dioctophyma renale .
dioctophyma renale .
Brasília - DF
2024
ALESSANDRO RODRIGUES DE OLIVEIRA
JULIENE FARIAS BORBA
BRASÍLIA
2024
Espaço reservado para folha de aprovação
Dioctophyma renale EM CÃO DE CAÇA – RELATO DE CASO
Dioctophyma enale IN A HUNTING DOG – CASE REPORT
Abstract: Dioctophyma renale, known as the "giant kidney worm," is the largest
nematode that parasitizes domestic animals. Its life cycle is complex and not fully
elucidated. The definitive hosts primarily include canids, but also, in rarer cases, cattle,
horses, pigs, felines, some species of wild animals, and even humans. The parasite is
generally found in the right kidney but can also affect the left kidney. Additionally, it may
be located in the subcutaneous tissue, abdominal cavity, mammary glands, thoracic cavity,
ureters, urinary bladder, and, more rarely, in the testicles of dogs. This is a case report of a
7-years old, male American Foxhound, used for hunting wild boars, diagnosed with
Dioctophyma renale parasitism in the right kidney.
1. Introdução
Dioctophyma renale, popularmente conhecido como verme gigante do rim
(Souza et al., 2019), é um nematódeo pertencente à classe Enoplea, ordem Enoplida e
família Dioctophymatidae (Ribeiro et al., 2009; Verocai et al., 2009; Pedrassani et al.,
2017; Souza et al., 2019; Cardoso et al., 2023). É reconhecido como o maior nematódeo
já descrito que parasita animais (Sun et al., 1986; Andrade et al., 2022), de coloração
vermelho brilhante, com aparelho bucal pequeno e simples (Freitas et al., 2023). Os
exemplares adultos apresentam uma boca hexagonal, sem lábios, circundada por seis
papilas dispostas em círculo; a cutícula é transversalmente estriada, sem espinhos, e o
esôfago é longo, estreito, claviforme, com discreta dilatação posterior (Urano et al.,
2001; Lima et al., 2016). O macho pode atingir 45 cm de comprimento por 4 a 6 mm de
largura, enquanto a fêmea pode medir até 100 cm de comprimento por 12 mm de
largura (Freitas et al., 2023). Os machos possuem uma bolsa copuladora musculosa na
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Figura 1: Esquema do ciclo biológico de D. renale. HD= Hospedeiro definitivo, HP= Hospedeiro
Paratênico, HI= Hospedeiro Intermediário. Fonte: Pedrassani (2009).
apella) (Ishizaki et al., 2010b), o furão-pequeno (Galictis cuja) (Pesenti et al., 2012;
Zabott et al., 2012) e a lontra-neotropical (Lontra longicaudis) (Echenique et al., 2018).
Apesar desta diversidade de relatos, os cães domésticos são considerados os principais
hospedeiros definitivos de D. renale (Birchard et al., 2003; Pedrassani., 2009; Lima et
al., 2016). No Brasil, há elevada taxa de infecção destes parasitas em lobos-guarás de
vida livre, o que sugere que esses animais possam ter uma função epidemiológica mais
significativa do que os cães em ambientes silvestres, levando em conta seus
comportamentos alimentares e padrões de migração (Leite et al., 2005; Lima et al.,
2016).
O D. renale é o único parasito capaz de colonizar o rim, penetrando a cápsula
renal, invadindo e destruindo o parênquima (Kommers, 1999; Andrade et al., 2022). A
ação histolítica da secreção das glândulas esofagianas explica a facilidade com que este
penetra e destrói o parênquima renal, restando somente a cápsula renal e o conteúdo
sanguinolento, no qual os parasitos ficam imersos (Kommers, 1999; Andrade et al.,
2022).
