Livro Historia Administracao Tributaria Brasil
Livro Historia Administracao Tributaria Brasil
Livro Historia Administracao Tributaria Brasil
História da Administração
Tributária no Brasil
Presidenta da República
Dilma Rousseff
Ministro da Fazenda
Guido Mantega
À Chefe da Divisão de Memória Institucional da Agradeço, por fim, a todos os colegas que apoia-
Receita Federal, Fabiane Paloschi Guirra, pelo apoio ram a produção desta obra, incentivando o trabalho.
irrestrito na gerência do projeto.
Márcio Ezequiel
*Márcio da Silva Ezequiel é Analista Tributário da Receita Federal do Brasil desde 2001 e historiador com Mestrado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS. Em 2006, foi agraciado com o Prêmio Desempenho Funcional do Ministério da Fazenda e, em 2007, publicou o livro Alfân-
dega de Porto Alegre, 200 anos de História. Tem desenvolvido projetos na área de Memória Institucional, sendo o idealizador do Concurso Histórias
de Trabalho da Receita Federal.
Prefácio do Ministro da Fazenda 09
SUMÁRIO
Apresentação do Secretário da Receita Federal do Brasil 11
Introdução 13
Parte I - OS PRIMÓRDIOS
1. Feitorias na Terra Brasilis 17
2. Provedorias, Alfândegas e Almoxarifados nas Capitanias 21
3. A Provedoria-Mor da Fazenda Real no Brasil Colônia 27
4. O Erário Régio e as Juntas da Fazenda Real na Era Pombalina 47
5. O Erário Régio no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves 57
6. O Tesouro Público Nacional no Império do Brasil 67
7. Diretoria Geral das Rendas Públicas - A Receita Imperial 81
8. Diretoria da Receita Pública na Primeira República 97
9. Direção Geral da Fazenda Nacional - A Era das Reformas 105
10. Os novos Departamentos e as Dez Regiões Fiscais 121
Parte II - A RECEITA FEDERAL
1. A Criação da Secretaria 129
2. A nova estrutura administrativa 133
3. O crescimento do fisco e a integração com o contribuinte 143
4. A transferência para Brasília e a consolidação da Secretaria 149
5. O Contribuinte do Futuro 153
6. A marca da Receita e o rugido do Leão 155
7. A Receita Federal na Nova República 159
8. O Atendimento ao contribuinte na Era Digital 163
9. A Super-Receita: fusão com a Secretaria da Receita Previdenciária 171
10. A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã 173
Foi com muita alegria que aceitei o honroso con- A popularização do acesso aos meios virtuais de in-
vite para prefaciar este livro que conta a trajetória da teração permitiu aos indivíduos maior participação no
administração tributária no Brasil desde o período co- processo de controle da gestão pública, acompanhando
lonial aos dias atuais, em comemoração aos 45 anos da o desempenho dos gestores e cobrando resultados das
Secretaria da Receita Federal do Brasil. instituições. A transparência foi alçada a um dos valores
fundamentais de nossa democracia, sendo norteadora
O mundo de hoje é muito diferente daquele já dis-
do processo de governança contemporâneo, ampliando
tante ano de 1968, quando a Receita Federal foi criada.
de forma significativa a cidadania participativa.
Desde então, vivemos uma transformação profunda no
cenário mundial e nacional. Neste panorama, o Poder Público deve ser eficien-
te no tratamento das demandas do cidadão, prestando
O Estado brasileiro acompanhou estas mudanças
serviços com rapidez, conforto e eficácia.
e avançou, promovendo o desenvolvimento econômico
e social, que tem como princípios norteadores a valori- A modernização do Estado brasileiro, que se apro-
zação do trabalho humano e a livre iniciativa. Um Es- funda nas últimas décadas, é, assim, um esforço por
tado que, conforme a Constituição de 1988, com seus
alcançar padrões elevados de gestão pública, que pro-
25 anos recém-completados, destina-se a assegurar o
piciem desenvolvimento econômico, sem descuidar do
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
desenvolvimento social e da atenção ao cidadão.
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualda-
de e a justiça como valores supremos de uma sociedade Não foi diferente com a Receita Federal ao longo
fraterna, pluralista e sem preconceitos. dos seus 45 anos de existência, tendo acompanhado
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ativamente o progresso econômico, tecnológico e social Ao longo de sua trajetória, a Receita Federal rece-
do nosso país. beu inúmeros prêmios em reconhecimento pela exce-
lência dos serviços que presta aos cidadãos, o que enche
Enquanto o mundo inteiro ainda ensaiava ampliar
de orgulho todos nós, brasileiros.
o uso da tecnologia da informação para a prestação de
serviços públicos, a Receita Federal já colocava à dis- Esta publicação, portanto, além de comemorar os
posição do contribuinte brasileiro o envio de suas de- 45 anos de existência da Receita Federal, registra as
clarações pela Internet e já contava com um portal de dificuldades, os desafios e o sucesso desse órgão ímpar
comércio exterior. da nossa República, o qual tem contribuído decisiva-
mente para assegurar ao país um lugar na constelação
Na vanguarda das soluções tecnológicas, a Receita
das nações desenvolvidas.
Federal foi a primeira instituição a desenvolver um mo-
delo de processo totalmente eletrônico, facilitando e tor- Desejo a todos uma boa leitura!
nando disponível ao contribuinte o acesso aos feitos fis-
cais de seu interesse. É reconhecida como a pioneira no Guido Mantega
Ministro da Fazenda
uso da tecnologia da informação no setor público, presti-
giada por sua eficiência na prestação de serviços, elogia-
da por seu combate aos ilícitos tributários e aduaneiros.
Em 2013 a Secretaria da Receita Federal completou Conselho Administrativo e Recursos Fiscais (CARF) e
45 anos de existência. Para registrar esse marco em nossa à Escola de Administração Fazendária (ESAF), foram
trajetória, nada melhor do que fazermos o retrospecto de agregados, dando início a um outro paradigma na dire-
nossa jornada, revisitando os caminhos percorridos no ção dos trabalhos da Fazenda Nacional. A organização
cumprimento da missão confiada pela sociedade à Ad- sistêmica implementada subdividia-se em Coordena-
ministração Tributária e Aduaneira do Brasil. ções com base nas tarefas desempenhadas - Tributação,
Fiscalização e Arrecadação, com o apoio do Centro de
Criada em 20 de novembro de 1968, por meio do
Informações Econômico-Fiscais. Este arcabouço, ao
Decreto 63.659, a Receita Federal foi pioneira e exemplar
qual se acrescentaria a Aduana, as áreas de apoio da Lo-
na aplicação das diretrizes da reforma administrativa
gística e Tecnologia e, mais recentemente, as Receitas
de 1967. Em apenas sessenta dias, conforme planejado,
Previdenciárias, alcançaram nossos dias como prova da
colocou-se em funcionamento uma inovadora estrutu-
robustez com que vem se erigindo a nova instituição.
ra que unificava diferentes departamentos, sob os quais
antes estavam fracionadas as atividades de fiscalização Esta história, entretanto, teve inicio muito antes, e
e cobrança de tributos conforme a espécie tributária. ao buscarmos suas origens mais remotas recuamos aos
O Departamento de Rendas Internas, o Departamento primórdios de nosso passado. A leitura atenta desta obra
de Rendas Aduaneiras, o Departamento do Imposto de demonstra que a memória tributária anda a par e pas-
Renda e o Departamento de Arrecadação, além de exe- so com a história do Brasil. Tal compreensão nos ajuda
cutarem, à época, parte das atividades hoje atribuídas ao a analisar o presente com maior consciência dos
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processos que envolvem as relações entre a Fazenda e o Na segunda parte, faz-se a análise histórica des-
Contribuinte, entre o Estado e o Cidadão. Além dis- tes 45 anos da Receita Federal. Não apenas os fatos e
so, propicia-nos uma visão de maior alcance sobre os acontecimentos que antecederam a criação do novo
horizontes do planejamento estratégico para os dias órgão, mas também se volve o olhar para a instituição
que virão. de hoje e a que se busca construir com a perspectiva
do amanhã.
Um dos objetivos pretendidos com este livro é
oferecer uma reflexão que amplie a compreensão das Desse modo, finalizo, rendendo justa homenagem
implicações geradas pelo contexto histórico no pró- a quem tem edificado a Receita Federal ao longo de sua
prio desenvolvimento institucional da Administra- história. Detentora de inestimável patrimônio huma-
ção Tributária. Com esse intuito, a obra encontra-se no e intelectual que, por meio do seu corpo funcional,
dividida em duas partes, as quais buscam, por meio faz-se presente na sociedade, atuando em favor da co-
de uma narrativa cronológica, revestida de rigor letividade. A cada um dos seus servidores, portanto, o
científico, contextualizar não apenas os fatos de nos- merecido reconhecimento.
sa história administrativo-tributária, mas, especial-
mente, situá-los dentro do panorama histórico que se
Carlos Alberto Freitas Barreto
vivia no momento. Secretário da Receita Federal do Brasil
Todo trabalho de resgate histórico parte de um re- do novo órgão no final da década de 1960, foram abor-
corte espacial e temporal balizado pelo enfoque temá- dadas as repartições pioneiras, como: as feitorias, as
tico dado ao objeto de estudo. A Receita Federal, que provedorias, as alfândegas e os almoxarifados. A seguir,
acaba de completar seus 45 anos de existência, não seria foram apresentados os primeiros ensaios de centraliza-
exceção. Sua abrangência espacial abraça todo o territó- ção administrativa com a criação da Provedoria-Mor da
rio nacional. Não é fortuita sua atual denominação de Fazenda Real. Depois, juntamente com a família real,
Receita Federal do Brasil. veio para o Brasil, o Erário Régio e, no período imperial
foi criado o Tesouro Público Nacional, seguido pela Di-
Ao buscar suas origens, entretanto, recuamos mais e
retoria Geral das Rendas Públicas.
mais nos idos de outrora, ultrapassando a efeméride inau-
gural da Secretaria em 1968. Além disso, suas mais pro-
Já com a República proclamada, surge uma nova
fundas raízes só podem ser alcançadas na prospecção de
estrutura a partir dos anos 30, com a Direção-Geral da
nosso passado mais remoto. A história da administração
Fazenda Nacional. Três décadas mais tarde, com a di-
tributária confunde-se, assim, com a história do Brasil.
visão do Brasil em dez regiões fiscais, estava pronto o
cenário para a maior de todas as reformas na adminis-
Portanto, optou-se, nesta obra, por partir do perí-
tração tributária brasileira, a qual culmina na criação da
odo colonial, da chegada dos portugueses a estas terras,
Receita Federal.
acompanhando desde os primeiros passos a organi-
zação arrecadadora e fiscal. Na primeira parte, que se A segunda parte do livro aborda, desse modo, algu-
estende da empresa colonial às vésperas da instalação mas das dificuldades enfrentadas, bem como as variadas
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conquistas alcançadas no processo de desenvolvi- Qual não deve ter sido a surpresa do professor
mento da casa até chegar aos tempos atuais. Essa é Calmon ao acompanhar as reformas administrati-
uma história que não se encerra com o ponto final do vas que iniciaram em 1967 e, quão perplexo ficaria,
último capítulo. vivo ainda estivesse, ante os avanços tecnológicos
de nossos dias.
Em constante processo de modernização, a Re-
ceita Federal, valendo-se das mais modernas fer-
ramentas disponíveis na era digital, trilha seu ca-
minho rumo ao futuro, sempre com a visão firme
no objetivo de ser uma instituição de excelência na
administração tributária e aduaneira, de referência
nacional e internacional.
OS PRIMÓRDIOS
Desembarque de Cabral em Porto Seguro.
Óleo, Oscar Pereira da Silva, século XIX.
Museu Histórico Nacional/RJ.
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1. Feitorias na Terra Brasilis
A História do Brasil nasce do comércio exterior. Se Portugal não dispunha de recursos financeiros e hu-
a descoberta da Terra Brasilis foi ou não intencional, manos para colonizar a terra naquele momento, com to-
o certo é que decorreu das navegações portuguesas em dos os custos decorrentes de instalação, transporte e de-
busca das trocas comerciais com a Índia. As especiarias fesa. Assim, lançou mão do expediente adotado em sua
oferecidas pelo Oriente possuíam tal valor que Pedro expansão pelo litoral africano, concedendo o direito de ex-
Álvares Cabral, tão logo reorganizou sua esquadra, se- ploração. Fernão de Loronha (ou Fernando de Noronha)
guiu viagem em busca da pimenta e outros produtos. um dos principais arrendatários, posteriormente com vá-
Delegou somente a uma embarcação a missão de levar rios associados, contratou com a Coroa, a partir de 1503,
a notícia das novas terras ao monarca pela célebre carta o referido direito trienal e renovável. Não se tem ao certo
de Pero Vaz de Caminha. se ele foi o primeiro a pisar na ilha que leva seu nome ou
mesmo se foram membros de sua esquadra que lá chega-
Durante os trinta primeiros anos, o Brasil foi, acima
ram. Contudo, ao negociar o arrendamento, fez algumas
de tudo, um entreposto comercial. As expedições, ini-
exigências. Entre elas que se suprimisse a importação do
ciadas já em 1501, faziam o reconhecimento do territó-
concorrente pau-brasil asiático, ao que o rei concordou.
rio sem deixar de buscar uma passagem que facilitasse a
rota mercantil. Mais tarde, porém, descobririam que o O comércio era monopólio da Coroa, ordenando-
trajeto pelo ocidente seria mais extenso e oneroso que -se em contrapartida aos exploradores a construção, ao
o caminho percorrido para além do Cabo do Bojador. longo da costa, de feitorias, que nada mais eram do que
De qualquer modo, acabaram encontrando a madeira fortificações para a garantir a posse real. Sua sede era
corante que daria as tintas ao nome daquelas terras. O constituída por uma paliçada, com uma torre de pedra
pau-brasil era conhecido dos portugueses, pois havia es- ou madeira. Ali, o pau-brasil e gêneros como plantas,
pécie semelhante no Oriente da qual já faziam uso. aves e animais exóticos aguardavam o transporte.
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As feitorias poderiam ser consideradas as primeiras deveriam entregar o quinto do pau-brasil (20%) em es-
Feitorias na Terra Brasilis
repartições administrativas ou alfandegárias no Brasil, pécie ao rei. Esse foi o primeiro tributo aplicado sobre
não fosse seu caráter estratégico-militar em detrimen- um produto de nosso solo, porém destinado exclusiva-
to do administrativo-fiscal. A precariedade de suas ins- mente ao fisco português, não havendo, portanto, nesse
talações era fruto de uma prática exploratória nômade período, uma estrutura fazendária no Brasil.
por natureza. Erguidas em uma região sem ocupação
A mão-de-obra era indígena. Sem esse expediente
fixa portuguesa e com uma vida econômica bastante ru-
não seria possível aos portugueses a empreitada, pois
dimentar, as feitorias eram guardadas por funcionários
as enormes árvores mediam de dez a quinze metros de
militares, chefiados por um feitor-almoxarife, o qual re-
altura e mais de um metro de diâmetro na base. O paga-
presentava os interesses da Coroa, sendo o cargo provido
mento era feito com quinquilharias, tais como canivetes,
pelo rei. Talvez se excetuando a feitoria de Pernambuco,
tecidos e ferramentas, algumas das quais aprimoravam
sequer se possa dizer que foram geradoras dos futuros
a produtividade no corte da madeira, como machados
núcleos urbanos.
e serras. Instrumentos desse tipo eram mais valoriza-
dos pelos nativos que o ouro e a prata, posto que até
As principais fortificações tiveram lugar na Bahia
então só utilizavam ferramentas de pedra. Quanto mais
de Todos os Santos, em Porto Seguro, São Vicente, Rio
avançava a exploração da madeira, de mais longe pre-
de Janeiro, Cabo Frio e Igaraçu - esta última em Per-
cisavam ser trazidas as toras até o embarque no litoral,
nambuco, também conhecida como Feitoria dos Mar-
aumentando a necessidade dos postos de vigilância.
cos, por estar próxima ao local onde se assinalava o do-
mínio português com marcos de pedra.
Não tardou a outros reinos se interessarem pela
Não havia circulação de moeda naqueles anos ini- matéria-prima. Apesar de algumas investidas, a Espa-
ciais da exploração das novas terras. Os interessados, nha manteve certa distância por conta do Tratado de
além de pagarem para obter o privilégio da extração, Tordesilhas, assinado em 1494. Outros soberanos,
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entretanto, não reconheciam a divisão do Novo Mundo cendo diretamente a outras nações a madeira tintorial,
Em 1530 a Coroa resolveu voltar sua atenção para Brasil. Quase dois meses depois, já em sua chegada à
a consolidação de seus domínios no Atlântico Sul. atual costa pernambucana, travou combate com navios
Para comandar uma extraordinária expedição, o rei franceses, apreendendo 70 toneladas de pau-brasil e
Dom João III designou Martim Afonso de Souza. Sua capturando cerca de 30 contrabandistas que seriam le-
tarefa em nada era simples. Enfrentar os franceses e vados ao presídio de Lisboa. As toras da madeira foram
desbravar caminhos desconhecidos em busca de me- despachadas para a Metrópole a fim de serem leiloadas.
tais preciosos, além de investigar e reconhecer a situa-
ção atual das terras. Após expedicionar de norte a sul pelo litoral, ho-
mens de sua esquadra adentraram no Rio da Prata até o
O fidalgo e seu primo, Antônio de Ataíde, eram delta do Paraná sem obter sucesso em busca da lendária
amigos de infância do então príncipe João III. Com a Serra da Prata. Depois disso, Martim Afonso aportou,
morte do rei, Dom Manoel, em 1521, os dois passaram em 22 de janeiro de 1532, no local em que fundaria a
a disputar os melhores cargos na Corte do novo monar- Vila de São Vicente e, próximo de lá, a aldeia de Pirati-
ca. Dom Ataíde tornou-se muito influente, recebendo ninga, às margens do Tietê, futura cidade de São Paulo.
o título de Conde de Castanheira e depois passando a Com uma crise financeira e os cofres vazios para admi-
Vedor da Fazenda, dirigente máximo das finanças em
nistrar, ainda naquele ano o rei o informou por carta
Portugal, cargo criado em 1516. Foi por sua indicação
sua decisão de ocupar as Terras de Vera Cruz com o sis-
que Martim Afonso de Souza partiu para o Brasil. Au-
tema de donatarias ou capitanias, reservando ao fidalgo
xílio alcançado ao primo ou o mero desejo de afastá-
a faixa que melhor considerasse.
