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  • Crítica | Missão: Impossível – Efeito Fallout

    Crítica | Missão: Impossível – Efeito Fallout

    Tom Cruise deixou de ser um sujeito que só por estar em um filme é sinônimo de sucesso. A Múmia, Feito na América e Jack Reacher: Sem Retorno sofreram, seja com as duras críticas ou com um público aquém daquilo que o astro estava acostumado. Missão: Impossível talvez ainda seja exceção à regra, já que contém filmes de qualidade ímpar, e claro, uma boa aceitação por parte dos espectadores. O sexto volume, Missão: Impossível – Efeito Fallout consegue ser um objeto divertido, emocionante e com muitos predicados positivos.

    O filme tem ação e ritmo bastante frenéticos. O suspense é acertado demais e isso é muito mérito de Christopher McQuarrie, diretor e roteirista que já havia feito um trabalho sensacional em Missão: Impossível – Nação Secreta e também trabalhado com Cruise em Jack Reacher: Um Tiro, dois dos melhores filmes recentes do ator. A afinidade de McQuarrie e Cruise vêm de muito tempo, em 2008 com Operação Valquíria, quando o cineasta havia escrito o roteiro para o filme de Bryan Singer.

    O roteiro primoroso apresenta uma trama de espiões cheias de reviravoltas que faz lembrar muito os livros de Tom Clancy, como Caçada Ao Outubro Vermelho, ou ainda os romances de espionagem de John Le Carré. Apesar de ser bem mais sério e inteligente que os filmes recentes de ação, ele não se descuida da ação só porque tem seu texto bem trabalhado, ao contrário, as cenas de luta são muito bem coreografadas e a sagacidade de McQuarrie em filmá-las em detalhes é enorme.

    O aprofundamento dos sentimentos e preocupações de Ethan Hunt é igualmente bem feito. Os laços de lealdade fraternal com a sua equipe, como também seus enlaces românticos são explorados de uma maneira muito íntima e terna. Há tempo suficiente para desenvolver cada um desses aspectos. Além disso, este é um filme onde a equipe de salvamento é fundamental, e não só uma história de um homem perfeito que não precisa de ninguém para sobreviver, seguindo a linha do que já tem acontecido nos filmes mais recentes da série. Simon Pegg volta bem; Rebecca Ferguson, que atua num papel parecido com o último, desenvolvendo outras camadas; assim como o personagem de Alec Baldwin ganha maior importância nesta sequência. Até os personagens que aparecem pouco, como o Luther (Ving Rhames), aparecem bem.

    Henry Cavill também está muito bem no filme e convence como um agente que rivaliza com o herói, inclusive se mostrando melhor que ele em alguns momentos. O roteiro não exime o protagonista de ser mostrado como um homem falho, que sofre com o tempo que já se passou, aliás esse detalhe de torná-lo mais vulnerável o torna um personagem ainda mais crível, além de aproximá-lo do público, portanto, é ainda mais fácil ter empatia por ele.

    A saga Missão: Impossível ainda parece ter fôlego, e claramente, depende de seu astro para sobreviver, mas não faz sucesso só por isso, evidentemente, já que tem inúmeros aspectos técnicos positivos, desde a fotografia de Rob Hardy como a trilha sonora. Conseguir equilibrar bem as exigências comuns a uma produção grande como essa com a responsabilidade de fazer um filme minimamente autoral é extremamente difícil, e McQuarrie consegue de maneira magistral.

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  • Crítica | Os Fantasmas Se Divertem

    Crítica | Os Fantasmas Se Divertem

    Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice, 1988) talvez seja o primeiro filme que pode ser considerado um sucesso real dentro da filmografia de Tim Burton, ao menos o primeiro longa-metragem em que ele está livre para dar vazão a todas as maluquices que passavam por sua cabeça. O cenário inicial é o de uma cidade suburbana americana, com o casal recém-arranjado Adam (Alec Baldwin) e Bárbara (Geena Davis).

    Na trama, eles se envolvem em um acidente de carro, e voltam para casa como se nada tivesse acontecido, exceto pelo fato de estarem mortos. Não há sequer dez minuto decorridos e os dois percebem que muitas coisas estão erradas. O além que Burton propõe é engraçado, repleto de elementos góticos e curiosos. Após uma breve introdução onde só se vê a silhueta de Beetlejuice (ou Besouro Suco, nas versões dubladas), a dupla de recém-falecidos percebe que não será nada fácil assombrar uma casa, e apelam então para o consultor fantasmagórico vivido por Michael Keaton, uma vez que sozinhos não conseguem assombrar os novos moradores de sua antiga casa.

    Por sua vez, Keaton vive exatamente o resumo do que Burton acha agradável em matéria de cinema, suas falas e composições visuais tem muito a ver com os antigos curtas do realizador, especialmente Vincent (1982) e Frankenweenie (1984), enquanto seu modus operandi é completamente debochado, como nas comédias inglesas rasgadas. Apesar de carregar em si o nome original do filme, a jornada mostrada não é a de Beetlejuice, e sim do casal que não demora a encontrar entre os vivos que habitam a nova casa uma pessoa a quem se aliar, a adolescente problemática Lydia (Wynona Ryder), que diverge e muito dos parentes — novos ricos que só pensam em ascensão social e afins.

