A Liberdade e A Justiça 1 - Albert Camus

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Com o pseudnimo de Ruth Alhos, publiquei, h uns anos, num blog os textos que abaixo reproduzo.

Pela sua total actualidade, resta-me apenas o comentrio:

Quosque tandem catilina?...

Portugal: pas livre? Parte I

A Liberdade e a Justia
A revoluo do sculo XX separou arbitrariamente, para fins desmesurados de conquista, duas noes inseparveis. A liberdade absoluta mete a justia a ridculo. A justia absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noes devem descobrir os seus limites uma dentro da outra. Nenhum homem considera livre a sua condio se ela no for ao mesmo tempo justa, nem justa se no for livre. Precisamente, no pode conceber-se a liberdade sem o poder de clarificar o justo e o injusto, de reivindicar todo o ser em nome de uma parcela de ser que se recusa a extinguir-se. Finalmente, tem de haver uma justia, embora bem diferente, para se restaurar a liberdade, nico valor imperecvel da histria. Os homens s morrem bem quando o fizeram pela liberdade: pois, nessa altura, no acreditavam que morressem por completo.
Albert Camus, in O Mito de Ssifo

Portugal: pas livre? Parte II

E fez-se o 25 de Abril. Portugal respirou perfumes de esperana espalhados num manto de cravos vermelhos. Filha de Abril nasce a Constituio que, nos seus Princpios Fundamentais, consagra Portugal como um Estado de Direito Democrtico:
Artigo 2. (Estado de direito democrtico)

A Repblica Portuguesa um Estado de direito democrtico, baseado na soberania popular, no pluralismo de expresso e organizao poltica democrticas, no respeito e na garantia de efectivao dos direitos e liberdades fundamentais e na separao e interdependncia de poderes, visando a realizao da democracia econmica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

Guardies da salvaguarda desses direitos e liberdades so os Tribunais, enquanto rgos de soberania a quem a nossa Lei Maior confere competncia para administrao das Leis:
Artigo 202. (Funo jurisdicional) 1. Os tribunais so os rgos de soberania com competncia para administrar a justia em nome do povo. 2. Na administrao da justia incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados, reprimir a violao da legalidade democrtica e dirimir os conflitos de interesses pblicos e privados. 3. No exerccio das suas funes os tribunais tm direito coadjuvao das outras autoridades. 4. A lei poder institucionalizar instrumentos e formas de composio no jurisdicional de conflitos.

Volvidos mais de 30 anos sobre as conquistas de Abril, em que se consubstancia a garantia desses direitos e liberdades? Em sentenas, transitadas em julgado, que confirmam a razo de quem apelou para a justia, mas que continua a ver-se, sistemtica e continuadamente, atropelado nos seus direitos e liberdades?

Portugal: pas livre? Parte III


Seis Governos Provisrios e XVI Constitucionais passaram. Todos eles, nos seus programas, manifestaram vontade legislar no sentido de garantir Justia o seu devido lugar como pilar da democracia. Desde, pelo menos, o XV Governo Constitucional ressaltam dos respectivos programas uma acentuada e justificada preocupao com a deficiente eficcia da Justia:
Nessa base o Governo elege, como objectivos essenciais:

A afirmao do respeito pela pessoa, pelos direitos de cada cidado e pela realizao dos seus interesses legtimos; Um mais fcil acesso ao direito e justia; Uma maior transparncia, ela prpria geradora de maior confiana; e Uma resposta mais eficaz. (In Programa do XII Governo Constitucional)

C) Uma Justia eficaz para garantir os direitos e a segurana dos cidados

O Governo tem como propsito central que o sistema de justia responda, de forma mais eficaz, s necessidades da sociedade e contribua para que as portuguesas e os Portugueses se sintam seguros. O objectivo poltico central do Governo o de mobilizar a Justia ao servio da cidadania e do desenvolvimento: uma Justia mais rpida e eficiente, mais prxima e acessvel aos cidados, com estruturas mais flexveis e mais modernas, mais adequada competitividade das empresas. (In Programa do XIV Governo Constitucional)

Espartilhada em regras, processos e estruturas pouco flexveis, a justia acumulou dificuldades e atrasos que motivam justa apreenso. ... O sistema de Justia deve ser o sustentculo dos direitos de cidadania e no um obstculo ao exerccio desses direitos. Sem celeridade, eficcia, agilidade e efectividade no pode haver uma Justia verdadeira: uma Justia tardia nunca Justia. ... A actual disperso e proliferao de diplomas legislativos obriga a um esforo consequente e persistente de coordenar toda a poltica legislativa no sentido de criar um corpo sistematizado e coerente de leis, a par da necessria condensao da legislao existente. ... No que se refere ao funcionamento do sistema de justia, o Estado Portugus no se pode eximir da sua responsabilidade perante o seu defeituoso funcionamento, matria que deu j origem a variadas condenaes no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. (In Programa do XV Governo Constitucional)

Para encerrar esta terceira parte, deixo-vos com o Naufrgio, de Cristvo Aguiar,

Cantado por Duarte e Ciraco com msica popular aoreana:


.

Naufrgio A histria que eu vou contar ouvi-a na minha aldeia onde noite a voz do mar murmura canes na areia. Histria de pescadores do cais negro da Pontinhas onde h grandes senhores que bocejam noitinha. Foi o barco do Z Tordo partiu na noite para o mar e na madrugada ao porto o seu barco sem chegar. Encheu-se a praia de gritos de gente da minha aldeia ao ver o corpo do Z trazido na mar cheia. Ouvem-se vozes, coitado cinco filhos e mulher sem uma cdea de po sem um abrigo sequer. E no enterro viuva, levando ao Z muitas flores, prometeram-lhe a sua ajuda o povo e os grandes senhores. Mas dois anos j so passados e na praia da minha aldeia vem-se cinco crianas brincando nuas na areia. E da moral desta histria tirem vossas concluses uma famlia no vive s de boas intenes.

