Tag: Elle Fanning

  • Crítica | Um Dia de Chuva em Nova York

    Crítica | Um Dia de Chuva em Nova York

    Um Dia de Chuva em Nova York começa com os tradicionais letreiros dos filmes de  Woody Allen,  e logo após os créditos, mostra aulas em um campus de faculdade, onde Gatsby de Timothée Chalamet estuda e narra sua própria historia, em primeira pessoa. Ao longo dos pouco mais de noventa minutos, o que se vê é uma mini odisseia, onde ele e sua namorada Ashleigh (Elle Fanning) tem programado um final de semana romântico em Nova York, e quase nada sai como ele planejou.

    Como é de se esperar, Allen coloca alguns personagens como versões de si mesmo, e isso se vê não só no jovem apaixonado por Nova York que Chalamet vive, mas também em outros avatares, e esses outros aparecem depois, quando sua amada Ash resolve aceitar um trabalho em Manhattan, enquanto os dois deveriam ter seus momentos de intimidade.

    A narração de Gatsby é um bocado invasiva, mas também dá o tom de como ele vive e funciona, mostra também suas fragilidades emocionais, carências e defeitos de auto estima.  A historia é repleta de flertes que  por sua vez são muito verborrágicos. As discussões sobre sexo, traições e frescuras casa bem com todas as polêmicas envolvendo a imposição do sexo como forma de subir no showbussines.

    Rollard, o diretor vivido por Liev Schreiber não demora a aparecer, e seus defeitos e inseguranças com o filme que está sendo rodado o tornam um ser atraente a jovem Ashley. É incrível como esse roteiro conversa bem com parte da biografia de Allen, mas não no mal sentido, de certa forma, os personagens centrais mostram uma faceta de seu realizador, em algum ponto de seus mais de cinquenta anos de carreira. Apesar desse advento de vaidade extrema, como sua historia é simples e cheia de personagens jovens e carismáticos, beira o impossível não ter simpatia por cada um dos enlaces e romances apresentados no filme, desta obra que quase não conseguiu ver a luz do dia graças ao resgate da polêmica envolvendo a acusação de sua ex-mulher e filha adotiva.

    Fanning interpreta uma personagem soberba, Ash é apaixonante, não só pela beleza física de sua interprete, mas também pela curiosidade em entender os meandros do cinema de pessoas, além disso, Um Dia de Chuva em Nova York trabalha demais a melancolia do pseudo traído, mas sem deixar de ser leve na abordagem dramática.

  • Crítica | Malévola: Dona do Mal

    Crítica | Malévola: Dona do Mal

    Malévola foi uma das pedras fundamentais da empreitada de live actions da Disney, e seu sucesso passou principalmente pelo fato de desconstruir as  questões básicas dos contos de fadas. Cinco anos após o filme de Robert Stromberg, entra Joachim Rønning, o mesmo que dirigiu Expedição Kon Tiki e Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar para finalmente dar luz  a Malévola: Dona do Mal, um filme que já começa estranho, explicando que a personagem-título se tornou vilã novamente aos olhos dos humanos comuns, entre eles, o reino de Ulstead, onde moram os pais do  príncipe Phillip. Toda essa configuração é estranha, não faz sentido, mas tudo isso é subalterno, graças ao retorno dos personagens e do elenco capitaneado por Angelina Jolie.

    A terra dos Moors (as criaturinhas mágicas, que agora tem algum senso de comunidade) é atacada por homens gananciosos, espantados obviamente pela protetora da floresta, que expõe seus chifres e asas. A música de Geoff Zanelli até dá algum charme a esses momentos, mas tanto as cores saturadas quanto a péssima desculpa para tornar a personagem em uma antagonista dos ditos normais fazem o filme soar artificial e incongruente.

