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Entre dados e robôs: Ética e privacidade na era da hiperconectividade
Entre dados e robôs: Ética e privacidade na era da hiperconectividade
Entre dados e robôs: Ética e privacidade na era da hiperconectividade
E-book451 páginas5 horas

Entre dados e robôs: Ética e privacidade na era da hiperconectividade

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Sobre este e-book

Na atual Era da Informação, os comportamentos humanos são cada vez mais mediados por ações tecnológicas. Algoritmos, sensores, conectividade, tratamento de Big Data, Inteligência Artificial e computação em nuvem são alguns dos elementos que vêm alterando rapidamente os processos culturais, mercadológicos e políticos. Esse cenário de crescente interação entre humanos e artefatos técnicos, cada vez mais inteligentes, impõe desafios contemporâneos significativos ao Direito e à Ética. A forma como a legislação deve regular o mundo de dados em que vivemos consiste em uma questão fundamental para construirmos um futuro ao mesmo tempo tecnológico e seguro, a partir de uma base sólida de governança das informações. Além da importância da proteção de dados, temos à frente o desafio de construir bases legais capazes de atender aos impactos da Inteligência Artificial nas próximas décadas, devendo estas serem acompanhadas de perto por novas lentes éticas, propiciando uma regulação justa e eficaz. Nesta obra discutiremos os principais desafios éticos e jurídicos impostos pelo contexto de hiperconectividade a partir do avanço da Internet das Coisas e da Inteligência Artificial.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jun. de 2019
ISBN9788554500306
Entre dados e robôs: Ética e privacidade na era da hiperconectividade

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    Pré-visualização do livro

    Entre dados e robôs - Eduardo Magrani

    EDUARDO MAGRANI

    Entre dados e robôs

    ética e privacidade na era da hiperconectividade

    © Eduardo Magrani,

    2019

    CC-BY-SA_icon

    Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual (CC BY-SA 4.0)

    Capa

    Brand&Book — Paola Manica e equipe

    Revisão

    Fernanda Lisbôa

    Tito Montenegro

    Todos os direitos desta edição reservados a

    ARQUIPÉLAGO EDITORIAL LTDA.

    Rua Hoffmann,

    239/201

    cep

    90220-170

    Porto Alegre — rs

    Telefone

    51 3012-6975

    www.arquipelago.com.br

    O sábio homem, racional, usuário e engenheiro das coisas, engenhou tanto que a coisa coisificou lógico-racionalmente o homem. O homem-coisa se engendrou em uma labiríntica teia sociotécnica ontoepistemológica nouveau. Fica agora o filosofar daquele que já não é. Como diria o poeta Mario Quintana: o mais difícil mesmo é a arte de desler. Sob os feixes tímido-vintage do antropoceno iluminista que ainda nos banha, dedico esta materialidade dialógica à misteriosa força que nos move e à enigmática teia que nos une.

    Sumário

    Agradecimentos

    Prefácio

    Apresentação

    Introdução

    1. A Internet das Coisas: hiperconectividade, interação e Inteligência Artificial

    2. A tensão entre segurança, privacidade e inovação no cenário de hiperconectividade

    2.1. A regulação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a IoT

    2.2. A regulamentação do Marco Civil da Internet (MCI) e a IoT

    2.3. Caminhos para uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil

    2.4. Contrastes entre a regulação brasileira e a regulação europeia acerca da privacidade

    2.4.1 Especificidades da Regulação Europeia

    3. A ética das coisas: da ética do discurso e racionalidade comunicativa ao novo materialismo de sistemas sociotécnicos

    3.1. O embate entre utilitarismo e deontologia

    3.2. A esfera pública colonizada por algoritmos: artefatos tecnológicos (agentes não humanos) na esfera pública conectada

    3.3. Possíveis soluções para uma miopia ontológica e epistemológica na era da hiperconectividade

    3.3.1 A teoria ator-rede e o novo materialismo das caoisas

    3.4. Ética das coisas e governança de algoritmos em artefatos e sistemas sociotécnicos

