia política e da
participação ativa e responsável dos cidadãos em sua comunidade” (BRASIL, 2013, p.
34,). A formação de sujeitos socialmente ativos requer a ampliação do processo
educativo, para abranger mais que saberes técnicos, bem como utilizar metodologias e
linguagens que permitam o exercício da participação e do respeito às diferenças.
Na EDH, “[...] por um lado a dignidade humana é central; por outro, se
descentraliza ao intensificar a interculturalidade da sociedade. [...]” (BRASIL, 2013, p.
39,). A sociedade democrática não é homogênea, mas plural, integra a individualidade
e a coletividade, envolve “[...] um processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, articulando [...]” múltiplas dimensões (PNEDH,
2018, p. 11). A integração está expressa pela apreensão de conhecimentos
historicamente construídos, valores, atitudes e práticas sociais em processos
metodológicos com diversas linguagens (PNEDH, 2018).
Além dos saberes e seu contexto, a EDH também envolve a noção ampla dos
espaços educativos, enxergando-os, para além da escola ou da educação formal, em
“[...] diferentes tempos, lugares, ações e vivências em diversos contextos de
socialização, como a comunidade, a família, grupos culturais, os meios de
comunicação, as instituições escolares, dentre outros” (MEC; CNE, 2012, p. 11). Esse
sentido permite que a educação seja vista como um processo integrado à vida, sem
separação do contexto, das exigências e dos interesses sociais amplos.
Nos espaços de convivência e aprendizagem, recebe atenção específica as
formas de relacionamento “[...] entre as diferentes pessoas e os seus papéis sociais,

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bem como pelas formas de interação entre instituições de educação, ambiente natural,
comunidade local e sociedade de um modo geral” (MEC; CNE, 2012, p. 11). A
perspectiva multidimensionalidade da EDH busca integrar as práticas educativas e a
sociedade em seus mais abrangentes aspectos, conteúdos, normas e individualidades.
É possível, por esse meio, criar elementos de unidade social em torno de valores,
saberes e normas que sustentem relações solidárias e democráticas. “A condição cidadã
como uma construção social é, realmente, algo viabilizada pelo processo educacional”
(REZENDE, 2020, p. 10).
O sentido de Direitos Humanos e de cidadania, que informam as práticas de
EDH, precisam manter coerência com o plano multidimensional e dialógico
apresentado. Para Charlot (2014) há dois fatores que devem ser levados em conta para
que não haja reducionismos ou desvio de finalidade em tais ações educativas. Primeiro,
a possibilidade de a educação para a cidadania ser prioritariamente pensada na
educação para pobres, funcionando como forma de “apaziguar o tolo”, ou seja,
dissuadir as pessoas indesejadas socialmente de expressarem sua revolta, insatisfação
e reivindicações, tornando-se cidadãos respeitosos para com os demais e suas
propriedades. A EDH não pode ser instrumento de reforço aos processos de opressão
econômico, social e político, limitando as formas e possibilidade de pensar novos
modelos sociais.
O segundo ponto diz respeito à estrutura escolar como local de educação para
a cidadania, tendo em vista os vínculos sociais que lá são formados e estimulados,
muitas vezes com desrespeito aos direitos dos estudantes e professores (CHARLOT,
2014). Há espaço na escola para formação de vínculos de solidariedade e interesses
comuns, tendo em vista que os estudantes são estimulados à competição, à
individualidade e tratados com desconfiança? A noção de solidariedade rompe com
alguns valores e crenças do sistema neoliberal de organização da vida, o que requer
algum nível de ruptura com os modos homogêneos de ver a relação com a natureza,
com os outros seres humanos e consigo mesmo.
Para escapar de tais armadilhas, Charlot (2014) propõe uma educação para a
humanidade, em substituição à educação para a cidadania. Aquela incorpora um
sentido de vínculo amplo entre pessoas e destas com o planeta, que é mais abrangente
que a ligação dos cidadãos com um país. A EDH, nesse sentido, só se realiza com a
adoção de um sentido solidário que enxergue as relações humanas como
complementares e a produção de saberes como produto dialógico.

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A solidariedade, manifestada nas relações comunicativas, informa que o


processo de aprendizagem exige “[...]. reconhecer a pluralidade de conhecimentos
presentes na sociedade e promover o diálogo entre eles” (CANDAU, 2008, p. 283). As
práticas educativas, seguindo o paradigma intersubjetivo, aposta em “[...] diálogo e
construção conjunta entre diferentes pessoas e/ou grupos de diversas procedências
sociais, étnicas, religiosas, culturais etc. (CANDAU, 2008, p. 285). A adoção de uma
visão dialógica dos processos de produção dos saberes, aberto à permanente
interlocução não violenta, permite a formação de personalidades solidárias ao se
“resgatar os processos de construção das nossas identidades culturais, tanto no nível
pessoal, como no coletivo” (CANDAU, 2008, p. 284).
Em Benevides (2007) é possível encontrar uma boa síntese do que aqui se
apresenta como a multidimensionalidade da EDH. Para a autora, pode-se elencar três
pontos: “[...] educação permanente, continuada e global. [...] mudança cultural. [...]
educação em valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, ou seja,
não se trata de mera transmissão de conhecimentos (BENEVIDES, 2007, p. 1). A EDH
está distante das práticas educativas centradas unilateralmente no professor, no
estudante, no conhecimento ou na técnica. É preciso integrá-los, dar de conta de uma
ação multidimensional que sustente e promova uma relação solidária entre os atores
envolvidos e uma interlocução entre diversos saberes, científicos e não-científicos,
através do uso de variadas linguagens e espaços sociais.

3 INTERLOCUÇÃO DE SABERES E INTERAÇÃO DIALÓGICA ENTRE


SUJEITOS

3.1 A ideia de sociedade solidária: simetria de saberes e sujeitos

A realização de uma sociedade solidária tem ligação direta com a liberdade e


pluralidade de formas de vida e de saberes. A solidariedade não significa a
homogeneidade social, valorativa ou cultural, mas condições de interlocução e
interação diante do fato do pluralismo. No sentido apresentado por Rawls (2003, p.
4), “[...] consiste em profundas e irreconciliáveis diferenças nas concepções religiosas
e filosóficas, [...] e na ideia de que eles têm valores morais e estéticos a serem a serem
alcançados na vida humana”. O fato do pluralismo afasta as propostas de construção

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social baseadas em sujeitos homogêneos. Em sentido oposto, toma a diversidade como


elemento essencial e intransponível das relações humanas.
A formação social plural e solidária parte da liberdade de existir e viver de
múltiplos modos. Mesmo em sociedades republicanas, em que há formalmente a
existência de cidadãos juridicamente iguais, faz-se preciso reconhecer que “[...] uma
nação de cidadãos é composta de pessoas que, [...], encarnam simultaneamente as
formas de vida dentro das quais se desenvolveu sua identidade [...]” (HABERMAS,
2002, 165). O cidadão abstrato, no campo da vida, é sempre um sujeito real, com
diversas influências e experiências que o individualiza, como uma “[...] rede adscritícia
de cultura e tradições”, mesmo que ao longo da vida se distancie de algumas delas
(HABERMAS, 2002, p. 165).
No contexto de sociedades plurais, para Honneth (2003, p. 210), a “[...]
solidariedade está ligada ao pressuposto de relações sociais de estima simétrica entre
sujeitos individualizados (e autónomos) [...]”. Os sujeitos solidários consideram-se
“[...] reciprocamente à luz de valores que fazem as capacidades e as propriedades do
respectivo outro aparecer como significativas para a práxis comum” (HONNETH,
2003, p. 210). A simetria refere-se à possibilidade de cada um existir conforme suas
realizações e capacidades, sendo uma condição valorosa para a construção social.
A solidariedade, como apresentada por Honneth (2003), pressupõe a
diferença em coexistência simétrica. A sociedade solidária se realiza “[...] na medida
em que eu cuido ativamente de que suas propriedades, estranhas a mim, possam se
desdobrar, os objetivos que nos são comuns passam a ser realizáveis” (HONNETH,
2003, p. 210). A plena realização social se dá na interlocução e na interação das
diferenças, as quais sempre encontram um ponto de contato de mútuas referências. A
possibilidade do dissenso é tão importante para manutenção de um laço societário
como a formação de consensos.
A comunicação humana, permitida pelo compartilhamento de um “[...] mundo
da vida estruturado lingüisticamente [sic]” (HABERMAS, 2010, p. 15), cumpre o papel
de criar um locus de encontro das diferenças que permite a formação de consensos e
dissensos. A forma como a língua é usada pelos humanos pode dar um indicativo de
quais princípios podem estruturar uma educação em que as formas plurais de saberes
e de vida sejam respeitadas em igualdade de condições e liberdades.
Nessa questão, Habermas (2010, p. 18) afirma que “o logos da língua escapa
ao nosso controle e, no entanto, somos nós, os sujeitos capacitados pela linguagem e

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para a ação, que, por esse meio, nos entendemos uns com os outros”. A língua permite
aos humanos a formação de entendimentos sobre a verdade, a correção e a sinceridade
de suas exteriorizações. Em um só tempo, constrói e sustenta o individual e o comum,
pois permite o compartilhamento de uma estrutura que possibilita a comunicação,
porém não determina qual o seu conteúdo nem suas formas de uso.
A perspectiva de condições simétricas de diálogo não pode deixar de lado a
existência de “[...] distorções produzidas pela estrutura social, resultando de uma
assimetria nas regras de produção de diálogo e desigualdade na distribuição dos papeis
linguísticos” (MARCONDES, 2012, p. 46). Há fatores como altos índices de
desigualdade social e cultural, baixo acesso às condições materiais dignas de vida e
elevadas taxas de violência, opressão e discriminação, que assolam sociedades como a
brasileira. A reciprocidade e a capacidade de formação de consensos são substituídas
por ações estratégicas, baseadas na imposição, caraterísticas das relações do tipo
sujeito-objeto. Além desse aspecto material, há elementos simbólicos, existentes nas
relações interculturais, baseados em uma assimetria estrutural, que Dussel (2016)
identifica como a desigualdade que impera no sistema-mundo moderno que divide as
culturas em centro e periferia, desenvolvidos e primitivos.
Em locais como a América Latina, marcada por extensos períodos de
extermínio cultural e ausência de democracia, as perspectivas teóricas precisam ser
analisadas criticamente. Há dois elementos que se pode encontrar em Dussel (2016)
para pensar o diálogo intercultural entre saberes. Primeiro, não se trata de [...] um
diálogo entre os apologistas de suas culturas [...]. É, sobretudo, um diálogo entre os
críticos de sua própria cultura (intelectuais da “fronteira” entre a própria cultura e a
Modernidade) (DUSSEL, 2016, p. 68). O diálogo simétrico dá-se na fronteira, locus de
interlocução por definição, onde os sujeitos estejam dispostos às críticas e
questionamentos que exigem apresentar justificações de suas razões.
Segundo, como efeito das diferenças de força material e simbólica, as culturas
periféricas ou não-hegemônica tiveram seu potencial libertador, emancipador e crítico
negados. O reconhecimento de tal assimetria exige que seja estabelecido “[...] um
diálogo entre os “críticos da periferia”, um diálogo intercultural Sul-Sul, antes de ser
um movimento para o diálogo Sul-Norte” (DUSSEL, 2016, p. 68). O ponto de partida
e de chegada do pensamento não pode ser a cultura moderna (europeia), mas um novo
espaço. Nas palavras de Dussel (2016, p. 70), transmoderno, marcado pelo encontro
entre “[...] os críticos criadores de suas próprias culturas [...]”.

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Uma sociedade solidária deve, para promover o diálogo entre saberes,


reconhecer as ausências epistêmicas e promover a sua emergência. Santos (2002;
2020) trata do reconhecimento e da superação do pensamento monológico e
hegemônico ao propor uma pedagogia/sociologia das ausências e uma
pedagogia/sociologia das emergências. A perspectiva apresentada por ele trata do
rompimento com a monocultura racional da Modernidade, que constrói a “[...] não-
existência do que não cabe na sua totalidade e no seu tempo linear”, em que a diferença
“[...] desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo
irreversível” (SANTOS, 2002, p. 246).
A realização do diálogo depende de estratégias para superar a inferiorização
internalizada que impede a realização plena da comunicação sem coação, igualitária e
livre. A solidariedade linguística pode orientar as práticas educativas em Direitos
Humanos, informando fundamentos para se estruturarem em condições que permitam
a coexistência das diferenças de tradições e culturas. A partir de tais bases estruturais,
a produção dos saberes é vista como prática intersubjetiva, sempre em relação com
contextos de vida e práticas sociais. A relação entre os sujeitos centra-se na pluralidade,
no respeito às individualidades e na igual capacidade de participação nos processos
sociais.

3.2 Princípios estruturantes da educação em direitos humanos:


interlocução de saberes e interação dialógica entre sujeitos

A partir das noções solidárias e comunicativas do mundo da vida, é possível


propor a interlocução de saberes, no sentido de afirmar a necessidade de intercâmbio
entre as pluralidades epistemológicas e reconhecer a não-exclusividade dos saberes
científicos, como princípio estruturante da EDH. Santos (2020, p. 383) propõe a ideia
de ecologia de saberes, que pode ser entendida como “[...] tornar diferentes saberes
mais porosos e mais conscientes das diferenças através da tradução intercultural”. O
ponto de partida para a interlocução entre saberes é romper com a ideia de que a
ciência pode servir como elemento de validação universal, ignorando as experiências e
os contextos sociais.
No Brasil, o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, no eixo que
trata sobre Educação e cultura em Direitos Humanos, apresenta a interlocução e a
contextualização de saberes como “[...] a apreensão de conhecimentos historicamente
construídos sobre Direitos Humanos e a sua relação com os contextos internacional,

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regional, nacional e local [...]” (BRASIL, 2009). A EDH não se restringe ao ensino do
conjunto de normas jurídicas que formam os Direitos Humanos, por meio de
disciplinas curriculares ou cursos de formação, por exemplo. Por outro lado, integra ao
processo educativo o contexto econômico, político, sócio-histórico de produção e
concretização de tais ideias, apresentando os pontos de ruptura e semelhança com as
epstemologias não-ocidentais.
Enquanto princípio estruturante das práticas multidimensionais, a
interlocução realiza-se abrangendo níveis cognitivo, social, ético e político (BRASIL,
2009). Esse princípio informa a importância do conhecimento científico, mas não o
utiliza para negar outras formas de saberes, mas, vê a possibilidade de mútua
transformação no encontro entre diversas tradições e culturas. A interlocução ainda se
rompe com a noção estanque da escola como único espaço para produção de
conhecimento e realização da aprendizagem. A integração entre todos os espaços
sociais (escola, família, religião, espaços públicos etc.) é expressão da interlocução de
saberes (BRASIL, 2009).
Pensar o processo de aprendizagem como interlocução de saberes, é
compreender que o conhecimento é “[...] uma relação social argumentativa, em vez de
uma relação com objetos” (MARQUES, 1996, p. 38). É no confronto, na crítica e na
justificação racional que os saberes novos são produzidos, “[...] reconstruído a partir
dos saberes prévios dos interlocutores [...]” (MARQUES, 1996, p. 83). Com a
interlocução de saberes, a EDH não se organiza em torno de saberes universais e
imutáveis, mas aposta na abertura de espaços para encontros horizontais entre
múltiplos saberes sociais, dos quais o conhecimento científico é espécie.
Nesse contexto, o ensino formal deixa de ser o locus para transmissão exclusiva
de saberes técnicos, tornando-se espaço para a confluência das diferenças. Para
Marques (1996, p. 83), a interlocução de saberes baseia-se no reconhecimento da “[...]
anterioridade dos lugares sociais originários dos saberes [...]” e da escola como
mediação. Os saberes são sempre contextualizados, se inserem em um horizonte
simbólico cultural, do qual a educação não pode fugir. A EDH realiza-se na integração
entre as novas e antigas formas de saber, encarando-o como processo cíclico de
(re)construção.
Ao organizar a prática educativa com base na interlocução de saberes, a EDH
abandona estruturas estáveis, imutáveis e universais de formas de vida e de saberes.
As ações pedagógicas deslocam-se “[...] para o âmbito da vulnerabilidade e da

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imprevisibilidade. [...] uma estabilidade relativa, são sempre passíveis de revisão [...]”
(HERMANN, 1999, p. 121). Todos os saberes passam a depender de justificação em
permanente diálogo com contextos culturais distintos. Há uma tensão entre particular
e universal, unidade e pluralidade que não é apagada na EDH, mas utilizada como
motor para a promoção de uma reflexão crítica de todos os saberes existentes.
Em referência permanente ao mundo da vida (objetivo, social e subjetivo),
todas as exteriorizações estão passíveis de crítica (HABERMAS, 2019). Não há nada
que esteja fora da necessidade de justificação, fato que “[...] dá um carácter contingente
e parcial ao meu ponto de vista, ao mesmo tempo que reconhece aos outros o direito
de desafiarem os meus argumentos [...]” (ESTÊVÃO, 2011, p. 21). A interação dialógica
baseia-se em razões discursivas, por isso falíveis e postas ao crivo intersubjetivo.
Alinhado à perspectiva pluralista e não fundamentalista dos processos e
práticas educativas, o segundo princípio que pode ser formulado é a interação
dialógica entre sujeitos. A interação é dialógica quando simétrica, isto é, ao se
assegurar “[...] o direito do Outro contar a sua história ou de dar o seu testemunho com
a mesma autoridade e o mesmo valor do ponto de vista da situação comunicativa [...]”
(ESTÊVÃO, 2011, p. 20). A igualdade de importância, de autonomia e de capacidade
para manifestar suas ideias e influir na formação dos consensos e dissensos permitem
que as razões discursivas sejam os elementos de formação de entendimentos,
afastamento processos autoritários, opressores ou violentos.
A interação dialógica cria condições para a interlocução de saberes, permitindo
que a educação se realize em uma relação intersubjetiva que “[...] constitui os sujeitos
em abertura um para o outro, em relações não-objetivas, constitutivas do ser pessoa,
ser de frente ao Outro” (MARQUES, 1996, p. 104). A interação dialógica funda-se na
existência simétrica entre sujeitos e saberes diferentes e plurais, afirmando-se como
pressuposto para aprendizagem o interesse em ser com outros (MARQUES, 1996).
Os espaços para a EDH são construídos de “[...] forma participativa e na qual
aprofundam a solidariedade humana e autonomia individual na convivência
democrática entre todos” (MÜHL, 2020, p. 209-210). Desde a elaboração da política
educacional até as metodologias pedagógicas, as práticas educativas passam a ter na
sua base a relação de respeito e apreço à diferença de modos de vida. A educação como
processo dialógico rompe com a lógica autoritária do ensino tradicional e com a ideia
de independência entre conhecimento e contexto de vida.

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A educação torna-se processo de encontro entre sujeitos que se propõem à


criação de saberes a partir do mútuo entendimento (BOUFLEUER, 2001). Os
participantes da relação de ensino-aprendizagem podem colocar suas experiências e
seu contexto cultural de vida, a partir da “[...] problematização e de sua apropriação
crítica” dos saberes” (BOUFLEUER, 2001, p. 77). Os papeis daqueles que ensinam e
aprendem são intercambiáveis, todos, em igualdade de condições e oportunidade,
podem “[...] colocar os seus porquês, saber das razões que o justificam, propor novos
enfoques” (BOUFLEUER, 2001, p. 77-78). Os saberes não são separados do mundo da
vida, nem hierarquizados a ponto de não necessitar de justificação.
A interação dialógica entre sujeitos, na EDH, afasta-se das práticas
unidimensionais da pedagogia tradicional, com primazia no professor, na autoridade,
na passividade e na assimilação acrítica do conhecimento. Um modelo dialógico
centra-se na pergunta como elemento chave. O diálogo, quando bem utilizado, permite
maior interesse por parte dos estudantes, o que pode levar à formação de sujeitos
ativamente comprometidos com a cidadania, a consciência ambiental, a pluralidade
cultural etc. (SEPÚLVEDA, 2020).
A interação dialógica entre os sujeitos pressupõe liberdade para discordar e
perguntar, de tal modo que o erro e a adoção de novas perspectivas integram o processo
de aprendizagem, para todos os interlocutores. Um ambiente dialógico estimula a
criticidade, “[…] pues les ayuda a indagar en las premisas que articulan los
problemas históricos y a defender los propios puntos de vista con criterios racionales
[…] (SEPÚLVEDA, 2020, p. 222). Fatores como autoridade, experiência e posição
social são mitigados, pois deixam de ser determinantes para promover a adesão a uma
ideia. O desconhecido e a diferença deixam de ser objetos de repulsa, passando a ser
elementos de promoção do aprendizado.
O processo educativo ao se basear no diálogo entre sujeitos que se reconhecem
mutuamente como iguais em liberdade, igualdade e dignidade, permite que os
envolvidos aprendam a conviver em uma sociedade solidária. A interação dialógica
propicia práticas educativas de “[…] manera controversial, en el diálogo, la
confrontación argumentada y racional y en el cuestionamiento e indagación de
posiciones” (MAGENDZO, 2015, p. 51). Os sujeitos formados nesse processo estarão
mais aptos a conviver com os conflitos da vida cotidiana, no ambiente escolar,
profissional, familiar e social.

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CRISTÓVÃO TEIXEIRA RODRIGUES SILVA | ANTONIO BASILIO
NOVAES THOMAZ DE MENEZES

Estando estruturada no diálogo como estratégia de interação humana, a EDH


volta-se para o desenvolvimento de habilidades essenciais para vida em uma sociedade
plural. O recurso à força, à opressão e à ameaça não são instrumentos para a construção
da solidariedade, pois tomam como base a superioridade e a imposição de uma visão
de mundo como saída aos dissensos sociais. Por outro lado, uma interação dialógica
“[…] puede ofrecerles la posibilidad de clarificar su pensamiento y sus emociones,
desarrollando habilidades creativas que los preparen para estos desafíos”
(MAGENDZO, 2015, p. 52).
Os princípios da interlocução de saberes e da interação dialógica entre sujeitos
estrutura as bases multidimensionais da EDH, permitindo que suas ações sejam
desenvolvidas em sintonia com os valores da pluralidade, da igualdade, do respeito à
diferença e da liberdade de existir. Ao refletir os processos comunicativos, os princípios
asseguram que a EDH não se resume ao ensino sobre Direitos Humanos, mas envolve
práticas educativas para uma sociedade solidária de Direitos Humanos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação de uma sociedade solidária depende da criação de condições que


sustentem a pluralidade das formas de vida, a produção e reprodução de saberes
culturais e a formação e renovação de normas sociais. As práticas educativas, para
contribuir com esse objetivo, precisam estruturar-se sob a indissociabilidade entre as
dimensões cognitiva, normativa e subjetiva que integram o mundo da vida, que está
expresso em uma visão da educação como processo multidimensional. Todos os
aspectos do processo de ensino-aprendizagem – conteúdos, os sujeitos e metodologias
– são integrados ao contexto cultural, às necessidades e limitações individuais e aos
planos sociais de um futuro solidário.
A adoção de uma perspectiva intersubjetiva, a partir do uso da linguagem
cotidiana para realização da comunicação humana, apontam para um processo
educativo que esteja alicerçada na crítica reflexiva e no reconhecimento da
reciprocidade como forma de coordenação social. A construção de uma sociedade
solidária dá-se pelo desfazimento ou minoração das assimetrias sociais que distorcem
os processos de entendimento comunicativo. Os saberes técnico-cognitivos, muitas
vezes tidos como objetivos e neutros, devem ligar-se às questões culturais, históricas,

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CRISTÓVÃO TEIXEIRA RODRIGUES SILVA | ANTONIO BASILIO
NOVAES THOMAZ DE MENEZES

éticas e políticas, ressaltando a interlocução dos saberes que integram o mundo da


vida.
A EDH, ao estruturar-se em princípios com fundamentos intersubjetivos e
comunicativos, amplia-se para além dos paradigmas centrados em sujeitos abstratos e
na universalidade e prazia dos saberes ocidentais, do qual os Direitos Humanos são
produto. A solidariedade comunicativa fundamenta práticas educativas capazes de
promover atitudes e valores dialógicos, pautados no respeito às diferenças de opiniões,
crenças, valores e modos de vida. Ao invés de uma visão monológica, conjunto de
saberes que formam os Direitos Humanos são vistos como relativos e provisórios,
podendo, diante de outro sistema cultural, mostrar-se incompleto e insuficiente, isto
é, precisam ser justificados em critérios de valide compartilhados entre os
interlocutores, ser recurso da imposição pela força ou ameaça.
A interlocução de saberes e a interação dialógica entre sujeitos são princípios
estruturante das práticas multidimensionais de EDH. Ao mesmo tempo são
pressupostos para realização de uma comunicação simétrica, ou menos distorcida, e
finalidade, como condições, para formação de sujeitos solidários nas dimensões
cognitiva, normativa e expressiva. A pluralidade é o motor da produção humana,
reunida intersubjetivamente pelo compartilhamento do mundo da vida. É fator de
enriquecimento mútuo, permitindo que saberes sejam produzidos e renovados e os
Direitos Humanos tornem-se ponto de convergências das fronteiras culturais.

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Gestão & Aprendizagem

INTERSUBJETIVIDADE, DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO NO


CONSELHO ESCOLAR: UM ESTUDO À LUZ DE JÜRGEN
HABERMAS

THAYSE MYCHELLE DE AQUINO FREITAS


Doutoranda em Educação / (UFRN)
E-mail: [email protected]

ARILENE MARIA SOARES DE MEDEIROS


Doutora em Educação /UFSCar
E-mail: [email protected]

RESUMO
Este estudo foi construído a partir do recorte da pesquisa empírica da dissertação de mestrado
intitulada Racionalidade Comunicativa e o Conselho Escolar: um diálogo possível,
apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC), da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN), na linha de pesquisa Políticas e Gestão da Educação.
Objetiva analisar e discutir a intersubjetividade, a democracia e a participação a partir de
práticas cotidianas do Conselho uma escola de Ensino Fundamental (1º a 9º ano) da rede
municipal de ensino da cidade de Mossoró no Estado do Rio Grande do Norte (RN). Esta
pesquisa ancora-se em uma abordagem qualitativa, articulando a perspectiva teórica
habermasiana e empiria, cujos dados foram construídos por meio de observação não
participante. Os resultados demonstram que a intersubjetividade, a democracia e a
participação são aspectos basilares da prática cotidiana do Conselho Escolar pesquisado. As
ações deliberativas são subsidiadas pelos discursos argumentativos que se orientam por
princípios democráticos e têm como foco proeminente a construção de consensos,
racionalmente, motivados reverberando, portanto, os pressupostos da racionalidade
comunicativa em suas ações e relações cotidanas.

Palavras-chave: Conselho Escolar; Práticas deliberativas; Democracia; Intersubjetividade.

INTERSUBJECTIVITY, DEMOCRACY AND PARTICIPATION


IN THE SCHOOL COUNCIL: A STUDY IN THE LIGHT OF JÜRGEN
HABERMAS

ABSTRACT
This study was built from the empirical research of the master's dissertation entitled
Communicative Rationality and the School Council: a possible dialogue, presented at the
Postgraduate Program in Education (POSEDUC), at the State University of Rio Grande do
Norte (UERN), in the research line Policies and Management of Education. It aims to analyze
and discuss intersubjectivity, democracy and participation from the daily practices of the
Council of an Elementary School (1st to 9th grade) from the municipal education network in
the city of Mossoró in the State of Rio Grande do Norte (RN). This research is based on a
qualitative approach, articulating the Habermasian and empirical theoretical perspectives,
whose data were constructed through non-participant observation. The results demonstrate
that intersubjectivity, democracy and participation are basic aspects of the daily practice of the
School Council studied. Deliberative actions are supported by argumentative discourses that

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SOARES DE MEDEIROS

are guided by democratic principles and have as a prominent focus the construction of
consensus, rationally motivated, reverberating, therefore, the assumptions of communicative
rationality in their everyday actions and relationships.
Key Words: School Council; Democracy; Intersubjectivity.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo foi construído a partir do recorte da pesquisa empírica da dissertação


de mestrado intitulada Racionalidade Comunicativa e o Conselho Escolar: um
diálogo possível cujo objetivo foi compreender como as relações intersubjetivas
estabelecidas no Conselho Escolar contribuíam para a efetivação da gestão
democrática. A pesquisa supracitada foi realizada de 2018 a 2020 no Programa de Pós-
Graduação em Educação (POSEDUC) da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN), na linha de pesquisa Políticas e Gestão da Educação.
A intersubjetividade, de acordo com a teoria habermasiana, é a relação entre
dois ou mais sujeitos capazes de fala e ação que buscam se entender sobre algo no
mundo. Assim sendo, ela circunscreve ações comunicativas que desfrutem condições
participativas igualitárias nas quais os sujeitos possam difundir suas ideias, opiniões e
críticas firmando-se como verdadeiros autores de seus atos de fala e, portanto, seres
ativos nos discursos.
De acordo com Habermas (1997a, p. 146), “[...] o princípio da democracia refere-
se ao nível da institucionalização externa e eficaz da participação simétrica numa
formação discursiva da opinião e da vontade, a qual se realiza em formas de
comunicação garantidas pelo direito”. Diante disso, percebe-se a complementaridade
e interdependência entre: a intersubjetividade como relação comunicativa estabelecida
entre sujeitos que aspiram ao entendimento, a democracia como regime político de
construção crítica e coletiva de decisões e a participação como ação comunicativa no
espaço público.
Tais categorias estão na base constitutiva do Conselho Escolar, pois como lócus
político, democrático e deliberativo de construção de discursos e consensos, o Conselho
sedia a relação comunicativa entre sujeitos com suas respectivas implicações
contextuais e subjetivas. A intersubjetividade, a democracia e a participação emergem
nas construções cotidianas do Conselho por meio dos diálogos, dos debates e das
tomadas de decisão. A formação identitária dos conselheiros se faz mediante a relação
intersubjetiva com os demais membros do Conselho no exercício da função, com as
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THAYSE MYCHELLE DE AQUINO FREITAS |ARILENE MARIA
SOARES DE MEDEIROS

práticas cotidianas e suas demandas, com os documentos que o regulamenta,


culminando em uma percepção de si enquanto sujeito corresponsável pelas ações e
deliberações empreendidas pelo coletivo. Diante disso, este artigo tem por objetivo
analisar e discutir a intersubjetividade, a democracia e a participação a partir de
práticas cotidianas do Conselho uma escola de Ensino Fundamental (1º a 9º ano) da
rede municipal de ensino da cidade de Mossoró/RN. Ademais, subsidiamo-nos,
teoricamente, em Jürgen Habermas.
De acordo com a Lei municipal nº 2769, de 26 de setembro de 2011, que dispõe
sobre os Conselhos Escolares nas unidades de ensino municipais, o número de
membros do colegiado depende do número de alunos matriculados na escola e do
número de turnos de funcionamento. A escola lócus desta pesquisa abrange um
universo de mais de 600 (seiscentos) alunos matriculados e, por isso, possui 24 (vinte
e quatro) membros no Conselho Escolar, a seguir: 4 (quatro) representantes titulares
de professores e seus respectivos suplentes; 3 (três) representantes titulares de pais ou
responsáveis e seus respectivos suplentes; 1 (um) representante titular da comunidade
local e seu suplente; 2 (dois) representantes titulares dos alunos e seus respectivos
suplentes; 2 (dois) representantes titulares dos funcionários da escola e seus suplentes;
e 1 (um) representante da direção, que é o gestor escolar e membro nato. Com essa
estrutura, o Conselho garante que todos os segmentos da escola estejam representados
e tenham suas vozes ouvidas nos momentos discursivos e deliberativos. Cabe destacar,
ainda, que a escolha dos conselheiros é realizada por meio de eleição direta.
O constructo metodológico está fundamentado em uma abordagem qualitativa
com dados construídos por meio de uma revisão de literatura e de observação não
participante em 8 (oito) ações do Conselho Escolar distribuídas entre: reuniões
ordinárias, extraordinárias e assembleias escolares. Na observação não participante, a
pesquisadora adentra nos lócus de pesquisa, mas não interfere nas ações ali
desenvolvidas a fim de compreender, de forma crítica e reflexiva, práticas, sujeitos e
contextos. A pesquisa empírica teve início no final do mês de julho de 2019 (dois mil e
dezenove) e seguiu até março de 2020 (dois mil e vinte).
“Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos
sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles
atribuem à realidade que os cerca e às próprias ações” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 26).
Destarte, consideramos essa técnica de pesquisa perspícua, pois, por meio dela, foi
possível visualizar in loco como se constroem as relações intersubjetivas no Conselho,

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THAYSE MYCHELLE DE AQUINO FREITAS |ARILENE MARIA
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como é a participação dos sujeitos e como a democracia emerge nesse contexto. O


contato com a dinâmica de funcionamento e atuação do colegiado contribuiu para
entendê-lo a partir das relações engendradas entre os conselheiros, levando em
consideração as variações contextuais e subjetivas que as condicionam. Ademais, são
as ações comunicativas que podem demostrar os princípios e intencionalidades
daqueles que o compõem na constante busca por consolidá-lo como um espaço, de fato,
democrático e parceiro da gestão escolar.
O Conselho Escolar é complexo, a heterogeneidade proveniente dos sujeitos que
o integra reverbera pensamentos e óticas variadas sobre o ato educativo, sobre o
funcionamento da escola e seus engendramentos administrativos, financeiros e
pedagógicos. Por conseguinte, é substancial que as relações intersubjetivas, por meio
das quais efetivam-se a participação dos conselheiros, respaldem-se na construção
comunicativa democrática de consensos e deliberações.