    A personagem de Michelle Pfeifer, a rainha Ingrith é bidimensional, mas ao menos tem  carisma, sua composição é divertida dentro da caricatura que faz. Seus planos são maquiavélicos, preconceituosos e maniqueístas, mas em se tratando de uma historia que emula as animações antigas, faz sentido, uma vez que essa continuação não se preocupa nem com a mitologia antiga estabelecida, nem com as questões políticas antes abordadas no filme de 2014. Ao menos o roteiro registra bem o preconceito e receio da nobreza de Ulstead.

    Os novos conceitos apresentados são apressados. As questões envolvendo o povo de Malévola (os seres das trevas) lançam mão de muitos atalhos narrativos, ao ponto de não haver qualquer complexidade nos personagens de Chiwetel Ejiofor e Ed Skrein, que deveriam prioritariamente serem sedutores além do visual, especialmente na ideologia, mas isso claramente não ocorre.

    A trama trata o espectador como bobo nos momentos finais, fazendo este se assemelhar demais a O Caçador e a A Rainha do Gelo ainda que esse ainda mantenha suas protagonistas. O longa é histriônico e tenta mostrar as heroínas como falíveis, consegue se acovardar até nas medidas drásticas que toma e tem dificuldade em montar uma resolução plausível para si, e apresenta um texto é raso e até risível, contendo com uma paz conveniente e sem sentido, fazendo a rainha má ter semelhanças demais com Diabolin, de Cavalo de Fogo, no pior sentido possível.

    Malevola 2  se perde em meio as discussões políticas rasas que propõe, e faz personagens que antes haviam evoluído retornar a estaca zero, em especial a  Aurora de Elle Fanning, que desacredita firmemente sua “Madrinha”. As três fadas aliás, para nada servem, pois nem o vestido que elas fazem é utilizado. , findando a questão com piadinhas tão fracas que fazem perguntar se houve alguma revisão de roteiro antes do produto ser gravado e editado. Nem visualmente o filme funciona, detalhe esse que era bem positivo no primeiro, o que é uma pena, e faz esse se assemelhar a Alice Através do Espelhos no sentido de conseguir denegrir até o que era positivo no original.

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  • Crítica | Como Falar Com Garotas em Festas

    Crítica | Como Falar Com Garotas em Festas

    John Cameron Mitchell é um realizador peculiar. Seus filmes de maneira geral se baseiam em batidas emocionais das personagens, e as tramas são mais ou menos impulsionadas de acordo com as emoções pontuadas em cada sequência; se um título mais ou menos polêmico como Shortbus girava em torno de sexo como um catalisador pra inúmeros contextos íntimos facilmente ignorados em função do sexo em si, e o aclamado Reencontrando a Felicidade (cujo título nacional é impossivelmente entreguista) apresentava o luto como algo a ser assimilado ao invés de tratado como algo nocivo, era de se esperar que uma adaptação de um conto de Neil Gaiman (um autor naturalmente generoso com os aspectos emocionais de suas obras) fosse ainda mais sensível e aflorado, de acordo com as explorações típicas de seu diretor/co-roteirista – e Como Falar Com Garotas em Festas, inspirado na história homônima de Gaiman (leia nossa resenha aqui), de fato se apresenta como um veículo perfeito para seus interesses narrativos. Nem tudo funciona o tempo todo, mas o filme traz doçura e diversão suficientes pra compensar a maneira acochambrada com a qual tenta conjugar suas diferentes partes e propostas.

    O longa introduz Enn (Alex Sharp), o protagonista, como um jovem e entusiasmado punk na Londres dos anos 70 que, na companhia de seus amigos Vic e John, inadvertidamente, após um bagunçado show no clube local (comandado por uma peculiar Nicole Kidman, no papel de Boadicea, uma punk da cena OG, em mais uma parceria com Mitchell após ser exaltada por Reencontrando a Felicidade) acaba encontrando um esquisito conluio de jovens e conhecendo Zan (Elle Fanning, arroz-de-festa em filmes habitualmente mais excêntricos do que a média), uma alienígena presente na terra junto de outros ETs por tempo limitado em função de uma “experiência”. Em busca de algo mais autêntico nas horas que restam a ela no planeta (na forma da música e da cultura punk), Zan escapa de seus pares e acompanha Enn em uma incursão pelo incerto cenário da juventude de Croydon (um epicentro artístico londrino), enquanto é perseguida pelos outros membros de sua espécie (participações menores mas não menos estranhas de nomes como Ruth Wilson, Matt Lucas e Edward Petherbridge), que pretendem interromper suas novas “experiências” para garantir a Retirada, o evento de passagem onde os membros mais velhos da raça devoram os mais jovens.