    O desafio para Adam e Barbara é o de romper a condição de mortos-vivos bonzinhos, para enfim assombrar, e com isso, afugentar os compradores do lugar onde moravam. A cena do jantar com a dança Day-O’Dance, canção de Harry Belafonte, é homérica e inesquecível, mas não é assustadora o suficiente, e para variar as coisas saem do controle quando uma aparição de uma cobra sobrenatural ocorre, assustando a todos, mas sem grandes conseqüências. A sequência se utiliza de animações em stop motion, que ao menos aqui parecem defasadas, em comparação com o que viria em matéria de efeitos digitais, ainda que em alguns momentos referencie o cinema expressionista alemão.

    Os momentos finais guardam uma boa convivência entre os residentes e as criaturas do além, tendo em Lydia o ponto de ligação entre os mundos. Essa questão poderia ter sido melhor trabalhada, já que haviam lacunas ali a serem preenchidas, e o final adocicado destoa um pouco da ambição de desconstrução do sub-gênero comédia de horror, mas ainda assim não invalida toda as bobagens nonsenses que Burton conduz através do texto de Michael McDowell, Larry Wilson e Warren Skaaren, que apesar de não ser a coisa mais bem urdida do mundo, ainda soa inteligente para as pretensões do filme.

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  • Crítica | O Poderoso Chefinho

    Crítica | O Poderoso Chefinho

    As animações contemporâneas se bifurcam em duas vertentes: aquela que expandiu suas produções além de um mero produto familiar de entretenimento, como a Pixar, Studio Ghibli e, recentemente, a Laika; e outros cujo enfoque é apenas a diversão com um apelo maior ao público infantil. Dois polos que atingem um grande número de bilheteria, ainda que no caminho do entretenimento a fórmula se demonstre mais evidente.

    Dirigido por Tom McGrath, responsável por outras animações-pipoca da Dreamworks como Madagascar, Os Pinguins de Madagascar e Megamente (este último um ponto fora da curva por uma qualidade elevada além do riso fácil), O Poderoso Chefinho é um filme que poderia fazer parte da primeira vertente e se expandir além de um produto de entretenimento. Afinal, abordar o nascimento de um irmão pela visão de um garoto, dando margem a uma imaginação ativa que o faz imaginá-lo como um vilão, teria uma necessária carga dramática e cômica. Porém, o roteiro de Michael McCullers, cujo melhor texto ainda é o divertido Austin Powers – O Agente “Bond” Cama, opta por uma trama linear, voltada para a família com direito a um riso fácil entre gags físicas e piadas bobas envolvendo bumbum e pum.

    A trama apresenta uma corporação em que os bebês são divididos em duas categorias antes de nascer: os familiares, que se comportam como bebês normais e os chefes, responsáveis por mandar na hierarquia local. Para evitar que a demanda de bebês caia no mundo, um bebê executivo é enviado a Terra com a missão de, como destaca sua sinopse, demonstrar que o amor é uma força poderosa.

    Ainda que tenha uma base criativa por trás, com potencial para ser uma história bem explorada a partir do imaginário do irmão mais velho do bebê, a trama evita qualquer efeito dramático para inserir os irmãos em uma missão para evitar que os bebês sejam trocados por outro tipo de amor na terra. O conceito do bebê-chefe é exposto na trama como se fosse natural, sem demonstrar se a história é apenas uma imaginação do jovem Tim, receoso por um novo membro em sua família, e, por consequência, o único que imagina o bebê como um pequeno executivo de terno, relógio e maleta, ou se, de fato, há uma corporação de infantes, oculta dos adultos.

    Como estruturar um espaço imaginário daria maior profundidade a trama (e talvez teria certa semelhança com o bonito e complexo Divertida Mente), a saída foi buscar a animação de entretenimento em uma história sem muito sentido interno, recheada de cenas de humor variado em que se destacam bebês, piadas físicas e, como citado anteriormente, piadas envolvendo bumbum e pum. Não se trata de exigir argumentos complexos em uma animação, mas de compreender que, mesmo na simplicidade boba da história, há lacunas que são mal explicadas e que, mesmo atenuadas pelos risos, resultam em um filme comum que repete a formula aventuresca de outras animações lançadas anualmente no verão americano.

    Porém, como muitas animações, O Poderoso Chefinho conquistou o público e mesmo concorrendo com produções de grande porte como A Bela e a Fera da Disney, teve alta arrecadação tanto nos Estados Unidos quanto nas bilheterias mundiais. Dessa forma, uma continuação está a caminho, inevitavelmente.

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  • Crítica | Paris Pode Esperar

    Crítica | Paris Pode Esperar

    A história de Paris Pode Esperar se confunde com a de sua realizadora, Eleanor Coppola, que sempre esteve a sombra de seu marido, Francis Ford Coppola. Diane Lane vive Annie Lockwood, uma mulher resignada e que tem suas necessidades e sonhos freados por ser esposa de um homem bem sucedido, no caso, o produtor hollywoodiano Michael Lockwood (interpretado por Alec Baldwin). Indo em direção a uma locação de um filme novo de seu marido, ela decide mudar os rumos de sua vida, dando vazão ao sonho que sempre teve.

