Sentidos e pontos de vista construídos a partir de notícias e reportagens sobre a economia brasileira do período 2015-2018: o enquadramento metafórico como um mecanismo cognitivo-discursivo
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Sentidos e pontos de vista construídos a partir de notícias e reportagens sobre a economia brasileira do período 2015-2018 - Ilana Souto de Medeiros
CEP/CONEP.
1. REFERENCIAL TEÓRICO
Apresentaremos, neste capítulo, os pilares teóricos sobre os quais esta pesquisa é construída. Cumpre sublinhar que o sustentáculo fundante, a abordagem ecológica da cognição e da linguagem, aqui defendida, perpassa todos os demais temas que serão desenvolvidos, entre os quais evidenciamos, por exemplo, as noções de frames e metáforas situadas, categorias analíticas que são centrais neste trabalho.
Diante dessa compreensão, organizaremos o referencial teórico da seguinte maneira: na primeira seção, 1.1, discorreremos sobre os princípios basilares da Cognição Ecológica, incluindo as noções de percepção (1.1.1) e de informação (1.1.2); na seção 1.2, discutiremos sobre frames, dando ênfase, principalmente, à perspectiva que subsidiará nossa análise; e, finalmente, na última seção (1.3), abordaremos o conceito de metáfora, destacando seu importante papel no tocante à projeção entre frames (1.3.1); exploraremos noções cruciais para a construção de nossa pesquisa, tais como a de metáfora situada e a de nicho metafórico (1.3.2); e versaremos sobre a interação entre metáforas e metonímias (1.3.3).
1.1. ABORDAGEM ECOLÓGICA DA COGNIÇÃO E DA LINGUAGEM
"[...] o sistema cognitivo emerge da atuação do corpo no ambiente, ou seja, com as informações perceptuais obtidas durante a exploração do ambiente, o cérebro coordena a montagem de circuitos percepto-motores de execução de tarefas de complexidade crescente".
(Paulo Henrique Duque)
A abordagem ecológica da cognição e da linguagem surge como uma espécie de ruptura com relação à LCC, pois, enquanto a primeira se ancora em um realismo direto, ou seja, compreende que a percepção não necessita de mediação, uma vez que acontece diretamente na interação do organismo no e com o ambiente, a segunda é respaldada por um realismo indireto, que, por seu turno, entende que a percepção é mediada pelas experiências corpóreas. Para tornar mais clara tal distinção, discorreremos, inicialmente, sobre a LCC.
A noção basilar da Cognição Corporificada é a de corporalidade, amplamente discutida por Lakoff e Johnson em Philosophy in the Flesh: the embodied mind and its challenge to western thought7 (1999). Na obra, o linguista e o filósofo sugerem que o modo pelo qual apreendemos a realidade externa é diretamente influenciado pelas particularidades referentes à nossa configuração corpórea, ou seja, nossa compreensão acerca do mundo é moldada por características específicas da espécie humana, entre as quais se destacam, como assinalam Lakoff e Johnson (1999, p. 18-19 [tradução nossa]⁸): a) olhos, orelhas, braços e pernas que funcionam de determinadas maneiras bastante definidas; b) um sistema visual dotado com mapas topográficos e células de orientação sensitivas que estruturam nossa capacidade de conceptualizar relações espaciais; e c) habilidades de nos movermos em caminhos e de acompanhar o movimento das outras coisas.
Em síntese, a corporalidade⁹, ideia fundante da ótica corporificada da cognição, se apresenta como um filtro a partir do qual percebemos o mundo, e, consequentemente, atribuímos sentidos às coisas em nosso entorno.
A concepção ecológica da cognição e da linguagem, embora enfatize a importância da configuração de nossos corpos no que diz respeito aos processos de conceptualização, não o compreende como ferramenta mediadora para a percepção. Contrariamente, essa abordagem postula que a percepção é direta e resultado da integração entre corpo e ambiente (DUQUE, 2017).
Tal perspectiva se ancora em alguns dos principais conceitos que constituem o arcabouço teórico da Psicologia Ecológica e utiliza como base, entre outros, estudos de James J. Gibson, Lawrence Shapiro, Claire F. Michaels e Zsolt Palatinus. Alguns deles, que serão explorados nas próximas subseções, oferecem suporte para se pensar o uso da linguagem como sendo um processo construído a partir das relações mantidas entre organismo e ambiente.