    Talvez as descrições de trama e ambientação soem mais mórbidas do que ambas realmente são, embora a bizarrice de todos estes elementos seja provavelmente maior do que se pode imaginar, mas o ponto é que Mitchell empresta leveza e doçura consideráveis a tudo que se vê ao longo do filme, de penetrações anais e perspectivas evolutivas cósmicas a um embate/confraternização entre punks terráqueos e coloridos alienígenas agregados – e mesmo que algumas coisas não combinem e não façam muito sentido, a ideia primordial de rebelião jovial contra normas e expectativas permanece intacta e, se a atmosfera geral apresenta a filosofia de vida punk como uma abordagem ideal diante da necessidade de se viver coisas mais intensas e originais, até mesmo a baderna da narrativa vem em auxílio do filme. Não há como prevenir o desperdício de subtramas e eventos que pareciam do interesse do filme, e frustra como nada é aprofundado ou examinado com maior atenção, mas é uma troca aceitável conforme Sharp e especialmente Fanning garantem um núcleo afetivo eficiente e conseguem ancorar uma obra que talvez não tenha muita certeza do que almeja configurar.

    Apesar de centralizar a ação em uma cena punk original e, portanto, baseada tanto em música quanto em atitude, Como Falar Com Garotas em Festas prioriza um ritmo ágil para contar sua história, e tanto o roteiro (de autoria de Mitchell e Philippa Goslett) quanto a montagem de Brian A. Kates estruturam o filme menos como uma corrida contra o tempo e mais como um sprint contra as perspectivas sociais-biológicas da época, a bem da verdade não muito diferentes de anos recentes; há apenas uma inserção musical significativa, dominada com ferocidade por Elle Fanning na única chance de Zan para fazer valer as paixões que carrega e divide com Enn em um palco, culminando em algo transcendental para ambos, mas esta acaba sendo suficiente – senão pela ambientação, ao menos pelo desenvolvimento das personagens.

    Traído por um ato final que não se sustenta (nem desperta muito interesse) a partir do que vimos ao longo da projeção, Como Falar Com Garotas em Festas ao menos conta com um desfecho mais cálido do que a melancolia de seus instantes derradeiros indicava. E mesmo que seja irregular e superficial demais pra ser devidamente reconhecido, é um filme simpático e pulsante que ganha apreço por seus predicados mais básicos, e pela facilidade com que transforma estranheza e lugares-comuns em manifestações genuínas de sentimentalismo e bom humor, mesmo diante de possibilidades nada alegres e bastante impessoais. Nada mal para uma rocambolesca trama amorosa entre um punk sem rumo e uma alienígena fatalista.

    Texto de autoria Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | O Estranho Que Nós Amamos

    Crítica | O Estranho Que Nós Amamos

    Adaptação do livro de Thomas Cullinan, O Estranho Que Nós Amamos (The Beguiled) se tornou para muitos o apogeu do cinema autoral de Sofia Coppola. A história se passa durante a Guerra Civil americana, acompanhando a rotina de um internato habitado apenas por mulheres, sendo a responsável por elas a figura de Miss Martha (Nicole Kidman), acompanhada de Edwina (Kirsten Dunst), residindo ali algumas meninas, entre elas, a mais velha Alicia (Elle Fanning), além de outras crianças. Um dia, uma das meninas encontra John McBurney (Colin Farrell), um soldado da União, com a perna ferida.