-lo do rei, o fato é que Martim Afonso aceitou a mis-
são e zarpou, em dezembro de 1530, com uma frota de Diversos incidentes com os franceses corroboravam
cinco embarcações trazendo quatrocentos homens ao essa necessidade de colonização imediata. Foi o caso da
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tomada da feitoria de Igaraçu pelos franceses, onde mo uma única nau eram elevados na época. Chegando
Provedorias, Alfândegas e Almoxarifados nas Capitanias
se instalou um posto de abastecimento do contraban- à terra, teriam que promover a instalação de vilas, en-
do. A unidade foi reconquistada em terra pela ação frentando a resistência dos indígenas e a investida dos
de Pero Lopes, irmão de Martim Afonso que com ele corsários franceses. Se, por um lado, a falta de certeza
viera de Portugal. Em seguida, a embarcação francesa sobre o que encontrar desencorajava o aceite, por ou-
Peregrina (Pélérine), responsável pelo ataque, foi cap- tro, a influência palaciana não poupava esforços para
turada pelos portugueses no Mediterrâneo por uma dar início à povoação. As doações se prolongaram até
esquadra da Corte com quinze mil toras de pau-bra- 1536. Se Dom Ataíde escolheu por mérito os benefici-
sil, 3 mil peles de leopardo, seiscentos papagaios, tre- ários, ou convocou seus subalternos, certo é que entre
zentos bugios e saguis e com uma grande quantidade os donatários estavam alguns dos mais graduados fun-
de algodão e óleos medicinais. cionários da Fazenda Real. O tesoureiro-geral do Rei-
no, Fernão Álvares de Andrade; o escrivão da Fazen-
Até que tivessem início as capitanias, em 1534,
da Real, Jorge de Figueiredo Correia; o feitor da Casa
dois anos se passaram. A implantação do sistema di-
da Índia, João de Barros, e o futuro provedor-geral da
vidiu o território em 15 faixas que seriam administra-
Fazenda, Antônio Cardoso de Barros. Alguns sequer
das pelos respectivos donatários. O empreendimento,
chegariam a pisar na capitania doada. Também milita-
ainda considerado oneroso aos cofres portugueses, fez
res que haviam participado das conquistas portugue-
o rei optar administrativamente por repassar aos par-
sas no Oriente figuravam entre os agraciados.
ticulares o compromisso de povoar, proteger e investir
na terra. A demora deveu-se talvez ao tempo neces- Os que aceitaram a proposta acreditavam nas
sário para regulamentar as concessões e obrigações perspectivas e potencialidades dos poderes majestáti-
decorrentes por meio de cartas de doação e forais. Ou cos concedidos. As capitanias eram de grande extensão
seria ainda resultante da dificuldade em recrutar os in- territorial (mesmo se comparadas a toda a Metrópole),
teressados. Os custos para equipar uma frota ou mes- indivisíveis, inalienáveis e hereditárias. Os donatários
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poderiam doar 20% das terras em sesmarias aos futuros de colonos. Muitos eram aventureiros em busca de ri-
ciosos. Era esse, inclusive, outro indício da intenção real unidade alfandegária no Brasil. Ao fundar São Vicen-
de achar ouro e prata em grande quantidade, possivel- te, em 1532, Martim Afonso já teria distribuído lotes
mente até então encontrados em pequena monta. de sesmarias e comandado a edificação de casas, de
um forte, de uma igreja e, inclusive, de uma alfânde-
Os donatários recebiam ainda a vintena (5%) dos ga. Entre 1535 e 1540, teria o rei ainda feito doação
pescados e produtos da terra, colhidos ou produzidos. do cargo de provedor a seu escrivão particular, Pedro
Somente Duarte Coelho, da capitania de Pernambuco, Henriques, que se supõe nunca ter ocupado a função,
recebia dobrado, ou seja, o dízimo (10%) dos pesca- cabendo, assim, a Antônio Tinoco o papel de primeiro
dos. Também a eles deveriam ser pagas a redízima, a provedor de fato em 1548.
qual era 1% das rendas pertencentes à Coroa sobre o
pau-brasil e a dízima alfandegária. A Alfândega de Pernambuco estima-se ter surgi-
do por volta de 1534 em Olinda. O porto em Recife
As primeiras alfândegas funcionavam integra- parecia mais seguro e amplo e acabou atraindo as ati-
das a Provedorias da Fazenda Real e teriam surgido vidades comerciais, assim como a alfândega que mui-
no período inicial das capitanias. À medida que se tas vezes alternou sua instalação com Olinda até 1687,
organizavam os primeiros povoamentos, faziam-se quando o governador informou ao rei a ruína da velha
necessários víveres de abastecimento, o que exigia Alfândega de Olinda, passando, então, definitivamen-
a aquisição de ferramentas agrícolas, além de arma- te para Recife.
mentos e munições que vinham da Metrópole para a
A Bahia, também poderia ter sido a primeira capi-
defesa dos colonos.
tania a sediar uma alfândega ou provedoria, já que, por
O comércio podia ser efetuado pela Colônia, exce- volta de 1536, Francisco Pereira Coutinho deu início à
tuando-se os artigos de monopólio da Coroa, como o ocupação na capitania. Estima-se que alfândegas como
pau-brasil e as pedrarias. a de Ilhéus e Itamaracá fossem anteriores a 1540.
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Além das constantes investidas dos nativos e corsá- mento que, ao percorrer as capitanias costeiras, deveria
aliás não deve ser confundido com personagem ficcio- truções com aproximadamente 63m² cada, de pedra e
nal homônimo de Machado de Assis. Adquiriu, assim, cal, sendo cobertas com telhas. Entre as duas casas e o
sesmarias no local e construiu o primeiro monjolo, en- mar haveria um pátio, à maneira de cais, com espaço
genho movido à água. A ele, o rei concedeu 2% por re- para artilharia, se julgassem necessário utilizá-la e com
dízima tirada de tudo o que arrecadassem em dízimos, uma varanda coberta, onde as tais armas ficariam pro-
além dos direitos reais da feitoria da dita capitania. O tegidas do sol e das chuvas.
especialmente designados pela Coroa para recolher os os índios nos primeiros anos de extração nômade do
dízimos pertencentes ao rei e observar os monopólios. pau-brasil, encontrava grande resistência na sedenta-
Além disso, acrescentaram-se ainda a rendeiros e feito- rização agrária. Os conflitos com os silvícolas aumen-
res dos primeiros anos, os almoxarifes. tavam, visto que já não aceitavam quinquilharias e não
se deixavam escravizar sem luta. O cativo das feitorias
O almoxarifado em Portugal era a repartição que
africanas logo seria inserido no sistema produtivo.
cobrava as rendas e os impostos. O almoxarife era as-
sistido por um tesoureiro, um escrivão e, quando ne- Se não foi possível às capitanias se manterem autô-
cessário, por outros ajudantes. Tal sistema remontava nomas por apenas duas décadas, não se pode considerar
ao século XII, quando do domínio árabe da Península que a empreitada tenha sido um fracasso, pois o objetivo
Ibérica, em que foram instaladas aduanas denominadas português foi alcançado ao dar início à ocupação efe-
“almojarifasgoz”. No Brasil, suas funções foram sendo tiva da terra.
cada vez mais absorvidas pelas provedorias e depois
pelas alfândegas, ficando os almoxarifados reduzidos a
depósitos, legando-lhes a acepção atual do termo.
As capitanias estavam isoladas e não se firmara ain- ção e fiscalização de tributos da Colônia unificadamen-
da uma padronização de procedimentos administrati- te. Em mãos, trazia os regimentos lançados pelo rei em
vos. A incipiente Fazenda, segundo constava ao rei, es- 17 de dezembro de 1548, com todas as diretrizes para
tava desorganizada. A comunicação entre as donatarias a missão que visava cumprir. Cardoso de Barros havia
era dificultada pela grande extensão territorial. Os ata- sido nomeado em 1535 como donatário da capitania do
ques e investidas dos corsários não cessavam. Por mais Ceará, sendo improvável que lá alguma vez tenha com-
de uma missiva, informou-se ao rei a necessidade de in- parecido. Era homem com fama de zeloso e probo e,
tervenção, sob o risco de perder suas terras na América. por conseguinte, de confiança do rei.
os primeiros cargos estabelecidos na Provedoria-Mor com a maioria dos que ali habitavam desde 1534, ha-
foram um escrivão, juízes dos feitos da Fazenda, um pro- vendo a Coroa comprado os direitos do seu herdeiro.
curador da Coroa, oficiais de contabilidade e tesouraria. As demais donatarias, do mesmo modo, foram sendo
readquiridas com o passar do tempo. Ao chegar, a es-
Nas provedorias locais atuariam, juntamente aos quadra de Tomé de Souza encontrou cerca de quarenta
respectivos provedores, almoxarifes, escrivães, portei- colonos sobreviventes dos conflitos com os nativos. O
ros e guardas da alfândega. Os rendeiros ou arrecada- próprio rei escrevera ao Caramuru, português que vi-
dores contratados também compunham o cenário, rea- via entre os índios desde os mais remotos tempos, para
lizando a tarefa primordial da estrutura, a arrecadação que os auxiliasse na instalação, resultando serem rece-
das rendas. bidos com grande alegria. Em cinco semanas, edifica-
ram uma centena de casas.
A armada que os trouxe era composta por três naus
e transportava cerca de mil indivíduos, sendo apro- Primeiramente, ao provedor-mor era ordenado
ximadamente duzentos militares, trezentos colonos, corresponder-se com os oficiais da Fazenda nas diver-
quatrocentos degredados e alguns jesuítas. Entre eles, sas capitanias ou, na sua ausência, com os respectivos
muitos pedreiros, serralheiros, oleiros, canoeiros, bar- capitães para participar sua nomeação e informar-se
beiros e tantos outros artífices necessários à fundação sobre a arrecadação. O rei queria saber quais direitos,
de uma cidade. A primeira providência seria abrigar-se, como e de quem estavam sendo recolhidos e se havia
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casa ordenada para arrecadação em cada capitania. O arrecadação. Para melhor administrar, buscava-se a
A Provedoria-Mor da Fazenda Real no Brasil Colônia
seria ele o julgador dos que tivesse previamente por cul- porto desprovido de alfândega, haveria perdimento das
pados quando de seu retorno à Bahia. mercadorias e do navio, além do degredo do seu capitão
por cinco anos para a Ilha de São Tomé.
O provedor-mor deveria também dar ordens para
construir alfândegas, tanto em Salvador como nas ca- Se não fosse logo recepcionada a embarcação pelo
pitanias onde não as houvesse para o despacho e arre- provedor ou almoxarife, poderia ser destacado um dos
cadação dos direitos do rei. Igualmente criaria casas membros da tripulação para dar ciência à alfândega so-
de contos em que seriam administrados os assuntos bre sua chegada. Indo a bordo, os oficiais primeiramente
da Fazenda. Os provedores locais acumulariam o car- saberiam do mestre e piloto do navio quais mercadorias
go de juiz da alfândega, rubricando e numerando os traziam por meio do chamado livro da carregação ou por
livros com receitas e despesas, tais como mantimen- folhas avulsas. Não havendo tal manifesto de carga, presta-
tos e soldos dos oficiais que acompanharam a arma- riam juramento e relacionariam tudo que estivesse a bor-
da. Haveria também um livro dos regimentos, em que do. Esta documentação ficaria com o almoxarife enquanto
constariam o foral da respectiva capitania, a carta de se procedesse ao descarregamento. Tudo deveria vir a terra
doação, os regimentos da provedoria-mor e das pro- antes do pôr do sol. Não havendo tempo para concluir os
vedorias e, ainda, outras provisões passadas sobre a trabalhos, um guarda ficaria no navio, pernoitando.
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As mercadorias deveriam seguir diretamente para Produtos de difícil transporte, feito o trigo, as lou-
ria-Mor, com todos os seus livros contábeis. As dúvidas vamente vistoriada a listagem e os bens a bordo. Cada
que permanecessem sobre as contas seriam esclarecidas venda realizada precisava ser registrada, identificando
por um letrado, indicado pelo governador-geral. Per- os compradores para apresentação posterior. Não era
sistindo a questão, seria nomeado um terceiro e, pelo permitido vender aos não-cristãos. Quem fosse pego
desempate, tudo ficaria decidido e cumprido. Os almo- fornecendo armamento aos índios seria preso e subme-
xarifes e recebedores que não prestassem suas contas tido ao julgamento pelo provedor-mor.
seriam presos e teriam seus bens executados. A arrema-
Os provedores deveriam prestar contas também
tação da atividade de recebimento de tributos passou
sobre a fiscalização da construção de embarcações de
depois a ser trienal.
acordo com as determinações reais. Uma atenção es-
Sobre o açúcar que deixasse a terra, deveria ser re- pecial também estava reservada à artilharia, isenta de
colhido o dízimo pertencente ao rei e sequer poderiam tributação e sujeita a levantamentos quantitativos cons-
os senhores de engenho retirá-lo da casa de purgar até tantes. Vale frisar que capitães, senhores de engenho e
receber a vistoria do alealdador, sob pena de perdimen- moradores das capitanias eram obrigados a se armar.
to. Além de passar certidão de que já havia sido tributa-
Decorridos três meses de sua chegada à Bahia,
do, este oficial atestava a boa qualidade e a perfeição do
Cardoso de Barros dirigiu-se a Pernambuco, conforme
produto. O regimento dava isenção fiscal para instalação
ordem de vistoriar as capitanias. O donatário Duar-
de engenhos a pessoas que deveriam, em contrapartida,
te Coelho não aceitava a ingerência do provedor-mor,
comprar toda a cana produzida pelos agricultores locais.
chegando a encaminhar correspondência ao rei em
O comércio marítimo entre as capitanias também 1550, em que eram expostos desentendimentos entre as
deveria passar pelas alfândegas. Apresentado um rol duas autoridades. Houve mesmo manifestação dos co-
das mercadorias, somente com a autorização do pro- lonos contra o novo regime de Governo Geral.
Expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, 1567.
Óleo de Armando Viana, 1940.
Museu Histórico Nacional/RJ.
34
Apesar de ficar claro no regimento que nenhum retornar à situação anterior. Ao deixar o cargo e a Co-
A Provedoria-Mor da Fazenda Real no Brasil Colônia
donatário poderia interferir nos assuntos da Fazenda, lônia, Cardoso de Barros voltava para Portugal, quando
Duarte Coelho manteve a postura e a autonomia. naufragou e foi vitimado pelos caetés, índios antropófa-
gos, no mesmo incidente em que padeceu o bispo Pero
O primeiro Governo Geral encontrou bastante di-
Fernandes Sardinha.
ficuldade para implementar a centralização administra-
tiva almejada. A comunicação entre as capitanias per- O segundo governador-geral exerceu o cargo por
manecia precária e muitas vezes era mais fácil às uni- pouco tempo, até 1558, sendo considerado mau admi-
dades receberem notícias de Lisboa do que da Bahia. nistrador. Com caráter impulsivo e autoritário, atrasou
Por vezes, passava mais de ano, sem que algum navio do a obra pacificadora com os índios. Foi ainda em sua
governo viesse à capitania. gestão que, em novembro de 1555, os franceses insta-
laram-se na Baía da Guanabara, onde davam início à
Em carta de 1553, Tomé de Souza demonstrava-
povoação chamada França Antártica. Mem de Sá go-
-se desagradado com a administração independente
vernou de 1558 a 1572 e seu sobrinho, Estácio de Sá, en-
de Pernambuco, do que se queixava ao rei. Por outro
quanto capitão-mor venceu os franceses e seus aliados,
lado, consta que Antônio Cardoso de Barros teria sido
tamoios, fundando, assim, em 1565, o Rio de Janeiro,
relapso em seu cargo, recomendando ao monarca que o
cidade que mais tarde seria a capital do país. Lançados
ofício fosse acumulado pelo ouvidor-geral. No mesmo
os fundamentos da nova povoação, entre seus primeiros
ano, Tomé de Souza deixou o governo a pedido, vol-
atos, lavrou a nomeação do provedor da Fazenda Real.
tando à Metrópole, onde viveria até 1579. Duarte da
Costa, que o sucedeu, fez críticas ainda mais diretas e Após a expulsão dos franceses, Mem de Sá esco-
contundentes ao provedor-mor. As funções de seu car- lheu o melhor local para estabelecer a cidade, ficando
go passaram enfim ao ouvidor-geral até que a experi- o núcleo inicial conhecido, assim como na Bahia, por
ência demonstrou os inconvenientes à junção, fazendo Vila Velha. A Alfândega do Rio de Janeiro foi criada no
35
ano seguinte, em 1566. Seu primeiro provedor e juiz foi -escravos libertos. Além do açúcar, cultivava-se, desde
da cidade. O cargo de juiz da alfândega era relevante, Espanha uniu-se a Portugal em 1580, a nobreza lu-
sendo oferecido a nobres, como Pero de Magalhães, que sitana viu com bons olhos, a princípio, o que consi-
se julga ser o mesmo Gândavo, ex-guarda-mor da Torre derou um fortalecimento. Um novo regimento foi fi-
do Tombo, que escreveria a primeira História do Brasil xado para o provedor-mor em 1588, reforçando-lhe
em 1576. Embora não se tenha por certo que haja assu- as atribuições e cobrando maior rigor na tomada de
mido o cargo, esteve no Brasil.
tos fazendários. Para os provedores locais, permanecia administrativa, alguns oficiais aproveitavam para des-
o regimento anterior. A Fazenda Real passou, a partir viar os recursos da Fazenda para os próprios bolsos. Foi
de 1591, a ser administrada pelo Conselho da Fazen- o caso em 1583, quando o provedor Miguel Gonçalves
da, composto pelo vedor, enquanto presidente, além de Vieira e seu almoxarife foram descobertos pelo prove-
quatro conselheiros. Ao conselho estavam subordina- dor-mor, sendo imediatamente destituídos dos cargos e
das as alfândegas, a Casa da Índia - que administrava presos. Em 1588 o recém-nomeado governador do Bra-
os territórios portugueses de além-mar - e a Casa dos sil, Francisco Geraldes, recebeu como missão saber da si-
Contos, a qual era responsável pela ordenação e fiscali- tuação de defesa das capitanias e impedir o contrabando
zação das receitas e despesas de Portugal. do açúcar, que tanto prejuízo trazia à Fazenda Real.
Nas terras brasileiras, os espanhóis estavam mais Ocorria então um paradoxo que resultaria na inva-
interessados na região da Prata, ao sul, e na região são holandesa. O financiamento da defesa territorial au-
açucareira, no nordeste. Holandeses e franceses ainda mentava a opressão fiscal. Em contrapartida, os colonos
investiam em ataques na costa e a proteção era o ar- aderiam à sonegação, entregando, com maiores ganhos,
gumento para o aumento dos tributos, tanto para os o produto diretamente aos comerciantes estrangeiros e
colonos quanto para os portugueses no Velho Mundo. facilitando sua instalação. Numa tentativa de coibir tais
Cada mercadoria, ao passar pelos portos do reino, de- desvios, em 1591, foram fechados os portos do Brasil
veria pagar um suplemento de 3% para defesa litorânea aos navios que não tivessem licença prévia da Coroa
cias fiscais, subordinando-se diretamente à Fazenda na instalada, em São Luís, a Provedoria-Mor da Fazenda
Metrópole. Extraído o metal precioso, o quinto (20%) Real do Maranhão. Jácome Raimundo de Noronha foi
pertenceria à Fazenda Real. Em 1605 houve proibição seu primeiro provedor que se consagraria, mais tarde,
completa do comércio com embarcações estrangeiras, ao enfrentar os ingleses na foz do Amazonas. A Prove-
com o objetivo de contrapor ações de holandeses e in- doria da Fazenda Real do Pará havia sido instalada em
gleses. Aos oficiais não eram requeridos conhecimentos 1617 e sua alfândega ganhou casa própria em 1653 em
contábeis aprofundados. Resultava daí toda sorte de con- Belém. O Estado do Maranhão foi dividido, em 1651,
fusão nos registros de modo que diversas vezes se mani- desmembrando-se do Pará e, por conseguinte, viu sua
40
A Provedoria-Mor da Fazenda Real no Brasil Colônia
porque em 30 de dezembro de 1779, uma carta régia local, aos poucos foram habilmente estabelecendo acor-
criou a Junta da Real Fazenda da Capitania do Mara- dos com os produtores de açúcar, demonstrando que a
nhão. A de Belém permaneceria instalada a partir de pacificação seria mais rentável para ambos em vez da
1796 no Convento dos Mercedários, confiscado dos re- guerra. Houve um novo período de prosperidade em
em 1644, formando um conselho de dirigentes que im- na. Outros conflitos se acirravam com rebeliões de tra-
plementou maior opressão fiscal. balhadores cativos, não só indígenas como africanos.
A Revolta dos Beckman, em 1684, no Maranhão, foi
Pouco antes, em 1640, a Coroa Portuguesa era res-
um exemplo de reação ao regime comercial monopo-
taurada, dissolvendo-se a União Ibérica. Contudo, após
lista português. Dez anos mais tarde, os escravos resis-
60 anos, os cofres portugueses estavam vazios por conta
tiam ao sistema, criando Palmares. Em 1709 o conflito
das guerras europeias. A maioria das possessões ultra-
entre senhores de engenho e mercadores desencadeou
marinas lusitanas havia sido tomada. A Portugal nada
a Guerra dos Mascates em Pernambuco e, mais tarde,
restava agora senão investir com força na colonização
o primeiro grande movimento de caráter tributarista,
de sua última grande possessão, o Brasil. A cobrança
a Revolta de Vila Rica em 1720.
de antigos débitos sem qualquer benevolência resultou
em confiscos de propriedades, bens e escravos, dando
Com o crescimento da atividade mineradora a
início a novos conflitos que só terminariam com a re-
partir do início do século XVIII, inaugurava-se outro
tirada dos holandeses em 1654. A paz acordada incluía
ciclo econômico no Brasil. Baixou-se, assim, novo re-
uma indenização, que seria paga por décadas de taxas
gimento para a administração das minas em 1702. No
extraordinárias por todas as capitanias aos portugueses.
documento, estabelecia-se mais claramente a alçada
Os holandeses, por sua vez, deslocaram sua produção
judicial e penal para a solução de pendências e estipu-
de açúcar para as Antilhas. Por ironia, fizeram tal con-
lava-se a aplicação de penas para os contrabandistas.
corrência aos portugueses, e assim agravaram em muito
Criou-se também o cargo de guarda-mor das minas,
a crise já existente na região açucareira do Brasil.
o qual demarcaria as datas de terras para a exploração
Aos poucos, a elite colonial em formação começava mineradora, podendo ainda nomear guarda-menores
a ter consciência do processo de transferência de rique- para supervisioná-las.
