VIEIRA, Kalyne de Souza - NUNES, Maíra Fernandes Martins. Ciberespaço e Educomunicação

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XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

Ciberespaço e Educomunicação: desafios para o exercício da cidadania1

Kalyne de Souza Vieira2


Maíra Fernandes Martins Nunes3

RESUMO

Este artigo versa sobre participação cívica dos jovens na internet. O objetivo é
compreender a importância do ciberespaço como local para a atuação cidadã de crianças
e adolescentes. Neste sentido, a partir dos referenciais teóricos e pesquisas já existentes
sobre a temática proposta, foram analisados alguns aspectos referentes à utilização que
hoje os jovens fazem do ciberespaço. O artigo traz ainda a relação entre democracia e
comunicação ao longo da história, analisando a importância da educomunicação para a
construção da cidadania. Para contextualizar a temática, foi apresentado o caso da
estudante Isadora Faber, 13 anos, que criou a fanpage Diário de Classe para denunciar a
precariedade da Escola Estadual Maria Tomázia Coelho.

PALAVRAS-CHAVE
Ciberespaço; Educomunicação; Democracia; Cidadania; Criança e Adolescente.

Introdução
Este artigo versa sobre participação cívica dos jovens na internet. O objetivo é
compreender a importância do ciberespaço como local para a atuação cidadã de crianças
e adolescentes. Neste sentido, a partir dos referenciais teóricos e pesquisas já existentes
sobre a temática proposta, serão analisados alguns aspectos referentes à utilização que
hoje os jovens fazem do ciberespaço, em seguida será abordada a relação, ao longo da
história, entre democracia e comunicação, analisando-se a importância hoje da
educomunicação para a construção da cidadania.

Compreendendo a mídia como instrumento essencial para o exercício da


democracia, o estudo parte do pressuposto de que é preciso promover a alfabetização
midiática - educomunicação - de jovens e adolescentes para que esse público atue de
maneira participativa e cidadã nos meios de comunicação, especialmente na internet. A
problemática que suscitou o estudo traz à tona a necessidade, no Brasil, de políticas
públicas que promovam a inclusão da educação para mídia. Entre os maiores desafios
enfrentados estão: o reconhecimento da relevância da educomunicação, a formação de

1
Trabalho apresentado no DT07 – Comunicação, Espaço e Cidadania do XV Congresso de Ciências da Comunicação
na Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013.
2
Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB, e-mail: [email protected]
3
Orientadora do trabalho. Professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Campina Grande,
e-mail: [email protected]

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educadores, infraestrutura capaz de atender as ações desenvolvidas e o suporte à


produção midiática. (SOARES, 2011, p.40)

O número cada vez maior de indivíduos conectados torna o ciberespaço um


sistema de comunicação que mais cresceu no mundo em tão pouco tempo. Este cenário
torna urgente a promoção de reflexões sobre o impacto das transformações ocasionadas
por este novo modelo de comunicação pós-massivo para o exercício da cidadania de
crianças e adolescentes4.

Crianças e adolescentes no ciberespaço

A geração de crianças e adolescentes que nasceram imersos na revolução


comunicacional provocada pelas novas ferramentas de comunicação já começa a fazer
parte ativa do ciberespaço. A facilidade de lidar com os instrumentos de comunicação
faz com que estes jovens conquistem cada vez mais espaço neste novo ambiente
midiático. Em outubro de 2012, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)
divulgou uma pesquisa inédita sobre o uso das Tecnologia de Informação e
Comunicação (TICs) entre crianças e adolescente de 9 a 16 anos. O estudo revelou que
cerca de 85% dos jovens acessam a internet com frequência, sendo que 47% quase
todos os dias e 38% uma ou duas vezes por semana. Entre as atividades mais realizadas
diariamente, estão o acesso a redes sociais (53%), troca de mensagens instantâneas
(53%), postagem de mensagem em sites (39%).

A geração Z, como são conhecidas as pessoas que nasceram a partir de meados


da década de 1990, são sujeitos e protagonistas da cibercultura. Para eles, emitir
opiniões a centenas de pessoas de suas redes tornou-se algo tão corriqueiro quanto uma
conversa informal com um colega da escola. Os jovens compartilham seu dia-a-dia,
trocam experiências, enviam mensagens. Aos poucos, alguns deles começam a perceber
que sua voz pode ser ouvida não só pelo seu ciclo de amizade. Algumas falas ganham
força e conferem um poder de penetração inimaginável. Podemos considerar este fato
um dos mais importantes proporcionados pela cibercultura. No ciberespaço, a liberdade
de expressão e de comunicação ganham impulsos nunca antes vivenciados na sociedade
(LEMOS; LÉVY 2010, p.52).

