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O racismo no contexto escolar e a prática docente

2017, Debates em Educação

Este artigo analisa a presença do racismo no contexto escolar, tendo em vista a mediação da prática docente. A partir de um estudo teórico, buscou-se problematizar como a escola e os professores podem contribuir, por meio da prática docente, para a afirmação da cultura afrodescendente no Brasil. Com base nos autores que já discorreram sobre o tema, compreendemos que o preconceito racial está presente nos espaços escolares, permeando discursos e práticas de alunos e professores, no sentido da naturalização das injustiças sociais. Consideramos que, apesar dos limites, os docentes podem lançar mão de práticas pedagógicas voltadas a superação do racismo, como a análise crítica de materiais didáticos e de discursos, bem como a reflexão interdisciplinar sobre a diversidade cultural.

O RACISMO NO CONTEXTO ESCOLAR E A PRÁTICA DOCENTE ISSN: 2175-6600 Vol. 9 | Nº. 18 | Mai./Ago. | Ano 2017 Nadiele Elias Faria Tuono Faculdade Educacional de Arapoti (FATI) [email protected] Marta Rosani Taras Vaz Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) _________________________________________________ RESUMO Este artigo analisa a presença do racismo no contexto escolar, tendo em vista a mediação da prática docente. A partir de um estudo teórico, buscou-se problematizar como a escola e os professores podem contribuir, por meio da prática docente, para a afirmação da cultura afrodescendente no Brasil. Com base nos autores que já discorreram sobre o tema, compreendemos que o preconceito racial está presente nos espaços escolares, permeando discursos e práticas de alunos e professores, no sentido da naturalização das injustiças sociais. Consideramos que, apesar dos limites, os docentes podem lançar mão de práticas pedagógicas voltadas a superação do racismo, como a análise crítica de materiais didáticos e de discursos, bem como a reflexão interdisciplinar sobre a diversidade cultural. Palavras-chave: Racismo. Escola. Prática Docente. [email protected] RACISM IN THE SCHOOL CONTEXT AND THE TEACHING PRACTICE _________________________________________________ ABSTRACT This article analyzes the presence of racism in the school context, in view of the mediation of the teaching practice. From a theoretical study, it was tried to problematize how the school and the teachers can contribute, through the teaching practice, to the affirmation of Afrodescendant culture in Brazil. Based on the authors who have already discussed the subject, we understand that racial prejudice is present in school spaces, permeating discourses and practices of students and teachers, in the sense of naturalization of social injustices. We believe that, despite the limits, teachers can use pedagogical practices aimed at overcoming racism, such as the critical analysis of didactic materials, discourses and interdisciplinary reflection on cultural diversity. Keywords: Racism. School. Teaching Practice. DOI: 10.28998/2175-6600.2017v9n18p204 O racismo no contexto escolar e a prática docente 1 INTRODUÇÃO Este artigo objetiva analisar a presença do racismo no contexto escolar, tendo em vista a mediação do trabalho docente no processo de ensino e aprendizagem. A partir de um estudo teórico, buscou-se problematizar como a escola e os professores podem contribuir, por meio da prática docente, para a afirmação da cultura afrodescendente no Brasil. Esse texto discute a importância de o professor dos anos iniciais da Educação Básica realizar a mediação prática/pedagógica perante o racismo no contexto escolar. Neste estudo, são contempladas questões relacionadas à prática do educador frente a atitudes de racismo percebidas na escola, visando mostrar de que forma os mesmos reagem frente a situações de racismo em sala de aula, problematizando situações em que o professor ignora o racismo ou atua pedagogicamente na contramão da superação das situações e não contribuindo para a emancipação da cultura afrodescendente. Com base nos autores que já discorreram sobre o tema, tais como Scriptori e Junior (2010), Vieira, Costa, Rei e Araújo (2012), Boni (2008) e Santos (2007), compreendemos que o preconceito racial está presente nos espaços escolares, permeando discursos e práticas de discentes e docentes, no sentido da naturalização e normalização das injustiças sociais. Nesse sentido, consideramos que o papel de mediador do professor é um fator fundamental para a efetivação da Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, a qual altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº. 9.394/96), estabelecendo a inclusão obrigatória no