43
Em decorrência do aumento de trabalho nas repar- Durante a primeira metade do século XVIII, a po-
Após a segunda metade do século XVIII, na Me- Coibia-se a evasão de metais preciosos para a In-
trópole e em suas Colônias, foram implementadas po- glaterra, a fim de segurar a moeda e a riqueza tão des-
líticas de racionalismo fiscal pelo então primeiro mi- viadas àquela nação por um comércio desequilibrado,
nistro de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo, quando não ilícito. A ordem resultou no aumento do
o Marquês de Pombal. Sua intenção era sistematizar a contrabando e na consequente pressão inglesa pela su-
tributação e a economia. Apesar disso, Carvalho tomou pressão da restrição. Tentava-se em vão conter tal avan-
algumas medidas que antes ressaltavam em Portugal ço, proibindo que o ouro, mesmo em pó, ou em barras
um despotismo nem tão esclarecido para o período ilu- para pagar o quinto à Fazenda, circulasse, pois muitas
minista vivido na Europa. Suas posturas eram bem rígi- vezes recorriam a marcações falsas ou a obras grotescas
das, dividindo opiniões até hoje. A criação de Juntas da de ourivesaria. Assim, o Marquês de Pombal desautori-
Fazenda, que substituiriam as provedorias, e do Erário zou também o exercício do ofício de ourives sem per-
Régio faz parte dessa reestruturação administrativa. missão expressa do governo.
A política econômica portuguesa refletia-se na Na Colônia seria cobrado o chamado subsídio vo-
arrecadação na Colônia. Pelo Tratado de Methuen, de luntário, que era um tributo destinado à reedificação de
1703, Portugal havia feito um pacto comercial com a In- Lisboa após o terremoto de 1755. Fazendo movimen-
glaterra. Compraria seus tecidos em troca de que os in- tar muito dinheiro à Metrópole, de voluntário possuía
gleses adquirissem seu vinho. A balança comercial era apenas a nomenclatura. Pombal operou ainda a expul-
totalmente desfavorável a Portugal e a saída para os pre- são dos jesuítas, até aquele momento responsáveis pela
juízos foi buscada no aumento da taxação dos minérios educação nas terras d´além mar, passando a cobrar o
no Brasil. Não foi à toa que os primeiros movimentos de subsídio literário, com vistas a construção de escolas e
libertação colonial surgiram em Minas Gerais. ao sustento do ensino público.
Recibo de entrega de ouro e
pagamento do quinto, 1763.
Biblioteca Nacional/RJ.
49
Desse modo, podemos ver que a estrutura fazen- mandos, com o Erário Régio em Portugal e a Provedo-
da que não houvesse a instituição de um vice-reinado ções no Brasil, havendo indícios de sua existência já em
do Brasil. A partir de 1720, a denominação passou a to- 1765 na Bahia. Foi também instalado no Rio de Janei-
dos os governantes que exerceram o cargo. ro em 1767, com um guarda-livros e dois escriturários
para estabelecer a nova metodologia de controle fiscal,
O Erário em Portugal era presidido pelo Inspetor Ge-
conforme as diretrizes metropolitanas. A situação até ali
ral do Tesouro, função, aliás, que havia sido ocupada pelo
era de precariedade tanto na administração tributária,
próprio Marquês do Pombal na época de Dom João V, e como nas repartições que estavam em péssimas condi-
composto ainda pelo tesoureiro-mor, seu escrivão e qua- ções como a Tesouraria Geral, a provedoria da Fazenda
tro contadores-gerais que eram responsáveis pelas quatro Real e os armazéns das madeiras na Ilha das Cobras.
contadorias em que ficou dividido o Erário na ocasião. O
primeiro contador estaria encarregado de dar entrada no
Tesouro aos dinheiros da Corte e Província da Estrema-
dura. Ao segundo cabia receber os direitos reais das pro-
víncias do reino e ilhas dos Açores e Madeira. Ao terceiro,
cabiam as rendas da África, do Maranhão e Bahia. E, por
fim, o quarto era encarregado de dar conta ao que provies-
se da África Oriental, da Ásia e do Rio de Janeiro. A partir
de então, deveriam adotar nas respectivas escriturações o
método contábil das partidas dobradas.
instaladas em Pernambuco, Pará, Minas Gerais, Mara- se sentiam cada vez mais oprimidos. Faltava às autori-
nhão e Ceará. Na virada para o século XIX, surgiram dades portuguesas uma compreensão de que o contra-
as Juntas da Fazenda do Rio Grande do Sul e do Mato bando não era exclusividade da mineração. Atingia pra-
Grosso. Em 1809 foi a vez da Paraíba e do Espírito Santo ticamente todo o território colonial, assim como todos
e, em 1817, Santa Catarina. Em 1820 ainda não se ha- os setores produtivos envolvidos na extração, como o
viam totalmente fixado, sendo as últimas: Alagoas, Rio gado do sul, o açúcar do nordeste e outros produtos que
Grande do Norte e Sergipe. abasteciam a região das minas.
O Erário Régio e as Juntas da Fazenda Real na Era Pombalina 52
Arquivo Nacional/RJ.
Balanço de Receitas e Despesas.
53
Além disso, os clérigos que circulavam a princípio cadação de impostos, que invadiria as propriedades e
os contratadores que arrecadavam os direitos reais pro- metropolitanos contra o qual lutaria. Ele, que ficou co-
telavam ao máximo a entrega dos recursos recolhidos nhecido como Tiradentes, pela habilidade manual em
ao final do prazo contratado. As grandes dívidas forma- arrancar dentes e substituí-los por próteses que produ-
das junto às autoridades locais eram roladas mediante zia com esmero, era o único dos insurgentes que não era
o pagamento de propinas ou prestação de favores, for- rico ou membro da elite local. É importante lembrar que
mando uma rede de corrupção e conluio difícil de ser o ofício de dentista era atividade reles na época, sendo
detectada pelo distante soberano português. muitas vezes praticada por escravos ou alforriados. Foi
no dito caminho que panfletou e discursou contra os
A questão fiscal estava no cerne da revolta que excessos metropolitanos. Sua execução modelar ba-
eclodiu em Minas em 1798. Ainda que sob influência seou-se nestes dois aspectos. Não ser das classes altas e
do contexto libertário mundial, oriundo do ideário ilu- ter se exposto mais que os demais partícipes. Teve con-
minista da Independência Americana e da Revolução tato ali com a corrupção e o contrabando, conhecendo
Francesa, a Inconfidência, como denominaram os por- o famoso cobrador de impostos Joaquim Silvério dos
tugueses, só ganhou força por contrapor-se à opressão Reis, que mais tarde delataria os revoltosos em troca do
tributária portuguesa. Sinalizava-se a possibilidade de perdão de suas dívidas em contratos de arrematação e
proceder a já citada derrama, forma violenta de arre- por uma pensão que recebeu da Coroa.
54
Os inconfidentes reuniam-se na casa de João
O Erário Régio e as Juntas da Fazenda Real na Era Pombalina
Tiradentes (Alferes).
Óleo de José Wasth Rodrigues, 1940.
Museu Histórico Nacional/RJ.
55
O Erário Régio e as Juntas da Fazenda Real na Era Pombalina
Detalhe da fachada da
Casa dos Contos, Ouro Preto/MG.
Foto do autor.
Brasão do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves.
57
5. O Erário Régio no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Com a transferência da família real para o Brasil a continental imposto aos ingleses, a liberação ao comércio
fim de escapar às tropas de Napoleão em 1808, passava- exterior no Brasil era de uma consequência e urgência
-se a investir na Colônia. O Brasil logo seria visto como inevitáveis. Manter privilégios à nação ocupada seria o
um novo império florescente que Portugal desejava man- mesmo que conceder vantagem ao inimigo. O conselho
governativo deixado por Dom João em Portugal foi des-
ter ao seu lado, mesmo quando fosse possível o retorno
tituído tão logo os franceses tomaram a cidade. A Carta
da Corte à terra de origem. Até então, a política prote-
Régia de Abertura dos Portos, assinada em 28 de janeiro
cionista e mercantilista lusitana em relação às suas Colô-
de 1808 fixava em 24% os direitos de importação para
nias era de exploração e benefício exclusivo à Metrópo-
produtos secos e o dobro para os chamados molhados,
le. Excetuando-se os investimentos nos setores agrícola
como azeites, vinhos e aguardentes. Pouco depois, em
e mineiro, quaisquer outras iniciativas produtivas eram
1810, estabeleceu-se que as mercadorias portuguesas ou
tolhidas por representar uma ameaça competitiva. estrangeiras transportadas sob a bandeira lusa pagariam
16% e os importados britânicos, trazidos por ingleses ou
O primeiro ato administrativo de Dom João VI foi
portugueses estariam sujeitos a taxa de 15% ad valorem.
também um ato fiscal. Com apenas alguns dias da che-
gada à Bahia, onde permaneceria por mais de um mês A Corte transferida para o Brasil trouxe consigo
antes de seguir para o Rio de Janeiro, o príncipe regente o aparato administrativo português. Enquanto sede
autorizou a abertura dos portos brasileiros às chamadas do reino, a Colônia agora concentraria também sua
nações amigas de Portugal. O acesso mercantil interes- administração. Apesar da situação tida como transi-
sava principalmente à Inglaterra, a qual protegera a frota tória não exigir maiores alterações estruturais no apa-
portuguesa em sua travessia oceânica em troca de vanta- relho fiscal, o Brasil Colônia era forçado a repensar
gens comerciais. Com o fechamento dos portos em Por- sua organização administrativa e financeira ante o
tugal pela ocupação francesa, assim como pelo bloqueio impacto da mudança.
58
O Erário Régio no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Eu, o Príncipe Regente, vos envio muito saudar, como àquele que amo. Atendendo à representação que fizes-
tes subir à minha Real presença, sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta capitania, com grave
prejuízo de meus vassalos e da minha Real Fazenda, em razão das críticas e públicas circunstâncias da Europa;
e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta e capaz de melhorar o progresso de tais
danos: sou servido ordenar interina e provisoriamente, enquanto não consolido um sistema geral, que efetiva-
mente regule semelhantes matérias, o seguinte:
Primo: Que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias,
transportados ou em navios estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha Real
Coroa, ou em navios dos meus vassalos, pagando por entrada 24 por cento; a saber, 20 de direitos grossos, e 4
do donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas pautas ou aforamentos, por que até
o presente se regulam cada uma das ditas Alfândegas, ficando os vinhos, águas ardentes e azeites doces, que se
denominam molhados, pagando o dobro dos direitos que até agora nelas se satisfaziam.
Segundo: Que não só os meus vassalos, mas também os sobreditos estrangeiros, possam exportar para os portos
que bem lhes parecer a benefício do comércio e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaisquer gêneros
e produções coloniais, à exceção do pau-brasil ou outros notoriamente estancados, pagando por saída os mesmos
direitos já estabelecidos nas respectivas capitanias, ficando, entretanto como em suspenso e sem vigor todas as leis,
cartas régias ou outras ordens, que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre
os meus vassalos e estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com o zelo e atividade que de vós espero.
após a Independência. O Erário foi instalado, juntamen- 14 de outubro de 1808 proibia aos juízes das alfândegas
te com a Casa da Moeda, no edifício da antiga Casa dos a admissão de livros e impressos sem autorização do De-
Pássaros, a Rua Lampadosa, no Rio de Janeiro, prédio ori- sembargo do Paço.
ginalmente destinado a ser um museu de História Natural.
A administração fazendária entendia que para arre-
Fernando José de Portugal e Castro, além de assu- cadar cada tipo de receita precisava engendrar uma es-
mir a Fazenda e a presidência do Erário Régio, acumulou trutura própria com repartições específicas. Em junho de
o cargo de Ministro Assistente ao Despacho, o qual equi- 1808, era criada, portanto, a Superintendência e a Junta
valia a um chefe de gabinete ou primeiro ministro, com de lançamento da décima urbana, tributo predial da épo-
ingerência sobre todas as pastas. Em 1810 também admi-
ca. Também em 1809 foi estabelecida a Superintendência
nistrou o Ministério da Marinha até sua morte em 1814.
Geral dos Contrabandos. Não houve nenhum ato, que
As políticas adotadas nesse período certamente eram de
se saiba, ligando o Erário Régio com as alfândegas. Es-
sua orientação, posto que Dom João VI tinha o mérito de
tas, por sua vez, eram responsáveis pela maior parte da
escutar seus conselheiros.
arrecadação. Em 1810 foi criada a Alfândega de Fortaleza,
Em abril de 1808, assinou-se um alvará revertendo a também conhecida como Alfândega do Ceará. Foi insta-
proibição de produzir manufaturas e indústrias imposta lada, contudo, em 1812, atraso que se supõe à falta de um
por Dona Maria em 1785. Por conseguinte, o comércio ancoradouro. Por sete anos lutaram os portugueses contra
poderia ser revitalizado também internamente. Direitos a ocupação francesa e com o apoio inglês retomaram a so-
de entrada e saída de tecidos fabricados no Brasil foram berania em 1814. A partir de então aguardaram o retorno
isentos, assim como o imposto de importação para mer- de Dom João até o limite, quando a Revolução do Porto
cadorias provenientes de Lisboa que lá tivessem pagado exigiu sua volta em 1820. Antes disso, em 1815, o Brasil
o imposto. A fim de controlar e evitar a disseminação dos foi elevado a Reino Unido com Portugal e Algarves.
Dom João VI, século XIX.
Óleo de José Leandro de Carvalho.
Museu Histórico Nacional/RJ.
64
Em 1817 ocorreu o movimento conhecido como sua cota. Os chamados novos direitos faziam recolher
O Erário Régio no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Revolução Pernambucana. Influenciada pelos ideais li- 10% dos vencimentos dos funcionários da Fazenda e da
berais, teve como motivação principal o esgotamento Justiça. Afora estes, tantos outros tributos eram cobrados
da capacidade tributária. Na época eram arrecadados os abrangendo selos, sal, sesmarias, correios e ancoragem.
dízimos sobre produtos agrícolas, pescados e bovinos, O ônus da instalação real no Brasil era suportado por
pois o monarca representava a Igreja, enquanto Grão- todas as capitanias, sem a devida contrapartida que em
-Mestre da Ordem de Cristo. Pagavam-se ainda os di- maior monta era alcançada somente ao Rio de Janeiro
reitos aduaneiros sobre produtos na exportação e mer- em melhorias e progressos. Em sua revolta, os pernam-
cadorias na importação, conforme a pauta alfandegária. bucanos instalaram uma assembleia constituinte, separa-
Além desses, havia o já citado subsídio literário, para ram os três poderes e aboliram alguns impostos sobre o
custeio da educação; o subsídio real ou nacional que in- comércio. A rainha havia falecido no ano anterior e Dom
cidia sobre a carne verde (carne seca), os couros cru ou João optou por enfrentar a situação com os revoltosos
curtido e a aguardente. antes da coroação e a reação foi rápida e implacável. A
República de Pernambuco que havia sido declarada em
Também existiam os impostos, taxas para benefício
março de 1818 foi reocupada por tropas reais em maio
do recém-criado Banco do Brasil e taxas sobre engenhos
do mesmo ano.
de açúcar e destilações. A décima predial urbana incidia
sobre imóveis do litoral e áreas mais populosas. Ainda Dom João foi finalmente coroado e as festas segui-
sobre os imóveis urbanos pagava-se a sisa, na razão de ram sem interrupções até sua partida em 1821.
10% sobre as vendas. A meia sisa era devida pelos pro-
prietários de escravos ladinos, aqueles que desempenha-
vam alguma profissão gerando ganhos aos seus donos.
Parte da burocracia instituída e incrementada pela trans-
ferência da Corte ao Novo Mundo pagaria igualmente
Aclamação de Dom João VI em 1818.
Gravura Jean Baptiste Debret.
Biblioteca Nacional/RJ.
Dom Pedro I, 1825.
Óleo de Henrique José da Silva.
Museu Histórico Nacional/RJ.
67
6. O Tesouro Público Nacional no Império do Brasil
Quando por pressão decorrente da Revolução do antiga sede do reino, como o tesoureiro-mor Joaquim
Porto, Dom João VI voltou a Portugal em abril de 1821, José de Azevedo, que fez fama de corrupto, enrique-
a administração fazendária no Brasil novamente preci- cendo por meios espúrios. Enquanto isso, no Brasil, o
sou se adaptar. Buscava-se uma organização autônoma ministro dos Negócios da Fazenda, Diogo de Meneses,
com a criação dos cargos de ministro e secretário de Es- que esteve no cargo durante todo o período da regên-
tado dos Negócios da Fazenda, de presidente do Erário cia de Dom Pedro I até janeiro de 1822, foi substituí-
Régio e Conselho da Fazenda do governo provisório do do por Martim Francisco Ribeiro de Andrada, irmão
novo regente, Dom Pedro I. Foram criadas Juntas Pro- de José Bonifácio. Também defensor da Independência
visórias e as capitanias passaram a províncias. Em um do Brasil, Martim Francisco angariou para si a conti-
primeiro momento, houve conflito de atribuições entre nuidade no cargo após o sete de setembro. As finanças
as novas e as velhas Juntas da Fazenda. encontravam-se escassas, uma vez que ao partir do país,
Dom João VI raspou os cofres deixando o Erário prati-
Em outubro daquele ano, ficava definida por decre- camente falido.
to a prevalência das anteriores. A Fazenda Pública das
Em fevereiro de 1823, criou-se a Administração
Províncias seria presidida pelo seu membro mais anti-
das Diversas Rendas, integrada à Mesa do Consulado
go, excetuando-se o tesoureiro e o escrivão, sob os quais
do Rio de Janeiro, sob direção do Tesouro Público. Era
não recairia a presidência. As Juntas da Real Fazenda
mais um ensaio no caminho da centralização da arreca-
passaram a se chamar de Juntas da Fazenda Pública,
dação, fiscalização e administração de vários tributos.
simbolizando uma ruptura com a realeza portuguesa.