    A reconstituição da Virginia de 1864 é muito bem realizada. Os cenários e figurinos ajudam a decifrar a atmosfera, mesmo que não fosse dito a temporalidade da trama os costumes e o acervo visual tratariam de informar o espectador. Do ponto de vista técnico, a base desta versão áudio visual renova boa parte dos acertos da versão setentista dirigida por Don Siegel e protagonizada por Clint Eastwood. A grande questão são as motivações da trama e as atuações que cercam.

    O ponto alto da narrativa certamente é a participação de Dunst, que executa o papel mais maduro e repleto de nuances e complexidades. O flerte ocorrido entre ela e a figura do soldado ferido é o que certamente faz mais sentido e é melhor representado. O trabalho de atuação foge do maniqueísmo apresentado por Kidman, como também da redundância de Fanning. É curioso notar que ao longo dos anos, Dunst se tornou a parceira mais recorrente de Sofia, em uma comparação justa com Siegel e Eastwood.

    A questão que mais chama a atenção em O Estranho Que Nós Amamos é o roteiro, que em dados momentos apresenta uma evolução lenta e gradual, como nos filmes de época, e se desenrola de maneira apressada a partir do ponto de ruptura da história original. A postura em especial do militar que está alojado na casa das mulheres muda repentinamente, e tanto a aceitação das mulheres da casa quanto a rejeição por parte delas também varia muito rápido. Isso não seria um problema, dado que tais mudanças ocorrem via trauma, a questão é que a condução dos fatos também ocorre de maneira veloz. Não se tem tempo para digerir as mudanças ocorridas naquele cenário, de modo que as personagens, inclusive as meninas mais novas, seriam extremamente frias, calculistas e munidas de uma força de caráter muito baixa. O impacto dessa possível revelação acaba sendo aplacado por essa condução controversa na construção da tensão.

    O argumento reduz algumas das boas discussões propostas no texto original, e carece de um ritmo mais adequado com os dramas propostos. No início a exploração da interação da figura externa naquele mundo se mostra acertada, seu maior problema decorre da mudança de tom existente na obra. Há também algumas licenças do texto em relação a questões que eram urgentes na literatura, como a escravidão do povo negro, ignorada nesta versão para apresentar a dicotomia entre as sete mulheres e o homem que elas recebem. Apesar de conseguir retirar alguns bons momentos de seus intérpretes, a direção de Copolla peca em outros aspectos, especialmente no desenvolvimento e o equilíbrio emocional da história, fato que faz decepcionar um pouco em relação a expectativa criada em cima de um dos vencedores do Festival de Cannes passado.

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  • Crítica | Mulheres do Século XX

    Crítica | Mulheres do Século XX

    O século XX pode ser visto como um dos, talvez o mais denso da história da humanidade. Das grandes guerras e depressão até os direitos civis de negros e mulheres; o direito de ir e vir, o direito de ser. A mudança do entendimento do nosso mundo de vidas em pequenas comunidades, com palpáveis significados, para a solidão de uma percepção para além do que nos cerca, para além das cercas de nossos bairros. É nesse século que o homem pisa na lua, mas não consegue entender seus vizinhos; que as grandes guerras não mais ousarão ser quentes, mas frias e eternas; que o divórcio “sem motivo” nos EUA é liberado, com o estado pioneiro sendo a Califórnia em 1969. É nesse século de eterna crise que viveu Dorothea, desde seu nascimento na crise de 29, passando pela crise dos mísseis e terminando na crise dos 2000, mas sua memória vive até hoje no que Jimmy Carter chamou de crise de confiança.

    Mulheres do Século XX é um filme dirigido e escrito por Mike Mills. É baseado na juventude do diretor, mas especialmente em sua mãe. Dorothea (Annette Bening), uma adulta de 50 e poucos anos da Califórnia, se vê obrigada a buscar outras influências para o filho, Jamie (Lucas Jade Zumann), nesse momento de mudança de paradigmas, 1979, e é nas mulheres jovens que habitam sua grande casa em eterna reforma que encontra a solução. Abbie (Greta Gerwig), uma ex-estudante de artes de Nova York que se recupera de câncer, e Julie (Elle Fanning) uma jovem que se declara autodestrutiva e se aproxima muito de Jamie. Além desses personagens, há também William (Billy Crudup), o único homem adulto da casa, que trabalha no eterno conserto do local.

