Educar com a mídia
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Sobre este e-book
A presente edição conta ainda com prefácio inédito do professor e autor premiado Luiz Antonio Simas.
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Em 1963, em Angicos, interior do Rio Grande do Norte, trezentos trabalhadores rurais foram alfabetizados em apenas 40 horas, pelo método proposto por Paulo Freire. Esse foi o resultado do projeto-piloto do que seria o Programa Nacional de Alfabetização do governo de João Goulart, presidente que viria a ser deposto em março de 1964. Em outubro desse mesmo ano, Freire deixou o Brasil para proteger a própria vida. Apenas voltou a visitar o país em 1979, com a abertura democrática.
Ao longo de sua história, Paulo Freire recebeu mais de cem títulos de doutor honoris causa, de diversas universidades nacionais e estrangeiras, além de inúmeros prêmios, como Educação para a Paz, da Unesco, e Ordem do Mérito Cultural, do governo brasileiro. Integra o International Adult and Continuing Education Hall of Fame e o Reading Hall of Fame.
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"Por que é que eu penso que a internet, globalmente, é importante? Evidentemete, ela só nos dá informações. Eu não acredito nada nas pessoas quepensam com a internet. Mas ela anula o problema da informação. E as pessoas – os professores, os educadores – podem se dedicar a explicar como procurar a informação, como 'recortar' a informação, uma vez que agora há uma tal diversidade, uma tal acumulação, vertigionosa, diária, de informações, que é preciso 'recortá-las'. Se alguém te diz 'é branco', talvez seja preto, sei lá eu! É preciso ir buscar as fontes, cruzar as fontes, e aí, uma vez mais, pôr em prática o espírito crítico."
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Educar com a mídia - Paulo Freire
2ª edição
Paz e terraRio de Janeiro | São Paulo
2021
Copyright© Herdeiros Paulo Freire / Sérgio Guimarães
Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Paz e Terra. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de bancos de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copyright.
Editora Paz e Terra Ltda.
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Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
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Atendimento e venda direta ao leitor:
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Freire, Paulo, 1921-1997
F934e
Educar com a mídia [recurso eletrônico] / Paulo Freire. – 1. ed. – São Paulo: Paz e Terra, 2021.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5548-026-9 (recurso eletrônico)
1. Tecnologia educacional. 2. Comunicação de massa e educação. 3. Educação – Inovações tecnológicas. 4. Educação – Aspectos sociais. 3. Livros eletrônicos. I. Título.
21-70421
CDD: 371.334
CDU: 37:316.774
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
Produzido no Brasil
2021
A Madalena, Cristina, Fátima, Joaquim, Lut
e a Daniel, Hélder e Gustavo,
filhas e filhos,
educandos e educadores de nós,
e aos trabalhadores que,
da gráfica à editora, fizeram conosco este livro.
Sumário
Entre remédio e veneno
Luiz Antonio Simas
Na primeira vez em que li Paulo Freire de forma mais aprofundada, quando fazia a licenciatura em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro, chamou-me a atenção a crítica do pedagogo à educação bancária
, aquela que atribuía ao professor a posse do conhecimento e percebia alunas e alunos como simples depositórios de informações. Para Freire, o processo educativo – que passa pela escolarização, mas não se limita a ela – deveria partir da experiência de vida dos estudantes. A educação não pode prescindir dos fazeres cotidianos das pessoas.
É absolutamente compreensível, portanto, que Paulo Freire tenha refletido sobre as relações entre a educação e a mídia; tônica dos diálogos que estabeleceu com o parceiro, educador e escritor Sérgio Guimarães neste livro. Freire afirmou diversas vezes que uma das coisas mais terríveis para um ser humano é não pertencer ao seu tempo, ser um exilado da temporalidade. O compromisso com o tempo – pedra angular do Ser histórico – exige que estejamos disponíveis para encarar novidades, examiná-las, permitir que nos afetem como generoso exercício de alteridade, considerando a nossa incompletude e a necessidade de fazeres contínuos como dimensão da experiência da liberdade.
Em linhas gerais, Paulo Freire parte aqui da constatação de que as mídias não são boas ou ruins em si mesmas. É o uso que a escola fará delas que estabelecerá as perspectivas de limitação ou ampliação de horizontes cognitivos que as mídias trazem. Para Freire, afinal, as escolas não podem ser meros espaços fabricadores de memórias repetitivas, mas devem ser espaços comunicantes, exercidos a partir do convívio entre diferentes. É neste ponto que o educador afirma a distinção entre comunicação real e comunicado. A comunicação real é dialógica, reconhece interlocutores, afirma-se na disponibilidade para o aprendizado mútuo. O comunicado apenas enuncia sentenças acabadas, sem a abertura para o outro. É nocivo, quando não inócuo.