4
Na estrutura de comunicação massiva, o conteúdo é controlado por um polo – veículos de massa – que envia
informações para os receptores. Já o modelo de comunicação pós-massivo permite o surgimento de diversos polos de
emissão – a liberação da emissão. (LEMOS; LÉVY 2010, p.10).

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Todas as pessoas são potencialmente produtores de conteúdo e não apenas


consumidores. E os jovens saem na frente neste quesito. Como nasceram imersos neste
novo contexto, eles não sentem os entraves vivenciados pelas outras gerações, tão
acostumadas a absorver os produtos criados pelas mídias de massa.

As redes sociais possibilitadas pela Internet vêm ganhando


importância na formação de hábitos e na maneira como os jovens
convivem socialmente, construindo conceitos próprios quanto a
formas de aprendizado, podendo, até mesmo, desenvolver senso
crítico em suas relações como o mundo (SOARES, 2011, p.28).

Os jovens publicam fotos, reconfiguram arquivos multimídia, criam laços


afetivos, participam de grupos, enfim, o ciberespaço é uma extensão de suas vidas. O
potencial comunicacional é imenso. É possível vivenciar experiências dos mais variados
níveis, seja criando montagens divertidas ou participando ativamente de campanhas em
prol de uma causa cidadã.

É essa atuação que confere uma participação ativa desse grupo na vida social.
Soares (2011) reforça essa ideia apontando uma pesquisa realizada pela MacArthur
Foundation sobre Juventude Digital. O estudo revelou que, nos Estados Unidos, “os
jovens estão se voltando para as redes on-line não apenas para se divertir, mas também
para participar de várias atividades públicas e desenvolver normas sociais.” (SOARES,
2011, p.28).

Nicholas Negroponte (1995, p.190) acredita que os jovens adquirem


aprendizados importantes durante suas vivências na Internet. O autor lembra que, apesar
de o ensino oferecer significativos aprendizados, boa parte o conhecimento dos jovens é
adquirido através da “exploração, da reinvenção da roda e do descobrir por si próprio”.
E este aprendizado ganhou um grande reforço com o surgimento da microinformática e
da internet. Soares corrobora com esta ideia quando afirma que:

Tudo isso exige que as escolas formem pessoas com capacidade de


aprendizagem e adaptação constantes, com autonomia intelectual e
emocional, com habilidades diversificadas e flexíveis, além de sólido
sentido ético e social. O que urge é, na verdade, garantir ao jovem a
possibilidade de sonhar, não exatamente com um mundo fantástico e
seguro que lhe seja dado pelos adultos, mas com um mundo que ele
mesmo seja capaz de construir, a partir de sua capacidade de se
comunicar (SOARES, 2011, p.53).

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É impossível negar a importância das redes sociais na vida da sociedade. Pais e


professores devem estimular o uso das redes, mas para isso é preciso perceber a
importância dessas ferramentas comunicacionais. É preciso entendê-las para promover
seu uso adequado. É preciso reconhecer que a ampliação das condições de expressão
proporcionada pela cibercultura traz autonomia, autoconfiança e autodeterminação
(SOARES, 2011, p.26), além do aumento da percepção crítica dos jovens. E quando a
escola assume o papel de mediadora dessa participação, esse resultado pode produzir
efeitos ainda mais consistentes na formação desses jovens.

Uma das vantagens de propostas como estas é assegurar não


apenas a expressão comunicativa das novas gerações, mas
também permitir que os jovens conheçam como os meios de
comunicação agem, garantindo o que comumente se denomina
‘educação para os meios’. (SOARES, 2011, p.30)

Preparar crianças e adolescentes para atuarem como agentes comunicativos,


capazes de pensar criticamente, é um caminho para a conquista da cidadania. Quando
jovens utilizam as novas ferramentas de comunicação para expressar suas opiniões, eles
estão se apropriando de seu direito de expressão. Clay Shirky (2011, p.21) acredita que
“as pessoas querem fazer algo para transformar o mundo em um lugar melhor. Ajudam,
quando convidadas a fazê-lo. O acesso a ferramentas baratas e flexíveis remove a
maioria das barreiras para tentar coisas novas”. Comunicar-se é condição prioritária
para o exercício da cidadania. No entanto não basta apenas ter habilidades com as novas
ferramentas, é preciso compreender como são desenvolvidos os processos
comunicativos para assim fazer o uso adequado deste recurso.

