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A Pregação Experiencial
A pregação experiencial é aplicável. Aplica o texto a cada aspecto da vida dos
ouvintes, promovendo a religião que é não somente uma “forma de piedade”, mas também o “poder” de Deus (2 Tm 3:5). Robert Burns (1789-1869) disse que a religião experiencial é o “cristianismo introduzido no coração e nos negócios dos homens”. Ele escreveu: “O cristianismo deve não somente ser conhecido, entendido e crido, mas também sentido, desfrutado e aplicado praticamente”. Paulo nunca se contentou em apenas proclamar a verdade. Por isso, ele pôde escrever aos tessalonicenses que seu “evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção” (1 Ts 1:5). Usando a linguagem de Baxter, Paulo queria fixar a verdade no coração e mente de homens e mulheres. Baxter escreveu: “Ficamos tristes em ouvir a excelente doutrina que alguns pastores têm em mãos, enquanto deixam-na morrer por falta de aplicação direta [perscrutadora] e vigorosa [revigorante]”. Seria bom se, em nossos dias, pudesse ser dito sobre mais pregações de pastores o que foi dito sobre a pregação de Jonathan Edwards (1703-1758): toda a sua doutrina era aplicação, e toda a sua aplicação era doutrina. A aplicação é a maior ênfase da pregação experiencial. Os puritanos e os reformadores gastavam mais esforço em aplicação do que em discriminação. Muitos pregadores de nossos dias falham nesta área. Foram treinados a serem bons expositores, mas não foram treinados, em sala de aula ou pelo Espírito Santo, a aplicarem a verdade ao coração. Isso é a razão por que, quando você ouve certos pregadores, diz para si mesmo: “Sim, ele consegue manejar muito bem a Palavra de Deus, mas parou exatamente quando eu pensava que estava começando. Não a aplicou a mim. Parece que fui completamente ignorado pela atenção do pregador. O que devo fazer agora com o sermão?” Alguns pregadores dizem: “A aplicação é uma obra do Espírito Santo e não minha”. Mas esta não é a maneira como a Bíblia lida com a verdade. As pessoas precisam ser ajudadas na assimilação quando você lhes transmite a Palavra de Deus, não somente em sua exposição, mas também em sua aplicação. Precisam de ajuda para saber o que a verdade significa em relação ao que devem fazer e como devem fazê-lo. Se você ler os sermões de Calvino, ficará admirado com sua atenção constante à aplicação. Considere o seu livro de sermões sobre Deuteronômio. Não ficarei surpreso se entre dez a vinte vezes, por sermão, ele disser: “Ora, isto nos ensina que”, “É assim que devemos lidar com isso”, ou “Esta é a maneira como devemos viver isso”. Charles H. Spurgeon (1834-1892) exagera apenas um pouco quando diz: “Onde a aplicação começa, ali o sermão começa”. Entretanto, os melhores pregadores incluem aplicação em todo o sermão, e não somente quando o concluem. Bridges escreve: O método de aplicação contínua, onde o assunto a admite, tem provavelmente o objetivo de produzir efeito – aplicando cada ponto distintamente e dirigindo-se a classes [ou grupos] separadas no final com exortação, advertência e encorajamento adequados. A Epístola aos Hebreus [ela mesma uma série de sermões] é um modelo completo deste método. Totalmente argumentativa, conectada em seu fluxo de raciocínio e lógica em suas deduções, cada elo sucessivo é interrompido por alguma convicção pessoal e persuasiva, enquanto a continuidade da cadeia é mantida inteira até o fim.