    3.5. Direito como metatecnologia:o desafio do Rule of Law em ummundo tecnorregulado

    Conclusão

    Referências

    Posfácio

    Anexo: Você está sendo (continuamente) observado

    Agradecimentos

    Caitlin Sampaio | Sérgio Branco | Carlos Affonso | Danilo Doneda | Ronaldo Lemos | Cláudio Lucena | Luiz Abrahão | Renan Medeiros | Helena Ferreira | Eduardo Peixoto | Claudia Cunha | Fernanda Nunes | Júlia Costa | Walter Britto | Christian Djeffal | Christian Marks | Caio César de Oliveira | Bartira, Fabio e Sylvio Magrani | Ana Lucia, Cristina, Felipe e Bruno Magrani | Lucy Massa | Octavio, Tito e Caio Guedes | Adriana Bittencourt | Ana Lara Mangeth | Pedro Augusto Francisco | Fernando Lennertz | Chiara de Teffé | Luca Belli | Luã Fergus | Hugo Esteves

    Colaboradores de Pesquisa:

    Luiz Abrahão | Renan Medeiros | Helena Ferreira

    Prefácio

    I.

    O mundo nos é oferecido sem concessões. Temos o espaço terreno e o tempo presente — e é tudo. Pode parecer pouco. Afinal, muitos foram os acontecimentos históricos que não testemunhamos (e outros tantos que não iremos testemunhar), e infinitos são os lugares em que nossa presença está física e tecnologicamente impossibilitada. Mas tentar dar conta de entender o aqui e o agora já é tarefa mais do que ambiciosa.

    É isso que, sob certa perspectiva, tenta fazer o Direito: compreender o mundo para organizar o caos potencial de todas as coisas. Sempre a reboque da realidade, quase sempre atrasado em seu intento, o Direito tem por fim ser a solução prudente dentro da ordem (segundo José de Oliveira Ascensão) ou, ainda, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros (para Miguel Reale).

    A busca pelo equilíbrio entre a liberdade de ação e a regulação jurídica tem sido assim há séculos. E durante muito tempo foi possível viver uma vida inteira sob a certeza das condutas sociais esperadas e das regras a serem aplicadas. Uma vida inteira sem mudanças significativas na tecnologia circundante ou na sociedade em que o homem se encontrava imerso. Não é mais assim.

    É provável que os maiores desafios da contemporaneidade ao Direito sejam a velocidade com que a tecnologia se desenvolve e as consequências desse progresso. Nesse particular, vivemos em um tempo/espaço particularmente fértil. E, se pudermos dizer que temos uma boa e uma má notícia para dar, é curioso que ambas sejam a mesma notícia: o avanço tecnológico só vai aumentar.

    Esse prognóstico é sedutor porque nos permite experimentar, de verdade, o futuro outrora especulado, e isso é, sem dúvida, excitante. Entretanto, caberá ao Direito lidar com incertezas ainda maiores, permeadas por minudências técnicas, interdisciplinares e que colocarão sob escrutínio nossas certezas sobre direitos humanos, direitos de personalidade, privacidade, direitos autorais, direito contratual e o inesgotável campo da ética.

    E, por tudo isso, não há momento melhor para se ler o livro de Eduardo Magrani.

    II.

    Toda obra que se proponha a apresentar uma tese tem a dupla tarefa de explicar e de iluminar. É preciso organizar o mundo das informações para mostrar ao leitor do que, exatamente, a tese se trata. É fundamental coletar e conectar informações, evidências, decisões, opiniões e normas jurídicas a fim de bem pavimentar o caminho que o leitor vai percorrer. Uma tese é, assim, um mapa. E, como todo mapa, para ser útil e servir ao propósito a que se destina, precisa conter todas as informações necessárias à compreensão do tema, mas apenas as informações necessárias à sua compreensão.

    Além de mapa, a tese é guia. Ela precisa apontar para o futuro, sugerir novas veredas e soluções e, naturalmente, surpreender. A tese precisa ser estática e dinâmica, perene e flexível, contemporânea e pós-contemporânea. Precisa evidenciar o que não é óbvio, fazer as conexões certas e, ambição suprema: ser de leitura agradável.

    Por tudo isso mais, não há tese melhor para se ler neste momento do que a de Eduardo Magrani.

    III.

    Aqueles que têm agora ao menos 30 anos sabem, por seu próprio testemunho, o quanto a tecnologia vem imprimindo mudanças velozes no mundo em que vivemos. A tríade Internet das Coisas/Big Data/Inteligência Artificial promete transformar as relações sociais, e ainda é cedo para sabermos as verdadeiras consequências dessa transformação. Por isso o tema é urgente e por isso, também, é ousado.

