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Vade Mecum - Don M. Vargas
Vade Mecum
Don M. Vargas
Vade Mecum
Curitiba, 2023
Não há forma mais eficaz de en-
" sinar-te algo do que lhe mostrando as possíveis consequências de seguires meu conselho.
D "
on
M. Vargas
CAPÍTULO I
8
A EPOPEIA DE MENELIK A SEU DISCÍPULO
CAPÍTULO II
20
A SENHORA DA LUA MINGUANTE
SUMARIO
CAPÍTULO III
34 A DIVINA SÚPLICA DE KABHIR
CAPÍTULO IV
42 O FLORESCER DA QUIMERA
CAPÍTULO V
50 A DAMA DO BOSQUE
CAPÍTULO VI
58 O BERÇO NULO
CAPÍTULO VII
70 O CORVO MANCHADO
CAPÍTULO VIII
76 O GRANDE MERCADO DE JOIAS
CAPÍTULO IX
90 A ESTRELA DE CHELIABINSK
isão
CAPÍTULO X
102
revas
O PREÇO DO MILAGRE
en
pA
6
7
7
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XXI
114
216
UM ESTRANHO SENHORIO
AABAD SARIE, O MENSAGEIRO DOS REIS
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XXI
118
230
A REDENÇÃO DO RATO
ULAN BATOR
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XXIII
130
242
A EXPEDIÇÃO
MALDITA RAPOSA
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XXIV
144
248
A SOMBRA DO DEMÔNIO BLEMITA
A PRÁTICA DO SHAKRIAVRAT
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XXV
162
270
O COVIL DA BESTA
DOLGHUL-KHAN
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVI
168
284
REENCONTRANDO A SERPENTE
FINALMENTE, O CAJADO
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XXVII
176
292
CONSEQUÊNCIAS DE UM NEÓFITO
A ÚLTIMA HISTÓRIA
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XXVIII
186
298
O JANTAR
A TORRE DO CEIFEIRO
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XXIX
198
308
A HISTÓRIA SEM FINAL FELIZ
A BATALHA DE WUHAI
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXX
202
320
A MURALHA DE FOGO E ÓDIO
A QUEDA DO INVENCÍVEL
8
8
9
VADE MECUM
M
ECUM
CAPÍTULO XXXI
328 SOB AS SOMBRAS DA LITEIRA
isão
CAPÍTULO XXXII
revasenp
340 A CIDADE DE LHIMORRA
A
CAPÍTULO XXXIII
348 O RETORNO DO REI
CAPÍTULO XXXIV
354 O DIÁLOGO DO ELÍSIOS
10
10
11
11
CAPÍTULO
I
— No princípio da quar- consumirão! — Semeia dú-ta era, os sacerdotes das cin- vida às almas de reis, dando co luzes reuniram-se a revelar início à atual era de dor.
tudo o quanto havia de oculto
Alundra, Grão-Mestre
A EPOPEIA DE MENELIK A
sobre a Terra, pelo Yaratilis-
Lunar, dono de colossal sabe-
-Ayini, o rito da criação, e eis doria, não tardou em investi-SEU DISCÍPULO
que surge O Desconhecido — gar e acusar a si próprio. Es-diz Menelik.
quadrinhou as profundezas
Árvore de negras raízes da mente pelo rastro de ta-alojadas no seio das trevas manho ultraje que pudera ter com um único fruto pulsante cometido, perdeu-se de seu a balançar, feito o coração, corpo... Hoje existe somente revolve-se entreolhando os ali no Mundo dos Sonhos.
presentes. E maculando o sa-
Dalva, O Silencioso, se-
grado local, diz:
nhor e sacerdote das estrelas,
— Eis que um de vós me cujo corpo e face tem cober-deu vida e, portanto, todos se tos em imenso véu branco, 12
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13
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matrimonial, e de quem nunca se ouviu palavra alguma. Vira, Menelik continua:
apartando-se da terra, tão calado quanto indiferente, para nun-
– A arte de cada Ordem consiste em como retiram da rea-ca mais ser visto, e jazem oitocentos anos, também nem outro lidade partículas primordiais do espírito. A matéria é estrutu-sacerdote das estrelas.
rada por quantidade incalculável de pequenas pecinhas
que, Posto a julgamento, Yo, A Estrela Pesada, Mestre da encaixando-se, cada uma à sua devida morada, formam a vida Luz dos Homens e imaculado pelas bênçãos mortais, a quem vista agora: plantas, peixes, esse manto que tu vestes e a mim...
não seria título algum dado se houvesse nele transgressão.