Os pregadores puritanos, que aprenderam dos reformadores, eram mestres na arte
de aplicação. Esta arte é resumida com beleza num capítulo breve intitulado “Da Pregação da Palavra” no Diretório para o Culto Público a Deus, elaborado pelos teólogos calvinistas e puritanos em Westminster. Eles escreveram: “Ele [o pregador] não deve se demorar em doutrina geral, porque esta nunca é totalmente esclarecida e confirmada; antes, ele deve fazer uso especial dela por aplicação a seus ouvintes”. Considerarei o conselho sábio dos teólogos de Westminster em capítulo posterior. Finalmente, precisamos dizer que a pregação aplicável é frequentemente uma pregação de custo elevado. Como tem sido dito muitas vezes, quando João Batista pregou de maneira geral, Herodes o ouviu alegremente. Mas, quando João aplicou sua mensagem de maneira específica (reprovando o relacionamento adúltero de Herodes com a mulher de seu irmão), ele foi decapitado (Mc 6:14-29). Tanto internamente, na própria consciência do pregador, como na consciência de seus ouvintes, uma aplicação franca da verdade de Deus cobrará um preço. Apesar disso, quão necessária é essa pregação! Um dia, todo pregador comparecerá perante o tribunal de Deus para prestar contas de como lidou com a Palavra de Deus no rebanho de ovelhas que lhe foi confiado. Ai dos pregadores que não se esforçaram para aplicar com clareza a Palavra de Deus à alma e à consciência de seus ouvintes! Pregadores, exorto-os a lembrar que não devemos falar diante do povo, mas para o povo. A aplicação é não somente crucial, mas também uma parte essencial da verdadeira pregação e, em muitos aspectos, a principal coisa a ser feita. E aqueles que temem a Deus desejarão que a Palavra de Deus seja administrada de maneira pessoal à sua vida. Como Daniel Webster disse: “Quando eu ouço os ensinos do evangelho, quero que seja uma questão pessoal – uma questão pessoal, uma questão pessoal”.
Bíblica, doutrinária, experiencial e prática
A pregação experiencial ensina que a fé cristã tem de ser experimentada, desfrutada
e vivida por meio do poder salvador do Espírito Santo. Enfatiza o conhecimento da verdade bíblica, que pode nos tornar sábios “para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2 Tm 3:15). Especificamente, essa pregação ensina que Cristo, a Palavra viva (Jo 1:1) e a própria incorporação da verdade, tem de ser conhecido e recebido experiencialmente. Como João 17:3 diz: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. A palavra conheçam, neste versículo, como em outras passagens da Bíblia, não indica mera familiaridade casual, e sim um relacionamento profundo e contínuo. Por exemplo, Gênesis 4:1 usa a palavra conhecer para expressar intimidade conjugal: “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu, e teve a Caim” (ARC). A pregação experiencial enfatiza o conhecimento pessoal e íntimo de Deus em Cristo. A pregação bíblica tem de combinar elementos doutrinários, experienciais e práticos. Este assunto foi discutido por John Newton (1725-1807) e outros ministros evangélicos em uma das reuniões de sua Sociedade Eclética em Londres, em 1798. John Clayton (1754-1843), um ministro inglês independente, levantou a pergunta: “O que devemos entender por pregação doutrinária, experimental e prática?” E ressaltou que a pregação doutrinária tende, por si mesma, a produzir pensadores argumentativos; a pregação experiencial pode enfatizar demais nossos sentimentos interiores e negligenciar a verdade e a ação; e a pregação prática pode se tornar centrada no homem e na justiça própria, menosprezando Cristo e o evangelho. Clayton disse que todos os três componentes devem ter seu lugar na pregação, citando Thomas Bradbury (1677-1759): “A religião é doutrinária na Bíblia; experimental, no coração; e prática, na vida”. John Goode (1738-1790) disse: “Nos membros de nosso rebanho, deve haver visão, sentimento e obediência; e, para produzi-los, todas as três – pregação doutrinária, experimental e prática – devem ser combinadas em sua proporção correta”. Newton declarou a unidade orgânica e vital destas três, dizendo: “A doutrina é o tronco; a experiência, os ramos; a prática, o fruto”. Ele advertiu que, sem a doutrina de Cristo, falamos nada mais do que falam os filósofos pagãos. Thomas Scott (1747-1821) também advertiu que existe uma maneira falsa de lidar com as dimensões da pregação: doutrinas podem não ser verdade bíblica ou podem ser apenas meias verdades, que são realmente mentiras; a experiência pode seguir prescrições humanas ou ser baseada em visões, impressões ou esquemas humanos; e podemos substituir por mera moralidade a obediência evangélica ou capacitada pelo evangelho. Portanto, vemos que a pregação reformada experiencial tem o alvo de juntar as dimensões doutrinária, experiencial e prática como um todo unificado. Embora devamos admitir com humildade que, em nossos sermões, não atingimos frequentemente o tipo de equilíbrio e completude pelos quais nos esforçamos, devemos enfatizar que não podemos negligenciar qualquer aspecto da pregação – doutrinário, experiencial e prático – sem prejudicar os outros, pois cada um deles flui naturalmente dos outros.
Trecho do livro Pregação Reformada, de Joel Beeke.