1 - Objeto Da Tutela Penal - Sheila Selim
1 - Objeto Da Tutela Penal - Sheila Selim
1 - Objeto Da Tutela Penal - Sheila Selim
CDU: 343.2
IV. SOBRE O OBJETO DA TUTELA PENAL
1. Considerações iniciais
Mesmo passado o período do irracionalismo jurídico, que legou ao direito penal
uma função fundamentalmente ético-ideológica, escrevendo páginas de terrorismo
penal, permanece entre nós o irracionalismo relacionado à caótica e desordenada
proliferação de leis penais complementares, muitas de conteúdo meramente
“simbólico”, bem como o irracionalismo na aplicação do sistema e na execução da
pena criminal.
Com efeito, a experiência no âmbito criminal, não apenas no Brasil, mas também
em diversos países do mundo, tem demonstrado que as sanções criminais são perdidas
“porque são penas sem sentido em uma experiência humana e social unitariamente
considerada; são penas sem sentido enquanto executadas por um poder punitivo
pertinente a um Estado que, por sua vez, é inadimplente [...] uma vez que o direito
penal é coligado ao social e deve contemperar justiça e bem-estar para a melhoria
social, a perda de sentido da pena é inevitável”.1
Ainda assim, na ausência de outros instrumentos, que não o direito penal, para
prevenir e conter o fenômeno da criminalidade, tem sido realizada a revisão de
diversos dogmas, com o fim de reconstruir os sistemas penais guiados pela
racionalidade, pilar para uma justificação mais plausível para sua existência.
Por isso assiste-se a vasto movimento científico, cujo objetivo não se cinge a
simples e mera indagação atinente à “legalidade” e à “legitimidade” sob aspecto
“formal”, do indispensável “processo legislativo” com o qual vem (ainda) sendo
“fabricadas” a “imensa
_______________________________________________________________
1
Ramacci, F. Corso di dirítto penale ; parte generale, p. 20.
variedade de leis penais complementares” ao código, provocando o aumento
indiscriminado dos fatos puníveis e endurecendo de forma injustificável o
sistema penal.
Ao invés, assiste-se a uma profunda revisão de muitos dogmas que
conduziram o direito penal tido como “democrático” até os nossos dias, cujo
objetivo é indagar sobre a “legitimidade”, do ponto de vista substancial, que
encontra sua concreta expressão no “consenso” da sociedade civil - e não de
um grupo de político que, muitas vezes, ao “sabor dos discursos” e de
determinados interesses, toma-se “maioria”.
Ainda assim, deve-se admitir que, entre os poderes políticos Executivo
e Legislativo, este último, sem dúvida, é o menos perigoso, pois reúne
políticos “provenientes” de todos os segmentos da sociedade e dos mais
diversos partidos, e por isso, mesmo nas democracias mais frágeis, nele
ainda persiste o indispensável pluralismo.
Com efeito, é largamente reconhecido que, quando fundada sobre o
“consenso”, a “legitimidade” de um sistema penal traz como conseqüência a
sua “efetividade”, isto é, a real eficácia operativa de uma das inarredáveis
tarefas que a ele compete cumprir: prevenção geral e especial. Prevenção, e
não punição. Prevenção, e não terrorismo na praxe do sistema penal, em
especial na execução da pena criminal. Prevenção, e não simples resposta ao
clamor social suscitado por dadas situações aleatórias ou fatos-crime
violentos que geram a “necessidade política” de imediata resposta, em regra
“emocional”, à sociedade civil. Nesses casos, o direito penal nada tem a ver
com a racionalidade que dele se espera.
Por isso, dentre outros dogmas que têm sido objeto de reconstrução
dogmática com função crítica, com vista a legitimar o sistema, encontra-se o
bem jurídico, objeto da tutela penal, em sua função político-criminal
enquanto legítimo critério de individualização da matéria a ser criminalizada
e, correlativamente, procurando impor limites à atuação do legislador na
atividade de criminalização.
Sob o aspecto histórico, a idéia da proteção a bens jurídicos como tarefa
primacial do Direito Penal deriva da filosofia política iluminista. Por isso
mesmo, até hoje se lhe assinala uma função liberal e garantista, como
instrumento crítico para conter o magistério punitivo, já que a sanção
criminal par excelence incide sobre a liberdade dos cidadãos, direito
fundamental em nossa Constituição da República (art. 5 o, caput) assim
também inscrito em seu Preâmbulo.
A propósito, no direito penal brasileiro já foi pontualizado por Régis
Prado que “a lei penal, advirta-se, atua não como limite da liberdade pessoal,
mas sim como seu garante."1
Por isso mesmo, no final dos anos 60, o problema bem jurídico fez seu
retomo à cena da ciência penal, sendo objeto de reelaboração científica, cuja
evolução, entre acepções materiais e jurídicas, deixa inegável contribuição
para melhor aprofundamento técnico e dogmático de diversos princípios
político-criminais que serviram e servem à codificação de novos crimes
e/ou à (re)codificação (ou neocodificação) do direito penal.
Em especial, distinguiu-se, nesse âmbito, a concepção
constitucionalmente orientada do objeto da tutela penal, sobre a qual muito
se escreveu e que, mesmo atualmente considerada em crise por alguns, 3
além de prospectar um fundamento constitucional, sem dúvida mais
garantista e, portanto, mais compatível com os Estados sociais e
democráticos, tanto enriqueceu a elaboração doutrinária dos já existentes
princípios constitucionais e político-criminais, e. g., da
_________________________________________________________
2
Prado, L. R. Bem jurídico-penal e constituição, p. 83. Acentue-se ser esta a única monografia
especificamente dedicada ao tema no direito penal brasileiro.
3
Como informa Palazzo, F. 1 confini delia tutela penale: selezione dei beni e criteri di
criminalizzazione. Riv. lt. Dir. Proc. Pen. Milano, p. 454. Sobre o ponto, Pagliaro (Sommario dei
diritto penale italiano; parte generale. Milano: Giuffrè, 2001, p. 146-147) adverte que tal
concepção tem sido cada vez menos seguida, acentuando a inoportunidade de vetar ao legislador
ordinário emana r normas penais para a tutela de bens não reconhecidos implicitamente pela
constituição, afirmando a necessidade de deixar uma certa elasticidade para que o legislador
ordinário possa satisfazer novas exigências preventivas nem mesmo pensadas no momento em
que é promulgada a constituição. No mesmo sentido, cf. Marinucci, G.; Dolcini, E. Diritto penale
', parte generale, p. 17. Em relação à crise dessa concepção na doutrina penal italiana, afirma V.
Manes (II princípio di offensività; tra codificazione e previ sione costituzionale. índice Penale, p.
148): È noto qualefosse la chiave di volta deU’edificio concettuale teorizzato da Bricola nella sua
teoria generale dei reato; il principio di offensività nella prospettiva originaria, era campito di un
significato forte, tradotto dali’ ancoraggio costituzionale dei beni oggetto di tutela penale ” . Sem
esconder seu desencanto, prossegue Manes (II princípio di offensività; tra codificazione e
previsione costituzionale, p. 150) [...JnelVorizonte delia legislazione penale contemporânea, il
principio di offensività, senza (il riferimento a) beni giuridici di livelo costituzionale, è rimasto un
pò come il sovrano che inconira il piccolo príncipe di Saint Exupery - sovrano di un pianeta
senza sudditi .
personalidade, da humanidade, da extrema ratio, e colocou bases
para a rica elaboração ainda em curso sobre a “ofensividade”. 4
Todavia, acentue-se bem, a orientação segundo a qual a Constituição da
República deva assurgir como fundamento (e não apenas como limite) do
direito penal e se ao direito penal, como sustenta Régis Prado, atribui-se a
função de garantir a liberdade individual, mencionada orientação não se cinge
apenas à idéia de que as leis penais não podem estar em “contraste” com a
Constituição.