currículo oficial das redes de ensino da temática "História e Cultura AfroBrasileira”. Compreendemos que, por meio da prática dos educadores, é possível contribuir para o combate do racismo no ambiente escolar, já que as relações entre os sujeitos professor e aluno constituem o processo de ensino e aprendizagem, tanto de conteúdos escolares quanto de questões sociais, da moral e da ética. Contudo, percebe-se que o trabalho de alguns docentes não tem contribuído para a superação do racismo na escola, já que, apesar das orientações oficiais transpostas na forma da lei, atuam de maneira a naturalizar e normalizar o racismo, seja por meio de metodologias de ensino, de discursos ou de atividades pedagógicas voltadas a manutenção dessas situações. Partindo do pressuposto que a atividade docente é uma articulação entre teoria e prática, buscamos discutir as práticas docentes perante atitudes racistas que podem surgir no contexto escolar, bem como, a concepção dos alunos sobre a temática. Compreendemos que a atuação dos professores e da comunidade escolar acerca do Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 205 O racismo no contexto escolar e a prática docente racismo somente em datas específicas do calendário – como os dias 13 de Maio, dia comemorado nas escolas como libertação dos escravos e dia 20 de Novembro, dia da Consciência Negra – são insuficientes. Uma vez que, sua prática pode ficar restrita no âmbito da teoria, já que os conteúdos relacionados a cultura e história afrodescendente ficam esquecidos nos currículos e projetos, enquanto na prática está longe de ser efetivados, sendo apenas formalidades legais que a escola exerce no intuito de cumprir o “protocolo” do estudo da diversidade cultural. 2 O RACISMO NA HISTÓRIA E NA ESCOLA BRASILEIRA Atualmente, vive-se a era das inovações tecnológicas e da intensificação das descobertas científicas, porém, no que se diz respeito a diversidade cultural observamos que a vida em sociedade, ainda, é permeada por diferentes formas de preconceito. De acordo com Santos (2007), atualmente no Brasil, assumir a identidade cultural do afrodescendente é um ato de coragem que vem sendo reafirmada por meio das conquistas históricas do Movimento Negro. Compreendemos que o preconceito racial, muitas vezes refletido na escola entre os alunos, é fruto da falta de conhecimento, sendo assim, é fundamental que o professor trabalhe em sala de aula a consciência moral, ética e cultural, possibilitando ao aluno o desenvolvimento da capacidade de estabelecer valores e saberes e agir de forma coerente a eles. Desse modo, antes de discriminar alguém por sua cor da sua pele, orientação sexual, ou preferência religiosa, o indivíduo tem condições de refletir sobre seus valores e princípios éticos. Isso pode provocá-lo a pensar na injustiça que pode causar a partir de suas ideias e atitudes. Sendo assim, quando o sujeito faz uso do bom senso e da consciência moral, evita ter atitudes racistas e preconceituosas. Para Chauí (2000, p. 147), A consciência moral da pessoa e a consciência política do cidadão formam-se pelas relações entre as vivências do eu e os valores e as instituições de sua sociedade ou de sua cultura. São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros por meio de comportamentos e de práticas determinados pelos códigos morais que definem deveres, obrigações, virtudes e políticos que definem direitos, deveres e instituições coletivas públicas, a partir do modo como uma cultura e uma sociedade determinada definem o bem e o mal, o justo e o injusto, o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, o privado e o público. O eu é uma vivência e uma experiência que se realiza por comportamentos; a pessoa e o cidadão são a consciência como agente moral e político, como práxis. (CHAUÍ, 2000, p.147). Desse modo, o bom senso e a consciência moral dizem respeito ao modo em que nos relacionamos com os outros e, nesse sentido, se constituem como parte dos relacionamentos interpessoais. Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 206 O racismo no contexto escolar e a prática docente Dessa forma, considera-se que o estímulo ao desenvolvimento do bom senso e consciência moral é uma das formas que facilita o combate do preconceito racial, uma vez que, por meio da valorização da cultura e da história afrodescendente podemos desenvolver uma educação voltada a diversidade cultural brasileira. Para Boni (2008), a temática sobre racismo gera muitas polêmicas, fato este que dificulta o trabalho do professor, pois alguns têm dificuldades em trabalhar com os conflitos que as questões raciais geram, outros, não possuem conhecimento necessário para atuar com o tema. Outro fator que dificulta a abordagem acerca da cultura africana é o preconceito entre os próprios professores, segundo Boni (2008) a escola está repleta de práticas racistas, discriminatórias e preconceituosas. Percebe-se que no ambiente escolar as situações de conflito que poderiam promover a interação, o conhecimento e o respeito às diferenças e às peculiaridades das diversas culturas ali presentes, não são bem aproveitadas pelo professor, que muitas vezes, veem na situação que se apresenta, algo constrangedor, gerador de tensão e não sabem como trabalhar adequadamente com a questão se omitindo ou tratando isoladamente o fato. (BONI, 2008, p.2). Compreendemos que, é necessário, seja por meio de cursos de formação continuada ou por exercício próprio, que o professor se atualize acerca do referido tema, assim sendo, terá a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento de um trabalho em sala de aula voltado a superação de discursos e práticas racistas. Um exemplo clássico de uma prática racista no ambiente escolar, muitas vezes ignorado entre os alunos e professores é a prática do Blackface, ocorre quando com o intuito de interpretar personagens de uma história infantil, os alunos brancos pintam os rostos com tinta preta. Essa prática foi utilizada no início do século XX pelos cineastas, visto que negros não eram reconhecidos como atores. A prática de pintar atores brancos de preto foi muito recorrente nos Estados Unidos durante mais de um século nos Minstrel Shows. O auge desses espetáculos ocorreu entre a década de vinte do século XIX e ade trinta do século XX. Tratava-se de shows humorísticos, onde havia comediantes brancos que se travestiam de homens negros: pintavam o rosto com graxa, exageravam os lábios, usavam perucas de lã, luvas e fraque. Essas performances desempenharam papel importante em consolidar e proliferar imagens, atitudes e percepções racistas no mundo. Era também uma forma de se apropriar, assimilar e explorar a cultura negra americana. (LEAL, 2008, p.4). No Brasil a existência desta prática foi inerente do contexto social da época, surgindo apenas de maneira pouco diferente. Em 1941, Abdias do Nascimento funda o Teatro Experimental do Negro, com a intenção de formar atores negros. A ideia surgiu depois de assistir a uma peça de Teatro no Peru, onde os atores brancos eram pintados com graxa preta, no entanto, o teatro surgiu com o intuito de mostrar que os negros são capazes de Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 207 O racismo no contexto escolar e a prática docente representar papéis do cinema e do teatro brasileiro. Na época justificava-se a naturalidade do uso do blackface, porque somente os brancos teriam, supostamente, a capacidade de atuar nas artes cênicas, essa ideologia passa a ser criticada com a contribuição de Nelson Rodrigues, quando escreve a peça anjo negro, tendo como personagem principal Ismael, que seria representado por Abdias do Nascimento. Mais tarde, na história brasileira, o negro vai conquistando seu espaço no teatro, na TV e no cinema, no entanto, os papéis dispensados aos negros estavam ligados diretamente a ideologia de pertencimento à classe social trabalhadora e pobre, já que representavam papéis de empregadas domésticas, operários, boias-frias, além de suas atuações estarem ligadas aos personagens “fora da lei” como de malandros, bandidos, entre outros. 3 A PRÁTICA PEDAGÓGICA E A SUPERAÇÃO DO PRECONCEITO Para Scriptori e Junior (2010) o fracasso escolar do aluno negro é gerado, também, através do preconceito, da violência e da discriminação sofrida por ele, o qual internaliza as atitudes negativas recebidas e as transforma em ações prejudiciais, levando o aluno afrodescendente ao fracasso ou até mesmo à evasão escolar. Sabe-se que o pensamento é a capacidade que o indivíduo tem em formar opiniões sobre diversos assuntos, ou seja, é a possibilidade que se tem para avaliar algo e tomar uma atitude, no contexto escolar, o aluno negro na sua maioria não tem oportunidade de expressar seus pensamentos e opiniões, sendo oprimido de tal forma que o leva a evadir-se da escola. Nesse sentido, Scriptori e Junior (2010) contribui em elucidar sobre a resiliência enquanto ferramenta educacional, com o qual a atitude do professor favorece a superação dos traumas sofridos pelo aluno, pois quando o professor demonstra ao aluno que acredita na capacidade dele, sempre o estimula a superar seus obstáculos e persistir no aproveitamento das oportunidades, oferecendo-o apoio, afeto e conhecimentos. Scriptori e Junior (2010) atribui a escola o papel de possibilitar ao aluno o desenvolvimento cognitivo, moral e ético. Porém, segundo os autores, a