2 CONSELHO ESCOLAR: INTERSUBJETIVIDADE, DEMOCRACIA E


PARTICIPAÇÃO

O estudo das práticas cotidianas do Conselho Escolar remete para a


problemática da democratização da escola em suas ações pedagógicas, administrativas
e deliberativas. Embora, a gestão escolar democrática não esteja plenamente
consolidada, avanços na sua incorporação no sistema de ensino brasileiro são
consubstanciados pela Constituição Federal de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996 e pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024
– Lei nº 13.005/2014. Esses embasamentos legais em vigor restituem princípios
democráticos e participativos nos quais a educação deve assentar-se. Nos termos de
Habermas (1997a, p. 52), “[...]o reconhecimento recíproco dos direitos de cada um por
todos os outros deve apoiar-se [...] em leis legítimas que garantam a cada um
liberdades iguais, de modo que ‘a liberdade do arbítrio de cada um possa manter-se
junto com a liberdade de todos’”. Logo, a consolidação da democracia deve ocorrer no
nível da prática, sendo necessário extrapolar as barreiras dos discursos normativos e
implementá-los nas ações e relações estabelecidas no ambiente escolar.
A definição de democracia pode ser assim teorizada:

Forma sociopolítica definida pelo princípio da isonomia (igualdade dos


cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de expor em público suas
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opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas), tendo como base a


afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está
sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das
quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia
participativa; indiretamente, numa democracia representativa)
(CHAUÍ, 2005, p. 24).

Tal concepção alinha-se com os ideais habermasianos da racionalidade


comunicativa nos quais não há domínio de um sujeito sobre o outro, e sim a busca pelo
entendimento entre sujeitos capazes de fala e ação sobre algo no mundo. Configura-se,
pois, como uma formação discursiva e não coativa da opinião e da vontade em um
ambiente propício ao consenso, racionalmente, motivado. A perspectiva habermasiana
defende a razão como o fio condutor das ações democráticas e emancipatórias, fazendo
valer a igualdade de participação nos desempenhos comunicativos. Por conseguinte, a
coordenação das ações é referendada no entendimento linguístico recíproco, sendo a
linguagem força motriz da integração social.
No Conselho Escolar, a democracia se estabelece como princípio norteador e
balizador das tomadas de decisão. Diante disso, a participação nos processos
deliberativos é imprescindível, devendo essa realizar-se por meio de tessituras
discursivas e argumentativas subsidiadas em boas razões. Este entendimento de
participação se traduz na possibilidade de os conselheiros escolares levantarem
proposições e pretensões de validez amparados por situações ideais de fala que
asseguram o embasamento dos atos comunicativos em seus princípios como: liberdade
de expressão, igualdade, justiça, democracia e autonomia. Assegurando, dessa forma,
um ambiente propício à formação de consensos com proposições linguísticas,
intersubjetivamente, validadas.
Perante o exposto, discutir aspectos como democracia e participação no
Conselho Escolar, implica trazer à baila a intersubjetividade que subsidia todas as
ações e relações estabelecidas no colegiado. Habermas (1997b, p. 176, tradução nossa),
utiliza o termo intersubjetividade “[...] para designar a comunidade que, através da
compreensão de significados idênticos e do reconhecimento de pretensões universais
de validade, se estabelece entre os sujeitos capazes de linguagem e ação”. Logo, a
intersubjetividade é evidenciada em todas as interações comunicativas construídas
entre os sujeitos mediante as quais eles formam a si mesmos e (trans)formam
conhecimentos e saberes. Diante disso, a relação linguística recíproca pode resultar

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SOARES DE MEDEIROS

em uma ressignificação de si e do outro, porque somos sujeitos únicos, inacabados e


em constante e incessante construção.
Por conseguinte, a intersubjetividade é o pressuposto habermasiano que
subsidia a participação dos conselheiros nas tomadas de decisão, a forma pela qual é
conduzida caracteriza a essência do colegiado e a racionalidade que a subsidia. A
incorporação da democracia depende da manutenção dos potenciais plenos e racionais
comunicativos, isso é, da relação intersubjetiva intacta e livre de coerções e/ou
abstrações sistêmicas.
As práticas cotidianas do Conselho Escolar estudado foram empreendidas
visando a consolidação e fortalecimento de princípios democráticos nas discussões e
deliberações realizadas. As observações não participantes consubstanciaram a
percepção da tríade categorial (intersubjetividade, democracia e participação) nas
reuniões ordinárias e extraordinárias e nas assembleias escolares, evidenciando,
inclusive, um alinhamento das práticas desenvolvidas com os pressupostos da
racionalidade comunicativa habermasiana (intersubjetividade, atos de fala
comunicativos, discursos, argumentação e pretensões de validez, situação ideal de fala
e consenso).
A média de assiduidade é de 70 a 80% dos participantes em cada reunião, este
dado coaduna a presença com a participação ativa dos conselheiros. Excetuam-se
momentos nos quais o silêncio e a renúncia à fala predominaram. Contudo, na
perspectiva observada, não se constituiu como silêncio imposto, mas imbricado de
sentidos e de reflexão para a busca do entendimento daquilo que estava sendo
discutido, ou ainda, por receio de não ter embasamento suficiente para ingressar no
debate. Neste sentido, a participação ativa se dava, sobretudo, nas discussões que
contemplavam pautas concernentes às demandas e entraves do cotidiano educativo e
aos problemas inerentes à infraestrutura, isso é, assuntos que os conselheiros
possuíam uma bagagem de conhecimento. Segundo Bordenave (1994, p. 23), “[...] a
prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte, mas como se toma parte”.
Assim sendo, a intersubjetividade, compreendida como a relação linguística entre
sujeitos que buscam chegar a um consenso sobre algo, é estruturante do “como se toma
parte”, da forma que a participação ocorre e sob quais princípios e razões. Essa análise
é importante para percebermos que um número expressivo de participantes em
situações deliberativas não implica, necessariamente, em participações ativas, pois

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medir, quantitativamente, não é a forma apropriada para analisar a participação


porque ela acontece no campo das ideias e dos discursos intersubjetivos.
Por fins organizacionais, a descrição e análise das observações realizadas
seguirão a seguinte ordem: reuniões ordinárias – ações realizadas mensalmente no
colegiado; reuniões extraordinárias – ações que não possuem uma periodicidade
definida, são convocadas pelo presidente do Conselho ou por solicitação de 1/3 (um
terço) de seus membros em razão de alguma demanda que surja em caráter de urgência
e, por fim, as assembleias gerais – ações que integram a gestão, o Conselho e a
comunidade escolar se constituem como coletivos importantes de articulação e
participação na discussão de assuntos pedagógicos e administrativos relevantes para o
bom funcionamento da escola.
Foram observadas 2 (duas) reuniões ordinárias. A primeira teve como pauta
norteadora: “Proposta pedagógica e dinamização do Projeto Político Pedagógico,
Formação sobre o regimento escolar, adendo do Conselho, Mapa Educacional e
Professor de Português” (ATA DO CONSELHO, 2019, p. 69). Essa foi uma das reuniões
que mais ficou evidente o engajamento dos conselheiros com as questões da escola e
do reconhecimento da força coletiva desse espaço. Após a apresentação da pauta,
iniciaram-se as discussões acerca da importância de o Conselho fazer o
acompanhamento das metas do Mapa Educacional, da aplicabilidade das ações
previstas, os resultados prévios alcançados “[...] bem como, a frequência e
aprendizagem dos alunos, no sentido de detectar o nível de desenvolvimento,
atentando para os projetos realizados examinando os resultados e impactos” (ATA DO
CONSELHO, 2019, p. 69). Embora, o Mapa Educacional1 seja um mecanismo de
regulação e avaliação das metas, ações e resultados das escolas municipais de
Mossoró/RN que coaduna com as premissas gerencialistas da educação, as discussões
empreendidas tiveram como foco proeminente não as questões burocráticas a ele
subjacentes, e sim a centralidade nas questões pedagógicas, nos alunos e no processo
de ensino-aprendizagem. Diante disso, um diferencial que o Conselho pesquisado
apresenta é mostrar-se como um coletivo que transcende questões burocráticas e
financeiras, os discursos intersubjetivos visam atingir consensos que tenham como
pressuposto basilar a melhoria da escola e da qualidade do ensino-aprendizagem.

1Instituído pela lei nº 2.717, de 27 de dezembro de 2010, que implementa a política de Responsabilidade
Educacional no município de Mossoró/RN e dá outras providências.

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A ênfase no pedagógico é imprescindível porque perpassa todas as instâncias e


ações da escola, não sendo, portanto, uma prática, exclusivamente, docente. O
pedagógico está imbricado em toda e qualquer relação que se estabelece na escola
visando à educação, o ensino-aprendizagem e, consequentemente, à construção do
conhecimento. Trazendo tal discussão para o campo teórico habermasiano,
poderíamos afirmar que esse equilíbrio entre o pedagógico e o administrativo,
percebida na observação do Conselho, pode se configurar como uma busca, mesmo que
inconsciente, pela consolidação da orientação de suas ações pela “racionalidade
democrática e emancipatória” (MEDEIROS, 2007). Esse equilíbrio ficou evidenciado
nas pautas das reuniões e nas discussões delas decorrentes.
Ainda sobre a primeira reunião ordinária observada, ressalta-se o debate que se
instaurou na busca pela resolução da falta do professor de Português ocasionada pelo
afastamento do professor titular por orientação médica. Segundo a ata, bem como a
observação realizada, a gestora enfatiza que já tinham sido encaminhadas solicitações
à Secretaria Municipal de Educação (SME), reivindicando um professor substituto
para que os alunos não fossem prejudicados por sua ausência, porém não obteve
nenhum retorno. Neste ponto da pauta, o que se destaca é o engajamento com o qual
os sujeitos trataram do assunto, as sugestões que emergem e o sentido impregnado
nelas. A discussão culminou na decisão de encaminhar uma minuta à SME, em nome
do Conselho da Escola, solicitando um novo professor de Português para sanar uma
lacuna deixada pelo anterior que, na ocasião, estava de licença. Segundo os
conselheiros, essa atuação conjunta expressa uma força maior de reivindicação.
Destaca-se a importância de o Colegiado reconhecer sua força representativa, pois ele
é a voz que carrega em si todos os segmentos da escola, o que implica um prestígio e
uma responsabilidade maior. Ademais, são nos momentos nos quais as sugestões
emergem e as soluções começam a ser evidenciadas que a intersubjetividade salta aos
olhos. Nessa reunião, a maioria dos presentes se posicionaram e demostraram seus
pontos de vista acerca dos assuntos abordados, tornando essa ação colegiada com
discussões e participações satisfatórias no sentido de que se direcionaram pelo mesmo
objetivo em comum.
A segunda observação em reunião ordinária tinha definida como pauta de
discussão, de acordo com a ata: “Proposta Pedagógica (construção e dinamização);
conhecimento e participação nos projetos, palestras, oficinas e aulas de campo;
aprovação e homologação do Mapa Educacional dois mil e dezenove ano base dois mil

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e dezoito” (ATA DO CONSELHO, 2019, p. 71). Contudo, diante da emergência e


necessidade, a pauta foi redefinida para ser discutido e homologado apenas o Mapa
Educacional. Essa flexibilidade com relação à pauta não se caracteriza como um ponto
negativo, mas como uma busca por tratar, com atenção, de assuntos complexos que
interferem, diretamente, na proposta pedagógica da escola. Do contrário, poderia
causar o aligeiramento das tomadas de decisão e o encurtamento da participação.
Ponderar sobre isso evidencia mais um ponto da intersubjetividade que é a sua
impraticabilidade em ambientes propícios à pressão nos quais o ato de decidir
sobrepõe aos momentos discursivos que o antecedem.
De acordo com Habermas (1997b, p. 139, tradução nossa) “[...]o acordo que
alcançamos nos discursos deve ser um consenso fundamentado”. Assim sendo, a
construção de um consenso racional só se faz mediante uma discussão bem feita,
abordada por ângulos diversos e sob a devida argumentação crítica, logo, não é
qualquer acordo que será considerado um consenso, racionalmente, motivado
principalmente por se tratar de um espaço democrático e coletivo. Diante disso, a
postura do Conselho implica a observância dos princípios democráticos, do direito à
participação ativa e da situação ideal de fala, isto é, a não mecanização e aligeiramento
dos processos deliberativos intersubjetivos e a garantia da liberdade e igualdade
comunicativa.
A reunião iniciou com esse ajuste na pauta e, em seguida, a gestora apresentou
o Mapa Educacional da escola, ressaltando, detalhadamente, as metas, os projetos
desenvolvidos e os resultados alcançados, visando deixar todos cientes do conteúdo a
ser homologado e aprovado. A discussão se fez, sobretudo, acerca da contribuição
benéfica dos projetos desenvolvidos na escola a fim de impulsionar o ensino, tornando-
o atrativo, diversificado e eficaz. A ata (2019, p. 71) destaca a fala da representante da
comunidade: “O trabalho desenvolvido com projetos pelos professores, têm como
resultado a melhoria gradativa da qualidade do ensino, o que reflete na grande procura
de vagas”. A avaliação das ações e projetos pedagógicos desenvolvidos na escola foi
pertinente porque os conselheiros puderam conhecer, discutir e perceber onde elas
estavam sendo eficazes e como poderiam ser melhoradas, bem como levantar
proposições para ações futuras. A vida escolar é sempre ativa e dinâmica e isso reflete
no Conselho, já que tem que acompanhar as ações desenvolvidas na escola, as
mudanças, os problemas, o que está sendo positivo, ou não, enfim, os conselheiros têm

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papel fundamental porque eles estão no colegiado de frente das principais decisões da
escola em todas as suas instâncias (pedagógica, administrativa, financeira).
Foram realizadas 3 (três) observações em reuniões extraordinárias. A primeira
teve a seguinte pauta: Construção do adendo para o Projeto Político Pedagógico (PPP)
e construção do dispositivo avaliativo para a prática dos docentes e demais
profissionais da escola. A reunião contou com a presença média de 65% (sessenta e
cinco por cento) dos membros titulares com participação significativa e debates bem
articulados. Inicialmente, foi apresentada a pauta e iniciada a explanação sobre,
primeiramente, a construção do dispositivo avaliativo dos profissionais da escola que
recebeu a contribuição mais ativa da gestora e da presidente do Conselho que é
representante dos professores.
Na sequência, ocorreu a construção do adendo 001/2019 que foi o principal foco
das discussões realizadas nesta reunião. Na ocasião, ficou muito explícito o nível de
envolvimento dos conselheiros com as questões do próprio Conselho escolar,
evidenciando que o conhecimento acerca do âmbito de atuação é fundamental para que
sejam desenvolvidas práticas com rigor e competência.
O adendo 001/2019, construído pelos conselheiros e incorporado ao PPP,
dispõe sobre o Conselho Escolar e caracteriza-se como dispositivo normativo que o
orienta e o regulamenta na escola lócus da pesquisa. Os principais itens tratados no
documento são: o perfil dos conselheiros, as atribuições, os direitos, os deveres, as
proibições e o cronograma das reuniões ordinárias e suas respectivas pautas. Ademais,
sua construção coletiva configura-se como um movimento de edificação da autonomia,
e da democratização dos processos de elaboração dos documentos que estão na base
normativa da escola.

O projeto político-pedagógico ocupa um papel central na construção de


processos de participação e, portanto, na implementação de uma
gestão democrática. Envolver os diversos segmentos na elaboração e
no acompanhamento do projeto pedagógico constitui um grande
desafio para a construção da gestão democrática e participativa
(BRASIL, 2004, p. 24).

A atuação do Conselho Escolar na reformulação do PPP foi, satisfatoriamente,


vista como forma de contribuir com a democratização da gestão escolar. As propostas
de dinamização subsidiaram-se em reflexões contínuas e coletivas. Nessa perspectiva,
percebe-se a implementação do discurso acerca da democracia na intersubjetividade,

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isto é, nos fazeres e na participação coletiva na elaboração dos documentos da escola.


O cuidado com os detalhes cruciais para o entendimento foi mantido do início ao fim
da reunião, tal fato contribuiu para que os conselheiros opinassem e participassem das
discussões, afinal, a construção de um documento que é tão importante para o
funcionamento do Conselho deve ser efetivada com o máximo de zelo possível. O
adendo 001/2019 foi concebido por meio da colaboração dos membros presentes,
assentando as relações intersubjetivas e a condução do debate nos princípios da
igualdade de participação e respeito aos posicionamentos subjetivos de cada um no ato
comunicativo. De modo que, os conselheiros buscaram, dentro de suas capacidades,
contribuir com os debates, construções e deliberações.
Contudo, a participação dos representantes dos alunos aconteceu de modo
incipiente, pois eles ainda não possuíam o conhecimento necessário acerca das
questões organizacionais do Conselho Escolar para que pudessem intervir de maneira
significativa. No intuito de minimizar essa questão, a presidente fez a mediação,
explicando os pontos principais do documento buscando igualar o entendimento, de
modo que não deixasse ninguém alheio ao que estava sendo discutido. O acesso às
informações é fundamental para que a participação propriamente dita aconteça, desse
modo, a iniciativa da presidente do Conselho em conduzir a ação comunicativa,
buscando explicar de maneira clara e concisa o adendo que estava sendo construído
favoreceu a participação ativa daqueles que ali estavam, fazendo-os se sentirem parte
do processo.
Essa forma de conduzir a reunião está de acordo com o que está posto no
Regimento:

Art. 19 – As deliberações do Conselho Escolar só serão válidas quando


tomadas por metade mais um dos presentes à reunião.
§ 1º - Não havendo total esclarecimento sobre a matéria a ser votada, a
reunião será adiada, visando a estudos que melhor embasem a
argumentação dos Conselheiros, em busca do desejável consenso
(MOSSORÓ, 2018).

O parágrafo primeiro do Art. 19 evidencia o cerne de uma ação comunicativa


democrática, a priorização de uma discussão aprofundada e com argumentos
consistentes é elemento indispensável para a tessitura de um consenso real. Nessa
perspectiva, a troca mútua de opiniões e conhecimentos que perpassou toda a reunião,
além da busca do entendimento recíproco salientam a presença da intersubjetividade

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subjacente à racionalidade comunicativa. Nessa mesma linha de pensamento, o papel


da linguagem é muito importante, pois é o canal para que aconteça o entendimento
intersubjetivo, este pressuposto habermasiano pôde ser observado mediante o uso de
expressões inteligíveis e sinceras que favoreceram a compreensão.
Diante disso, a condução das relações intersubjetivas faz toda a diferença,
principalmente nas situações coletivas de deliberação ou construção mútua. Primar
pela democracia, pela linguagem clara, pela horizontalidade, pela igualdade e respeito,
é fundamental para que tais relações contribuam para a democratização das ações do
Colegiado e da própria gestão escolar. Medeiros e Oliveira (2008, p. 39) afirmam que
“o Conselho Escolar é exatamente a configuração das relações que os sujeitos
estabelecem entre si”, a pertinência de tal afirmação nos conduz a perceber que a
participação só se efetiva quando existe a possibilidade de posicionar-se nos momentos
discursivos.
Entre a primeira e a segunda observação em reunião extraordinária, ocorreu o
processo de eleição para a posse de novos membros do Conselho Escolar. A votação
ocorre de forma direta e secreta. Ademais, a vigência do mandato dos conselheiros tem
duração bienal, podendo renovar seus integrantes a cada dois anos. Podem participar
da votação: responsável legal do aluno, discentes entre 13 (treze) e 18 (dezoito) anos,
docentes e demais funcionários da escola (MOSSORÓ, 2011).
Por conseguinte, a segunda reunião extraordinária teve como objetivo definir os
membros da nova diretoria do Conselho Escolar: presidente, vice-presidente e
secretária. Respeitando o Regimento, o Conselho realizou a eleição para a diretoria na
primeira reunião após o ato de posse, tal processo ocorre por votação democrática
entre os pares. Na verdade, a votação aprovou os mesmos membros da diretoria do
biênio anterior, permanecendo, portanto: 1 (uma) representante de professores como
presidente, 1 (uma) representante de pais como vice-presidente e 1 (uma)
representante de funcionários como secretária. Além disso, os conselheiros eleitos para
a diretoria do Conselho foram os que receberam mais votos no processo eleitoral.
Considera-se que esse processo fortalece, ainda mais, o viés democrático.
A terceira observação realizada em uma reunião extraordinária foi, dentre
todas, a mais tensa e que requereu maior sensibilidade e compreensão por parte dos
conselheiros. A resolução de conflitos que envolvem a escola, também, entra como
demanda do Conselho. Apresentamos o motivo do conflito levando em consideração

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os princípios éticos, contextualizando e trazendo as questões que são pertinentes à


discussão da intersubjetividade, da democracia e da participação.
O conflito foi ocasionado porque a mãe de uma das alunas da escola veiculou,
pelas redes sociais, que os alunos estavam sendo colocados para fazer a limpeza das
salas de aula ao invés de estarem estudando os conteúdos programáticos, fato esse que
estaria comprometendo a aprendizagem. Inclusive, a postagem veiculada nas redes
sociais estava atrelada a imagens de uma sala com muita sujeira, sugerindo ser a escola.
Logo, a postagem viralizou nas redes, causando uma má impressão da escola e
indignação por parte daqueles que acessaram a informação inverídica. Cabe destacar
que antes de fazer a publicação, a mãe não conversou nem com a professora
responsável pela turma, nem com a coordenação da escola sobre sua inquietação.
Diante disso, quando se trata de uma situação na qual o conflito e a divergência
de opiniões são preponderantes, a intersubjetividade está com problemas porque a
ação comunicativa não está ocorrendo. O Conselho Escolar atuou, justamente, como
canal de comunicação e meio de entendimento entre a escola e a mãe que julgou a ação
realizada, em sala de aula, como inadequada sem conhecer seu planejamento e sua
intencionalidade. De pronto, foi convocada uma reunião extraordinária para apurar os
fatos com o Conselho Escolar, a gestão, a mãe responsável pela postagem e a professora
responsável pela turma. O intuito foi estabelecer um diálogo de esclarecimento no qual
as partes apresentaram seus respectivos pontos de vista sobre o fato, buscando
entenderem-se acerca do assunto em pauta.
Primeiramente, a mãe não compareceu à reunião e mandou o esposo, pai da
aluna da escola, para representá-la. A reunião iniciou com a leitura da publicação e
exibição das fotos atreladas a ela, para que todos tomassem conhecimento do problema
a ser resolvido. A gestora alertou para a seriedade do assunto, que se tornou público,
enfatizando com argumentos sólidos que as imagens colocadas não eram da escola,
pois o piso e as portas não eram condizentes.
Em seguida, a presidente destacou que a reunião era para esclarecer os fatos,
estabeleceu a ordem de fala de cada um dos envolvidos, e os demais foram se colocando
e manifestando suas opiniões. Primeiro, a professora que justificou que a atividade de
limpeza realizada em sala de aula, além de ser facultativa, estava respaldada no projeto
“Higiene e Saúde”, que foi lido e apresentado aos presentes. O objetivo da atividade,
segundo a professora, era contribuir para a conscientização sobre hábitos de

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higienização do espaço social que os alunos ocupam; eles limparam as suas respectivas
mesas e cadeiras, o quadro e as janelas da sala de aula.
Logo após, o pai apresentou eu ponto de vista, acusando a escola de colocar os
alunos para fazer a função dos auxiliares de serviços gerais. Ao mesmo tempo,
assumindo que a esposa deveria ter, primeiramente, conversado com a escola sobre o
ocorrido, antes de tomar qualquer atitude. É como Habermas (1990) afirma: uma ação
prática não fala por si só sobre suas intencionalidades tampouco sobre seu plano de
ação, apenas atos de fala comunicativos empenhados, discursivamente, em esclarecer
as suas intenções e como a própria ação foi pensada é capaz de clarificar e resolver
possíveis desentendimentos.
O consenso torna-se mais difícil de ser atingido quando há resistências, de uma
das partes, em ouvir e considerar o posicionamento dos demais sujeitos envolvidos no
debate. Diante disso, os representantes do Conselho foram colocando argumentos para
agregar nas discussões, viabilizar o entendimento e estabelecer as pretensões de
validez acerca do dissenso entre a escola e o pai.
A representante de pais se posicionou falando sobre a cidadania, que ela deve
ser discutida na escola e que a atividade realizada contribuía com a percepção dos
alunos enquanto corresponsáveis pelo espaço social no qual estão inseridos. Inclusive,
relatando que sua filha já havia realizado esta atividade e que tinha gostado bastante.
A presidente do Conselho dá continuidade destacando a função social da escola,
afirmando que, além de conteúdos didáticos, os alunos também aprendem valores,
conceitos atitudinais e procedimentais que agregam em sua construção como cidadão.
Ademais, reforça a seriedade da postagem, que pode ser caracterizada como Fake
News, podendo chegar a ser enquadrada como crime e levar a um processo judicial.
O pai segue tentando colocar a prática da professora como inapropriada, mesmo
diante da explicação dos objetivos da mesma e que a participação era voluntária. A
representante de funcionários afirma que a limpeza da escola é feita regularmente,
antes e depois das aulas, destaca que os alunos são recebidos com os ambientes
devidamente higienizados e organizados para a realização das atividades pedagógicas.
Logo após, um representante suplente de pais do Conselho, que também teve filho
partícipe na atividade, se posicionou a favor porque ela contribuía para o
comportamento do filho em casa, ao aprender a importância de zelar pelo seu espaço.
Em seguida, a segunda representante titular de pais sugere que a professora dê
continuidade ao projeto, mas que antes disso seja realizada uma reunião com os pais

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para que seja feita a triagem de quais concordam com a sua realização. A representante
de alunos também contribuiu com a discussão, reforçou que o desenvolvimento desse
projeto é muito importante para a fixação de valores e atitudes simples de cuidados
com o espaço social, acrescentou ainda, que a necessidade do projeto advém de uma
carência na educação familiar. Além disso, destacou que, levando em consideração é
uma prática realizada em apenas um dia de aula, não interfere na aprendizagem dos
conteúdos didáticos.
Após muitas discussões, o pai concordou com os argumentos apresentados e a
decisão consensual foi que a mãe se retrataria pela mesma rede social com relação à
postagem anterior de acusação à escola. Além disso, que fosse realizada uma reunião
com os pais da turma para a discussão coletiva acerca da realização das ações do
projeto. O Conselho, mais uma vez, mostrou-se, coletivamente, forte e bem orientado
quanto aos princípios norteadores, além do respeito à liberdade de expressão, bem
como a capacidade de conduzir atos comunicativos ao consenso racional. Foram
ouvidos todos os envolvidos, e, juntos, após muito debate e questionamento das
pretensões de validez, chegaram a uma resolução do problema, contemplando todos os
envolvidos.
O Conselho Escolar tem, portanto, um papel muito abrangente e complexo na
escola, englobando a resolução de problemas e conflitos, construção e dinamização de
documentos diretivos da escola, construção e encaminhamento de ações que agreguem
na potencialização do processo de ensino/aprendizagem, discussão de planos
financeiros e administrativos, acompanhamento dos alunos quanto à frequência, à
disciplina e ao cumprimento das regras da escola. São demandas que exigem empenho
e comprometimento nesse processo, perpassando respeito, democracia e
entendimento.
Foram realizadas 3 (três) observações em assembleias escolares que também se
subsidiam nos princípios da democracia representativa, constituindo-se como um
ambiente ancorado na coletividade destinado para a discussão sobe o cotidiano da
escola, seus entraves e suas conquistas. As assembleias são mecanismos que auxiliam
na democratização do espaço escolar, levando em consideração que é um espaço
voltado para a participação ampla e equitativa dos sujeitos que compõem a escola,
respeitando as particularidades contextuais e subjetivas, bem como um espaço de
construção de entendimento e de consenso. Para tanto, estímulos à coparticipação e à
corresponsabilidade são construídos no intuito de discorrer sobre encaminhamentos

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que contribuam com a ascensão da escola, busca-se, através do diálogo, articulado com
respeito e igualdade, atingir a resolução de possíveis conflitos iminentes ou já
instalados. A assembleia é mais um espaço plural, heterogêneo e diversificado que
permite que a intersubjetividade do Conselho Escolar se aflore e, dessa vez, de maneira
mais ampla, pois envolve mais sujeitos – representantes e representados – e,
consequentemente, mais subjetividades. Logo, é possível afirmar que desenvolver uma
gestão escolar democrática na escola depende de princípios e práticas democráticas.
Diante disso, no que se refere à participação da comunidade escolar nas
assembleias organizadas pelo Conselho Escolar em parceria com a gestão,
consideramos que é satisfatória, tanto quantitativamente, quanto ao nível da
participação e intervenção. Um dos principais desafios da escola pública brasileira é a
ausência dos pais, isto é, a articulação entre família e escola. Obviamente, na escola
pesquisada, essa realidade, também, faz-se presente, mas com menor evidência. Por
meio das observações, foi possível perceber que há uma boa relação da escola com os
pais e responsáveis dos alunos. Em assembleia, a gestora solicita “[...] a colaboração
dos pais, para que juntos com a escola amenizem as situações recorrentes que
prejudicam o rendimento escolar do aluno” (ATA DO CONSELHO, p. 74). Os pais se
fazem presentes, questionam, intervém, fazem propostas e sugestões para contribuir
com as pautas discutidas. A construção conjunta entre escola e pais é fundamental para
o bom desenvolvimento da escola e do ensino/aprendizagem dos alunos, colocando
como foco uma boa comunicação e favorecendo, portanto, o reconhecimento
intersubjetivo. A parceria que se instala é possível porque a escola, na figura do diretor
e do Conselho Escolar, busca uma linguagem clara e acessível para que os pais e
responsáveis entendam a sua importância na aprendizagem dos filhos, assim como
repassam informações acerca do contexto cotidiano que são imprescindíveis para que
os pais acompanhem a evolução do ensino/aprendizagem da escola, bem como expor
eventuais dificuldades e problemas enfrentados.
Em geral, as assembleias tratam de questões e responsabilidades a serem
assumidas pelos alunos sob a coordenação dos pais ou responsáveis, daí a importância
da presença e da participação articuladas aos objetivos centrais. Conhecer e estar a par
do que ocorre no cotidiano escolar, do que precisa ser melhorado, do que já está sendo
feito, ajuda, inclusive, na orientação de como os pais podem conduzir e redirecionar
seus filhos ou tutelados. Essa relação intersubjetiva é, extremamente, relevante e
precisa ser bem construída, pois a escola não atua sozinha, muito menos consegue ser

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exitosa agindo, unilateralmente, a educação é uma tessitura colaborativa. O melhor


caminho para o enfrentamento e resolução de desafios na escola é o fortalecimento de
momentos comunicativos, que visem esclarecer fatos e ações levando ao entendimento
mútuo.
Um fato importante observado é a constante discussão que é feita com a
comunidade escolar a fim de mostrar a importância do Conselho e de suas ações, bem
como de mostrar o elo recíproco de diálogo que é estabelecido com a gestão. O
reconhecimento do Conselho, como um órgão que busca a garantia dos direitos e
melhorias para a escola, é de grande valia para a consolidação da democracia, além de
contributo para que a representatividade seja real.
Ademais, a comunidade escolar anseia que suas reivindicações sejam ouvidas e
que algo seja feito, o Conselho é uma instância de discussão, mas é também de ação,
de luta para aquisição de recursos para a infraestrutura e quaisquer lacunas que
estejam comprometendo a qualidade do ensino na escola.