Aliás, talvez fosse dispensável tal referência, porque é “evidente” 0 que a
legislação infraconstitucional em matéria criminal deve conformar-se ao dado
constitucional e que, se da orientação mencionada pudéssemos extrair tão-
somente esta afirmativa, seria desnecessária e inócua a referência a ela
realizada.5
A propósito, já foi oportunamente relevado que a partir de 1970 a
doutrina não mais indaga tout court, de forma simplista, sobre as técnicas de
tutela a serem adotadas na esfera penal, as espécies de sanções a serem
adotadas e/ou excluídas do sistema, etc. Não obstante persistirem todas essas
indagações, certo é que atualmente as questões criminais, nesta sede, têm
sido colocadas de forma mais profunda e radical.
Trata-se de investigar e verificar se da Constituição é possível extrair um
programa que possa gravar sobre o legislador, tendo em vista o objeto, os
instrumentos e os fins do direito penal. Para tanto, todavia, imprescindível a
existência de uma Constituição que permita “justificar” e, correlativamente,
colocar bases para a “racionalidade” do sistema de forma “legítima”,
estabelecendo um vínculo para o legislador penal.
Procura-se, desse modo, deixar a parte a tradicional idéia de confiar a
atividade legislativa somente aos argumentos de justificação e racionalidade
“cultural” e aos frutos da “elaboração dogmática”, desprovidos do “vínculo
legal” que somente possuem as normas jurídicas e, em especial, aquelas
contidas na Constituição da República.
_____________________________________________________________
4
Sobre o ponto, cf. Palazzo, F. I confini delia tutela penale: selezione dei beni e
criteri di criminalizzazione, p. 455.
5
Para lúcida reconstrução da teoria do crime sobre tal fundamento, cf. Bricola, F.
Teoria generale dei reato. In: Nuov. dig. it. Torino: UTET, 1973, v. 12.
O ponto frágil do modelo, no entanto, reside no problema político-
ideológico: para que tal fundamento constitucional possa condicionar a
feitura de um sistema de leis penais legítimo e racional, deve ter como
pressuposto uma Constituição compatível com valores realmente
democráticos, solidários, individuais e sociais, dos cidadãos, da sociedade
civil e do Estado, para que não redunde em novas formas de irracionalismo.
Com efeito, acentue-se que a validade do sistema penal somente
poderá encontrar seguro suporte quando dotado de ínsita capacidade de
“persuasão” em sede preventiva. Por isso, a realização de um modelo assim
orientado só pode vingar tendo em vista a “viabilidade” do paradigma
adotado na Constituição, como antes mencionado, cuja praticabilidade tome
possível:
• a feitura de um sistema de leis penais mais fechado quanto à seleção
dos bens jurídicos a serem tutelados;
• corrigir o uso seletivo do direito penal, que termina por formar e
privilegiar o círculo dos denominados Kavalierdelikte;
• individualizar técnicas de tutela penal, indicando, ao mesmo tempo,
as técnicas nã o- penais que seguramente possam garantir, do mesmo
modo, a efetiva integridade a bens jurídicos, reduzindo o recurso ao
instrumento penal (e. g. o perigo abstrato, o “atentado”, os crimes de
“suspeito”, as infrações penais de menor gravidade como as
contravenções);
• neutralizar o uso meramente simbólico do direito penal, mesmo
reconhecendo, infelizmente, sua inegável “carga” simbólica e
estigmatizante de pessoas e fatos;
• refletir a segura escolha de sanções compatíveis com o indispensável
trinômio proteção penal, reprovabilidade jurídica pelo fato-crime,
prevenção especial humanista e humanitária, isto é, centrada sobre a
dignidade daquele ao qual é imposta (o cidadão delinqüente) e, a um
só tempo, que tenha por função trabalhar em prol da vítima e da
sociedade na qual é chamado a operar;
• instrumentalizar um sistema penal assim orientado, conferindo- lhe
força necessária para que encontre efetividade;
• conscientizar-se de que o direito penal não é uma “baqueta mágica”
para lidar com maniqueísmos construídos na consciência coletiva,
com a qual se resolvem os problemas
sociais, “excluindo” do tecido social os maus e criando-se um sistema
de segurança pública para os bons.
Evidentemente esta não é a sede oportuna para a exposição integral e
crítica de tal modelo, tema amplo e complexo, objeto de reelaboração
constante.
Mas realiza-se breve incursão sobre o um de seus pilares básicos: o
bem jurídico a ser objeto da tutela penal em chave constitucional. Com efeito,
esta é uma das contribuições mais profícuas de tal orientação e que nos
apresentada como um dos fundamentos hábeis a assegurar consenso6 e
efetividade imprescindíveis aos sistemas penais.
_________________________________________________________
_
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6
Sobre________
o problema do consenso ao sistema penal, cf. E. Resta (Paradossi dei consenso. In: Verso
un nuovo codice penale; itinerari, problemi, prospettive. Milano: Giuffrè, 1993) e C. E. Pagliero
(Diritto penale e consenso sociale. In: Verso un nuovo codice penale; itinerari, problemi,
prospettive, p. 173 et seq.\ com exposição dos grandes modelos explicativos do consenso social ao
sistema penal: modelos consensuais, conflituais, pseudoconflituais e pseudoconsensuais. Para E.
Musco (Consenso e legislaz ione penale. In: Verso un nuovo codice penale; itinerari, problemi,
prospettive, p. 151), ad una rinnovata riflessione critica sid livello di equilíbrio tra legislazione
penale e consenso spinge però non solo la qualità dei beni messi in discussione dal di ritto penale:
anche la 'storicità' degli oggetti di tutela suggetisce , anzi impone una verifica articolata delia
corrispondenza tra le scelte di criminalizzazione e le tendenze in atto sul piano dei c. d. diritto in
formazione da un lato e il (grado di) consenso appunto che esse ricevono dall’altro, sustentando,
ademais, ser necessário ( Consenso e legislazione penale, p. 155) per valutare adeguadamente lo
stato di salute dei rappporti tra consenso e legislazione, è necessário accennare alia situazione reale
dei sistema penale.
também a eficácia. Ordenamento eficaz é aquele observado em seu
complexo (em suas grandes linhas).”7
Alguns consideram a efetividade somente um critério; outros o
consideram um princípio. Certo é que a utilização da expressão encontrou
sede técnica, inicialmente, no direito internacional, e.g., para se referir à
eficácia dos tratados, ressaltando-se, ainda, que a origem da teoria da
efetividade “deve ser pesquisada nas discussões intemacionalistas sobre o
reconhecimento de Estados, Governos ou grupos insorti, de incerta validade
jurídica”.
