O Essencial do Direito - Box Especial - Contém Três Obras
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O Essencial do Direito - Box Especial - Contém Três Obras - Lon L. Fuller
SUMÁRIO
O caso dos exploradores de cavernas
NA SUPREMA CORTE DE NEWGARTH, 4300
POSTSCRIPTUM
PENSAMENTOS JURÍDICOS
A luta pelo direito
INTRODUÇÃO AO LIVRO TRADUZIDO
NOTA DO TRADUTOR DO ALEMÃO
PREFÁCIO DO AUTOR À QUINTA EDIÇÃO
CAPÍTULO I - A origem da Lei
CAPÍTULO II - A vida da Lei, uma batalha
CAPÍTULO III - A luta pelos seus direitos, um dever da pessoa cujos direitos foram violados para com ela mesma
CAPÍTULO IV - A afirmção dos direitos do indivíduo, um dever à sociedade
CAPÍTULO V - A importância da luta pela lei para a vida nacional
CAPÍTULO VI - A Lei Romana de hoje e a luta pela lei
Dos delitos e das penas
INTRODUÇÃO
DA ORIGEM DAS PENAS
DO DIREITO DE PUNIR
CONSEQUÊNCIAS (DOS PRINCÍPIOS DA PRECEDÊNCIA)
DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS
DA OBSCURIDADE DAS LEIS
DA PROPORÇÃO ENTRE OS CRIMES E AS PENAS
DO GRAU DA PENA
DA DIVISÃO DOS CRIMES
DA HONRA
DOS DUELOS
DOS CRIMES QUE PERTURBAM A TRANQUILIDADE PÚBLICA
OBJETIVO DAS PENAS
DA CREDIBILIDADE DAS TESTEMUNHAS
DAS EVIDÊNCIAS E PROVAS DO CRIME E DAS FORMAS DE JULGAMENTO
DAS ACUSAÇÕES SECRETAS
DA TORTURA
DAS PENAS PECUNIÁRIAS
DOS JURAMENTOS
DAS VANTAGENS DA PENALIZAÇÃO IMEDIATA
DOS ATOS DE VIOLÊNCIA
DAS PENAS AOS NOBRES
DOS ROUBOS
DA INFÂMIA COMO PUNIÇÃO
DO ÓCIO
DO BANIMENTO E DO CONFISCO
DO ESPÍRITO DE FAMÍLIA
DA BRANDURA DAS PENAS
DA PENA CAPITAL
DA PRISÃO
DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO
DOS CRIMES DIFÍCEIS DE PROVAR
DO SUICÍDIO
DO CONTRABANDO
DO ASILO
DA RECOMPENSA PELA CAPTURA AOS FORAGIDOS
DOS ATENTADOS, CÚMPLICES E PERDÃO
DE UM TIPO ESPECIAL DE CRIME
DAS FALSAS IDEIAS DE UTILIDADE
DAS CIÊNCIAS
DOS MAGISTRADOS
DAS RECOMPENSAS
DA EDUCAÇÃO
DO PERDÃO
CONCLUSÃO
NA SUPREMA CORTE DE NEWGARTH, 4300
Os réus, indiciados pelo crime de homicídio, foram condenados e sentenciados à forca pela Corte de Instâncias Gerais do Condado de Stowfield. Eles recorreram perante esta Corte. Os fatos aparecem na opinião do presidente do Tribunal.
TRUEPENNY, C. J. – Os quatro réus são membros da Sociedade Espeleológica, uma organização de amadores interessados na exploração de cavernas. Em meados de maio de 4299, em companhia de Roger Whetmore, também membro da sociedade naquela época, os réus penetraram no interior de uma caverna de rocha calcária do tipo encontrado no Planalto Central desta comunidade. Quando já estavam distantes da entrada da caverna, ocorreu um desmoronamento de terra. Pedregulhos pesados caíram de tal maneira que a única saída conhecida da caverna ficou completamente bloqueada. Quando os homens notaram que se encontravam em apuros, eles se alojaram próximo à entrada bloqueada para aguardar que um grupo de resgate removesse os detritos que os impediam de deixar sua prisão subterrânea. Quando Whetmore e os réus não chegaram em suas respectivas casas naquele dia, o secretário da Sociedade foi notificado por suas famílias. Parece que os exploradores deixaram na sede da sociedade indicações da localização da caverna que pretendiam visitar. Um grupo de resgate foi prontamente enviado para o local.