    As consequências da hiperconectividade já se fazem sentir. Questões relacionadas à privacidade, ao social credit system que vem sendo desenvolvido na China, à memória perpétua da internet e às suas implicações já são temas amplamente debatidos. Discussões sobre vigilância e abuso de poder digital não são mais apenas combustível para debater episódios de Black Mirror. Esses assuntos dizem respeito à vida que todos nós estamos vivendo bem agora.

    Muito mais vem por aí. As implicações éticas relacionadas a robôs e o tratamento adequado ao estatuto jurídico de entes não humanos ainda são assuntos embrionários. A inteligência artificial será responsável pela usurpação de tarefas humanas? Haverá desemprego em massa? Criaremos classes distintas de seres humanos (alguns com mais dignidade do que outros)? Qual o papel do Direito e sua capacidade de regular este mundo cada vez mais invisivelmente técnico? É cedo para sabermos, mas Eduardo Magrani enfrenta esses assuntos com profundidade e clareza, cumprindo com a promessa e o dever de cada tese: iluminando nossa compreensão.

    A função de uma obra nunca é esgotar-se, pois que se trataria de função impossível. O sucesso de uma obra se mede pela capacidade de nos fazer pensar e de permitir a expansão do mapa que ela própria traçou. Eis aqui uma tese bem-sucedida.

    IV.

    Em Fanny e Alexander, sua obra mais pessoal, Ingmar Bergman afirma, no final do filme, que tudo pode acontecer, tudo é possível e verossímil. O tempo e o espaço não existem. Em cima de um insignificativo fundo de realidade, a imaginação espraia-se e tece novos padrões.

    Apesar de se tratar de uma produção de 1983, nunca essa afirmação pareceu tão verdadeira. Vivemos no mundo das infinitas possibilidades, onde a realidade e a imaginação trocam constantemente de lugar a fim de criar novas matrizes. Cabe a cada um de nós fazer o esforço diário de compreender e explicar nosso mundo — não só para nós mesmos, mas para nossos sucessores.

    É por isso que toda contribuição de qualidade e profunda para a compreensão do mundo, especialmente quando o assunto é complexo e controvertido, é bem-vinda.

    Diante de tantas possibilidades temporais e espaciais que caberiam a cada um de nós, diante de todos os séculos passados e futuros, de lugares distantes, inacessíveis ou impossíveis, que sorte temos de compartilhar esse mesmo tempo e esse mesmo espaço (quer de fato existam ou não) com Eduardo Magrani.

    Sérgio Branco

    Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade

    do Rio de Janeiro (ITS Rio)

    Apresentação

    Logo que ingressou no Programa de Doutorado da Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, Eduardo Magrani, muito animado, me chamou para uma conversa a respeito de um assunto que seria uma das grandes novidades da interseção entre Direito e Tecnologia: a Internet das Coisas. Intrigada, e ainda bastante ignorante sobre o tema, aceitei orientá-lo durante os seguintes anos de pesquisa. Confesso que, naquele momento inicial, a ideia de mergulhar numa investigação acadêmico-jurídica sobre bens conectados por rede me pareceu algo que muito se aproximava de uma ficção científica. Algo como um casamento entre Star Trek e The Jetsons. Mais enganada não poderia estar.

    Ao ser apresentada ao assunto pelo Eduardo, percebi uma absoluta interlocução entre os temas do desenvolvimento tecnológico e dos direitos fundamentais, passando pela necessária discussão sobre os limites éticos do uso das tecnologias, tão relevante na atualidade para possibilitar uma regulação que caminha lado a lado com o aprimoramento tecnológico.

    Já se sabe que a tecnologia se desenvolve a largos passos e que o Direito não consegue acompanhar o seu ritmo, de forma que a sua regulação deficiente revela, por vezes, um obstáculo para a plena proteção dos interesses existenciais da pessoa humana. É no âmbito da tecnologia conhecida como Internet das Coisas (ou Internet of Things, ou, ainda, IoT) que se revela um dos principais debates nesta área, qual seja, o que se refere à proteção da privacidade ou dos dados pessoais que são disponibilizados e coletados por estas coisas conectadas, cada vez mais inteligentes e autônomas.

    A Internet das Coisas representa inovação tecnológica que permite a criação de ambiente interligado através de sensores que conectam objetos ou bens por meio da internet, possibilitando não só a comunicação e realização de funções específicas entre as coisas, como gerando a cada vez mais constante coleta, transmissão, guarda e compartilhamento de dados entre os objetos e, consequentemente, entre as empresas que disponibilizam este tipo de tecnologia às pessoas.