No léxico português, o vocábulo significa “qualidade de efetivo;
atividade real; resultado verdadeiro”.9
A partir do final da década de 80, a efetividade assurge a princípio
político criminal10 e nesse sentido reclama também a idéia de idoneidade,
eficácia, eficiência, do sistema penal. Porém, o problema da efetividade do
direito penal é ponto central da elaboração do sistema orientado pela idéia
de escopo, na formulação lisztiana sobre o princípio da idoneidade - que
termina por ser a efetividade - segundo o qual a intervenção penal é
adequada à realização de fins preventivos.
Modernamente, a efetividade, num sistema penal orientado por
princípios constitucionais, tem sido compreendida não somente como o
critério hábil a construir um sistema que assegure a real persecução de fins
preventivos, mas também que apresente a máxima adequação a outros
princípios constitucionais em matéria criminal.11
__________________________________________________________________________________
7
Gavazzi, G. Effettività (principio di). In: ENCICLOPÉDIA Giur. Treccani, v. 12, p. 3. Para
exposição sobre o princípio na obra de Kelsen e Santi Romano, cf. Piovani, P. Effettività. In:
ENCICLOPÉDIA dei diritto, v. 14, p. 420 etseq.
8
P. Piovani (Effettività, p. 420), com exposição do princípio também na obra de Santi Romano.
9
Ferreira A. B. H. A. Novo dicionário da língua portuguesa.
10
A ausência de elaboração doutrinária sobre o princípio no âmbito do direito penal foi apontada
por Gavazzi, G. (Effettività, p. 1), ao afirmar que il diritto pubblico generale ed il diritto
internazionale possono , senza eccessive forzature, essere riportati sotto 1'ombrello delia teoria
generale dei diritto . Perché il concetto di effettivit à compare in queste sedi e non di altre (come
per esempio il diritto costituzionale, quello amministrativo, quello civile e, meno ehe mai, quello
penale?).
11
Assim, Cavaliere, A. Effettività e criminalità organizzata. In: Criminalità organizzata e risposte
ordiname ntali, p. 291 -292.
Em sucinta definição,12 o critério (em via de elaboração como princípio
politico-criminal) da efetividade pode ser compreendido como “idoneidade,
cientificamente prognosticada ex ante, empiricamente verificada ex post, do
meio-pena para inibir comportamentos socialmente disfuncionais realizando
um útil social muito superior ao dano social que produz (emarginação,
diseconomie produtivas, custos econômicos strícto sensu). Tal critério, para
encontrar legitimação como ‘princípio’, deve entrar em interação com
outros fundamentais (e mais consolidados) princípios da moderna política
criminal: em particular com os princípios de laicidade, de subsidiariedade,
de legalidade”.13
De acordo com a elaboração doutrinária mais recente sobre a função da
efetividade como princípio politico-criminal resulta, dentre outras:
• Ser ilegítima a idéia de efetividade quando referida a finalidades da
pena e a princípios penais diversos daqueles previstos na
Constituição da República, e. g., a adoção de uma perspectiva de
guerrilha contra criminalidade no sentido de estigmatizar ou
neutralizar o inimigo14 a ser “perseguido”, como os outsiders, a
criação dos bodes expiatórios, sacrificando-se as regras do Estado
democrático de Direito; também inadmissível, e. g., a adoção de
penas exemplares, ou a construção de um direito penal de autor, que
renuncie de forma absoluta ou relativa ao papel central do fato-crime,
o repúdio ao princípio da humanidade das penas.
• O sistema penal deve ser concebido como instrumento de proteção a
bens jurídicos mediante cominação de pena, prevalecendo tal
primado sobre aquele do seu uso meramente simbólico}$ Isso implica,
para além do abandono de uma
_____________________________________________________________
12
Acentue-se que “princípio da efetividade”, per se, pode ser objeto de monografia, dado a sua
fundamentação, à tipologia de princípios que o complementam e às conseqüências que dele
podem ser extraídas no âmbito de nossa disciplina. Basta ler o trabalho C. E. de Paliero (11
principio di effettività nel diritto penale. Riv. lt. Dir. Proc. Pen., p. 430 et seq.) para se ter uma
noção sobre a profundidade do tema.
13
Paliero, C. E. IIprincipio di effettività nel diritto penale , p. 447.
14
No nacional-socialismo alemão e no direito penal socialista, essa era uma das finalidades
(senão a única) do sistema penal, como demonstra a História.
15
Paliero, C. E. IIprincipio di effetività nel diritto penale , p. 433-434.
legislação irracional, e. g., a denominada “lei dos crimes
hediondos”, a orientação do sistema penal para fins de
prevenção geral positiva, para agregar consenso, porque
construído sobre a idéia da exigência de proteção a bens
jurídicos.
• Tal primado permite evitar a instrumentalização do alarme
social para obter estabilização social, mediante promulgação de
novas leis penais que endurecem o sistema.
Para tal fim, um conceito de bem jurídico a ser tutelado pelo
direito penal que sirva ex ante para o legislador penal poderia, em
muito, contribuir para que o sistema penal seja substancialmente
legítimo, acarreando indispensável consenso social em grau de
viabilizar a prevenção geral, positiva e negativa, conduzindo -nos à
imprescindível, necessária e auspiciosa efetividade do sistema penal.
16
Nesse sentido, cf. Fiandaca; Musco. Diritto pena/e', parte generale, p. 21;
Mantovani. Diritto penale; parte generale, 3. ed. Padova: Cedam, 1992, p. 213 e
Bustos Ramirez, J. Manual de dereclto penal espanoI; parte general, p. 50.
17
Programma, v. 1, § 42.
,s
Tratado de dereclto penal; parte general, v. 1, p. 232.
A doutrina penal, todavia, refutou a concepção dos “direitos subjetivos
de origem civil no âmbito penal”.19 Com efeito, a própria dificuldade em
estabelecer o conceito de “direito subjetivo”, bem como suas diversas
variações, foi a maior objeção que se fez a essa teoria. 20
A primeira elaboração doutrinária específica sobre o bem jurídico no
âmbito do direito penal remonta a Birbaum (Alemanha-1834). Não obstante
esta tenha sido lastreada na inicial concepção do bem jurídico como direito
subjetivo, nela aduziu uma variante: limitou a idéia do bem jurídico ao
direito subjetivo “natural”, isto é, um bem material, tutelado pelo direito
penal, individual ou coletivo.21
A principal crítica à tese de Bimbaum centra-se na afirmação de que o
conceito do objeto da tutela penal não deveria ser assente em leis da
natureza, mas sobre o ordenamento jurídico.22
Com Binding iniciou-se nova fase na elaboração conceitual sobre o
tema: a categoria do bem jurídico passa a ser analisada em função do direito
positivo (concepção juspositiva ou imanentista), em
_________________________________________________________
_
19
Bustos Ramirez. Manual de derecho penal espanol; parte general, p. 50.