Não se comunicava, entretanto, com a alfândega da-
Cerca de 4 mil pessoas acompanharam o rei em seu quela cidade, que mantinha sua autonomia. O chamado
regresso a Lisboa. Alguns não foram bem recebidos na consulado era um imposto de 3% sobre exportações,
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estabelecido ainda por Felipe I, em 1591, para as alfân- ao Tesouro Público o produto dos impostos no segundo
O Tesouro Público Nacional no Império do Brasil
degas portuguesas. Dom João VI, em 1818, o instituiu dia de cada mês. Dois feitores eram encarregados dos
no Brasil, criando, assim, as Mesas do Consulado. Além cálculos dos impostos. Já os agentes da administração
do já arrecadado por meio da saída de gêneros do país, fariam diariamente uma relação de toda a aguardente
como o café e a aguardente, administrariam as seguin- que chegasse aos trapiches, também relacionando o que
tes rendas: dízimo do açúcar, subsídio literário sobre a era produzido nos engenhos e os estoques nas tabernas
bebida, tabaco de corda, a sisa dos bens de raiz, a meia e lojas da cidade, onde se vendia a cachaça.
sisa dos escravos e, por fim, o imposto incidente sobre
botequins e tabernas. Em seu primeiro discurso como Imperador, Dom
Pedro I informou a situação do Tesouro Público como
A Mesa do Consulado contava com um adminis- sendo a pior possível. Que a despesa em muito superava
trador que comandava os empregados subordinados, a receita. Ele também afirmava que em todas as áreas
mantendo a ordem dos trabalhos e do expediente. Devia se fazia necessária uma grande reforma, porém a mais
ainda propor ao presidente do Tesouro todos os meios e urgente era a da Fazenda, por ser a principal mola do
práticas para melhorar os métodos de arrecadação. Para Estado. Com empréstimos concedidos pelos ingleses, o
tanto havia um escrivão, que além do livro de receita Imperador recuperou o Banco do Brasil em circunstân-
e despesa, fiscalizava a exata arrecadação, inspecionan- cia de falência e colocou em dia o pagamento de empre-
do toda a escrituração da unidade. Era ele quem distri- gados públicos. O preço dessa decisão foi o início da dí-
buiria os trabalhos aos quatro escriturários e aos dois vida externa brasileira, juntamente com a indenização
amanuenses, orientando-os sobre os métodos e formu- paga a Portugal pela Independência com os recursos
lários com base na legalidade, clareza, simplicidade e também alcançados pelos ingleses.
celeridade. O tesoureiro, o escrivão e o administrador
teriam, cada um, uma das três chaves do cofre onde se Em 1824 o Brasil independente ganhava sua pri-
guardavam diariamente os rendimentos. Entregavam meira constituição. A Fazenda Nacional foi tratada em
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apenas três artigos nos quais se gravavam as atribuições das despesas nacionais davam mostras de por onde as
são de todas as contribuições e rendas públicas. de substituir a estrutura vigente. Foram extintas as me-
sas de inspeção do açúcar, fumo e algodão em 1827 e
Examinando o relatório enviado pelo ministro so- abolidas as superintendências e juntas de lançamento e
bre o estado do Tesouro e da Fazenda Pública em 1825, cobrança da décima urbana em 1830. Para desempenhar
a Comissão de Fazenda da Câmara declarou que, ape- suas funções foram criadas as coletorias de rendas.
sar de não questionar os empréstimos contraídos, posto
que foram tomados em nome da honra nacional, não Em 1831 houve uma reforma mais significativa,
via até então a urgente aplicação dos valores, sendo an- visto que o Erário Régio e o Conselho da Fazenda fo-
tes usados para pagar os próprios juros do valor em- ram extintos. As juntas da Fazenda Pública deram lugar
prestado. Ponderava também sobre os 2% pagos aos às tesourarias das províncias, submetidas então ao novo
oficiais pátrios que negociaram os empréstimos com os Tesouro Público Nacional. Ao órgão central estavam
ingleses, cujo percentual foi o mesmo. Tudo isto indica- anexos uma secretaria, uma contadoria de revisão, uma
va a necessidade de amadurecimento financeiro e po- tesouraria geral e um cartório. O Tesouro era composto
lítico para discutir a aplicação das finanças e os gastos por um presidente, um inspetor-geral, um contador-
públicos do Brasil independente. A falta de padroniza- -geral e um procurador-fiscal, todos nomeados pelo
ção na arrecadação das rendas e no controle e apuração Imperador. Entre suas atribuições destacavam-se, por
70
intermédio de um Tribunal do Tesouro Nacional, a dire- As tesourarias locais eram destinadas à adminis-
O Tesouro Público Nacional no Império do Brasil
ção e fiscalização da receita e despesa nacional, a inspe- tração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fis-
ção da arrecadação, distribuição e contabilidade de to- calização das rendas da província. Para tanto, eram
das as rendas públicas e ainda a decisão das questões de compostas de um inspetor de Fazenda, um contador,
matéria fazendária, antes julgadas pelo extinto conselho. um procurador-fiscal, um tesoureiro, fiéis, amanuenses,
Deveria tomar contas anualmente a todas as repartições, porteiros, contínuos, entre outros, conforme o quadro
instruído em 1833. Somente seriam admitidos oficiais
por onde se despendessem o dinheiro da nação.
para o serviço da Fazenda por concurso, em que se ve-
Regularia também os empréstimos, dentro ou fora rificasse o conhecimento de gramática, de escrituração
do Império. Fixaria as condições e arrematação dos por partidas dobradas e de cálculo mercantil. Além dis-
contratos de receita e despesa. Observaria ainda os efei- so, os candidatos aos cargos ainda deveriam possuir boa
tos dos tributos sobre os diversos ramos de riqueza e caligrafia, boa conduta moral e idade mínima de vinte
conferência de conta, prática tolerada na época e que passaram a se denominar inspetorias e em seu comando
passava a ser vista como contrária à utilidade da Real haveria um inspetor, e não mais um juiz como ocorrera
Fazenda, além de prejudicial aos negócios e transações até então, desvinculando, assim, a competência tributá-
tesoureiro, deveria ser apresentada fiança de idoneida- aos armazéns da alfândega ou a armazéns de particula-
de, podendo ter um fiel pago à sua custa para servir ou res autorizados até a conclusão do despacho. Concluídos
ajudá-lo em casos de impedimento ou de não conseguir os serviços, pagos e lançados os direitos, procedia-se à
cumprir com suas obrigações. Notificaria ao inspetor liberação das mercadorias aos importadores. Além dos
apenas sua nomeação ou demissão. guardas aduaneiros, havia os vigias que eram incumbi-
dos da tarefa de apreender os gêneros que embarcassem
O guarda-mor, a seu turno, era o chefe da polícia ou desembarcassem fora do local permitido, informando
fiscal na alfândega. Ele comandava os guardas adua- ao inspetor ou ao guarda-mor nos casos em que não pu-
neiros na ronda e vistoria de embarcações. Na visita dessem sozinhos fazer a apreensão. Por fim, havia os cor-
a bordo era acompanhado pelo escrivão da entrada e reios que, além do seu serviço corriqueiro de levar e tra-
descarga. Recolhia os manifestos e demais documentos zer despachos e correspondências, faziam as intimações,
do guarda do trapiche ou pessoalmente com os coman- notificações e diligências que lhes ordenasse o inspetor.
78
Não se pode deixar de mencionar que, ainda que ocupação com a conduta dos empregados da Fazenda
O Tesouro Público Nacional no Império do Brasil
não constasse na lista oficial de empregados da alfân- ganhava letra impressa, aprimorando alguns disposi-
dega, o trabalho mais pesado era realizado por mão de tivos já publicados em 1831. Se faltassem ao serviço,
obra cativa. teriam os dias descontados. Era exigido o sigilo sobre
segredos de Estado e decisões do governo. Os que in-
A chamada Tarifa Alves Branco, instituída em
corressem no erro seriam primeiramente advertidos
1844, tinha um viés protecionista, taxando altamente as
publicamente e na reincidência, demitidos. O mesmo
importações. No mesmo ano o ministro que emprestou
ocorreria ante erros de ofício e extravio de papéis. Em
nome à citada medida econômica, reorganizou a Secre-
contrapartida, desde aquele ano seus direitos também
taria de Estado dos Negócios da Fazenda que passou a
passavam a ser fixados. Os empregados que tivessem
ser composta por um oficial maior, quatro oficiais, qua-
servido por mais de vinte e cinco anos sem nota ou
tro amanuenses, quatro praticantes, um porteiro, um
erro de oficio, se desejassem, poderiam ser aposenta-
ajudante do porteiro e de quatro correios a cavalo. A
dos pelo governo com ordenado integral. Os que antes
Secretaria deveria ser dividida em seções, pela maneira
de completar o dito prazo ficassem impossibilitados
como determinasse o ministro-secretário. O inspetor
por doença, receberiam vencimento proporcional ao
geral do Tesouro era o chefe da Secretaria d’Estado,
tempo trabalhado, desde que cumprido um mínimo de
competindo-lhe a inspeção e direção dos trabalhos,
dez anos de serviço.
por intermédio do oficial maior, a quem todos os em-
pregados da Secretaria estavam subordinados. Ele te- A reforma foi pontual, alcançando somente o ór-
ria o direito de admoestar e repreender os referidos gão central, não resolvendo o problema da multiplici-
empregados publicamente, quando não bastassem as dade de repartições herdadas do período colonial, re-
repreensões em particular. Se o caso exigisse, represen- ferendadas durante a estadia da Corte no Brasil. A es-
taria ao inspetor geral para proceder aplicação de pena trutura e legislação fazendária seguiriam fragmentadas
mais severa, como a demissão. A partir de então, a pre- nos próximos anos.
79
O Tesouro Público Nacional no Império do Brasil
Carro d´Alfândega.
Litografia de Ludwig and Briggs,1845.
Biblioteca Nacional/RJ.
Recibo de Taxa de Escravos, 1869.
Museu da Fazenda Nacional/RJ.
81
7. Diretoria Geral das Rendas Públicas - A Receita Imperial
Em meados do século XIX, algumas mudanças sig- produção cafeeira em expansão desde o final do século
nificativas conduziam o país para as transformações que XVIII, gerando e circulando mais capital para importar
culminariam na abolição da escravatura e na Proclama- os bens da indústria inglesa.
ção da República quase na última década da centúria.
Com o crescimento do país, uma nova estrutura-
Se num primeiro momento os liberais propugnavam o
ção fazendária fazia-se necessária. Naquele ano, o Te-
federalismo, em oposição à monarquia centralizadora
souro Nacional passava a ser tratado como a Adminis-
defendida pelos conservadores, ambos disputavam a re-
tração Central da Fazenda, sendo dividido em:
presentação dos grupos economicamente dominantes,
sendo adeptos incondicionais da escravidão. Essa pos- • Secretaria d’Estado dos Negócios da Fazenda;
tura causava estranheza aos liberais ingleses, além de • Diretoria Geral das Rendas Públicas;
ser entrave aos seus propósitos produtivos e comerciais. • Diretoria Geral da Despesa Pública;
Com o crescimento da produção agroexportadora do • Diretoria Geral da Contabilidade;
café no Vale do Paraíba e a decadência dos engenhos de • Diretoria Geral do Contencioso;
açúcar no nordeste, um novo modelo baseado na mão • Tesouraria Geral;
de obra assalariada começava lentamente a se desenhar • Primeira e segunda Pagadorias do Tesouro, e
no país. • Cartório.
Em 1850 a Lei Eusébio de Queirós, sob pressão in- Separava-se, assim, com mais clareza as atribuições
glesa, proibia o tráfico de cativos para o Brasil, perma- antes em conflito dentro do Tesouro. A especialização
necendo somente o trânsito interno. Com a imigração funcional dividida entre receita e despesa representou
de trabalhadores livres, desobrigava-se o capital empre- um avanço naquele momento em relação ao modelo
gado na aquisição de escravos para investimentos na anterior. Dessas divisões, a que mais nos interessa é a
Alfândega do Rio Janeiro.
O solar em estilo neoclássico foi inaugurado em 1820.
Óleo. Biblioteca do Ministério da Fazenda/RJ
83
Diretoria Geral das Rendas Públicas, que subsistiu até pela nova estrutura. Algumas alterações ocorrem até
províncias. Nomeavam também seus fiéis, prepostos por qualquer falta em volume depositado.
e os escriturários faziam a contabilidade e a escritura-
Já o guarda-mor era o chefe de todo o serviço ex-
ção. Durante o descarregamento, embarque e condu-
terno, inspecionando a carga e a descarga de mercado-
ção das mercadorias, os oficiais da descarga relaciona-
rias, fazendo escolta-las até o seu destino. Zelava pela
vam os volumes para posterior conferência e reporta-
segurança dos prédios da alfândega ou mesa de rendas,
vam eventuais faltas ou avarias. Podiam ser auxiliados
depósitos, portos, ancoradouros e trapiches. Suas atri-
pelos praticantes e extranumerários. Ao chegar aos
buições não se confundiam com a do comandante da
depósitos, os conferentes deviam contar e classificar
guarda, sendo este a partir de então o responsável por
as mercadorias, indicando os artigos a que deveriam
fazer observar as regras do serviço militar aos oficiais
ser assemelhadas as mercadorias não contempladas
comandados. Tais comandantes, por sua vez, auxilia-
na Tarifa. O estereometra era o responsável pela aferi-
vam o guarda-mor no cumprimento de suas tarefas,
ção da capacidade volumétrica de cascos, vasilhames
revezando em rondas, patrulhas e visitas. Ao porteiro
e mesmo embarcações para o cálculo dos direitos de-
competia, juntamente com o administrador das capa-
vidos. Os administradores das capatazias dirigiam e
tazias, abrir as portas do edifício, meia hora antes de
fiscalizavam os serviços de descarga de mercadorias,
iniciar o expediente e fechá-las ao término previsto.
zelando pelas instalações da alfândega. Comandavam
Não podia deixar sair mercadorias que não estivessem
os serventes para manter limpos o edifício, armazéns
despachadas ou permitir que se acumulassem na porta
e pátios da repartição. Os fiéis dos armazéns recebiam
de entrada. Não havendo conferentes na repartição, o
os volumes dos administradores das capatazias, regis-
porteiro poderia exercer tal função.
trando com clareza a descrição e procedência dos itens
sob sua guarda. Deviam também indicar os operários Foi igualmente no regulamento de 1860 que ficou
que trabalhariam nos depósitos, bem como seus subs- definida a bandeira da Aduana Brasileira em azul com
89
Diretoria Geral das Rendas Públicas - A Receita Imperial
Etiquetas de capa de
Livros de Despachos.
Alfândega da Bahia, 1865 e 1900.
Museu da Fazenda Nacional/RJ
90
uma estrela branca ao centro, cujos raios deveriam tocar Se é certo afirmar que no Segundo Império o sis-
Diretoria Geral das Rendas Públicas - A Receita Imperial
nos extremos do quadrilátero. No ordenamento anterior, tema fiscal estava mais organizado que no tempo de
de 1836, a flâmula era na mesma cor, porém no lugar da Dom Pedro I, também é correto observar que a ad-
estrela havia uma letra A na cor branca. Os uniformes ministração fiscal ainda era confusa. Funcionava um
também foram alterados. Até então, o guarda-mor e os sistema híbrido de cobrança, em que coexistiam co-
guardas usavam, assim como os marinheiros, uma sobre- bradores arrendatários com oficiais governamentais.
casaca azul com botões amarelos, com a letra - A - borda- O resultado era a falta de padronização e a dificuldade
da de ouro nas duas extremidades da gola, e quepe, sendo de previsão da arrecadação.
o boné com galão de ouro somente para o guarda-mor.
Em 1876 o Regulamento de 1860, que reorganizou
as alfândegas e mesas de rendas do Império, já acumu-
A partir de 1860, os guardas e demais oficiais pas-
lava numerosas ordens e instruções a fim de explicá-
saram a usar sobrecasaca de pano azul-ferrete com vivos
-lo, fazendo-se urgente consolidar tais disposições. Em
de cor azul celeste, botões de metal branco, gravata pre-
1870 essa necessidade já era reconhecida, sendo execu-
ta, boné com galão azul, calça azul-ferrete no inverno e
tada pelo ministro da Fazenda, João Maurício Wander-
branca no verão. Sapatos ou botins conforme o uso di-
ley, conhecido como Barão de Cotegipe. O Tesouro não
ário e, no serviço do quartel ou a bordo, poderiam usar
dispunha de dados precisos sobre a receita e despesa de
blusa de linho ou de algodão de cor escura.
todas as mesas de rendas e dos vencimentos dos seus
As mesas de rendas, nesta década de 1860, foram empregados que era alcançado unicamente em por-
classificadas em quatro tipos: as de terceira ordem, des- centagem da arrecadação. Havia uma urgente necessi-
providas de qualquer atividade aduaneira, as de segunda dade de sistematizar e classificar tais repartições, além
ordem, habilitadas para algumas atividades, as de pri- de apurar os valores arrecadados. Na oportunidade
meira ordem, com atribuições maiores e as alfandegadas, revisou-se a tabela de vencimentos dos empregados das
que constituíam praticamente aduanas em miniatura. alfândegas, além de promover alterações no quadro de
91
pessoal e reclassificar as alfândegas com base na renda consideradas alfândegas as que tivessem renda não infe-
Livro de Estatísticas da
Alfândega do Rio de Janeiro - 1880-1881.
Biblioteca do Ministério da Fazenda/RJ.
93
Janeiro, que em 1860 arrecadara cerca de 19 mil contos res deveriam atribuir-lhes a fiscalização dos trapiches
como eram idênticas às incumbências de contínuos e butação sobre os vencimentos e rendas pessoais, mas o
correios, foram as duas classes reduzidas à primeira em intuito foi frustrado.
todas as alfândegas.
Em 1874 também se intentava tributar pessoal-
A Força dos Guardas seguia o regime militar, des- mente os súditos por meio da arrecadação de imposto
de o Regulamento de 1860, por ser mais conveniente sobre a indústria e profissões. No período pós-guerra,
à disciplina, porém não havia necessidade de aplicá- houve reclamação popular contra as assembleias pro-
-lo em pleno rigor, conforme haviam percebido depois vinciais por estarem cobrando tributos da esfera cen-
de 15 anos de experiência. Na mesma época, a Guerra tral. Como resposta um parecer do Tesouro Nacional
do Paraguai (1864-1870) provocou aumento da carga especificou mais claramente quais eram as competên-
tributária para fazer frente aos gastos com o conflito. cias tributárias do Império e quais as das províncias.
O chateau da Ilha Fiscal foi construído entre 1881 e 1889 para abrigar um
posto alfandegário, próximo ao porto do Rio de Janeiro.
Celebrizou-se como o local do último baile da Monarquia,
pouco antes da Proclamação da República.
Ilha Fiscal.
Agence Rol, 1910.
Bibliothèque Nationale de France..
95
Assim, como impostos de caráter geral estariam nismo de qualificação do quadro de pessoal e minoração
mento do sistema. Como solução, propunha um recru- com uma grande reforma.
No início da República, a política emissionista do estaduais nas localidades onde não as houvesse. Ape-
Encilhamento, ideia do Visconde de Ouro Preto, foi sar disso, algumas unidades continuaram funcionando,
creditada a seu sucessor no Ministério da Fazenda, Ruy como a do Rio de Janeiro. A decisão logo foi conside-
Barbosa, que a implementou como primeiro ministro rada equivocada, embora persistisse ainda por uma dé-
do governo provisório do novo regime. A ele também cada. De fato, as alfândegas não tinham como absorver
coube o ônus do fracasso, quando como consequência, a nova tarefa sem comprometer suas incumbências ori-
uma severa inflação sacudiu a economia nacional. A ginais. Fechar as repartições responsáveis pela fiscali-
constituição republicana, promulgada em 1891, distri- zação e arrecadação das rendas públicas resultava em
buiu a competência fiscal, antes regulada por decreto, redução monetária aos cofres do novo governo.
entre a União e os Estados federados, cabendo a estes
Como paliativo, em 1892, surgiram as primeiras
ainda definir a arrecadação de seus municípios. Inci-
delegacias fiscais do Tesouro Federal em substituição às
piente, a medida, além de propícia à bitributação evi-
extintas tesourarias. Foram sediadas nas capitais de São
denciava uma reserva à União dos tributos com maior
Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, Piauí e Goi-
rubrica, como o Imposto de Importação e o recém-cria-
ás, onde não havia alfândegas. Além dos distritos fiscais
do Imposto de Consumo.
compreendidos na competência administrativa das al-
A fim de conter os gastos do governo e enfrentar fândegas e delegacias, o governo poderia criar agências
a crise, as tesourarias e coletorias de rendas gerais fo- fiscais quando e como julgasse conveniente. As reparti-
ram fechadas em 1891. Nos locais em que houvesse al- ções aduaneiras, conforme relacionadas em 1892, eram
fândegas, para lá seriam transferidas as suas atividades. as de Aracaju, Ceará, Corumbá, Espírito Santo, Ma-
Podia ainda, o que não chegou a ocorrer, o serviço da ceió, Manaus, Maranhão, Natal, Pará, Paraíba, Parana-
arrecadação ser confiado às repartições ou funcionários guá, Parnaíba, Penedo, Pernambuco, Porto Alegre, Rio
98
Grande, Salvador, Santa Catarina, Santos e Uruguaiana. delegacia especial funcionou até 1916, quando foi assimi-
Diretoria da Receita Pública na Primeira República
Elas possuíam diferentes vencimentos para os mesmos lada pela delegacia fiscal no Estado. Neste período, ainda,
cargos. As delegacias fiscais, a seu turno, teriam pesso- diversos Postos Fiscais foram criados na região. Em 1901
al próprio, retirado dos quadros de Fazenda e estariam finalmente as coletorias foram restabelecidas como um
incumbidas principalmente do pagamento das despesas todo, subsistindo até a criação da Receita Federal, quan-
e da arrecadação da receita pública nas respectivas cir- do já eram denominadas exatorias e algumas dariam
cunscrições. Pelo mesmo ato, o Tesouro Nacional pas- mesmo origem às agências. Naquela virada de século, as
sava a se chamar de Tesouro Federal. unidades do Rio de Janeiro ficavam imediatamente su-
bordinadas ao Tesouro Federal e as dos outros estados, às
Um pouco antes, em 1890, também por sugestão de respectivas delegacias fiscais. As principais receitas que
Ruy Barbosa, foi criada no Rio Grande do Sul uma de- lhes incumbiam arrecadar era a dos seguintes impostos,
legacia para repressão ao contrabando. A prática ilícita rendas e contribuições:
se espalhara pela fronteira meridional desde os inícios
• renda da Imprensa Nacional e do Diário Oficial;
da ocupação portuguesa na região ainda na virada para
• renda dos próprios nacionais;
o século XVIII. A unidade tinha poderes especiais e seu • imposto do selo proporcional e fixo;
delegado subordinava-se diretamente ao ministro da Fa- • imposto de transporte;
zenda. Além do delegado, a repartição era composta por • imposto sobre vencimentos e subsídios;
dois auxiliares de escrita e uma polícia fiscal com organi- • imposto de 2,5 % sobre dividendos das compa-
zação militar. Esta era formada por um comandante com nhias e sociedades anônimas;
graduação de capitão, oito alferes, seis sargentos, quatro • impostos de consumo;
fiscais paisanos e corpo de guarda montada com duzentos • dívida ativa proveniente de impostos e multas
praças. De saída houve incremento da arrecadação, mas não pagos em exercícios anteriores;
por conflitos políticos internos no sul do Brasil e pressão • venda de estampilhas do selo proporcional e
do comércio local, o novo aparelho perdeu eficácia. A fixo, e para taxa judiciária.