A Educomunicação revela a decisão política de grupos


organizados da sociedade, inicialmente no âmbito da educação
não-formal, de preparar o cidadão para assumir sua condição de
agente comunicativo através do reconhecimento e do exercício
compartilhado do direito universal à expressão. Aqui, o que está
em causa é a experiência processual da ação comunicativa e sua
intencionalidade política (SOARES, 2008, p. 47 e 48).

Esse arsenal de possibilidades traz algumas preocupações. Será que esses jovens
tão familiarizados com as novas ferramentas de comunicação estão preparados para
atuar de maneira correta, com segurança e prudência na web? Será que os jovens sabem
como gerenciar os diálogos produzidos neste meio, de modo que impactos negativos de
grande difusão na mídia não repercutam de maneira desastrosa em suas vidas? Os

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jovens sabem utilizar as redes sociais para garantir seus direitos? Como os jovens
exercem a sua cidadania através das redes sociais?

Ampliar o potencial comunicacional dos jovens a partir do uso das redes sociais
pode garantir que esses cidadãos possam atuar de maneira mais crítica e engajada nas
questões sociais. Assim como ocorre em vários países do mundo, o governo brasileiro
reconhece a importância da educação para os meios de comunicação e algumas ações já
são desenvolvidas neste âmbito. Além disso, organizações não-governamentais,
universidades e empresas privadas também atuam na promoção da educomunicação.
Desde 2007, a educomunicação foi legitimada pelo Ministério da Educação, através do
Programa Mais Educação5. Além disso, em 2010, o Ministério da Educação publicou
um documento que apresenta parâmetros curriculares para o ensino médio,
evidenciando a relevância do domínio dos processos e procedimentos comunicativos
para uma participação ativa na vida social.

No entanto, ainda há um longo percurso para a implantação efetiva de ações e


políticas públicas que promovam a participação cidadã de crianças e adolescentes nas
mídias. Para isso, as políticas públicas de educação e comunicação devem ser
articuladas por estratégias educativas que envolvam e responsabilizem as escolas, as
famílias e a sociedade civil (ANDI, 2011). O estímulo à cultura da participação é
requisto fundamental para que a sociedade civil reivindique os direitos garantidos a cada
cidadão.
Políticas públicas voltadas para o engajamento dos cidadãos em questões de
interesse coletivo são imprescindíveis. No entanto, é preciso empenho político para
fortalecer a democracia através da cibercultura. Como bem lembra Castells (2003, p.
129), “a Internet não pode oferecer um conserto tecnológico para a crise na democracia.
Porém tem um papel significativo na nova dinâmica política”.

Democracia, cidadania e comunicação

Como analisar as conquistas da sociedade no tocante aos direitos à cidadania


sem reconhecer a importância da comunicação neste processo? Não obstante a
instauração dos regimes autoritários em diversas nações do ocidente, inclusive no
Brasil, foi o triunfo da forma democrática de governo que marcou o século XX

5
Criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007, o Programa Mais Educação aumenta a oferta educativa nas escolas
públicas por meio de atividades optativas que foram agrupadas em macrocampos como acompanhamento
pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção
da saúde, educomunicação, educação científica e educação econômica. Fonte: portal.mec.gov.br

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(MARQUES, 2004, p.21). No mesmo período, a indústria da comunicação se


estabelece no mundo ocidental.

Da idade clássica a hoje o termo “democracia” foi sempre


empregado para designar umas das formas de governo, ou melhor,
um dos diversos modos com que pode ser exercício o poder
político. Especificamente, designa a forma de governo na qual o
poder político é exercido pelo povo. (BOBBIO, 1987, p. 135).