20
Em conexão com o liberalismo, onde encontra sua primeira formulação, por “direito subjetivo”
compreendia -se uma faculdade do indivíduo, preexistente à lei . Tratava-se, pois, de conceito
metajurídico. Com o positivismo jurídico, passa a ser definido como um direito que deriva de
normas jurídicas: deixa de ser uma categoria íundante e passa a ser uma categoria fundada, como
bem assinalado por Luís Martinez Roldan e Jésus A. F. Suarez (Curso de teoria dei derecho y
metodologia jurídica, p. 186). Com o advento do marxismo, à expressão direito subjetivo tende a
ser dada “uma explicação omnicompreensiva de todas as categorias de direitos fundamentais como
direitos públicos subjetivos (Jellinek)” - (Roldan, L. M.; Suarez, J.A. F. Curso de teoria dei
derecho y metodologia jurídica , p. 186). Sobre as diversas concepções de direito subjetivo e sua
matiz ideológica - teses individualistas, voluntaristas, posições eclétic as e teses que negam a sua
existência, como o realismo jurídico e outros grupos de teses de matiz sociológica, cf. ainda,
Roldan; Suarez; Curso de teoria dei derechoy metodologia jurídica, p. 187-190.
21
Sobre o ponto, Mantovani. Diritto penale’, parte generale, p. 213; Fiandaca; Musco. Diritto
penale; parte generale, p. 23; e Jescheck. Tratado, v. 1, p. 351.
22
Para exposição mais profunda sobre a concepção do objeto da tutela penal como direito
subjetivo, cf. Gregori, G. Saggio sulToggetto giuridico dei reato, p. 10 et seq. e Angioni, F.
Contenuto ejitnzioni dei conceito di bene giuridico , p. 79 etseq.
contraposição à concepção inicial (metapositivas, transcendentalistas ou
jusnaturalistas).23
Na acepção de Binding o bem jurídico é uma situação valorada pelo
legislador como condição imprescindível ao normal desenvolvimento da
vida entre os cidadãos {todo lo que ante los ojos dei legislador resulta de valor
para la comunidad jurídica, en cuanto condición di una sana existencia de la
misma).24
Por isso, o bem jurídico não é tratado como dado anterior à norma, mas
é produto de criação legislativa, deixando, desvinculando-se o conceito de
qualquer característica substancial que pudesse orientar o legislador no
momento em que realiza a normatização penal.
As críticas a essa tese também são numerosas.
Para além de seu exasperado formalismo, admitindo-se que a lei penal
ocupa tão somente da tutela de direitos precedentemente instituídos por
outros ramos do ordenamento jurídico, esta poderia apenas impor sanções.
Por isso mesmo, a concepção Bindighiana imprime ao direito penal caráter
meramente sancionatório, esquecendo-se de que determinados bens são
tutelados exclusivamente no âmbito penal e que o direito penal é, também,
constitutivo.
A partir daí, retoma a preocupação de conceber o bem jurídico como
entidade pré-positiva, isto é, preexistente à norma jurídica, hábil a limitar o
poder punitivo do Estado, determinando o âmbito de atuação do legislador.
Ainda no final do século XIX, von Liszt, para quem o bem jurídico é
um conceito central na teoria do crime, elaborou a mais significativa teoria
sobre o tema. Afirmava que o “bem jurídico não é
____________________________________________________________________
____________
23
Para crítica a todas as teorias sobre o bem jurídico aqui expostas, além da bibliografia
mencionada no decorrer dessa breve incursão no tema, cf., na doutrina italiana, Ramacci, F. Corso
di dirítto penale, p. 24 et seq.; na doutrina espanhola, Bustos Ramirez. Derecho penal espanol;
parte geral, p. 51 -65; e. no Direito penal brasileiro, Prado, L. R. Bem jurídico-penal e
constituição, passim.
24
Esta é a definição de Binding, reproduzida por Jescheck ( Tratado de derecho penal', parte
general, v. 1, p. 232). Segundo Gregori {Saggio sull’oggeto giuridico dei reato, p. 16-17), “os
bens variam em qualidade e quantidade, são materiais ou imateriais, constituem obj eto de direitos
subjetivos ou são simples bens econômicos: aquilo que os caracteriza é serem considerados, em sí,
úteis aos fins do ordenamento social e jurídico”.
25
Assim, Gregori. Saggio sulVoggetto giuridico dei reato , p. 17.
26
Dessa forma, cf. Ramacc i. Corso di dirítto penale, p. 27.
bem do direito ou ordem jurídica, mas um bem do homem que o direito
reconhece e protege”.27 O escopo do direito é proteger interesses da vida
humana, e os bens jurídicos são os interesses que o direito protege, “é o
interesse juridicamente protegido”,28 individual ou coletivo.
Notadamente liberal, a concepção de Von Liszt tentou adscrever, para o
legislador, a esfera de opção pelo instrumento penal, apresentando-nos um
conceito de bem jurídico reelaborado, adquirindo extrato substancial,
naturalista. Assim concebido, em momento posterior, atribui-se ao
legislador a faculdade de individuar dentre os bens da vida, aqueles que
devam ser considerados como bens jurídicos, no momento em que realiza a
sua atividade legislativa.
Acentue-se, entretanto, a impossibilidade dessa acepção material ou
pré-jurídica29 (metapositivista) para servir à praxis: Von Liszt não delineou
critérios precisos para a indicação, dentre os dados pré- jurídicos, daqueles a
ser considerados em bens jurídicos, objetos da proteção penal. Por isso
mesmo, também nessa concepção “a pretensão de vincular o legislador na
escolha dos objetos da tutela permanece, em definitivo, mais enunciada que
satisfeita”.30
Todavia, segundo Ramacci, foi com Arturo Rocco que a acepção
materialista do tema sofreu radical investida. Partindo da premissa de que o
objeto de estudo da ciência penal é o Jus positum, fugindo de qualquer
esquema pré-jurídico, Rocco não se ocupa de traçar um conceito que sirva
para a individuação dos bens a serem protegidos no direito penal, mas tão-
somente de uma acepção para individuar qual é “o bem já protegido por
parte de uma norma penal vigente”.31
A doutrina penal vincula a tal concepção a elaboração doutrinária
imediatamente posterior sobre o tema, denominada metodológica, que
________________________________________________________
27
Tratado, v. 1, p. 94, nota 1.
28
Von Liszt. Tratado de direito penal allemão, v. 1, p. 93. Prossegue o penalista (Tratado de
direito penal allemão, v. 1, p. 94-95): “E a vida, e não o direito, que produz o interesse; mas só a
proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico [...]. Os interesses, porém, surgem das
relações dos indivíduos entre si e dos indivíduos para com o Estado e vice -versa”.
29
Assim, cf. Ramacci. Corso di diritto penale, v. 1, p. 28.
30
Fiandaca; Musco. Diritto penale', parte generale, p. 24. Para mais profunda exposição crítica
sobre a teoria de von Liszt, cf. Gregori. Saggio sulToggetto ginridico dei reato, p. 21-25.
1
Ramacci. Corso di diritopenale, p. 29.
representa um momento de inicial ruptura com a originária função de
garantia, aspiração permanente na ciência penal após o movimento
iluminista.3
Para a teoria metodológica, o bem jurídico, do mesmo modo que na
elaboração de Arturo Rocco, deixa de ser concebido como entidade
preexistente à norma. Passa a ser considerado como uma valoração
realizada em cada uma das normas penais, buscando seu escopo. Sobrepõe-
se à idéia do bem jurídico aquela relativa ao escopo da norma penal.