    Com a popularização da tecnologia IoT e a sua utilização frequente em objetos de nosso cotidiano — smartphones, televisores, relógios, pulseiras identificadoras de funções físicas e de saúde, tablets, dentre outros — o que se questiona, do ponto de vista do Direito, é se existe uma política eficiente de proteção dos dados e da privacidade das pessoas que utilizam tais objetos. E se, diante desta questão, as pessoas estariam dispostas a renunciar à proteção de seus dados em contrapartida aos benefícios evidentes que tal tecnologia gera em suas vidas, justificando esta troca com base numa conveniência pessoal evidente.

    Deve-se considerar, nessa nova realidade tecnológica, que os dados de uma pessoa possuem, ao mesmo tempo, um caráter existencial que se revela preponderantemente na proteção da privacidade e da identidade da pessoa humana — em decorrência da tutela de sua dignidade —, e um caráter patrimonial, que se identifica pela possibilidade do uso desses dados como insumo para o desenvolvimento de atividades empresariais das mais diversas áreas. Trata-se, nesse caso, do que se definiu como monetização de dados, ou seja, a conversão de informações em dinheiro. Portanto, ao lado de uma necessária proteção de situações jurídicas de natureza extrapatrimonial (privacidade, identidade, imagem), deve-se atentar que também é possível uma avaliação de natureza patrimonial desses mesmos dados, que, por sua vez, constituem parte fundamental do modelo de negócios desenvolvido por grandes atores do mercado de tecnologia.

    Os temas enfrentados por Eduardo Magrani em sua pesquisa de Doutorado, que resultaram neste magnífico livro, são de absoluta relevância para a compreensão de como um fenômeno tecnológico pode impactar o exercício e a tutela de direitos fundamentais. Falar de Internet das Coisas hoje é necessariamente falar de proteção de dados pessoais e regulação de Inteligência Artificial. Ao considerarmos que o desenvolvimento da tecnologia IoT depende, sobremaneira, da forma como as coisas conectadas trocam entre si informações sobre dados pessoais coletados, percebemos aqui uma verdadeira necessidade de regular, de maneira responsável, o uso da tecnologia para impedir que ela seja usada como instrumento de violação de direitos fundamentais, tais como o direito à privacidade e o direito à identidade. O debate acerca da proteção da privacidade e, mais especificamente, da proteção de dados foi o fio condutor de sua pesquisa e uma verdadeira preocupação que permeou sua investigação sobre os limites da tecnologia frente à tutela de direitos humanos.

    No desenvolvimento de seu livro, Eduardo Magrani buscou realizar não só uma conceituação precisa do fenômeno da Internet das Coisas, também correlacionou a regulação jurídica da tecnologia à necessária análise da ética, da proteção dos dados e da automação, num mundo tecnorregulado e em constante transformação a partir da interação entre homens e máquinas.

    Esse é, portanto, um livro fundamental, cuja leitura se faz necessária por aqueles que pretendam compreender o fenômeno da Internet das Coisas e sua interlocução com as mais contemporâneas questões referentes à Inteligência Artificial, à Proteção de Dados, à Regulação e à Ética.

    Caitlin Mulholland

    Coordenadora da Graduação

    em Direito da PUC-Rio

    Introdução

    ¹

    A interação contínua entre diversos aparelhos, sensores e pessoas altera a forma como agimos comunicativamente e tomamos decisões nas esferas pública e privada. Cada vez mais as informações que circulam não serão colocadas na Rede tão somente por pessoas, mas por Coisas e algoritmos² dotados de inteligência artificial que trocam dados e informações entre si, formando um espaço de conexões de rede e de informações cada vez mais automatizado.

    Com isso, observamos a construção de novas relações que estamos estabelecendo com as máquinas e demais dispositivos interconectados permitindo que algoritmos passem a tomar decisões e a pautar avaliações e ações que antes eram tomadas por humanos. Essa ainda é uma cultura relativamente recente e implica considerações éticas importantes tendo em vista os impactos progressivamente maiores da comunicação e da decisão algorítmica/computacional na sociedade.