    O choque entre gerações se faz de forma bem distinta em relação a tantos outros filmes do tipo. Por ser baseado na mãe e juventude do próprio diretor, há uma presente intimidade e utilização de um denso conjunto de relatos e eventos em nível micro para clarear o que se entende do nível macro de uma época. Essa abordagem beneficia especialmente as personagens, que apresentam um profundo desenvolvimento pessoal. É uma forte base para o que o filme se propõe a tratar, especialmente em relação a gênero, exemplificando com diversos eventos e facetas de vivências que as personagens passam, em assuntos que vão desde maternidade e solidão até sexualidade. E em meio a essas mulheres de personalidades intensas, há um jovem se formando em homem.

    “Mas não é preciso um homem para formar um homem?
    “Não, eu acho que vocês vão funcionar pra ele”.

    A direção e roteiro biográfico de Mills permite que as atrizes encontrem nessas complexidades a humanidade simples e latente, essa característica tão forte que permeia todo o filme. Especialmente Annette Bening, que atua sem melodrama como uma mulher vezes melancólica e vezes extrovertida, alguém viva, e que toma como objetivo a salvação de seu filho de um mundo que se sente descrente, ou como foi traduzido por Jimmy Carter: Podemos ver essa crise na crescente dúvida sobre o significado de nossas vidas e na perda de unidade de propósito para nossa nação.

    A apresentação do filme compartilha da energia de seus personagens, com sua direção de arte de cores fortes, mas especialmente sua montagem. Vários momentos se tornam acelerados e com efeitos a lá Koyaanisqatsi, com narrações que trazem uma clara manifestação de memória e reflexão. Dessa forma o filme consegue transmitir toda essa vivência sem se tornar arrastado ou acelerado; simplesmente um fluxo de consciência como alguém que conta sobre uma distante infância a seus filhos.

    Mills criou uma obra de amor em memória de sua mãe, assim como a seus valores, e que se posiciona como um entendimento das dificuldades que ela passou e queria evitar que ele passasse. É um filme sobre a aceitação do tempo: o que pode ser profundo e cheio de significado agora, logo se tornará vazio, assim como as vidas que agora são, deixarão de ser. O que Carter chamou de crise de confiança é atualizada hoje como a de autoestima. A segurança dos muros de nossas casas, a distância entre nossas camas e o chão; nada é suficiente para nos proteger do inimigo mais desconhecido: nós mesmos. Você não gosta disso, e nem eu. O que podemos fazer? Primeiro de tudo, devemos encarar a verdade, e então podemos mudar.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Demônio de Neon

    Crítica | Demônio de Neon

    theneondemonUm tema como a ditadura da beleza dificilmente traria uma discussão nova ao mundo da arte. É recorrente em todas as mídias conhecidas, sendo visto por muitos como um assunto batido, ainda que de necessária discussão. Mas logo os preconceitos se retraem quando um cineasta como Nicolas Winding Refn (Drive, Só Deus Perdoa) utiliza do tema com toda sua carga visual e autoral.

    Demônio de Neon trata da história de Jesse (Elle Fanning), uma jovem ingênua que decide se mudar para a cidade dos sonhos quebrados e perdidos, Los Angeles, onde busca se tornar uma grande modelo. Em sua jornada conhece Dean (Karl Glusman), um aspirante a fotografo e interesse romântico que deseja ajuda-la. Ao mesmo tempo, chama atenção do trio feminino formado por Ruby (Jena Malone), Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), modelos experientes que logo se sentem ameaçadas pela presença da jovem Jesse. Aquela que apresenta a beleza da juventude, a beleza ingênua, “pura”. Aquela que carrega o charme até que não mais.