99
O quadro de pessoal nas coletorias era composto tados como fiscais e agentes da Fazenda Nacional para
riam ser brasileiros e maiores de 21 anos. Escrivães não mais significativa como veremos adiante.
baralho e sobre o fumo. Oficialmente criado em 1891, passivo ao declarar suas rendas.
logo seria uma das principais rendas brasileiras.
O assunto não era propriamente novo, havendo
Enquanto isso, outro tributo forte se gestava – o debates desde o Segundo Império, como vimos. Com
Imposto de Renda. No início do século XX, com a in- o alvorecer do capitalismo, voltava à pauta com força.
a arrecadação da receita federal, expedindo instruções técnica necessária ao seu manuseio. Foram na maio-
aos encarregados da exação das rendas públicas. ria italianos que, desde o final do século XIX, vinham
fornecendo sua força de trabalho nas lavouras de café,
A ela ficavam subordinadas a Casa da Moeda, a Im-
os que deram significativo impulso à industrialização
prensa Nacional e o Laboratório Nacional de Análises.
no sudeste. Não somente como operários, mas como
A economia brasileira oscilava conforme as expor- industriais. Entretanto, o incremento produtivo e fi-
tações do café, da borracha e do cacau sob os impactos nanceiro no Novo Mundo logo alcançaria o colapso. A
da Grande Guerra de 1914 a 1918, que tanto atingiam superprodução do café levou à intervenção estatal e à
a demanda mundial como a oferta de bens industriali- queima de sacas com o excedente do produto. A quebra
zados. Isto traria consequências à arrecadação e à ad- da Bolsa de Nova York, atingiu o mundo com uma cri-
ministração pública no Brasil. Na década seguinte, por- se sem precedentes em 1929, colaborando com os fatos
tanto, reunidas estavam as condições para a criação do políticos que culminariam na Revolução de 30.
Imposto de Renda. Estabelecido em 1922, após alguns
Ao novo governo caberia optar por uma política
ajustes, passaria a ser cobrado em 1924.
de substituição de importações, trazendo decorrências
A década de 20 demonstrava alguma recuperação à administração tributária.
econômica. Houve novo crescimento da exportação de
café e surgiam novos setores como a indústria e o co-
mércio. O desenvolvimento industrial no sul e sudeste
era o resultado da nova aplicação de recursos antes di-
recionados ao sistema de produção escravista na transi-
ção finisecular para a República. Com o capital liberado
da compra de escravos, investia-se em maquinário, e a
Recibo de Imposto de Renda, 1925.
Emitido na Alfândega de Pernambuco.
Museu da Fazenda Nacional/RJ.
Posse de guardas da alfândega em 1922.
Fonte: Livro Alfândega de Manaus,
de Etelvina Garcia.
Após assumir o poder de fato com a Revolução coletorias, delegacias e mesas de rendas) exigia cada
de 30, Getúlio Vargas logo seria cobrado por um aco- vez maior atenção do Ministério, que não podia se
modamento legal na presidência do país. O levante descuidar das questões financeiras. Neste sentido,
constitucional paulista de 1932, ainda que derrotado fazia-se necessária uma diretoria que liberasse o mi-
pelo governo, resultou na instalação da Assembleia nistro das questões administrativas próprias ao fun-
Constituinte já no próximo ano. Vargas estava de olho cionamento da máquina arrecadadora e ao comando
no andamento dos trabalhos da nova Carta e instituiu de seu pessoal.
uma comissão com várias tarefas, entre as quais pro-
Desse modo, antes mesmo de promulgada a nova
por a reforma fiscal aos Estados e a União, bem como
Constituição, o chefe do governo provisório mandava
uma solução aos problemas concernentes à matéria. Foi
publicar um decreto em 1934 reorganizando os ser-
chamada de Comissão Itamaraty, pois seus membros
viços da administração geral da Fazenda Nacional.
reuniam-se no palácio de mesmo nome, sediado no Rio
Considerava-se, conforme os próprios termos da lei,
de Janeiro. Dela participou o ministro da Fazenda, Os-
que a única forma de conseguir uma direção eficien-
valdo Aranha, assim como tomou parte na Constituinte
te, rápida e segura seria racionalizar e sistematizar os
como membro nato, por ser integrante do primeiro es-
encargos dos departamentos públicos. Para tanto, foi
calão governamental. Não fortuitamente, as alterações
criada, no âmbito do Ministério, a Direção Geral da
que viriam a seguir no âmbito da Fazenda Pública fica-
Fazenda Nacional e sua tarefa não era de pouca im-
ram conhecidas como Reforma Aranha.
portância: centralizar e superintender a administração
Percebeu-se logo, que o crescimento adminis- da Fazenda Pública. A estrutura adotada era baseada
trativo fazendário, ora descentralizado em Despesa em departamentos plurifuncionais, conforme os tri-
(Tesouro e Tomada de Contas) e Receita (alfândegas, butos, além de estar subdividida em Diretoria de
106
Rendas Internas e Diretoria de Rendas Aduaneiras, aneiras. Compreendia-se como rendas internas todos
Direção Geral da Fazenda Nacional - A era das reformas
ambas compondo, juntamente com outras diretorias, os impostos diretos e indiretos, excluídos os que cons-
o Tesouro Nacional. Em outro escalão, sendo conside- tituíssem a renda aduaneira, que eram supervisiona-
radas repartições auxiliares do Tesouro, estavam a Di- dos pela respectiva repartição. A Diretoria das Rendas
retoria do Imposto de Renda, a Superintendência da Aduaneiras deveria fazer a superintendência de todos
Repressão do Contrabando e demais unidades como os serviços a cargo das estações aduaneiras, que por
as delegacias fiscais, as alfândegas, com seus labora- sua vez se subdividiam em principais para alfândegas
tórios de análises, as agências aduaneiras, as mesas de e, auxiliares para mesas de rendas alfandegadas, agên-
rendas, os postos e registros fiscais, as recebedorias e cias aduaneiras, postos e registros fiscais.
as coletorias.
A Constituição de 1934 ajudou a definir as com-
O Gabinete do Diretor Geral da Fazenda Nacio-
petências. À União cabia decretar impostos sobre a
nal era composto por um secretário, chefe do gabinete,
importação de mercadorias de procedência estrangei-
por dois oficiais de gabinete e por funcionários, ne-
ra; de consumo de quaisquer mercadorias, exceto os
cessários ao preparo dos processos para exame e re-
combustíveis de motor de explosão (que caberia aos
solução do Diretor Geral. O pessoal do gabinete seria,
Estados); de renda e proventos de qualquer natureza;
dentre os funcionários do Ministério da Fazenda, de
de transferência de fundos para o exterior. Aos Esta-
livre escolha e nomeação do seu dirigente.
dos competiam os impostos sobre a propriedade terri-
A Diretoria das Rendas Internas fiscalizaria as torial, excepcionando-se a urbana aos municípios; so-
recebedorias, coletorias e mesas de rendas não alfan- bre a transmissão de propriedade causa mortis; sobre
degadas e, no que concerne à orientação dos serviços, a transmissão de propriedade imobiliária inter vivos;
caberia-lhe, também, a fiscalização das delegacias fis- sobre indústrias e profissões e sobre a exportação das
cais, repartições do Imposto de Renda e estações adu- mercadorias de sua produção.
107
Direção Geral da Fazenda Nacional - A era das reformas
Recibos de Imposto de Renda.
Delegacia Geral do Imposto de Renda, 1933 e
Divisão do Imposto de Renda, 1944.
Museu da Fazenda Nacional/RJ.
108
Na mesma época, por decreto dava-se um novo caiu para cerca de 48% na primeira década do século
Direção Geral da Fazenda Nacional - A era das reformas
regulamento às coletorias que passavam oficialmente XX e para aproximadamente 37% na década de 1910.
a ser repartições arrecadadoras das rendas internas da Em contrapartida, com o aumento da produção e con-
União. Até então, seus empregados não eram consi- sumo internos, naturalmente o Imposto sobre o Con-
derados funcionários públicos. Não tinham direito à sumo foi ganhando pontos percentuais. Na década de
aposentadoria e os cargos eram de livre provimento, 40, tornava-se o principal tributo. Já o Imposto sobre
constituindo muitas vezes, extraoficialmente, objeto a Renda, partia de 5% em 1923 para 15% em 1940.
de comércio em que as coletorias eram alienadas. A Com base nessa alteração da arrecadação tributária é
reforma de 1934 corrigiu essa falha e as coletorias fi- que surge em 1942 a Divisão do Imposto de Renda, à
caram diretamente subordinadas às delegacias fiscais qual se subordinavam suas Delegacias Regionais. Tais
do Tesouro Nacional nos Estados em que estivessem unidades foram instaladas no Rio de Janeiro, então
localizadas, inclusive na capital, Rio de Janeiro. As Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia,
coletorias seriam instaladas, sempre que possível, em Minas Gerais, Pernambuco, Pará, Paraná, Alagoas,
edifícios públicos federais ou próprios nacionais e, na Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba,
falta ou impossibilidade, em prédios que oferecessem Piauí, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Goiás e
segurança e fácil acesso ao público. Entre as arreca- Santa Catarina.
dações já conhecidas incluía-se agora o Imposto so-
Criavam-se também as Delegacias Seccionais
bre a Renda.
do Imposto de Renda em Santos, Campinas, Pelotas,
Com a industrialização do país e a consequente Araraquara, Baurú, Cachoeira, Campos, Cruz Alta,
política protecionista, os impostos aduaneiros foram Livramento, Juiz de Fora, Rio Claro, Rio Preto, Blu-
perdendo espaço para os tributos internos, conforme menau, Botucatu, Joinville, Lavras, Ponta Grossa,
vimos. O Imposto de Importação, que representava Ponte Nova, Sorocaba, Taubaté, Uberaba, Varginha,
durante a década de 1890 mais de 50% das receitas, Barra do Piraí, Cachoeiro do Itapemirim, Cataguases,
Relatório de Pessoal, 1940.
Biblioteca Ministério da Fazenda/RJ.
Carteiras Funcionais.
Museu da Fazenda Nacional/RJ.
111
Curvelo, Garanhuns, Iguatu, Ilhéus, Itajubá, Jacare- 1943 e inaugurado no ano seguinte. Lá permaneceria a
ceto na área de seleção e aperfeiçoamento de pessoal. pôs mais dois anteprojetos, como o de 1943, que basi-
Apesar disso, deu os primeiros passos na apresentação camente intentava se transmutar em Subsecretaria de
de anteprojetos de lei em 1941 e 1942. Pela primeira Estado dos Negócios do Tesouro Nacional e a proposta
proposta, seria frisada a divisão de atribuições financei- de 1947, já no governo Gaspar Dutra, um pouco mais
ras e administrativas, iniciada na Reforma Aranha. O elaborada, também calcada sob o binômio financeiro-
Ministério da Fazenda deveria gerenciar o que interes- -fiscal. Ao Ministério da Fazenda estaria subordinada
sasse à vida econômica do país, quer internamente como uma Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda,
em suas relações exteriores. Já a administração do fisco com a primeira atribuição. As competências ligadas ao
federal caberia ao Ministério do Tesouro, compreenden- fisco ficariam assim a cargo de um Departamento da
do as Diretorias de Rendas Internas, das Rendas Adua- Receita Pública que centralizaria a fiscalização das ren-
neiras, e do Imposto de Renda, bem como o restante da das da União, seus serviços e litígios com o contribuin-
estrutura já em funcionamento. te. Seria integrado por uma Inspetoria Geral das Alfân-
degas, uma Inspetoria Geral do Imposto de Renda, uma
Na mesma lógica reformista, no ano seguinte outro Inspetoria Geral de Consumo e demais impostos, além
anteprojeto do DASP propunha desdobrar o Ministério de um Conselho de Recursos, Secretarias e Seções. O
da Fazenda em Ministério do Tesouro e das Finanças. Ao tempo seguia em intermináveis debates sem a imple-
primeiro estaria ligado, entre outros, o Departamento mentação das propostas.
Nacional de Fazenda, havendo delegacias do Ministério
em cada Estado; cabendo, à segunda pasta, diversos de- Sob a proposição de uma comissão agora do Mi-
partamentos da área financeira. Tais projetos não foram nistério da Fazenda, em 1953, quando Vargas estava
115
novamente na presidência, foi elaborado outro ante- os limites do modelo administrativo, sendo necessário
Brasil, os projetos não vingavam, pois não se conseguia anos 30, tendo sido o primeiro chefe do DASP. O traba-
consenso político, quer no Executivo, quer no Congres- lho durou 38 meses, durante os quais foi concebida e,
so. Contudo, algumas ideias do plano elaborado na era em parte, implantada a reforma.
Vargas foram retomadas na Reforma Administrativa
que teve espaço a partir de 1962, alcançando o Ministé- Após o golpe de 64, o governo Castello Branco
rio da Fazenda. encontrou os projetos no Congresso. Solicitou, então,
o retorno ao Executivo para reexame.
Para tanto, neste mesmo ano, foi contratada a Fun-
dação Getúlio Vargas para elaborar um estudo porme- No mesmo ano, foi criada a COMESTRA - Co-
norizado a fim de propor uma reforma geral ao Mi- missão Especial de Estudos da Reforma Administra-
nistério. Aliás, a FGV era presidida na época por Luís tiva que aceleraria as mudanças vindouras.
A partir de 1964, uma série de medidas no âm- O pagamento dos tributos federais era efetuado
bito da Fazenda Nacional conduziria à criação da até então nas recebedorias. A proposta de arrecadação
Receita Federal pouco antes do término daquela dé- pela rede bancária enfrentou a resistência das tesoura-
cada. Mais de 2 mil coletorias federais passaram a de- rias, ante a possibilidade de perderem suas funções. Os
nominar-se exatorias federais. Os ofícios de Coletor, recolhimentos pela rede bancária tiveram implantação
Escrivão de Coletoria e Fiel do Tesouro foram trans- gradual, iniciando pelo Banco do Brasil em 1966 na
formados no cargo de Exator Federal. Foi o maior Guanabara e São Paulo. Depois os demais bancos que
aparelho arrecadador montado no hemisfério sul e preenchessem as condições estabelecidas pelo Banco
um dos maiores do mundo, segundo o estudioso me- Central foram sendo autorizados a fazer os depósitos
morialista da Receita Federal, José Eduardo Pimentel em conta ao Tesouro Nacional. O recém-criado Depar-
de Godoy. O Poder Executivo ficava autorizado a ins- tamento de Arrecadação acompanhava e elaborava ins-
talá-las onde se tornassem necessárias, assim como a truções, treinamentos e adequação da legislação.
extinguir aquelas cuja manutenção não mais se jus-
tificasse. Foi criado também no final daquele exer- Além disso, por meio deste Departamento foi ini-
cício, o Departamento de Arrecadação e competia- ciada a inscrição das pessoas jurídicas no sistema de
-lhe dirigir e controlar os serviços de recolhimento número cadastral básico, o Cadastro Geral de Contri-
dos tributos e demais rendas da União. Promoveria buintes. O sistema unificado de código decimalizado
a arrecadação por intermédio da rede bancária, de identificando cada empresa e sociedade era um avan-
estabelecimentos oficiais e privados e, onde não os ço muito significativo e um dos primeiros passos para
houvesse, nem mesmo exatorias federais, caberia às o processamento eletrônico de dados, criado no
agências de Correios e Telégrafos. mesmo ano.
122
O Departamento de Arrecadação contaria, para o perto o novo departamento. Pelo mesmo instrumen-
Os Novos Departamentos e as Dez Regiões Fiscais
exercício de suas atribuições, com delegacias e inspe- to jurídico, alterado e promulgado em abril de 1965,
torias, regionais e seccionais, passando a integrá-lo os deveria a Diretoria das Rendas Aduaneiras organizar,
serviços de sua competência que estivessem a cargo da dentro de cento e vinte dias, um serviço de fiscalização
Diretoria de Rendas Internas, delegacias fiscais, recebe- das mercadorias estrangeiras de âmbito nacional, cons-
dorias federais e alfândegas. tituído, exclusivamente, de Agentes Fiscais do Imposto
Aduaneiro. Passavam estes fiscais a ter a mesma dispo-
O projeto do Decreto que deu o Regimento do De- sição das demais séries de agentes fiscais do Ministério
partamento de Arrecadação mencionava 300 exatorias da Fazenda, mantendo as lotações atuais das repartições
e 150 agências como unidades locais espalhadas pelo alfandegárias. Os autos de infração referentes a fraudes
Brasil. Estes números foram suprimidos na publicação e contra os direitos aduaneiros passavam a ser de com-
do regulamento, mas apontavam o intuito de redução. petência exclusiva destes fiscais.
Os cargos, ocupados e vagos, das classes dos coletores
e escrivães de coletoria passaram a constituir, confor- Ainda em 1965, foi publicado o Regimento do
me mencionado, uma única classe denominada Exator Departamento de Arrecadação que o organizava em
Federal. A classe dos auxiliare de coletoria passava a Órgãos Centrais e Regionais. Os primeiros seriam
Auxiliar de Exatoria, assegurado o acesso à classe dos compostos pelo Gabinete do Diretor, Divisão Técnica
(Serviço Técnico de Arrecadação, Serviço de Estatísti-
exatores, de acordo com a legislação da época.
ca e Serviço de Cadastro) e Divisão de Administração
O primeiro diretor do Departamento de Arrecada- (Serviço do Pessoal, Serviço do Material e Serviço Au-
ção, nomeado em março de 1965, foi Lauro de Alencar xiliar). Os órgãos regionais seriam integrados por dez
Castello Branco, fiscal do Imposto de Renda, irmão do delegacias regionais e 13 delegacias seccionais, com di-
presidente, permanecendo até sua saída em 1967, o que versas subdivisões cada uma. E, por fim, compondo tal
demonstrava, no mínimo, um interesse em cuidar de estrutura estariam as já citadas exatorias federais.
123
A Divisão do Imposto de Renda originou outro De todos os projetos apresentados e todas as co-
cadastro, recursos, revisão e fiscalização, e estatística. dade da tarefa ser conduzida por ramo de atividade das
empresas, assim como da especialização dos agentes fis-
O serviço de Fiscalização Externa era desdobrado cais designados. A Seção de Administração possuía as
em setores de Agricultura, Extração Vegetal e Produção seguintes turmas: de Pessoal, de Material, de Comuni-
Animal; de Comércio, Indústria e Transporte; de Mi- cações, de Mecanografia, de Mecanização e Biblioteca.
neração, Energia e Serviços Públicos Concedidos; de A Divisão de Rendas Aduaneiras também foi alterada
Seguros, Créditos e Investimentos e de Diligências Es- para Departamento.
