O Brasil está diante da oportunidade de promover uma transformação virtuosa na relação entre empresas e a dimensão social, compatível com referências internacionais de sustentabilidade e ESG (melhores práticas ambientais, sociais e de governança, na definição em português) relacionados a direitos humanos.
Com um marco normativo moderno, vinculante, sistêmico e universal, o país pode estabelecer um novo paradigma de conduta empresarial responsável —que estimule o cuidado ativo com as pessoas e a cultura da prevenção— e se tornar referência na promoção e proteção aos direitos humanos no mundo.
O Ministério Público Federal (MPF) retomou as discussões sobre a criação do Marco Normativo Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, proposto pelo projeto de lei 572/2022, em audiência pública em 28 de agosto, para receber contribuições de diversos segmentos da sociedade. Concomitantemente, o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, por meio do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) sobre Direitos Humanos e Empresas, está ativamente envolvido no desenvolvimento de uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas.
Às vésperas de eventos estratégicos no Brasil, como o G20 e a COP30, nos quais o Brasil promove a ambição de cadeias resilientes e sustentáveis, o momento é necessário e oportuno para acelerar a construção da legislação brasileira. A isso se soma a ebulição no cenário internacional e a implantação do sistema normativo da União Europeia, que aprovou a Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD, na sigla em inglês), em vigor desde o dia 25 de julho.
Seus países-membros têm prazo de dois anos para implementar a nova diretiva em legislações nacionais, impondo o processo corporativo permanente de devida diligência em direitos humanos, em suas próprias operações, subsidiárias e cadeia de valor, afetando empresas em todo o mundo.
A abordagem trazida pela diretiva consolida as melhores práticas internacionais e deveria ser integrada ao marco normativo brasileiro sobre direitos humanos e empresas. Se por um lado o marco busca a reparação às vítimas pelas violações aos direitos humanos de grandes desastres no Brasil, de outro é preciso estabelecer mecanismos concretos, sistêmicos e universais de conduta corporativa preventiva para que elas não se repitam.
Ainda há um longo caminho a percorrer na diligência corporativa em direitos humanos. O Termômetro de Direitos Humanos da Proactiva Results —uma ferramenta de avaliação de risco e maturidade em direitos humanos— revelou que, em um universo de quase 500 empresas brasileiras, apenas 20% delas dispõem de políticas específicas para validar seu compromisso de respeitar direitos humanos, e menos de 50% possuem mecanismos de gestão de riscos a direitos humanos.
As boas práticas dos princípios Orientadores da ONU e as diretrizes da OCDE precisam instruir o marco normativo nacional, lembrando que não haverá progresso na agenda de direitos humanos e empresas sem o forte envolvimento e engajamento destas. Ademais, o Brasil deveria aspirar à vanguarda, incluindo o setor financeiro nessa equação, já que os grandes empreendimentos não se viabilizam sem o componente financeiro.
Em um país continental, onde convergem alguns dos maiores desafios globais de sustentabilidade e transição justa, o processo de construção e implementação do marco normativo brasileiro será desafiador e ainda carece de foco proporcional por partes essenciais nesse processo.
Trata-se, porém, de caminho incontornável, tanto pela obviedade da necessidade de garantir a dignidade e os direitos básicos do ser humano como para assegurar que as empresas implementem a responsabilidade socioambiental de seus negócios e cadeias, pensando, inclusive, na própria sustentabilidade e competitividade do setor empresarial nacional e internacionalmente.
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