    Se Nicolas afirma que Demônio de Neon é uma mistura de comédia e horror, as atuações reafirmam. As interações e postura das personagens são, por muitas vezes, plásticas e surreais, chegando até mesmo a serem caricatas. Seja por pessoas dentro da indústria como o fotografo Jack (Desmond Harrington), ou por personagens como Hank (Keanu Reeves). O que, por se tratar do mundo da moda, logo se mostra uma escolha acertada, satírica. Com as reações robóticas e bregas desses personagens, há a gênese de um desconforto. Algo que se intensifica a cada conversa mediada por espelhos e desprezos reprimidos, por silêncios e cores.

    A diretora de fotografia Natasha Braier faz de cada frame uma foto a ser pendura e exibida. Assim como permeia todo o filme com uma iluminação de brilho radiante, onírico, que conversa com a personalidade fluida e estado físico de Jesse. Trabalha e constrói o efêmero que cerca toda essa realidade em um ritmo lento e contemplativo. Da mesma forma reage a trilha sonora de Cliff Martinez, com seus sintetizadores rápidos e hipnotizantes como os flashes momentâneos que relembram modelos: você é uma estrela.

    Sendo assim, o tema e a forma conversam até que se tornam indissolúveis. Fazendo-nos perceber que a específica abordagem de Refn e sua equipe tornam Demônio de Neon algo que não funcionaria nas mãos de outras pessoas. Entretanto, ainda que em sua natureza surreal e metalinguística o filme se mostre muito bem-acabado, é no argumento, que permanece em uma zona comum, que estão seus defeitos. Apesar de ter trabalhados com duas mulheres no roteiro, e questões como ditadura da beleza tendo relações diretas também com questões de gênero, Nicolas prefere focar o esforço em tópicos batidos. Os personagens masculinos são os mais rasos, por exemplo. Ainda que demonstrem personalidades abusivas, nã há algo além disso, nem o impacto dos efeitos de suas ações. Não há a atitude “rock and roll”, que Refn tanto prega e se define, para desafiar além do choque visual. Mas não se engane: O Demônio de Neon não é, como tantos desejam afirmar, um filme vazio.

    De certa forma, a grande moral do filme de Refn é sobre os exageros e perdições ao lidar com a beleza em sua forma mais realista: passageira. Seja por aspirantes que desejam estar no holofote, ou aqueles que estão sendo empurrados para fora do palco. Resta os que logo sairão aceitarem, ou lutarem até a morte para permanecer embaixo da luz apática aos seus interesses e intenções, demonstrando o quão vazio é o belo, até mesmo em seus breves momentos. Um momento; uma fotografia muito bem composta. Uma memória do que era e jamais será.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Os Boxtrolls

    Crítica | Os Boxtrolls

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    Estreando na direção de animações em longa-metragem, a dupla Anthony Stacchi e Graham Annable se vale da mesma estética stop motion utilizada em Coraline e o Mundo Secreto para remontar uma história de cunho político, ao menos em comparação com outros produtos infantis. A história gira em torno de uma sociedade fanática por elegância e por queijos que tem em seus esgotos uma subexploração do povo, seres vivos tão inteligentes quanto os cidadãos da superfície, mas que são caçados unicamente em razão do medo do diferente.

    Os boxtrolls são criaturas de aparência grotesca que aparentemente não entendem a dualidade do bem e do mal, fator que os diferencia dos demais cidadãos, possivelmente pondo-os em uma escala maior de inteligência. A subsistência deste grupo realiza-se pela exploração do lixo dos moradores da cidade Ponte Queijo, e eles somente têm coragem para ir à superfície no período da noite, por medo de serem capturados por Arquibaldo Surrupião (dublado por Ben Kingsley) e sua gangue.

    É do meio dos excluídos que surge a maior atitude de altruísmo, repetindo os dogmas de muitas histórias de redenção, levando o tema a uma nova geração. Ovo é um menino humano, tratado como um nobre pelos pequenos monstrinhos. Ao ingressar no mundo dos humanos, sempre buscam novas formas de entretê-lo, seja com brinquedos, música ou demais aspectos culturais típicos dos homens.