    O drama de Annie começa a beira da praia de Cannes, A mulher olha para fora e fotografa os detalhes do hotel onde está, enquanto se cônjuge, ao longe faz ligações de negócios, com a voz quase sem nitidez, evocando já nesse início o distanciamento emocional entre ambos mesmo que estejam boa parte do filme juntos. Logo, um auxiliar de Mike se apresenta, o produtor francês Jacques Clément (Arnaud Viar), um homem sedutor e que tem uma moral bem diferenciada dos americanos. Após deliberar, Annie decide ir de carro para Paris, recusando a viagem de jatinho, acompanhada é claro de Jacques.

    O roteiro utiliza de pequenos gestos para mostrar a diferença entre os homens, como na questão do remédio para os ouvidos que o amigo dispõe a ela, enquanto a atitude do marido é até de desprezo pelo bem estar do seu par. Esse evento micro faz até justificar a não ida da mulher com seu cônjuge, uma vez que ela se sente incomodada perto deste.O primeiro momento de real sinceridade da heroína da jornada é quando está separada de corpo de seu esposo, onde ela pede encarecidamente que ambos façam uma viagem de férias factual, e não uma saída de negócios como haviam sido os últimos programas.

    O filme tem um ligeiro problema de causar desinteresse em seu espectador, uma vez que a persona que Lane interpreta tem uma mania chata de fotografar tudo, desde os momentos oportunos até os pratos que consome, fazendo disso um exercício parecido com os que muitas pessoas fúteis fazem em redes sociais como o Instagram. Possivelmente Eleanor tencionava falar sobre o costume atual de usuários de redes sociais e afins, que perdem boa parte de suas vidas registrando toda e qualquer futilidade, sem propriamente vivê-las e isso de certa forma ocorre com Annie, mesmo que demore a se engrenar essa epifania.

    A viagem demorada, causa enfado na personagem principal e no público, sendo desconfortável para quem a faz, ainda que as razões para ambos seja diferente. Enquanto é inconveniente para a protagonista ser galanteada sem ter um sentimento de clara reciprocidade, para o espectador é estranha a sensação de que não se anda com a história, uma vez que quase metade da duração é dedicada a um flerte onde quase nada ocorre. Os 30 minutos finais melhoram consideravelmente o todo, uma vez que tanto Jacques quanto Annie decidem parar de hipocrisia, finalmente demonstrando tudo o que sentem, ainda que tenham algumas amarras orais estabelecidas ali. Paris Pode Esperar acerta até no que poderia ser considerado o seu erro, pois as hesitações dos personagens representam bem a dúvida mental e sentimental de quem está em crise no relacionamento, em especial no que tange o sentimental da mulher.

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  • Crítica | Um Homem Entre Gigantes

    Crítica | Um Homem Entre Gigantes

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    Um Homem Entre GigantesConcussion em inglês, em uma das raras vezes onde a inventiva tradução do título no Brasil acerta — conta a história do genial neuropatologista forense nigeriano Dr. Bennet Ifeakandu Omalu e o dia em que se deparou com uma morte misteriosa e sem muitas explicações, e viu se imbuído do espírito científico da ética na busca pela verdade e compreensão. Trata-se da morte de um famoso jogador de futebol americano pelo Pittsburgh Steelers Mike Webster, morto em 2002 devido a um ataque cardíaco e sofrendo sintomas de depressão, esquizofrenia e Alzheimer, apesar de tomografias não apresentarem nenhum indícios de tais transtornos, e rejeitado pela família, incapaz de lidar com a dificuldade de ter um homem de quase 2 metros e mais de 100 kg sem controle de si.

    Morta no plantão de Dr. Omalu, as características da vítima lhe chamaram atenção, e desta forma decidiu bancar do próprio bolso exames do cérebro do astro, chegando a conclusão, a partir de insights sobre casos de doenças semelhantes no boxe, de que as repetidas pancadas na cabeça chacoalhando o cérebro geram traumas internos que liberam proteínas tóxicas no cérebro capazes de deteriorarem-no de dentro para fora, fazendo com que a mente da pessoa definhe. Apesar das represálias e falta de entendimento do corpo médico da cidade, Dr Omalu submeteu os resultados a revistas científicas e batizou sua descoberta de ETC, ou Encefalopatia Traumática Crônica, transtorno que levou à morte de outros grandes astros do esporte, muitos deles por suicídio devido a confusão mental. Estima-se que um jogador de futebol americano da defesa leve cerca de 70 mil pancadas na cabeça ao longo dos anos com uma intensidade duas vezes maior do que o suficiente para que uma pessoa sofra uma concussão. É um trauma físico análogo a ser submetido a 25 mil batidas de carro ao longo da vida, de acordo com resultados publicados pela Universidade de Oklahoma.

    Dr. Omalu formou-se em medicina na Nigéria, epidemiologia na Universidade de Washington, uma série de mestrados em saúde e MBA’s e hoje é professor na Universidade da Califórnia. Mas Dr Omalu é um homem excêntrico. Extremamente sério, comedido e educado, falava com seus pacientes por tratá-los com o respeito devido e por sua formação católica.

    Uma preocupação central no filme era com a acurácia científica e histórica do caso, apelando para ferramentas narrativas fictícias em casos bem específicos, como o colega de trabalho Dr. Omalu, inserido na trama para representar as vozes da cidade que se opuseram à autópsia do astro Mike Webster. Devido a essas vozes e a falta de orçamento, Dr. Omalu teve de pagar os exames, que geraram os resultados da autópsia de seu paciente zero, valor que chegou alcançar os U$ 100 mil. A NFL tentou descriminá-lo e descredenciar sua formação e resultados em razão do impacto que isso poderia provocar no esporte.