A única política a ser aceita por todos é aquela em que os benefícios e


encargos são igualmente compartilhados: o processo de participação
assegura que a igualdade política seja efetivada nas assembleias em que
as decisões são tomadas. O principal resultado político é que a vontade
geral é, tautologicamente, sempre justa, (ou seja, afeta a todos de modo
igual), de forma que os direitos e interesses individuais são protegidos,
ao mesmo tempo que se cumpre o interesse público (PATEMAN, 1992,
p. 37).

Dessa forma, a participação política dos sujeitos em momentos deliberativos


demanda muita responsabilidade e ética, pois as decisões tomadas, coletivamente,
influem na dinâmica escolar na qual os sujeitos estão imersos. Portanto, as assembleias
escolares constituem-se como medidas que favorecem a descentralização do poder na
escola, ao mesmo tempo em que promovem a participação intersubjetiva dos sujeitos
presentes. É por meio de ações como essa que a gestão democrática se fortalece e se
consolida.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como foco perscrutar a intersubjetividade, a democracia e a


participação a partir da observação das práticas cotidianas do Conselho de uma escola
municipal em Mossoró/RN. O estudo foi realizado à luz de Jürgen Habermas que

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contribuiu para a reflexão das ações e relações do colegiado. Os pressupostos da


racionalidade comunicativa habermasiana foram evidenciados em diversos momentos
das observações: a intersubjetividade na participação ativa dos conselheiros nas
deliberações; os atos de fala na expressão de ideias e opiniões; os discursos revelaram-
se nas proposições lançadas pelos conselheiros para a resolução de problemas e para a
melhoria da escola; argumentação e pretensões de validez ficaram evidentes nos
debates e na negociação argumentativa em busca da melhor proposição para a pauta
em discussão; a situação ideal de fala mediante a igualdade nos processos de
participação, argumentação e decisão; e o consenso por meio das deliberações
ancoradas no reconhecimento intersubjetivo e no entendimento mútuo. Diante disso,
é perceptível o alinhamento das práticas do Conselho escolar estudado aos
pressupostos da racionalidade comunicativa.
Diante das análises realizadas, constata-se que a intersubjetividade, a
democracia e a participação são aspectos basilares da prática cotidiana do Conselho
Escolar pesquisado. As ações deliberativas são subsidiadas em discursos
argumentativos que orientam-se por princípios democráticos e têm como foco
proeminente a construção de consensos reais. A participação ativa desenvolve-se no
colegiado mediante a liberdade e igualdade comunicativa, os conselheiros podem
opinar, criticar e argumentar até que chegem a um entendimento mútuo sobre a pauta
em discussão. Em geral, as observações apontaram para relações intersubjetivas
conduzidas por pensamentos críticos e reflexivos, pela participação isenta de coação
e/ou manipulação, por debates subsidiados em boas razões e pela formação discursiva
do entendimento e do consenso. Portanto, a democracia perpassa e subsidia as práticas
intersubjetivas, deliberativas e participativas realizadas no colegiado.

REFERÊNCIAS

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1994.

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Gestão & Aprendizagem

AS CONCEPÇÕES DE POVO, SOBERANIA E DEMOCRACIA NO


DISCURSO DE POSSE PRESIDENCIAL: POSSIBILIDADES DE
ANÁLISE COM HABERMAS

FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO


Doutoranda em Direito /UNB
E-mail: [email protected]

RESUMO
O objetivo do trabalho é analisar elementos do discurso de posse presidencial em 2019 que
confrontam as proposições de Jürgen Habermas. Para fins de recorte metodológico e
considerando os limites da natureza do trabalho selecionou-se os elementos “povo”, soberania”
e “democracia” presentes de maneira destacada no discurso de posse do presidente Jair
Bolsonaro. No que se refere as três concepções analisadas, foi possível perceber que o discurso
presidencial se contrapõe às proposições de Jürgen Habermas, pois desconsiderou que em
sociedades complexas, heterogêneas e plurais não é possível designar um “só povo”. Apesar do
termo povo ser frequentemente usado no sentido de unicidade, suas construções linguísticas
baseiam-se nos incluídos e nos adversários, tentando localizar nessas entidades, que divergem
de sua perspectiva, como inimigos. A categoria soberania presente no discurso de posse
assemelha-se ao conceito de soberania monárquica em que o monarca detém e exerce o poder.
As concepções presentes nessas duas categorias violam o conceito de democracia, que, entre
outros aspectos, está ligada ao respeito do direito das minorias e a exigência de procedimentos
inclusivos que permitam um fluxo comunicativo. Diante desse contexto, revelar esses
paradoxos e tensões reforçam a atuação do direito como fonte de justiça, fomentam o exercício
do pensamento crítico a respeito dos instrumentos de dominação para determinados fins e
tornam imprescindível a presença de uma memória histórica com possibilidades à
aprendizagem social em um país que já vivenciou o horror da ditadura.

Palavras-Chave: Povo; Soberania; Democracia; Habermas; Discurso de Posse.

THE CONCEPTIONS OF PEOPLE, SOVEREIGNTY AND


DEMOCRACY IN THE PRESIDENTIAL INAUGURATION
SPEECH: POSSIBILITIES OF ANALYSIS WITH HABERMAS

ABSTRACT
The aim of the work is to analyze elements of the presidential inauguration speech in 2019 that
confront the propositions of Jürgen Habermas. For the purposes of methodological clipping
and considering the limits of the nature of the work, the elements “people”, sovereignty” and
“democracy” present in a prominent way in the inauguration speech of President Jair
Bolsonaro were selected. With regard to the three concepts analyzed, it was possible to realize
that the presidential speech is opposed to the propositions of Jürgen Habermas, since he
disregarded that in complex, heterogeneous and plural societies it is not possible to designate
a “single people”. Although the term people is often used in the sense of uniqueness, its
linguistic constructions are based on the included and the adversaries, trying to locate in these
entities, which diverge from their perspective, as enemies. The category sovereignty present in
the discourse of possession resembles the concept of monarchical sovereignty in which the
monarch holds and exercises power. The conceptions present in these two categories violate
the concept of democracy, which, among other aspects, is linked to respect for minority law

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

and the requirement of inclusive procedures that allow a communicative flow. In this context,
revealing these paradoxes and tensions reinforce the role of law as a source of Justice, promote
the exercise of critical thinking about the instruments of domination for certain purposes and
make the presence of a historical memory with possibilities for social learning essential in a
country that has already experienced the horror of dictatorship.

Key Words: People; Sovereignty; Democracy; Habermas; Inauguration speech.

1 INTRODUÇÃO

Jürgen Habermas nasceu em 18 de junho de 1929, em Düsseldorf, na Alemanha,


período entre guerras, marcado também pela quebra da bolsa de Nova Iorque e a
grande depressão do Ocidente. Nesse contexto, a Alemanha vivia as consequências da
Primeira Guerra como o desemprego, a fome e o surgimento de movimentos sociais
em um país dividido entre conservadorismo e progressismo de extrema esquerda à
extrema direita. Além disso, ele vivenciou o avanço e a derrocada de Hitler, e todos os
horrores da guerra, como os bombardeios, a explosão da bomba atômica, os campos
de concentração, o julgamento de Nuremberg e a Alemanha no pós-guerra. O que me
permitiu que Habermas desenvolvesse uma sensibilidade ao seu entorno, observando
o “desenvolvimento da esfera pública e dos movimentos sociais, como forma de
organizar as demandas sociais e servir de freios para impulsos totalitários” (BETTINE,
2021, p. 6).
Habermas publica inúmeras obras, porém o marco teórico principal para a
elaboração do presente artigo será o livro “Facticidade e validade: contribuições para
uma teoria discursiva do direito”, no qual lança luzes sobre as transformações dos
contextos democráticos atuais e de maneira central afirma que “não é possível haver e
nem preservar o Estado de direito sem democracia radical. Discernir o que subjaz a
essa suspeita é o objetivo da presente investigação” (Habermas, 2020, p. 14). O filósofo
alemão trabalha os conceitos de comunicação livre de coerção e de agir orientado por
normas, em um mundo constituído por relações interpessoais legitimamente
reguladas, objetivando demonstrar as conexões com aquilo que ele denomina de
racionalidade comunicativa em contraponto ao uso instrumental.
Com a elaboração da teoria da sociedade baseada em Sistemas e Mundo da Vida,
produz a discussão do potencial de emancipação por meio da ação comunicativa.
Propõe que a racionalidade comunicativa é a base das relações humanas, sendo
orientada para o entendimento e fundante da construção da humanidade. Sua teoria
do discurso aponta para a centralidade da linguagem, que nos constitui, que faz ser o

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

que somos (sujeito falante e de direitos), como um meio de discussão e inclusão dos
participantes do mundo da vida. A transição da pré-modernidade para modernidade
provocou o aumento do grau de complexidade das sociedades, incrementa a
racionalização, com a busca de respostas não mais apoiadas no dito de uma autoridade
antiga, mas sim em argumentos racionais não mais construídos com base em tradições,
costumes e a presença de uma autoridade inquestionável. Essa organização impacta o
sistema (formado pelo mercado capitalista e o Estado burocrático) e o mundo de vida
(espaço onde vivemos nossa vida cotidiana, no qual construímos nossa identidade e
estamos submetidos a normativas –regras, ética, moral, família).
Habermas gradativamente se aproxima da teoria da Moral e da teoria do Direito,
posicionando o Direito como dobradiça (articulação). Ora o sistema se vale do Direito
para invadir e colonizar o mundo da vida, com a excessiva burocratização e por outro
lado, também o Direito se acopla ao mundo de vida, pois as expectativas desenvolvidas
pelo Direito chegam pela vida da política a se consubstancializar em normas jurídicas
que criarão obstáculos ao sistema, limitando os imperativos do sistema. O Direito,
portanto, pode se prestar a ambos.
O objetivo do trabalho é analisar elementos do discurso de posse presidencial
em 2019 que confrontam as proposições de Habermas. O livro Facticidade e Validade
(HABERMAS, 2020) e suas interlocuções com o Direito Constitucional será adotado
como referencial teórico, além de outros autores que possam contribuir para o escopo
do artigo. Para fins de recorte metodológico e considerando os limites da natureza do
trabalho foram eleitos os seguintes conceitos para discussão: povo, soberania e
democracia, que mais se destacaram no discurso de posse do presidente Jair
Bolsonaro.
Nesse sentido, este artigo busca responder a seguinte questão disparadora:
Quais são as concepções adotados nas práticas discursivas do presidente Jair
Bolsonaro no ato de posse no que se refere aos conceitos de povo, soberania e
democracia?
A tensão entre Direito e política se faz cada vez mais acirrada e presente
atualmente, tendo em vista que a todo momento a política desrespeita as normas
jurídicas. É preciso ressaltar que as bases patriarcais, racistas e misóginas da sociedade
brasileira, com ameaças ao Estado democrático de Direito nas práticas discursivas do
cotidiano, provocam a impossibilidade do diálogo e da emergência do “igual respeito e
consideração”.

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

2 PRINCÍPIOS DO ESTADO DE DIREITO EM HABERMAS

No capítulo 1 do livro Facticidade e Validade, Habermas (2020) indica um dos


pontos importantes de sua obra, qual seja compreender o vínculo entre direito e
democracia. Argumenta que a teoria da ação comunicativa posiciona o direito como
categoria central e forma um contexto apropriado para uma teoria discursiva do
Direito. Para a teoria do discurso as condições de validade do direito remetem a uma
tensão entre positividade jurídica e sua aceitabilidade racional, sendo que esta última
só pode ser atingida através de processos discursivos que atravessem toda a ordem
jurídica e as estruturas discursivas de uma formação democrática da opinião e da
vontade.
Sob o ponto de vista da teoria do discurso, Habermas (2020) trata dos
princípios de Estado de Direito, elencando pontos que ele aborda especificamente:
interpretação teorético discursiva do princípio da soberania popular, que resulta no
princípio da ampla proteção jurídica garantida por um judiciário independente para os
indivíduos; o princípio da legalidade e do controle judicial da Administração; o
princípio da separação do Estado da sociedade, que busca evitar que o poder social se
converta diretamente em poder comunicativo, ou seja, sem primeiro passar pelos
canais de formação do poder comunicativo1.
O princípio da soberania popular, como elo entre o Estado de direito e o
sistema de direitos, produz os demais princípios. Habermas postula que o princípio da
soberania popular equivale a dizer que todo poder político deriva do poder
comunicativo dos cidadãos. Requer que as competências legislativas sejam
transferidas para a totalidade dos cidadãos, pois só eles podem gerar de seu seio o
poder comunicativo das convicções compartilhadas. Essas questões procedimentais
devem ser regulamentadas à luz do princípio do discurso de maneira que os
pressupostos comunicativos necessários aos discursos moral, ético e pragmático, por
um lado, e as condições de negociações equânimes, por outro, possam ser
suficientemente cumpridas.

1De acordo com Habermas (2020, p. 220) “Esse poder comunicativo só pode se formar em esferas
públicas não deformadas, resultando das estruturas de intersubjetividade intacta de uma comunicação
não distorcida. Ele surge no contexto de uma formação da opinião e da vontade (...) com as liberdades
comunicativamente desencadeadas”

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O princípio da soberania popular expressa-se nos direitos à


comunicação e participação que asseguram a autonomia pública dos
cidadãos do Estado; e o domínio das leis, nos direitos fundamentais
clássicos que garantem a autonomia privada dos membros da
sociedade civil (HABERMAS, 2002, p. 290-291).

Ainda sobre esse princípio, Durão (2009) explica que Habermas ao invés de
identificar a soberania popular no povo no sentido de um macrossujeito, escolhe por
expandi-la por meio do “intercâmbio entre redes informais de comunicação da esfera
pública e as instituições formais do estado de direito, com o objetivo de produzir uma
figura política anônima ou carente de sujeito” (Durão, 2009, p. 126). Levando em
consideração então que a soberania popular não se localiza num lugar ou sujeito
especial, é preciso que se garanta um amplo espaço de participação na apresentação e
contribuição de temas com o objetivo de formação de opinião e vontade capazes de
transformar-se em leis, sem a manipulação dos grandes grupos de interesses e do
próprio estado de direito. Como os cidadãos, na sociedade civil, dada a complexidade
dos subsistemas não podem organizar-se para deliberar, é preciso a introdução do
princípio parlamentar, para a institucionalização de corpos legislativos que tomarão
decisões. Durão (2009) sintetiza que a “lei é o resultado da tomada de decisão dos
corpos legislativos, na medida em que estes representam a institucionalização jurídica
dos discursos práticos e das negociações sob condições equitativas, implementadas
pelos próprios cidadãos que formam a opinião e a vontade na esfera pública” (DURÃO,
2009, p. 132).
O segundo princípio, da ampla proteção jurídica, Habermas afirma que a
competência legislativa, que se assenta no nível fundamental sobre a cidadania em sua
totalidade, é exercida por assembleias parlamentares que fundamentam as leis de
acordo com os procedimentos democráticos. Essas leis constituem a base para as
pretensões jurídicas individuais, que decorre da aplicação das leis aos casos
individuais, sejam tais normas autoaplicáveis ou carentes de complementação
normativa, sendo que, dessas pretensões, surge a garantia de ações jurídicas
(HABERMAS, 2020).
O princípio da legalidade e do controle judicial da Administração reforça o
significado central da separação de poderes. A distinção institucional expressa na
constituição de ramos separados de governo tem a finalidade de vincular o uso do
poder administrativo ao Direito democraticamente promulgado de um tal modo que o

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

poder administrativo só se regenera a partir do poder comunicativo engendrado em


comum pelos cidadãos (HABERMAS, 2020).
No que diz respeito ao princípio da separação entre Estado e Sociedade de
maneira mais geral pode-se considerar como a garantia jurídica de autonomia social
dos cidadãos, com distribuição de modo equânime das chances de utilização de direitos
políticos de participação e comunicação por parte desses sujeitos (HABERMAS, 2020).
Vê-se então que a concepção habermasiana parte de um paradigma
procedimentalista, ou seja, o processo democrático precisa assegurar simultaneamente
a autonomia privada e autonomia pública, sendo necessário que os próprios
concernidos articulem e fundamentem os elementos considerados importantes para o
tratamento igual ou desigual em casos típicos. Tal como apontado no livro Facticidade
e Validade, a procedimentalização objetiva responder a sua preocupação com a gênese
democrática do direito, e deseja que seja agregado por operadores do direito e cidadãos
politicamente engajados na ampliação de uma práxis participativa.

3 ANÁLISE DO DISCURSO DE POSSE PRESIDENCIAL QUANTO ÀS


CONCEPÇÕES DE POVO, SOBERANIA E DEMOCRACIA

Antes de iniciar a análise propriamente dita de trechos do discurso presidencial


no ato de posse, faz-se necessário esclarecer que serão pontuados e destacados
elementos específicos desse objeto de estudo. Dado a natureza do trabalho, que se
caracteriza como artigo, não será possível analisar o discurso na íntegra nem incluir as
práticas discursivas adotadas durante todo o processo eleitoral que constituíram as
bases para o resultado nas urnas.
Após esses esclarecimentos, segue trechos em itálico do discurso e pontos em
destaque com grifos da autora que indicam elementos de interlocução com Habermas.
Brasileiros e brasileiras. (...) Volto a esta Casa, não mais como deputado, mas
como Presidente da República Federativa do Brasil, mandato a mim confiado pela
vontade soberana do povo brasileiro. Hoje, aqui estou, (...) na honrosa missão
de governar o Brasil neste período de grandes desafios e, ao mesmo tempo, de enorme
esperança. Governar com vocês.
Aqui é preciso destacar dois pontos: o princípio da soberania popular, “segundo
o qual todo o poder emana do povo” (Habermas, 2020, p. 224) e o próprio conceito de
povo. Para Habermas (2020) o princípio mencionado funciona como uma dobradiça
entre o sistema de direitos e a construção de um Estado democrático de direito. A

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

formação da opinião e da vontade deve partir de um procedimento democrático em


que ocorra formas encadeadas de comunicação, garantindo que questões, temas e
contribuições importantes sejam colocadas com base nas melhores informações e
razões. Nesse sentido, é a institucionalização jurídica de determinados procedimentos
e aspectos da comunicação que propicia iguais liberdades comunicativas. Portanto, os
aspectos procedimentais precisam ser ajustados ao princípio do discurso, de modo a
equilibrar pressupostos comunicativos e as condições para negociações equitativas. Ele
destaca que “o princípio de que todo poder do Estado emana do povo” precisa ser
contextualizado na forma de “liberdades de opinião e informação, de reunião e
associação, liberdades de fé, de consciência e confissão religiosa, de direitos à
participação em eleições e sufrágios políticos, à filiação em partidos ou movimentos de
cidadãos etc”. (Habermas, 2020, p. 178).
Quanto ao conceito de “povo”, Habermas não o representa como uma entidade.
“O povo, de onde deve ser depreendido todo poder organizado estatalmente, não forma
um sujeito dotado de consciência e vontade. Ele surge somente no plural, não sendo
capaz de decidir ou agir em conjunto como povo” (Habermas, 2020, p. 629). Portanto,
é possível perceber que o discurso presidencial desconsidera por completo que as
sociedades complexas impedem que designemos um “só povo”. Além disso, processos
de massificação são incompatíveis com formações de sujeitos dotados de consciência e
vontade. A soberania popular não abrange um coletivo, nem se caracteriza pela
presença física de cidadãos reunidos, nem de representantes de associados, mas se
realiza na circulação de deliberações e decisões racionalmente estruturadas.
Aproveito este momento solene e convoco cada um dos congressistas para me
ajudarem na missão de restaurar e de reerguer nossa pátria, libertando-
a, definitivamente, do jugo da corrupção, da criminalidade, da
irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica. Temos, diante de
nós, uma oportunidade única de reconstruir o nosso país e de resgatar a esperança
dos nossos compatriotas.
Estou certo de que enfrentaremos enormes desafios, mas, se tivermos a
sabedoria de ouvir a voz do povo, alcançaremos êxito em nossos objetivos, e, pelo
exemplo e pelo trabalho, levaremos as futuras gerações a nos seguir nesta tarefa
gloriosa.
Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e
nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero,

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conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre das


amarras ideológicas.
Além de considerar no seu discurso “um só povo” ignorando as pluralidades e
heterogeneidade do povo, nesses trechos destacados posiciona os pares e rivais lado a
lado. Suas construções linguísticas baseiam-se nos incluídos (usando o “nós”) e nos
adversários (com o uso do “eles”). Aqui há também uma tentativa de localizar nessas
entidades, que divergem de sua perspectiva, como inimigos. O uso da expressão
“combater a ideologia de gênero” também merece destaque, pois fundamenta-se num
posicionamento contrário ao avanço das pautas da educação sexual integral, do
casamento entre pessoas do mesmo sexo, dos direitos das mulheres, jovens e crianças,
dos direitos sexuais e reprodutivos, dentre outros. A crença de que só há um povo
também aparece na concepção tradicional de um modelo de família (nuclear) no
discurso, assim como a conservação dos “valores”. Todos aspectos fundamentalmente
arraigados na tradição judaico-cristã. Menelick de Carvalho Netto (2003, p. 16) aponta
que “Em uma sociedade pluralista e complexa, não é mais possível, como na antiga
teoria pré-moderna do bom governo, a imposição de uma única perspectiva moral
como a perspectiva moral da sociedade monocrática”. Portanto, mais uma vez aqui o
discurso faz uso da polarização para incitar a intolerância às diferenças.
Na perspectiva de Müller (2003) o povo não se caracteriza como um conceito
descritivo na teoria política e constitucional, mas sim é claramente operacional. Com o
ressurgimento da ideia democrática, a noção de povo adquiriu importância na era
moderna. O autor ressalta que povo é um conceito plurívoco, impossibilitando de
“reduzir politicamente o povo a um só entendimento, uma só opinião e uma só vontade.
O recurso ao princípio do voto majoritário é, portanto, inevitável” (MÜLLER, 2003, p.
20). Ele destaca ainda que é preciso distinguir a totalidade do povo e a fração
dominante do povo cuja vontade será predominante em processos eleitorais,
referendos e plebiscitos. Surgem então dois questionamentos “a maioria dos sufrágios
corresponde sempre à vontade e ao interesse próprio dos votantes, enquanto classe ou
grupo social? Quem é, concretamente falando, a maioria votante que se pronuncia em
nome do povo?” (MÜLLER, 2003, p. 21). Faz-se necessário ressaltar que a substância
dos regimes políticos não é meramente numérica, ou seja, hipoteticamente falando se
os ricos fossem majoritários exercendo o poder supremo o regime seria oligárquico.
Caso contrário, ou seja, os pobres numericamente em minoria, mas detivessem o poder
supremo, então o regime seria democrático. Portanto, para a oligarquia tem-se como

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referência a posse e conservação de riqueza ou a posse e para a democracia, a posse e


a conservação da liberdade.
Em países marcados pela desigualdade social, em especial o Brasil como seu
modelo perverso, Müller (2003) afirma que há a atribuição de maiores poderes de
decisão ao povo, contudo, pela inexistência de um corpo coletivo unitário, o exercício
efetivo do poder supremo é realizado pelos oligarcas. Dessa maneira, a democratização
de sociedade tipicamente inigualitárias não ocorre simplesmente ampliando o sufrágio
popular. É necessário, antes de tudo, investir contra as “fontes do poder oligárquico,
as quais se encontram na própria estrutura das relações econômicas e sociais,
notadamente as restrições práticas à instrução popular e o monopólio dos meios de
comunicação de massa em mãos da minoria dominante” (MÜLLER, 2003, p. 24).
Fica claro então que os aspectos trazidos são completamente ignorados no
discurso presidencial, pois em nome de um voto majoritário popular legitima-se as
exclusões sociais, massacram-se as minorias e como bem denomina Müller (2003) o
fundamentalismo reforçado e manipulado pelos eleitos esmaga os considerados infiéis.
O retrato do que temos vivido desde as eleições.
(...) Por isso, quando os inimigos da pátria, da ordem e da liberdade
tentaram pôr fim à minha vida, milhões de brasileiros foram às ruas.
Reafirmo meu compromisso de construir uma sociedade sem discriminação ou
divisão. Daqui em diante, nos pautaremos pela vontade soberana daqueles
brasileiros que querem boas escolas, capazes de preparar seus filhos para o mercado
de trabalho e não para a militância política; que sonham com a liberdade de ir e vir,
sem serem vitimados pelo crime; que desejam conquistar, pelo mérito, bons
empregos e sustentar com dignidade suas famílias; que exigem saúde,
educação, infraestrutura e saneamento básico, em respeito aos direitos e
garantias fundamentais da nossa Constituição.
Müller (2003) ajuda a aprofundar o conceito de soberania popular,
considerando seu caráter não-absoluto. Além disso, sintetiza que comumente as
constituições evocam o povo como se fosse a garantia de legitimidade. Para ele, o
conceito de povo encobriria as diferenças que possibilitam distinguir entre retórica
ideológica e democracia efetiva, uma vez que em matéria de elaboração de
constituições, o povo apresenta um caráter mais mediado por meio de um grêmio de
representantes. O uso habitual do conceito de povo apresenta um problema interno
que se torna visível quando se interliga democracia a seus dois elementos: povo e

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dominação. Assim como em Habermas (2020), Müller (2003) defende que o povo
enquanto totalidade não possui nenhum corpo unitário, não constitui nenhuma
vontade unitária, não é homogêneo nem sujeito, pois “são sempre os representantes de
representantes que agem pelo povo” (MÜLLER, 2003, p. 37).
As promessas no discurso de posse são incompatíveis com o projeto político-
ideológico que venceu as urnas em 2018. A pauta econômica liberal com promessas de
reformas envolvia riscos que não foram analisados pela parcela da população. A
ampliação do mercado às custas da diminuição de determinados setores do Estado
também não foi levada em consideração. O profº David Gomes elenca as consequências
da ampliação do mercado:

ênfase no agronegócio, diminuição do investimento nacional em


ciência e tecnologia, desindustrialização, favorecimento das condições
para o investimento internacional direto, prevalência dos interesses do
capitão financeiro especulativo, desproteção das condições
trabalhistas, com o correlato aumento do trabalho precarizado;
incentivo ao empreendedorismo individual, numa tentativa de
generalização do modelo empresarial – que, numa economia complexa
como a de hoje, dificilmente é sustentável fora de grandes estruturas –
para todos os setores e agentes da economia; fragilização do sistema de
seguridade social como um todo (GOMES, 2021, p. 7).