1.1.1. PERCEPÇÃO
O conceito de percepção tem sido alvo de investigações há séculos. No cerne das discussões, reside a questão referente à origem do conhecimento humano. Filósofos como Platão e Descartes, por exemplo, defenderam o pensamento de que o homem tem princípios racionais e ideias inatas, ou seja, todo o conhecimento adquirido seria resultado de um repositório de informações previamente estabelecido nas mentes humanas. Por esse ângulo, os princípios racionalistas são pautados em um realismo indireto, pois o processo de apreensão do conhecimento ocorre internamente.
Por volta do final do século XVII, a concepção racionalista passou a ser questionada. Um dos principais nomes que participaram da desconstrução de tal paradigma foi o de John Locke, que apresentou, em 1690, a tese da tábula rasa. Segundo ele, a mente humana, ao nascer, equivale a uma página em branco, que, por sua vez, é preenchida pela experiência. Ao contrário do racionalismo, o modelo empirista lockeano sugeriu que as capacidades sensoriais do homem precisam ser levadas em conta em relação à apreensão do conhecimento. Apesar disso, esse paradigma também é sustentado por um realismo indireto.
Embora tenha lançado outras formas de compreender a percepção, as propostas de Locke sofreram muitas críticas, entre as quais se sobressaem: a) o fato de conceber os sentidos como sendo a única fonte de conhecimento sobre o mundo; e b) a compreensão de que a percepção poderia ser aprendida.
Ainda que divirjam em muitos aspectos, os modelos racionalista e empirista apresentam, em sua essência, um eixo de confluência, posto que ambos
[...] pressupõem a existência de representação interna para que o mundo possa ser percebido. Há representação interna, não importa se o processo de percepção seja desencadeado pela razão ou resultante de processos internos construídos a partir da experiência (DUQUE, 2017, p. 23).
Esse modelo de realismo indireto também está na base de outras teorias, como a da Gestalt. Nas primeiras décadas do século XX, pesquisadores como Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler buscaram demonstrar a percepção como resultado do agrupamento de elementos sensoriais individuais que são capturados e organizados pela mente. O cérebro, nessa perspectiva, predispõe de uma espécie de campo autônomo
, que organiza, internamente, toda sorte de estímulos (GIBSON, 1955).
O conceito de percepção do racionalismo, do empirismo e da Gestalt, que são fundamentados na compreensão de um realismo indireto, pode ser sintetizado com o auxílio do quadro 2:
Quadro 2: A percepção de acordo com o realismo indireto.
Fonte: autoria própria.
Como é possível observar no quadro, as três abordagens postulam que a percepção é mediada por algum tipo de ferramenta. No modelo racionalista, a percepção é resultado de um conjunto de informações estabelecido na mente, de que dispomos desde o nascimento; no paradigma empirista, as experiências são consideradas as únicas fontes de acesso para a forma como percebemos o mundo; e na teoria gestaltiana, por fim, a percepção deriva de um processo a partir do qual estímulos chegam à mente e por ela são organizados.
Em discordância às perspectivas anteriormente citadas, James Jerome Gibson propôs a teoria da percepção visual, que, diferentemente das demais, é fundamentada por uma noção de realismo direto. Em suas pesquisas sobre a ótica ecológica, o psicólogo apresentou a tese de que o ambiente, definido como "[...] oportunidades de percepção, de informação disponível, de estímulos potenciais [...]" (GIBSON, 1966, p. 23 [grifos do autor] [tradução nossa]¹⁰), tem fundamental relevância no processo de construção do conhecimento do sujeito. Ele postulou, em outras palavras, que organismo e ambiente são complementares.
Além de propor essa relação de simbiose, Gibson (1950) declarou que a percepção é algo essencialmente subjetivo, uma vez que sofre influências provocadas pelas pessoas. Nessa perspectiva, ele distinguiu a sensação da percepção: enquanto as sensações são básicas e intrínsecas ao nosso aparato orgânico, e, por essa razão, tendem a ser as mesmas para todos, as percepções podem ser consideradas secundárias, tendo em vista que, a depender das particularidades e das experiências de cada um, podem variar de um indivíduo para outro.
Outra colaboração trazida por Gibson (1986) reside na hipótese de que a percepção é direta, ou seja, de que ela ocorre sem a necessidade de recorrer a processos inferenciais e interpretativos. Para o autor, o ato de perceber o ambiente não é mediado por imagens da retina, nem por imagens neurais e/ou mentais, mas sim, por uma atividade exploratória, na qual o sujeito é capaz de olhar ao redor, de se locomover e de enxergar as coisas. No intuito de ilustrar tal pensamento, ele afirma que [...] a percepção direta é o que nos permite olhar para as Cataratas do Niágara, digamos, como sendo distintas daquelas que fossem vistas em uma foto
(GIBSON, 1986, p. 147 [tradução nossa]¹¹). Com esse exemplo, o psicólogo confrontou as teorias ortodoxas da formação da imagem, de acordo com as quais o olho é responsável por enviar estímulos, o nervo óptico por transmiti-los, e a mente por recebê-los. Essas teorias, como ele mesmo relembra, implicam perspectivas que separam a mente do corpo.