A fim de descentralizar a administração, no mesmo ano de 1965 foram criadas as dez Regiões Fiscais:
A RECEITA FEDERAL
Às vésperas da criação da Secretaria da Receita e 1966. Ele comandava a Diretoria Geral desde 1967.
Federal, em setembro de 1968, já haviam sido expedi- Os primeiros meses de sua gestão foram de avaliação,
dos 163 decretos por conta do acelerado processo de logo começando a delinear as mudanças que intentava
reforma administrativa iniciado em 1967. Entre os mi- implantar. Criou a Aespa - Assessoria de Estudos, Pro-
nistérios, foram publicados cerca de 4 mil portarias de gramação e Avaliação para preparar os novos modelos
delegação de competência. O objetivo desta política era de administração das atividades de tributação, arreca-
descentralizar tarefas para obter decisões mais céleres. dação e fiscalização.
Cada pasta passava também a conter secretarias gerais
Ainda em 1967, a fim de qualificar os servidores
visando desonerar os respectivos ministros.
e prepará-los para as reformas que viriam, teve início
A reforma administrativa desencadeada pelo De- o funcionamento do Centro de Treinamento e Desen-
creto 200/67, ao mesmo tempo em que tornava insub- volvimento do Pessoal do Ministério da Fazenda – Ce-
sistente grande parte dos anteprojetos de reestruturação tremfa, que mais tarde seria transformado na Escola de
fazendária, exigia, por conseguinte, uma solução viável Administração Fazendária – Esaf. Se até então o foco
e imediata para modernizar a Administração Fiscal da dos treinamentos era voltado às chefias, a partir dali
União. A tarefa foi confiada, pelo ministro da Fazenda, passariam a capacitar administradores com uma visão
Delfim Netto, ao então Diretor Geral da Fazenda Na- gerencial mais ampla da instituição, inclusive promo-
cional, Antônio Amilcar de Oliveira Lima a partir de vendo um melhor conhecimento dos quadros funcio-
1968. Sociólogo com formação em Paris, Amilcar de nais já com vistas à reforma vindoura. Realizaram-se
Oliveira já havia trabalhado de assessor do gabinete do capacitações divididas em Treinamento de Adminis-
governador de São Paulo, tendo participado da comis- trador Tributário, para as chefias e interessados e Trei-
são de reforma do Ministério da Fazenda entre 1964 namento Básico de Servidores para os demais. Em um
130
Estados, alcançando centenas de municípios, buscavam
A Criação da Secretaria
A Criação da Secretaria
a civilização industrial moderna, a despeito das distin-
ções ideológicas ou forma de governo que adotassem,
caracterizava-se pela busca permanente dos meios que
gerariam o bem-estar e a segurança para a coletividade.
Além disso, uma série de unidades administrativas Amilcar de Oliveira Lima, 1968 .
Primeiro dirigente da Receita Federal.
também se subordinavam à Diretoria Geral e que, como
trataremos a seguir, ainda permaneceriam ligadas à nas-
cente secretaria. Ocorria que os serviços, administração
de pessoal, de informações e de toda a estrutura física de
com a criação da Receita Federal surgia um órgão que car de Oliveira consideraria que a reforma da Fazenda
consolidaria os departamentos, unificando as atividades foi um ato isolado dentro dos ministérios, não havendo
intermediárias e administrativas, gerando economia de mudança tão substancial em outras pastas decorrente
recursos humanos e materiais. Chefiando uma estrutura do Decreto 200/67.
com quase 16 mil funcionários, Amilcar de Oliveira Lima
percebia as dificuldades de comandar os Departamentos O projeto apresentava uma reorganização sistê-
que funcionavam de maneira autônoma e sem uma har- mica que partia de quatro grandes grupos: o de arreca-
monia no entendimento das políticas fiscais e tampouco dação da receita pública, o da fiscalização dos tributos
Com a extinção dos anteriores departamentos foi Fazenda Nacional, subordinada ao ministro da Fazenda
feita a redistribuição dos serviços, funções, acervo e e integrada por um representante de cada um dos Mi-
pessoal aos novos postos. Os cargos de Diretor-Geral nistérios Militares, um do Ministério da Justiça, um do
da Fazenda Nacional, Diretores dos Departamentos de Ministério das Relações Exteriores, um do Ministério
Arrecadação, Rendas Aduaneiras, Imposto de Renda e da Indústria e Comércio, um do Ministério das Minas e
Rendas Internas passaram, respectivamente, a Secre- Energia, um do Serviço Nacional de Informações e três
tário da Receita Federal, Coordenadores dos Sistemas do Ministério da Fazenda.
de Arrecadação, de Tributação, de Fiscalização e do
Por certo o regime de exceção vivido no país na-
Centro de Informações Econômico-fiscais, mantidas
queles anos primava pelas forças armadas com maior
as mesmas gratificações. Nem todos aceitaram as mu-
controle e ingerência nas fronteiras. Até as vésperas da
danças. O Diretor do Imposto de Renda, Cleto Mayer,
criação da Receita Federal, permanecia incerta a manu-
exonerou-se da diretoria ainda em dezembro de 1968,
tenção das unidades aduaneiras. Em decreto publica-
voltando a exercer o cargo de fiscal em São Paulo.
do poucos dias antes, dispunha-se sobre as alfândegas,
O Departamento de Rendas Aduaneiras não en- definidas como órgãos locais de execução, vigilância e
controu uma coordenação diretamente correlacionada, fiscalização de tributos externos e eram listadas 51 uni-
dividindo suas atribuições entre a Fiscalização e a Tri- dades advindas em grande medida de antigas mesas de
butação. De igual forma, as antigas Alfândegas passa- rendas e postos aduaneiros. As demais unidades adua-
ram a Delegacias ou Inspetorias da Receita Federal. As neiras, incluindo registros fiscais, agências aduaneiras e
questões de aduana já vinham sendo repensadas desde serviços de repressão ao contrabando ficavam extintos.
1967, quando foi criada a COPLANC, Comissão de Pla- As alfândegas remanescentes ficavam subordinadas à
nejamento e Coordenação de Combate ao Contraban- Receita Federal em vias de ser criada. O cargo do secre-
do. Tal comissão era presidida pelo Diretor-Geral da tário, dirigente do novo órgão, já era citado no mesmo
Construção dos edifícios ministeriais em Brasília, 1959.
Arquivo Público do Distrito Federal.
135
dispositivo como autoridade, dispondo sobre o acervo de departamentos nas novas coordenações, os demais
tendia fazer na área aduaneira, tanto quanto instrumen- cargo após um ano de exercício no antigo departamen-
to de salvaguarda até que se avaliasse a nova estrutura to de origem. Foram os primeiros coordenadores:
gundo plano a área. A estrutura do novo organograma Federal estariam os seguintes órgãos:
por funções dissipou, contudo sem extinguir, as tarefas
• Conselho Superior de Tarifas;
do antigo Departamento de Rendas Aduaneiras, dissol- • Conselhos de Contribuintes e
vidas na nova estrutura sistêmica. • Comissão de Planejamento e Coordenação do
Combate ao Contrabando (COPLANC).
O Decreto que criava a Secretaria dava 60 dias de
prazo para a regulamentação. A tarefa foi concluída no Apesar do intuito de reduzir a hipertrofia da antiga
limite do tempo, em 23 de janeiro de 1969. Segundo o Direção Geral, foi definido que até aprovada a estrutura
secretário da Receita Federal em sua apresentação do central do Ministério da Fazenda, resultante da Refor-
regimento ao ministro da Fazenda, os antigos departa- ma Administrativa, ficariam ainda sob a coordenação
mentos possuíam uma nociva autonomia e um quadro do secretário da Receita Federal as unidades abaixo,
conceitual que tornavam quase inviável a coordenação. oriundas da antiga organização, permanecendo assim
até o ano seguinte:
Não era à toa que o decreto antecipava que, no
• Administração do Edifício;
Regimento Interno, seria conferida competência às • Biblioteca da Fazenda;
diversas chefias para proferirem despachos decisórios, • Centro de Treinamento e Desenvolvimento do
sem impedir à autoridade superior de avocar a si, a Pessoal do Ministério da Fazenda - CETREMFA;
nistração tributária no mundo a compor seu organograma ministrativos e fiscais traria, sem prejuízo às tarefas da
a partir das funções tributárias e não por grupos de tributos. casa, uma redução nas despesas de custeio. A movimen-
tação necessária para reorganizar a instituição exigiu
Entendia-se como descentralizadora a nova es-
uma energia e precisão sem precedentes até o momento
trutura escalonada em superintendências com número
nas reformas fazendárias e administrativas. No dia 31
igual ao das Regiões Fiscais, criando administrações
de janeiro de 1969 foi publicado um decreto alterando
regionais efetivamente interligadas por um comando
e extinguindo funções gratificadas na Secretaria da Re-
central, o que era inédito até então. As superintendên-
ceita Federal. Foram redistribuídas 2.977 chefias e as-
cias, enquanto novas unidades administrativas, con-
sessoramentos conforme o quadro ao lado.
solidavam e estendiam as experiência dos CRIAFS -
Conselhos Regionais de Integração da Administração As diversas carreiras fiscais isoladas por espécie de
Fazendárias, em funcionamento desde maio de 1967. tributo não interagiam naquela época, havendo mesmo
No âmbito destes conselhos discutia-se e preparava-se certas animosidades. Salários e status eram díspares.
a reforma. As novas Delegacias da Receita Federal logo Alguns estavam insatisfeitos e outros temiam perder
substituíram as 147 antigas delegacias departamentais. privilégios de há muito conservados. Os aduaneiros
Pela estrutura anterior, havia dificuldade em fazer um guardavam a tradição de autoridades mais antigas na
departamento dialogar com os outros, inclusive dentro fiscalização de rendas, atuando em portos, aeroportos e
de suas projeções locais. Fiscalizavam o Imposto sobre zonas de fronteira.
Produtos Industrializados sem cruzamento de dados
Os Agentes Fiscais de Rendas Internas, responsá-
com o Imposto de Renda, por exemplo.
veis pelo Imposto de Consumo, haviam conquistado
Com a reforma, esperava-se também que a racio- significativo status no funcionalismo, chegando mesmo
nalização dos procedimentos melhor aproveitasse os a serem chamados de “Príncipes do Tesouro Na-
recursos humanos. A extinção imediata de 747 funções cional”. Já os Agentes Fiscais do Imposto de Renda
139
ganhavam seu espaço com a crescente importância do conseguirem retirá-lo do Congresso Nacional ainda em
Além deles, havia os exatores que substituíram os o Congresso foi fechado em decorrência do Ato Insti-
coletores, tesoureiros, guardas aduaneiros, datilógra- tucional (AI-5) e algumas medidas emergências foram
fos, técnicos de mecanização e apoio, tarefeiros, entre tomadas. Em meados de 1969, foi instituído o cargo de
outros da área de logística. Os tesoureiros, por sua vez, Técnico de Tributação para aparelhar a recém-instalada
vinham descontentes desde o início dos convênios com coordenação sistêmica. O primeiro provimento para es-
a rede bancária. Unificar os cargos da fiscalização foi, tes técnicos poderia ser feito mediante provas e títulos,
portanto, tarefa das mais complexas, conforme decla- por aproveitamento de funcionários pertencentes ao
rou mais tarde o secretário Amilcar de Oliveira. O pro- quadro do Ministério da Fazenda, conforme permitia
jeto de fusão das carreiras fiscais apresentado sofreu for- a legislação da época. Ficava ainda definido que a Re-
te pressão contrária das categorias envolvidas a ponto de ceita Federal aproveitaria melhor os componentes das
Total 2.977
140
carreiras fiscais, por meio do emprego de técnicas moder- Com o recrudescimento do regime militar a partir
A nova estrutura administrativa
nas de trabalho, promovendo uma fiscalização setorial e de 1969, a meta da descentralização administrativa fica-
integrada. Para tanto, poderia, mediante prévia seleção e va comprometida. Não era aceitável, à política autoritá-
treinamento, utilizar agentes fiscais de um tributo para a ria, que, em nome da eficiência técnica da administra-
fiscalização de outro, principalmente nas localidades em ção, o poder central militar delegasse as instâncias deci-
que houvesse insuficiência de funcionários oriundos das sórias do Estado. A criação da Receita Federal, contudo,
carreiras específicas. Buscava-se contrabalançar o pode- significou maior integração entre as regiões e os órgãos
rio dos antigos Agentes Fiscais, resistentes à reforma. centrais. Aprimorava-se a ligação administrativa de di-
versos componentes internos e externos do sistema fis-
O General Costa e Silva dava sinais de que extingui-
cal arrecadador federal. Uma das constatações posterio-
ria o AI-5 no dia 7 de setembro de 1969, fazendo o país
res de Amilcar de Oliveira foi de não haver horizonte de
voltar ao Estado de Direito pela reativação da Constitui-
carreira à classe de Técnico Tributário. O termo técnico
ção de 1967. Tendo sofrido um derrame cerebral uma se-
tinha um caráter pejorativo e estava associado a cargos
mana antes, a Junta Militar impediu a posse do vice-pre-
sidente civil, Pedro Aleixo. Assim, em outubro de 1969, de nível médio. Entretanto, os ingressos haviam sido
o Congresso seguia fechado e a fusão das carreiras fiscais selecionados em concurso de nível superior, realizado
acabou realizada por decreto-lei, originando os Agentes pela Fundação Carlos Chagas em 1970 para preenchi-
Fiscais dos Tributos Federais. As classes singulares de mento de 606 vagas. A princípio houve resistência a es-
Fiscal Auxiliar de Impostos Internos e Guarda Aduanei- ses técnicos. Eram chamados de “meninos do Delfim”.
ro, foram colocadas na parte suplementar do quadro de Como se tratava de funcionários bastante qualificados,
pessoal do Ministério da Fazenda para serem extintas à aos poucos, foram ocupando espaços de destaque,
medida que vagassem os seus cargos. Em contrapartida, principalmente após a transferência da Fazenda para
a recém-criada classe dos Técnicos de Tributação foi ca- Brasília em 1971. Os que não concordavam com a re-
talogada junto aos funcionários permanentes no quadro. forma, assim como os que contavam com mais de 30
141
anos de serviço foram colocados em disponibilidade. Na 3ª Região Fiscal, por exemplo, fizeram a mu-
Em 14 de fevereiro de 1969, foi publicada uma por- não havia dinheiro para fazer as mudanças. Para tanto,
taria baixando as normas e prazos para a instalação das arrumou caminhões emprestados com o Ministério da
novas unidades regionais. O texto mandava instalar, no Agricultura. Aproveitou as chefias da antiga estrutura,
sentido de instituir, as superintendências, delegacias, ins- com exceção do Imposto de Renda, que resistia às mu-
petorias, postos e agências até 15 de fevereiro, sexta-feira danças. Da 4ª RF, em Maceió, Napoleão Otto Kummer,
que antecedia o Carnaval. Apesar do cronograma da por- exator que depois foi delegado, contou que na época
taria dar limite de um mês, devendo a instalação física ser que se começou a falar na fusão que criaria a Receita
concluída até 15 de março, o entendimento na época foi Federal ninguém acreditava. Com atribuições e status
de que até a quarta-feira de cinzas tudo deveria estar fun- diferentes, não se achava que fosse possível. O ato que
cionando e os pontos seriam assinados nos novos locais antecedeu o Carnaval de 69 os surpreendeu. Todas as
de trabalho. Foi quando introduziram os pontos avulsos repartições encerraram suas atividades para voltar já na
e diários em substituição aos antigos livros com capa de quarta-feira de cinzas com o novo delegado. Foi um
tecido na cor café com leite. tumulto, conforme relatou.
142
Os próprios funcionários fizeram a mudança. Os necessários à modernização da administração fiscal, es-
A nova estrutura administrativa
que acreditavam na reforma, com maior boa vontade tando em consonância com uma compreensão do uni-
do que os duvidosos. Em Maceió foram todos para a verso do contribuinte unificado e intersetorial. Assim
Alfândega. Os futuros chefes que participaram da ar- a criação da Receita Federal teve três pilares de susten-
rumação tiveram melhores condições de montar suas tação: Planejamento e estudo de ações; integração dos
seções e inclusive de escolher os funcionários. Alguns componentes internos (fusão de carreiras fiscais) e ex-
com tempo suficiente de serviço aposentaram-se para ternos (entendimento global do contribuinte) do sis-
não enfrentar as alterações vindouras. Assim, conta-se tema fiscal-arrecadador, e Capacitação e valorização
que o primeiro ano foi o mais difícil. dos recursos humanos atuantes nos quadros da insti-
tuição. Estava concluída a tarefa de junção das partes
Passada a agitação que envolveu um enorme es-
da nova máquina.
forço e mutirão de reforma, os avanços começaram
rapidamente a aparecer. Apesar dos conflitos entre os Os avanços e crescimentos que se seguiriam com-
cargos no processo de fusão das carreiras fiscais, o se- provaram a exatidão das medidas tomadas e a potencia-
cretário Amilcar de Oliveira entendia os ajustes como lidade da nova organização.
O montante acumulado da arrecadação federal em Pela nova visão, o cidadão tornava-se participante
1968 havia apresentado um crescimento de 92,5% em ativo do processo, adquirindo consciência da impor-
relação ao ano anterior. A rigor, este aumento já era es- tância social de suas contribuições, imprescindíveis ao
perado desde o início das reformas administrativas em Estado para o cumprimento de sua função gerencial e
67. Prova disso é que pela previsão da arrecadação, fal- promotora do bem estar comum. Esta concepção, que
taram ainda 11,5% para a alcançar a meta estipulada. atualmente pode nos parecer tão clara, era surpreen-
Os resultados apareciam como resposta à política fiscal dentemente inovadora no período. Palestras de orien-
iniciada ainda no âmbito da Diretoria-Geral. tação foram ministradas em escolas, associações co-
merciais e conselhos de profissionais da contabilidade
Uma das grandes rupturas com o modelo anterior por todo o país. Escritórios volantes com campanhas de
da administração tributária dizia respeito ao modo esclarecimento também passaram a rodar o Brasil.
como era visto o contribuinte. Se até então, o viés era
fiscalista e coercitivo, pela primeira vez surgia uma O contribuinte não deveria mais ser visto com des-
nova concepção de arrecadação baseada na esponta- confiança prévia, segundo o intuito da administração.
neidade do sujeito passivo no cumprimento das suas Não deveria ser mais tratado genericamente como o so-
negador à espera de uma forte fiscalização pronta a pu-
obrigações tributárias.
ni-lo com as multas. O objetivo era sofisticar a filosofia
O objetivo maior da Receita Federal passava a ser fiscal, de modo a tornar-se claro, por um lado, ao agente
arrecadar os tributos devidos como processo natural no público que o normal seria não autuar repressivamente,
exercício da cidadania, e não como punição acrescida mas fiscalizar preventivamente e, por outro, o contribuin-
de multas e juros aos que sonegavam os pagamentos ou te estar ciente da possibilidade de ser descoberto com os
não os efetuavam em dia. novos recursos do processamento de dados.
144
O crescimento do fisco e a integração com o contribuinte
medida, neste primeiro momento, pela melhor racio- físicas. O número de contribuintes pagantes passou de
nalização da estrutura fiscal no comando de mais de 15 333 mil para cerca de 1 milhão. A arrecadação do Impos-
mil funcionários para orientar e fiscalizar um universo to de Renda dobrou. Em 1969 foi adicionado no formu-
contribuinte ainda pouco conhecido. lário espaço para o número de inscrição do Cadastro de
Pessoa Física, instituído em 30 de dezembro de 1968. O
No início dos anos 70, o Brasil contava 90 milhões nome do contribuinte deveria ser preenchido dentro de
de habitantes. Os estudos implementados mostravam ha- quadrículas para facilitar a posterior digitação dos dados.
ver um enorme potencial arrecadador ainda latente. De
25 a 30 milhões eram pessoas físicas, dos quais não havia Outras melhorias foram implementadas. As deci-
cadastro algum. Em 1968 apenas 584 mil pessoas apre- sões de consultas de primeira instância para o Imposto
sentaram a declaração do Imposto de Renda, crescendo de Renda e até de segunda instância para os demais im-
para 4,3 milhões em 1969. O pico anterior havia ocorrido postos deixavam de ser proferidas em nível nacional, sen-
em 1964, com 1,3 milhão, representando 5% da popula- do julgadas regionalmente. A área aduaneira recebeu um
ção ativa. Das mais de 1 milhão de empresas registradas, reforço em dezembro de 1969 intermediado pelo convê-
apenas 30% apresentavam a declaração de renda. nio realizado com a Marinha para operação de lanchas
de grande porte utilizadas na repressão ao contrabando no
No final de 1968, anunciava-se que pela primeira
Rio de Janeiro, Santos e no Lago internacional de Itaipu.
vez os contribuintes iriam receber em casa os formu-
lários para declarar o Imposto de Renda. Até então, os Ainda em novembro de 1968, o secretário Amil-
formulários estavam sendo comprados em papelarias. car de Oliveira adotou providências para melhorias no
Cerca de 2 milhões de declarações foram impressas em serviço alfandegário. Foi aumentado o número de fis-
material colorido, com disposições gráficas e técnicas cais nos Aeroportos a fim de que se fizesse uma verifi-
pensadas para facilitar o preenchimento. No ano seguin- cação das bagagens mais eficiente e em menor tempo.