O desafio colocado pelas novas mídias aos educadores passa pela compreensão sobre como os meios de comunicação podem dialogar com as alunas e alunos, e se são capazes de criar possibilidades para que os estudantes se aproximem da temática estudada com mais interesse; abrindo, inclusive, as veredas para que eles desenvolvam um olhar crítico acerca do próprio conteúdo que as mídias apresentam. Para isso é importante que o educador ressalte o contexto de produção de determinado registro, os seus agentes produtores e as visões de mundo que potencialmente ele apresenta.
Ao trabalhar com essa possibilidade, estimulando o espírito crítico e desenvolvendo formas de comunicação, podemos, no ambiente escolar, colaborar ativamente para estimular o respeito à diversidade como um elemento fundamental da formação da cidadania e do exercício da política. Neste contexto, devemos pensar a escola como um espaço de convívio entre diferenças e diferentes, de alta complexidade. A reflexão crítica estimulada pelo ambiente escolar pode ser instrumento importante para a desconstrução de preconceitos e estereótipos que frequentemente são difundidos em outras esferas sociais.
É neste ponto que, ao ler os diálogos que este livro apresenta, não resisto a cruzar o pensamento de Freire à sabedoria ancestral oriunda das florestas brasileiras e praias africanas, imaginando um encontro entre o grande educador e Ossain, o orixá detentor do segredo medicinal das folhas.
Os orixás são deuses que moram nos elementos da natureza: no fogo, nos rios, nos mares, nas árvores, nas montanhas. Ossain vive nas florestas e recebeu de Olodumare, o grande criador, o poder para conhecer todos os vegetais. Ao fazer isso, Ossain descobriu que as plantas podem curar.
Um dia Ossain, que sempre caminha com um pássaro no ombro e ao lado de Arôni, seu ajudante, juntou as folhas mais importantes e as guardou numa cabaça. Feito isso, pendurou a cabaça no galho de uma árvore. Tal fato despertou a curiosidade de outros orixás, que queriam saber o que Ossain escondia.
Para resolver o mistério, e estimulada por Xangô, Iansã dançou chamando o vento, que derrubou o galho da árvore, quebrando a cabaça e espalhando as folhas sagradas pela floresta. Quando isso aconteceu, os orixás passaram a pegar determinadas plantas e folhas e a considerá-las como suas. Desta forma, aumentariam os seus poderes.
Exu pegou o abéré, que no Brasil nós chamamos de picão. Ogum pegou o ewé-lorogún (abre-caminho) e o peregun (pau d´água). Oxalá escolheu o odundum (saião) e depois o jimi (língua-de-vaca), capaz de curar problemas de pele com o seu chá. Oxossi disse logo que o koriko-oba (capim-limão) e o kaneri (carqueja) seriam dele. Iansã pegou as folhas do agbolá (fedegoso). Oxum, a senhora dos rios e do amor, preferiu pegar o ododo iyéiyé, a flor do girassol. Como protege as crianças, Oxum pegou também o àrusò, a nossa alfazema, que cura as febres dos bebês. Obaluaiê escolheu o àpèjebi, que nós chamamos de rabujo. Com essa folha, ele cura a asma e as picadas de cobra. Cada orixá escolheu as suas plantas, folhas e flores.
Havia, porém, um dilema. A folha só se transforma em remédio se for despertada pela palavra e pelo canto. Só o encantamento é capaz de dotar a folha dos atributos de cura. A ausência da palavra certa não encanta a folha. A utilização do canto errado durante a maceração das folhas, ou não desperta a folha de seu sono ou transforma em veneno o que era para ser o bálsamo.
Os orixás, mesmo tendo recolhido as folhas que o vento de Iansã distribuiu, precisavam ainda de Ossain, porque ele tinha o conhecimento das palavras e dos cantos capazes de dotar as folhas de vivacidade. E é essa a função de Ossain desde então: avivar a planta pela palavra.
O mito de Ossain fala fundamentalmente sobre a difusão do saber, o compartilhamento de informações e os seus dilemas. Através dele, Ifá evoca o poder da palavra que vira poema, canto, evocação do mistério, libertação e vitalidade; e alerta para o poder da palavra esvaziada. Isso cruza exatamente com os dilemas das mídias e redes que andam a nos conectar, difundindo beleza, saber, ignorância e ódio. Como usá-las para a aventura da libertação do ser é o nosso enorme desafio.
O Brasil de hoje, e as maneiras como nos conectamos e lidamos com as mídias, é folha colhida na mata diante do desafio de Ossain e de Paulo Freire: como produzir conhecimento encantado, que desperte a alegria e a cura das alunas e dos alunos, e como responder ao desafio que Freire lançou à educação e à relação entre mídia e processo pedagógico: ousaremos cantar para curar ou para envenenar e entristecer os corpos?