Gomes (2021) lembra da população excluída da superexploração do trabalho


por não conseguirem se inserir em postos de trabalho, o que também reforça a tese de
que o discurso presidencial de promessas de bons empregos e sustento com dignidade,
acesso à educação, saúde e saneamento básico são apenas falsas promessas. Além
disso, destaca-se que no caso de grande parte da população não tem condições (ou pré-
condições como define o autor citado) para “conquistar, pelo mérito bons empregos”
por terem a marca em seus corpos da exclusão social. Em contraponto ao uso frequente
da expressão “povo” numa concepção de unidade, há também o aspecto de uma noção
de individualidade presente durante todo o discurso presidencial, em que o sucesso,
fracasso, medos e sonhos são apresentados a partir de uma perspectiva
individualizante retirando características históricas concretas no que diz respeito a
condição de homem ou mulher, de pobreza ou riqueza, de brancura ou negritude, etc.
Gomes (2021) denomina como “igualdade abstrata e ilusória de liberdade”, como uma
propaganda de uma liberdade realizada pelo próprio indivíduo.
Habermas (1997) reforça que a interpretação da ideia da soberania popular é
intersubjetivista, como poder produzido comunicativamente, fruto de interações entre
a formação da vontade institucionalizada constitucionalmente e esferas públicas

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mobilizadas, que encontram uma base nas associações de uma sociedade civil.
Partindo de uma visão procedimentalista, a ideia de soberania do povo atenta para as
condições sociais marginais, não se concentra no povo nem pode ser colocada em
anonimato das competências jurídico-constitucionais.
(...) Nossas Forças Armadas terão as condições necessárias para cumprir
sua missão constitucional de defesa da soberania, do território nacional e
das instituições democráticas, mantendo suas capacidades dissuasórias para
resguardar nossa soberania e proteger nossas fronteiras.
Habermas (2020) esclarece que a conexão interna entre direito e poder político
impacta nas implicações que os direitos subjetivos tem em relação ao direito positivo,
pois
O direito a iguais liberdades subjetivas de ação se concretiza em
direitos fundamentais, que enquanto direitos positivos são reforçados
com ameaças de sanção e podem ser reivindicados contra a infração de
normas ou interesses contrários. Assim, tais direitos pressupõem o
poder de sanção de uma organização que dispõe dos meios de aplicação
legítima da violência para assegurar o respeito pelas normas jurídicas.
Isso concerne ao aspecto segundo o qual o Estado mantém na reserva
uma força de caserna para, por assim dizer, "assegurar" seu poder de
comando (HABERMAS, 2020, p. 184)

Contudo, o filósofo alemão destaca que a conservação da força legitimadora do


direito só é possível se atuar como fonte de justiça, pois o poder político tem à
disposição meios de coerção de caserna como fonte de violência estatal. Ressalta ainda
que a fonte secaria caso o Direito de maneira arbitrária ficasse sujeito à razão de
Estado.
Um aspecto importante é que só se pode falar de poder a partir de uma vontade
comum baseada numa comunicação não-coercitiva. Nesse sentido, há uma oposição
entre poder e violência, pois de acordo com Habermas 2020 (p. 200) “esse poder
comunicativo só pode se formar em esferas públicas não deformadas, resultando das
estruturas de intersubjetividade intacta de uma comunicação não distorcida”.
Foi possível perceber que em inúmeros trechos da fala presidencial há o uso do
termo “soberania”. Habermas (2020) explica que a princípio o conceito de soberania
popular esteve ligada à dominação de governantes absolutos. O Estado, que detém os
meios do uso legítimo da violência, “é representado como o polo que concentra o poder
por ser capaz de prevalecer sobre todos os demais poderes desse mundo” (Habermas,
2020, p. 384). Contudo, o autor elucida que a soberania é incorporada nas formas de
comunicação sem sujeito, regulando o fluxo da formação discursiva da opinião e da

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vontade e configurada pelos resultados de instituições democraticamente constituídas


de formação da opinião e da vontade. Vê-se então que, além do equívoco quanto a
concepção de soberania, a maneira como se atribui a Forças Armadas a defesa da
soberania é radicalmente oposta das proposições de Habermas.
Faz-se necessário destacar a tese habermasiana da cooriginaridade entre
direitos humanos e soberania popular, que pressupõe a ausência de uma hierarquia
normativa entre autonomia privada (o núcleo dos direitos humanos clássicos) e
autonomia pública. O exercício da soberania popular assegura ao mesmo tempo os
direitos humanos. O processo democrático precisa garantir simultaneamente a
autonomia privada e a autonomia pública dos sujeitos de direito sem que se reivindique
primazia uma a outra. Para Habermas (2020) a conexão existente entre direitos
humanos e soberania popular incide na exigência de institucionalização jurídica da
autolegislação satisfeita por meio de um código que implica a garantia de liberdades
subjetivas de ação passíveis de ser juridicamente reclamadas.
(...) Uma de minhas prioridades é proteger e revigorar a democracia
brasileira, trabalhando arduamente para que ela deixe de ser apenas
uma promessa formal e distante e passe a ser um componente substancial e
tangível da vida política brasileira, com o respeito ao Estado Democrático.
O empenho de Habermas gira em torno do “aprofundamento democrático no
interior das formas estabelecidas do Estado de direito” (Habermas, 2020, p.14). A
concepção de “democracia radical" implica estruturas comunicativas na sociedade
civil, das quais emergem fontes de autocompreensão e autodeterminação social, e
também exige procedimentos democráticos inclusivos em termos de seus
participantes, problemas e questionamentos considerados. Ou seja, é fundamental que
todos os agentes possam participar dos processos discursivos de produção normativa.
Essa ideia de que não é possível a existência nem a preservação do Estado de Direito
em democracia radical significa que déficits democráticos colocam em risco o regime
da legalidade, comprometendo a sustentação e o equilíbrio de uma integração social
realizada através do direito. Ele acrescenta ainda que a fragilidade de uma democracia
ameaça a solidariedade social, ou seja, nas palavras de Habermas (2020, p.15) “sem
serem constantemente irrigadas pelas fontes sociais de solidariedade próprias do
entendimento comunicativo, as estruturas jurídicas se enrijecem, ossificam e tendem
a ruir”. Vale destacar que a solidariedade, além do dinheiro e do poder administrativo,
caracteriza-se como uma terceira fonte de integração social e surge indiretamente do

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direito, permitindo a estabilização de expectativas de comportamento e assegurando


“relações simétricas de reconhecimento recíproco entre portadores abstratos de
direitos subjetivos” (HABERMAS, 2020, p. 683).
A legitimidade de uma constituição democrática para Müller (2003) não pode
ser obtida para sempre, mas somente em um processo de permanente renovação.
Nesse ponto em especial, é interessante mencionar que no livro “Como as democracias
morrem”, Levitsky e Ziblatt (2018) analisam diferentes contextos de declínio
democrático no mundo, contudo concentram-se de maneira central no sistema político
norteamericano, em especial a ascensão de Donald Trump. Apontam que apenas a
Constituição ou as regras constitucionais não são suficientes para garantir a
democracia, pois ela apresenta um caráter de incompletude, com lacunas e
ambiguidades. As intepretações conflitantes também marcam essa impossibilidade de
garantia. Portanto, os autores lançam luz a questão trazendo alguns fatores de proteção
à democracia: desenvolvimento de normas democráticas fortes, inclusive com regras
informais, código de conduta aceitos por seus membros, normas sólidas de tolerância
mútua entre oponentes políticos e a reserva institucional2. Um ponto que merece
destaque é:
Em quase todos os casos de colapso democrático que nós estudamos,
autoritários potenciais – de Franco, Hitler e Mussolini na Europa
entreguerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra Fria, e
Putin, Chávez e Erdoğan mais recentemente – justificaram a sua
consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua
existência (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 122).

É importante esclarecer também que a democracia para ser democrática implica


respeitar o direito das minorias. Se a teoria democrática obteve seus avanços foi a partir
de experiências dramáticas de movimentos autoritários como o nazismo, o fascismo, o
stalinismo (CARVALHO NETTO, 2003). Ainda no que se refere democracia, Menelick
de Carvalho Netto (2003) fundamenta-se em Habermas e afirma que democracia e
constitucionalismo não são contraditórios entre si, mas são primordiais e co-
originários, pois o percurso histórico do constitucionalismo e da democracia
representativa demonstra como essa conexão é complexa e em constante tensão.
Tensão essa que se faz necessária para se produzir e evitar tanto o desgaste do texto
constitucional e a desestima à Constituição. O autor destaca ainda que democracia só
é democrática se for constitucional. A vontade ilimitada da eventual maioria é ditadura,

2 Na compreensão dos autores como “o ato de evitar ações que, embora respeitem a letra da lei, violam
claramente o seu espírito (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 122)

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é a negação mesma da própria ideia de democracia. Do mesmo modo, o


constitucionalismo só é constitucional se for democrático. Apropriar-se do texto
constitucional numa tentativa de posicionar o povo como objeto passivo do Estado,
como massa, caracteriza-se como autoritarismo e a negação do próprio
constitucionalismo. A sociedade moderna alcançou um determinado grau de
complexidade que permitiria a identificação desse risco e a tentativa de controle por
meio de Assembleias, Ministérios Públicos e Tribunais, e também em espaços de
formação de opinião pública.

4 CONCLUSÃO

O artigo teve como objetivo analisar como os elementos “povo”, “soberania” e


“democracia” se apresentaram no discurso de posse presidencial em 2019,
especialmente no que confrontam com as proposições de Jürger Habermas.
No que se refere a concepção de “povo”, a partir dos autores mencionados
durante todo o trabalho, foi identificado que o discurso de posse considera que fazem
parte dessa entidade apenas um determinado grupo de pessoas que comungam das
mesmas ideias – os “compatriotas”. Essa prática discursiva excludente não abrange a
pluralidade e heterogeneidade própria que compõe uma sociedade e vai de encontro à
concepção plurívoca do conceito povo demonstrado ao longo do trabalho. Essa tática
posiciona os sujeitos como rivais, colocando uns contra os outros e considerando esses
adversários perigosos, que representariam um risco ao país.
Essa estratégia desperta e reforça um processo de identificação dos membros
entre si e dos membros com o líder (no caso o presidente). Há também uma tentativa
de localizar nessas entidades, que divergem dos seus pontos de vista, como inimigos.
O uso de determinadas expressões como “combater a ideologia de gênero”, “valorizar
a família”, “conservar os valores”, “tradição judaico-cristã”, contrapõem-se também à
perspectiva de uma sociedade pluralista e complexa e opõem-se também às
proposições de Habermas no que diz respeito as liberdades, sobretudo liberdades de
opinião e informação, liberdades de fé, à filiação em partidos ou movimentos de
cidadãos, dentre outros.
Ainda em relação a “povo”, Habermas não o representa como uma entidade,
surgindo somente no plural e não sendo capaz de decidir ou agir em conjunto como
povo. Portanto, não é possível reduzi-lo a um só entendimento, uma só opinião e uma
só vontade, como foi representado ao longo do discurso de posse. É preciso considerar

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

a parcela dominante cuja vontade será predominante em processos eleitorais,


referendos e plebiscitos e que o fundamento de um regime democrático não é
simplesmente numérico. Como demonstrado no artigo, diante da inexistência de um
corpo coletivo unitário, o exercício efetivo do poder supremo é realizado pelos oligarcas
que em, em nome do voto majoritário popular, legitimam as exclusões sociais,
massacram as minorias e esmagam aqueles reconhecidos como infiéis. É preciso ter
cautela com o conceito de povo, pois ele encobre as diferenças que possibilitariam
distinguir entre retórica ideológica e democracia efetiva, uma vez que são os
representantes de representantes que agem pelo povo.
Quanto ao segundo elemento investigado, diferentemente do que apresenta o
discurso de posse, a soberania popular não localiza-se num lugar ou sujeito especial
nem no povo. Portanto, faz-se necessário que se garanta um amplo espaço de
participação na apresentação e contribuição de temas com o objetivo de formação de
opinião e vontade capazes de transformar-se em leis, sem a manipulação dos grandes
grupos de interesses e do próprio estado de direito. O princípio da soberania popular,
como elo entre o Estado de direito e o sistema de direitos, produz os demais princípios
que compõe o Estado democrático de Direito. Manifesta-se nos direitos à comunicação
e participação que asseguram a autonomia pública dos cidadãos do Estado; e o domínio
das leis, nos direitos fundamentais clássicos que garantem a autonomia privada dos
membros da sociedade civil. Nesse sentido, nem o povo nem a soberania popular
abrangem um coletivo. A ideia da soberania popular é intersubjetivista, produto de
interações entre a formação da vontade institucionalizada constitucionalmente e
esferas públicas mobilizadas, que encontram uma base nas associações de uma
sociedade civil. O conceito de soberania popular identificado no discurso de posse
parece estar ligado a uma concepção de dominação de governantes absolutos, que o
Estado, detentor dos meios do uso legítimo da violência, poderia valer-se sobre todos
os demais poderes.
As concepções presentes nas duas categorias analisadas impactam
diretamente na terceira – democracia, que implica estruturas comunicativas na
sociedade civil, das quais emergem fontes de autocompreensão e autodeterminação
social, exigindo procedimentos democráticos inclusivos em que problemas e
questionamentos de todos os participantes fossem considerados. Ou seja, é
fundamental que todos os agentes possam participar dos processos discursivos de
produção normativa. Foi apontado que somente a Constituição ou as regras

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FABIANE DA FONTOURA MESSIAS DE MELO

constitucionais não são suficientes para garantir a democracia, pois há que se


considerar sua natureza incompleta, suas lacunas e contradições. Portanto, o conceito
de democracia presente no discurso de posse conflita com o proposto em Habermas,
uma vez que ela, entre outros aspectos já mencionados, está ligada também ao respeito
do direito das minorias, à complexidade na relação complementar entre a liberdade,
diferença e igualdade, à exigência de procedimentos inclusivos que permitam um fluxo
comunicativo em que questões, temas e contribuições de todos os participantes sejam
considerados. O discurso de posse relaciona a democracia apenas ao resultado do voto
majoritário nas eleições, encobrindo as fontes do poder oligárquico, as quais se
encontram na base das relações econômicas e sociais.
Vê-se então a prática discursiva do presidente na solenidade de posse pautou-
se na polarização político-partidárias, na agenda anticorrupção, fundamentado em
uma moral conservadora dos costumes a fim de fomentar o medo a um inimigo
imaginário (comunismo) e o ódio às lutas identitárias, o que impede o reconhecimento
da igualdade cidadã dos diferentes e emergência do igual respeito e consideração.
Diferença no sentido mais amplo, como por exemplo, no que se refere às opções
político-partidárias, crenças religiosas –espirituais, às orientações sexuais, às formas
de inserção social, às relações de poder, às condições do ser homem ou mulher, de
pobreza ou riqueza, de ser branco ou preto, de ser indígena dentre outras.
Revelar esses paradoxos reforçam a atuação do direito como fonte de justiça,
fomentam o exercício do pensamento crítico a respeito dos instrumentos de dominação
para determinados fins e tornam imprescindível a presença de uma memória histórica
com possibilidades à aprendizagem social em um país que já vivenciou o horror da
ditadura. Os conflitos e tensões demonstrados ao longo do trabalho leva-nos a reforçar
o compromisso de defesa da democracia e pode ser fonte rica para novos
questionamentos e problematizações no campo do Direito e da Política.

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Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2003.

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Gestão & Aprendizagem

HABERMAS E A MODERNIDADE OCIDENTAL ENTRE O NEO


FUNCIONALISMO SISTÊMICO DETALCOTT-
PARSONS E A DEPENDÊNCIA DE TRAJETÓRIA
DE JOSEPH SCHUMPETER

THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS


Mestre em Sociologia Política / Universidade Vila-Velha-ES

RESUMO
No atual estágio da Modernidade, promover a inovação ou a cultura que lhe é subjacente
(cultura da inovação) parece ter tornado algo natural, indistintamente: “Cultura” é uma
palavra que nos remete ao passado das sociedades. As temáticas próprias à modernidade se
multiplicam, tais como: Inovação, cultura, desenvolvimento, intervenção estatal, relação entre
público e privado, ciência e tecnologia, diversidade cultural, democracia, liberdade, dentre
outros; ao mesmo tempo essas temáticas mantém uma ligação fecunda com o novo, e, por
extensão com o ato de inovar; Simultaneamente esta nova fase da modernidade: descolou a
ideia de Estado do entendimento que se tinha de território, fazendo (re)surgir: novas
territorialidades; a questão relativa ao problema da diversidade cultural nos territórios; e a
questão relativa à aderência – ou não – da noção de cultura da inovação que se pretende
promover às diferentes manifestações culturais próprias das novas territorialidades que
emergem. Pretende-se com esta pesquisa: compreender o conceito de cultura da inovação,
indagando acerca da importância da cultura da inovação no contexto da modernidade.
Entender o problema ao sabor do contraste entre a cultura da inovação na modernidade atual
e a diversidade cultural que desponta com a nova questão territorial que se coloca para o
desenvolvimento do capitalismo. Propõe-se que os objetivos sejam alcançados através da
investigação na obra de quatro autores a relação possível de ser estabelecida entre inovação e
modernidade e o conteúdo da noção de cultura da inovação. Os autores são: Joseph
Schumpeter (1883 -1950) David Harvey (1935-) Agnes Heller (1929-2019) Zygmunt Bauman
(1925-2017) Assim, propomos o estudo da cultura da inovação, no primeiro capítulo,
principalmente a partir da obra de Schumpeter - A teoria do desenvolvimento econômico
(1982), passando ao escopo da inovação na teoria da modernidade em David Harvey e na
condição política pós-moderna, de Agnes Heller, tomando-se as suas obras – Condição Pós-
moderna e A Condição Política Pós-Moderna. No terceiro capítulo, verificamos se a noção de
cultura da inovação inscrita como cultura na Modernidade Líquida, adere ao conceito
formulado por Zygmunt Bauman nesta sua obra, diante do que nos colocamos a pergunta,
teríamos todos nos transformados em meros prestadores de serviço ao capital, ou a obra de
seu epígono e último iluminista, a saber, Karl Marx, já não adequa-se ao metro-critico em
apenso a este período que é proposto pelo velho Marx adequando-se ao tema da teoria dos
sistemas segundo a influência de Parsons, adequando-se ao neopragmatismo advogado pelo
filósofo alemão Jurgen Habermas, enfim, para entender se este mundo passou de fato por uma
transformação numa época tal qual teorizado de uma certa forma, redefinindo a modernidade
ocidental pelo conceito de pensamento pós-metafísico desde a perspectiva desenvolvida pelo
neopragmatismo até Habermas e sua ótica fundada no iluminismo da sociedade esclarecida
(auffklarer).

Palavras-chave: Modernidade; Cultura da Inovação; Política de Ciência e Tecnologia (C&T);


Pró-Desenvolvimento.

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.78-101, jul./dez. 2021


THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

HABERMAS AND WESTERN MODERNITY BETWEEN


DETALCOTT-PARSONS’ SYSTEMIC NEO FUNCTIONALISM
AND THE DEPENDENCE ON TRAJECTORY OF JOSEPH
SCHUMPETER

ABSTRACT
In the actual stage of modernity to prommote the innovation and the culture that is subsumed
to it, appears to happen with any distinction: Culture is one word that is stribed in the past of
the socyeties. The themes wich are properly related to modernity are multiplied: Innovation,
culture, development, State Intervention, relation between the public sphere and the private
sphere, Science and technology, cultural diversity, democracy, freedom, among others; While
it happens, the new phase of modernity: diferentiates the idea of State and the notion of
territory; that, makes the ressurgence of: new territorializations; the question related to the
new territorialization in the territory; and the question of the adherence – or not – between
the culture of innovation that is intendend to prommote and the cultural diversity manifested
in the new territorializations that is emergent. The core aim of this research is given by the
objective of the work as put it next: to verify what is the place of the culture of innovation,
inquiring he importance of the culture of innovation in the context of modernity. Also, to
understand in the form of this type of contrast between the culture of innovation in the actual
modernity and the cultural diversity that is pointed at the center of the territorialization
brought by the economical transformations of the capitalist system. We propose that these
objectives are going to be enhanced by the study of those four authors that could be taking in
the work of each one the relation between the modernity notion of society and what innovation
is at this context, as well the content of the culture of innovation. The authors considered are:
Joseph Schumpeter (1883-1950); David Harvey (1935-); Agnes Heller (1929) and Zygmunt
Bauman (1925-2017)This work evolves in three chapters in which is intended to study the
culture of innovation, in the first chapter, in terms of the work made by Joseph Schumpeter,
The Theory of Capitalist Development, as we pass by it, to the scope of those concepts of
innovation in the theory of modernity by David Harvey, and in the political Theory of Agnes
Heller, taking theirs Works. In the third chapter, we treat to verify if the conceptualization of
the culture of innovation, that is inscripted as culture in the contemporaneity is due to the
concept of Liquidity Modernity, such as it is formulated by Zygmunt Bauman, when we
formulate the question that: Do we all have to become merely serviced to the capital, or the
world doesn’t evolve like treated by the last auffklaurer that is Marx from the foresee influencer
in Das Kapital and furthermore for the theory of systems by Talcott-Parsons, as developer by
Habermas, to understand if this world passed for these epocal transformation theorized at this
way redefined the western modernity for the concept of post-metaphisical thought since the
understanding of neopragmatism from Habermas in The dialetics of enlightment.

Keywords: Modernity; Culture of Innovation; Policy and S & T Pro-Development.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS À PROPÓSITO DE INTRODUÇÃO

Habermas, sabedor de que podemos remontar à modernidade a existência da


categoria da novidade, ou inovação, e isto, pois, até o seu momento percuciente que
nele se decanta, mais importantemente por que trata ou aborda as atuais políticas de
Estado desde Maquiavel, como uma formação operacional que deita suas raízes antes
que a modernidade viesse a ser tematizada, mas que tendia a se aprofundar cada vez

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.78-101, jul./dez. 2021 79


THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

mais, na modernização política ocidental, quando, tem no iluminismo o seu fator chave
para aclarar o quê, de fato, consiste, ou se resume, o problema que procura e que se
pode entender, a partir de então - e é o que autores da teoria social fazem
hodiernamente a partir do racionalismo das luzes - a saber, por que este requisito, a
razão, partindo da idéia de inovação para os autores que trataram da modernidade,
incluindo, ainda o Joseph Schumpeter, dado a herança Schumpeteriana que estava
predicando tal operação no capitalismo, encaram o mundo ocidental como a arena
política “par excellence” da democracia, onde se remontam ao renascimento, a origem
da ciência política bem como a noção de pós-modernismo, por um viés anti-
racionalista assim o fazem, portanto, determinando das mesmas teses da pós-
modernidade um vínculo com o fim das ideologias políticas, que o mundo carreou, com
a globalização, mas não da modernidade como progressiva iluminação da razão -
(HARVEY, 1992).
O que se pode verificar, atualmente, diante disto, portanto, da busca do lucro, ou,
sua consolidação atual numa história que é própria da expansão do capitalismo, cujo
elemento histórico, realmente contemporâneo, se tornou notável no após-guerra e que
é constituído na medida em que vinha se constituindo como tal, como uma revolução
tecnológica, temos a segunda base de seu pensamento, que culminou na sua crítica a
razão funcionalista. Com efeito, chamada de pós-modernidade, pode ser estudada pela
forma onipresente como, do ponto de vista econômico, isto é, principalmente depois
do após Segunda-Guerra, dentro da história do moderno capitalismo imperialista, vale
dizer, pela constante defesa da livre-empresa nos sistemas econômicos, temos pela
primeira vez na história, um sistema de Estados que formou a história contemporânea
dividindo casos de êxito de outros casos de “Estados fracassados” – (HABERMAS,
2010), de um lado, para os empresários todo o panorama histórico se pode
desvelar, pela razão propriamente de autores da teoria social contemporânea, pelo que,
para Domingues:

"De um lado, levado em conta os recursos de 'capital', cultural,


econômico, social (ou seja, a rede de relações de que dispõe o sujeito);
de outro, atentando para o 'reencaixe' que se realiza por esses
processos de distinção, por meio dos quais os indivíduos e as
subjetividades coletivas se inserem no espaço social - nos diversos tipos
de estratificação social que conhecemos" (DOMINGUES, 2005, p.
56).

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.78-101, jul./dez. 2021 80


THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

Se, para autores como Harvey (2012), o capitalismo então, terá levado a uma
constante forma de colonização do espaço pelo tempo, e, a aceleração do
desenvolvimento em todo o chamado terceiro-mundo, mas que, não impedindira em
nossa era, guerras e os conflitos de todo gênero, sendo a face mais concreta, daquilo
que para este segundo autor remonta pelo fim desta das ideologias, sendo isto o cerne
das transformações atuais como a compressão do tempo-espaço, exatamente, a relação
internacional se torna o mobil mais relevante do vetor que Habermas reconhecendo,
entre nós, ocidentais, dentre os três propriamente princípios modernos, discerniveis
em sua demarche, a saber, renascimento-Iluminismo-cientificismo, quando, pois,
segundo expressão de Harvey, tomada de Guattari, “o capital reterritorializa com uma
mão o que des-territorializa com a outra”, para o sociólogo alemão o Estado-Nação que,
para Habermas, enfatizemos aqui, tomado pela noção de trabalho que estava predicado
pela liberdade econômica e a liberdade nas relações de trabalho entre o patrão, os
operários, e demais constitutivos das relações societárias, desde que, evidentemente
sob as relações entre o capital e o operariado, cumpria notar ademais, que sua tese, a
saber, de que o projeto da modernidade, pelo que Weber conceituara como
desencantamento do mundo, aliás, tese esta que em sua obra passa a determinar uma
heurística, pode-se entender, conseguintemente – e daí a menção forçosa ao sociólogo
mais próximo da tese do Marx de O Capital – que, sob o prisma da razão comunicativa,
exatamente, enquanto para alguns, nele se prende o tal intento de visualizar, a cultura
atual do capitalismo, diferentemente de Harvey, para quem à concepção embutida no
discurso da teoria social que se legitima, quando se faz por uma variável econômica
(uma constante que está diretamente vinculada as noções entre progresso material
lado a lado no ciclo econômico), vemos, emergindo “in nucce” o indivíduo-social, mas,
para Habermas tudo isto o faz dar um passo mais além antes da crítica a razão
econômica, apelando para isto, ao neopragmatismo. O ponto de partida no que diz
respeito ao estudo em tela, é notar que deve estar claro quando se fala de cultura da
inovação, propriamente, a que está sendo referido exatamente. Na pesquisa
sobejamente conhecida da Sociologia e da teoria política, mas com acréscimos
substanciais dos economistas clássicos e neoclássicos, em que o indivíduo, que para
nós constituise no centro da argumentação, tanto de Weber pelo método tipológico que
viera sendo estudado pela Sociologia (mas também pela Economia), passaria, então,
por Habermas, desde a ótica da modernidade, ao estudo da sociedade politicamente e

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mundialmente organizada, segundo princípios republicanos e configurada a partir de


uma noção de história aberta.
Assim, em um certo ponto de sua demarche, Habermas, se pronunciará no
debate sobre a cultura pós-moderna, para indicar, portanto, a exemplo dos problemas
com esta entelequia a que se recorre incluso o marxismo, a partir de seu estofo não em
teorias das instituições, mas quando a democracia se tornasse o cerne do debate teórico
- ainda que o próprio Marx não o fizera – trazendo uma contribuição digna de nota
pela sociologia contemporânea no que tange a modernidade, não é tudo que se pode
atestar com o estertor do período em que Habermas participa como auffklaurer, para
alinhavar, em sua obra o discurso filosófico da modernidade, respondendo, diga-se de
passagem, por estes mesmos teóricos que procuraram entender a relação entre a
inovação e a modernidade, alguns problemas, que recorrentemente, demonstram, o
que o autor denominou de destruição da razão, no seu diálogo com os pós-
estruturalistas, por uma crítica de fundamento, o que, não obstante ser outra a lógica
que a alternativa demonstrada por Harvey parece traçar, numa segunda variante
interpretativa das teses do pós-modernismo, muito depois de uma ocasião em que
Schumpeter escrevia, pois, em 1909 seu “teoria do desenvolvimento econômico”
(SCHUMPETER,1982) que seria por fim, entendido como um texto que não trazia à
tona questões culturais sobre a democracia em seu vínculo com o capital, aos quais se
pode entender, ambos, inclusive o sociólogo alemão, que dirige este seu pequeno
opúsculo após o hincapie em sua obra sobre a teoria da razão comunicativa, para
determinar que, se o primeiro escrito, que vem a lume numa de suas primeiras
aparições no debate sobre a pós-modernidade , opúsculo este de 1981, porém, quando
algo ainda deveria ser notado sobre a experiência social de uma vida socialmente fraca
nos termos deonticos, nosso autor escreverá seu tratado essencialmente moderno,
como o herdeiro do último iluminista Karl Marx, gerando manifestações sismológicas
no que aparecerá a Harvey e até Bauman, como o fim da construção política ocidental
ou civilizatória.
O enfoque institucionalista a saber, no que diz respeito a uma ação concertada,
diz ser a teoria institucionalista com seu foco nas instituições a forma coerente, com
isto, seus objetivos, permitem entender mais aprofundadamente o que Habermas
entende por desenvolvimento capitalista, democracia, sistema e colonização do mundo
da vida. Assim, se reconhecidamente o que Putnam estabelece por assim dizer são
quais as condições necessárias para criar instituições fortes o bastante, porque para

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serem responsáveis, eficazes, aos cidadãos supõe-se, os cálculos do reformador social


devem ser sensíveis às demandas e solicitudes dos cidadãos e aos meios através dos
quais se poderia realiza-los, o que faz-se aqui, com base em Hirschmann (1982),
quando tais laboratórios do após-guerra, permitiram breves respostas ao tema do
neodesenvolvimentismo, o que para os economistas, fundamentados nos 15 novos
governos, o que Putnam irá inspecionar (a partir de 1970), dentre todos que “passaram
a ter autoridade sobre uma ampla gama de assuntos públicos” (PUTNAM, 1993),
também na teoria política, afora este fato, permitira com que apontássemos em
Furtado, pelas instituições a lacuna sobre a teoria do desenvolvimento, o que têm sido
motivos para estudos desde a antiguidade, e tem feito com que os novos-
institucionalistas, repousando em um novo marco para pensar novos métodos e
preocupações que exigiram diferentes arcabouços teóricos, propor a construção de
modelos de escolha para a teoria da escolha social em que a teoria dos jogos assume a
dianteira, daí que o estudo do pensamento e que pode ser elaborativo e estratégico para
as organizações no termo da teoria moderna em sociologia, apensamos a teoria da
escolha racional, de um lado vimos como as teorias e atividades teóricas que dizem
respeito a fins se inserem no panorama cultura do ocidente pela sociologia, de outro
como Habermas ao participar deste movimento como aplicador do viés marxista,
também leva a sua notável asserção dentro da teoria política contemporânea, que
ensaia a mesma operação hegeliana, do racionalismo como esteio de uma teoria sobre
a democracia no momento em que surgem frentes nas quais está se vê ameaçada.
Daí que, no caso que problematizo, sem mensurar quais são suas consequências,
se inibem ou permitem a inovação numa região remembrada há pouco, incitara, de
outro lado, ao que se seguiu concepções variegadas de que as instituições impõem à
teoria critérios que farão com que a teoria econômica fosse desde o paradigma
Schumpeteriano, reducionista, apontando, da inovação, pré-requisitos que daí por
diante, os quais podem ser a separação das regras do jogo que regem a ação na esfera
sócio-política, como em regiões nas quais se aprofundam os esquemas que, desde uma
perspectiva política, e até mesmo, diferenciando uma análise solicitada pela esfera
jurídica em que uma outra noção dada pela estratégia dos atores, que permitiu
achegarem-se a uma teoria da instituição, e enfim, conceber a inovação como
fundantes das instituições pela teoria dos jogos, caso em que tudo isso elevasse a teoria
econômica, em forma de extensão do conflito, tanto dotando aos agentes a
geoeconomia para seus papéis, mas, sobretudo as rotinas de atividades operacionais

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fundadas não somente no sistema capitalista, mas também na inovação, como


também, tornando-a, instrumento categorial, recuperando o rigor conceitual da
economia política, através da tematização dos principais vetores da transformação que
nos trouxeram aos limites de uma era em que nela vemos os liames de um futuro para
a democracia, como um marco histórico, num momento em que o discípulo terrível
(“enfant terrible”) da escola austríaca, tendo revolucionado o pensamento econômico
no rastro da teoria dos sistemas de Parsons, postulando que o capitalismo existe
através dos empresários, cujo fator primordial seria sua economia atendendo a um
monopólio albergado no crédito bancário, sem que, prescrevesse a derrocada da
república de Weimar, o projeto da paz Kantiana da AuffklÄrung e da sociedade
esclarecida, desde épocas pregressas, antes, colocará em jogo no debate econômico,
sobre a importância da inovação, inaugurando um período em que, a partir da obra
de Schumpeter, todo argumento de uma divisão, entre conservadores e liberais
clássicos e desenvolvimentistas, passará pela visão dos empresários, ou, dos
trabalhadores, se assim preferirmos reestabelecer a contribuição de Jurgen Habermas
e autores como David Harvey.
Afirmativamente, somente encarando a maneira de um “tertium datur” esta
rara enunciação, de cunho Frankfurtiano sobre o Estado moderno, entende-se a crise
atual, quer dizer, por que, a esfera de vida da sociedade (burguerliche-gesellschaft), a
saber, no qual estão autores que, como Adam Smith, Condorcet, Frederic Bastiat e
Diderot, tratavam do tema do iluminismo, mas restando apensá-lo ao círculo de ferro
do desenvolvimento, avulta-se o problema que restava ser entendido, dado na esteira
do industrialismo moderno, pela forma de aparecimento da inovação, como capital?
Dito isto, neste trabalho, vemos que na modernidade, o que entre nós pelo
menos desde o discurso filosófico da modernidade e em Teoria da ação
comunicativa, em que, à diferença do último livro, neste, Estado Social e Estado
democrático de direito traduzem o “pathos”, dentro da vida num Estado draconiano
(Estado mínimo ou Estado policial) – Habermas (2010; p. 966), como é o caso na era
da globalização do capital, algo ainda deveria ser estabelecido sobre o termo de
economias periféricas, a isto, ao que as teorias da filosofia da ciência, somenos
consideradas pós-kantianas, denominando por uma estrutura de paradigma, proposta
por Kuhn (2011) em sua obra Estrutura das Revoluções Cientificas, em que a crise na
explicação teórica ou baixa capacidade de explicação de uma ciência (chamada de
ciência normal), acaba dando passagem a uma transição paradigmática.