Declarações em papel
do Imposto de Renda.
Museu da Fazenda Nacional/RJ.
148
A comunicação interna e externa ganhou impor- cavam cientes das normas antes mesmo que a Fazenda,
O crescimento do fisco e a integração com o contribuinte
tância com o novo funcionamento do fisco. Boletins causando embaraços. A relação com a imprensa tam-
passaram a ser expedidos e distribuídos por malote, al- bém foi aprimorada, tornando-se mais simples e direta,
cançando em 48 horas as unidades do Brasil. Até então, pois as informações seriam buscadas em fonte única na
levavam semanas ou meses para as repartições tomarem nova secretaria.
conhecimento da publicação de normas e instruções.
Em 1970 o número de declarantes do Imposto de
O uso do telex não estava disponível em todas as Renda Pessoa Física alcançou 7 milhões de contribuin-
unidades. Por vezes, os contribuintes e contadores fi- tes. Uma ação deu nova vida também ao CGC – Ca-
dastro Geral de Contribuintes, criado em 1965 e consi-
derado estático. No cadastro constavam poucas infor-
mações sobre os contribuintes, em geral desatualizadas.
Havia 1 milhão de cadastros e na hora de apresentar a
declaração os números beiravam os 300 mil.
Em maio de 1971 tomou posse o segundo dirigente Em seu discurso de posse, Furtado manifestou
da Receita Federal, Luiz Gonzaga Furtado. Ele foi esco- que as técnicas de fiscalização seguiam com base na
lhido especialmente para fazer a mudança da Receita argúcia e competência individual do agente fiscal. De-
Federal para Brasília, nova capital, construída uma dé- sejava, portanto, levar adiante os métodos de fiscali-
cada antes. Agente fiscal há 18 anos, já havia sido Diretor zação à distância e eletrônica com o aprimoramento
de Rendas Internas entre 1967 e 1969, quando passou a da área de processamento de dados. Em julho de 71,
Coordenador de Fiscalização e secretário substituto. Já divulgou uma política repressiva a quem não estivesse
em abril de 1971, ele representava a Receita Federal na pagando os tributos. Após a prorrogação de prazos
5ª Assembleia Geral do Centro Interamericano de Tri- optou por tomar posição mais radical para com os
butação – Ciat, trazida para o Rio de Janeiro naquele contribuintes faltosos. Para o secretário, o fisco deve-
ano. Amilcar de Oliveira ainda trabalharia como asses- ria adotar uma política mais agressiva com um Códi-
sor tributário do ministro da Fazenda, mas logo segui- go de Processo Fiscal.
ria para os Estados Unidos a fim de dar andamento a
Sua gestão foi breve e marcada por estudos para
estudos e projetos pessoais.
a regulamentação do Imposto sobre Produtos Indus-
Para o novo secretário, parecia improvável continu- trializados, Imposto de Renda e Imposto de Importa-
ar aumentando o número de contribuintes declarantes. ção. Em 1972 foram entregues 3,6 milhões de decla-
O Imposto de Renda era o foco da administração fiscal. rações de um universo de quase 10 milhões de con-
Em longo prazo seria o imposto básico da estrutura tri- tribuintes que incluíam os isentos. No ano seguinte
butária, afirmava o então chefe de grupo de Política Tri- Furtado deixou o cargo sob a alegação de problemas
butária, Adilson Gomes de Oliveira, que não tardaria de saúde. Após uma licença para tratamento, espera-
muito ser também administrador da Receita Federal. va-se seu retorno como assessor especial do minis-
150
tro da Fazenda, mas ainda em abril de 1973 aceitou a Gerais de Fiscalização com diretrizes administrativas
A transferência para Brasília e a consolidação da Secretaria
direção do Banco Regional de Brasília. Lineo Emílio - Plangef e suspendeu os relatórios-padrão. Interrom-
Klüppel, no mesmo mês assumia o comando da Re- peu assim uma administração por objetivos. Conside-
ceita Federal sendo o terceiro dirigente da instituição. rava que papéis e gráficos nada tinham a oferecer, pre-
As mudanças iniciadas na gestão Furtado tiveram se- ferindo o pragmatismo aos estudos da era Amilcar.
quência. Ao aceitar o cargo, o novo secretário anun-
O Centro de Treinamento e Desenvolvimento do
ciou que trocaria toda a cúpula da Receita Federal. De
Pessoal do Ministério da Fazenda - Cetremfa foi trans-
fato alterou as chefias das coordenações e de algumas
formado na Escola de Administração Fazendária - Esaf.
superintendências. Klüppel fora Secretário da Fazen- O secretário desejava chamar de Escola de Administra-
da do Paraná e se aproximara bastante de Brasília na ção Tributária, pois a Receita Federal oferecia a maior
administração anterior, promovendo convênios entre clientela para os treinamentos, entretanto ficou decidi-
as duas secretarias no Ministério. Trocou de imedia- do por aquele nome, pois de fato atenderia a treinandos
to os superintendentes do Paraná, de São Paulo e do de todo o Ministério da Fazenda.
Rio de Janeiro. A eles delegava a escolha dos chefes de
A massa de contribuintes crescia cerca de 5% anu-
unidades locais com objetivo de criar um espírito de
almente. Em 1973 foram 10,5 milhões de declarantes do
equipe que julgava estar em baixa na Receita Federal
Imposto de Renda. Prometia-se para o ano seguinte ins-
na época em que assumiu. Em sua avaliação o quadro
tituir a declaração simplificada de pessoas físicas, o que
ainda estava desunido e descontente.
ocorreu em 1976. Entre 1969 e 1973, houve um cres-
Não houve mudanças significativas na estrutu- cimento de quase 80% na arrecadação. Em março de
ra, sendo que se pode considerar que foi durante seu 1974, Mário Henrique Simonsen assumiu o Ministério
comando que se consolidaram as mudanças de 1969. da Fazenda no lugar de Delfim Netto. Entre os nomes
Contudo, desativou a Assessoria de Estudos, Pro- para a nova equipe estava outra vez Adilson Gomes de
gramação e Avaliação - Aespa, abandonou os Planos Oliveira, que logo também chefiaria a Receita Federal.
A Esaf realizou em 1974 um curso preparatório
para seleção ao cargo de Controlador de Arrecadação
Federal para o qual poderiam se inscrever Exatores Fe- Outros recursos e mídias eram usados para propagação das
informações e orientações para o melhor cumprimento das
derais, Auxiliares de Exatoria, Guardas Aduaneiros, Fi-
obrigações tributárias. Em 1978, por exemplo, um vinil com a
éis do Tesouro, Tesoureiros e Auxiliares de Tesouraria. campanha Unir Esforços fazia a divulgação do Imposto de Renda.
Acervo da Divisão de Memória Institucional da RFB.
O cargo de Controlador de Arrecadação Federal fora
criado ainda na gestão de Lineo Klüppel, segundo ele,
para compor o quadro específico em uma das áreas sis-
têmicas, qual seja, a da arrecadação. Completaria assim
as carreiras relacionadas aos sistemas juntamente com
o Agente Fiscal para a Fiscalização e o Técnico para a
Tributação. Este, contudo, foi fundido com o de Agente
Fiscal em 1975, gerando o Fiscal de Tributos Federais,
que na década seguinte também entraria na composi-
ção da carreira de Auditoria do Tesouro Nacional.
Durante a primeira gestão da Receita Federal foi Redações de 3º e 4º anos primários eram pré-sele-
lançado um programa piloto de Educação Fiscal cha- cionadas no âmbito das escolas e depois encaminhadas à
mado “Operação Brasil do Futuro”. Trabalhos escolares Receita Federal abordando o tema “Como o atual desen-
versavam sobre temas tributários, concorrendo à pre- volvimento do Brasil é ajudado pelo Imposto de Renda.”
miação. A experiência de partida ocorreu na cidade O programa era acompanhado por pedagogos e escrito-
de São Caetano do Sul, logo se espalhando pelo sul res que estabeleciam uma relação didática entre o mo-
paulista e região do ABC e nos anos seguintes alcançan- mento do chamado Milagre Econômico vivido no país e
do todas as regiões fiscais do Brasil. o financiamento das obras, benfeitorias e serviços públi-
cos por meio da tributação. As redações premiadas nes-
No primeiro semestre de 1970, também foram dis-
sa fase recebiam viagens com acompanhante à Brasília
tribuídos às escolas livretos paradidáticos sobre a im-
e Rio de Janeiro para os primeiros colocados e coleções
portância de pagar os tributos como instrumento de de-
de livros para os demais contemplados. A participação
senvolvimento econômico e aplicação da justiça fiscal e
das crianças nos concursos e os formulários preenchi-
social para o país. A Receita Federal buscava estimular o
dos pelos professores forneciam o retorno necessário às
exercício da cidadania para os contribuintes do futuro.
aferições e aperfeiçoamentos do projeto.
E assim ficou o programa conhecido como Contribuin-
te do Futuro, estendendo-se de 1971 a 1980, alcançando Em 1972 foi lançado “A Nossa Ilha”, de Ruth Ro-
50 mil escolas e 40 milhões de livros distribuídos. As cha e Sônia Robatto e, em 1975, outros dois títulos: “A
cartilhas “Dona Formiga, Mestre Tatu e o Imposto de Nossa Ilha” e “As Aventuras de João Brasil”, de Walmir
Renda” de autoria de Cecília Lopes da Rocha Bastos e Ayala. Foram também produzidas e veiculadas na tele-
ilustração de Hugo Ribeiro tiveram cerca de 5 milhões visão duas animações: “A Nossa Ilha” e “O Futebol”. Em
de exemplares distribuídos. 1976 e 1977, o livro “A Nossa Ilha” em nova tiragem
154
foi distribuído em todo o país e os novos filmetes de a alunos da 4ª série e os inéditos “O Sonho de Carli-
O Contribuinte do Futuro
divulgação, “O Barco” e “A Escola”, foram veiculados. nhos” de Cecília Rocha Bastos, direcionados a alunos
Nos dois anos seguintes, um novo título foi publicado, da 6ª série e “As Vilas do Mutirão” para alunos do 8º
já com o filme correspondente, “Vamos Construir Jun- ano. Foram os primeiros passos dos programas que
tos”, de autoria de Hugo Ribeiro. mais tarde seriam desenvolvidos por uma coordena-
Ainda em 1980, a campanha relançou “Dona For- ção-geral especificamente voltada para o atendimento
miga, Compadre Tatu e o Imposto de Renda”, destinado e a Educação Fiscal.
Algumas publicações do
Programa Contribuinte do Futuro.
Acervo da Divisão de Memória Institucional da RFB.
155
6. A marca da Receita e o rugido do Leão
que foi adotada a imagem do leão. Para tanto, dessa vez to de Renda para autônomos e proprietários de imóveis
foi possível contratar uma agência de publicidade para alugados e arrendados foi instituído em outubro daque-
criar e divulgar a campanha. le ano. A campanha começou a ser veiculada no ano
seguinte lembrando aos contribuintes a nova obrigação
A ideia foi lançada em dezembro de 1979 em uma
tributária. Na época, o imposto era pago em quatro par-
reunião ocorrida na Assessoria Especial de Modernização.
celas, o que encontrava analogia à quitação de presta-
O rei dos animais foi escolhido para representar o guar-
ções, ficando logo conhecido como carnê-leão. Foram
dião do Tesouro Nacional devido a sua figura, que apesar
enviados folhetos explicativos aos potenciais contri-
de imponente, passava uma imagem justa e pacata. “O leão
buintes com um exemplo de Darf – Documento de Ar-
é manso, mas não é bobo” – era um dos slogans publica-
recadação de Receitas Federais preenchido e a seguin-
dos. Apregoava também que o leão não atacava sem avisar.
te mensagem: “como diz o domador do leão, você tem
Revista, Fato Gerador, em 2013. Foto: Antonio Machado. obrigação de pagar, nós temos obrigação de facilitar.”
Conta-nos o pesquisador do Imposto de Renda, Cris-
tóvão Barcelos da Nóbrega, que houve contribuinte que
recolheu aquela importância por engano e, no próximo
folheto, o Darf trouxe destacada a palavra “Modelo”.
Os anos 80 foram de estagnação econômica e de- buinte, a antecipação do pagamento com descontos. A
créscimo no desenvolvimento apresentado no decênio partir daquele exercício a primeira quota ou quota úni-
anterior, conhecido como Milagre Econômico. Entre- ca venceria já na entrega da declaração e o contribuinte
tanto, a carga tributária manteve o patamar de 24% efetuaria o pagamento sem o prévio exame pelo fisco. O
do PIB até 1984. Para termos uma ideia do significado lançamento passava a ser por homologação.
desse dado, devemos citar que entre os anos 40 e 50 tal
indicativo alcançou o máximo de 15% e a média para Nos últimos anos do período militar, houve uma
os anos 70 foi de 25%, com o ápice em 1972 de 26%. reestruturação das carreiras que compunham a Receita
Como reflexo da reforma tributária de 1966 alcançou- Federal. Naquele mesmo ano de 1983, surgia o cargo
-se 24,20% em 1968 e a criação da Secretaria da Receita de nível médio de Técnico de Atividades Tributárias,
Federal colaborou com o crescimento dos índices de composto por seleção interna que promoveu diversos
arrecadação, pois aprimorou a máquina pública de ar- cargos do Ministério da Fazenda. Em janeiro de 1985,
recadação e fiscalização. dois meses antes de entregar o governo aos civis, o pre-
sidente Figueiredo assinou juntamente com Delfim
Em 1983 houve uma alteração significativa nos
Netto, então ministro do Planejamento, a lei que criava
procedimentos de pagamento do Imposto de Renda
Pessoa Física. Até então o contribuinte, via de regra, en- a carreira de Auditoria do Tesouro Nacional. Foi com-
tregava a declaração que era examinada pela Receita Fe- posta pelo cargo de Auditor-fiscal do Tesouro Nacio-
deral para efetuar o lançamento, conforme o caso, com nal - decorrente da fusão do Fiscal de Tributos Federais
vencimento da primeira quota, quarenta e cinco dias com o Controlador de Arrecadação Federal, e pelo car-
após a notificação. Tal sistemática, chamada lançamen- go de Técnico de Tesouro Nacional, que incorporou os
to por declaração, facultava, como incentivo ao contri- citados Técnicos de Atividades Tributárias.
160
O período de alta inflacionária subsequente foi Chamado de Sistema de Apoio ao Declarante, chegou a
A Receita Federal na Nova República
bastante complexo e tumultuado para todas as áreas de ser instalado em diversas Delegacias da Receita Federal.
planejamento, inclusive no âmbito da Receita Federal. Alimentado com informações do contribuinte como a
O início da crise econômica, que marcaria o país no fi- renda, dependentes, deduções e outros dados, o sistema
nal da década, foi enfrentado pelo secretário Guilher- fornecia em um minuto o modelo da declaração e indica-
me Quintanilha de Almeida que assumiu a direção do va em qual formulário deveria ser preenchida. Foi o pre-
órgão em abril de 1986. Entre as suas metas destaca- cursor do Programa de Declaração do Imposto de Renda.
vam-se o intuito de reformular o sistema de controle
aduaneiro e criar novas delegacias. Nesta época havia A área aduaneira, com atuação ligada às políticas
71 delegacias e mais de 400 repartições menores como de comércio internacional, ganharia nova visibilidade
inspetorias e agências. O corpo funcional ainda contava nos anos seguintes e a orientação protecionista do perío-
com o mesmo número de cerca de 15 mil funcionários. do militar arrefecia com a abertura política. Assim, em
Não obstante a instabilidade econômica, a Receita Fe- 1988 criou-se a Coordenação do Sistema de Controle
deral ganhou destaque, pois para os diversos pacotes Aduaneiro, a fim de incrementar a fiscalização do co-
econômicos lançados, chamavam-se seus especialistas mércio exterior que começava a se expandir novamente.
para analisar impactos de incentivos, subsídios e reajus- A partir de meados dos anos 90 com a globalização e as
tes da tabela sobre o déficit do governo. políticas neoliberais o comércio internacional ganhou
ainda mais força e com ele houve aumento do descami-
A fim de proporcionar ao contribuinte uma pre-
nho e contrabando, exigindo uma nova estruturação da
visão da necessidade ou não de recolher o Imposto de
aduana brasileira.
Renda no reajuste anual, foi criado um programa de
computador, em 1987, para simular o preenchimento Com a estabilidade econômica alcançada pelo Pla-
da declaração. O que atualmente nos parece um recurso no Real, o contribuinte pela primeira vez, em 1996, fazia
elementar, representava uma novidade naquele tempo. sua declaração sem a necessidade de recorrer a índices
161
de correção monetária ou fazer conversões para unida-
Na virada para os anos 90, um dos problemas que Guimarães Maciel. Naquele ano, a competência para
exigia correção inadiável advinha dos dias inaugurais arrecadar e fiscalizar o Imposto Territorial Rural (ITR)
da Receita Federal. A estrutura da organização baseada passou do INCRA – Instituto Nacional de Coloniza-
em sistemas não considerava o atendimento uma ativi- ção e Reforma Agrária para a Receita Federal, refletin-
dade em si. Cada projeção sistêmica fazia sua própria do-se também no aumento da clientela a ser atendida.
recepção ao contribuinte. Se antes da criação da Receita
Federal o cidadão, por vezes, para resolver suas pendên- Alterações no Imposto de Renda na gestão de
cias fiscais federais, precisava comparecer a diversos ór- Reinaldo Mustafa fizeram o número de contribuintes
gãos, naquele momento a peregrinação se fazia neces- pessoa física, declarantes do Imposto de Renda, bai-
sária entre seções e andares. Isto limitava o paradigma xar de quase 10 milhões para cerca de 3 milhões. Estes
originalmente almejado de uma repartição unificada, números voltaram a crescer com o passar da década,
que visse o contribuinte de modo integral. Claro que ao alcançando cerca de 5 milhões em 1993. Em 1996 os
tempo da criação da instituição, a demanda por aten- contribuintes somavam mais de 6 milhões para pesso-
dimento era menor. A transferência dos recolhimentos as físicas e 3 milhões para jurídicas. Este novo cresci-
para os bancos e a remessa de formulários do Imposto mento significava também o aumento da demanda di-
de Renda aos domicílios de fato reduziram inicialmente ária nas repartições por certidões negativas de débitos
padronização nos procedimentos adotados entre as nacionais de apoio ao atendimento que forneceriam o
unidades no que se refere à organização destes serviços. suporte necessário à implantação das CAC.