Cabe ao iniciado entendê-las, reunindo-as e, por vezes, desmon-Isento de culpa por natureza, constituiu-se julgador e redator tando-as, se preciso, devido à vontade da Providência Divina.
da lei sobre os doze estados Tártaros, tendo como os primei-
— Sendo a fonte a mesma, por que Ordens diferentes?
ros interrogados: Ramsés III, senhor do Sol, e os Gêmeos
— Bem, como você pode imaginar, a realidade não é sim-Siameses, Booleanos, Grãos-Mestres conjuntos na Ordem do ples, tampouco escassa. Levariam centenas de gerações a fio Fogo, a qual eu, Menelik, faço parte e transmito a vós, Kabhir, até que esgotassem suas máximas. Assim, os primeiros decidi-o caminho da iniciação.
ram estudar aspectos específicos do Único, Ul-Alqamitar, selan-Ramsés, indignado pelo vislumbre da suspeita entre as do pacto na criação da Aliança Eterna das Ordens, no concílio fraternidades, limitou seu poder com a criação do Estatuto So-de Tir-Alqamitar. — O mago pausa por um momento e retoma: lar, reduzindo em um terço a luz do Sol em seu brilho até que
— O que já é outra história, certamente não para dia tão frio.
o culpado fosse entregue a julgamento.
— Ainda existe?
Como Fryir e Lagash, os gêmeos, retiravam da morte a
— O quê? A Aliança ou o documento? O documento, sim!
energia de criação primordial a seu poder, levaram sobre si Se não me engano, existe uma cópia, justamente no mosteiro maior culpa, fomentada pela proximidade às trevas, e desde para o qual estou te levando, mas a Aliança, não sei... Sincera-então, nós, sacerdotes do fogo, somos caçados, proibidos de mente, não sei.
exercer em público, mesmo que em legítima defesa, a nossa
— Deve ser um extenso documento — supõe Kabhir.
arte. Assim é e assim deve ser.
— São dez páginas de assinaturas, leis e comentários.
— Mestre, apaguemos depressa a fogueira! Vamos, ou Constam, por exemplo, que a vida manifesta-se em duas faces, podemos ser pegos assando batatas! — fala Kabhir.
dia e noite, por isso, deve ser compreendida distintamente, Menelik gargalha e diz:
dando início à Ordem da lua e do sol.
— Não, nobre Kabhir, a arte do fogo não é literal pro-
— E quanto a nós? O fogo...
dução de chamas. Caso fosse, como fariam os ferreiros? Ou
— As chamas não existem por si mesmas, porém, mol-quem assa os pães?
dam o que tocam, tornam-se vivas, feito animal selvagem. São
— Então, o que é? — indaga Kabhir.
como a vida no sangue! Antes de nasceres, eras um breu, um 14
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vácuo, nada além de um desejo alojado em seus pais, mas hoje Tal mestre vindo da Abissínia, ou para vós, Etiópia, 1,87
respiras aqui, junto a mim. Vês? Por isso, nos foi incumbido o de altura, pele parda, de fisionomia comum árabe/turca, barba estudo da Vida e da Morte... Já ao seu ínterim, deu-se o nome longa, negra, pouco grisalha, cabelos igualmente mesclados, co-de História.
bertos em um grande turbante branco. Quase sempre visto em
— Os pensamentos são constituídos pelo Éter? E quanto seu manto verde sobre a túnica de linho e cachimbo a tiracolo.
ao vácuo?
