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Língua pirarrã

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Pirarrã

Pirahã

Falado(a) em: Amazonas
Total de falantes:
Família: Mura
 Pirarrã
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---
ISO 639-3: myp

Pirarrã[1][2][3] ou pirahã[4][5] é uma língua da família linguística mura, falada por cento e cinquenta (alguns citam trezentos e cinquenta) indígenas pirarrãs, um povo monolíngue e seminômade que habita as margens do rio Maici, afluente do rio Marmelos ou Maici, que por sua vez é um afluente do rio Madeira, sendo este afluente do rio Amazonas, no Brasil.

Pirarrã é a única língua do grupo mura não extinta, sendo que todas as demais desapareceram nos últimos séculos. Essa língua não tem nenhuma relação com qualquer outra língua existente. Havia cerca de trezentos e cinquenta falantes em 2004, distribuídos em oito aldeias ao longo do rio Maici. Não é considerada em risco de extinção, pois seu uso é bem forte, sendo que os pirarrãs falam somente esse idioma.

Apresenta características peculiares, não encontradas em outras formas de expressão oral. Foi identificada e teve sua gramática elaborada em 1986 pelo linguista estadunidense Daniel Everett em cerca de doze artigos. Everett viveu entre os pirarrã por sete anos, dos anos 1970 aos 1980.

Peculiaridades

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  • Uma das menores quantidades de fonemas entre os idiomas existentes, rivaliza com a língua Rotokas, da Nova Guiné, nesse aspecto. Embora não haja pirarrã com escrita, identificam-se os sons de apenas três vogais (A, I e O) e seis consoantes: G, H, S, T, P e B;
  • A pronúncia de muitos fonemas depende do sexo de quem fala, havendo, por exemplo, uma sétima consoante (algo como K) somente para os homens.
  • Apresenta dois ou três tons, quantidade discutida entre estudiosos.
  • O falar pirarrã pode ser expresso por música, assobios ou zumbidos (como “M” com lábios fechados).
  • Conforme Everett, apresenta um som “sem voz”, dental, com tremor bilabial, fricativo, somente encontrado similar em línguas não relacionadas, como a Chapacura-Wanham, a Oro Win e a Wari. Os pirarrãs evitam emitir esse som diante de estranhos, com receio de parecerem ridículos a não falantes de sua língua.
  • Apenas alguns dos homens, nunca mulheres, conseguem se expressar em nheengatu ou em português. A expressão em português usa palavras desse idioma, mas a lógica é a gramática pirarrã.
  • Frases muito limitadas, sendo o único idioma sem orações subordinadas.
  • Não tem numerais, apenas a noção do unitário (significando também “pequeno”) e de muitos. Sua cultura e seu modo de vida, como caçadores e coletores, não exige conhecimento de numerais (um trabalho recente de Everett indica que no pirarrã não existem nem mesmo "um" e "dois"; não usam números, mas quantidades relativas).[6]
  • Não há palavras para definir cores, exceto "claro" e "escuro", embora isso seja discutido entre diversos autores.
  • Tudo é falado no presente, não há o tempo futuro nem o passado. Trata-se de um povo, portanto, sem mitos da criação.
  • Não tem termos que identifiquem parentesco, descendência. A palavra para Pai e Mãe é uma única.
  • Os pronomes pessoais parecem ter-se originado na língua nheengatu, uma língua franca de origem tupi.

Sheldon (1988) identificou os seguintes pronomes:

ti "eu"
gixai "tu"
hi "ele" (humano)
i "ela" (humano)
ik "ele", "eles" (vivo, não humano, não aquático)
si "ele", "eles" (vivo, não humano, aquático)
a "ele", "eles" (inanimado)
tiatiso "nós"
gixaitiso "vocês"
hiaitiso "eles" (só para humanos)

Os pronomes são fixados previamente antes dos verbos na sequência: sujeitoobjeto indiretoobjeto direto, sendo que o objeto indireto inclui preposições como “para”, “por”;

Os pronomes são usados para indicação de posse (genitivo);

Não há orações subordinadas, porém encontram-se substantivos modificados por sufixos, que fazem função similar a de uma oração subordinada.

Pirarrã é uma língua aglutinativa, que usa afixos para marcar significados gramaticais, inclusive para os equivalentes de verbos como "ser" e "haver".

Sufixos podem indicar também “evidencialidade” – fato testemunhado por quem fala. Outros sufixos indicam que a ação descrita é suposta por quem fala. Outros que é algo de que se ouviu falar, devendo porém a fonte da informação ser expressa claramente. Há também sufixos nos verbos para caracterizar vontade de fazer algo, frustração ao iniciar a ação, frustração ao concluí-la. Há ainda sufixos que tornam os verbos em substantivos derivados.