Enquanto isso, a fim de atender à demanda crescente,
No encontro ocorrido em 1995, chamado “CAC
experiências isoladas surgiam por todo o país como, en-
– Dois anos depois – A Receita encontra o seu clien-
tre outras, o SAEX - Serviço de Atendimento Executivo,
te”, ficou demonstrado que as centrais estavam sendo
em Belém; a CAC - Central de Atendimento ao Con-
instaladas e trazendo os resultados positivos esperados.
tribuinte, no Recife; o SEATI – Sistema Executivo de
No ano seguinte, já havia 47 Centrais de Atendimen-
Atendimento Integrado, em Maringá e a CIA – Central
to criadas. Em 1994 foi elaborada uma primeira versão
Integrada de Atendimento, em Porto Alegre.
impressa do Manual de Atendimento e, em 1995, em
Em 1993 ocorreu o Seminário sobre o Atendi- meio magnético, sendo distribuído a toda a Receita Fe-
mento ao Contribuinte, organizado pela Assessoria de deral. Também foram produzidos e distribuídos os ví-
Divulgação e Relações Externas – ASDIR com o obje- deos “Central de Atendimento ao Contribuinte – Uma
tivo de analisar e debater soluções para os problemas nova filosofia” e “Atendimento ao púbico – A postura
do atendimento, consolidando as práticas pioneiras em do atendente”.
um modelo único. O resultado foi o estabelecimento de
Assim como na criação da Receita Federal, houve
uma nova cultura organizacional - a integração intersis-
resistência em um primeiro instante. Os servidores es-
têmica. Foram traçadas as diretrizes para a implemen-
pecializados em determinados assuntos viam com res-
tação em plano nacional de centrais de atendimento.
salvas a manualização de procedimentos e não aceita-
Ainda naquele ano, foi publicada uma portaria vam com tranquilidade que outros funcionários orien-
criando o Programa de Melhoria do Atendimento ao tassem o contribuinte em suas matérias. As chefias nos
Contribuinte e as Centrais de Atendimento ao Contri- respectivos sistemas quando cediam um servidor para
165
trabalhar nas CAC, tendiam a ver apenas como perda Em 1991 foi desenvolvido um disquete-programa
de 1998, foi alterada a denominação de Central de Aten- Serviço Interativo de Atendimento Virtual, com o obje-
dimento ao Contribuinte para Centro de Atendimento ao tivo de concentrar em único local os atendimentos com
Contribuinte – permanecendo a mesma sigla - CAC . informações protegidas por sigilo fiscal. O acesso a esta
área do site era feito pelo contribuinte exclusivamente
No segundo trimestre de 1999 foi implantado o
por meio de certificação digital para garantir os requi-
Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento
sitos essenciais como a identidade dos emissores e des-
– SAGA. Idealizado para organizar e facilitar o aten-
tinatários, a integridade do conteúdo e a privacidade da
dimento ao público, o sistema contava com recursos
comunicação. Pelo Receita 222, ficavam acessíveis
para concessão, administração de senhas e chamadas.
as cópias das declarações, consultas aos pagamentos
Por meio dele passava a ser possível também mensurar
e à situação fiscal. Tais funcionalidades virtuais fo-
e analisar os dados relativos ao atendimento, possibili-
ram depois ampliadas e o programa, substituído em
tando um melhor gerenciamento do serviço, bem como
2005 pelo e-CAC - Centro Virtual de Atendimento
o planejamento e redirecionamento aos atendentes,
ao Contribuinte, quando também foi possibilitado
conforme o assunto ou disponibilidade.
acompanhar o processamento das declarações e a
Em julho de 2000, os primeiros manuais do CAC solicitação do parcelamento de dívidas pelo compu-
também foram substituídos por um programa, o Siscac, tador pessoal.
168
O Atendimento ao contribuinte na Era Digital
A área aduaneira também foi beneficiada pelos in- desses programas cada tramitação era processada ma-
crementos tecnológicos da década de 90, trazendo conse- nualmente e no papel. O novo sistema logo demonstrou
quente adiantamento nos trâmites do comércio exterior. ser uma eficiente ferramenta para produzir dados perti-
Instituído por decreto em setembro de 1992, o Siscomex
nentes ao planejamento econômico do país, bem como
- Sistema Integrado de Comércio Exterior foi inaugurado
potencializou a fiscalização até então embaraçada com
em 1993 com a implantação do módulo exportação.
os diversos caminhos da burocracia. Ressalte-se que
Em 1997 foi a vez de dois outros módulos, o de antes os números da balança comercial só eram conhe-
importação e o de trânsito aduaneiro. Até o lançamento cidos cerca de 45 dias após o final do mês. Além disso,
169
os dados eram imprecisos devido aos métodos de apu- Todas estas inovações que surgiram no atendimen-
Em 2005, foi instituída uma Coordenação Nacio- modelo organizacional estruturado em administrações
nal de Transição com a tarefa de assessorar e operacio- isoladas por tributo.
nalizar a unificação da Secretaria da Receita Federal
com a Secretaria da Receita Previdenciária. Cerca de A unificação do fisco federal seguiu a tendência
três anos depois sua missão estava cumprida, havendo internacional adotada por diversos países como a In-
ainda acompanhado o processo de adaptação por um glaterra, Austrália, Nova Zelândia, Noruega, Finlân-
ano após a fusão jurídica das secretarias ocorrida em dia, Suécia, entre outros. Nos Estados Unidos e Ca-
março de 2007. Foi a maior reforma na Administração nadá o modelo também é adotado, embora a Aduana
Tributária Federal desde a unificação dos departamen- esteja separada e vinculada a órgãos de segurança
tos que criou a Receita Federal em 1968. conforme vimos.
Desse modo, surgia o órgão que a imprensa cha- Entre os objetivos imediatos, estava aumentar a
mou de Super-receita. O nome não ficou em uso, e eficiência da máquina administrativa, racionalizando o
tampouco na memória coletiva do senso comum. Ofi- cumprimento das obrigações acessórias e simplificando
cialmente renomeada para Secretaria da Receita Fede- as relações entre o fisco e o contribuinte. Por conseguin-
ral do Brasil, a Secretaria agora passava a constituir te, além de melhorias no atendimento, buscava-se um
o único órgão imbuído da competência para realizar incremento da arrecadação sem a majoração de bases
a arrecadação, o controle e a fiscalização de todos os de cálculo ou alíquotas.
tributos federais, aos quais se incluem, lato sensu, as
Outras tentativas do governo haviam ocorrido no
contribuições previdenciárias.
final da década de 80 e início dos anos 90, quando pro-
Foi esta mais uma etapa no processo iniciado na jetos encaminhados por medida provisória acabaram
primeira formação da Secretaria, de substituição do não aprovados no Congresso. Entre eles, em 1991, era
172
proposta a transformação do então Departamento da como quando a Secretaria da Receita Federal foi criada
A Super-Receita: fusão com a Secretaria da Receita Previdenciária
Receita Federal e da Diretoria de Arrecadação e Fiscali- em 1968, a acomodação dos recursos humanos foi tarefa
zação do INSS em uma Secretaria Nacional da Receita. complexa, propensa a tensões, nem sempre satisfazendo
o quadro de pessoal por completo em suas demandas e
As carreiras das duas secretarias já haviam sido
expectativas na manutenção ou definições de atribuições,
aproximadas em 2002, buscando a isonomia aos car-
ora privativas, ora concorrentes entre os cargos.
gos de auditores de ambas, o que facilitou o momento
da incorporação. Pela lei promulgada naquele ano a Além dos auditores oriundos da Previdência, fo-
Carreira Auditoria do Tesouro Nacional passou a se ram dadas aos demais servidores públicos da extinta
chamar Carreira Auditoria-Fiscal da Receita Federal. secretaria, Técnicos do Seguro Social e Analistas Pre-
Pelo mesmo instrumento foi reorganizada em tabe- videnciários, as opções de transferir-se para o novo ór-
la única os vencimentos e a estrutura de classes dos gão criado ou de permanecer no Instituto Nacional do
cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e Auditor Seguro Social, do Ministério da Previdência. Aos que
da Previdência Social. O cargo de Técnico do Tesouro vieram, igualmente foi facultada a possibilidade de re-
Nacional foi renomeado para Técnico da Receita Fe- tornar ao órgão de origem no prazo de 180 dias.
deral na oportunidade.
Dificuldades técnicas também foram enfrenta-
A partir de 2007, com a unificação do fisco federal, das, uma vez que os sistemas de informática dos dois
a carreira ficou composta pelos cargos de Auditor-Fis- órgãos não eram interligados. Unificar os bancos de
cal da Receita Federal do Brasil e Analista Tributário da dados e criar soluções oficiais e padronizadas para de-
Receita Federal do Brasil (ex-Técnicos da Receita Fede- mandas dos próprios servidores têm sido um desafio
ral), passando este a cargo de nível superior. Mais de 4 constante. As respostas viriam cada vez mais rápidas
mil auditores previdenciários somaram-se aos audito- na forma de ferramentas e aplicativos de última gera-
res da Receita Federal, alcançando mais de 12 mil fiscais ção no tratamento dos dados e serviços prestados pela
e 7.600 analistas à serviço da nova instituição. Assim Receita Federal.
173
10. A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
deu impulso decisivo na gerência do projeto, forman- da PGFN – Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
do uma equipe nacional com um integrante de cada
Foram formadas dez equipes de disseminação,
região fiscal. Ainda naquele ano inaugural de 2006, o
uma em cada região, com mais de 60 pessoas envolvi-
projeto conquistou o primeiro lugar no Concurso de
das. Como nas etapas de mudança anterior, houve re-
Criatividade e Inovação da Receita Federal.
lutância e resistência do corpo funcional em relação ao
O primeiro processo eletrônico permaneceu por e-Processo, mas aos poucos foi se adaptando e logo se
dois anos em teste apenas nas unidades da DRF e DRJ constatou ser iniciativa irreversível e indispensável para
de Salvador. Enquanto isso, o sistema era adaptado, pas- o melhor gerenciamento dos atos processuais e admi-
sando por várias versões, novos módulos e ajustes, até nistrativos. Com o e-Processo, reduziam-se significa-
sua expansão, em julho de 2008, para mais 23 unidades tivamente o tempo e os custos no trâmite processual,
da RFB e Conselho de Contribuintes. No ano seguinte, aumentando a produtividade. Valorizava-se ainda o
Em 2011, já no primeiro ano da gestão de Carlos O atendimento eletrônico ficou simples e direto,
Barreto, como dirigente da Receita Federal do Brasil, o podendo ser feito por código de acesso ou certificado
e-Processo foi implantado em todas as unidades e para digital. Naquele ano, houve 65,2 milhões de acessos
todas as áreas da Secretaria, incluindo a de pessoal e a ao CentroVirtual de Atendimento. Isto permite maior
de logística. No mesmo ano, o projeto venceu o con- qualidade e uma redução no tempo médio de espera do
curso Inovação, promovido pelo Ciat - Centro Inte- contribuinte nos atendimentos presenciais. Apesar do
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volume de serviços ainda ser elevado, com mais de 19 cessidade, trazendo vídeos informativos e um guia prá-
A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
milhões de atendimentos, o tempo médio de espera foi tico de consulta, que funcionam mesmo sem conexão à
de apenas 11 minutos. internet, situação recorrente em voos e certas áreas dos
aeroportos. O outro programa lançado no mesmo ano
Outra nova ferramenta, que já vem se destacando
foi o relativo a Pessoa Física, que possibilita ao contri-
na área, é o VIA - Visão Integrada do Atendimento. O
buinte consultar a restituição do Imposto de Renda de
sistema coleta, integra e disponibiliza informações que
declarações entregues desde 1999.
se encontram dispersas em outros sistemas, contribuin-
do para a maior agilidade nos serviços prestados ao O aplicativo consulta também a situação cadastral
contribuinte. Em maio de 2012, foi iniciada a primei- do CPF na base de dados da Receita Federal, um dos
ra fase voltada aos serviços de Pessoa Física e Situação serviços mais solicitados na página da web. Já em 2013
Fiscal. Em 2013, o sistema já se distinguia no Prêmio passou a ser possível entregar a declaração do Impos-
e-Gov 2013, promovido pela Associação Brasileira de to de Renda pelos dispositivos móveis, sendo recebidas
Entidades Estaduais de Tecnologia da Informação e Co- cerca de 5 mil declarações. Dos mais de 25 milhões de
municação (Abep) e pelo Ministério do Planejamento, declarações entregues anualmente, cerca de 70% são
Orçamento e Gestão (MPOG). preenchidas com a opção pelo modelo simples. Outra
inovação que está sendo adotada pela Receita Federal
Em 2012 a Receita Federal disponibilizou dois
permitirá que tais contribuintes não precisem preen-
aplicativos para dispositivos móveis como smartphones
cher a declaração, mas somente confirmar os dados que
e tablets. O aplicativo Viajantes no Exterior permite, por
virão preenchidos com base nas informações forneci-
meio de perguntas e respostas direcionadas, avaliar a
das pelos empregadores e contratantes.
necessidade de preenchimento e apresentação da DBA
- Declaração de Bagagem Acompanhada. Ainda não Também neste ano foi criada a e-DBV - Declaração
substituíra a DBA. O programa verificava antes sua ne- Eletrônica de Bens de Viajante, que veio para substituir
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A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
Aplicativo para dispositivos móveis
destinado a viajantes internacionais.
a tradicional DBA – Declaração de Bagagem Acompa- da atuação de Receita Federal na área. Em 2012, os nú-
nhada por uma versão eletrônica. Unificou-se ainda meros foram ainda mais expressivos, passando de R$ 2
com a e-DPV - Declaração Eletrônica de Porte de Valo- bilhões em apreensões em novo recorde histórico.
res, criada em 2012. Trata-se de medidas adotadas pela
Receita Federal para modernizar a aduana brasileira. Integrando o Plano Estratégico de Fronteiras do
A fiscalização aduaneira tem apresentado crescimento governo federal, a Operação Fronteira Blindada é uma
nos resultados obtidos no cumprimento de sua missão ação permanente da Receita Federal no combate aos
de garantir que os produtos que ingressam e saem do grupos que buscam o lucro de maneira ilegal, preju-
país sejam tributados corretamente, evitando ainda a dicando a indústria nacional. Somente em 2012 foram
entrada de mercadorias piratas ou que possam causar 2.680 operações integrando a ação maior. Para tanto, a
danos ao consumidor. As apreensões de mercadorias Receita Federal conta com o apoio da Polícia Federal,
em 2011 alcançaram o valor R$ 1,48 bilhão resultante Polícia Rodoviária Federal, Forças Armadas e polícias
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estaduais. Foram apreendidos em 2011 aproximada- do Conheça nossa Aduana, que teve início em julho de
A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
mente 9 mil veículos utilizados para o transporte ilegal 2012. Por intermédio do programa, mais de trinta uni-
de mercadorias. No ano seguinte foram mais 12 mil veí- dades em diversos pontos do Brasil abrem, duas vezes
culos tomados da logística do descaminho e contraban- por ano, suas portas à visitação pública, promovendo
do. Também se destacou a Operação Pouso Forçado, ações de Educação Fiscal. Centenas de pessoas têm
que apreendeu 12 aviões importados irregularmente, participado das atividades, sendo o público composto
avaliados em mais de R$ 560 milhões. na maioria por estudantes de ensino médio e superior,
além de professores, pesquisadores e profissionais que
Em harmonia com a política de Acesso a Informa- atuam no comércio exterior.
ções, foi criado dentro da página da Receita Federal na
Uma das formas de destinação das mercadorias
internet, um espaço para a divulgação de notícias sobre
apreendidas, juntamente com a incorporação ao servi-
a ação permanente no combate ao contrabando, desca-
ço público por meio do repasse a diversos órgãos é o
minho, pirataria e tráfico de drogas nas regiões limítro-
leilão, dirigido a pessoas físicas e jurídicas. O Sistema
fes do país. Assim, o primeiro blog institucional da Re-
de Leilão Eletrônico - SLE foi implantado em dezem-
ceita Federal objetivou dar visibilidade em tempo real
bro de 2010, primeiramente acessível somente a pesso-
às ações da Operação Fronteira Blindada. As equipes
as jurídicas. Simplificaram-se, assim, os procedimentos
que atuam na área de vigilância aduaneira passaram a
de logística, reduzindo custos em relação aos certames
inserir suas postagens a qualquer hora do dia, direta-
presenciais, até então exclusivamente adotados. A nova
mente de onde ocorram as operações, oferecendo ao
modalidade permitiu expandir a quantidade de leilões
cidadão um canal de informação sobre as atividades do
aumentando a arrecadação e oferecendo maior com-
órgão na repressão aos ilícitos transfronteiriços.
petitividade e confiabilidade aos participantes. Assim
A transparência na área aduaneira também está como o e-Processo, o SLE obteve 1º lugar no concur-
contemplada no projeto de educação fiscal denomina- so de inovação de administração tributária promovido
179
A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
Lancha Leão Marinho I, 2013.
Receita Federal do Brasil.
Foto: Jonas Vagula.
180
pelo Centro Interamericano de Administrações Tribu- recursos humanos envolvidos. À medida que as inicia-
A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
tárias CIAT, na edição 2012. No mesmo ano, o sistema tivas vão sendo concluídas, alimentam os relatórios ge-
foi estendido, contemplando leilões a pessoas físicas. renciais. No início de 2013, o sistema já registrava 2.927
iniciativas cadastradas, sendo mais de 700 concluídas.
Entre 2011 e 2012, a Receita Federal passou a utili-
zar um índice próprio para mensurar o desempenho de Todas estas realizações e as que se empreenderão
suas atividades. Agregando resultados de diversos indi- no futuro somente tornam-se possíveis graças ao esfor-
cadores estratégicos, com a colaboração das unidades ço e profissionalismo do corpo funcional que integra a
centrais e regionais, essa medição chamada de Índice Receita Federal do Brasil. Ao iniciarmos esta jornada
Receita Federal foi consolidada como importante ins- de resgate da memória institucional, recuamos aos pri-
trumento de avaliação institucional. O índice agrupa 22 meiros anos, com a conquista da terra em 1500 e des-
indicadores necessários para que o órgão atinja seus ob- cobrimos que muito pouco havia nos primeiros ensaios
jetivos, tais como a realização da meta de arrecadação, administrativos ocorridos durante todo o período colo-
o tempo médio de espera no atendimento e o tempo nial. Contudo, passo a passo, como vimos, a estrutura
médio de despacho aduaneiro. fazendária foi se organizando e aperfeiçoando sua atu-
ação na tarefa de exercer a administração tributária e
Dois anos antes, em 2009, entrava em funciona-
aduaneira com justiça fiscal e respeito ao cidadão, em
mento uma ferramenta eletrônica que auxiliaria os ges-
benefício da sociedade.
tores na tarefa de planejamento e acompanhamento das
ações administrativas realizadas da Receita Federal e Pela estrutura vigente, as Unidades Centrais são
inclusive no fornecimento de dados para o Índice Re- formadas por cinco subsecretarias e diversos órgãos
ceita. O Sistema de Apoio à Gestão Estratégica (Sage) de assessoramento direto ao gabinete do secretário. No
é um software que permite cadastrar iniciativas com o âmbito das unidades locais, conta-se com mais de 100
detalhamento dos custos previstos e realizados e dos delegacias. Nas áreas de fronteira, como portos,
Um dos helicópteros da Receita Federal que atua
na Repressão ao Contrabando e Descaminho
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A Receita Federal do Brasil, hoje e amanhã
aeroportos e pontos de fronteira alfandegados funcio- Espera-se ter recuperado com esta obra um pou-
nam 55 inspetorias e 26 alfândegas. Distribuídas por co da complexa história administrativa tributária do
todo o território nacional, há ainda 362 agências da Brasil. O bom andamento das tarefas que envolvem a
Receita Federal atendendo ao contribuinte. arrecadação e fiscalização de impostos é de suma im-
portância para o eficaz funcionamento do Estado.
Atualmente, a instituição conta com aproximada-
mente 28 mil funcionários. São mais de 11 mil audito- A Receita Federal seguirá trabalhando com afin-
res-fiscais, cerca de 7.200 analistas tributários, mais de co para aprimorar seu atendimento à sociedade, pro-
6.500 servidores administrativos e 2.200 empregados porcionando um serviço público de excelência, ágil e
cedidos do Serpro - Serviço Federal de Processamento cada vez mais acessível aos contribuintes. O desenvol-
de Dados, trabalhando diariamente pelo objetivo de vimento econômico, a justiça fiscal e social farão, por
fazer da Receita Federal uma referência nacional e in- conseguinte, parte de nossa realidade em um futuro
ternacional em sua área de atuação. cada vez menos distante.
183
Quadro atual das Unidades da Receita Federal do Brasil
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª
Unidades/RF RF RF RF RF RF RF RF RF RF RF Total
Total 50 52 48 48 46 58 37 99 68 63 569
184
GALERIA DE SECRETÁRIOS DA RECEITA FEDERAL
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Revistas e jornais
REFERÊNCIAS