A comunicação e a democracia trilham caminhos juntas desde a Grécia Antiga


até os dias atuais. Se na cidade-Estado de Antenas, por volta do século V a.C., um fator
determinante para o estabelecimento da cidadania e da democracia antiga foi a criação
do alfabeto (LEMOS; LÉVY 2010, p.57), na sociedade moderna, as novas ferramentas
de comunicação foram imprescindíveis.

A ágora grega dá lugar à esfera pública burguesa. Esta última, no século XVIII,
era formada por indivíduos que se reuniam privativamente para discutir as normas da
sociedade civil e da condução do estado. Para Habermas (apud THOMPSON, 2011,
p.104), o surgimento da imprensa periódica foi essencial para o estabelecimento da
esfera pública burguesa. Isto porque os jornais foram utilizados para debater questões
críticas sobre sociedade e a política da época. Apesar de autores questionarem as
afirmações de Habermas quanto à Esfera Pública, como o próprio Thompson, eles
reconhecem a importância da imprensa no processo de democratização de países da
Europa.

Há uma força considerável no argumento de que a luta por uma


imprensa independente, capaz de reportar e comentar eventos
com um mínimo de interferência e controles estatais,
desempenhou um papel importante na evolução do estado
constitucional moderno (THOMPSON, 2011, p. 102).

Os anos seguintes foram marcados por extensa expansão da indústria de


comunicação. Os aspectos que mais contribuíram para este crescimento foram: a
transformação das instituições da mídia em interesses comerciais, a globalização da
comunicação e o desenvolvimento das formas de comunicação eletronicamente
mediadas (THOMPSON, 2011, p.110). Novos espaços de circulação de opiniões foram
criados pela mídia. As discussões políticas foram estabelecidas em jornais, rádio,
cinema e televisão, seja quando estes veículos expressavam interesses de governantes
ou quando reforçavam a opinião dos setores privados e da população.

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A comunicação de massa dominava a opinião pública. Neste cenário, a emissão


da informação é controlada pelos veículos de comunicação que direcionam o que deseja
para os receptores. Thompson (2011, p. 53) define a comunicação de massa como “a
produção institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos através da
fixação e transmissão de informação ou conteúdo simbólico.” Este modelo está
profundamente coerente com o período da modernidade que percebe o individuo como
consumidor (LEMOS, 2010, p.62).

As funções pós-massivas da mídia surgem em meados do século XX, com


advento do ciberespaço. A invisível rede de computadores gerou impactos tão
significativos que, aliada ao surgimento da microinformática, estabeleceu uma nova
cultura na sociedade: a cibercultura. Lemos explica que a cibercultura é constituída da
“convergência entre o social e tecnológico, sendo através da inclusão da socialidade na
prática diária da tecnologia que ela adquire seus contornos mais nítidos.” (LEMOS,
2010, p. 98). O autor afirma que o surgimento das novas tecnologias de comunicação
permitiu a convergência de diversas mensagens em o único suporte, o computador.

Essa revolução digital implica, progressivamente, a passagem do


mass media para formas individualizadas de produção difusão e
estoque da informação. Aqui a circulação de informação não
obedece à hierarquia da árvore (um-todos), e sim à multiplicidade
do rizoma (todos-todos) (LEMOS, 2010, p. 68).

Mas não foi apenas o avanço da microinformática que criou este novo cenário.
A cibercultura foi influenciada pela contracultura americana e pela pesquisa militar.
Apesar de possíveis oposições, a cibercultura nasceu com (re)configurações importantes
para o seu estabelecimento. Os investimentos em ciência e tecnologia só foram
viabilizados a partir da Segunda Guerra Mundial, quando a segurança nacional dos
EUA foi “ameaçada” com o programa espacial soviético. (CASTELLS, 2003, p.22).
Instituições governamentais, universidades e centros de pesquisa reuniram esforços para
desenvolver uma tecnologia de ponta capaz de atender às exigências militares. Ao
mesmo tempo, a contracultura americana reivindicava a liberdade individual, o
pensamento independente, a solidariedade e a cooperação. (CASTELLS, 2003, p.26).

Essa cultura estudantil adotou a interconexão de computadores


como um instrumento da livre comunicação, e, no caso de suas
manifestações mais políticas (...), como um instrumento de
libertação, que, junto com o computador pessoal, daria às pessoas

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o poder da informação, que lhes permitiria se libertar dos


governos e corporações. (CASTELLS, 2003, p.26).