O resgate provou-se extremamente difícil. Foi necessário reforçar a equipe de resgate original mediante repetidos acréscimos de homens e máquinas, que foram transportados a grande custo para a região remota e isolada onde se localizava a caverna. Um enorme acampamento temporário de trabalhadores, engenheiros, geólogos e outros especialistas foi montado. O trabalho de desobstrução foi frustrado várias vezes por novos desmoronamentos. Em um destes, dez dos homens que trabalhavam para liberar a entrada da caverna foram mortos. Os fundos monetários da Sociedade Espeleológica logo se exauriram e a soma de oitocentos mil frelares, arrecadada em parte por mensalidades e em outra por subsídios legislativos, foi gasta antes mesmo da libertação dos homens, que ocorreu somente no 32º dia após a sua entrada.
Desde que se soube que os exploradores levaram consigo poucos mantimentos e também que dentro da caverna não havia animais ou vegetais através dos quais eles pudessem subsistir, houve uma ansiedade geral para saber se eles morreriam de inanição antes de serem resgatados. No 20º dia de prisão, descobriu-se que eles haviam levado consigo para a caverna um rádio sem fio, portátil, capaz de enviar e receber mensagens. Um aparelho similar foi instalado no acampamento, estabelecendo-se, assim, uma comunicação oral com os homens presos na montanha. Eles perguntaram quanto tempo demoraria para serem soltos. Os engenheiros responsáveis pela operação responderam que pelo menos dez dias seriam necessários, considerando que nenhum novo desmoronamento ocorresse. Os exploradores então perguntaram se havia médicos presentes no local e foram colocados em comunicação com uma equipe de médicos especialistas. Os homens presos descreveram sua condição e os mantimentos de que dispunham e pediram uma opinião médica a respeito da probabilidade de sobrevivência deles sem alimentos por mais dez dias. O presidente do comitê de médicos respondeu a eles que a possibilidade de sobrevivência era remota. O comunicador permaneceu em silêncio dentro da caverna pelas próximas oito horas. Quando a comunicação foi reestabelecida, os homens pediram para falar novamente com os médicos. O presidente do comitê de médicos foi colocado diante do comunicador enquanto Whetmore falava em nome dele próprio e dos demais e perguntava se eles seriam capazes de sobreviver por mais dez dias se consumissem a carne de um dentre eles. O presidente do comitê respondeu, a contragosto, em sentido afirmativo. Whetmore então perguntou se seria recomendável que eles tirassem na sorte para ver quem deveria ser comido. Nenhum dos médicos presentes quis responder a esta questão. Whetmore então perguntou se havia entre os membros da equipe algum juiz ou outro membro oficial do governo que pudesse responder a esta pergunta. Nenhum dos integrantes da missão de salvamento quis assumir a responsabilidade de responder a esta questão. Ele então perguntou se havia algum padre ou outro guia espiritual que pudesse responder a esta pergunta mas nenhum foi encontrado. Desde então não foram recebidas mais mensagens de dentro da caverna e assumiu-se (erroneamente, como depois se evidenciou) que a bateria do comunicador dos exploradores havia descarregado. Quando os homens foram finalmente libertados, soube-se que, no 23º dia após a sua entrada na caverna, Whetmore tinha sido morto e comido pelos companheiros.
De acordo com o testemunho dos réus, que foi aceito pelo júri, parece que Whetmore foi o primeiro a propor que eles buscassem alimento, sem o que a sobrevivência seria impossível, na carne de um deles próprios. Foi também Whetmore quem propôs o uso de algum método para tirarem na sorte e chamou a atenção de seus companheiros para um par de dados que por acaso ele tinha trazido consigo. A princípio, os réus hesitaram em adotar um procedimento tão desesperador, mas após o diálogo ocorrido através do comunicador, conforme relatado acima, eles finalmente concordaram em seguir com o plano proposto por Whetmore. Depois de muita discussão a respeito dos problemas matemáticos envolvidos, eles finalmente concordaram com a utilização de um método para determinar a questão utilizando-se dos dados.