O conceito de percepção para o realismo direto, que sustenta a teoria de Gibson, pode ser mais facilmente compreendido a partir do quadro 3:
Quadro 3: A percepção de acordo com o realismo direto.
Fonte: autoria própria.
Como ilustra o quadro, a teoria da ótica ecológica defende que a percepção não necessita de nenhum tipo de mediação. Desse modo, ela ocorre de forma direta e acoplada à interação mútua estabelecida entre organismo e ambiente.
Estudos mais recentes da Psicologia Ecológica reforçaram a hipótese gibsoniana de que a nossa percepção é direta, entre os quais destacamos o livro The Routledge Handbook of Embodied Cognition12, de 2014. Nele, Lawrence Shapiro e outros teóricos apresentam essa ideia respaldados pelo argumento de que a integração entre o homem e seu ambiente subjaz todo e qualquer processo cognitivo. Em um dos capítulos da obra, Michaels e Palatinus defendem a percepção direta por meio da seguinte situação:
Considere a trajetória de uma bola voando: seu diâmetro, massa, velocidade, rotação etc., podem ser identificados conforme as coordenadas cartesianas de espaço e tempo, assim como podem ser capturados pelas leis de Newton. Assim, antecipar um local de pouso demanda que o observador aplique algum algoritmo das leis da física. Se, por outro lado, a relação organismo-ambiente é levada em consideração (apanhador-bola), o problema e a solução vêm juntos: a informação ótica relevante indica como adaptar a corrida de modo a criar uma relação entre o apanhador e a bola que os coloque em uma rota de colisão (MICHAELS; PALATINUS, 2014, p. 20-21 [tradução nossa]¹³).
Com isso, os autores corroboram a noção de mutualidade entre organismo e ambiente, dado que a percepção e a ação ocorrem simultaneamente, e, além disso, desconstroem o entendimento de que nossa mente funciona por meio de um dispositivo algoritmicamente equipado. Outro exemplo para ilustrar o fato de que nossa percepção atua ecologicamente, e que, por isso, está sujeita a falhas (o que dificilmente ocorre em equipamentos guiados por processos binários), pode ser verificado em uma situação como: um goleiro, nos instantes que antecedem a marcação de um pênalti, observa atentamente as movimentações feitas pelo jogador. Muitas vezes, milésimos de segundos são determinantes para definir o local para o qual ele se jogará, tendo em vista que um movimento específico do atleta pode fornecer pistas sobre a direção do chute. Se nossa percepção fosse baseada em algoritmos, o goleiro jamais perderia um pênalti, pois seria capaz de prever, com precisão, para onde a bola seria lançada.
Outro conceito chave que está diretamente ligado ao de percepção, e que fornece subsídios para a construção de uma perspectiva ecológica da cognição e da linguagem, é o de informação, que será discutido a seguir.
1.1.2. INFORMAÇÃO
Gibson (1986) afirma que a percepção consiste em um ato de recrutamento de informação¹⁴. Essa ideia surgiu para confrontar as perspectivas representacionistas, segundo as quais o conhecimento resulta de processos cognitivos que são executados de modo indireto e sequencial.
Para desenvolver a hipótese acima mencionada, a de que a percepção ocorre de forma direta e por meio da captura de informações, o teórico apresenta, em seus estudos sobre a percepção visual, a diferença existente entre luz radiante e luz ambiente:
[...] a luz radiante causa iluminação; a luz ambiente é o resultado da iluminação. A luz radiante diverge de uma fonte de energia; a luz ambiente converge para um ponto de observação. A luz radiante deve consistir em um conjunto infinitamente denso de raios; a luz ambiente pode ser pensada como um conjunto de ângulos sólidos com um ápice comum. A luz radiante de uma fonte de energia não é diferente em direções distintas; a luz ambiente, em um ponto, é diferente em direções distintas. A luz radiante não tem estrutura; a luz ambiente tem estrutura. [...] a luz radiante é energia; a luz ambiente pode ser informação (GIBSON, 1986, p. 51 [grifo nosso] [tradução