    Will Smith entrega-se ao papel com grande propriedade — já tirando o elefante da sala, sim, ele merecia sua indicação no Oscar de 2016—, inserindo um olhar gentil, mas levemente oprimido pelo gigantismo do que o cerca, trazendo um sotaque bem ensaiado e que demonstra a óbvia convivência com o verdadeiro Dr. Omalu, embora todo o poder de sua interpretação não entre em ressonância com seu porte físico. Sua interpretação vai crescendo conforme se opõe à ignorância e se estabelece como alguém que merece o devido respeito por tudo que é, sem se abalar com a insistência das pessoas de não o reconhecerem como médico. O papel também foi aparentemente o responsável por conectar Will Smith com suas raízes africanas e ver a dificuldade que as pessoas de sua etnia enfrentam no dia a dia para conseguir demonstrar-se capazes, apesar de sua origem. Sua tristeza vem da incompreensão da inversão de importância das coisas e sentimento de engano quanto ao sonho americano.

    Não é filme sobre o futebol, embora faça um meio-campo evitando colocar o amado esporte como vilão, mas é basicamente um filme sobre força. Ao iniciar o filme com um belo discurso de Mike Webster, o diretor Peter Landesman demonstra reconhecer o domínio transformador e motivador do esporte, bem como sua beleza. Mas através da narrativa trata de demonstrar um outro poder que contrasta com o apresentado em campo e que não vem da luta corporal. O poder em questão é da busca do entendimento da realidade e a verdade. Dissolver os problemas, dirimir as dificuldades, compreender os processos e apresentar ao mundo por que este é o dever de quem pode fazê-lo e o direito de quem não sofre por não saber. O poder da ciência contra a ignorância dos negócios é sempre exaltado de forma apaixonada, principalmente em comparações entre os desmandes da NFL (Liga Nacional de Futebol Americano) com as atitudes da indústria do cigarro durante épocas anteriores.

    As grandes dificuldades do filme, no entanto, surgem na direção, fotografia e edição. A primeira não foi capaz de livrar-se de diálogos excessivamente expositivos para descrever o que os grandes atores em cena poderiam realizar muito bem, e nem sente vergonha de repeti-los, imaginando, talvez, que o assunto seja muito complexo. Em conjunto com a edição, não há esmero em dar algum tom ou ritmo em cenas mais intimistas, forçando cortes desnecessários e close-ups que só servem para oprimir e não aproximar. Nas transições de cena, principalmente naquelas que visam mostrar eventos simultâneos, não é claro que são acontecimentos ligados de alguma forma e deixam as cenas mais truncadas do que deveria. E se há um outro pecado é o fato de a cinematografia ser óbvia, e não se esmerar em criar quadros interessantes para a narrativa ou até mesmo bonitos. Por fim, Um Homem Entre Gigantes traz certa estranheza aos mais conhecedores do mundo do cinema ao trazer atores conhecidos em papéis que mal têm uma fala completa, deixando um suspense improdutivo sobre os atos daqueles personagens, sendo que na verdade estão apenas fazendo uma figuração de luxo mesmo.

    É com certeza um filme necessário, tanto pela sua história quanto como mensagem de empoderamento do povo negro e do racionalismo no combate do poder irracional e pragmático das máquinas financeiras, algo necessário em tempos onde mineradoras e indústrias petrolíferas têm voz na negação de seus impactos. Todo esse conteúdo é capaz de fazer relevar com facilidade as duas horas de filme e revigorar a fé na verdade.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Missão: Impossível – Nação Secreta

    Crítica | Missão: Impossível – Nação Secreta

    Missão Impossível - Nação Secreta - poster

    Após Missão: Impossível – Protocolo Fantasma, a carreira de Tom Cruise foi novamente consolidada, lhe garantindo a popularidade costumeira graças aos blockbusters, vertente primordial de sua filmografia. Em Missão: Impossível – Nação Secreta, o ator volta a trabalhar com o roteirista e diretor Christopher McQuarrie, cuja parceria foi iniciada em Operação Valquíria e com o qual estreitou laços em Jack Reacher – Um Tiro, adaptação da obra de Lee Child.

    Em história desenvolvida e roteirizada por McQuarrie, a produção segue a linha da narrativa anterior, equilibrada e bem ponderada entre ação e humor sutil. Nessa nova aventura, a força-tarefa Missão Impossível lida com as consequências da missão anterior, enquanto um membro senior da CIA (Alec Baldwin) deseja desativar a equipe, considerando-a secreta demais para a vertente política de transparência do governo. Enquanto a equipe sofre o abalo político, Ethan Hunt se torna alvo do grupo terrorista que investigava há mais de um ano, o Sindicato.