Há formas verbais para definir ação completada, não completada, ação visando um objetivo claro, sem objetivo definido, ação contínua, repetitiva ou iniciando. Não há clara definição, porém, de transitividade. Há, por exemplo, um único verbo para "ver" e "olhar", um único para "matar" e "morrer".

Conforme Sheldon (1988), as conjugações de verbos pirarrãs têm oito grupos principais de sufixos:

Grupo A:
intensivo
Ø
Grupo B:
causativo – incompleto
causativo – completo
iniciante – incompleto
iniciante – completo
futuro – algum lugar[7]
futuro – outro lugar[7]
passado[7]
Ø
Grupo C:
negativo/optativo + C1
Grupo C1:
preventivo
com opção
possível
positivo/optativo
negativo indicativo + C2
positivo indicativo + C2
Grupo C2:
declarativo
probabilístico/certo
probabilístico/incerto/iniciando
probabilístico/incerto/ocorrendo
probabilístico/incerto/completo
estativo
interrogativo 1/progressivo
interrogativo 2/progressivo
interrogativo 1
interrogativo 2
Ø
Grupo D:
continuativo
repetitivo'
Ø
Grupo E:
imediato
tentativa
Ø
Grupo F:
durativo
Ø
Grupo G:
desejado'
Ø
Grupo H:
causal
conclusivo
enfático/reiterativo
enfático + H1
reiterativo + H1
Ø + H1
Grupo H1:
presente
passado[7]
passado imediato[7]

Esses sufixos verbais podem levar a alterações fonéticas, podendo também vogais aparecerem entre sufixos para interligação fonética. Quando a junção de dois fonemas implica vogais duplas, a vogal de menor tom desaparece.

As primeiras pesquisas sobre a língua foram conduzidas por Steven N. Sheldon nos anos 1970 sob o patrocínio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, FUNAI, e a Universidade de Brasília. Muito do que se sabe sobre pirarrã deve-se ao trabalho de Daniel Everett e Keren Madora Everett feito durante os sete anos de convívio que os pesquisadores partilharam com os pirarrã em intervalos desde 1979. Os Everett são os únicos falantes não maternos da língua.

Algumas palavras recolhidas por Arlo Heinrichs em março de 1963 de um menino pirarrã chamado Bernardo (nome em pirarrã: koi²o²á²ʔa²):[8]