    Já crescido, Ovo – interpretado em fase adulta por Isaac Hempstead – Wright – decide ir à cidade para ver como seus colegas de espécie agem. Uma vez na meca, ele observa um forte discurso contestador formado por verdadeiras ofensas aos seus criadores. Sua missão é resgatar um de seus velhos amigos na casa de Rupião, onde se prova que a caça de Arquibaldo é motivada por rancor e supercorreção, uma vez que ele tem intolerância ao bem maior social, o queijo. A incursão revela detalhes da origem do bebê Trubshaw, além de mostrar pelo relato da pequena filha do monarca, Winnie (Elle Fanning), que Ovos na verdade não é um boxtroll, e sim um menino.

    Não demora para revelar-se que a origem do protagonista é intimamente ligada a do vilão, que em um ato cruel assassinou seus pais. O roteiro, baseado no livro de Alan Snow, ganha ares de obra adulta ao abordar a temática de não julgar as figuras de autoridade por seu poder ou aparência, além de focar seu enredo em uma parcela de pessoas excluídas de seu universo, debochando do estilo de governo oligárquico, mas sem abrir mão de um discurso leve.

    O fator que faz os oprimidos agirem é a iminência de suas próprias mortes, e os boxtrolls finalmente agem, pouco antes de serem exterminados, em uma reviravolta muito comum em desenhos animados, mas que em análises mais profundas serve de alegoria ao comportamento revolucionário, quando o povo se une para acabar com o czarismo que os escraviza e os deslegitima.

    A ação dos pequenos trolls acontece pouco antes da execução de Ovos. Em uma cena demasiado forte, vestido como um boxtroll, o personagem é posto para ser queimado vivo por uma população conservadora e inflamada, provando que suas atitudes são mais dignas de honra do que as dos até então poderosos. Perto do final, é mostrada a nova configuração da sociedade em Ponte Queijo exibindo as mazelas desfeitas, e ambas as espécies convivendo harmoniosamente, mesmo com a antiga rejeição. Prova-se, portanto, nunca ser tarde para a mudança de postura, levando o belo ensinamento a uma animação muito esmerada.

  • Crítica | Malévola

    Crítica | Malévola

    malevola

    Originários da tradição oral, os contos de fadas caracterizam-se um dos gêneros mais antigos da literatura. Histórias consideradas, hoje, como infantis foram, em séculos passados, carregadas de violência e eram transmitidas culturalmente como parte do folclore local, motivo que justifica diversas versões para uma mesma narrativa. Durante os séculos, escritores como Charles Perrault, Jean de La Fontaine e os Irmãos Grimm foram responsáveis por documentar a tradição popular da época em que viveram, modificando as histórias conforme suas particularidades regionais ou alterando suas estruturas, deixando-as mais amenas e familiares.

    Nas telas, o estúdio de Walt Disney produziu diversos clássicos animados com base nestas histórias, originando novas versões narrativas – que muitos consideram definitivas – de contos como Branca de Neve e os Sete AnõesA Pequena Sereia, Cinderela e A Bela Adormecida. Filmes que trouxeram prestígio à empresa e formaram as modelares princesas Disney.

    Seguindo o sucesso de Alice No País das Maravilhas, cuja adaptação cinematográfica em live-action trouxe à produtora um retorno financeiro alto em 2010, a obra A Bela Adormecida, de 1959, ganha uma nova versão. Dessa vez, a história foca o lado da fada Malévola, que amaldiçoa a princesa Aurora.

    A história de Malévola utiliza a base do clássico citado, pervertendo-o ao mostrar a visão da antagonista. Malévola é uma pequena fada poderosa que vive em uma floresta encantada situada ao lado de um reino. Em sua infância, conhece o garoto Stefan, com quem mantém a amizade até a adolescência, quando se afastam um do outro.

    Malévola torna-se uma das fadas mais poderosas do reino e guardiã da floresta dos ataques humanos que desejam destruir o local, tido como ameaçador. Após uma dessas batalhas, o Rei, ferido e prestes a morrer, exige o aniquilamento da fada e coloca o trono à disposição de quem matá-la. Almejando o cargo de rei, o outrora menino Stefan reencontra-se com sua antiga amiga e usurpa-lhe as asas.