O pensamento poderoso de Paulo Freire é um convite para que pratiquemos a educação como uma aventura cotidiana, inacabada e incessante de busca da autonomia, da beleza e da liberdade.
De olho na mídia
Nota à 3ª edição
Dois minutos antes de começar a escrever este texto, ainda estava de olho na televisão. Carnaval 2003: sambódromo de São Paulo, lances do povo nas ruas da Bahia, o Rio sambando com 380 mil turistas e 30 mil policiais e militares de todas as armas para dar seguro à festa. Acredita nesses números? É o que diz o Jornal Nacional. Muito bem, e daí? O que é que há de novo nisso?
Um detalhe apenas: Bissau – a capital da República da Guiné-Bissau, de onde assisto à farra brasileira – não tem luz elétrica há mais de seis meses. Nosso único canal esteve de novo em greve, com salários tão atrasados quanto a luz da rede pública. Talvez só logo à noite seja possível ver, na tevê local, os grupos guineenses do entrado desfilando, à tarde, suas máscaras de papel machê ricas em cores, apesar de feitas em moldes de pobreza e argila. Já a Globeleza via satélite chega mesmo ao vivo – live, real time, como dizem os anglófonos hoje na moda –, pelo menos na casa de um grupinho de distintos habitantes de Bissau.
Diga-se de passagem: ao preço módico de mil dólares pelo conjunto decodificador-parabólica, mais 1 dólar/dia pelo buquê português, apelido – algo romântico, não acha? – dado a um conjunto de canais. Gerador próprio também é preciso, claro, mas não seja por isso: não é porque a globalização avança que vão acabar com as pequenas, médias ou grandes burguesias, concorda? Também é verdade que 88% da população da Guiné-Bissau – os 100% são cerca de 1 milhão e 200 mil – sobrevivem com menos de 1 dólar/dia, mas aí são outros quinhentos. Hoje é domingo, carnaval, melhor mudar de assunto.
•
O fato é que já lá se vão vinte anos: ainda tenho as cassetes originais, com as datas dos nossos diálogos anotadas nas caixas, de março a julho de 1983. O Paulo nessa altura morava num apartamento ali na rua Homem de Mello, bairro das Perdizes, São Paulo, onde fizemos todas as gravações. Dona Elza ainda vivia, e Lut, o mais novo – cujo nome você deve ter lido há pouco na dedicatória –, morava com eles.
O Paulo havia gostado tanto do nosso primeiro volume do Sobre educação¹ que aderiu logo com entusiasmo à ideia do segundo, todo voltado para um tema que, até então, ele praticamente não havia tratado: a questão dos meios de comunicação tornados possíveis com a invenção de novas tecnologias. Aliás, no capítulo terceiro, ele explica por quê:
Paulo: Exatamente porque eu nunca me senti competente, a não ser do ponto de vista de uma apreciação global. Se me perguntas: Paulo, o que é que você acha da televisão?
, eu te respondo: Para mim, a televisão não pode ser compreendida em si. Ela não é um instrumento puramente técnico, o uso dela é político. E sou capaz também de fazer algumas propostas com relação ao uso da televisão. Mas, mesmo quando não venho tratando desses chamados meios de comunicação em trabalhos meus anteriores, mesmo quando não falo diretamente sobre eles, eu os considero, por exemplo, dentro do horizonte geral da teoria do conhecimento que venho desenvolvendo nos meus trabalhos sobre educação.
Quando a primeira edição finalmente saiu, em 1984, o Paulo gostou do livro até mais do que eu. Lembro que, quando vi o primeiro exemplar, livrinho fino de capa azul, brinquei com ele que devíamos fazer o teste que o Mário de Andrade um dia sugeriu. Me explico, e quem souber melhor que me desminta. Consta que o grande poeta paulista havia se saído com esta bem-humorada definição de livro: é o que para de pé. O Paulo caiu foi na risada quando o nosso livrinho azul, de meras 120 páginas, titubeou na mesa e caiu.
Mais a sério, anos depois, durante a nossa última série de diálogos gravados, que deu origem ao Dialogando com a própria história,² ele dizia:
Paulo: Eu tenho gostado de tal maneira das incursões a esses papos de oito, nove anos atrás, ou ao longo desses anos todos; eu tenho gostado de tal forma do que temos dito juntos, que me obriguei – e vou cumprir esta tarefa – a reler todos esses livros, um por um, página por página… Até agora eu diria, sem nenhuma preocupação de pensar se o leitor está me achando doido, está me achando pedante, não importa o que o leitor pense no momento, mas eu vou fazer essa releitura também por uma questão de gostosura! (risos)
É que eu acho que temos dito qualquer coisa de forma elegante, de forma simples, que a mim