No entanto, antes de lançarem os dados, Whetmore declarou que estava se retirando do arranjado, pois refletiu e resolveu aguardar mais uma semana antes de adotar um procedimento tão terrível e odioso. Os outros o acusaram de violação do acordo e procederam ao lançamento dos dados. Quando chegou a vez de Whetmore, os dados foram lançados para ele por um dos réus, e perguntaram-lhe se ele tinha alguma objeção quanto à justiça da jogada. Ele declarou que não tinha objeções a fazer. O resultado do lançamento dos dados foi adverso a sua sorte, e o mesmo foi então morto e comido por seus companheiros.
Após o resgate dos réus, e depois de terem permanecido algum tempo no hospital para tratamento de desnutrição e estado de choque, eles foram denunciados pelo homicídio de Roger Whetmore. No julgamento, após a conclusão dos testemunhos, o presidente do júri (advogado por profissão) inquiriu se o mesmo poderia emitir um veredito especial, deixando para o juiz do Tribunal tomar a decisão final acerca da culpa dos réus baseada nos fatos provados. Depois de alguma discussão, tanto o Ministério Público como os advogados dos réus manifestaram sua aceitação deste procedimento, que foi então adotado pelo Tribunal. Num longo veredito especial, o júri acolheu a prova dos fatos conforme acima relatado e achou que, se baseado nestes fatos os réus fossem considerados culpados do crime pelo qual foram indiciados, então deveriam ser condenados. Com base neste veredito, o juiz de primeira instância decidiu que os réus eram culpados pelo homicídio de Roger Whetmore. Em consequência, sentenciou-os à forca, já que a lei da comunidade não lhe dava poder discricionário com respeito à pena a ser imposta. Após a liberação do júri, seus membros enviaram uma petição conjunta ao chefe do Executivo pedindo que a sentença fosse alterada para reclusão de seis meses. O juiz de primeira instância dirigiu uma comunicação semelhante ao chefe do Executivo. Até agora, porém, nenhuma ação foi tomada com relação a estes apelos. O chefe do Executivo está aparentemente aguardando a nossa disposição no presente recurso.
Parece-me que, ao lidar com este caso extraordinário, o júri e o juiz de primeira instância seguiram um curso que não era somente justo e sábio, mas sim o único curso que lhes restava aberto em face dos dispositivos legais. O texto da nossa lei é bem conhecido: Quem intencionalmente tirar a vida de outrem será punido com a morte.
N.C.S.A. (N.S.) § 12-A. Esta lei não permite exceção aplicável a este caso, porém nossas simpatias podem inclinar-nos a levar em consideração a trágica situação em que estes homens se encontravam.
Em um caso como este, o princípio da clemência executiva parece admiravelmente adequado para mitigar os rigores da lei, razão pela qual proponho aos meus colegas que sigamos o exemplo do júri e do juiz de primeira instância solidarizando-nos com os pedidos que têm dirigido ao chefe do Executivo. Há toda razão para acreditar que estes pedidos de clemência serão atendidos, vindo como vêm daqueles que estudaram o caso e tiveram a oportunidade de familiarizar-se totalmente com suas circunstâncias. É altamente improvável que o chefe do Executivo negue estes pedidos, a menos que ele próprio realize novas audiências tão extensas como as efetuadas em primeira instância, que duraram três meses. A realização de tais audiências (o que praticamente equivale a um novo julgamento do caso) dificilmente seria compatível com a função do Executivo como geralmente é concebido. Acho que podemos portanto supor que alguma forma de clemência será estendida a estes réus. Se isso acontecer, então a justiça será feita sem prejudicar nem a letra nem o espírito dos nossos estatutos e sem oferecer qualquer estímulo para o desrespeito da lei.
FOSTER, J. – Estou chocado que o presidente do Tribunal, em um esforço para escapar dos constrangimentos deste trágico caso, tenha adotado e proposto aos seus colegas uma solução tão sórdida e tão óbvia. Acredito que algo mais está sendo julgado neste caso além do destino destes infelizes exploradores, que é a lei da nossa comunidade. Se este Tribunal declara que, sob nossa lei, estes homens cometeram um crime, então a nossa lei é em si mesma condenada no tribunal do senso comum, não importa o que aconteça com as pessoas envolvidas nesta apelação. Para nós afirmarmos que a lei que sustentamos e explicamos nos compele a uma conclusão da qual nos envergonhamos e da qual só podemos escapar apelando a uma dispensa que depende de um capricho pessoal do Executivo, parece-me que equivaleria a admitir que a lei desta comunidade não pretende realizar a justiça.