A cibercultura e seus princípios – liberação, conexão e reconfiguração –


permitiram a reverberação de vozes na web. Este cenário fomentou o desenvolvimento
de diversos sistemas tecnológicos, bem como de novos usos dessas ferramentas,
produzindo a computação social. Lemos e Lévy (2010, p.10) afirmam que a computação
social produz e compartilha colaborativamente as impressões coletivas em escala
mundial. Isso permite que indivíduos dentro de suas residências, escolas, lan houses
possam atuar ativamente na emissão e recepção de informações. Essa transformação
produz efeitos sobre a democracia, já que amplia as possibilidades de acesso a
informação, de expressão, de conexão e atuação dos indivíduos (LEMOS; LÉVY 2010,
p.10).

A difusão da internet ganha força em meados da década 1990. No Brasil, sua


chegada coincide com os primeiros anos de redemocratização do país. A Constituição
de 1988 garante o direito à liberdade de expressão, pensamento, criação informação. O
contexto era oportuno para que a sociedade brasileira se apropriasse de seus direitos.
Nos anos seguintes, foram implementadas diversas leis complementares, como o
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). A partir do ECA, as crianças e adolescentes
passaram a ser vistos como sujeitos de direitos e que, entre outros pontos, precisam de
educação que garanta o exercício da cidadania. (LEAL, 2009, p. 148). Nos artigos 15 e
16 do ECA, é ressaltado o direito à liberdade de opinião e expressão a toda criança e
adolescente.

Grupos que até então eram “controlados” pelos meios de comunicação de massa,
ganharam espaço para expor suas ideias e opiniões. “A computação social aumenta as
possibilidades da inteligência coletiva e, por sua vez, a potência do ‘povo’” (LEMOS;
LÉVY 2010, p.14). Quando o individuo deixa de ser apenas consumidor de informações
e passa a produzir, reconfigurar e compartilhar conteúdo no ciberespaço, abre-se a
oportunidade de agir política, social e culturalmente. “Quanto mais podemos livremente
produzir, distribuir e compartilhar informação, mais inteligente e politicamente
consciente uma sociedade deve ficar.” (LEMOS; LÉVY 2010, p.27).

A computação social da Web 2.0 provocou o encontro de pessoas com interesses


em comum dispostos a produzir, compartilhar, distribuir e reconfigurar conteúdos
informacionais, criando uma inteligência coletiva. Contudo, para que este grupo

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conquiste potencia, os interessados em participar dessa construção coletiva precisam


“otimizar o uso de seus saberes, das ideias e dos recursos presentes na comunidade”
(LEMOS; LÉVY 2010, p.54). Percebe-se que para gerar resultados mais concretos, não
basta apenas manipular as novas ferramentas de comunicação, é necessário utilizar do
discernimento e pensar criticamente.

O exercício moderno da democracia está ligado ao


desenvolvimento dos mass medias, a ponto de podermos afirmar
que não há democracia sem liberdade de impressa e de livre
expressão da opinião. Ter mídias livres é condição básica para o
exercício da democracia. A estrutura mais aberta, transversal,
livre e colaborativa da Internet potencializa hoje essa inter-relação
entre comunicação e política, abrindo ainda mais as possibilidades
de exercício político democrático. Podemos dizer que entramos
em uma época onde a democracia e o ciberespaço vão se
engendrar mutuamente em um círculo autocriativo e global
(LEMOS; LÉVY 2010, p.55).

O impacto dessa nova sociabilidade ainda está sendo observada. Afinal, só a


partir do surgimento da web 2.0, no início do século XXI, é que o cidadão comum
conquistou o direito de expressar-se livremente no ciberespaço. Uma nova forma de
atuar no mundo surgiu e seus efeitos já são percebidos.

A fanpage Diário de Classe6, da estudante Isadora Faber, 13 anos, é um exemplo


potencial do cibersespaço. A jovem criou a página no facebook no dia 11 de julho de
2012 para denunciar a precariedade da Escola Estadual Maria Tomázia Coelho, onde é
aluna. Em pouco menos de um mês, a atitude da aluna ganhou visibilidade na mídia de
massa e sua página alcançou, em quatro meses, mais de meio milhão de fãs. Isadora foi
entrevistada por inúmeros jornais e emissoras de televisão. Em relatos em sua fanpage,
Isadora Faber explica que a maioria de suas queixas foi resolvida pela direção da escola.
A exposição midiática dos problemas apontados pela adolescente acelerou a resolução
de problemas até então esquecidos, mas também criou problemas que até então não
existiam.