Acompanha o menino desde sua decisão ao ingressar, há Pressionado e com um sorriso de canto, Menelik diz: quase dois anos, em uma caminhada ao mosteiro, localizado
— Aquieta-te em teu entusiasmo! Hoje obteve informa-nas montanhas de Altai, Sibéria, do outro lado do mundo, com ção em demasia, e se erro, repita tudo o que lhe disse. – Aguar-o intuito de encontrar a múmia-monge do santo Yuang-Baal.
da um instante a reação do menino e continua: -Terminemos, Kabhir, passando pelo teste, sentirá o éter da realidade como pois, de comer e descansar. Às colinas à frente, todo fôlego a pele sente o vento, caso não, será incinerado instantaneamente.
será bem-vindo.
Perto ali, o trepidar de rodas maciças em madeira, es-Fartos e em repouso, Menelik e Kabhir, ao sopé da ser-magando pedras sobre a estrada, ao lado de ambos, chama ra, beira chão a estrada principal, onde mercadores e prínci-atenção. Avistam uma pequena carruagem puxada por um par pes põem em marcha caravanas, a fim de conseguir bênçãos de búfalos, enxuta e em velhos panos, seguindo em direção ao dos santos residentes sobre os picos; preparam-se em trajes e mosteiro sobre a montanha.
louça para prosseguir rumo a Altai, especificamente no mos-Como cocheiro, um senhor de barba grisalho-loira, ves-teiro da Lua Minguante.
tido com couro de urso pardo e em tamanha desgrenhês que Kabhir, menino nascido em Lhimorra, cidade mercantil lo-seus cabelos confundem-se com os pelos do animal, baforan-calizada na divisa norte do Império Persa (onde atualmente fica o do nuvens de calor ofegante na manhã fria adentro.
Paquistão) com a Índia, próximo a Caxemira, filho de duas mães
– Olá, bênçãos de Yuang a vós, viajantes! Que vosso dia mercadoras de ventre, prática comum a seus conterrâneos.
seja excelente — diz o homem na carruagem.
Vendido a Menelik por trinta moedas de prata em um Menelik mantém silêncio. Kabhir toma a frente: domingo e liberto por seu senhor, e agora mestre, já na segun-
— Bênçãos ao senhor também! Tenha um excelente dia.
da-feira. De corpo franzino, 1,60 de altura, fisionomia típica da
– E antes que prossiga, é interrompido por forte gemido vindo região: cabelos negros, compridos, até as costas, cobertos por da cabine, semelhante ao de uma mulher com dor. Pouco se peça de cetim grená, servindo-lhe de manto.
afastam e Menelik indaga:
Decidido a trilhar o perigoso caminho da magia, propor-
— Parece-me que o senhor necessita de auxílio. Pode-cionado pela Ordem do Fogo, acompanha Menelik, seu alfor-mos lhe fazer algo?
riador e amigo mestre.
Para e responde o velho:
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— Ora, não devem se incomodar. Minha esposa está em Alguns minutos se passam e com a subida da serra, gravidez complicadíssima e já se vão quase nove meses de do-Kabhir, hipnotizado pela beleza das altitudes, vislumbra a paires intensas e diárias. Talvez consigamos alívio com o toque sagem do fim de inverno pela janela, perdendo-se em pensa-de Yuang. Somente ele nos ajudará.
mentos.
— De maneira alguma é incômodo – diz Menelik. - Meu se-
– Mumur? Mumur? – Sem sucesso, Menelik o chama, nhor, também estamos indo em direção ao mosteiro. Na realida-até que decide tocar em seu ombro e ganha sua atenção. – O
de, gostaria de lhe pagar uma porcentagem simbólica pela carona.
que o aflige, meu nobre?
Encabulado fica, então, o cocheiro. Faltam-lhe as pala-
– Reflito sobre como chegou a este estado de dor o mun-vras para negar tal oferta, portanto, aceita, muito relutante: do, sendo o mesmo tão lindo...
— Bem está, porém, quais são vossos nomes?
– Algum palpite?
Antes que Kabhir pense em falar algo, Menelik o inter-
– Bem, todos fazem o melhor que podem e sofrem em rompe, dizendo:
medidas diferentes. Assim como sorriem, reflito sobre o moti-
– Eu sou Jenneffi de Damasco, e esse é o filho bastardo vo, não achando solução — responde Kabhir.
de meu irmão Lamed, Mumur. Estamos indo ao monastério a
– Crês tu existir harmonia na paisagem que vês?
fim de encontrar cura para a doença grave que assola seu pai.