Não acredito que a nossa lei nos obriga a chegar à conclusão monstruosa de que estes homens são assassinos. Creio, pelo contrário, que ela os declara inocentes da prática de qualquer crime. Eu chego a esta conclusão por dois motivos independentes, cada um dos quais é por si só suficiente para justificar a absolvição dos réus.
A primeira destas razões repousa sobre uma premissa que pode suscitar oposição até que seja examinada de modo imparcial. Sou da opinião de que a lei promulgada ou positivada desta comunidade, incluindo todos os seus estatutos e precedentes, é inaplicável a este caso, e que o caso é regido em vez disso pelo que antigos escritores da Europa e da América chamavam de leis da natureza
.
Esta conclusão baseia-se na proposição de que o nosso direito positivo pressupõe a possibilidade de coexistência dos homens em sociedade. Quando surge uma situação que torna a coexistência dos homens impossível, então a condição que baseia todos os nossos precedentes e estatutos deixa de existir. Quando esta condição desaparece, é minha opinião que a coercibilidade do nosso direito positivo desaparece com ela. Não estamos acostumados a aplicar a máxima cessante ratione legis, cessat et ipsa lex ao conjunto de nosso ordenamento jurídico, mas acredito que este é um caso em que a máxima deve ser aplicada.
A proposição de que toda lei positiva é baseada na possibilidade de coexistência dos homens soa estranha, não porque a verdade contida nela seja estranha, mas simplesmente porque é uma verdade tão óbvia e penetrante que raramente temos a oportunidade de expressá-la em palavras. Como o ar que respiramos, ela está tão impregnada no nosso meio ambiente que esquecemos que ela existe até que somos de repente privados dela. Quaisquer objetivos que possam ser buscados pelos vários ramos do nosso direito, é evidente, quando refletimos, que todos eles são voltados para facilitar e melhorar a coexistência dos homens e regular com justiça e equidade as relações de sua vida em comum. Quando a suposição de que os homens podem viver juntos deixa de ser verdadeira, como obviamente ocorreu nesta situação extraordinária onde a vida só se tornou possível tirando a vida de outrem, as premissas básicas que baseiam a nossa ordem legal perdem seu significado e coercibilidade.
Se os trágicos acontecimentos deste caso tivessem ocorrido uma milha além dos limites territoriais de nossa comunidade, ninguém pretenderia que a nossa lei lhes fosse aplicável. Reconhecemos que a jurisdição tem uma base territorial. As bases deste princípio não são óbvias e raramente são examinadas. Entendo que este princípio baseia-se na suposição de que só é possível impor uma ordem jurídica única a um grupo de homens se eles viverem juntos dentro dos limites de uma determinada área da superfície da Terra. A premissa segundo a qual os homens devem coexistir em um grupo constitui, portanto, a base do princípio territorial bem como de todo o direito. Afirmo que um caso pode ser removido da abrangência coercitiva de uma ordem jurídica tanto por razões de ordem moral como pelas de ordem geográfica. Se olharmos os propósitos do direito e do governo e as premissas que baseiam nosso direito positivo, concluímos que estes homens, por ocasião de sua decisão fatal, estavam tão distantes de nossa ordem jurídica que poderiam estar a mil milhas de nossas fronteiras. Mesmo em um sentido físico, sua prisão subterrânea estava separada de nossos tribunais e oficiais de justiça por uma sólida cortina de pedras que só pôde ser removida após dispêndios extraordinários de tempo e esforço.
Concluo, portanto, que no momento em que Roger Whetmore foi morto por estes réus, eles estavam não em um estado de sociedade civil
mas sim num estado de natureza
, como se diria na linguagem pitoresca dos escritores do século XIX. A consequência disto é que a lei que lhes é aplicável não é a lei promulgada e estabelecida nesta comunidade, mas a lei derivada dos princípios que eram adequados à sua condição. Não hesito em dizer que segundo estes princípios eles eram inocentes de qualquer crime.
O que estes homens fizeram foi feito em cumprimento de um acordo aceito por todos eles e primeiramente proposto pela própria vítima. Como é evidente que sua situação extraordinária tornou os princípios usuais que regulam as relações dos homens uns com os outros inaplicáveis, tornou-se necessário para eles elaborar, por assim dizer, uma nova constituição adequada à situação em que se encontravam.