    Considerando uma franquia com quatro bons filmes, a nova trama tem base na estrutura do impossível, que confere estilo à série e leva-a a um novo patamar ao mostrar um grupo terrorista cuja função primordial é sabotar o IMF, bem como outros grupos secretos de espionagem – o Sindicato é uma organização criminosa à altura dos espiões mundiais. Desde sua divulgação, o enredo foi bem conduzido. O trailer, que apresenta a história e sintetiza a força da série em uma grande cena de ação – também presente em um dos posteres –, é apenas uma sequência de alto impacto que introduz a trama. Uma estratégia que esconde os grandes atos de ação desta aventura, cuja intenção é provar a importância da força-tarefa e de Ethan Hunt como um dos agentes ativos mais brilhantes da equipe e um dos personagens mais cativantes do cinema de ação. Em nenhum momento, Hunt trata suas desventuras como uma vingança pessoal, mas trabalha sempre com técnica para provar seu ponto de vista e destruir qualquer plano que o acuse de traidor.

    Como nas histórias anteriores, a ação conduz a trama em três grandes atos, enquanto a investigação é responsável por levar a equipe a pontos diferentes do globo e proporcionar belas cenas equilibradas, com tensão e drama. O primeiro ato, passado inteiramente dentro de um teatro durante uma apresentação de ópera, é um belo trabalho apurado de perfeição e composição narrativa. Sem nenhuma trilha sonora fora de cena, as canções do libreto proporcionam a tensão sonora necessária para as cenas, ampliando o conflito de Hunt tentando descobrir um assassino para evitar a morte de um político. Um ato que eleva a linguagem narrativa do filme.

    Explorando caminhos diferentes dos anteriores, essa quinta aventura segue a estrutura fundamentada mas distorcendo-a sempre quando possível. Se anteriormente os picos de ação necessitavam da habilidade física de Hunt e, consequentemente, da forma física de Cruise, um dos pontos atos de um segundo ato se desenvolve em uma cena submersa, e a respiração do agente é fundamental para a sua sobrevivência. A potência física é trocada por outro tipo de treino rigoroso, mais técnico e mental, modificando os clichês de ação e provando que há maneiras diferentes de criar tensão necessária para promover uma outra grande sequência, filmada de maneira excepcional.

    A composição do vilão líder do Sindicato, um grupo que espelha a IMF, se expande além de um terrorista com um plano de dominação mundial. Trata-se de um embate de inteligências: uma espécie de Moriarty que usa sua sagacidade e técnica a favor do crime ou daquilo que considera verdadeiro, ainda que sempre seja difícil compreender doutrinas diferentes. Solomon Lane (Sean Harris) foge da loucura de grandes vilões para realizar uma interpretação mais sutil, mantendo o aspecto assustador de frieza, sem afetação. Uma vertente que explicita a espionagem ligada à origem da série, que inclui a participação de uma personagem dúbia, Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), simultaneamente agente britânica e infiltrada no Sindicado. É ela que trabalha ao lado de Hunt, além de Benji.

    A personagem de Simon Pegg, presente a partir de Missão Impossível III, também merece destaque por sua evolução desde sua primeira aparição na franquia. Benji foi além do alívio cômico, se transformando em um ativo de campo em Protocolo Fantasma, e, nessa história, está envolvido diretamente na ação. Assim, sua personagem cresceu, adquiriu contornos dramáticos e maior presença em cena como um parceiro não-usual de Hunt, demonstrando bom entrosamento entre os personagens.

    O exagero do impossível está presente em cena, mas situado em momentos precisos, com atenção e qualidade. A câmera de McQuarrie demonstra talento e apuro para a ação, e compõe cenas ágeis e, ao mesmo tempo, esteticamente belas, como a luta de facas de Ilsa filmada em dois planos paralelos devido às sombras das personagens – um jogo semelhante ao de Sam Mendes no primeiro ato de 007 – Operação Skyfall. Nação Secreta rompe os contornos de uma série blockbuster para engrandecer sua história, entregando, além da vertente habitual – ação, queda e ascensão, tríade vista nos filmes anteriores, com uma linguagem própria de cada diretor –, um novo patamar narrativo que retoma a vertente de espionagem e aprofunda-a na política, dando margem a possíveis novas aventuras dentro de uma mitologia própria. Um grande filme de ação (possivelmente figurando na lista de melhores filmes de 2015) que evidencia o talento de Tom Cruise, e seu ainda evidente carisma, e aponta um futuro talentoso para McQuarrie na direção.

  • Crítica | Sob o Mesmo Céu

    Crítica | Sob o Mesmo Céu

    SOB O MESMO CÉU 1

    O começo da nova obra de Cameron Crowe, Sob o Mesmo Céu, remete a cenas gravadas por cinegrafistas amadores, revelando momentos de descontração na ilha do Havaí no descanso de férias, bem como a interação dos nativos com o belo lugar. O efeito seria de comoção e nostalgia, não fosse o tom exageradamente caricato piorado em muitos níveis pela narração intrepidamente óbvia, que discorre sobre a tardia corrida espacial dos anos 2010.

    O roteiro de Crowe apresenta uma quantidade enorme de clichês, desde a construção dos personagens até as situações comuns que vivem. Bradley Cooper vive o oficial Carson Welch, que vive sua rotina medíocre vendendo um estilo de vida essencialmente capitalista, negociando possíveis localidades para testes espaciais e já em uma fase decadente de sua carreira. Designada para “vigiar” Welch, a Capitã Ng (Emma Stone) exibe sua feminilidade jovial, escondida sob uma capa de militarismo poser, falsa em cada mínimo aspecto. Inicia-se, assim, uma interação romântica na qual a falta de química prevalece.