escola omitiu do aluno negro essa possibilidade, pois a mesma negou a eles seu legado histórico-cultural. É nesse momento que à prática do professor tem muito valor, já que pode contribuir para a superação de discursos e ideologias racistas, abrindo a mente dos alunos para aquilo que era posto como normal e natural na sociedade. De acordo com Gentili (2003), esta naturalização é fruto de um olhar normalizador, que passa a perceber as injustiças da realidade social como normal, a ponto de com o Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 208 O racismo no contexto escolar e a prática docente tempo naturalizar tais fenômenos, os quais constituem a ideologia da maior parte da população. O autor faz uma analogia para explicar os conceitos de “normalidade” e “anormalidade”, usando de exemplo a seguinte situação: [...] enquanto é “anormal” que um menino de classe média ande descalço, é absolutamente “normal” que centenas de meninos de rua andem sem sapatos perambulando pelas ruas de Copacabana pedindo esmolas [...] a possibilidade de reconhecer ou perceber acontecimentos é uma forma de definir os limites sempre arbitrários entre o “normal” e o “anormal”, o aceito e o negado, o permitido e o proibido. (GENTILI, 2003, p.29). Dessa forma, quando Chauí (2000) expõe a ideia de que o indivíduo através de seu pensamento é capaz de formular racionalmente ideias a respeito de valores, moral e ética, está de acordo com o que relata Scriptori e Junior (2010), que é importante que o professor tenha diálogo com os alunos vítimas de preconceito racial, para que eles exponham seus pensamentos, suas experiências de vida, pois muitas vezes guardam na memória situações de maus-tratos e violência, sejam elas físicas ou psíquicas. Dessa forma, Gomes e Bezerra (2013) contribuem sobre o reconhecimento e a valorização do negro na sociedade, afirmando que é através deste reconhecimento que será possível eliminar o racismo do contexto social. Porém, para que isso ocorra são necessárias mudanças nos discursos e/ou nas práticas sociais, e essas somente serão viáveis com o comprometimento dos professores e de toda comunidade escolar no âmbito micro das relações intersubjetivas, além da responsabilidade social das instituições políticas e econômicas, no âmbito macro da sociedade. Nessa mesma linha de pensamento Kusma (2010), vem destacar que a prática pedagógica do professor deve ser construída acerca da diversidade cultural presente no país, pois, esta abordagem, possibilita que o docente trabalhe com a pluralidade cultural brasileira na formação da identidade cultural do aluno, bem como a percepção e o respeito das diferenças existentes na sociedade, favorecendo a relação democrática étnico-racial entre os alunos. Dessa forma, cabe ao professor reconhecer na sua prática pedagógica o caminho para o combate ao racismo vigente, possibilitando no aluno a reflexão sobre a igualdade de gênero, o respeito, a moral a ética e a justiça social. Para Roos (2010), o espaço escolar está repleto de alunos de diversas etnias, sendo essencial que o professor desenvolva estratégias pedagógicas que favoreça a conscientização da valorização da ancestralidade, da resistência e importância dos negros para o desenvolvimento político, social e cultural do Brasil, visando desenvolver a identidade, a autoestima e o respeito dos alunos em relação às diferentes etnias presentes na sociedade. Para tanto, faz-se necessário a abordagem da história da África e afrodescendentes, visando favorecer a construção da Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 209 O racismo no contexto escolar e a prática docente formação da identidade do aluno negro e a conscientização do aluno não negro sobre a valorização do povo africano para o desenvolvimento do Brasil, seja no âmbito político, econômico, ou cultural, como ação efetiva no combate ao racismo. Dessa forma, Melo (2013) ressalta a falta de debates sobre assuntos étnico-raciais entre professores e gestores, na visão do autor, as metodologias dos professores, bem como, seus conteúdos e técnicas são meras reproduções do currículo, ignorando as temáticas transversais sobre diversidade étnica racial brasileira. Sendo assim: O professor adota preliminarmente uma posição na qual os alunos são encorajados a se tornarem reprodutores de conteúdos, métodos e técnicas que o docente determina usando os conteúdos curriculares como o piloto automático de sua missão pedagógica. (MELO, 2013, p. 2). Nesse contexto, Melo (2013) sugere que durante o processo de formação do futuro professor seja trabalhada a diversidade cultural e que o mesmo inclua no currículo a história da África, dos africanos e dos