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Nesta introdução, pretendia determinar que o discurso da


economia, apresentava-se, basicamente, por ser uma explicação sobre a desigualdade
internacional, e não um discurso sobre o desenvolvimento interno de nações
específicas, como sendo a mais adequada fórmula para enfrentar o
subdesenvolvimento, portanto, quando religamos a Habermas o tema da democracia,
numa base sobre o desenvolvimento do capitalismo em Schumpeter, propriamente,
apenas, o que se tem em mente que reestabelecer teria sido como sua lógica de
crescimento endógeno, tal qual nos faz crer em outra de suas obras consagradas, como
é “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (SCHUMPETER, 2017), mas
principalmente por sua dinâmica, em Teoria do Desenvolvimento Econômico
(SCHUMPETER, 1982), a inovação se transformou no cerne do atual período histórico.
Isto se trata, então da vitória da literatura e das vozes dissonantes sobre a
metafísica, ou qualquer coisa do tipo aventado pelo modismo da inovação e da
sofisticação como conceito internacional de arte ou teoria estética?Talvez, deveras, faz-
se mister saber em que esta tradição se apóia, assim, como as inovações dos
“sociologues”. Benjamin (1892-1940), relaciona- se entre os primeiros tradutores com
pendores teóricos mais relevantes para o exterior do pensamento filosófico, sendo um
dos mais geniais escritores que o marxismo produziu, sob o vórtice da teoria do drama,
que, desde Szondi (1980), especificou uma solução para a crise da sociedade burguesa
do século XX, mas que, Benjamin, o ângelus novus da história, recorrentemente busca
superar com a mesma fórmula dialética da teoria crítica. Com efeito, Benjamin trata
de autores como GottholdEphraimLessing, fundador do drama burguês, passa por
Simon Bachoffen (Trauerspiel), até chegar no seu Origem do drama trágico alemão,
que é o terreno propício a sua enunciação das fórmulas da concertação de uma tradição
propriamente sólida da cultura a qual, até aqui, ainda não mencionamos a origem de
seu fulgor.
Deixaremos claro que a modernidade, repousando em um novo marco para
pensar novos métodos e preocupações que exigiram diferentes arcabouços teóricos,
apenas o lugar do discurso econômico, ou seja, que atualmente, ao propor a construção
de modelos de escolha para a teoria da escolha social em que a teoria dos jogos assume
a dianteira, vemos que, é daí que o estudo do pensamento de Habermas pode se valer
da teoria da inovação, e, portanto da cultura da inovação mesmo em países for a do
eixo anglófono: a modernidade se traduz por um Estado Racional com Respeito a fins
e uma racionalidade burocrática. (1º FASE). Nesta fase, o espaço sócio-econômico dos

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setores avançados têm padrões de produção, renda e consumo próximos daqueles


vigentes nos países industrializados; ao mesmo tempo, parcela considerável da
população ainda persiste em condições sócio-econômicas típicas das regiões em
desenvolvimento, e, por fim, parcela não menos significativa da população vive em
condições de destituição similar àquelas que prevalecem nos países pobres. Programa-
se o desenvolvimento, busca-se maior homogeneidade da renda nacional, já que, o
nível da renda per capita é elevado. Depois, no plano macro-político verifica-se o
clientelismo em suas formas mais atrasadas junto de padrões de comportamento
ideologicamente estruturados. Sua marca é um “pluralismo de valores: (2º FASE).
Aqui, “o pluralismo de valores”: processo por meio do qual diferentes grupos associam
expectativas e valores diversos às instituições, dividem a agenda nacional. Como
resultado, através do “pluralismo de valores” que se nota na visão macro-política dos
atores, produziram-se avaliações acentuadamente distintas acerca da eficácia e da
legitimidade dos instrumentos de representação e participação típicos nas democracias
ocidentais (3º FASE). Que diferenças são estas? Tratam-se de contextos diferentes
entre fases da modernidade em que as distintas regiões alcançaram padrões distintos
de desenvolvimento, ou assemelham-se entre si, quando seria possível constatar isto
partindo desta realidade, para ver que os planos nacionais de desenvolvimento não
existindo, já não cumprem um papel que a política de Estado arrogava a si como parte
de uma estratégia de crescimento econômico com redistribuição dos frutos do
progresso técnico. Por fim, nesta terceira-fase, a globalização não é apenas a reserva de
mão-de-obra, a disciplinarização na fábrica já agora posta a funcionar em produções
especializadas e fragmentadas e nem tanto uma globalização do capital trans-
fronteiras. A globalização é experimentadacomo o fim da política, ou a busca dela. Por
mundialização econômica entendo a forma em rede de um paradigma que estabelece
sua cadeia tecnológica com a especializaçãoda infra-estrutura, mão-de-obra
qualificada em economias de externalidade, com os insumos informacionais e o baixo
custo das tecnologias fixas. A promoção da inovação pressupõe uma certa noção de
cultura, chamada de “cultura da inovação”. O que significa inovação e qual o conteúdo
desta noção de “cultura da inovação”. Está-se propondo investigar o lugar da inovação
no contexto da modernidade. A inovação se tornou importante porque políticas
públicas são formuladas para promovê-la. E até que ponto a noção de “cultura da
inovação” está relacionada a esta diversidade cultural no território, isto é, estudar, se a
noção de uma “cultura da inovação” adere às manifestações culturais no território.

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Podemos entender as ações de promoção da inovação no contexto da modernidade


periférica. Estamos dizendo que a modernidade traz junto consigo certa noção de
inovação. Estamos dizendo que esta noção de inovação é tão importante que o Estado
passou a promovê-la. Estamos também assumindo que no contexto da modernidade,
existe uma “modernidade central” e uma “modernidade periférica”. Estamos dizendo
que as transformações contemporâneas impuseram a ampliação da noção de território
para além dos territórios definidos pelos “Estados-Nação”.

2 OBJETIVOS

Quando Raban (1974) fez seu relato em um livro que Harvey considera
interessante para confirmar o relato como marco histórico inicial sobre a condição pós-
moderna, portanto, uma dentre as muitas relações que o termo poderia ter com a
sociedade atual, fez com que jamais deixasse de ter em conta que, nesta obra, mais que
uma manifestação anti-moderna, haveria um presságio – detectado pelo próprio
Harvey – da vida urbana, por causa de certa maneira de tratar os problemas, dados
como eram tratados nos círculos populares e acadêmicos.
Termos como gentrification (surgimento de uma camada social média) e
yuppies, enquanto jovens profissionais urbanos passam a ser tidos como descrições
comuns da vida urbana. Harvey explicita o nexo, não necessariamente férreo, entre
formas de experiência mutante, entre a vivência prática do tempo e do espaço e,
subsequentemente, propõe que esta “[...] ascensão de formas culturais pós-modernas
[...] [está relacionada aos] [...] modos mais flexíveis de acumulação de capital e uma
compressão do tempo-espaço” (HARVEY, 1992, p. 288).
Inicialmente, Harvey procura entender a razão pela qual tenha corrido tantos
anos, desde quando escritos críticos surgiram, tratando de cidades e temas urbanos,
detendo-se, por exemplo, em problemas de grandes urbanizações depois de intensa
modernização nos EUA. Se pensarmos em livros como A Morte e Vida de Grandes
Cidades, de Jacobs (2007), o autor considera que descrições vibrantes surgem, então,
“[...] que demonstram aspectos vibrantes e tons coloridos em situações que outros
autores somente viam dentro de prismas quadrados e tons de cinza” (HARVEY, 1992,
p. 15).
Porém, segundo o relato de Harvey, durante os anos que se seguiram à
publicação de Soft City, enquanto era escrito por Raban, trouxera uma novidade, pois,

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algo chamado 'pós-modernismo' emergiu de sua crisálida do antimoderno para


estabelecer-se por si mesmo como estética cultural (HARVEY, 1992).
Uma denúncia de uma cidade como Londres estar sendo vitimada por sistemas
racionalizados e automatizados de consumo e produção seria o cerne do livro de Raban
(1974). Porém, o que na prática era um libelo contra o desenvolvimento do capitalismo
e sua epopeia do progresso, em se tratando de uma cidade como Londres, acabou por
se tornar uma tendência de algo presente de forma aguda naquela altura, e que era não
propriamente uma denúncia de uma nova forma de exploração do trabalhador, mas
sim do consumidor, em que o capitalismo elevara a sua produção fabril ao mundo dos
empórios, distantes da determinação produtiva, operando por símbolos e imagens
(HARVEY, 1992).
Uma cidade enciclopédia ou empório de estilos, esta era a tônica de seu livro,
segundo, informa-nos Harvey (1992). Isto deve ser medido pelo grau de desorientação
a que Bauman (2001) já fizera seu relato com a costumeira verve, indicando, junto de
Raban (1974), o que servia a uma dissolução das hierarquias e até da homogeneidade
de valores em vias de dissolução.
O livro de Raban (1974) seria, então, bem recebido nesta época, por este ser
considerado, ainda naquele tempo, uma descrição de um jovem profissional que chega
a uma cidade como Londres. Entre o mundo como fábula e o mundo como
representação, temos o mundo em que os “philosophes” tratam como o fim da história
sob a aparência de uma dominação global (a chamada filosofia pós-estruturalista é
ricamente condensada destas elocubrações).
No entanto, o pathos que explicita-se neste movimento histórico, heurístico e
real, é uma percepção de indivíduos que criaram máquinas e fizeram historicamente a
ordenação da casa (gaia), mas que estão sendo repelidos pelas máquinas-impressoras,
as máquinas industriais e as cibernéticas, pois, o pathos é a experiência da realidade,
mas os indivíduos apenas têm sofrido as consequências da modernidade em Bauman
(2000).
Neste ponto, Harvey (1992) condiz com o esquema do estranhamento
(entfrenndumg) que analisa o espelho da mercadoria como um terreno de contradições
aparentemente insolúveis para o sujeito. Ora, aquilo que Raban (1974) teria feito é uma
tentativa de louvar o individualismo subjetivo, lado a lado uma rara enunciação de um
debate que fora empurrado ao subterrâneo da cidade pela retórica coletivista. Aqui, o

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importante é notar que a cidade deveria dar o quanto de liberdade fosse necessário
para cada um se tornar aquilo que realmente queria fazer de si mesmo.
A cidade seria ocidental porque não era dada à mera disposição das pessoas,
uma realidade matematizada (ao contrário do que se poderia imaginar pela pena da
teoria social). A cidade era mais parecida com uma linguagem teatral, uma série de
palcos que, segundo Raban (1974) e de acordo com Harvey (1992), os indivíduos
poderiam operar nos seus afazeres uma magia distintiva, enquanto respondiam a uma
multiplicidade de papéis.
Este berro altissonante é mais que uma mera descrição num relato de um jovem
homem profissional. Contrapõe-se ao temor de que as cidades estivessem sendo
devoradas pelo totalitarismo dos planejadores, dos burocratas e elites O que é uma
cidade para Raban (1974), é uma questão que pode ser arguida, como se fosse
direcionada a cada um, assim como o que nela receberia o cognome de pós-moderno,
ou seja, sua conotação adveio de padrões sempre derivados de uma forma bastante
comum de inovação, o indivíduo social.
A resposta a estes tipos de indagações são importantes noutro sentido e o qual
convém especificar, isto é, quando se aponta, em meio às modas da cidade, que o estilo
arquitetônico e sua mudança melhor seriam aproximados das preocupações da alta
cultura e da vida diária, através da produção da forma construída, temos um problema
relacionado ao capitalismo.
Para Harvey (1992), o problema é que o texto fora bem recebido por causa das
máscaras da cidade, encorajadas pelo perigo do assassinato, da violência, quando todo
o empreendimento se tornou uma moda; e aquilo que se chama de "novo" no
capitalismo, apenas fornecia mais um elemento desta gramática da cidade. Ora,
quando se sabe que Londres é uma cidade que se organiza com máscaras, sob o risco
do assassínio absoluto, o fato a que nos referimos aqui, ou o ato de situar o que seja
uma inovação aí ainda que seja potencialmente um valor considerado importante, não
será mais que uma mixórdia: fantasias e disfarces ganham cor e tela para pintar, e cada
pessoa diz ser o que a cidade é.
Dizemos instalar-se o problema da pós-modernidade mesmo em textos como o
de Raban (1974), por problemas intrínsecos da modernidade, porque na sua tensão
constituinte, o cânone da modernidade, como sendo metade transitória, fugidia,
fortuita, metade eterna e imutável (HABERMAS, 2002). Não se pode querer
estabelecer o novo sem negar o velho, como bem sabiam as vanguardas do século XX.

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Mas, o que vemos ser retesado como uma noção válida de pós-modernismo tem relação
com um contexto de relação com o "novo", que agora colocou a última moda em tensão
com o modernismo, insinuando um valor absoluto que a modernidade detinha para
manifestações pueris.
O projeto filosófico da modernidade tinha sua “raison détre” numa constituição
inequívoca do projeto político das classes modernizantes, sempre que modernização e
modernidade retroagiam sobre o quadro político da industrialização. Isto levará a uma
divisiva em relação ao homem antigo e medieval: a dominação, a força, a violência e o
sadismo eram valores não reconhecidos, mas sim a universalização do racionalismo,
as leis científicas, os valores morais universais e as leis universais, além da autonomia
interna da arte, que serviram para este projeto se tornar hegemônico como um
moderno sistema filosófico - com as suas leis internas.
Desde que a modernidade se tornou um elemento importante, o cientificismo
determinava o padrão de conduta de uma sociedade que instalara não menos que uma
regra: a de uma vida bem vivida. Adorno e Horkhmeier citados por Harvey (1992), em
A Dialética do Esclarecimento, retrata que este projeto era machista turvo, imaginário
que, realizado ou não, buscava-se tal intento por meio da certeza de que todas as
questões seriam resolvidas pela razão, na medida em que suas faculdades estivessem
determinando as regras da moral, do direito, da filosofia e da teologia.
Tanto o regime imposto pelo Fuhrer, como as sombras que vinham do leste se
assenhorearam de um projeto ulterior, já deveras adiantado, mas, que poucos nutriam
esperança de que pudesse levar ao fim pressuposto, imperando uma descrença nas
finalidades desta busca axial (de uma ciência neutra). Se por um lado isto levou a um
dênodo engano quanto a possibilidade do projeto da modernidade, nas regiões mais
inóspitas ao ideal do universalismo, já que o nazi-fascismo impunha regras de
comando político centralizado, inclusive com relação aos juízes, absolutamente
submissos ao hitlerismo, isto não deixou de gerar uma cultura, a cultutra da tragédia
em vista da modernidade, que soava como uma kulturkritik, para autores como Goerg
Simmel.
A pergunta se uma nova configuração das relações de poder nos territórios e
entre os territórios se faz pela determinação daquilo que se chama de inovação? Qual
a importância da ideia de inovação no contexto da modernidade? Porquê - e como - o
“Estado-Nação” se esforça para promovê-la e qual o conteúdo da noção de “cultura da
inovação”? Para que entendamos o conteúdo da noção de “cultura da inovação”, vamos

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analisar as orientações gerais das ações de política de ciência e tecnologia voltadas para
a sua promoção: queremos saber, de fato, quê ações são estas que de fato que se quer
promover, e o seu conteúdo.
A idéia de inovação, então, ocupa um lugar teórico importante no sentido em
que Schumpeter deu à noção de dinâmica econômica, mas isto, junto de autores
Marxistas: tais como Harvey, Bauman, que determinam como “mais do mesmo”, nisto
que equivale a dizer que a modernidade e a inovação estão relacionadas de forma
instrumental e diretamente prática.
Em outras palavras, busco responder a questões que vêm demonstrando em
nossa época, ser a inovação importante, tais como demonstradas pela “cultura da
inovação” que, primeiro, existe a partir de uma relação entre a inovação e as políticas
de ciência e tecnologia adotadas pelo governo; em segundo lugar, ao que poderíamos
realizar um levantamento destas políticas no contexto periférico, para responder se
esta relação entre inovação e modernidade, alterada pelo esforço do poder público, mas
que, segundo a visão de Zygmunt Bauman, está em uma posição menos estratégica,
dado a forma como uma modernização recolocou em cena os capitais voláteis no início
do século XXI, ou mesmo, a partir do momento em que este Estado foi remodelado,
“enxugado”, temos qual o lugar das pessoas se a cultura vincula uma consideração
cerrada que faz do local da cultura (espaço concreto) e o grupo social (língua, etnia,
crença).
Então, de onde vêm, qual o lugar, em qual território e em quê condições esta
cultura da inovação se manifesta? A pergunta central que orientava esta presente
pesquisa seria como pensar a idea de cultura da inovação para o conjunto das pessoas
excluídas do processo de desenvolvimento do capitalismo? Em Habermas, pressupõe-
se que, certa noção, a de “cultura da inovação”, vem organizando a relação “público-
privada”, e, particularmente, a intervenção do setor público com o objetivo da
promoção da melhora coletiva
Em segundo lugar, com o objetivo de entender, ou determinar no âmbito do
sistema nacional de economia que se formava no século XVIII, o que apontamos nas
considerações iniciais desta introdução, se não estávamos propriamente em terreno
propriamente do método em economia política, mas no seio do que Marx denominava
processo de produção: nada há que acrescentar a isto, pretendo entender que aquilo
Habermas atesta como um projeto da modernidade desde o iluminismo, transparece
não apenas no discurso filosófico da modernidade, bem como está presente nas suas

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preleções em Max Planck discorridas na obra La Teoria De Lá Acción Comunicativa


(HABERMAS, 2010) onde nosso autor elabora com base no volume 1 do velho Marx,
tão somente no âmbito do que o pensador alemão primorosamente colocara sob o
vórtice do materialismo dialético, pelo que Habermas conceitua como imagem de
mundo, evidentemente, tendo em mente a descrição do processo produtivo do valor.
Daí então, sobre os direitos sociais no mundo do capitalismo, o que soa notável
para Habermas, quando quer nos fazer crer que há uma confusão aqui entre
“Entwicklung”, ou, economia emergente (o que na ocasião referia-se a Alemanha) e
“Entkopplung” (desacoplamento que marca o processo de colonização do mundo-da-
vida pelo Sistema), processo este que está caracterizado como a mesma antítese acima
elencada em níveis entre indivíduo e ser-social, mandato representativo e democracia
operária e, enfim, como anotado por Habermas, entre sistema e mundo da vida, o que
pode ser notado em autores da teoria social contemporânea, leva-nos pelo impulso de
que temos aí, a não ser uma descrição, ou uma ciência positiva, colocando-nos diante
de uma pergunta fundamental: como entender, sob o enfoque da teoria da
modernidade a “cultura da inovação”, a partir dos autores marxistas caso
denominassem de colonizaçãodo mundo da vida, numa nova matriz da racionalização,
adentraríamos, notando-se bem, a tradição marxista, no mundo pós-metafísico?

3 METODOLOGIA

Deste modo, as perguntas se formam nos nossos dias, mas travando-se o debate,
entre nós, quando em 1961 a guerra-fria se inicia com a construção do Muro de Berlim,
e a divisão entre leste e oeste, deturpando o liberalismo, numa ocasião em que -
lembremos, por enquanto, que temos uma apreciação disto quando Marx escreve na
Ideologia Alemã, que, para o capital, o sistema se faz, porque depende do lucro de seu
negócio mesmo quando está às voltas com o comércio é o lucro do inovador (MARX,
2007, p. 293) como decorrência, a tese construída no imediato histórico, de que afinal
o que dissemos ser a noção basilar, a tese do Capitalismo de Estado, ao vindicar para o
conceito de remessas de lucro, que instaurou entre nós, no Brasil um movimento
pendular entre política nacionalista de um lado, que, vez por outra, em situação de
liquidez no mercado internacional, deve levar a um novo ciclo de políticas
liberalizantes, prestes a alterar os dados amainados da conjuntura internacional,

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reinterpretando o problema do desenvolvimento sob a ótica de um republicanismo as


avessas.
4 EXCURSO SOBRE A AUTONOMIZAÇÃO DA MODERNIZAÇÃO
CONTEMPORÂNEA

Dentro dos princípios traçados teóricamente, abrem-se horizontes novos, a


saber, desde a livre-iniciativa, a livre-contratação de trabalhadores no mercado de
trabalho, a livre circulação, e que, a seu modo, acabaram, pois, em alguns casos, por
silogisticamente, proceder através da existência de uma lacuna, fazendo de todo
argumento da falta do Welfare, a distorção conceitual dentro de um mundo sem
garantias de direitos inalienáveis, o que o autor marxista denomina de colonização do
mundo da vida, numa nova matriz da racionalização, adentrando a tradição marxista
no mundo pós-metafísico (HABERMAS, 2010).
Por obra dela, o escritor de crítica social pode falar em princípio da
nacionalidade, e se nós nos remetemos a até a vigência do republicanismo norte-
americano, quando pressupunha-se o historicismo, como estivéramos a nos esforçar
em demonstrar, junto dela, como apontado, a unidade de destino e a familiaridade,
entrementes, com 1779, ou ainda, lado a lado ao princípio da nacionalidade, que vigora
até pelo menos a ideologia Wilsoniana, uma noção conexa de soberania compartilhada
- que denominamos de existência de uma multiplicidade de Estados soberanos, dado
pelo mútuo reconhecimento da soberania e a distribuição assimétrica do poder entre
as potências e as potências- médias, mas, determinantemente aprofundando a
presença de uma ordem econômica fundamentada na comunicação e num conjunto de
normas inseridas como pano de fundo deste mundo, o que, ao nosso ver, decorre de
Westphalia - hoje entendidas como constantes grocianas do direito internacional
(LAFER, C. - 2004), ainda que a comunicação haja transplantado a noção categorial
de inovação, referente aos grandes conglomerados como centros de poder, desta feita,
na ótica moderna, como fatores sociais de influência permissiva no meio internacional.
Desde esta época alguns aspectos internos de política nacional, também se
destacam, como, por exemplo, a delegação de poderes, atualmente superada já a fase
de resistência, quando admite-se como fator formal de delegação, segundo o que, este
seja limitado no tempo, a saber, os poderes ao executivo, decorrendo-se daí três
características institucionais: que os que temem a delegação temem os efeitos da
delegação não a recusam totalmente, sustentando porém que a atividade é delegação

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temporária de prerrogativas; ainda, sustenta-se normalmente que, por fim existe a


necessidade de transferência constitucional de competências, normatizando um grau
de temporariedade aos cargos democráticos; e, por fim, a eletividade, em que, na
república o chefe de governo é eleito pelo povo, não se admitindo sucessão hereditária
e responsabilidade.
Como entender, afinal, estas distintas fases de concessão e alcance de direitos
políticos dentro do processo político brasileiro, que determinantemente, se aprofunda
a partir de meados do século XX, senão como a formação deste padrão republicano, a
se alterar, quando, então os ventos democráticos passaram a ser um fator
preponderante com a pax-americana, aprofundada a partir da década de 1950? A
primeira pergunta: o que vêm a ser esta forma de desenvolvimento em bases
nacionalistas desde o primeiro governo Vargas (que encabeça o governo central a partir
de 1930, e retorna ao governo através de um fenômeno político chamado de populismo,
sufragando a democracia em 1937, quando institui a ditadura estado-novista?), senão
como uma questão fulcral, mas que, tem como centro a arena internacional?
Internamente, este padrão, talvez tenha se alterado posteriormente, isto é,
equivale a dizer que a democracia passou a ser um fenômeno valorizado do ponto de
vista das nações ocidentais, ganhando impulso, neste sentido, incentivos de
reformulação institucional em países como o Brasil, que, depois de décadas vividas sob
regimes autocráticos, são levados pelas circunstâncias, em muito por obra do contexto
internacional, a renovarem suas bases políticas, que, com isto, preparam a abertura
política, porém, note o leitor, sob o mesmo influxo ideológico.
Aparentemente, depois dos cidadãos em negativo, do sentimento nacional,
deste marco divisório, chegamos ao que José Murilo de Carvalho denomina de Ensaios
de participação popular. A ordem política e o sistema partidário derivado do novo
concerto político que sucede ao regime econômico de arrocho, já atende os anseios da
nova classe, explicando, inclusive, a superação de certas tendências totalitárias do
período do entre-guerras, tanto à direita quanto à esquerda, porém, o nó górdio da
economia jamais seria desatado. De tudo o que se deve guardar é que as dissidências
oligárquias e o movimento militar serão os dois vetores da transformação. Eis como
escreve o autor:

Os dois blocos principais, como vimos, eram as dissidências


oligárquicas e os jovens militares. As primeiras queriam apenas ajustes
na situação anterior; os militares, aliados revolucionários civis,

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THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

queriam reformas mais profundas e que feriam os interesses das


oligarquias - (CARVALHO, 2012, p. 98).
Porém, os paulistas ganharam no sentido econômico, um novo modelo de
desenvolvimento será gestado com a derrota das facções que levaram Vargas ao poder,
quando se consolida a revolução pelo alto. Assim, inova-se novamente, é a
modernidade brasileira que surge “in nucce”. Que modernidade é esta? Quem são seus
legatários?
Ora, os conceitos teóricos em mais de um veio histórico recobra seu valor e as
teorias refazem-se numa dimensão claramente sobre a condição humana, unico
entendimento cabível na linha tão conhecida de “origens”desde a sua contribuição
magistral em A condição humana, por meio de uma ótica fundamentada para os
direitos humanos, evidentemente de cunho acadêmico segundo a mesma fonte grega e
alemã em sua nítida familiaridade canônica para o tema da democracia ateniense e que
não era estranha a Marx, já que destriba sua teoria do valor com a superação da
escravidão e a forma de valor, mas que, algo que segundo ele Aristóteles esteve pouco
envolvido,mas que Hannah Arendt, como Schumpeter percebe na medida em que
pensa expor autores tão variados sob a vertente do marxismo dialético, quando o
próprio Weber escreveu textos importantes sob a ótica da influência marcante do
manifesto comunista de 1848, fica claro a dimensão da “demoeudhemosia” (regime da
inquietação), que, Schumpeter talvez tenha herdado da Verstehen da objetividade do
método Weberiano que serviria de mote a teóricos políticos como Bernard Manin para
tratar do empenho de uma aquinhoada opinião pública.
Se, para Hobsbawn, ao questionar-se, como pensar a ideia de cultura da
inovação para o conjunto das pessoas que estão excluídas, e de como a ação do capital
pelos empresários judeus, e que está por detrás de uma importante questão que esteve
implícita na formação do capitalismo por todo o seu "caminho", numa história iniciada
pela Revolução Gloriosa, em 1689, culminando na solução final do período do entre-
guerras, pode ser pesquisado pelos aspectos formativos, de suas sociedades
modernizadas sob o vórtice desta industrialização.
Se se contrapõe, não indo contra, mas oferecendo o caminho da mercantilização
dessas expressões culturais, da mesma forma que ocorreu com a mercantilização da
força de trabalho, o que estamos dizendo, implicitamente, senão: “- Vamos, faça
diferente! Você tem o direito de resolver os problemas de sua própria vida! Você
consegue!”. E, ao mesmo tempo, “-Faça valer sua identidade cultural, suas raízes

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THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

culturais; o desenvolvimento do ‘seu lugar’ depende disto e você é responsável por ele!
Coopere, se associe, crie soluções inovadoras; você será recompensado por isto!” Ora,
segundo a interpretação por fatores endógenos, os atores intervêm no que disséramos
ser a base do universalismo das relações entre os entes estatais, pois, já ninguém ignora
o fator intermediário do capitalismo, através do Estado, isto é, as relações sociais têm
seu estatuto universal na medida em que solicitadas pelo Estado e o capitalismo, na
arena internacional, toma os estamentos sociais da categoria política república,
sobretudo levando-se em conta alguns documentos de referência desde a emergência
do principado como categoria intermediária da política ocidental, os quais
correspondem atualmente, em um contexto de hegemonia e áreas de influência, até
um termo político determinado pela aspiração de que a existência destes Estados,
assim como outrora surgira em meio ao renascimento, como fator de unificação social
sob a égide do politicismo, atualmente, isto a que apensamos ao que ocorre à baila, sob
o enfoque da mudança social, pelas instituições e o desempenho econômico pela ótica
da Welltaschtung, cujos documentos de referência, se antes passavam pelas fontes
gregas e anglófonas, desta feita se dão pela história da política ocidental na figura de
Maddison, Jay e George Washington, nos leva, ao falarmos sobre as novas perspectivas
na Europa, ao quadro da primeira fase da modernidade, quando retroage até a
estrutura do projeto europeu de união política, fator político, portanto, mas que instou
Jurgen Habermas a uma asseveração sobre a democracia como um dilema atual, sendo
este o ponto central de sua obra, a qual pretendíamos nos acercar, com base em teoria
do agir comunicativo consonante a teoria crítica de Habermas, na qual, sob a linha
obscurantista do capital, desde Karl Marx, pelo primado de sua noção de democracia
em verdade, as quais somente podem ser restauradas pelos nexos inter-subjetivos da
razão comunicativa. Para isto, referimo-nos a ótica Schumpeteriana, que o próprio
Jurgen Habermas em sua obra, principal expoencia do estudo do mundo estranhado
(“entfrendunng”) utiliza-se pelo esclarecimento do seu fundamento pela noção de
Razão Comunicativa.