    A Internet das Coisas (Internet of Things — IoT) é a expressão que busca designar todo o conjunto de novos serviços e dispositivos que reúnem ao menos três pontos elementares: conectividade, uso de sensores e capacidade computacional de processamento e de armazenamento de dados. O que todas as definições de IoT têm em comum é que elas se concentram em como computadores, sensores e objetos (artefactos) interagem uns com os outros e processam as informações/dados em um contexto de hiperconectividade³-⁴. O atual cenário de hiperconectividade é, portanto, baseado na estreita relação entre seres humanos, objetos físicos, sensores, algoritmos, Big Data, Inteligência Artificial (computacional)⁵, cloud computing, entre outros elementos.

    O termo hiperconectividade foi cunhado inicialmente para descrever o estado de disponibilidade dos indivíduos para se comunicar a qualquer momento. Esse termo possui alguns desdobramentos importantes⁶. Podemos citar alguns deles: o conceito de always-on, estado em que as pessoas estão conectadas a todo o momento; a possibilidade de estar prontamente acessível (readily accessible); a riqueza de informações; a interatividade; e o armazenamento ininterrupto de dados (always recording)⁷. O termo hiperconectividade encontra-se hoje atrelado às comunicações entre indivíduos (person-to-person, P2P), indivíduos e máquina (human-to-machine, H2M) e entre máquinas (machine-to-machine, M2M) valendo-se, para tanto, de diferentes meios de comunicação⁸-⁹. Há, neste contexto, um fluxo contínuo de informações e uma massiva produção de dados.

    Por isso, o avanço da hiperconexão depende do aumento de dispositivos que enviam e recebem estas informações. Exemplos disto são os inúmeros wearables (tecnologias vestíveis) disponíveis no mercado e as várias opções de sensores utilizados no setor agrícola e nas indústrias¹⁰ cada vez mais automatizadas com componentes de IoT e de Inteligência Artificial (em inglês, Artificial Intelligence — AI), fenômeno que vem sendo denominado de Indústria 4.0.

    Todos os dias, coisas se conectam à internet com capacidade para compartilhar, processar, armazenar e analisar um volume enorme de dados¹¹. Quanto maior o número de dispositivos conectados, mais dados são produzidos¹². Esta prática é o que une o conceito de IoT ao conceito de Big Data. Big Data é um termo em evolução que descreve qualquer quantidade volumosa de dados estruturados, semiestruturados ou não estruturados¹³ que podem ser explorados para se obterem informações¹⁴-¹⁵.

    A primeira propriedade envolvendo Big Data consiste no volume crescente de dados¹⁶. Pesquisa recente da Cisco¹⁷ estima que, nos próximos anos, a medida em gigabytes será superada e o cálculo da quantidade de dados será feito na ordem zettabyte e até mesmo em yottabyte¹⁸.

    Outra propriedade envolve a alta velocidade¹⁹ com que os dados são produzidos, analisados e visualizados. Além disso, a variedade de formatos de dados representa um desafio adicional. Esta característica é potencializada pelos diferentes dispositivos responsáveis por coletar e produzir dados em diversos âmbitos²⁰.

    O conceito²¹ de Big Data²² pode implicar ainda, juntamente com o conceito de Data Science²³, a capacidade de transformar dados brutos em gráficos e tabelas que permitam a compreensão do fenômeno a ser demonstrado. É importante mencionar que, em um contexto em que decisões são tomadas cada vez mais com base em dados, é de extrema importância garantir a veracidade destas informações²⁴.

    Nas palavras de Maike Wile, Big Data é mais que um emaranhado de dados, pois é essencialmente relacional. Apesar de isso não ser um fenômeno novo, o que a internet fez foi dar uma nova dimensão, transformando-o. Para bem entender essas transformações, segundo Wile, precisamos compreender que o Big Data somos nós²⁵.

    A combinação entre objetos inteligentes e Big Data poderá alterar significativamente a maneira como vivemos. Algumas pesquisas²⁶ estimam que, em 2020, a quantidade de objetos interconectados passará dos 25 bilhões, podendo chegar a 50 bilhões de dispositivos inteligentes. As projeções para o impacto deste cenário de hiperconexão na economia são impressionantes. A estimativa de impacto econômico global corresponde a mais de US$ 11 trilhões em 2025²⁷.

    Por conta de estimativas como essas, a IoT vem recebendo fortes investimentos do setor privado e surge como possível solução diante dos novos desafios de gestão pública, prometendo, a partir do uso de tecnologias integradas e do processamento massivo de dados, soluções mais eficazes para problemas como poluição, congestionamentos, criminalidade, eficiência produtiva, entre outros.