Portugal: pas livre? Parte IV


A revista Viso (n 666 de 8 a 14 de Dezembro de 2005) publica uma entrevista com o Juiz-desembargador Ricardo Cardoso. Transcrevo na ntegra a resposta do Juiz-desembargador questo aceitvel que os inquritos se arrastem meses e anos?, que em dada altura da entrevista lhe colocada:
Uma coisa a demora necessria do processo. Outra coisa a demora no justificada do processo. So coisas completamente diferentes. A Justia, desde o tempo dos gregos antigos, sempre foi acusada de ser lenta. Mas a Justia lenta, desde que no em excesso, melhor do que a Justia rpida. A Justia boa no pode ser muito lenta nem muito rpida. Deve haver o distanciamento necessrio para a ponderao das provas. Concordo em absoluto. No me subsistem quaisquer espcie de dvidas quanto difcil misso de julgar, nem to pouco quanto absoluta necessidade de afectar algum tempo a algumas tomadas de deciso. O que vem ao caso so as demoras no justificadas nos processos, eivadas em muitos casos (atrever-me-ia quase a dizer que na sua maioria) duma excessiva carga burocrtica sem qualquer sentido. As demoras injustificadas, sejam de que provenincia forem, resultaro sempre em injustia (no mnimo para uma das partes envolvidas no mesmo). Vejamos dois exemplos reais em que, por razes bvias, os nomes das partes foram alterados. Antnio Devedor, no decurso da sua actividade empresarial, contraiu vrios emprstimos, envolvendo o Banco dos Valores e o Banco Popular. Em finais de 1997, no tendo Antnio Devedor cumprido a sua obrigao de pagar na altura acordada, o Banco de Valores interpe uma aco exigindo a reparao da dvida. Notificado Antnio Devedor, este no apresenta qualquer contestao. Hoje, j em finais de 2005 (decorridos, portanto, mais de 8 anos), o processo no encontrou ainda o seu eplogo. O segundo caso, veiculado pela comunicao social, reporta-se a uma situao de litgio entre vizinhos.

Maria tem a sua habitao num andar dum prdio. Desde h dez anos que o Antnio, seu vizinho do andar superior, negligencia os diversos alertas lanados pela Maria relativamente aos danos que vem sofrendo por via de infiltraes de gua provenientes do andar que o Antnio ocupa. O assunto acabou por ir parar barra do tribunal, que deu razo Maria condenando o Antnio a resolver as infiltraes, reparar os danos e indemnizar a Maria. H muito que a sentena transitou em julgado. Todavia o Antnio no s no cumpriu com deciso do Tribunal, como continua a negligenciar os danos que ainda teima em provocar Maria. Em qualquer dos casos h clara violao de direitos de cidados, perante a total passividade de quem tem o dever de administrar a Justia como expressamente o determina a Constituio da Repblica Portuguesa: Artigo 202. (Funo jurisdicional) 1. Os tribunais so os rgos de soberania com competncia para administrar a justia em nome do povo. 2. Na administrao da justia incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados, reprimir a violao da legalidade democrtica e dirimir os conflitos de interesses pblicos e privados.

Portugal: pas livre? Parte V (Concluso)


Este ano de 2005 desce rapidamente para o ocaso. Antes que isso acontea, vamos tentar encontrar resposta (que a esta altura me parece por demais evidente) para o que sustentou o ttulo destes ltimos posts. Um pas ser de facto livre quando estiverem garantidas em plenitude as liberdades dos cidados. Pelos exemplos apresentados anteriormente (uma pequena gota de gua apenas) elas no esto de facto asseguradas. Que me importa que os tribunais me dem razo, declarando resolvido o contrato de arrendamento e ordenando o consequente despejo, se o inquilino ainda l continua (quantas vezes sem ao menos pagar a renda)? Que me importa a razo que me deram os tribunais, declarando culpado por danos diversos o meu vizinho, condenando-o no pagamento de uma indemnizao, se no recebi at agora um nico centavo e esse mesmo vizinho prossegue continuadamente os seus intentos num descarado atropelo aos meus direitos e liberdades?

Sim! Isso eu j tentei! Entrei decididamente num espao comercial, abasteci-me, e na hora do pagamento disponibilizei-me para faz-lo com milhes de razo. Foi-me recusada tal forma de pagamento por falta de cobertura. Na abertura do prximo ano judicial, o nosso Presidente da Repblica ter facilitada a elaborao do seu habitual discurso, bastando, para tal, repetir textualmente o discurso proferido em 2005:
Oito anos a fio - desde 22 de Janeiro de 1997, quando, pela primeira vez, presidi, nesta Casa, abertura do ano judicial -, dei voz s interpelaes dos portugueses, na busca de mais, melhor e mais pronta Justia. Algumas vezes terei sido ouvido. Mas no tanto, que possa, nesta hora e nesta sede, descansar nos caminhos percorridos, e dispensar-me de continuar a dar voz aos portugueses, na legtima pretenso de um sistema judicirio que lhes garanta, alm do mais, liberdade, segurana, propriedade e emprego. (Extrado do discurso proferido por Sua Excelncia o PR, por ocasio da Sesso Solene de abertura do Ano Judicial - Supremo Tribunal de Justia - 27 de Janeiro de 2005)

com alguma tristeza que terei de concluir que: No! No somos um pais completamente livre. Fica porm um rasgo de esperana no momento em que 2006 est prestes a nascer.

Queremos ser um pas livre DE FACTO! Um bom ano de 2006!

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