5 CONCLUSÃO

A América Latina, que, desde há algum tempo atrás, provara ser eficaz para
retirar contingentes enormes de seu inominável atraso, indica desde sua experiência
política que seria necessário, pois, que a independência política tivesse sido alcançada

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THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

previamente, para, somente, então, entender como se deu a independência enquanto


obra nos marcos históricos, senão entende-la a partir de sua dinâmica interna, poder-
se-ia perder seu vínculo normativo com a totalidade, a mesma noção de que se vale
Habermas para compreender o mundo liberal-clássico.
Noutro diapasão, já agora com a obra mestra de 1984, no compasso das
transformações capitalistas em sua impossibilidade de ser criticada, supostamente
porque vitoriosa sobre os ventos do leste-europeu, permitiria, de um lado, vindicar o
estatuto de racionalidade, assim, para entendimento da questão destes períodos
propostos nos marcos teóricos ante a temática do desenvolvimento, portanto, levando
a pergunta se a noção (sic) de uma “cultura da inovação”, poderia historicamente
lançar luz até a hipótese desta cultura da inovação aderir às manifestações culturais no
território, algo que o Marx de O Capital, antes de lidar com o exclusivo comercial
aquando da monopolização inglesa do comércio, fizera no tomo 1 de sua obra, o que,
entre nós, foi apontado de sua análise- a de Marx – pelo patrono da economia
brasileira, que estabelecera (FURTADO, 2007), desta feita até a centralização do
capital, num período que corresponde historicamente ao surto inicial de recuperação
econômica desde que a centralização política e o princípio ótimo do nacionalismo
funcionaram como elementos centrífugos da referida construção política do ocidente.
E mais, ao aprofundar-se o tema da retórica em economia, não de todo estranho a
Jurgen Habermas, vemos que, o Brasil, quanto à análise destes temas que ganham
forma no momento mesmo em que franqueava-se o transporte marítimo, mas quando,
não se proibia apenas o tráfico, o que, deveras relaciona-se às assimetrias entre o
liberalismo que era defendido por adeptos do liberalismo legal e a realidade
dificilmente constrangida por normas dada o imiscuir da tradição inglesa,
respondemos a pergunta sobre como se plasma a hegemonia aqui tem relação direta
com a tradição ibero-americana,
Com efeito, em dado momento o princípio regente da ordem internacional era,
não apenas a pergunta quanto ao fato de o reenvio de escravos atender a pendências
dada sua proibição, mas que, com o patrulhamento pela esquadra inglesa e a proibição
do fluxo migratório ilegal, esta mercancia já não adequava-se à realidade da produção
manufatureira. Portanto, que o imperialismo lidava com estas forças históricas de
forma indepentente da corte, isto se remete ao mundo colonial; mais além, indica, por
outro lado, sucessivamente a uma ordem mercantilista, uma nova importância para a
tradição iberoamericana, que já agora deveria lidar com o exclusivo comercial aquando

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THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

da monopolização inglesa do comércio, tal qual o patrono da economia brasileira


estabelecera (FURTADO, 2012).
O ponto de partida no que diz respeito ao estudo em tela, é notar que deve estar
claro quando se fala de cultura da inovação, propriamente, a que está sendo referido
exatamente. Na pesquisa sobejamente conhecida da Sociologia, em que o indivíduo,
que para nós constitui-se no centro da argumentação, tendo sido estudado pela
Sociologia (mas também pela Economia), leva então, ao estudo da sociedade
politicamente e mundialmente organizada, segundo princípios republicanos e
configurada a partir de uma noção de história aberta, pensar nisto quando os
economistas, ao que tratassem dos fenômenos sociais, para assim buscar na figura do
indivíduo aclarar uma relação que sequer foi tangenciada em outras disciplinas,
inclusive por estes mesmos teóricos que procuraram entender a relação entre a
inovação e a modernidade, alguns problemas, demonstram, pois, naocasião em
que Schumpeter escreve em 1909 seu teoria do desenvolvimento econômico, que seria
por fim, entendido como um texto que não trazia à tona questões que, tais como estão
atualmente vinculadas ao tipo de experiência social de uma vida socialmente fraca,
permitiria, assim, para entendimento da questão destes períodos propostos nos
marcos teóricos ante a temática do desenvolvimento, se a noção (sic) de uma “cultura
da inovação”, poderia historicamente lançar luz até a hipótese desta cultura da
inovação aderir às manifestações culturais no território. Mas, naquele momento o
principal objetivo regente da ordem internacional era, não apenas a pergunta quanto
ao fato de o reenvio de escravos atender a pendências dada sua proibição, mas que,
com o patrulhamento pela esquadra inglesa e a proibição do fluxo migratório ilegal,
esta mercancia já não adequava-se à realidade da produção manufatureira, isto porque,
de um lado o imperialismo lidava com estas forças históricas de
forma independente da corte; e, por outro lado, indica sucessivamente a uma ordem
mercantilista, uma nova importância para a tradição ibero-americana, que já agora
deveria lidar com o exclusivo comercial aquando da monopolização inglesa do
comércio, tal qual o patrono da economia brasileira estabelecera (FURTADO, 2008),
portanto, a hipótese se esta noção se vincula com base em anotações perturbadoras da
teoria social, desde Schumpeter, como vimos, que postula o fato do mundo do capital,
esfera social burguesa que carreará recursos em grande monta para a segunda opção,
trazendo novamente à cena um tipo de capitalismo totalmente diferente daquele
que Schumpeter divisava, aprofundando uma relação por si só problemática, gerando

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THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

uma metáfora elegante para o capitalismo desde então pelo termo “destruição criativa”
(SCHUMPETER, 1961. Pág 108)
Como entender distintas fases de concessão e alcance de direitos políticos
dentro do processo político brasileiro, que determinantemente, se aprofunda a partir
de meados do século XX? Este padrão se alterou, quando os ventos democráticos
passaram a ser um fator preponderante com a globalização aprofundada a partir da
década de 1980? O que vêm a ser esta forma de desenvolvimento em bases
nacionalistas desde o primeiro governo Vargas (que encabeça o governo central a partir
de 1930, e retorna ao governo através de um fenômeno político chamado de populismo,
sufragando a democracia em 1937, quando institui a ditadura estado-novista?), senão
como uma questão fulcral, mas que, tem como centro a arena internacional? Além
disto, portanto, se a liberdade, quando teoricamente temos como característica do
segundo vetor como condicionante externo e que se torna vetor da internacionalização
lado a lado a inovação e o meio-de-troca, que serão o que muitos consideravam como
“turn-page”, a virada conceitual da sociologia contemporânea, que lado-a-lado as
atividades-meio, ou de reflexo do sistema, apensa as consequências nacionais da
crescente interdependência, e que pode ser teorizada, no ciclo financeirizado da
acumulação global, pelo conceito determinado não somente pela via da acumulação
por ciclos históricos de acumulação (geradas pela análise de Giovanni Arrighi com as
três fases da hegemonia histórica), como apreende-la já que a noção marxista de
acumulação somente pode vir acompanhada de um conceito genérico de território, a
saber, pelo conceito de espaço produtivo, vinculado ao trabalho fabril e às comunas
operárias, o que, nem sempre é o caso, vemos que, em Habermas – (Ver (Habermas,
2010 PÁG 775) -, quando inserido neste quadro histórico, dentro dos princípios
traçados teóricamente, abrem-se horizontes novos, a saber, desde a livre-iniciativa, a
livre-contratação de trabalhadores no mercado de trabalho, a livre circulação, e que, a
seu modo, acabaram, pois, em alguns casos, por silogisticamente, proceder através da
existência de uma lacuna, fazendo de todo argumento da falta do Welfare, a distorção
conceitual dentro de um mundo sem garantias de direitos inalienáveis, o que o autor
marxista denomina de Entwicklung, ou colonização do mundo da vida, numa nova
matriz da racionalização, adentrando a tradição marxista no mundo pós-metafísico
(HABERMAS, 2010), o que, por obra dela, o escritor de crítica social pode falar em
princípio do desacoplamento (entkopplung) e, enfim, colonização do mundo da vida.

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THALES VIANA FERREIRA DOS SANTOS

A tese a ser especificada, perante ao pensador, nos remete a consciência do


recuo de Dutra em meio ao consenso quanto à não continuidade de uma política de
ajuda, uma consciência da necessidade de ter ajuda comercial e tecnológica por parte
dos EUA segundo um relacionamento vantajoso, algo que ocorre antes d o desfecho
trágico do suicidio de Getúlio Vargas, em 1954, Juscelino e Schmitt elaborariam a
proposta da Operação Pan-Americana e, é justamente ao recuperar os Estudos
econômicos a partir da embaixada em Washington, hodiernamente, pelo traço da
diplomacia de Augusto Frederico de Schmidt, que, encaminhava os esforços da
Missão Cooke (1942-1943), da Missão Abbink (1948), da Comissão Mista Brasil-EUA,
ao especular sobre tal política externa independente, na confluência entre liberalismo
e industrialismo, entrementes uma confluência entre conservadorismo e
liberalismo pessedista, e da Operação Pan-Americana, criada através de sua
elaboração, ver-se-ia o tema do desenvolvimento, refazer em bases restauraras, as
bases normativas do tema da inovação, desta feita, pela ótica do capitalismo global.
SIMPÓSIO INTERNACIONAL JURGEN HABERMAS

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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo/ Max Weber;tradução


José Marcos Mariani Macedo: revisão técnica, edição de texto, apresentação
glossário, correspondência vocabular e índice remissivo Antônio Flávio Pierucci. Ed
Cia das letras, São Paulo. 2004.

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Gestão & Aprendizagem

HABERMAS, LEITOR DE BENJAMIN

FELIPE MORALLES E MORAES


Doutorando em Filosofia / UFSC
E-mail: [email protected]

RESUMO
O presente artigo tem origem em exposição realizada em 24 de novembro de 2021 no I
Simpósio Internacional Habermas, organizado pela Rede Interdisciplinar de Estudos sobre
Violências. Começo aproximando o diagnóstico sobre a sociedade moderna nas obras de
Jürgen Habermas e Walter Benjamin, especialmente no tocante à função e ao significado das
ideologias. Em seguida, discuto as objeções de Habermas à filosofia de Benjamin: contra a
despolitização da teoria crítica; a confusão entre mundo objetivo e social; e o menosprezo dos
esforços materiais da crítica. Essas objeções, que foram desdobradas no artigo Crítica
conscientizadora ou salvadora?, serão gradualmente revistas em escritos posteriores.
Pretendo mostrar que, após releituras, Habermas recua nos dois primeiros pontos e concede
algo no terceiro. A ideia de justiça careceria de complementação pela ideia de solidariedade.
Finalizo mostrando como a teoria habermasiana da solidariedade deve bastante à filosofia de
Benjamin.

Palavras-chave: Jürgen Habermas; Walter Benjamin; Crítica da ideologia.

HABERMAS, READER OF BENJAMIN

ABSTRACT
This essay has its origin in a presentation given on November 24, 2021 at the I Habermas
International Symposium, organized by the Interdisciplinary Network for Studies on Violence.
I begin by approaching the diagnosis of modern society in the works of Jürgen Habermas and
Walter Benjamin, especially with regard to the function and meaning of ideologies. Next, I
discuss Habermas' objections to Benjamin's philosophy: against the depoliticization of critical
theory; the confusion between objective and social worlds; and the contempt of the material
efforts of the critique. These objections, which were unfolded in the essay Consciousness-
Raising or Rescuing Critique?, will be gradually reviewed in later writings. I intend to show
that, after re-readings, Habermas retreats in the first two points and concedes something in
the third. The idea of justice would need to be complemented by the idea of solidarity. I
conclude by showing how the Habermasian theory of solidarity owes to Benjamin's philosophy.

Keywords: Jürgen Habermas; Walter Benjamin; Critique of ideology.

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021


FELIPE MORALLES E MORAES

1 INTRODUÇÃO

A presente exposição começa aproximando o diagnóstico sobre a sociedade


moderna nas obras de Jürgen Habermas e Walter Benjamin, especialmente no tocante
à função e ao significado das ideologias (1). Em seguida, discuto as objeções de
Habermas à filosofia de Benjamin (2): contra a despolitização da teoria crítica; a
confusão entre mundo objetivo e social; e o menosprezo dos esforços materiais da
crítica. Essas objeções, que foram desdobradas no artigo Crítica conscientizadora ou
salvadora?, serão gradualmente revistas em escritos posteriores. Pretendo mostrar
que, após releituras, Habermas recua nos dois primeiros pontos e concede algo no
terceiro. A ideia de justiça careceria de complementação pela ideia de solidariedade.
Finalizo mostrando como a teoria habermasiana da solidariedade deve bastante à
filosofia de Benjamin (3).

2 A IDEOLOGIA DO PROGRESSO

O diagnóstico benjaminiano sobre a sociedade moderna é um: o


empobrecimento das experiências. Múltiplas são as manifestações dessa perda. A mais
evidente na época era o retorno dos soldados das trincheiras da primeira guerra
mundial. Traumatizados, não queriam relembrar o que aconteceu, não conseguiam
assimilar o acontecido, narrar sua história. A perda da arte de contar histórias faz parte
desse fenômeno geral de perda da “faculdade de intercambiar experiências”.1 Ter
menos coisas para contar e menos capacidade de transmitir e de ouvir é um efeito da
pobreza de experiências na sociedade moderna. Os dois grandes tipos de narradores
eram o marinheiro comerciante e o camponês sedentário, comenta Benjamin. Um
viajante, outro fixo, tinham em comum a oralidade. A arte da narração alude à vontade
de guardar na memória, transmitir e manter viva uma experiência na memória das
outras gerações. A narração demanda uma tradição compartilhada e retomada na
transmissão oral. Ela só existe na experiência com os outros, com o diferente, ao passo

1 BENJAMIN, Walter. Der Erzähler. In: ________. Gessamelte Schriften. Rolf Tiedemann und
Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 439-40 [as
traduções foram retiradas da edição BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios
sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas. Vol. I. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 8ª ed. São
Paulo: Brasiliense, 2012, p. 213].
G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021 103
FELIPE MORALLES E MORAES

que a escrita já pode existir solitariamente.2 Outra figura recorrente nesse diagnóstico
é o vidro utilizado pela arquitetura moderna. Nada se agarra ao vidro, ele não tem
nenhuma história, não carrega consigo os traços da tradição, não transmite
experiências. O vidro é frio e homogêneo, “é difícil deixar rastros”. Eventuais vestígios
são apenas manchas a serem higienizadas.3 No mesmo sentido, Benjamin reflete sobre
os jornais. A informação jornalística só tem valor enquanto é nova: precisa se entregar
inteiramente ao momento presente e se explicar inteiramente nele. A informação é
explicativa, breve e objetiva. As notícias não se relacionam umas com as outras na
página do jornal, a informação é isolada das experiências do narrador e do leitor. Cada
indivíduo lê sozinho a notícia que lhe interessa, sem se envolver com as outras notícias
e com quem as relata. Fica presa no presente e desaparece amanhã. Pelo contrário,
uma narrativa não se entrega tão facilmente: conserva suas forças por muito tempo.
Admira Heródoto: ele não explica nada, seu relato é seco e, por isso, continua até hoje
suscitando espanto e reflexão.4 Os temas levantados por Benjamin orbitam esse
diagnóstico de época: a perda da capacidade de ter experiências decorrente da
racionalização da vida.
Assim interpreta Habermas o diagnóstico benjaminiano do empobrecimento
cultural: as culturas dos especialistas passam a desvalorizar, descredibilizar e romper
as conexões com a cultura tradicional, provocando rigidez das práticas e desolação. 5 Se
as linguagens especializadas (ciências, economia, direito, filosofias etc.) adquirirem
um significado intrínseco, com lógicas independentes (eigensinnig), também se
dissociam do mundo da vida cotidiano, gerando empobrecimento cultural. “Aquilo que
se acrescenta à cultura, mediante elaboração e reflexão, não chega sem mais ao
domínio da prática do dia a dia. Ao contrário, com a racionalização cultural, o mundo
da vida, desvalorizando em sua substância tradicional, ameaça empobrecer”. 6 O lado
reverso da autonomia das áreas do saber é a fragmentação das correntes da tradição
cultural que alimentam a vida cotidiana.7 O empobrecimento cultural manifesta-se,

2 BENJAMIN, Der Erzähler, p. 440 e 453.


3 BENJAMIN, Walter. Erfahrung und Armut. In: ________. Gessamelte Schriften. Rolf
Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p.
217-8.
4 BENJAMIN, Der Erzähler, p. 444-6 e 452.
5 HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunikativen Handelns: Zur Kritik der funktionalistichen

Vernunft. Bend 2. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981, VIII, 1, p. 483 [doravante TkH-II].
6 HABERMAS, Jürgen. Kleine politische Schriften I-IV. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981, p.

453 [doravante KpS I-IV].


7 HABERMAS, Jürgen. A reply to my critics. In: THOMPSON, John B.; HELD, David (ed.).

Habermas: critical debates. Macmillan Pressa: London, 1982, p. 251.


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FELIPE MORALLES E MORAES

então, na forma de “patologias sociais” como a perda de sentido no âmbito das


tradições culturais, a anomia no âmbito da solidariedade coletiva e a alienação no
âmbito psicológico e da personalidade.8
Essa crítica ao modo de experiência da modernidade é direcionada, por
Benjamin, contra duas concepções modernas da história – que impedem a experiência
histórica da catástrofe, assim como sua abertura para o futuro. A representação do
tempo como “vazio e homogêneo”, como refere nas décima terceira e quarta Teses
sobre a concepção de história, ocorre tanto pela “obtusa fé no progresso” – cuja norma
histórica é cúmplice do fascismo e das violências sofridas pela humanidade,
bloqueando a qualidade imprevisível do presente –; quanto pela acumulação
museística do historicismo – que “desfia entre os dedos os acontecimentos, como as
contas de um rosário” e transforma a história em uma coleção de fatos sem significado,
como menciona o apêndice A das Teses.9 De um lado, o evolucionismo histórico, não
importa a variante darwinista, marxista, etc., justifica toda a maldade do mundo com
a apologia do presente e do futuro. De outro lado, a erudição cansativa do historicismo
“aumenta com certeza o peso dos tesouros que se acumulam sob as costas da
humanidade. Mas não lhe dá a força para desalojá-los e assim tê-los em mãos”.10
Ambas as concepções de história neutralizam a experiência da catástrofe iminente do
fascismo e a orientação para o futuro no presente e no passado, porque prendem todos
a um curso histórico objetivo e, por assim dizer, eterno. Noutras palavras, o presente é
abandonado a si mesmo tanto quando se observa a história de modo progressista,
como uma acumulação complacente de cultura, quanto de modo historicista, como
uma acumulação resignada de barbárie. Ambos experimentam apenas “empatia com
os vencedores”, diz a sétima tese. Ao contrário, para se ter empatia com os vencidos, a
conexão com a tradição deve ser fundada tanto pela cultura, quanto pela barbárie. Às
concepções progressista e historicista da temporalidade contrapõe Benjamin uma
outra, baseada na interrupção do tempo presente, enunciada na décima sexta tese: “o
materialista histórico não pode renunciar ao conceito de um presente em que o tempo,
em vez de transição, para e se imobiliza. Porque esse conceito define exatamente aquele
presente em que ele escreve a história para sua própria pessoa”. O materialismo

8
TkH-II, VI, 1, p. 215-6.
9
BENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: ________. Gessamelte Schriften. Rolf Tiedemann
und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974, pp. 693-704 [as traduções
foram retiradas, com algumas alterações, da já referida edição BENJAMIN, Magia e técnica, arte e política].
10
BENJAMIN, Walter. Eduard Fuchs, der Sammler und der Historiker. In: ________. Gessamelte Schriften.
Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 478.
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FELIPE MORALLES E MORAES

histórico, assim como a teologia judaica, são modelos de que se vale Benjamin, entre
outros, para corrigir as concepções sistemáticas, mecanicistas e deterministas da
história.
A ideia de progresso é suspeita, reconhece Habermas: “o que se apresenta como
progresso pode logo significar a intenção de perpetuação dos reputados vencidos”. A
liberação das forças produtivas, que supostamente daria cabo ao capitalismo, ainda
não significa a criação de interações não coagidas. A libertação da miséria, fome, fadiga
decorrentes da implosão do capitalismo não equivale à libertação da dominação e da
infelicidade. A crítica benjaminiana ao progresso tem razão em exigir uma ideia mais
intensa e enfática, que não se deixa cegar pela mera aparência de emancipação.11
Habermas concorda que essa busca no passado pela motivação transformadora
que sobrevive na cultura é o que mais bem traduz o projeto da modernidade – como
escreve em Modernidade - um projeto inacabado.12 “Desde sempre se considerou o
clássico aquilo que sobrevive aos tempos: no entanto, o testemunho moderno, em
sentido enfático, já não extrai tal força da autoridade de uma época passada, mas
unicamente da autenticidade de uma atualidade passada”. A consciência moderna do
tempo é, a um só tempo, destruidora e produtiva: não exprime só a experiência de
aceleração, efemeridade e descontinuidade, mas também “a nostalgia de um presente
imaculado, imóvel”.13 O moderno não poderia ser definido só pela negação do antigo,
do contrário, estaria destinado a se tornar obsoleto e envelhecido. A linha de
demarcação tenderia a se apagar, ao se transformar, cada vez mais rapidamente, em
seu contrário. Benjamin apreende bem o moderno. Esse não se limita à
descontinuidade, à ruptura com o passado e com a tradição, porque precisa ver na
continuidade do presente com o passado a possibilidade de renovação. Apenas um

11 HABERMAS, Jürgen. Philosophisch-politische Profile. Erweiterte Ausgabe. Frankfurt am


Main: Suhrkamp, 1981, p. 372 [doravante PpP]. Há outros escritos em que invoca positivamente essa
lição de Benjamin, cf. HABERMAS, Jürgen. Legitimationsprobleme im Spätkapitalismus.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973, p. 100 e 113; HABERMAS, Jürgen. A nova obscuridade:
pequenos escritos políticos V. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Unesp, 2015, p. 94 [doravante NO];
HABERMAS, Jürgen. Nachmetaphysisches Denken II: Aufsätze und Repliken. Berlin: Suhrkamp,
2012, p. 213 [doravante NDII].
12 KpS I-IV, p. 448.
13 KpS I-IV, p. 446-7 [a tradução foi extraída de HABERMAS, Jürgen. Modernidade – um projeto

inacabado. In: ARANTES, Otilia Beatriz Fiori; ARANTES, Paulo. Um ponto cego no projeto
moderno de Habermas: arquitetura e dimensão estética depois das vanguardas. São Paulo:
Brasiliense, 1992, p. 101-2].
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passado perlaborado é capaz de evitar a repetição do terror. A novidade não é por si


mesma, mas para fazer correto pela primeira vez.14
Ao compreender a cultura moderna, o pensamento histórico de Benjamin
reaviva suas energias utópicas. Em outro importante pequeno escrito do início da
década de 80, A crise do Estado de bem-estar social e o esgotamento das energias
utópicas, Habermas diagnostica que a cultura moderna perdia a confiança em si
mesma e consumia sua orientação ao futuro, sugerindo uma alteração do espírito de
época e da consciência do tempo. Não sem boas razões, reconhece ele. A perspectiva
do controle racional da natureza e da sociedade por meio da ciência, técnica e
planejamento haviam sido abalada por evidências massivas. A técnica moderna tem
consequências altamente discrepantes: armas de destruição em massa, biotecnologia,
processamento de informações etc. A abolição da propriedade dos meios de produção
não desembocou por si na autogestão dos trabalhadores. A tentativa de neutralização
dos antagonismos de classe com foco no trabalhador assalariado mostrou seus limites
com as crises econômicas e os fenômenos de burocratização. Forças produtivas se
transformam em forças destrutivas. Capacidades funcionais em consequências
disfuncionais. O poder do qual a modernidade outrora extraia sua autoconsciência e
suas expectativas utópicas inverteu-as em distopias, emancipação em repressão,
racionalidade em irracionalidade.15
Perante esse diagnóstico, Habermas argumenta contra a ideia de uma mudança
do espírito de época e retirada das energias utópicas da consciência histórica. O que
chegou ao fim – e que Benjamin soube bem criticar – foi uma utopia determinada, um
socialismo determinado: a ideia de que de uma produção corretamente instaurada
resultaria uma forma de vida comunal de trabalhadores livremente associados. A
autonomia individual não coincide com a vida material, nem a sociedade emancipada
com a sociedade do trabalho.16 O fato de que a jaula da economia capitalista e da razão
instrumental não se deixam romper a partir de dentro, com uma simples receita de
autogestão não pode causar resignação. A regeneração das energias utópicas depende
de reconhecer que a cultura tem o poder de influir de fora sobre os mecanismos

14 MENKE, Christoph. Aporien der kulturellen Moderne: »Die Moderne – ein unvollendetes Projekt«
(1980). In: BRUNKHORST, Hauke; KREIDE, Regina; LAFONT, Cristina (Hrsg.). Habermas
Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler, 2009, p. 206.
15 NO, p. 212-4.
16 NO, p. 215-7.

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sistêmicos de poder.17 A razão pode se apropriar de conteúdos culturais utópicos que


ela por si não seria capaz de criar.18 E finaliza Habermas com uma passagem que
lembra a décima quarta de Benjamin: “...a autocertificação da modernidade, hoje como
ontem, é incitada por uma consciência da atualidade na qual o pensamento histórico e
o utópico se fundem um no outro”.19
Habermas acredita no potencial revolucionário dessa concepção de história.
Para pensar as revoluções dos países do Leste europeu contra a dominação soviética
durante os anos 90, vai se valer de uma expressão paradoxal, digna de Benjamin:
“revolução recuperadora” – que abre caminho para recuperação da esperança de
desenvolvimentos políticos perdidos.20 Esses potenciais do passado não se limitavam
aos métodos revolucionários que recuperam “surpreendentemente a presença de
massas reunidas em praças e mobilizadas em ruas” – em uma ação espontânea das
massas que, somada à ação espontânea na arena global mais recente das mídias
eletrônicas, se mostrou capaz de destituir regimes fortemente militarizados.21 Esses
potenciais eram sobretudo das ideias de Estado Democrático de Direito, soberania
popular e direitos humanos, que haviam se perdido sob a dominação soviética. 22 Se
associadas às ideias do liberalismo político a ideia de socialismo não seria impedida,
segundo Habermas, de “ressureição”.23
A preocupação filosófica de Benjamin era articular uma cultura orientada
instrumentalmente com outros tipos de experiência, tomadas como insignificantes
pela ciência e pela técnica.24 As mudanças nas forças de produção da ciência e da
técnica estão ligadas às mudanças na forma de percepção coletiva e individual. A
unilateralização da cultura em um sentido estritamente científico e técnico causa um
bloqueio às experiências individuais e coletivas, históricas e religiosas. O pensamento
redentor tem como tarefa a destruição dos bloqueios, identificações, projeções que
impedem a experiência do diferente. A teoria benjaminiana é crítica porque mostra os
limites sociais da experiência tipicamente moderna: esta conduz à catástrofe! A

17 NO, p. 231.
18 NDII, p. 196.
19 NU, p. 161/ NO, p. 237.
20 HABERMAS, Jürgen. Die nachholende Revolution: kleine politische Schriften VII. Frankfurt am

Main: Suhrkamp, 1990, p. 180 [doravante NR].


21 NR, p. 184.
22 NR, p. 185.
23 NR, p. 188.
24 BENJAMIN, Walter. Über das Programm der kommenden Philosophie. In: ________. Gessamelte

Schriften. Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1977, p. 158.
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salvação da humanidade exige construir passagens entre diferentes formas de


experiência.25
Se a crítica às concepções iluministas marca a filosofia da história de Benjamin,
e a crítica à instrumentalidade sua filosofia da linguagem26, ambas partem de um
diagnóstico amplo da modernidade: a perda da faculdade de ter experiências. Por isso,
ambas tomam como tarefa, comenta Habermas, a “recuperação de uma semântica que
pouco a pouco se dissociou do interior do mito e que messianicamente, isto é, para o
uso da emancipação, foi preservada e, ao mesmo tempo, libertada nas obras de grande
arte”.27 Nas palavras de Benjamin: “o objeto da crítica filosófica é o de demonstrar que
a função da forma artística é a de transformar em conteúdos de verdade filosóficos os
conteúdos materiais históricos presentes em toda a obra significativa”. 28 Para ele, a
razão é essa faculdade linguística e mimética de fazer conexões significativas entre
múltiplos saberes: a capacidade humana de criar significado através de evocações,
alusões, alegorias, traduções.29 A faculdade mimética permite a identificação de
“correspondências” entre diferentes áreas, tempos e expressões culturais, que
iluminam umas às outras. Emprestado de poema de Baudelaire, a correspondência
denomina essas similaridades capazes de unir a subjetividade individual com o
passado coletivo: “as correspondências são, conforme a situação, as reminiscências
infinitas e múltiplas de cada rememoração dos outros. ‚J'ai plus de souvenirs que si
j'avais mille ans‘“.30 A crítica redentora de Benjamin quer resgatar a “reserva
semântica fundamental” do passado contra o esvaziamento dos potenciais provocados
por formas limitadas da experiência moderna.31 Desse forma, o diagnóstico amplo
sobre a sociedade moderna conduz o filósofo berlinense à revisão das tarefas da

25 ROSEN, Michel. Benjamin, Adorno, and the decline of the aura. In: RUSH, Fred (ed.) The
Cambridge companion to critical theory. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 44.
26 BENJAMIN, Walter. Ursprung des deutschen Trauerspiels. In: ________. Gessamelte Schriften.

Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974,
p. 216-7 e BENJAMIN, Walter. Über Sprache überhaupt und über die Sprache des Menschen. In:
________. Gessamelte Schriften. Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 140-157.
27 PpP, p. 350.
28 BENJAMIN, Trauerspiel, p. 358.
29 Cf. GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. 2. ed. 5. reimp. São

Paulo: Perspectiva, 2013, p. 106.


30 BENJAMIN, Walter. Zentralpark. In: ________. Gessamelte Schriften. Rolf Tiedemann und

Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974, p. 691 (44).
31 PpP, p. 359-61.

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filosofia: a rememoração das ideias da razão e a reconstrução de reservas semânticas


salvadoras a partir das mimeses, correspondências, semelhanças.32
Eis uma chave para reinterpretar a crítica da ideologia. Segundo Habermas, a
ideologia não poderia mais ser interpretada como uma “falsa consciência”, por não
haver como cogitar de uma representação consciente da sociedade que subsuma e
supere linguagens cotidiana e especializadas como um todo. Ela seria mais bem
compreendida como uma “consciência fragmentada”, quer dizer, como incapacidade
de fazer conexões significativas do impulso universalizante das linguagens
especializadas com a vida cotidiana.33 As antigas visões de mundo, baseadas em uma
consciência global da sociedade, são substituídas por outras que lhes são
funcionalmente equivalentes. As ideologias são aquelas visões de mundo que impedem
que se tenham novas experiências e se façam conexões significativas entre as
linguagens ordinárias e especializadas e, portanto, que a consciência adquira saberes e
faça interpretações mais gerais sobre a sociedade. As ideologias não são falsas
consciências, mas consciências fragmentadas: “[a] consciência cotidiana é roubada de
sua força sintetizante, ela se torna fragmentada”.34 Em torno da ideologia, no entanto,
orbitarão as críticas de Habermas a Benjamin.

3 AS CRÍTICAS DE HABERMAS A BENJAMIN

3.1 Despolitização da teoria crítica?


A primeira recepção dos escritos de Benjamin já estabeleceu uma forte disputa
entre seus amigos Scholem, Adorno e Brecht: se suas categorias seriam
primordialmente místicas ou marxistas, dialéticas ou revolucionárias. A alegoria da
primeira das Teses sobre conceito de história é ilustrativa dessa polêmica. Por um lado,
o anão corcunda e feio da teologia tem o materialismo histórico como um “fantoche” e,
por outro lado, o materialismo histórico toma “a seu serviço a teologia”.35 Quem é o
verdadeiro jogador? O fantoche cujas mão são movidas, ou o anão a serviço dele? A
primeira objeção de Habermas é que Benjamin não conseguiria conciliar
esclarecimento com misticismo, materialismo histórico com teologia, crítica da

32 PpP, p. 361-3.
33 TkH-II, VIII, 2, p. 519-22.
34 TkH-II, VIII, 2, p. 521.
35 BENJAMIN, Über den Begriff der Geschichte, p. 693.

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ideologia com crítica salvadora, porque a salvação não adquire uma relação imanente
à prática política.36 Ao se concentrar nos potenciais semânticos abertos pelo passado,
atribuiria à práxis política uma posição secundária. Como a violência mítica, a
violência revolucionária não mudaria as relações de produção, simplesmente se
expressaria publicamente.37 No mesmo sentido, Adorno já havia acusado que o flerte
com imagens utópicas arriscava uma consolação psicológica substitutiva para
sofrimentos objetivos. Assimilar progresso à redenção faria perder seu significado
perceptível, objetivo e sensível.38
Ao contrário do que as acusações dão a entender, porém, as imagens de
redenção não podem ser acusadas de fornecer consolações psicológicas. A felicidade
não pode ser obtida esotericamente, de modo místico e solitário. É essa precisamente
crítica benjaminiana à teocracia. Ela tem um sentido religioso e nenhum sentido
político: busca um consolo de imortalidade, não a felicidade atual. 39 Benjamin invoca
uma “iluminação profana”.40 Argumentando nesse sentido, Jeanne Marie Gagnebin
invoca a metáfora do mata-borrão com que explica sua relação com a teologia. Seu
pensamento absorve ensinamentos, mas torna o texto sagrado dispensável. “Como se
a tinta da primeira página estivesse sido totalmente apagada e só restasse para nós a
constelação de manchas e sinais que… deveriam ser suficientes, ainda que não haja
possibilidade de volta ao texto primitivo”. As figuras teológicas precisam ser absorvidas
ao ponto de desaparecerem enquanto figuras religiosas.41 Na segunda das Teses sobre
o conceito de história, o messias não é apresentado como um salvador esperado pelo
povo, mas cada geração mesma de cidadãos, a quem compete uma ação política
transformadora. A direção de uma busca política da felicidade tem muito mais força,
argumenta Benjamin, do que a intensidade da religião, que é atravessada de
sofrimento.42 A crítica salva exotericamente as experiências enfáticas e as
possibilidades de redenção profanas.

36
PpP, p. 368.
37
PpP, p. 369.
38
ADORNO, Theodor W. Progresso. In: ______. Palavras e sinais: modelos críticos, 2. Trad. Maria Helena
Ruschel. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 42.
39
BENJAMIN, Walter. Theologisch-politisches Fragment. In: ________. Gessamelte Schriften. Rolf
Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 203.
40
BENJAMIN, Walter. Der Sürrealismus: die letzte Momentaufnahme der europäischen Intelligenz. In:
________. Gessamelte Schriften. Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt
am Main: Suhrkamp, 1977, p. 297.
41
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Teologia e messianismo no pensamento de Walter Benjamin. In: _______.
Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Editora 34, 2014, p. 190-1.
42
BENJAMIN, Theologisch-politisches Fragment, p. 204.
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Tampouco há consolação no sentido de uma garantia de salvação, ao contrário


da concepção da história como progresso. Essa é a crítica benjaminiana ao otimismo
de social-democratas e comunistas com as forças de produção: no “aperfeiçoamento
pacífico da Força Aérea”.43 Nada garante um final feliz da história, nem o cumprimento
de suas promessas, como expressa a sexta tese: “o dom de despertar no passado as
centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que
tampouco os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem
cessado de vencer”. De tal arte o anjo da nona Tese observa a história. Ele mira
horrorizado o sofrimento dos vencidos. Mas não pode fechar as asas que o arrastam
para o futuro. Por isso, precisa recolher os elementos paradisíacos e não totalmente
apagados da história dos dominados. É na rememoração contida no dado histórico que
lê a possibilidade de outra ordem social.
O tempo histórico deve ser apreendido – auxilia Gagnebin – não em termos
cronológicos, mas de intensidade. Não importa se o contínuo histórico é ligado pelo fio
vermelho do marxismo, preto da teologia ou amarelo do historicismo. A historiografia
materialista precisaria seguir uma outra temporalidade do que a causalidade linear.
Ela coleta, separa e expõe elementos únicos, em prática aparentada à do colecionador,
sem os integrar em uma explicação mais ampla. A pesquisa histórica restitui a
dimensão do objeto único e imóvel para o preservar do esquecimento e da destruição,
como em uma coleção, mas para destruir a visão histórica das relações causais e de
encadeamentos lógicos entre os acontecimentos. A origem das coisas é, por isso,
descrita como salto primeiro para fora da sucessão cronológica niveladora, como a
apresenta a décima quarta tese. Esse salto do tempo permite que o passado esquecido
ou recalcado possa surgir de novo e ser resgatado no presente. Para a historiografia de
Benjamin, o que interessa é o encontro de semelhanças repentinas entre
acontecimentos, que podem estar distantes cronológica e culturalmente, mas estão
próximos na revelação de um significado inédito e capaz de salvar o presente. Nesse
sentido, se trata de uma relação intensiva com o tempo no objeto e não extensiva, ou
cronológica, do objeto no tempo.44
A distinção de Habermas entre crítica conscientizadora e salvadora não é,
portanto, suficientemente precisa. A obra de Benjamin destina-se a emancipar as
criações culturais de uma falsificação ideológica e a torná-las capazes de contribuir

43BENJAMIN, Der Sürrealismus, p. 308.


44 GAGNEBIN, História e narração, p. 10 e 105.
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para a transformação política da sociedade. É essa também sua crítica ao surrealismo.


O surrealismo permanece na embriaguez anárquica, na inversão e criação divertida de
sentidos, sem eficácia política.45 Benjamin critica a ideologia do progresso, que cobre
o interesse particular dos dominantes de um interesse universal e que mantém presa a
consciência dos dominados. Quer claramente sacudir as estruturas existentes no
capitalismo e conduzir as pessoas à ação política, como uma autêntica crítica da
ideologia. A arte perde seu sentido ritualístico e cultual de ilusão, mas redime seu
conteúdo aurático em uma experiência explosiva do mundo cotidiano. Faz crítica da
experiência, da história e da arte, a serviço contra as formas de dominação modernas.
Anos depois de Crítica conscientizadora ou salvadora?, concordará Habermas
que a filosofia política e a crítica artística podem preencher tarefas muito próximas: a
saber, de tentar fazer cruzar o estoque de saberes de um campo especializado,
unilateralizado e profissionalizado para a corrente culturalmente estéril da práxis
cotidiana. A arte pode penetrar na vida cotidiana para mudar as formas de vida e as
subjetividades, porque contém uma promessa de felicidade e abundância que fazem
parte e, ao mesmo tempo, ultrapassam a arte, desde que não se queira com isso
implicar uma falsa liquidação da divisão entre a arte e as outras esferas de valor que se
autonomizaram modernamente.46 A religião também pode contribuir para o
pensamento político, reconhecerá Habermas, como ponte para uma justiça
“salvadora”: não da felicidade pessoal de cada um, mas de um “destino coletivo
pungente, da humanidade como um todo, diante do pano de fundo de uma consciência
disseminada de crise”.47 A tarefa filosófica é a apropriação crítica de conteúdos
semânticos, de abertura da linguagem secular e conceitual para significados sensíveis
de origem não cotidiana, entre outros, artísticos e religiosos, sem tocar diretamente
nas linguagens especializadas.48

45 BENJAMIN, Der Sürrealismus, p. 307.


46 KpS I-IV, p. 461; cf. HABERMAS, Jürgen. A reply. In: HONNETH, Axel; JOAS, Hans (ed.).
Communicative action essays on Jürgen Habermas's The theory of communicative action. Transl.
Jeremy Gaines and Doris L. Jones. Cambridge: The MIT Press, 1991, p. 225 e HABERMAS, Jürgen.
Questions and counterquestions. BERNSTEIN, Richard J. (ed.) Habermas and modernity.
Massachusetts: The Mit Press, 1985, p. 202.
47 NDII, p. 133.
48 NDII, p. 207-8.

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3.2 Confusão entre natureza e sociedade?

Uma segunda objeção de Habermas, que pode ser analiticamente separada da


primeira, consiste na confusão, mediante uma visão anímica da natureza, entre as
esferas do mundo objetivo, do qual dispomos instrumentalmente, e do mundo
intersubjetivo, no qual nos comunicamos com os outros. A arte aurática e o
messianismo profano somente poderiam existir em uma relação intersubjetiva do “eu”
com a natureza, na qual o objeto torna-se interlocutor, em vez de outras pessoas.49 Para
Habermas, seria preciso separar mais estritamente o momento esotérico e
particularista do exotérico e universalizante da teoria. A natureza não se ajusta sem
resistência às categorias do pensamento.50 Buscar emancipação em um mundo da vida
reintegrado e desdiferenciado seria um falso projeto da modernidade. A chance de
universalização da emancipação somente poderia ser atingida com um risco de
desritualização e perda do conteúdo mitológico.51 Habermas interpreta a filosofia da
linguagem benjaminiana e a faculdade mimética como percepção e reprodução de
semelhanças naturais. Não a propriedade humana da linguagem interessaria, mas sua
função onomatopeica e expressiva, análoga à dos animais.52
A crítica ainda não parece precisa o bastante. A faculdade mimética é de criação
de semelhanças, não de reprodução de semelhanças naturais. A linguagem é a
capacidade mimética de formar “semelhanças não sensíveis”.53 Benjamin não se cansa
de apontar que as fraturas, os significados abertos na cultura decorrem da própria
modernidade, a partir dos quais é possível pensar um outro tempo e uma sociedade
emancipada. Sua crítica não mira ciência, técnica e moderno como um todo, mas a
cegueira de um tempo que faz ruína de tudo que lhe é diferente para a reprodução
daquilo que arrasta todos para a catástrofe. Ele recorre, por exemplo, à experiência do
choque de Baudelaire, para tirar o fascínio e o automatismo da ideia de progresso. 54
Outro modelo histórico é Robespierre, que invocava uma Roma antiga carregada de

49 PpP, p. 356.
50 HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Unesp, 2014, p.
68.
51 PpP, p. 357-8.
52 BENJAMIN, Über Sprache überhaupt, p. 156.
53 BENJAMIN, Über Sprache überhaupt, p. 213; cf. GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Do conceito de

mimesis no pensamento de Adorno e Benjamin. Perspectivas, São Paulo, n, 16, 1993, p. 80-1.
54 BENJAMIN, Walter. Über einige Motive bei Baudelaire. In: ________. Gessamelte Schriften.

Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974,
p. 623.
G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021 114
FELIPE MORALLES E MORAES

tempo de agora para o explodir para fora do curso homogêneo do tempo. Outro, ainda,
os franco-atiradores da revolução de 1830, que disparavam contra os relógios
localizados nas torres a fim de parar o tempo, nas célebres figuras das décimas quarta
e quinta teses. A dialética alegórica de Benjamin transforma o desprezo esotérico do
mundo terreno em seu oposto: um agarrar-se ao concreto e profano.55 A interrupção
messiânica do tempo nada tem a ver com um salto ingênuo de volta ao passado, nem
com uma mistificação dele, senão com a solidarização com os que foram
historicamente calados, marginalizados e exterminados.
Uma década mais tarde, remontando a obra benjaminiana, Habermas vai
reconhecer que sua teoria crítica defende, em vez do resgate da interlocução imediata
com a natureza, a criação de uma responsabilidade humana alargada. “...[T]oda a
natureza começaria a reclamar se lhe fosse emprestada a palavra” – onde “emprestar
a palavra” é mais do que “fazer falar”, acrescenta Benjamin. A natureza reclamaria
também da sua falta de fala.56 É dizer: defende-se uma solidariedade natural, histórica
e universal, em que a humanidade tem responsabilidade pelo mundo natural, em que
as gerações presentes têm responsabilidade simultaneamente pelas gerações futuras e
passadas.57 Os oprimidos não são apenas a classe operária e os atualmente dominados,
mas uma massa bem mais vasta: todos os que foram silenciados pela humanidade e
pela história.

3.3 Desprezo aos esforços materiais da crítica

A terceira objeção de Habermas – que ele não dissocia das anteriores, mas que
destaco como um refinamento – é que a filosofia benjaminiana ficaria aquém de uma
profanação, porque o materialismo histórico conta com um progresso na dimensão das
forças produtivas e da dominação política, o que “não pode ser coberto por uma
concepção de história antievolutiva como um capuz de monge”. Ao berlinense interessa
a experiência enfática da revolução mais do que suas mudanças objetivas, a evolução
social e o processo de transformações.58 O tempo de agora não chega a ser um tempo

55 MERQUIOR, José Guilherme. Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin: ensaio


crítico sobre a escola neo-hegeliana de Frankfurt. São Paulo: É Realizações, 2017, p. 128.
56 BENJAMIN, Über Sprache überhaupt, p. 155.
57 HABERMAS, Jürgen. Der philosophische Diskurs der Moderne: zwölf Vorlesungen.

Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988, p. 25-6.


58 PpP, p. 364.

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FELIPE MORALLES E MORAES

politicamente originário, porque não funda novas instituições. Sua visão anarquista faz
com que prefira a “violência divina”, que abole todo direito, do que a “violência mítica”,
que funda um novo direito.59 O que questiona Habermas aqui é o teor dos esforços
emancipatórios da crítica: se não haveria uma emancipação relacionada não
necessariamente à felicidade de cada um, mas possivelmente ao bem-estar material e
ao fim da repressão. As conquistas na dimensão econômica e institucional não podem
ser recusadas como uma simples restrição do diferente e uma reprodução do mesmo.
De fato, a crítica de Benjamin dirige-se contra uma concepção do progresso
insensível à vida realizada, em vez da mera melhoria da reprodução da vida. A
verdadeira emancipação não poderia visar bem-estar material e liberdade, sem visar a
felicidade, como escreve: “a ordenação do profano deve-se erguer sobre a ideia de
felicidade. A relação dessa ordenação com o messiânico é um dos elementos
doutrinários essenciais da filosofia da história”.60 A felicidade é a única diretiva
possível da história. Essa é uma visão maniqueísta do progresso, acusa corretamente
Habermas. Ela mede os sistemas econômico e político com base unicamente na
dimensão cultural.61 Enreda-se em uma utopia irrealista ao confundir a infraestrutura
de intersubjetividade incólume, capaz de abrigar uma multiplicidade de formas de
vida, com a totalidade concreta de formas de vida bem-sucedidas.62 Falha em perceber
que progressos não desprezíveis ocorrem quando se supera a fome e a dominação,
mesmo que esses progressos não criem novas identificações, experiências e
lembranças. A crítica não pode ser orientada só pelo critério da felicidade, mas também
por instituições contra a opressão. Se essas transformações não realizam, apenas
aliviam, o alívio precede a realização pessoal e dissipa as identificações, experiências e
lembranças que eram catastróficas.63 A imagem de pessoa e de sociedade emancipada
invocada por Benjamin sobrecarrega os esforços críticos com pretensões sublimes de
felicidade, quando “o que é mais importante vem primeiro”.64
Em momento de releitura, Habermas obtempera. Se injustiças irrevogáveis
foram perpetradas em gerações passadas, permanece um espinho na ideia de uma

59 BENJAMIN, Walter. Zur Kritik der Gewalt. In: ________. Gessamelte Schriften. Rolf
Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser (Hrsg.). Bd. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p.
199.
60 BENJAMIN, Theologisch-politisches Fragment, p. 203.
61 PpP, p. 373-4.
62 NO, p. 238.
63 PpP, p. 374-5.
64 PpP, p. 375.

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021 116


FELIPE MORALLES E MORAES

justiça construída no presente. Esse espinho não pode ser retirado do coração da
justiça, apenas esquecido. E o esquecimento deixaria traços dos reprimidos. Assim, há
um problema na ideia de sociedade justa. É um problema do qual já estava ciente Kant:
as velhas gerações seriam instrumentalizadas em favor das que vivem em uma
constituição perfeitamente justa, que teriam a sorte de habitar na mansão em que uma
longa série dos seus antepassados trabalhou, que não puderam partilhar da felicidade
que prepararam.65 O fardo histórico da realização da justiça precisa ser motivado pela
esperança das gerações atuais na possibilidade de realização plena da espécie humana
e, assim, pela lembrança daqueles que fracassaram ou sucumbiram na realização desse
plano pelas gerações futuras.66 O passado pode servir como o signum rememorativum
de uma história da realização possível da justiça.67 Benjamin chama atenção para
ambas necessidades subjetivas da filosofia da história: tanto que é necessária a imagem
de uma vida redimida para motivar as gerações presentes, quanto que as gerações
futuras só podem compensar as gerações passadas suplementando a universalidade
abstrata dos princípios de justiça com uma rememoração, a qual vai além da ideia de
justiça. A rememoração é uma lembrança por meio da compaixão solidária com os que
sofreram e não podem mais ser remediados. A compaixão pelos que sofreram violação
da integridade física e moral é um limite para as éticas universalistas.
Ainda assim, Habermas insiste que, embora esteja além da justiça, a relação
estabelecida pela solidariedade continua seguindo um postulado moral universalista –
que se aplica igualmente à relação com os animais não-humanos e com a natureza em
geral. Sua acessibilidade moral depende da extensão dos juízos de correção para além
das relações interpessoais, para relações com pessoas e outras criaturas que não podem
(mais) agir de modo responsável. Esses seres não podem sair da condição passiva de
afetados e assumir a posição de autores de normas aceitáveis e de participantes em
discussões morais.68 A solução para o impasse, do ponto de vista universalista, vai
depender de uma complementariedade entre questões de justiça e questões de
solidariedade.

65 KANT, Immanuel. Idee zu einer allgemeinen Geschichte in der weltbürgerlicher Absicht. In: ____.
Werke in zwölf Bänden. Band. 11. Wilhelm Weischedel (Hrsg.). Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1977, A392, p. 37.
66 KANT, Idee zu einer allgemeinen Geschichte, A411, p. 50.
67 KANT, Immanuel. Der Streit der Fakultäten. In: ____. Werke in zwölf Bänden. Band. 11.

Wilhelm Weischedel (Hrsg.). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, A142, p. 357.


68 HABERMAS, in THOMPSON/HELD, p. 246-8.

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FELIPE MORALLES E MORAES

4 A IDEIA DE SOLIDARIEDADE EM HABERMAS

A teoria da solidariedade espelha, na obra de Habermas, a teoria da justiça. A


ideia de solidariedade acompanha a transformação da ética do discurso em um
princípio do discurso mais abstrato: de uma concepção moral, derivada do dever de
igual tratamento a todos os seres humanos, em uma concepção política, moralmente
menos carregada, relativa à motivação para a ação comum e à formação de poder
comunicativo.
Na dimensão moral, a solidariedade é apresentada como a contraparte concreta
da moral deontológica. A solidariedade é cooriginária à justiça. Ambas estão baseadas
no caráter social e comunicativo dos seres humanos. A justiça exige uma
responsabilidade para indivíduos que sejam estranhos e, portanto, que formaram sua
identidade em contextos de vida e tradições distintas. “Pois também a justiça,
entendida em termos universais, exige que cada um seja responsável pelo outro – ou
seja, que também cada um seja responsável por um estranho que formou sua
identidade em um contexto de vida completamente diferente e que se compreende à
luz de tradições que são distintas”.69 Isso já implica solidariedade, quer dizer, aceitar
pertencer concomitantemente a uma comunidade livre das amarras éticas da sua
comunidade exclusiva. A solidariedade é a ideia de proteção de formas de vida
alternativas, de um “bem da justiça”, em que cada um responde sensivelmente à
integridade da forma de vida do outro.70 No mesmo sentido, Habermas distingue uma
solidariedade “concreta” de uma “abstrata”. A solidariedade só pode ser
experimentada, por certo, concretamente no contexto de formas de vida particulares,
sejam naturais, herdadas ou criticamente apropriadas. Por sua própria ideia, porém,
ela só pode ser alcançada quando universaliza os pressupostos da ação comunicativa
que possibilitam diferentes formas de vida particulares.71
Tal compreensão universalista da solidariedade afasta conteúdos dúbios
associados à concepção tradicional de irmandades e grupos familiares. Enquanto a
justiça tem a ver com respeito e bem-estar diretamente de outros indivíduos, a
solidariedade tem a ver com respeito e bem-estar das formas de vida nas quais esses

69
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. Denilson Luís Werle. São Paulo:
Unesp, 2018, p. 76-7 [doravante IO].
70
IO, p. 44 e 77-9.
71
NR, p. 195-6.
G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021 118
FELIPE MORALLES E MORAES

outros constituem sua identidade. Questões de justiça dizem respeito ao igual


tratamento de todos os indivíduos; questões de solidariedade, ao igual tratamento de
todas as formas de vida.
Na dimensão política, moralmente menos carregada, a solidariedade é
apresentada por Habermas como raiz do poder comunicativo e, portanto, como a
motivação para as lutas sociais. As esferas pública e privada que compõem o mundo da
vida – e que dão continuidade a valores e saberes, integram grupos e socializam
indivíduos – estão baseadas na solidariedade. A sociedade moderna pode ser dividida,
então, segundo Habermas, entre os poderes estruturantes do dinheiro, Estado e
solidariedade. Uma sociedade justa depende do reequilíbrio desses poderes
estruturantes. A integração social pela solidariedade deveria ser capaz de se afirmar
contra os poderes do dinheiro e da burocracia. A autonomia dos sistemas econômico e
burocrático é constitucional, na medida em que se submete, por meio de um leque de
espaços públicos e instituições deliberativas, ao questionamento e à revisão política do
equilíbrio entre os poderes estruturantes da sociedade moderna. 72 A luta social é
motivada pela solidariedade dentro e para com grupos dominados. Um equilíbrio
“socialista” entre os poderes estruturantes está na transferência das estruturas
reivindicatórias da sociedade – conferidas pela solidariedade presente nas relações de
vida concretas e pelos direitos subjetivos de questionar relações arbitrárias – para os
sistemas econômico e burocrático, por meio de uma formação democrática do direito
positivo.73
Para Habermas, o que é mais importante vem primeiro. A concepção política de
solidariedade tem primazia: assim como os esforços materiais sobre a rememoração
do outro. Todavia, não é preciso assumir uma ideia de solidariedade em detrimento da
outra, pois ambas coexistem em níveis distintos. É o que revela o exemplo das lutas
políticas de minorias religiosas, linguísticas e culturais por reconhecimento das suas
distintas identidades. Elas exigem tanto o tratamento igual, pela inclusão jurídica de
direitos básicos dessas minorias, sem assimilação, quanto a expansão criativa da
cultura majoritária e a construção de uma autocompreensão política alargada.74

72NR, p. 203.
73NR, p. 200 e NO, p. 233.
74 HABERMAS, Jürgen. Noch einmal: Zum Verhältnis von Moralität und Sittlichkeit. Deutsche

Zeitschrift für Philosophie, vol. 67, n. 5, 2019, p. 741-2.


G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021 119
FELIPE MORALLES E MORAES

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G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.102-122, jul./dez. 2021 122


Gestão & Aprendizagem

CONSENSO HABERMASIANO E GESTÃO ESCOLAR:


PANORAMA DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS (2009-2019)

ADRIELLY BENIGNO DE MOURA


Pós-graduação em Educação – POSEDUC/UERN
E-mail: [email protected]

NAYARA SOARES DE OLIVEIRA


Especialização em Docência para a Educação Profissional e Tecnológica – IFPB
E-mail: [email protected]

RAÍSSA LIMA ONOFRE


Mestre em Jornalismo – UFPB
E-mail: [email protected]

RESUMO
Este artigo traz um recorte da dissertação intitulada “Consenso na gestão escolar:
contribuições para o exercício democrático”, texto de autoria de Moura (2021), sob a
orientação do professor Joaquim Gonçalves Barbosa, que teve como objetivo principal refletir
de que maneira o consenso, na perspectiva de Jürgen Habermas, contribui para o exercício da
gestão democrática, assumindo como contexto o processo de tomada de decisão. A
investigação foi realizada em parceria com a equipe gestora – integrada por diretor, vice-
diretor, coordenador pedagógico e coordenador financeiro - tendo como campo empírico uma
Escola de Ensino Médio em Tempo Integral da Rede Estadual localizada na região urbana da
Cidade de Mossoró-RN. A metodologia da produção em questão centrava-se na perspectiva
qualitativa, utilizando três recursos metodológicos, no entanto, nesta proposta
apresentaremos o resultado do mapeamento bibliográfico realizado nos portais de periódicos
da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e do Portal de Periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nesta busca foram
utilizados os seguintes descritores e recursos booleanos: (“CONSENSO” OR “HABERMAS”)
AND (“GESTÃO ESCOLAR” OR “GESTÃO DEMOCRÁTICA”). Após a utilização de filtros
específicos e de um espaço temporal dos últimos dez anos (2009-2019), ainda foi preciso
elaborar alguns critérios de refinamento, sendo: a) consideráveis; b) não consideráveis; para
identificar trabalhos na área da Gestão Educacional que contemplem (ou não) a Ação
Comunicativa ou o consenso em Jürgen Habermas. E como resultado desta triagem, temos as
seguintes teses e dissertações: Bianchini (2011), Caires (2010), Pinheiro (2010 e 2017), Gomes
(2013) e Góes (2019). Esses estudos serviram como referências para compreender um pouco
sobre o que se discutia no âmbito acadêmico sobre os aspectos que fundam a gestão escolar
democrática e dos pressupostos habermasianos.

Palavras-chave: Gestão escolar democrática; Jürgen Habermas; Consenso.

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.123-139, jul./dez. 2021


ADRIELLY BENIGNO DE MOURA | NAYARA SOARES DE OLIVEIRA |
RAÍSSA LIMA ONOFRE

HABERMASIAN CONSENSUS AND SCHOOL MANAGEMENT:


OVERVIEW OF ACADEMIC PRODUCTIONS (2009-2019)
ABSTRACT
This article brings an excerpt from the dissertation entitled “Consensus in school management:
contributions to democratic exercise” text authored by Moura (2021), under the guidance of
Professor Joaquim Gonçalves Barbosa, whose main objective was to reflect on how the
consensus, from the perspective of Jürgen Habermas, contributes to the exercise of democratic
management, taking as a context the decision-making process. The investigation was carried
out in partnership with the management team - made up of principal, vice-principal,
pedagogical coordinator, and financial coordinator - having as empirical field a High School in
Full Time of the State Network located in the urban region of Mossoró-RN. The methodology
used in this study focused on the qualitative perspective, using three methodological resources.
In this study, we will present the result of the bibliographic mapping carried out in the journals
portals of the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) and the Portal of
Periodicals of the Coordination of Superior Level Staff Improvement (CAPES). In this search,
the following Boolean descriptors and resources were used: (“CONSENSO” OR “HABERMAS”)
AND (“SCHOOL MANAGEMENT” OR “DEMOCRATIC MANAGEMENT”). After using
specific filters and a time frame of the last ten years (2009-2019), it was still necessary to
elaborate some refinement criteria, which are: a) considerable; b) not considerable; to identify
works in the area of Educational Management that contemplate (or not) the Communicative
Action or the consensus in Jürgen Habermas.And as a result of this screening, we have the
following theses and dissertations: Bianchini (2011), Caires (2010), Pinheiro (2010 and 2017),
Gomes (2013), and Góes (2019). These studies served as references to understand a little about
what was being discussed in the academic field about the aspects that underlie democratic
school management and the Habermasian assumptions.