Nos animais infectados, são observados sinais clínicos como apatia,
emagrecimento, arqueamento do dorso, hematúria e um aumento palpável na região
renal (Barriga, 1982; Alves et al., 2007). O diagnóstico da infecção por Dioctophyma
renale pode ser realizado por ultrassonografia e urinálise, na qual se identificam os ovos
do parasito (Boaventura, 2016). Em casos raros, observa-se a eliminação de vermes
jovens pela urina (Perera et al., 2017). Porém, na maioria dos casos, o diagnóstico é
achado de necropsia ou de procedimentos cirúrgicos, onde é possível observar a
presença do parasita pelas características morfológicas como tamanho, cor e espessura
(Boaventura, 2016). A cirurgia de nefrectomia é o tratamento de escolha, pois não
existem alternativas farmacológicas eficazes para o controle da infecção (Pedrassani et
al., 2009). A prevenção envolve evitar o consumo de peixes e rãs crus, especialmente
em áreas endêmicas (Measures, 2001; Acha & Szyfres, 2003).
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de infecção de Dioctophyma renale
em um cão de caça da raça Foxhound Americano, ocorrido no Núcleo Bandeirante,
Distrito Federal.
2. Relato de caso
No dia 03 de julho de 2024, um cão macho, de aproximadamente sete anos, da
raça Foxhound Americano, pesando 24 kg, foi encaminhado em caráter de urgência para
uma clínica veterinária localizada na região administrativa do Núcleo Bandeirante, no
Distrito Federal. No encaminhamento, foi informado pelo médico veterinário que o
animal apresentava a vesícula urinária repleta, sendo realizada uma desobstrução parcial
por meio de sondagem. Também foi informado que o animal apresentava dor
abdominal, presença de parasitas no rim direito e sinais de obstrução em vesícula
urinária, detectado por ultrassonografia abdominal. O encaminhamento indicava a
necessidade de nefrectomia total do rim direito.
Durante a anamnese, foi informado que o ambiente onde vivia o animal consistia
em uma casa com quintal. O tutor informou que o cão era de caça e que era utilizado
para caçar javalis, mas não especificou se essa caça ocorria no DF. Além do contato com
javalis, o animal tinha contato com duas cadelas da raça pitbull, bem como interagia
com outros cães durante as atividades de caça. O ambiente externo permitia o acesso ao
mato, mas não à rua. O animal estava com comportamento ativo, interagindo
normalmente até 3 dias atrás, quando o paciente já não estava conseguindo se alimentar
ou ingerir água normalmente, demonstrando também desconforto abdominal, leve
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Figura 2: Imagem ultrassonográfica abdominal do paciente. À esquerda, observa-se o rim esquerdo com
morfologia e ecogenicidade normais. À direita, o rim direito apresenta perda da morfologia usual e
presença de estruturas ecodensas tubulares (seta branca), sugestivas de parasitismo por Dioctophyma
renale. Fonte: Acervo da clínica veterinária.
Figura 4: Exemplares de Dioctophyma renale removidos do rim direito, sendo, da esquerda para a direita,
uma fêmea e três machos. Nota-se nos machos, uma bolsa copuladora em formato de campânula (setas
brancas). A cápsula renal remanescente do rim afetado também está presente (seta preta).
Fonte: acervo da clínica veterinária.
peritônio, com padrões Sultan e simples separado. O tecido subcutâneo foi suturado
com fio absorvível Vicryl® 3.0, em padrão Cushing intercalado com simples
interrompido, incluindo a musculatura. Por fim, na pele, foi empregado o padrão Wolff
separado com fio não absorvível Nylon 2.0.
Na tentativa da sondagem uretral anterior à cirurgia foi possível perceber uma
certa resistência; presumiu-se que fosse devido à presença de cálculos na uretra, e esta
sondagem foi mantida até o dia posterior à cirurgia, quando o paciente já estava
conseguindo urinar normalmente.