Número Português pirarrã
1 cabeça á²pai¹
3 cabelo a²paí²tai²¹
5 orelha aó²pai²
7 olho aó²pai¹
9 nariz i²taó²pai¹
11 boca kaó²pai²
12 língua í²po¹pai²
14 dente aí²to¹pai²
16 saliva i²pói²si¹
17 pescoço boí²to²pai²
19 peito bó²pai²
20 costas í²ga²pai²
21 mão ó²pai¹
23 perna á²po¹pai¹
25 joelho aó²¹pai²
27 áa²¹pai²
29 coração ai²óo²pai²
31 fígado i²bío¹pai¹
33 barriga kó²ʔo²pai¹
34 tripas, intestinos ko²ʔo²hói²¹si²
35 pele ó²i¹
37 osso sá²ai¹
39 sangue i¹bíi²¹
41b veado baí²toi¹
41c bode baí²to²gi¹
41d cobra ti²gaí²ti²
43 jacaré-açú kó²ʔoa¹hai²ʔi²
44 cachorro gió²pai¹
46 onça baó¹goi²pai¹a²
48 macaco-coatá gi²ʔá²ai¹
49 anta ká²ba²ti¹
50 chifre sá²paì²i²
52 rabo i¹gá²toi²
54 nambú hoa²saí²si²
56 papagaio kaá²hai²ʔài¹
57 garra, unha de bicho i¹so²pó²i²
59 asa si²pó²ai²
61 pena, pluma sí²tai¹
63 ovo sí²toi²¹
65 peixe tao²í¹ʔi²hi²ai²
67 cobra ti²gaí²ti²
69 piolho ti²hií²hi²
71 verme, minhoca i¹o²bí²ʔi²
73 milho tí²haa²¹
75 mandioca áo²hoi²
77 fumo (tabaco) tí¹hi²
79 árvore ií²¹
81 pauzinho ií²ʔoí¹hi²hi²
83 capim, grama pii¹²ʔí¹hi²
85 flor ii²¹ho²áó²bai²
88 fruta ti²o²í²hi²
90 semente aí¹²si²
92 folha pí¹
94 raiz sá²ai¹
96 casca í²o¹i¹
98 céu bí²gi¹
99 sol hí²si¹
101 lua ká²hai¹ʔài²¹i²
103 estrela po²goi³sái²
105 dia cí²¹bi²gáo²pi²
107 noite á²ho¹ai²
109 ano pí²hoi²¹hi²ai²
110 nuvem hoá²a¹ʔai²
112 chuva pí²
114 nevoeiro (fumaça da terra) pi²hoa á²ʔai²
115 vento i²ó¹hoi¹
118 granizo pi²á¹sa¹hoa¹
120 água, rio pí²
125 lagoa aá²boi²
128 terra bí²gi¹
130 pó, poeira ni²hóa²ai¹
132 areia tá²hoa²si²
133 o mato ó²i¹
137 pedra á²ʔa¹ti²
139 caminho á²gi¹
142 casa kái²¹i¹
145 canoa á²ga²oa²ai²
147 arco ho¹ií²
150 flecha pó²ga²hai²
152 machado tái²¹si²
154 a faca ka²haí²ʔio²i²
157 corda bá²ai²gi²hi¹
159 panela (de barro) taí¹hoa²ʔai²
160 banha sa²haí¹
163 sal sí²gi¹hi²
164 fogo ho²aí²
167 fumaça hoa¹ʔaí²¹
169 cinza hoa²tíi¹
171 pessoa, gente hia²bá²si¹ àa²ga²
172 homem hí¹gi²hi¹
173 mulher i²pói¹hi²
174 menina i¹aó²gi²hi¹
174 criança ti²o²áa²ʔai²
178 marido, esposa hi¹baí²ti²hi²
181 pai bái²¹ʔi² hí²gi²hi¹
182 mãe bái²¹ʔi² í²poi¹hi²
183 nome hi¹góo²¹ka²si¹gi²ai²ʔi²
184 eu ti²ʔáa²ga²
185 tu (você) gi¹ʔaí²ʔáa²ga²
186 ele hí¹gai²ʔáa²ga²
187 nós ti²ʔaí²ti²so²
188 vós (vocês) gi²ʔaí¹ti¹so²
189 eles hi²ʔaí¹ti¹so²
204 não tem hi¹a¹ba¹
208 e pió²
209 com ʔáo²¹, kao¹
211 a, em -o²
213 um hi²hói¹²
214 dois hi²hói²¹
215 três hi²báa²gi²ʔi²
216 quatro, cinco, etc. hi²aí¹ba¹ʔai²
272 bom i²báa²ai¹
279 frio a²gí¹ʔi²
280 quente ho²ái²¹ʔi²
281 amarelo bíi²¹sai²
282 verde á²hoa²sai²
283 vermelho bíi²¹sai²
284 preto o²paí¹ai¹ʔi¹
285 branco oó bi¹ai¹ʔi²
286 sujo ʔoí¹gi¹
287 molhado í²hoa¹
288 seco hi¹aí²ʔi²
289 liso ó o²¹ʔoi²
290 pesado i²taí²
292 todos o¹gi¹áo²gao¹
297 fino hi²o¹ʔoi²
298 comprido pí²ʔi²
304 aquí gái²
305 aa²ʔái²
308 longe káo²¹ʔaá²ga¹
309 perto í²gi¹ai²go¹

Referências

  1. «Pirarrã». Michaelis 
  2. Houaiss, verbete pirarrã
  3. «Pirarrã». Infopédia 
  4. «Projeto: "A Expressão da Recursividade em Pirahã: Documentação, Descrição e Análise – Mura" – Licenciatura Indígena». Consultado em 11 de maio de 2021 
  5. «A tribo amazônica que não usa o conceito de números». BBC News Brasil. 31 de janeiro de 2016. Consultado em 11 de maio de 2021 
  6. «Tribo da Amazônia contradiz noção de que contar é capacidade 'inata'». BBc Brasil. Consultado em 16 de maio de 2011 
  7. a b c d e As identificações de Sheldon para “futuro” e “passado” negam observações de outros pesquisadores como Everett.
  8. Heinrichs, Arlo. 1963. Questionário: Mura-Pirahã Rios Marmelos e Maici. (Questionário dos Vocabulários Padrões para estudos comparativos preliminares de línguas indígenas brasileiras.) Rio de Janeiro: Museu Nacional. Manuscrito, 28f.

Ligações externas

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