Keywords: Democratic school management; Jürgen Habermas; Consensus.

1 INTRODUÇÃO

A globalização trouxe à tona as idealizações capitalistas que foram ganhando


espaço de uma maneira exponencial. Com isso, as relações de consumo e de poder
foram sendo remodeladas. A partir desse cenário o filósofo e sociólogo alemão Jürgen
Habermas, nascido no ano de 1929, contribuiu de forma exemplar para as idealizações
da teoria crítica, e trouxe inquietações a respeito das relações entre poder e dinheiro,
que pôde trazer contribuições para um novo olhar relacionado ao pensamento racional
(MOURA, 2021).
Paiva e Carneiro (2021, p.224), defendem que embora Jürgen Habermas não ter
sido um pensador que se voltou para o campo educacional, o legado que ele aqui deixou
“perpassa a moral, a ética e o direito como uma alternativa que valoriza as ações

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.123-139, jul./dez. 2021 124


ADRIELLY BENIGNO DE MOURA | NAYARA SOARES DE OLIVEIRA |
RAÍSSA LIMA ONOFRE

intersubjetivas que envolvem as relações humanas, superando as ideias de uma


racionalidade técnica/estratégica”.
A partir do contexto apresentado, este artigo traz um recorte da dissertação
“Consenso na gestão escolar: contribuições para o exercício democrático”, texto de
autoria de Moura (2021), sob a orientação do professor Joaquim Gonçalves Barbosa1,
vinculada à Linha de Pesquisa Políticas e Gestão da Educação do Programa de Pós-
graduação em Educação POSEDUC/UERN, que teve como objetivo principal refletir
acerca de que maneira o consenso, na perspectiva de Jürgen Habermas, contribui para
o exercício da gestão democrática, assumindo como contexto o processo de tomada de
decisão. Esta investigação contou como colaboradores a equipe gestora de uma Escola
de Ensino Médio em Tempo Integral da Rede Estadual localizada na região urbana da
Cidade de Mossoró-RN, composta por diretor, vice-diretor, coordenador pedagógico e
coordenador financeiro.
Em relação à metodologia, centrava-se na perspectiva qualitativa, utilizando
três recursos metodológicos, no entanto, nesta proposta apresentaremos o resultado
do mapeamento bibliográfico realizado nos portais de periódicos da Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e do Portal de Periódicos da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nesta busca foram
utilizados os seguintes descritores e recursos booleanos: (“CONSENSO” OR
“HABERMAS”) AND (“GESTÃO ESCOLAR” OR “GESTÃO DEMOCRÁTICA”). Após a
utilização de filtros específicos e de um espaço temporal dos últimos dez anos (2009-
2019), ainda foi preciso elaborar alguns critérios de refinamento, sendo: a)
consideráveis; b) não consideráveis; para identificar trabalhos na área da Gestão
Educacional que contemplem (ou não) a Ação Comunicativa ou o consenso em Jürgen
Habermas. Neste processo foi preciso estar atento a algumas nuances, para não perder
o foco no objeto de estudo, e selecionar referências que corroborem seu construto
investigativo.
Consideramos esta fase como muito importante para a construção da
dissertação já mencionada, pois, como comenta Ferreira (2002), as pesquisas dessa
natureza têm em comum o desafio de mapear e de discutir o que se tem produzido
sobre um determinado tema. Sendo assim, como resultado desta triagem, temos as

1 Doutor emEducação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense; Graduado em Pedagogia e Filosofia pela
Faculdade Ciências e Letras de Lorena. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4049058992411561

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.123-139, jul./dez. 2021 125


ADRIELLY BENIGNO DE MOURA | NAYARA SOARES DE OLIVEIRA |
RAÍSSA LIMA ONOFRE

seguintes teses e dissertações: Bianchini (2011), Caires (2010), Pinheiro (2010 e 2017),
Gomes (2013) e Góes (2019). Esses estudos serviram como referências para
compreender um pouco sobre o que se discutia no âmbito acadêmico sobre os aspectos
que fundam a gestão escolar democrática e dos pressupostos habermasianos.
Habermas (1997) defende que ação comunicativa é uma interação entre os
sujeitos da sociedade, permitidos a partir de atos de comunicação por meio de uma
interação linguística, atendendo a coordenação das ações e gerando assim uma ação
comunicativa. Na teoria habermasiana (1999), a argumentação tem a possibilidade de
formar o sujeito e objetiva o consenso, considerando a intersubjetividade, que é própria
a cada indivíduo. Destaca-se que a Teoria da Ação Comunicativa não trata
especificamente da temática gestão escolar, mas traz elementos que podem ser
refletidos para entender as relações do contexto atual.
O tema da gestão escolar democrática tem sido o enfoque de muitos estudos
atualmente. Isto ocorre pela mudança de paradigma entre os conceitos de “gestão” e
“administração”, assim como pela consolidação de seus dispositivos legais.
Consideramos, antes de analisar teoricamente os conceitos, compreender literalmente
o significado da palavra “gestão” no Dicionário Aurélio, que remete à “administração”;
ato de gerir”; gerência”. Por sua vez, “administração” significa “ação de administrar;
gestão de negócios públicos ou particulares; conjunto de princípios, normas e funções
que têm, por fim, ordenar e estruturar; funcionamento de uma organização (empresa,
órgão público etc); função de administrador; gestão; gerência”.
Por fim, destacamos que a pesquisa articula com a temática do I Simpósio
Internacional Jürgen Habermas, especificamente com a Temática Habermas e a
Educação. Isto, pois, além de adentrar em conceitos teóricos pertinentes ao Eixo
escolhido, integra os estudos e pesquisas da comunidade científica nacional e
internacional que investigam o pensamento habermasiano em meio a um panorama
pandêmico.
A Covid-19 (Coronavírus) perpassa um problema de saúde pública, atingindo também
outros campos como o econômico, cultural e, aqui especificamente, a educação. A investigação
em questão, diante desse novo cenário que passamos, teve que se adequar à restrição de
pesquisas presenciais devido ao isolamento social e reinventar estratégias para atingir o
objetivo principal, qual seja: refletir acerca de que maneira o consenso, sob a perspectiva
de Jürgen Habermas, contribui para o exercício da gestão democrática, tendo como
contexto o processo de tomada de decisão.

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Nesse viés, o artigo tem o objetivo de realizar o recorte anteriormente


referenciado e ainda discutir a importância do mapeamento realizado nas bases da
CAPES e da BDTD, apresentando um panorama de produções acadêmicas de teses e
dissertações publicadas entre os anos de 2009 e 2019, a partir dos pressupostos
habermasiamos.

2 MAPEAMENTO NO PORTAL DE TESES E DISSERTAÇÕES DA CAPES

A CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,


importante fundação do Ministério da Educação e referência na área, foi acessada no
dia dezesseis de junho de 2019, no Portal de Teses e Dissertações, onde foi realizada a
busca “por assunto” com os descritores e operadores booleanos: (“CONSENSO” OR
“HABERMAS”) AND (“GESTÃO ESCOLAR” OR “GESTÃO DEMOCRÁTICA”). Essa
primeira etapa retornou duzentos e trinta e um (231) trabalhos, que para efeito de
refinamento, foi filtrada as produções consideradas entre os anos de 2009 e 2019 e a
busca por trabalhos apenas na área da Educação, resultando em um quantitativo de
treze (13) trabalhos, os quais são onze (11) dissertações e duas (02) teses.
O referido portal da Capes apresentou inconsistência com relação a leitura dos
trabalhos, pois as produções não estavam disponibilizadas na página e para lê-los, foi
necessário buscá-los com a ajuda do Google2. A explicação para esse contratempo,
possivelmente está em razão do fato dos trabalhos serem anteriores à plataforma
Sucupira3.
Todavia, analisando os resultados, foi possível perceber que as publicações estão
no quadriênio 2009-2012, com uma maior aproximação nos anos de 2009 e 2010,
conforme o Gráfico 1.

2 O Google surgiu no ano de 1998 como uma empresa privada que tinha a missão de organizar a
informação mundial e torná-la universalmente acessível e útil.
3 Plataforma Sucupira é uma ferramenta para coletar informações, realizar análises e avaliações e ser a

base de referência do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG). Disponibiliza em tempo real e com
muito mais transparência as informações, os processos e os procedimentos que a CAPES realiza no
SNPG para toda a comunidade acadêmica. A escolha do nome é uma homenagem ao professor Newton
Sucupira, autor do Parecer n. 977, de 1965. O documento conceituou, formatou e institucionalizou a pós-
graduação brasileira nos moldes atuais.

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Gráfico 1 – Quantidade de trabalhos publicados por ano encontrados no Portal


da CAPES

6
5
4
3
2
1
0
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: MOURA (2021).

Com esse cenário, há uma concentração de pelo menos cinco (5) publicações no
ano de 2019, referentes aos seguintes temas: Aprendizagem dialógica, Aquisição da
Língua Materna, Economia Solidária e Avaliação no Ensino Superior, onde pelo menos
quatro (04) eram dissertações e uma (01), tese. Ademais, no ano de 2010, observe que
é ano que tem o maior número de trabalhos publicados (06), todas provenientes de
formação de Mestrado e que relacionavam-se com os seguintes temas: PROEJA4,
Avaliação Institucional, Diversidade Cultural e Comunidades de Aprendizagem (CA).
No entanto, nos anos de 2011 e de 2012 apenas uma (01) publicação foi observada e se
tratava de Gestão Escolar Democrática e Racionalidade/Racionalização, nessa ordem.
A Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), tem um número significativo
nessas produções, representando pelo 69% (sessenta e nove por cento) dos trabalhos
encontradas no portal da CAPES, como mostra o gráfico 2.

4Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de


Educação de Jovens e Adultos.

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Gráfico 2 – Quantidade de trabalhos publicados por instituição encontrados no


Portal da CAPES

PUC-GO

UFSC

ESTÁCIO

UFG-GO

UFSCAR

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Fonte: MOURA, 2021.

Tem-se, portanto, as seguintes considerações: nove (09) trabalhos da UFSCAR


compreendem os anos de 2009, 2010 e 2011, que são pelo menos oito (08) dissertações
e uma (01) tese, versando sobre assuntos como a aquisição da Língua Materna,
Participação, Gestão Escolar Democrática e Comunidades de Aprendizagem (CA).
Além disso, foi possível observar também que o tema Comunidades de Aprendizagem
(CA) é preponderante e que poderá servir para uma futura categorização dessas
publicações.
Assim como na busca da BDTD (mais a frente), foi realizada uma triagem que
em um primeiro momento foi feita a leitura dos títulos, resumos e palavras-chaves, que
pôde delimitar os estudos que estavam mais próximos ao objeto estudado. Com isso,
foi preciso elencar as produções em duas categorias: “Consideráveis” e “Não
consideráveis”. Esse processo foi realizado com a intenção de escolher as produções a
serem analisadas, a partir do que Bardin (2016) defende, quando observa que quando
os elementos são colocados em categorias, torna-se viável a investigação para saber o
que é comum entre as partes, ficando assim organizados:

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Quadro – 01 – Trabalhos selecionados na CAPES

TIPO AUTOR / ANO TÍTULO


DISSERTAÇÃO BIANCHINI, 2011 Gestão democrática da escola e a
perspectiva da aprendizagem dialógica.

DISSERTAÇÃO CAIRES, 2010 A participação da comunidade escolar


em uma escola transformada em
comunidades de
aprendizagem.

DISSERTAÇÃO PINHEIRO, 2010 Caracterização e análise da participação


e dos conflitos em uma escola
transformada em comunidades de
aprendizagem.

Fonte: MOURA (2021).

A dissertação de Bianchini (2011) tem o título “Gestão democrática da escola e


a perspectiva da aprendizagem dialógica”, publicada em 2011 e faz um levantamento
bibliográfico de publicações em periódicos de Qualis A1, A2, B1 e B2, relacionando
temáticas referentes à gestão democrática escolar na literatura acadêmica vigente da
época. As principais bases teóricas do trabalho é Ramón Flecha, que conceitua
Aprendizagem Dialógica; Jürgen Habermas, com a Teoria da Ação Comunicativa
(TAC); e Paulo Freire, com a Dialogicidade.
A dissertação de Caires (2010), defendida em seu próprio Mestrado em
educação e intitulada “A participação da comunidade escolar em uma escola
transformadora em comunidades de aprendizagem”, é embasada em um estudo
empírico e teve como objetivo fazer uma análise a respeito do consenso na tomada de
decisão, assim como participação da comunidade escolar na rotina da instituição que
foi transformada em Comunidade de Aprendizagem. O estudo é de caráter quanti-quali
que teve como instrumentos um questionário e entrevista em profundidade. Para
construção da teoria a autora utilizou conceito de dialogicidade, de Paulo Freire; assim
como também a Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas.
A dissertação de Pinheiro (2010) objetivou compreender quais os impactos que
as Comunidades de Aprendizagem refletem em uma comunidade escolar, frente aos
conflitos que a instituição escolar enfrenta e teve como título a “Caracterização e
análise da participação e dos conflitos em uma escola transformadora em comunidades
de aprendizagem”. A metodologia comunicativa crítica para a construção da referência
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foi possibilitada a partir dos conceitos abordados na teoria habermasiana e na teoria


dialógica de Paulo Freire. Além disso, utilizou entrevistas a fim de entender o processo
de tomada de decisão na instituição de ensino. Os dados encontrados foram discutidos
em conjunto com os sujeitos da pesquisa, o que configura que a análise dos dados foi
realizada a partir da metodologia comunicativa crítica.

3 BUSCA NA BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E


DISSERTAÇÕES (BDTD)

O “Estado de Conhecimento”, advindo do percurso metodológico da dissertação


anteriormente citada, que também foi feito na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações – BDTD, foi realizado para acessar informações pertinentes relacionadas
com o objeto de estudo. Portanto, o acesso à BDTD foi realizado no dia vinte e um de
junho de 2019 (21/06/2019), utilizando-se, para tanto, os seguintes descritores de
busca: (“CONSENSO” OR “HABERMAS”) AND (“GESTÃO ESCOLAR” OR “GESTÃO
DEMOCRÁTICA”). Sem filtros (em todos os campos), inicialmente, foi encontrado
trinta e nove (39) produções, sendo vinte e quatro (24) dissertações e quinze (15) teses.
No intuito de delimitar as buscas, foi realizada uma filtragem das publicações
compreendidas entre os anos de 2009 e 2019, que resultou em vinte e sete (27)
trabalhos, dos quais quinze (15) eram dissertações e doze (12) teses. No entanto, se
fosse feita a opção de buscar por “área de conhecimento” “Ciências Humanas:
Educação”, restariam apenas quatro (04) produções, o que restringiria cada vez mais
a busca por estudos que enriquecessem a pesquisa.
Nesse contexto, foi decidido então refinar a busca para trabalhos escritos apenas
em Língua Portuguesa, o que resultou na quantidade de vinte e quatro (24)
publicações, sendo dezesseis (16) dissertações e oito (08) teses.
Dessa forma, os trabalhos foram elencados por ano de publicação, conforme o
Gráfico 3:

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Gráfico 3 – Quantidade de trabalhos publicados por ano


encontrados na BDTD

0
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: MOURA, 2021.

Os anos que apresentaram maior percentual de publicações foram 2011, 2016 e


2018, com quatro (04) publicações cada, as quais englobavam temas relacionados a
área jurídica, políticas públicas na área social, militarização da Educação, Controle
Social, Gestão democrática e Democracia dialógica. Foi considerado pertinente
organizar os trabalhos por instituição, levando em consideração que UFSCAR tem um
representativo número de publicações. Veja o próximo gráfico:

Gráfico 4 – Quantidade de trabalhos publicados por instituição encontrados no Portal


daBDTD

UNESP
UNB
UFSCAR
UFSC
UFRGS
UFMG
UFBA
UNISINOS
UCB
PUC-GO
METODIST
MACKENZIE
FIOCRUZ
FGU
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5

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Fonte: MOURA, 2021.

A partir disso, é válido ressaltar que a UFSCAR contempla o maior número de


publicações, compreendendo cerca de 20% (vinte por cento) dos trabalhos filtrados no
Portal da BDTD, com temas relacionados a Participação, Comunidades de
Aprendizagem (CA), Gestão Escolar Democrática e Gestão Participativa.
Em virtude da quantidade de trabalhos encontrados, foi necessário fazer uma
triagem a partir da leitura dos títulos, resumos e palavras-chaves, na intenção de
explorar os que se aproximavam mais do objeto de estudo. Para isso, foi necessário
elencá-los em categorias “Consideráveis” e “Não consideráveis”, considerando a
facilidade para o processo de escolha das produções a serem analisadas. Veja o quadro
a seguir:

Quadro – 02 – Trabalhos selecionados na BDTD

TIPO AUTOR / ANO TÍTULO


TESE PINHEIRO, 2017 Democracia deliberativa em
Habermas: abordagem do
tema no Brasil (2000-2015) e
contribuições para a
educação.
DISSERTAÇÃO GOMES, 2013 Entre autoritarismo e diálogo: a
democracia como processo na gestão
escolar.

DISSERTAÇÃO GOÉS, 2019 Projeto comunidades de aprendizagem:


a experiência
sobre o modelo de Gestão Participativa
em quatro escolas municipais de São
João do Rio
Preto/SP.
Fonte: MOURA (2021).

O trabalho de Pinheiro (2017) é uma tese intitulada de “Democracia deliberativa


em Habermas: abordagem do tema no Brasil (2000-2015) e contribuições para a
educação”, tratando-se de uma pesquisa bibliográfica realizada no portal de periódicos
da CAPES e na base de dados SciELO5 sobre quais estudos desenvolvidos no Brasil

5A SciELO – Scientific Electronic Library Online – é uma base de dados de uma biblioteca eletrônica
que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros e resultante de um projeto de
pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em parceria com o

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tratam da proposição habermasiana e quais as contribuições dessa teoria para a área


educacional, sobretudo, para a gestão escolar democrática.
O estudo é feito a partir de artigos oriundos de nove diferentes áreas de
conhecimento, que aponta os principais aspectos presentes nos textos, os temas que
são tratados com um número significativo de vezes e ainda aqueles que são
emergentes. A autora da tese obeserva as discussões em andamento nas demais áreas
do conhecimento que podem contribuir ou colaborar com os debates da área da
educação. Além disso, dialoga sobre o sistema e o mundo da vida, o que nos oferece
importante suporte para o diagnóstico dos problemas enfrentados pela educação e
para a compreensão da relevância do estabelecimento de processos discursivos na
escola, visando à implementação da democracia em seus espaços, à reversão do
processo de colonização do mundo da vida e à formação cidadã.
O trabalho de Gomes (2013), é uma investigação “Entre autoritarismo e diálogo:
a democracia como processo na gestão escolar” no município de Rio Claro - São Paulo,
que tem um percurso metodológico a partir de entrevistas semiestruturadas com dez
gestores escolares. Além disso, também é feita uma análise das relações entre escolas
públicas e democracia, mediada pela gestão democrática, a partir da percepção dos
gestores, sendo realizados com foco nos seguintes questionamentos:

Quadro – 03 – Questionamentos para basear as relações escola pública e


democracia.

Que medida os(as) gestores(as) entrevistados(as) criaram práticas


democráticas na gestão escolar?

Em quais espaços?

De que forma essas práticas eram consideradas democráticas e como


elas se fortaleciam?

Fonte: Baseado em Gomes (2013).

Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME). A partir de 2002,


o Projeto conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Biblioteca Virtual.

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A tese sustenta a ideia de que o desenvolvimento democrático é permitido em


uma sociedade que efetiva espaços participativos para a tomada de decisões. Além
disso, no referencial teórico, é explanado as relações que caracterizam a formação do
Estado e da política brasileira, a partir da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas.
A dissertação de Goés (2019), faz a análise do papel da gestão escolar em quatro
municípios de São João do Rio Preto, intitulada por “Projeto comunidades de
aprendizagem: a experiência sobre o modelo de gestão participativa em quatro escolas
municipais de São João do Rio Preto/SP”. O estudo teve como objetivo levantar uma
discussão sobre a medida que as propostas apresentadas na execução do projeto
Comunidades de Aprendizagem (CA), contribuíram com o processo de gestão
democráticas naquelas quatro escolas. O projeto de implantação foi baseado na Ação
Comunicativa de Jurgen Habermas e diálogos de Paulo Freire, assim como também
outras figuras importantes da pscologia, sociologia e perdagogia; todos sustentados em
observar a participação da comunidade escolar.
No primeiro momento, o estudo é iniciado com o levantamento bibliográgico
acerca da gestão democrática; o que leva para um segundo momento em que há uma
inspeção de documentos oficiais que regem as normas específicas para a gestão
democrática na rede de escolas públicas, assim como também de outros documentos
que contém registros de experiências vivenciadas no acompanhamento da execução do
projeto Comunidades de Aprendizagem nas quatro escolas. O estudo, portanto,
observou que o desenvolvimento do projeto foi de dificil aceitação por parte dos
gestores, pois o envolvimento e comprometimento com as ações foram baixas.

4 METODOLOGIA

Para toda pesquisa há um delineamento a ser feito para qual os pesquisadores


devem recorrer no percurso metodológico. Com a intenção de atender aos objetivos
que foram previamente definidos, é importante fundamentar escolhas para que
possamos chegamos a uma ou mais determinadas respostas. Nesse sentido, é válido
ressaltar a escolha eleita para a escrita deste recorte de dissertação, especificamente no
que diz respeito ao “Estado de Conhecimento” que a dissertação construiu em todo seu
segundo capítulo.
Na construção dos resultados do mapeamento, foi utilizado a pesquisa de
Barbosa e Silva (2009), que foi realizado um levantamento das temáticas pertinentes

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à Linha de Pesquisa em Gestão e Políticas Educacionais, no Programa de Mestrado em


Educação da Universidade Metodista de São Paulo, que compreenderam os anos de
1999 à 2008, traçando uma relação entre teorias nacionais e internacionais que
serviram de suporte teórico para a pesquisa.
Dessa forma, entende-se, portanto, a importância da abordagem qualitativa,
considerando que ela tem a intenção de interpretar teorias do conhecimento, e
“interpretações das realidades sociais” (BAUER E GASKELL, 2002, p. 23). Com isso, é
válido também ressaltar Gil (2002), pois o autor afirma que a pesquisa qualitativa
depende das informações coletadas e de muitos fatores que a norteiam no campo da
investigação.
Seguindo assim, a escolha de tipo de pesquisa para esse artigo foi a pesquisa
bibliográfica, já que em virtude do recorte, as pesquisadoras entraram em contato com
obras e documentos que tratam do objeto de estudo pesquisado. Além disso, a fonte de
pesquisa que foi utilizada para a pesquisa trata-se de domínio científico (OLIVEIRA,
2007). Além do mais, a pesquisa bibliográfica toma como exemplo “documentos
impressos, como livros, artigos, teses etc” (SEVERINO, 2007, p. 122).
Nesse sentido, foi iniciado uma leitura minuciosa de toda a dissertação de
Moura (2021), que versa sobre o “Consenso na gestão escolar: contribuições para o
exercício democrático” a qual foi utilizada como recorte para este artigo e elegido o
tópico Gestão Democrática e Consenso na produção Acadêmica, no Capítulo II, e que
pôde ser reescrita, tomando como base as orientações do Simpósio e também as
informações relevantes do capítulo utilizado para o determinado recorte.
Essa escolha foi pensada e sustentada nas ideias de Moura (2021, p. 28) quando
observa que “realizar um ‘Estado do Conhecimento’ de teses e dissertações é de
extrema relevância, uma vez que o conhecimento nelas gerado nem sempre alcança
todos os que se interessam pela temática”. Assim, foi trazido novas possibilidades de
interpretações e olhares diante do objeto ao qual se desejou investigar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão a respeito da tomada de decisões dialogadas no contexto da gestão


escolar é permitida a partir do pensamento de uma gestão participativa e desenvolvida
com a teoria do consenso e da ação comunicativa de Jurge Habermas. O contexto pelo
qual o mundo perpassa atualmente é de constantes conflitos e relações de poder
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centradas no autoritarismo e na centralização de poder. Sabemos, nesse sentido, que


boa parte das gestões escolares estão baseadas na centralização de poder e de fala,
dificultando a participação da comunidade na comunicação escolar. Isso acontece
quando um gestor não toma decisões em coletivo e não abre pautas de reuniões
participativas em que todos possam colaborar, deixando de fora os pressupostos
defendidos pela gestão democrática.
Nesse viés, pensar que nas práticas de gestão escolar pode haver decisões
dialogadas, encaradas em um contexto participativo, nos faz repensar posturas que até
então eram consideradas comuns e normais. Dessa forma, foi de extrema importância
refletir acerca dos processos democráticos que envolvem uma gestão escolar, lugar que
pode ser utilizado como agente de mudança para as demais vias da sociedade.
A construção de pensamento relatada anteriormente foi possível a partir do
mapeamento bibliográfico que foi realizado nos portais de Teses e Dissertações da
CAPES e da BDTD, que pôde abrir uma discussão relacionada com o consenso de
Habermas na gestão escolar democratizada. No levantamento observado na
Dissertação de Moura (2021), base para esse artigo, compreendemos publicações entre
os anos de 2009 e 2019, com produções relacionadas à Educação, ao Consenso, à
Gestão Escolar e Gestão Democrática. As seis produções utilizadas para discussão
contribuíram para a reconfiguração de um novo olhar para a Teoria da Ação
Comunicativa habermasiana, mais voltado para o campo educacional. Ademais, pelo
número significativo de produções feitas por discentes da UFSCAR à luz dessa teoria,
foi possível enfatizar a importância que esta instituição de ensino superior tem perante
os programas de pós-graduação stricto-sensu, e revalidar a importância no cenário
nacional de pesquisas.
A realização de um “Estado do Conhecimento” de teses e dissertações é sempre
muito importante, pois a partir do conhecimento que é gerado nessa busca, alcança um
público alvo interessado na temática estudada. Assim, foi possível apresentar o
panorama de produções importantes, organizando as teorias, revelando metodologias,
assim como também os achados mais importantes no decorrer das leituras.
Nesse sentido, é válido ainda ressaltar que a apresentação do mapeamento
realizado nos portais da CAPES e da BDTD foi feita com intuito de enfatizar o que tem
sido discutido com relação à teoria habermasiana e nas gestões escolares. Observar
questões assim nos faz observar que o diálogo tem sido um desafio constante não
apenas nas escolas, mas na grande maioria das casas, com familiares que têm uma

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imensa dificuldade em desenvolver um diálogo aberto. No entanto, como importante


cenário para o construto do artigo, o pensamento é na equipe de gestão escolar, com a
intenção de desenvolver ciência no que se diz respeito a ampliação da capacidade de
ação comunicativa seguindo os pressupostos habermasianos.
Infere-se assim, que o recorte do mapeamento das produções reconfigura um
novo olhar perante os profissionais da educação, que ao entrar em contato com a teoria
da ação comunicativa habermasiana podem ampliar o olhar da equipe gestora,
lançando uma nova postura nas tomadas de decisões e possibilitando a
intersubjetividade individual, defendida pelo filósofo Jurge Habermas.
Diante do contexto apresentado, fica a observação da importância que as
instituições educacionais tem, perante a construção de uma sociedade que se
comunique livremente, baseada no diálogo e na coparticipação. Habermas deixou
teorias que importarão sempre em questões que regem a educação e a gestão
democrática nas instituições de ensino. É certo que a teoria habermasiana não mudará
a sociedade, mas por outro lado, ela é um agente impulsionador de mudanças. Afinal,
assim como pensava Paulo Freire, o diálogo transforma e humaniza a todos.

REFERÊNCIAS

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política e pensamento plural: a linha de pesquisa gestão e políticas educacionais no
Mestrado em Educação/Umesp - 10 anos! Educação & Linguagem, v.12, n.20, p.
253-272, jul.-dez. 2009
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico Aurélio Século
XXI. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática, 1999.

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FERREIRA, N. S. A. As pesquisas denominadas “Estado da Arte”. Educação &


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G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.123-139, jul./dez. 2021 139


© 2021 UFPB

Editores
Alba Lígia de Almeida Silva - Professora Adjunta
(UFPB)
Guilherme Ataíde Dias – Professor Titular (UFPB)

Capa
Marcílio Herculano da Costa (UFPB)

Editor de Design
Marcílio Herculano da Costa (UFPB)

Leitora de Prova
Profa. Alba Ligia de Almeida Silva (UFPB)

Normalização
Marcílio Herculano da Costa (UFPB)
Alba Ligia de Almeida Silva (UFPB)

[email protected]

Gestão & Aprendizagem. – Vol. 10, n. 2 (jul./dez. 2021)- . João


Pessoa - Programa de Pós-Graduação em Organizações
Aprendentes (PPGOA/UFPB, 2013- periodicidade
semestral)
Revista eletrônica PPGOA/UFPB - Semestral - V.10, n.2, 2021
Editores: Alba Ligia e Almeida Silva; Guilherme Ataíde Dias.

ISSN 2317-9082

1. Educação. 2. Organizações Aprendentes I. Universidade Federal da


Paraíba. II.Programa de Pós-Graduação em Organizações Aprendentes. III.
Título.
CDU 37

CONSELHO CONSULTIVO/AVALIADORES

Adriana Valéria Santos Diniz, Universidade Julio Afonso de Sá Pinho Neto, UFPB, Brasil
Federal da Paraiba, Brasil Lucilene Klênia Rodrigues Bandeira, Universidade
André Gustavo Carvalho Machado, Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Federal da Paraíba, Brasil Maria Salete Barboza Farias, Universidade
Carlo Gabriel Porto Bellini, Universidade Federal Federal da Paraiba, Brasil
da Paraíba, Brasil Mauricio Miguel Isoni, Brasil
Edna Gusmão de Góes Brennand, Universidade Pedro Jácome de Moura Júnior, UFPB, Brasi
Federal da Paraíba, Brasil Rosilene Paiva Marinho de Sousa, Universidade
Profa Dra Joana Coeli Ribeiro Garcia, Federal do Oeste da Bahia, Brasil
Universidade Federal da Paraiba, Brasil Wagner Junqueira de Araújo, Universidade
Emília Maria Trindade Prestes, Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Federal da Paraíba, Brasil Solange Machado de Souza (UFES)
Welder Antonio Silva (UFMG)

G&A, João Pessoa, v.10, n.2, p.140, jul./dez. 2021


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