    Além disso, a IoT poderá trazer inúmeros benefícios aos consumidores. Dispositivos de saúde interconectados permitirão monitoramento mais constante e eficiente e interação mais eficaz entre paciente e médico. Sistemas de automação residencial permitirão que um consumidor, antes mesmo de chegar em casa, possa enviar mensagem para que os próprios dispositivos realizem ações para abrir os portões, desligar alarmes, preparar o banho quente, colocar música ambiente e alterar a temperatura da casa.

    Por outro lado, esses inúmeros dispositivos conectados, cada vez mais inteligentes e autônomos que nos acompanharão diária e constantemente em nossas rotinas, irão coletar, transmitir, armazenar e compartilhar uma quantidade enorme de dados, muitos deles estritamente particulares e mesmo íntimos. Com o aumento exponencial de utilização destes dispositivos, devemos estar atentos aos riscos que podem trazer para a privacidade e a segurança dos usuários. Recentemente, testemunhamos o primeiro acidente fatal envolvendo um piloto automático de carro da empresa Tesla²⁸. Presenciamos, ainda, o carro autônomo do Uber ultrapassar o sinal vermelho em São Francisco²⁹ e em 2018 atropelando e matando uma mulher nos EUA³⁰; o algoritmo de reconhecimento facial do Registro de Motores de Massachusetts equivocadamente etiquetar alguém como um criminoso e revogar sua carteira de motorista³¹; o perfil robótico Tay, da empresa Microsoft, criado para interagir com técnica de machine learning³² no Twitter, virando um bot de ofensas racistas e propagador de discurso de ódio em menos de 24 horas³³; e a Arábia Saudita como o primeiro país do mundo a conceder cidadania a um robô³⁴, uma máquina (nomeada Sophia) dotada de inteligência artificial que ficou famosa no mundo com um vídeo³⁵ no qual dizia que iria destruir a humanidade³⁶.

    Nas palavras de Marco Aurélio Castro³⁷: Atualmente, a geração de robôs vem evoluindo de forma acelerada, produzindo equipamentos semelhantes aos humanos e capazes de ver, ler, falar, aprender e até expressar emoções. Extrai-se daí a complexidade de se regularem juridicamente as novas Coisas inteligentes, capazes de imitar o comportamento humano e de outras máquinas, aprender com os próprios erros e demonstrar curiosidade, possuindo alto poder de investigação e processamento de informações, além de serem tão criativos e determinados quanto os humanos na resolução de desafios e na busca dos seus propósitos³⁸.

    Diante desse cenário e na carência de regulação adequada pelo Direito, estamos vivenciando uma autorregulação do próprio mercado e uma regulação realizada muitas vezes através do design dessas novas tecnologias, o que denomino nesta obra de tecnorregulação³⁹. A tecnologia está avançando mais rápido do que nossa habilidade de garantir a tutela⁴⁰ dos direitos individuais e coletivos.

    Neste contexto, é crucial debatermos as noções de privacidade, segurança e ética que deverão nortear os avanços tecnológicos, refletindo sobre o mundo em que queremos viver e em como nos enxergamos nesse mundo de dados e máquinas relacionado ao novo cenário de IoT e de Inteligência Artificial.

    A nossa interação com as Coisas⁴¹ tende a ser cada vez mais intensa. A governança dos dados e a compreensão e a regulação da agência dos diferentes actantes⁴² humanos e não humanos neste cenário hiperconectado são fundamentais. Benefícios e riscos para empresas, Estado e consumidores devem ser sopesados de forma cautelosa. O direito deve estar atento ao seu papel nesse contexto para, por um lado, não obstaculizar demasiadamente o desenvolvimento econômico e tecnológico em andamento e, por outro lado, regular com eficácia as práticas tecnológicas, visando coibir abusos e protegendo os direitos constitucionais vigentes. Exploraremos todas essas questões a partir de agora.


    1 Algumas ideias desenvolvidas nesta obra constam do livro A Internet das Coisas (FGV, 2018), do mesmo autor, e são aqui retomadas, em especial, na introdução e no primeiro capítulo pela sua importância para o desenvolvimento dos argumentos e itens seguintes.

    2 Entendemos, neste trabalho, o termo algoritmos como conjuntos de regras que os computadores seguem para resolver problemas e tomar decisões sobre um determinado curso de ação. Em termos mais técnicos, um algoritmo é uma sequência lógica, finita e definida de instruções que devem ser seguidas para resolver um problema ou executar uma tarefa, ou seja, uma receita que mostra passo a passo os procedimentos necessários para a resolução de uma tarefa. 