Tanto Isadora Faber quanto a comunidade escolar tiveram suas vidas afetadas
com a repercussão da página. Segundo a aluna, poucos pais e alunos “curtiram” a
iniciativa da aluna. E nenhum professor ou gestor da escola aprovam a atitude, apesar
do respaldo dos mais de 500 mil curtidores de sua fanpage. Entre várias situações

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Endereço eletrônico da Fanpage Diário de Classe: https://www.facebook.com/DiariodeClasseSC.

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vivenciadas por Isadora, estão o apedrejamento de sua casa e a acusação de calúnia feita
por uma professora que levou a garota a ser intimida a prestar depoimento.

É certo que as queixas de Isadora trouxeram melhorias efetivas para escola.


Através do uso da rede social Facebook, Isadora conseguiu expressar seus incômodos
com a infraestrutura da escola, ser ouvida e atendida em suas reclamações. Mobilizou
centenas de outros estudantes que se inspiraram em seu exemplo para reivindicar com
melhores condições de ensino. No entanto, a escola teve uma percepção negativa da
atitude de Isadora. A instituição de ensino não apoia a atuação da aluna. Pais de alunos
e professores uniram-se e divulgaram um manifesto contra a fanpage de Isadora.

Em qualquer situação que trate de denúncia, seja por violação de direitos,


agressão ou por irresponsabilidade administrativa, é de se esperar a reação do acusado.
Será que Isadora e sua família receberam todo o suporte necessário das instituições de
defesa da cidadania para dar continuidade ao caso e para o enfrentamento dessa
situação? As pessoas que a intimidaram foram punidas e se retrataram?

Torna-se preocupante que muitas escolas ainda não percebem que seus alunos
estão conectados, que estão participando das redes sociais e que se sentem à vontade
para expressar opiniões. Se a escola é um local onde os estudantes deveriam ser
incentivados e apoiados a exercer a sua cidadania e utilizar seu senso crítico e liberdade
de expressão, porque não apoiar iniciativas como a de Isadora? Por que é preciso
silenciá-la? Para Paulo Freire (2011), a educação democrática precisa incentivar a
capacidade crítica do educando. O autor complementa:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é


propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns
com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se com ser social e
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador,
criador, realizador de sonho, capaz de ter raiva porque é capaz de
amar (FREIRE, 2011, p. 42).

O caso citado acima ilustra o comportamento dos jovens que nasceram no


cenário da cibercultura, onde há liberdade da expressão e não é preciso pedir permissão
para emitir opiniões. Manuel Castells ressalta que é necessário um novo tipo de
educação para a vivência no ciberespaço. “O novo aprendizado é orientado para o
desenvolvimento da capacidade educacional de transformar em informação e
conhecimento em ação” (CASTELLS, 2003, p. 212).

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Considerações Finais

O panorama traçado acima mostra como é longa a trajetória que a sociedade


percorre para alcançar direitos fundamentais. E ainda é preciso dar muitos passos para
se conquistar direitos discutidos há milênios. As novas tecnologias de comunicação não
possuem o poder de tornar os cidadãos mais cívicos. Apenas oferecem suporte para esta
apropriação.

Manuel Castells (2003, p.135) procura deixar evidente que a internet não oferece
a libertação nem a dominação unilateral. O autor lembra que a luta pela liberdade é
contínua e que precisa se redefinir a cada contexto social e tecnológico. O ciberespaço
torna-se a ágora pública da cibercultura. O povo precisa estar no controle desta nova
esfera pública. (CASTELLS, 2003, p.135)

Entre os desafios à democracia virtual estão: o enfrentamento a políticas


governamentais rígidas e monopólios econômicos digitais; a promoção de políticas
públicas que desenvolvam a inclusão digital; a implantação de práticas educacionais que
ampliem a percepção crítica dos jovens; o desenvolvimento da cultura de participação
cívica.

É preciso que os sujeitos protagonistas da cidadania e as instituições que os


defendem avancem no sentido de impedir todas as formas de dominação que interditam
a voz dos oprimidos e buscam cessar a liberdade de expressão e o exercício da
democracia plena.

REFERÊNCIAS

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