    A chegada à ilha paradisíaca faz lembrar o drama vivido em Os Descendentes, reprisando inclusive a questão da vivência dramática em um lugar onde memórias boas são geradas por turistas. Carson reencontra um grande amor, e se vê em uma posição espinhosa, mas toda a problemática sentimental apresentada é pobre e sem conteúdo, mesmo que a atmosfera construída seja a de um lar de rancores, tristezas, abandonos e ressentimentos. Falta alma e verve ao roteiro, que destoa de todo o panorama mostrado em tela, diferenciando-se até da bela fotografia de Eric Gautier, que consegue ser bela apesar da paleta de cores completamente tresloucada.

    Toda a questão ideológica relacionada ao engano aos nativos e os argumentos pró-armamentistas impulsionados por bilionários ficam em um plano subalterno para explorar o rocambole novelesco do trio (quarteto, se contar a personagem de Stone) entre Carson, Tracy (Rachel McAdams) e o atual marido desta, Woody (John Krasinski). Este último, curiosamente, é a personagem mais bem trabalhada e com nuances: não possuindo muitas falas, sua comunicação quase sempre é realizada através de gestos e olhares. Mesmo com todo o aspecto curioso, as situações são bastante frívolas e sem substância. Uma mensagem democrata barata, que acaba sendo apenas ideologicamente banal. Até se destacam momentos nobres, como a luta contra o avanço imperialista, mas estes se perdem por completo diante da barata tentativa de redenção moral de Sob o Mesmo Céu.

  • Crítica | A Caçada ao Outubro Vermelho

    Crítica | A Caçada ao Outubro Vermelho

    Caçada ao Outubro Vermelho - Poster - dvd

    Ao longo de sua duração, a Guerra Fria rendeu histórias maravilhosas, seja sobre eventos reais que ocorreram durante seu período, seja sobre eventos ficcionais inspirados por ela. No ano de 1984, praticamente no fim da guerra, o historiador e novelista Tom Clancy nos apresentou ao livro A Caçada ao Outubro Vermelho, primeiro de uma série protagonizada pelo personagem Jack Ryan. Em 1990, o livro foi adaptado para as telas do cinema com direção de John McTiernan, protagonizado por Alec Baldwin e Sean Connery, e com ótimo elenco coadjuvante.

    A trama do filme nos apresenta Markus Ramius (Connery), lendário comandante soviético que recebe a missão de capitanear o Outubro Vermelho, moderno submarino que possui um sistema revolucionário de propulsão que o torna praticamente invisível para sonares. Porém, Ramius desobedece ordens diretas da marinha soviética, vira o submarino para os Estados Unidos e segue em viagem, fazendo com que todos pensem em um ataque nuclear ao solo estadunidense. Entretanto, o analista Jack Ryan (Alec Baldwin) não crê em um ataque, mas em deserção, o que o faz entrar numa luta contra o tempo para provar sua teoria para seus superiores e à tripulação do navio USS Dallas, embarcação que conseguiu rastrear o submarino soviético e planeja afundá-lo.

    O diretor John McTiernan estava em grande forma na época, principalmente por ter dirigido Duro de Matar, um dos maiores clássicos do cinema de ação. Porém, enquanto seu trabalho anterior primava por sequências eletrizantes de ação, o diretor aqui prioriza a construção de uma sufocante atmosfera de tensão, uma vez que o filme possui uma série de núcleos narrativos onde se passam diversas partes da ação, tais como o submarino Outubro Vermelho, o USS Dallas, a Casa Branca, o outro submarino soviético V.K. Konovalov e ainda Jack Ryan, pois o protagonista passeia por grande parte desses núcleos. Em nenhum momento o diretor deixa o ritmo do filme cair, contando com a ajuda de uma bem orquestrada edição ágil da dupla Dennis Virkler e John Wright. A fotografia de Jan De Bont também ajuda a construir a atmosfera do filme.

    O roteiro da dupla Larry Ferguson e Donald E. Stewart é bem amarrado e interessante. Novamente, é necessário ressaltar a quantidade de núcleos narrativos. Seria muito fácil que o roteiro se perdesse em algum ponto ou que viesse a negligenciar algum dos núcleos, mesmo todos sendo tão importantes e necessários para o desenvolvimento da história, ainda que o foco principal da narrativa seja Jack Ryan e Markus Ramius. Porém, todos têm a sua importância bem delineada no roteiro. Os diálogos dos personagens são bem claros e objetivos, ainda quando vêm carregados de alguma linguagem mais técnica que precise de esclarecimento para o espectador. Nada fica didático demais, ou mesmo gratuito. Talvez o grande problema do roteiro seja a questão do sabotador, que até é abordada pontualmente, mas acaba ganhando uma importância excessiva no final. Por falar em final, a reviravolta que ocorre e se relaciona ao submarino Outubro Vermelho é muito inventiva e crível.