Antolisei, apesar de considerar o conceito de bem jurídico como uma das
“pedras angulares” da ciência penal moderna, assinala que a substituição da
noção de objeto da tutela penal pela noção de escopo da norma
(compreendida como a ratio33 da incriminação), oferece “guia mais segura e
mais completa na interpretação da lei”.34
Indubitavelmente, esta teoria termina por identificar o bem jurídico
objeto da tutela, com o escopo da norma penal. Não se cogita da
“necessidade” do instrumento penal no momento em que se realiza a
normatização do direito penal: o recurso à pena criminal se justifica pela
simples motivação do legislador. Por isso, não sem razão, releva-se que
numa concepção assim orientada, a idéia perde em seu conteúdo objetivo,
prescindido de qualquer indagação voltada a discutir a efetiva necessidade
relativa ao uso do instrumento penal: o recurso à pena criminal justifica-se
pela simples vontade ou motivação do legislador.
_________________________________________________________
__
32
Sobre tal concepção, inspirada no neokantismo, afirma F. Angioni ( Contenuto e funzioni dei
conceito di bene giuridico p. 20-22) sua derivação do ceticismo conseqüente ao esforço realizado
pelos estudiosos para encontrar um conceito substancial de bem jurídico, com função crítica, bem
como do riconoscimento deWinutilità di im conceito generale di bene giuridico con funzione
meramente sistemática.
33
Para aprofundamento do conceito de ratio da norma e as diversas acepções em que ela pode ser
concebida, cf. Angioni. Contenuto e fimzioni dei concetto di bene giuridico, p. 25-26.
Manuale di diritto penale \ parte speciale, p. 151. Segundo o penalista {Manuale di diritto
penale; parte speciale, p. 151), la teoria dei bene giuridico, ehe abbiamo riassunto, ha un
innegabile fondamento di verità, ma la sua importanza è stata non poco esagerata dalla dottrina
[...]. Le incertezze non si possono eliminare se non si considerano gli scopi delle norme che si
confrontano, e, nel nostro caso, se non si tiene presente ehe nella truffa il legislatore ha voluto
anche impedire 1’uso dell'inganno.
Assim, por predisposição natural, a teoria metodológica, ao conceder
eficácia de tutela apenas às normas penais em vigor, redundou num
positivismo jurídico sem limites. Esvazia-se a função politico-criminal e de
garantia do bem jurídico, reduzido a mera categoria formal útil apenas para
a interpretação das normas.
Todavia, forçoso reconhecer sua perene contribuição para a
interpretação das leis penais.35
Com a “Escola de Kiel”, formada por estudiosos alemães de ideologia
nacional-socialista, a teoria do bem jurídico sofreu o mais demolidor ataque.
Alguns estudiosos sustentam que com ela se produziu uma verdadeira
negação do conceito.36
O cerne do fato punível passa a ser a “violação do dever de fidelidade
ao Estado ético, personalizado no Führer-”.37
O “são sentimento do povo” e a função propulsiva de uma nova
moralidade confiada ao direito penal,3 conceitos eminentemente éticos,
passam a ser fator determinante da danosidade dos fatos puníveis. Em
doutrina, afirma-se que nesse ponto radica-se inarredável tendência do
direito a ser absorvido pela ética.39
A categoria do bem jurídico objeto da tutela penal perde sua dimensão
objetiva: o conteúdo do crime nos é dado tão-só pela pura “violação de um
dever, ou no desvalor da atitude interior ou, até mesmo, na traição de uma
relação de fidelidade ao Estado”.40
_________________________________________________________________________________________
____________
35
Assim, cf., por todos, Angioni, F. Contenuto e fimzioni del concetto di bene giuridico, p. 27, e
Roxin, C. Derecho penal; parte general, p. 55.
6
Assim, cf. Bustos Ramirez. Curso de derecho penal espahol; parte general, p. 55.
37
Fiandaca; Musco. Dirittopenale\ parte generale, p. 11.
38
Assim, cf. Mantovani. Diritto penale; parte generale, p. 214.
39
Fiandaca; Musco. Diritto penale; parte generale, p. 11. Segundo G. Gregori (Saggio sull’oggetto
giuridico dei reato, p. 35), com essa concepção, o bem jurídico teria concluído o seu caminho: Se
il reato, nella sua essenza, è un dovere di fedeltà del singolo nei confronti dello Stato , non un bene
o un interesse sono significativi aiJini delVes'istenza dei reato , ma il dovere concreto che deriva
airindividuo dal ruolo che svolge nella comunità .
40
Angioni. Contenuto e fimzioni del concetto di bene giuridico , p. 44-45. Segundo o mesmo autor
( Contenuto e fimzioni del concetto di bene giuridico , p. 45-46), na realidade duas são as posições
doutrinárias nessa mesma corrente: a primeira formada pelos neokantistas, afirmando que não
existe crime que não ofenda in re ipsa um bem jurídico, confundindo o bem jurídico com o próprio
preceito; a segunda, formada pelos nacional -socialistas, sustentando que a função primordial do
direito penal não é a tutela de bens jurídicos, existindo na ordem jurídica normas que não se
conciliam com o conceito substancial de bem jurídico. Refere-se, ainda, o penalista, a uma terceira
corrente de orientação liberal, que nasce mais tarde, noutra realidade política (p. 47). Seria
inoportuno, por isso, maiores referências a essa última variante, nesta exígua sede.
No direito penal marxista, a aniqüilição do conceito e sua
instrumentalização para fins declaradamente políticos não foi menor. No
direito penal socialista a forma de interpretação requer conceitos hábeis a
refletir o movimento da realidade histórica nesses Estados. Assim, é natural
que o conceito de bem jurídico, mesmo mantido, fosse continuamente
reformulado, qualitativa e quantitativamente. Seu conteúdo era
condicionado pelas transformações do Estado socialista nas diversas fases
do período revolucionário e em sua posterior evolução, enquanto processo
de aceleração para a realização da sociedade comunista.
O crime passa a ser definido como um fato anti-social, perigoso para os
interesses classistas (do proletariado), isto é, do Estado socialista. Objeto da
tutela penal é a potencialidade lesiva do fato perigoso contra a edificação do
Estado socialista. A indagação sobre o crime cinge-se a verificar se a
conduta do agente foi ou não fiel ao interesse social.41
Segundo Gregori, na praxe do direito penal socialista, as decisões
judiciais, algumas vezes, qualificam o crime, “recorrendo a um juízo de
perigosidade do autor, chamado especificamente agente provocador, contra-
revolucionário, agitador a trabalho de potências estrangeiras, aventureiro
político.”42
Assim procedia-se a uma generalização do juízo sobre a lesão do bem
jurídico hábil a transferir a verificação “da perigosidade do fato para a
constatação da infidelidade do autor, de modo que os tipos penais parecem
destinados a individuar não as espécies de fato incriminadas, mas a figura
subjetiva do inimigo da classe”.43
________________________________________________________________________________________
41
Gregori, G. Saggio sull’oggetto giuridico dei reato , p. 42. Sobre o ponto, cf., ainda, Durigato,
L. Uno studio di dirítto penale socialista , p. 58 et seq.
42
Gregori, G. Saggio sull'oggetto giuridico dei reato , p. 42.
43
Sobre o ponto, cf. G. Gregori (Saggio sull’oggetto giuridico dei reato , p. 42- 43), in verbis: [...]
la estrema genericità del giudizio sulla lesione del bene giuridico fa scivolare I’accertamento della
pericolosità dal fatto verso Vinfedeltà dell’autore, sicché le singole fattispecie, in sistemi siffatti,
sembrano destinate ad individuare piü che illeciti oggettivi , la figura soggettiva del 'nemico di
classe
Delineadas as mais importantes concepções sobre o bem jurídico objeto
da tutela penal, é fácil deduzir que a idéia terminou por resultar em conceito
formal, sempre pronto a receber definição e conteúdo variados, tendo em
vista as contingências, conforme o evolver das diferentes ideologias
adotadas nos diversos Estados.