    Como uma costumeira produção Disney, faltam elementos que explorem a transformação da personagem de maneira adequada. Ao ser traída pelo amigo memorial da infância, não há nenhuma personagem em cena que produza um diálogo com a futura vilã. Ao público, cabe inferir sua transformação na estranha cena em que, caminhando pelo reino outrora brilhante, o local começa a se tornar lúgubre e ameaçador. Até a transformação que alinha a personagem com a história oficial, o roteiro de Linda Woolverton  que também roteirizou a recente adaptação de Alice no País das Maravilhas, e as animações O Rei Leão, A Bela e a Fera, entre outras  parece apressado, apresentando um apanhado ocasional de cenas que não justifica o porquê Malévola foi uma fada injustiçada.

    A personagem acrescenta tonalidades ao costumeiro preto e branco do estúdio. Uma constatação de que os tempos de outrora  com o costumeiro maniqueísmo Bem versus Mal   estão extintos, o que prova que o público não deseja mais ver uma tradicional fábula sobre a princesa que espera o amor perfeito. Sob este aspecto, a Disney luta para evidenciar que reconhece as mudanças da sociedade, modificando o paradigma narrativo e rindo de si mesma  como Encantada —, tornando-se capaz de produzir histórias de princesas que atendam às novas exigências dos espectadores.

    O sentimento de traição que se manifesta em Malévola é o elemento que causa a maldição  sono eterno até que um amor verdadeiro a desperte — à recém-nascida Aurora. Uma das mais grandiosas cenas das animações Disney que a nova versão honra com pompa e mantém a mesma dimensão épica, fato que comprova que Angelina Jolie é a parte mais consistente da produção.

    Ainda que o roteiro seja mediano, sua interpretação passa  nuances necessárias de uma transitória personagem dúbia. Sem exagerar nos trejeitos de vilões  que os deixam caricatos —, a atriz demonstra que entrou em cena para se tornar uma bela encarnação da antagonista.

    Se a fotografia e o ambiente à meia-luz são esteticamente belos a cada fotograma, o contrato feito com o público, em relação à veracidade narrativa, falha na maior parte do roteiro. Tentando enfocar em demasia o lado sombrio de Malévola, outras personagens importantes à trama se tornam simplistas. As três fadas-madrinhas, que criam Aurora até os 16 anos da princesa, parecem despropositadas tanto como personagens quanto com importância à história. O exagero dos efeitos especiais fazem as fadas  vistas na maioria das vezes em tamanho diminuto — parecerem pequenas bonecas voadoras e não seres de um mundo maravilhoso. Um desequilíbrio que lembra o excesso estético e agoniante da Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton.

    Quando a personagem Aurora encontra-se com Malévola, não há nenhuma empatia pela mocinha. Em parte porque Ellen Fanning não tem a  mesma presença cênica de Jolie, e também porque nem em cenas solo consegue roubar um pouco de atenção para si.

    A própria carência narrativa revela uma questão maior que equipara o desfecho dessa produção com o de Frozen – Uma Aventura Congelante. Tal semelhança faz questionar até onde a Disney estaria disposta a modificar sua estrutura narrativa, visto que, em menos de um ano, entregou duas produções com a mesma lição moral que substitui o suposto amor entre príncipe e princesa e faz do sentimento fraternal ou maternal o gatilho que quebra a maldição. Mesmo ciente de que o público atual exige um novo conceito nos filmes de princesas e reinos encantados, a empresa não parece desejar o desenvolvimento de novas saídas que não uma outra fórmula a ser repetida mais de uma vez.

    Com um roteiro fraco diante de um rico material, não há consistência na história que produza um ótimo filme familiar. Pena para Jolie, que entra em cena com vontade de fazer um grande desempenho, mas não encontra o ambiente necessário ao desejo de ser a Malévola definitiva.