    O elenco do filme esbanja competência. Sean Connery entrega uma excelente interpretação para o comandante Markus Ramius. Sua imponência em cena reflete bem a importância da patente do personagem. Por ser um analista da CIA e não um agente de campo, Alec Baldwin cria um Jack Ryan meio deslocado e vulnerável, e isso acaba sendo uma escolha muita acertada do ator, afinal o personagem não se familiariza com o mundo em que acabou entrando quase que por imposição. Sam Neill interpreta o imediato do Outubro Vermelho e grande amigo do comandante Ramius com bastante competência, assim como Scott Glenn, que interpreta o implacável e inteligente comandante do USS Dallas. As breves aparições de James Earl Jones como o diretor da CIA a quem Jack Ryan é subordinado, e de John Gielgud como um diplomata soviético abrilhantam a fita. E um ainda desconhecido Stellan Skarsgard entrega ótima performance como o alucinado comandante do V.K. Konovalov, ainda que também tenha pouco tempo de cena.

    A Caçada ao Outubro Vermelho é um ótimo exemplar de thriller de espionagem e mostra que nem sempre os filmes do gênero precisam apelar para superespiões e sequências mirabolantes de ação.

  • Crítica | Para Sempre Alice

    Crítica | Para Sempre Alice

    Para-Sempre-Alice-Poster-Nacional

    Ao começar a fita de Richard Glatzer e Wash Westmoreland com uma comemoração de aniversário da professora Alice Howland, o intuito é ambientar o público na condição inspiradora da mulher sobre os seus, iniciando por sua família, devota à matriarca, passando pelo ofício da mulher, exibindo-a habilmente em uma palestra diante de uma plateia renomada. A linguística, parte fundamental de seu trabalho, é o tema de seu discurso, atrapalhado levemente por um simples acontecimento, o esquecimento de uma palavra básica, que  – traduzida para o português – seria lexical.

    Alice é vivida por uma madura Juliane Moore, tendo em comum com sua personagem o fato de não aparentar ter chegado aos cinquenta anos. Tal fator é importante para a formação da psiquê da professora e mãe, que tem de lidar com as perdas e ganhos familiares, e até com o esquecimento de fatos que lhe causam azedume. Em uma visita à sua filha Lydia (Kristen Stewart), Alice é convidada a pensar mais em si, impondo um desapego aos problemas de sua herdeira, quase como uma premonição de sua condição ainda nem descoberta, a doença tão temida e incurável. Uma relação bastante conturbada, presente no choque de gerações entre Lydia e Alice.

    Os testes de memória impingidos à personagem são preconizados por um close-up em Moore, revelando olhos marejados, prontos a desabar em lágrimas, como mais um evento de sensibilidade intuitiva e alarmista, ainda que neste momento nada se acuse. As reuniões familiares em datas especiais prosseguem, mas sempre com a falta de um dos membros, emulando as perdas memoriais que se somam na lembrança de Alice.

    As consultas ao médico vão tomando a forma do medo não dito, e aos poucos ela toma coragem o suficiente para se abrir ao marido, John (Alec Baldwin), que tenta demovê-la da ideia de que as memórias estão realmente se esvaindo, jogando estes fatos no irrelevante ponto da normalidade, associando o problema ao avanço da idade. A resposta imediata da protagonista é chorar e berrar, externalizando todo o grupo de sensações atrozes que se retêm apenas na parte calada do cérebro.

    O sentimento de impotência é agravado quando Alice descobre que a condição raríssima é transmitida de forma hereditária, “herdando-a” possivelmente de seu pai, o que demonstra a grande possibilidade de transmissão dos genes aos seus descendentes, fato que se consuma. A devastação emocional a faz balançar, e manter-se íntegra e sã é uma tarefa cada vez mais difícil.

    A delicadeza com que a condição é tratada em tela chega a assustar, desde o modo como a adoentada tem de lidar com sua situação imutável até as consequências da revelação, assoladora dentro do seio familiar. A necessidade de mudanças se mostra um exercício árduo para todas as partes, piorado pela sensação da heroína de impotência e de obsolescência não programada. Todo o entorno e as alterações rotineiras são exibidos paulatinamente e na mesma velocidade com que o Mal se alastra pelas sinapses da personagem.

    A gradativa perda de articulação faz Alice perder mais que “simples” palavras, pois ela também se distancia de sua identidade, por vezes desaprendendo os valores éticos e morais que sempre regeram sua vida. A lente se embaça. Em mais uma visita à clínica, revelam-se mais perdas, tantas que a consciência da personagem mal é estabelecida.

    Alice começa a visitar o HD de seu computador, encontrando mensagens gravadas em vídeo por ela, em momentos pretéritos ao avanço estupendo da doença. Até a possibilidade de suicídio é aventada e contada passo a passo, para que o peso de sua culpa e a dos seus entes queridos pudessem ser aplacados de algum modo. Um gesto pensado de um modo que causaria ainda mais tristeza naqueles que a cercam e da qual cuidam.

    A história baseada no livro de Lisa Genova apresenta uma faceta melancólica e singela de uma síndrome tão pouco conhecida pelo homem, fato que por si só causa muito temor em quem a contrai e em quem fica ao redor. A solidariedade, divisão do fardo do sofrimento belamente mostrada na direção de Glatzer e Westmoreland, só é possível pela completa entrega de Moore, que não cansa de se reinventar, tanto como figura sedutora e cativante, quanto no ofício artístico. Para Sempre Alice produz sensações de indignação, comiseração e necessidade de amparo, alertando o público para uma questão aviltante, com muito mais alcance que qualquer panfleto institucional.