O dogma do bem jurídico foi dotado de real volubilidade, acolhido em
todos os sistemas penais: o dos Estados Democráticos e, também, dos não
Democráticos (autoritários e totalitários). Prestou-se a proteger interesses
classistas tanto da burguesia, nos Estados que professavam como credo
ideológico o liberalismo de tipo individualista, quanto à cobertura dos
interesses da implacável ideologia nazista. Serviu como potente instrumento
para os Estados socialistas não democráticos. Abrigou em seu conceito tanto
valores democráticos, como valores de Estados totalitários e autoritários. 44
Por isso a partir da década de 1970, procedeu-se a profunda revisão do
conceito na ciência penal, à busca de orientação hábil a dar ao objeto da
tutela penal conteúdo mais sólido, para que esta possa recuperar e exercer a
função de garantia, para a qual foi posta com o iluminismo.
_____________________________________________________________
____
44
Nesse sentido, cf. Mantovani. Diritto penale-, parte generale, p. 214.
45
Segundo Fiandaca e Musco (Diritto penale; parte generale, p. 27), essa concepção si tratta, nella
sostanza, dei tentativo di aggiornare la concezione di ispirazione liberale dei von Liszt.
4.1. Orientação sociológico-personalista. Crítica.
Na primeira orientação46 só pode ser considerado bem jurídico aquilo
que antes da atividade legislativa era tido como um bem (vital, cultural ou
um valor social)47
Hassemer,48 adepto dessa orientação, sustenta que atualmente a
concepção do bem jurídico transformou-se na teoria da “danosidade social”,
o que está a demonstrar que o direito penal deve voltar-se para as
necessidades e interesses da realidade social.
Assim, ao mesmo tempo em que delineia uma concepção
“personalista” do bem jurídico-penal,9 tem presente que a reação penal só
deve intervir quando a lesão ao interesse humano tratar-se de “fato
socialmente danoso”, isto é, quando suas conseqüências lesivas ultrapassem
“o conflito entre o agente-vítima e o dano individual sofrido por esta.”50
Afirma, ainda, que, “além da danosidade social, outros critérios devem ser
tomados em consideração para decidir-se sobre a reação penal, tais como a
subsidiariedade e a tolerância”.51
Para Hassemer, o valor da teoria personalista do bem jurídico reside na
facilidade que esta enseja para a praxe penal e para a elaboração de uma
política criminal centrada no ser humano.52
Para Jescheck, o bem jurídico deve possuir significado social próprio,
preexistente à norma penal. É um valor social ideal juridicamente
protegido.53
A principal crítica a essa acepção, além de sua generalização, é a de
não indicar critérios diretivos para a individuação dos bens tuteláveis em
matéria criminal. Como conseqüência, não é apta a
_____________________________________________________________
_________________________
________________-_
46
Sobre o ponto, cf. Fiandaca; Musco. Dirítto penale, p. 27.
47
Segundo Bustos Ramírez (Manual de derecho penal espanol; parte general, p. 59), são adeptos
dessa orientação Jäger, Amelung, Hassemer, Munoz Conde, Mir Puig, e Gomez Benitez, dentre
outros.
48
Fundamentos dei derecho penal, p. 38.
49
Hassemer, W. E.; Conde, F. M. Introducciôn a la criminologia e al derecho penal, p. 111-112,
50
Hassemer. Fundamentos del derecho penal, p. 38.
51
Hassemer. W. E.; Conde, F. M. Introducciôn a la criminologia e al derecho penal, p. 113.
52
Hassemer. W. E.; Conde, F. M. Introducciôn a la criminologia e a I derecho penal, p. 112.
53
Tratado, v. 1, p. 232.
vincular o legislador no momento em que se realiza a opção penal,
impondo-lhe limites.
Acentue-se, ainda, que, ao não estabelecer um exato ponto de conexão
com o sistema social, carece de cunho dogmático e, portanto, da inarredável
função de garantia, que a categoria é chamada a
54
exercer.
4.2. Orientação constitucional. Crítica
Certo é que o “perene temor” da doutrina pela prática de arbítrios por
parte do legislador, conduziu à nova teorização sobre o tema, desta vez
centrada na Constituição e orientada pela idéia dos valores nela inscritos.
Nasce, assim, a denominada “concepção constitucionalmente orientada do
objeto da tutela penal”.
Tal concepção encontra premissa no fato de que a liberdade individual,
sobre a qual incide a sanção par excelence do direito penal, trata-se de bem
jurídico não só previsto na Constituição, mas por ela assegurado como
direito inviolável. Por isso, a única justificação possível para a incidência da
pena criminal deve ser a ofensa a um bem jurídico de idêntica relevância.
Cogita-se, aqui, de bens jurídicos primários, isto é, de explícita relevância
constitucional.
Assim, em sua formulação mais rígida, a Constituição coloca-se como
fonte dos bens jurídicos para o legislador ordinário, no momento da opção
penal. É critério diretivo para a formulação penal do legislador que, na
atividade de criminalização, deve-se ater à lesão de bens jurídicos de
explícita relevância constitucional.
Essa formulação é caracterizada por uma tríplice ordem de
necessidades que se fazem sentir no direito penal moderno:
• elabora um conceito de bem jurídico que antecede à valoração do
legislador penal;
• ao mesmo tempo, aponta um critério para a individuação de bens
jurídicos que o vincula, enquanto sustenta que a Constituição assurge
a fonte desses bens;
• favorece à concretização de um direito penal mínimo, uma vez que
somente sobre os bens de explicita relevância constitucional poderia
recair a tutela penal impedindo, ao mesmo tempo, a excessiva
proliferação de leis penais especiais.
_____________________________________________________________
54
Assim, Bustos Ramirez. Manual de derecho penal espanol, p. 60.
Essa acepção rígida, entretanto, não resta imune às críticas.
Primeiramente, anote-se que, assim procedendo, ao direito penal
competiria, no ordenamento jurídico, papel meramente sancionatório (dos
bens jurídicos constitucionais de relevância explicita), e assim termina por
alinhar-se à concepção imanentista de Binding.5
Paradoxalmente, a função crítica e a de garantia do bem jurídico
sofreriam completa erosão, uma vez que essa concepção determinaria o
imobilismo do direito penal,6 alienando-o da realidade sóciopolítica,57 bem
como das conquistas industriais, do desenvolvimento tecnológico e
científico, do emergir de novas e sofisticadas formas aparecimento do
fenômeno criminal.
Finalmente, em sua formulação mais rígida, a teoria
constitucionalmente orientada do objeto da tutela penal levaria a uma
redução indiscriminada dos crimes previstos, desprovida de critérios que
possam acarretar consenso social, uma vez que muitos bens jurídicos não
têm relevo constitucional explícito. No Direito Penal brasileiro, por
exemplo, deveriam ser objeto de imediata descriminalização os crimes
contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos, por não encontrarem
explícita referência na Constituição. No direito penal italiano, Ramacci
menciona a exclusão da tutela penal à “fé pública”, por ser a mesma
destituída de expressa relevância constitucional.