No pós-operatório, o paciente recebeu metadona (0,1 mg/kg, via subcutânea,
TID), metronidazol (15 mg/kg, via intravenosa, BID), hidrocortisona (5 mg/kg, via
intravenosa, SID), ceftriaxona (25 mg/kg, via intravenosa, BID) e dipirona (25 mg/kg,
via intravenosa, TID). A indicação foi de que o paciente fosse mantido internado e
sondado por mais dias e até completar a terapia medicamentosa e recuperação, porém, o
responsável optou por retirá-lo no dia posterior ao procedimento, 04 de julho de 2024.
Então, foi receitado para casa Gaviz® V 20 mg (omeprazol, 1 mg/kg, via oral,
SID, durante 14 dias, com início para a manhã do dia seguinte), amoxicilina 875mg +
clavulanato de potássio 125 mg (20mg/kg, via oral, BID, durante 14 dias), Prediderm®
20 mg (prednisolona, 4 mg/kg, via oral, SID, durante 5 dias), dipirona 500 mg/ml (25
mg/kg, via oral, TID, durante 5 dias). O retorno foi marcado para o dia 17/07/2024, para
retirada de pontos e novos exames complementares, incluindo urinálise, análise de
cálculo urinário para determinar a composição dos cálculos, exame parasitológico para
identificação dos vermes, além da repetição do hemograma, bioquímico e ultrassom. No
entanto, o tutor do paciente se negou a realizar esses exames.
No dia 08/07/2024, tutor relatou por mensagem de texto, que o paciente estava
se recuperando muito bem, urinando normalmente, e que estava fazendo os curativos
corretamente. No dia 15/07/2024, tutor relatou que retirou os pontos por conta própria, e
que deu tudo certo. Relatou que a ferida estava muito bem cicatrizada. Também mandou
um vídeo do paciente, que aparentava estar bem.
No dia marcado para o retorno, o paciente não compareceu. No dia 27/07/2024 o
tutor relatou que o paciente estava muito bem e perguntou quando o paciente poderia
correr e voltar às atividades normais. Foi indicado que o paciente poderia retomar
atividades moderadas no dia 07 de agosto de 2024, cinco semanas após a realização do
procedimento.
3. Discussão e conclusão
A dioctofimatose, ou infecção por D. renale, é particularmente comum em cães
que têm hábitos alimentares pouco seletivos, visto que o parasita é altamente adaptável
e permanece em ambientes silvestres; assim, entende-se que cães errantes estão mais
suscetíveis à infecção, reforçando a necessidade de controle populacional e cuidados
adequados (Alves et al., 2007). Além disso, a possibilidade de transmissão ao longo da
cadeia alimentar entre hospedeiros paratênicos e definitivos destaca as implicações de
saúde pública relacionadas ao manejo de cães em áreas urbanas, onde podem ter acesso
a fontes de infecção em ambientes diversos (Costa et al., 2011; Rocha, 2017). No
presente caso relatado, o animal agia como cão de caça e tinha contato com javalis;
assim, o cão não apenas estava em contato com o habitat onde esses parasitas podem ser
encontrados, mas também aumenta o risco de ingestão acidental de larvas ou formas
infectantes que podem estar presentes em presas ou em ambientes contaminados.
O parasita Dioctophyma renale pode ser encontrado em diversas partes do corpo,
como rins, cavidades abdominal e torácica, ureteres, bexiga e tecido subcutâneo,
dependendo do ponto de entrada da larva infectante (Kommers et al., 1999; Zabott et al.,
12
2012; Rocha, 2017). Geralmente, a localização mais comum do parasita adulto é o rim
direito, devido à proximidade com o duodeno, afetando com maior frequência essa
região durante a migração larval (Zabott et al., 2012; Kommers et al., 1999).
Normalmente, apenas um rim é acometido, o que resulta em hipertrofia compensatória
do rim saudável para suprir a função do rim afetado (Leite et al., 2005). No caso
relatado, embora o parasita estivesse no rim direito, conforme esperado na literatura, o
ultrassom revelou que o rim esquerdo mantinha tamanho normal (4,16 cm) e
características usuais, sem sinais de hipertrofia compensatória, o que foi inesperado.