    3 Cf. vídeo explicativo do NIC.br sobre IoT, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jlkvzcG1UMk. Acesso em: 27 mar. 2017.

    4 Para o consórcio PoETAS.IT (Políticas e Estratégias para Tecnologias, Aplicações e Serviços para a Internet de Tudo), o conceito de IoT consiste em estar Tudo interconectado: itens do dia a dia, máquinas e objetos em geral, ligados à rede mundial de computadores e operando em coordenação e sintonia. Além disso, o conceito se relaciona com o chamado ABC (Analytics + Big Data + Cloud Computing) das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação). Disponível em: http://poetas.it.cesar.org.br/index.php/POETAS.IT:Sobre. Acesso em: 27 mar. 2017.

    5 Comumente chamada de Inteligência Artificial (IA ou, da sigla em inglês, AI).

    6 Sobre este assunto, veja-se QUAN-HAASE, Anabel; WELLMAN, Barry. Hyperconnected net work: computer-mediated community in a high-tech organization. In: ADLER, Paul S.; HECKSCHER, Charles. Towards collaborative community, p. 285. Disponível em: http://groups.chass.utoronto.ca/netlab/wp-content/uploads/2012/05/Hyperconnected-Net-Work.pdf. Acesso em: 27 mar. 2017.

    7 Cf. FREDETTE, John et al. The promise and peril of hyperconnectivity for organizations and societies. In: INSEAD & WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Information Technology Report 2012: Living in a Hyperconnected World. Genebra, 2012. p. 113. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/68bb/365887b24ba1e541e3e2b8feb4569b94903d.pdf#page=139. Acesso em: 27 mar. 2017.

    8 Veja-se: BREWSTER, Tom. When machines take over: our hyperconnected world. BBC, 25 jan. 2014. Disponível em: http://www.bbc.com/capital/story/20140124-only-connect. Acesso em: 27 mar. 2017.

    9 Cf. FREDETTE et al., 2012.

    10 Cf. TECHTARGET ANZ STAFF. What is hyperconnectivity? Computer weekly, 19 fev. 2007. Disponível em: http://www.computerweekly.com/news/2240100953/What-is-hyperconnectivity. Acesso em: 27 mar. 2017.

    11 O filósofo italiano Luciano Floridi, pesquisador do Oxford Internet Institute (OII), faz uma distinção relevante entre dados e informação. Segundo Floridi, dados possuem um conceito mais amplo tendo em vista que podem se encontrar em formato não estruturado. Nesse formato não possuem, segundo Floridi, nenhum tratamento atributivo de valor para que seja considerado uma informação relevante. Portanto, para Floridi, dados somente merecem a valorização como informação após serem tratados, entre outras qualidades (well-formed, meaningful and truthful data). Essa diferenciação importa na hora de se avaliar tecnicamente o peso de um dado, genericamente falando, e de uma informação, pelo fato de consubstanciar um elemento de maior valor social e mercadológico. Para os fins deste trabalho, no entanto, trabalharemos com ambos os conceitos de forma indistinta. Over the last three decades, several analyses in Information Science, in Information Systems Theory, Methodology, Analysis and Design, in Information (Systems) Management, in Database Design and in Decision Theory have adopted a General Definition of Information (GDI) in terms of data + meaning. GDI has become an operational standard, especially in fields that treat data and information as reified entities (consider, for example, the now common expressions ‘data mining’ and ‘information management’). Recently, GDI has begun to influence the philosophy of computing and information (Floridi [1999] and Mingers [1997]). A clear way of formulating GDI is as a tripartite definition: The General Definition of Information (GDI): information, understood as semantic content, if and only if: (GDI.1) σ consists of one or more data; (GDI.2) the data in σ are well-formed; (GDI.3) the well-formed data in σ are meaningful. GDI requires a definition of data. This will be provided in the next section. Before, a brief comment on each clause is in order. According to (GDI.1), data are the stuff of which information is made. We shall see that things can soon get more complicated. In (GDI.2), ‘well-formed’ means that the data are clustered together correctly, according to the rules (syntax) that govern the chosen system, code or language being analysed. Syntax here must be understood broadly (not just linguistically), as what determines the form, construction, composition or structuring of something (engineers, film directors, painters, chess players and gardeners speak of syntax in this broad sense). Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/information-semantic. Acesso em: 27 mar. 2017.