Por isso, em sua última formulação, essa concepção foi alargada para
abranger também os bens jurídicos de implícita relevância constitucional e
aqueles que não são com ela incompatíveis.58
_________________________________________________________________________________________
55
Anota Ramacci (Corso di diritto penale; parte generale, p. 32) que tal concepção [...] ríevoca la
superata concezione sanzionatoria dei diritto penale , secondo la quale il diritto penale non avrebbe
un’antonoma consistenza precettiva in quanto si limiterebbe a sanzionare precetti già formulati dal
legislatore per altri setori delVordinamento o da quelti derivanti .
56
Nesse sentido, cf. Grimaldi, T. Trasformazioni sociali e tutela penale. In: Fitnzioni e limiti dei
diritto penale , p. 189.
57
Em sentido análogo, Francesco Pa lazzo (/ confini delia tutela penale: selezione dei beni e criteri
di criminalizzazione, p. 108), ao afirmar que a ciência penal deve liberar-se de todos os tipos de
extremismo e que tal concepção provoca itn incolmabile distacco con la concreta realtà sociale.
58
Sobre o ponto, cf. Bricola, F. Teoria generale dei reato. In: Novíssimo digesto italiano, v. 19, p.
17 e passim; Angioni, F. Contenuto e fitnzioni dei conceito di bene giuridico, p. 161 etseq.;
Mantovani. Diritto penale ; parte generale, p. 215; Fian daca; Musco. Diritto penale ; parte
generale, p. 29.
O alargamento do conceito, porém, deixa novamente incertos os limites
para a opção penal, pois a nossa Constituição nada esclarece sobre o modo
como a tutela penal deveria atuar e nem mesmo sobre seus limites e formas,
que permanecem confiados ao arbítrio do legislador.
Na Alemanha, Roxin, seguidor dessa orientação, procura circunscrever o
âmbito de incidência da tutela penal, reconhecendo que “a única restrição
previamente dada pelo legislador encontra-se nos princípios da
Constituição59 [...] na Lei Fundamental do nosso Estado de Direito baseado
na liberdade do indivíduo através dos quais se colocam limites à potestade
punitiva do Estado”.60
Partindo dessa premissa, extrai conseqüências que delimitam o âmbito
de incidência da lei penal, dela excluindo: as meras imoralidades, as
cominações penais arbitrárias, as finalidades puramente ideológicas, e.g., “a
pureza do sangue alemão, no qual se baseou a proibição nacional socialista
da denominada vingança racial”,61 normas que estabelecem a punição de
meras opiniões, que estabeleçam ou reforcem as desigualdades entre os
seres humanos, etc.62
Na Espanha, assinala Cerezo Mir que a relevância constitucional de
um bem é critério hábil a decidir se este é um interesse da vida social, sobre
a necessidade de sua proteção penal e ao valorar sua relevância para
efetivar correlativa tutela penal. Contudo, observa que “a questão não pode
resolver-se apenas com o recurso à constituição”,65 pois deve considerar-se
a importância social do bem jurídico.64
Bustos Ramirez, apesar das críticas dirigidas à concepção
constitucionalmente orientada do objeto da tutela penal, reconhece que nos
Estados de Direito democráticos os valores consagrados na Constituição
constituem recurso importante e significativo, em virtude do “caráter e
natureza da Carta Constitucional”.5
No direito penal brasileiro, Régis Prado acentua que, “além da postura
constitucional estrita, ainda que matizada, aqui veiculada e
____________________________________________________________
__
___________________
59
60
Roxin. Derecho penal; parte general, p. 55.
Roxin. Derecho penal,; parte general, p. 55 -56.
61
Roxin. Derecho penal', parte general, p. 56.
62
Roxin. Derecho penal', parte general, p. 55 -57.
63
Bien jurídico y bien jurídico-penal como limites dei ius puniendi. In: El derecho penal en el
estado socialy democrático de derecho , p. 163.
64
Bien jurídico y bien jurídico penal, p. 166.
65
Manual de derecho penal espaiiol, p. 59.
acolhida, há necessidade de buscar precisões maiores, sobretudo em razão
da especificidade da matéria exposta, ora complementando-a, ora
enfatizando determinados itens. Faz-se, portanto, imprescindível um
rastreamento mais abarcante da nocão conceituai do bem jurídico, predicado
ou qualificado penalmente”. 6
E, com efeito, os maiores problemas que se colocam no âmbito de tal
concepção são relativos aos critérios a serem utilizados para extrair da
Constituição uma precisa hierarquia dos diversos bens jurídicos, bem como
a ausência de norma constitucional que vincule o legislador penal, embora
seja possível, tendo em vista o Estado Social e Democrático de Direito, dela
extrair diversas indicações.
Para Régis Prado, nesses Estados, “a tutela não pode vir dissociada do
pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica
constitucional, quando socialmente necessária. Isto vale dizer: quando
imprescindível para assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a
paz social, tendo em vista o postulado maior da liberdade [...] e da
dignidade da pessoa humana. O Estado de direito é aquele cujo
ordenamento jurídico positivo confere específica estrutura e conteúdo a uma
comunidade social, garantindo os direitos individuais, as liberdades
públicas, a legalidade e a igualdade formais, mediante uma organização
policêntrica dos poderes públicos e a tutela judicial dos direitos”. 67
Certo é que nem mesmo as teorias mais recentes sobre o tema, seja de
orientação sociológica, seja de orientação constitucional, não conseguiram
dar ao bem jurídico o conteúdo proposto. A contribuição de ambas à teoria
do bem jurídico limita-se a indicar determinadas situações sociológicas e
jurídicas que lhe condicionem a existência num Estado de Direito social
democrático, procurando resgatar sua função de garantia, que per se, resulta
em mérito para ambas.
Nesse sentido, no direito penal brasileiro, sustenta Régis Prado, numa
perspectiva metodológica complementar, que “... um dos requisitos
necessários para assegurar a adequada relevância e dimensão social do
interesse protegido e da ofensa que se lhe refere sobressai o da danosidade
sociar.68
_________________________________________________________________________________________
67
Prado, L. R. Bem jurídico penal e constituição, p. 51-52.
66
Prado, L. R. Bem jurídico penal e constituição, p. 79.
68
Bem jurídico penal e constituição , p. 77. E conclui o penalista ( B e m jurídico- penal e
constituição, p. 83: “[...] o remate do raciocínio é o de que as relações entre as teorias constitucionais
amplas e restritas não são de antagonismo, mas de complementariedade. O que resulta no agasalho de
uma diretriz constitucional de natureza eclética ou intermediária - de justo meio e não hermética - que
privilegia o texto constitucional [...] o bem jurídico (substancial) ancorado na realidade
socioindividual, complementada, ainda, por elementos de uma visão metodológica própria e peculiar
da natureza do bem jurídico-penal, numa enformação que se compatibiliza com os modernos
postulados da ciência do Direito Penal e com os modernos postulados da ciência do Direito Penal e da
Política criminal.”
Certo é que, mesmo sendo impossível extrair da Constituição ou do
sistema social um conceito de bem jurídico que vincule o legislador penal,
impossível desconhecer que da Constituição assurgem significativas
indicações político-criminais,69 a serem complementadas com outros
princípios, evidentemente sem perder de vista a extrema ratio.