Desde a antiguidade se reconhece que o princípio fundamental do direito ou governo pode ser encontrado na noção de contrato ou acordo. Pensadores antigos, especialmente durante o período de 1600 a 1900, costumavam basear o próprio governo num suposto contrato social original. Os céticos diziam que esta teoria contradizia os fatos conhecidos da história e que não havia nenhuma evidência científica para corroborar a noção de que qualquer governo tivesse sido fundado em conformidade com esta teoria. Moralistas respondiam que se o contrato fosse uma ficção do ponto de vista histórico, a noção de contrato ou acordo fornecia a única justificativa ética na qual os poderes do governo, que incluem o de tirar a vida, podem se basear. Os poderes do governo só podem se justificar moralmente pelo fundamento de que estes são poderes que homens razoáveis concordariam e aceitariam caso fossem confrontados com a necessidade de construir uma nova ordem que tornasse sua convivência possível.
Felizmente, as perplexidades que atingiam os antigos não afligem a nossa comunidade. É fato histórico comprovado que o nosso governo foi fundado mediante um contrato ou livre acordo entre os homens. A prova arqueológica é conclusiva no sentido de que, no período subsequente à Grande Espiral, os sobreviventes daquele holocausto se reuniram voluntariamente e elaboraram uma carta de governo. Escritores sofistas têm questionado o poder destes contratantes remotos de obrigar as futuras gerações, mas a verdade é que o nosso governo remonta em uma linha ininterrupta àquela constituição original.
Se, portanto, nossos carrascos têm o poder de acabar com a vida dos homens, se nossos xerifes têm o poder de despejar os inquilinos inadimplentes, se a nossa polícia tem o poder de encarcerar o folião embriagado, estes poderes encontram sua justificativa moral naquele contrato original celebrado por nossos antepassados. Se nós não podemos encontrar fonte mais elevada para o nosso ordenamento jurídico, que outra mais alta poderíamos esperar que estes infelizes famintos encontrassem para o ordenamento que adotaram para eles próprios?
Acredito que a linha de argumentação que acabei de expor não permite contestação racional. Sei que provavelmente será recebida com um certo desconforto por muitos que venham a lê-la, os quais estarão inclinados a suspeitar que há algum sofisma oculto permeando a demonstração que leva a conclusões tão desconhecidas. A fonte desta intranquilidade é, no entanto, fácil de identificar. As condições usuais da existência humana nos levam a pensar na vida humana como um valor absoluto que não deve ser sacrificado em nenhuma circunstância. Há muitos aspectos ilusórios nesta concepção mesmo quando ela é aplicada a relações normais da sociedade. Temos um exemplo desta verdade no caso que está diante de nós. Dez trabalhadores foram mortos no processo de remoção das rochas da abertura da caverna. Os engenheiros e oficiais do governo que dirigiram as forças do resgate não sabiam que as operações realizadas eram perigosas e envolviam um sério risco de vida dos operários que estavam a executá-las? Se é justo que estas dez vidas fossem sacrificadas para salvar a vida de cinco exploradores presos, por que então nos é dito que é errado estes exploradores realizarem um acordo para salvar quatro vidas em detrimento de uma?
Cada rodovia, túnel ou edifício que projetamos envolve um risco para a vida humana. Juntando todos estes projetos, podemos calcular com certa precisão quantas mortes a sua construção irá demandar; estatísticos podem dizer o custo médio em vidas humanas de mil milhas de uma rodovia de concreto de quatro pistas. Ainda assim, nós deliberada e conscientemente incorremos neste risco e pagamos o preço na suposição de que os valores obtidos para aqueles que sobrevivem compensam a perda. Se estas coisas podem ser ditas de uma sociedade que funciona normalmente acima do solo, o que diremos do suposto valor absoluto da vida humana na situação desesperadora em que estes réus e seu companheiro Whetmore se encontravam?
Isto conclui a exposição do primeiro fundamento de minha decisão. O segundo fundamento segue rejeitando hipoteticamente todas as premissas que formulei até o momento. Admito, para fins de argumentação, que eu esteja errado em dizer que a situação destes homens os removeu da incidência do nosso direito positivo, e suponho que os nossos Estatutos Consolidados têm o poder de penetrar quinhentos pés de rochas e impor-se sobre estes homens famintos amontoados em sua prisão subterrânea.
Agora é, com certeza, perfeitamente claro que estes homens cometeram um ato que viola o texto