Embora seja possível encontrar três ou mais vermes em um único rim, muitas
vezes ocorre a presença de apenas um (Taylor et al., 2010; Rocha, 2017). Há um relato
de um cão que foi infectado por trinta e quatro exemplares de D. renale, dos quais sete
estavam localizados no rim direito, que se encontrava significativamente aumentado e
com o parênquima renal comprometido; os demais vinte e sete vermes foram
observados livres na cavidade abdominal, a qual apresentava uma quantidade
considerável de fibrina (Monteiro et al., 2002). Em um estudo realizado com 28 cães em
Uruguaiana – RS, foi observada a presença do parasito no rim direito, em meio ao
exsudato hemorrágico, além de parasitos livres na cavidade abdominal, no tecido
subcutâneo da região inguinal e do flanco esquerdo, dentro de um cisto caudal ao rim
direito, com o número de parasitos variando de 1 a 24 exemplares, entre machos e
fêmeas (Silveira et al., 2015; Souza et al., 2019). No caso relatado, a presença de quatro
exemplares no rim direito sugere uma infecção significativa. Essa situação é consistente
com o que foi observado em estudos anteriores, nos quais múltiplos vermes foram
encontrados no rim direito, frequentemente acompanhados de exsudato e complicações
associadas.
A severidade da lesão depende do número de parasitas que afetam o rim, da
duração da infecção, do número de rins envolvidos e da presença ou ausência de doença
renal concomitante (Monteiro et al., 2002; Kano et al., 2003; Sousa et al., 2011; Souza
et al., 2019). As lesões mais comumente descritas são destruição e atrofia do
parênquima renal e degeneração significativa do tecido funcional do rim, acompanhadas
de glomerulonefrite esclerosante, uma alteração que reflete a inflamação e a cicatrização
do glomérulo, afetando assim a capacidade do rim de filtrar adequadamente os resíduos
do sangue (Silveira et al., 2015; Mascarenhas et al., 2019). Além disso, também se
observa fibrose periglomerular, fibrose e atrofia dos túbulos renais, espessamento da
cápsula renal, e presença do parasita no interior do órgão, acompanhada de líquido
purulento e sanguinolento, ovos, hemácias, células destruídas e leucócitos (Mascarenhas
et al., 2019). No presente caso, externamente notou-se que o rim direito estava com
aspecto hipertrófico e desfigurado; porém, ao corte do mesmo, percebemos acentuada
perda do parênquima, restando praticamente somente a cápsula renal espessada (Figura
4).
As alterações histológicas incluem tecido conjuntivo fibroso no parênquima
renal, glomérulos e túbulos atrofiados, infiltrado inflamatório mononuclear intersticial,
e hiperplasia do epitélio de transição da pelve (Andrade et al., 2022; Pereira et al.,
2023). A análise histológica é recomendada pois permite uma avaliação detalhada das
alterações microscópicas nos tecidos afetados, contribuindo para a confirmação do
diagnóstico e uma melhor compreensão da extensão e do tipo de lesões causadas pelo
parasita. Porém, neste caso a análise histológica não foi realizada, não sendo possível
caracterizar se as lesões seriam compatíveis com os relatos da literatura.
O parasita se nutre através da ingestão do parênquima renal e do sangue
proveniente das lesões que ele mesmo provoca (Bach, 2016). Com a ação de enzimas
proteolíticas e lipolíticas liberadas por suas glândulas esofágicas, ele causa uma
13
Figura 6: Ovos de Dioctophyma renale encontrados no sedimento urinário de paciente canino (aumento
200X). Fonte: Hospital Veterinário-UFPel, 2015. Arquivo fotográfico do PRODiC.
https://wp.ufpel.edu.br/prodic/
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AGRADECIMENTOS