No atual estágio da dogmática penal, parece-nos que as duas
orientações se não resolvem de forma definitiva o problema do bem jurídico,
não se repelem, mas se completam. Mesmo porque em matéria de
elaboração doutrinária no âmbito penal, é difícil, senão impossível, falar-se
em elaboração definitiva, de caráter estático sobre qualquer instituto. A
ciência vive do saudável debate, à procura de soluções...
_____________________________________________________________
69
Para o exame de tais indicações na Constituição Federal, cf. Prado, L. R. Bem jurídico-penal e
constituição, p. 71 -72.
70
Sobre o ponto, no direito penal brasileiro, cf. Régis Prado ( Bem jurídico-penal e constituição, p.
40-4); na doutrina penal alienígena, cf. Angioni ( Contenuto e funzioni dei concetto di bene
giurídico , p. 3 et seq.\ Mantovani (Diritto penale\ parte generale, p. 215 et seq.) e Jescheck
(Tratado, p. 233).
2.1. orienta a interpretação dos tipos penais, permitindo ao
intérprete, com facilidade, identificar o sujeito passivo;
2.2. é critério determinante para a aplicação de causa não-
codificada de exclusão da ilicitude o “consentimento do ofendido” e
2.3. a relevância peculiar de cada um (balanceamento de bens)
deles é critério que embasa a aplicação dos estados de necessidade
(justificante e exculpante).
3. Função sistemática enquanto serve como critério para a sclassificação d
penais (critério da objetividade jurídica).
4. Função individualizadora, uma vez que o art. 59 do código penal, ao
tratar das circunstâncias judiciais, determina que o juiz penal, no
momento em que estabelece a dosimetria da pena, leve em
consideração “a gravidade da lesão ao bem jurídico”. 71
________________________________________________________________________
_
71
Prado, L. R. Bem jurídico-penal e constituição, p. 41.
72
In verbis: Le norme penali tutelano beni di rilevanza costituzionale .
_
______________________________________________________________________________________________
____________________-
73
I I progetto penale delia bicamerale, p. 211 -212.
74
Para a distinção entre constituição formal e ma terial, cf. Canotilho. Direito
constitucional, p. 66-72.
75
II progetto penale delia bicamerale, p. 213.
76
Ramacci, F. II progetto penale delia bicamerale, p. 213.
77
Ramacci, F. IIprogetto penale delia bicamerale, p. 213.
Infelizmente, o projeto da Bicamerale foi aprovado em primeira
discussão, para ser, logo depois, abandonado.78 Espera-se que, com ele, a
doutrina penal italiana não abandone, também, a concepção
constitucionalizada do inteiro sistema penal.
7. Considerações finais
Na realidade, a concepção constitucionalmente orientada antes exposta
não oferece “soluções mágicas” ao problema da tutela penal, uma vez que
esta não é, per se, um catálogo de bens e, por isso mesmo, inidônea a
acolher novos bens jurídicos, que emergem nas relações sociais,
econômicas, industriais e dos avanços e progressos científicos.
Apesar das fundadas críticas que lhe são feitas, porém, tem sido
afirmado, não sem razão, tendo em vista o caráter rígido e garantista-
personalistico das Constituições vigentes nas modernas democracias-
sociais, que estas constituem “sempre poderoso instrumento de reconstrução
da parte especial do direito penal, assinalando diretrizes de fundo para a
criminalização, a descriminalização e a despenalização”. 79
_________________________________________________________________________________
78
V. Manes (// principio di offensività, p. 158-159) afirma que, no referido projeto, [...] il principio
di necessaria offensività a livello interpretativo (elevato , peraltro, a cardine costituzionale) si
accompagnava ai principio della sola rilevanza dei beni giuridici di livello costituzionale, com un
chiaro richiamo al programma politico-criminate di Bricola. Quest'idea, com’è noto, è tramontata
lasciando poco piit che una labile traccia - è stata abbandonata forse per una sorta di timeo Danaos
et dona ferentes (perché veniva di una cerchia di giuristi di sinistra) o piu probabilmente per
ragioni politiche che nulla hanno a che fare con le ragioni assiologiche che quel texto poteva
vantare [...]. Para alguns doutrinadores italianos que afirmam o tramonto da concepção
constitucionalmente orientada do objeto da tutela penal, remetemos o leitor à nota 4, supra. Sobre
o projeto, publicado na revista índice Penale (p. 303 et seq.), cf. as considerações críticas de A.
Pagliaro (Cenni sugli aspetti penalistici dei recente progetto di riforma co stituzionale. índice
Penale p. 318 et seq.), bem como o escrito favorável à constitucionalização de Mazzacuva (Diritto
penale e riforma costituzionale: tutela di beni giuridici costituzionali e principio di offensività.
índice Penale, p. 324 et seq.
79
Mantovani. Diritto penale', parte generale, p. 210. Para as nocivas conseqüências do anunciado
tramonto da teoria, cf. Mannes, V. II principio di ofensività; tra codificazione e previsione
costituzionale, em especial p. 148 -150. Todavia, forçoso mencionar que d iversos penalistas
italianos continuam sendo adeptos da teoria, mesmo se tem sido anunciada sua caduta
dairiperuranio costituzionale
Ainda assim, registre-se, a idéia de tutelar penalmente tão-só valores de
relevo constitucional explícito ou implícito não comporta correlativa
obrigação para o legislador penal de criar tipos penais para a tutela de todos
eles.80 Ulteriores critérios e princípios devem ser levados em consideração,
tais como a extrema ratio, a ofensividade, o merecimento da pena, etc.
Por isso, a concepção constitucionalmente orientada do objeto da tutela
penal vem sendo reconhecida, de forma alargada, muitas vezes matizada,
pela doutrina penal em todo o mundo.81
Na doutrina italiana, mesmo reconhecendo o valor dessa concepção,
acentua Fabrizio Ramacci que a opção pela pena criminal é de “uso
discricionário do poder político-legislativo”,2 inexistindo critérios ou
indicações na Constituição que obriguem impô-la somente aos bens
jurídicos constitucionalmente relevantes.83
Tal afirmação aplica-se, in totum, ao nosso direito penal, porque a nossa
Constituição da República não vincula o legislador penal a tutelar somente
bens jurídicos de explícita ou implícita relevância constitucional.
8. Referências
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Milano: Giuffrè, 1983.
BARILE, Paolo et al. Istituzioni di diritto pubblico. Padova: Cedam, 2002.
BRICOLA, Franco. Teoria generale dei reato. In: Nuovissimo digesto
italiano. Torino: Utet, 1973, v. 19.
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itinerari, problemi, prospettive. Milano: Giuffrè, 1993
BUSTOS RAMIREZ, Juan. Manual de derecho penal espanol; parte
general. Barcelona: Ariel, Bosch, 1984.
._________________________________________________________________________
80
Assim, cf. Fiandaca; Musco. Diritto penale; parte generale, p. 17.
81
Além dos doutrinadores já mencionados, também segu em tal concepção, na doutrina italiana, G.
Fiandaca e Musco ( Diritto penale; parte generale, p. 15).
82
Ramacci. Corso di diritto penale, p. 35.
83
Assim, Ramacci. Corso di diritto penale, p. 35.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional. 6. ed.
Coimbra: Almedina. 1993.
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