afrodescendentes, visando ampliar o conhecimento do futuro professor a respeito dessa temática. Segundo o autor, este assunto deve ser trabalhado minuciosamente, ou seja, cabe ao professor vincular a temática da cultura étnico-racial com suas respectivas disciplinas, para que assim o futuro professor possa internalizar o tema abordado e consequentemente alterar seu comportamento na escola, com o intuito de provocar algumas mudanças na sociedade. Porém, o que se percebe nas práticas docentes são abordagens de anexos de conteúdos programáticos a fim de dizer que estão cumprindo as determinações legais, as quais indicam a necessidade de incorporações de discussões sobre cultura afrodescendente nos currículos brasileiros. Sabe-se que, uma das metodologias utilizadas pelos professores para transmitir a história da cultura afrodescendente são os livros didáticos, especialmente os de história. Dessa forma, há de se reconhecer que a história do Brasil foi contada sob a perspectiva dos governantes vigentes de cada época, com a intenção de manter a massa de dominados sob seus domínios, na qual a população negra se encontrava. Com o passar do tempo e por meio das lutas do movimento negro, a cultura afrodescendente foi conquistando novos espaços nos livros didáticos, como por exemplo, nas décadas de 1950, o negro era sempre e unicamente representado nos livros realizando o trabalho escravo, por sua vez, nos dias atuais, a população negra é representada em diversas esferas da sociedade, na política, na arte, no convívio familiar, nas religiões, entre outras. Dessa forma, Silva, Souza e Oliveira (2014) relatam a respeito das possibilidades de abordagem nos livros didáticos, em que consideram que o professor deve estudar e observar com atenção os conteúdos sobre a história do negro contada nos livros, aprender Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 210 O racismo no contexto escolar e a prática docente a identificar e confrontar os estereótipos demonstrados por meio de textos e ilustrações, para que assim possam ter a possibilidade de transmitir a história verdadeiramente, buscando a valorização da identidade negra. A escola, como instituição social responsável pelo processo de socialização, tem um importante papel sobre a formação da consciência histórica educandos, e para desmistificar os estereótipos raciais, os livros didáticos são ferramentas políticas e cultural, disponibilizadas aos professores e aos alunos, que pode colaborar com processo de desmistificação da História do Negro no Brasil, desde que esse recurso não reproduza no uso pedagógico, os conceitos e ideologias de senso comum e da ideologia do branqueamento, onde o negro é visto como sujeitos exescravizados pelos europeus e incapazes de “produzir cultura”. (SILVA; SOUZA; OLIVEIRA, 2014, p.4). Com a promulgação da Lei 10.639/03, foi promovido um passo importante no que tange o contexto educacional, no entanto, o investimento em materiais didáticos, na formação de professores e na conscientização dos alunos ainda são insuficientes. Sabe-se que desde 1997, com a aprovação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), houve o incentivo a inclusão de temas relativos a culturalidade de diversos povos nos currículos escolares brasileiros, estabelecendo a “Pluralidade cultural” como um dos temas transversais a serem trabalhados na escola. Nesse sentido, os estudos sobre os conteúdos dos livros didáticos são importantes, pois é através desses materiais que, também, são transmitidas mensagens estereotipadas do negro perante a sociedade, considerando que em algumas escolas públicas brasileiras os livros didáticos são a única fonte de leitura. Dessa forma, pode-se perceber que o livro transmite, por meio de imagens, homens negros sendo subalternos aos brancos ou até mesmo quando são ocultadas suas histórias, cultura, religião, entre outros, são elementos que corroboram para a perpetuação da ideologia racista. O estudo da história do afrodescendente no Brasil deve levar em consideração, também, o processo de escravidão, visto que esse processo histórico existiu e marcou definitivamente a história do povo negro. Contudo, é preciso trabalhar a história da escravidão de maneira reflexiva, despertando nos alunos a consciência do papel do negro do Brasil e a dívida historicamente irreparável que temos em relação a cultura afrodescendente. Nesse contexto, a existência do racismo implícito no material didático, dificulta ainda mais o trabalho do professor no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que quando se depara com imagens racistas, o professor tem que identificar, pesquisar e confrontar para combater o racismo contido no livro. Este processo de identificação é fundamental, pois para o aluno o conteúdo do livro é apreendido como verdade absoluta, então cabe ao professor atualizar-se para combater o racismo de maneira a não deixar dúvidas a respeito do tema, confrontando com os discursos subjacentes em sala de aula. Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 211 O racismo no contexto escolar e a prática docente Diante da Lei 10.639/03, Vieira, Costa, Rei e Araújo (2012) discutem sobre as elaborações dos recursos metodológicos e materiais didáticos que venham abordar a história e a cultura afro-brasileira. Um dos métodos a serem utilizados em sala de aula é a interatividade e a dinamicidade, sendo considerado itens fundamentais no processo de internalização do conhecimento. Entretanto, com o avanço tecnológico a possibilidade que o conhecimento chegue ao estudante de forma rápida aumentou, portanto, é necessário que o processo de ensino aprendizagem ocorra por meio do diálogo, para que não ocorra conflito de ideias entre os alunos, já que os conhecimentos em questão podem ter origem de diversas fontes, do senso comum ao conhecimento filosófico e científico. Nesse contexto, os autores acima afirmam sobre a importância da tecnologia como método de ensino como o uso de data show, TV, rádio, computador, entre outros, contudo estas metodologias devem possibilitar a interação entre professor e aluno, visando a construção do conhecimento coletivo e individual, utilizando a de maneira crítica e consciente. Diante disso, Vieira,Costa, Rei e Araújo (2012) afirmam a importância de o professor pensar sobre seu ofício e realizar a autocrítica de sua prática, para tanto, cabe ao mesmo refletir sobre a sua postura enquanto professor e o que espera com o seu trabalho em sala de aula. É nesse sentido, que os autores apontam para a importância da abordagem dos temas socioculturais no ambiente escolar, visando a construção da identidade do aluno negro e do reconhecimento do povo africano. Segundo Gonçalves e Júnior (2014), a formação continuada do professor é outro aspecto desse processo, visto que é necessário que o professor busque o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos, desenvolvendo uma formação multicultural. A escola pode, por meio da elaboração de projetos, conseguir subsídios governamentais para firmar à prática integradora do professor no contexto escolar, os minicursos são exemplos de subsídios para a formação continuada do docente em relação a efetividade da Lei 10.639/03, possibilitando o melhor desempenho de suas atividades em relação a abordagem da temática. Para Vieira, Costa, Rei e Araújo (2012), mesmo tentando, a elite brasileira de cada época, não conseguiu apagar a história e a cultura dos negros trazidos da África, mesmo que em condições subalternas, conseguiram manter sua cultura e transmitir a seus filhos, enraizando e se tornando a cultura afro-brasileira. Nesse sentido, a abordagem sobre a história da África, conforme os autores acima, favorece o desenvolvimento da autoestima da criança negra, bem como, o combate ao preconceito racial no ambiente escolar e, possivelmente, na sociedade. Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 212 O racismo no contexto escolar e a prática docente Contudo, o multiculturalismo deve ser olhado de maneira mais crítica e reflexiva, é um tema que deve ser pensado em equipe e trabalhado com projetos interdisciplinares (embora pode ser ministrado em disciplina específica) para favorecer a compreensão dos alunos. Dessa forma, embora tenha dificuldades, cabe ao professor refletir sobre suas metodologias e os conteúdos que está abordando em sala de aula, reavaliando seus planos de aula, propondo atividades diversificadas que venha contribuir para o conhecimento significativo e respeitoso do aluno em relação a sua etnia e a do outro. Nesse sentido, percebe-se que a prática do professor é questionada, a começar pela falta de conhecimento sobre a Lei 10.639/03, apresentando-se como um dos impasses para a efetivação da mesma nas escolas, pois se o professor não a conhece, ignora o aspecto de sua obrigatoriedade. Gomes e Bezerra (2013) consideram que é necessário que os professores conheçam a obrigatoriedade da Lei para que estes venham agir no contexto escolar de maneira racional em prol da afirmação da diversidade cultural. Nesse contexto, para que a Lei 10.639/03 tenha real significado é necessário que o professor tenha conhecimento sobre o conteúdo determinado pela mesma e efetivá-la na sua prática pedagógica. Na sua maioria, os professores optam por isentar de suas obrigações, relatando falta de tempo ou que os conteúdos da cultura afro-brasileira não se relacionam com