  • Crítica | Blue Jasmine

    Crítica | Blue Jasmine

    Blue Jasmine

    Woody Allen, é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmos temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

    Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy, e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

    Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia Noite em Paris), ou ao menos incorporando trejeitos e entonações típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

    E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

    Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

    Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (à exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

    Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta a vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta. Allen também volta ao tema da sorte: é um acaso que a leva a recaída, é por um acaso que não tem saída.

    Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Origem dos Guardiões

    Crítica | A Origem dos Guardiões

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    A mais recente produção da Dreamworks Animation tem o consagrado estilo do estúdio: uma aventura leve, movimentada e divertida, claramente direcionada ao público infantil, mas com elementos que também agradam aos adultos. A Origem dos Guardiões segue uma premissa similar à do mega sucesso Shrek: depois dos contos de fadas, agora são figuras do folclore que ganham uma “repaginada” para se adequar aos novos tempos. Mas sua mensagem continua sendo a mais clássica possível – e emocionante justamente por isso.

    Na trama, quando o perigoso Breu (ou Bicho-Papão) ressurge após séculos para ameaçar as crianças do mundo todo, cabe aos Guardiões se reunirem para enfrentá-lo. Mas o time formado por Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Fada dos Dentes e Sandman pode não ser o suficiente diante da ameaça, pois o enigmático “Homem na Lua” escolhe um 5º guardião: o irresponsável Jack Frost. Ele vaga pelo mundo há trezentos anos, sem memória, objetivos ou mesmo reconhecimento por parte dos humanos. É essa sua busca pessoal, pelo seu “cerne”, que acaba sendo o motor da narrativa.

    Baseado na série literária Guardians of Childhood, de William Joyce, o filme é uma agradável surpresa, ao fazer dos Guardiões uma verdadeira equipe de super-heróis. Não falta nem a Jornada do Herói, representada no protagonista Frost. Igualmente bem conceituada e realizada é a roupagem cool que os personagens ganharam. Papai Noel não é mais só um bonachão: careca, tatuado, com duas espadas enormes, ele adquire uma divertida aura badass. O Coelhinho, ou melhor, Coelhão, é quase um ninja: é alto, sério, ágil e atira bumerangues. A Fada dos Dentes é meiga, mas protetora com suas fadinhas. E o Sandman não tem a aparência de Robert Smith, é um simpático gorduchinho (mas que sabe se virar numa briga) que se comunica usando a areia dourada dos sonhos.

    Um aspecto interessante é a reciprocidade na relação dos Guardiões com as crianças. Ao mesmo tempo em que eles representam e zelam por sentimentos como esperança, imaginação, alegria, capacidade de sonhar etc., eles dependem da crença dos pequenos para poderem existir e continuar seu trabalho. Isso gera alguns momentos tristes e reflexivos, bem coerentes dentro da narrativa, mas que talvez sejam resolvidos muito facilmente. Mas, como é um filme destinado a crianças, não dá para reclamar muito disso. Outro ponto negativo é que o protagonista fica devendo em matéria de carisma. Ágil, poderoso e com seu visual de personagem de anime, Jack Frost deve agradar crianças e pré-adolescentes, mas é inegavelmente insosso se comparado ao bom e velho Shrek ou ao Kung Fu Panda.

    Visualmente, o filme tem a competência habitual da Dreamworks, ainda que não traga nada inovador ou surpreendente. Também competente é a dublagem brasileira, nada devendo ao original (que conta com vozes famosas como Alec Baldwin, Hugh Jackman, Jude Law, entre outros). No fim das contas, A Origem dos Guardiões é uma boa recomendação até para quem não é particularmente fã de animações – caso deste que vos escreve.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Para Roma com Amor

    Crítica | Para Roma com Amor

    To-Rome-with-Love

    Woody Allen é um cineasta de fórmulas: sua filmografia consiste em algumas histórias contadas repetidas vezes de forma mais ou menos parecida.  Porém o diretor é tão dono de seu estilo que é capaz de injetar frescor na obra e manter o interesse em filmes que apresentam pouca coisa de novidade.

    Mas, se o talento de Woody Allen é ser Woody Allen, seus filmes não são tão bons quando ele tenta ser outro diretor. Ainda que esse diretor seja Federico Fellini.

    Para Woody Allen (como para mim e, imagino, para a maior parte daqueles que já ficaram atrás de uma câmera de cinema), Roma é de Fellini, e ele enche seu filme de referências e homenagens ao diretor italiano: o núcleo do casal em lua-de-mel é adaptado de Abismo de um Sonho, o surrealismo da história de Leopoldo ou do “cantor de chuveiro” são absolutamente fellinianos.

    Mas de todas essas histórias a mais interessante é que tem menos Fellini e mais Woody Allen. O personagem de Jesse Eisenberg é um dos muitos alter-egos do diretor, um daqueles personagens inseguros, neuróticos, intelectuais e desajustados que ele analisa tão bem, mas que nesse filme não ganha espaço para ser olhado de perto, justamente por conta dos múltiplos núcleos.

    O forte de Allen são seus personagens e a forma como ele destrincha suas inseguranças, medos e neuroses. A graça de seus filmes é a lupa colocada nas nossas relações, nas brigas e detalhes de cada personalidade. Assim, ao optar por contar várias histórias ao mesmo tempo o diretor perde aquilo que tem de melhor e constrói um filme bastante simpático e eficiente, mas que não tem o carisma de seus melhores momentos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.