    12 Não obstante, a hiperconectividade tem ainda como limitação o mito do acesso. Em outras palavras, enquanto parte da sociedade experimenta os efeitos da hiperconectividade, outra parte nem sequer possui acesso à internet e está excluída de todo este processo.

    13 "A informação armazenada nos bancos de dados é conhecida como dados estruturados, porque é representada em um formato estrito. Por exemplo, cada registro em uma tabela de banco de dados relacional. Já os dados não estruturados são quaisquer documentos, arquivos, gráficos, imagens, textos, relatórios, formulários ou gravações de vídeo ou áudio que não tenham sido codificados, ou de outra forma estruturados em linhas e colunas ou registros. De acordo com muitas estimativas, cerca de 90% de todos os dados armazenados são mantidos fora de bancos de dados relacionais. De todos os dados do mundo que foram gerados nos últimos anos, apenas 10% destes dados estão estruturados. Os 90% restantes estão desestruturados e se reúnem na sua grande parte nas redes sociais como Facebook, Twitter, Pinterest, entre outras. O uso de Big Data nas redes sociais tem como objetivo buscar soluções para organizar o grande volume de dados que cresce absurdamente a cada dia na Web. Diariamente, uma gigante quantidade de dados é literalmente jogada, armazenada e manipulada." TESSAROLO, Pedro; MAGALHÃES, William. A era do Big Data no conteúdo digital: os dados estruturados e não estruturados. Disponível em: http://Web.unipar.br/~seinpar/2015/_include/artigos/Pedro_Henrique_Tessarolo.pdf. Acesso em: 27 mar. 2017.

    14 LANE, Julia (Org.). Privacy, Big Data and the public good: frameworks for engagement. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.

    15 As information has become a central issue in almost all of the sciences and humanities this development will also impact philosophical reflection in these areas. Archaeologists, linguists, physicists, astronomers all deal with information. The first thing a scientist has to do before he can formulate a theory is gathering information. The application possibilities are abundant. Datamining and the handling of extremely large data sets seems to be an essential for almost every empirical discipline in the 21st century. Vide: https://plato.stanford.edu/entries/information.

    16 Cf. RIJMENAM, Mark van. Why the 3 V’s are not sufficient to describe Big Data. DATAFLOQ, ago. 2015. Disponível em: https://datafloq.com/read/3vs-sufficient-describe-big-data/166. Acesso em: 27 mar. 2017.

    17 CISCO. The Zettabyte Era: trends and analysis. Cisco, jun. 2016. Disponível em: http://www.cisco.com/c/en/us/solutions/collateral/service-provider/visual-networking-index-vni/vni-hyperconnectivity-wp.html. Acesso em: 27 mar. 2017.

    18 Gigabyte é uma unidade de medida de informação que equivale a 1.000.000.000 bytes; zettabyte é uma unidade de informação que corresponde a 1.000.000.000.000.000.000.000 (10²¹) bytes; e yottabyte é uma unidade de medida de informação que equivale a 10²⁴ bytes.

    19 Cf. RIJMENAM, op. cit., ago. 2015.

    20 Cf. RIJMENAM, op. cit., ago. 2015. Veja-se, ainda, MOLARO, Cristian. Do not ignore structured data in Big Data analytics: the important role of structured data when gleaning information from Big Data. IBM Big Data & Analytics Hub, 19 jul. 2013. Disponível em: http://www.ibmbigdatahub.com/blog/do-not-ignore-structured-data-big-data-analytics. Acesso em: 27 mar. 2017.

    21 Segundo o estudo do ITS Rio de 2016, Global South Project Report on the Brazilian Case Studies: "Big Data is literally those sets of data, whose existence is possible solely as a consequence of the massive data collection that has become widespread in recent years, thanks to the ubiquitous presence of devices and sensors in everyday life, and the increasing number of people connected to such technologies through digital networks as well of sensors. All actions and communications in digital platforms, such as with mobile phones, computers, or even credit card transactions and, more recently, income tax declarations, or actions that are at some point digitized and thus transformed in data, such as CCTV cameras coupled with facial or pattern recognition software, are prone to be stored, processed, copied and distributed almost instantaneously, allowing for data analyses that may lead to presumably more well-informed decision making by governments and businesses alike".

    22 Para o professor da Universidade Federal de Pernambuco José Carlos Cavalcanti, o conceito

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