os outros componentes curriculares. Sendo assim, é importante que o professor conheça a obrigatoriedade legal e social que existe, pois é a partir dela que o professor pode planejar e desenvolver métodos e estratégias para a abordagem da matriz africana no contexto escolar, deixando de agir de forma intuitiva. De acordo com Kusma (2010) a abordagem da diversidade cultural presente no país deve fazer parte da prática pedagógica do professor, mostrando ao aluno a importância da pluralidade cultural e a possibilidade do combate ao racismo. Nesse contexto, considera-se que os alunos agem com naturalidade ao preconceito, devido à falta de contextualização do tema e a ausência da abordagem histórica e cultural, dificultando o desenvolvimento dos alunos quanto a valorização da diversidade cultural. Compreende-se que a presença do preconceito racial nas escolas, faz parte da reprodução social da injustiça e do preconceito cultural, em alguns casos o racismo é fruto da convivência familiar e da comunidade em que o aluno está inserido, portanto cabe, também, a equipe pedagógica em parceria com os movimentos sociais desenvolver meios e estratégias para que o preconceito racial seja superado na comunidade escolar. Para Boni (2008), são também nos momentos de conflitos e de divergências de ideias que o professor pode encontrar a oportunidade de promover o conhecimento, a interação e o respeito a diferença. Quando observado a presença do preconceito racial no Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 213 O racismo no contexto escolar e a prática docente contexto escolar, é essencial que se busque desenvolver projetos, palestras e dinâmicas referentes ao tema. Sendo assim, Kusma (2010) reconhece na prática pedagógica do professor o caminho para o combate do racismo, já que, por meio de sua ação, é possível a reflexão favorecendo a relação democrática étnico-racial entre os alunos. Segundo o autor, um dos fatores que dificulta a abordagem da história e cultura africana é o preconceito entre os próprios professores, pois a escola está repleta de práticas racistas e discriminatórias. Percebe-se, claramente, por meio deste estudo que a presença do preconceito racial é visível no contexto escolar e esta realidade precisa ser combatida. A concretização da Lei 10.639/03 é um dos caminhos para esta superação, possibilitando a conscientização dos alunos a respeito da pluralidade cultural existente no Brasil. Desse modo, o aluno aprende a valorizá-la e quando compreende os efeitos de suas ações na sociedade, passa a respeitar a diversidade cultural presente na escola. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendemos que a educação não é a redentora da sociedade, mas é uma possibilidade de ação social transformadora, portanto cabe a todos os sujeitos participantes da sociedade lutar pela justiça social e pelos direitos igualitários. Para tanto, faz se necessárias políticas voltadas ao investimento em capacitação de profissionais qualificados em História da África e afro-brasileira, para atuar de maneira a contribuir para o desenvolvimento da construção da identidade do aluno, respeitando e valorizando a pluralidade cultural brasileira. Nesse sentido, consideramos importante que a mudança perpasse entre os professores e gestores, uma vez que, para que o professor venha ensinar sobre a Cultura africana e afrodescendentes é necessário que o mesmo não estabeleça práticas de discriminação, bem como é preciso se despir de discursos preconceituosas. Para tanto, é necessário que estes busquem ter o conhecimento sobre a História e Cultura afrodescendente para que sua prática tenha significado para o aluno, fazendo com que age de maneira consciente em relação a diversidade cultural brasileira. Compreendemos, por meio desse estudo, que possíveis caminhos poderiam ser tomados, além da mudança da prática docente, seja por meio de formação continuada de professores, seja por meio da reformulação das políticas curriculares, seja através de um trabalho voltado a conscientização da sociedade em geral, por instituições externas a Debates em Educação | Vol. 9 | Nº. 18 | Ano 2017 214 O racismo no contexto escolar e a prática docente escola, seja por meio de políticas educacionais que visem a equiparação das injustiças historicamente realizadas. Consideramos que, apesar dos limites, os docentes podem lançar mão de práticas pedagógicas voltadas à superação do racismo, como a análise crítica de materiais didáticos, de discursos e a reflexão interdisciplinar sobre a diversidade cultural. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n° 10.639, de 09 de janeiro de 2003. 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