– Sim, nesta, sim! De outra forma, não seria tão bela.
Então, o homem responde:
– Pois, neste exato momento, centenas de animais são
– Certo, certo. Jenneffi de Damasco e Mumur. Meu nome mortos por outros e milhares de plantas morrem à chegada do é Rudolf. Sou Tártaro, e minha esposa Yannora está na cabi-inverno. Podes desvendar tal misterioso propósito?
ne. Por favor, não a importunem!
– Não há semelhança, mestre! Sei bem que o que dizes Ambos concordam, dão quatro moedas de bronze a Ru-acontece, mas entre nós, cientes, sinto algo mais.
dolf e prontamente juntam suas coisas, instalando-se na cabi-
– Não erras, de fato existe, porém, não impute na dor ne da carruagem.
e no sofrimento o mal da Terra, pois em corretas efas, mes-O interior da cabine é de forro simples, azul desbotado, mo estes, comungam da Providência. Nasce um dia e tame nele está encostada uma mulher branca como a neve, de bém o outro, mas a semente sofre ao brotar e descansa em cabelos negros compridos e rosto abatido, gemendo baixo e sua morte.
suando frio. Sobre algumas cobertas e ao lado, odres de água Kabhir, maravilhado, pergunta:
reserva e trouxas de roupas.
– Do que, então, se trata?
Cumprimentam-na e instalam-se no outro canto, próxi-
– Seres caminham neste mundo Kabhir, e não deveriam mo à janela, até que a carruagem novamente entra em movi-existir. Nascem da dor e reproduzem-na. Como quimeras
, mento.
mas atenta-te, são induzidas a tal mal por seus feitores.
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– Com o que se parecem?
Ainda entre gemidos, retira seu rosto da frente em si-Menelik responde, de imediato:
nal de negação, sinal este que o menino ingenuamente ignora,
– A todas formas: cada uma, a seu nível, cumpre profano mantendo a importunação. Menelik diz: papel em prol das trevas.
– Mumur, respeite o pedido que Rudolf nos fez e volte já
– Ora, mas se nascem, são segundo o que deveriam ser, para cá! Estamos a quilômetros de distância do mosteiro. Não não?
nos faça perder esta ajuda por sua inconveniência!
– São engendrados, meu nobre! Vou lhe contar uma his-
– Ouça o que ele diz, garoto, não me perturbes! – entre tória. – Arruma-se no assento, acendendo o cachimbo.
mais tosses, a mulher exclama.
Conta-lhe que certa vez, uma quimera atacou um peque-Com o abrir de sua boca, um hálito terrível atinge as no vilarejo de pescadores ao sul de Kandahar, próximo ao gol-narinas do jovem, que logo leva um pedaço da borda de seu fo pérsico. O povo afugentou-se para as muralhas da cidade, manto sobre a face, afastando-se, enojado.
mas os militares negaram asilo à maioria.
Sombreando os olhos da mulher, terríveis olheiras e Presos entre as rochas e o monstro, foram assolados.
veias vermelhas como sangue fresco saltam de sua face, como A criatura que emergiu da praia possuía enorme cabeça de se esta estivesse sendo acometida de intensa pressão arterial.
bebê, sob coroa de ossos; da cintura para baixo, era como Menelik e Kabhir não tardam a desviar olhares, guiando-caranguejo, sua traseira, como cauda de peixe, e possuía
-os a qualquer canto da cabine, desde que não em sua direção.
mãos de gorila. Seu grito estourou os tímpanos ao seu al-Recostados à janela direita, como de origem, o sacerdo-cance, e quem assim não morreu, foi esfolado em plena te alerta seu discípulo, sussurrando: praia.
– Não durmas nem por um segundo até chegarmos ao Kabhir pergunta, curioso:
mosteiro...
— Mas como sabes que não nasceram assim? Criaturas míticas ou algo do tipo?
– Seu grito era uma súplica pela sua própria morte, mas há mais de uma quimera nessa história que lhe contei. – Menelik é interrompido por forte tosse e pigarro, que assola a mulher no canto oposto da cabine.
Kabhir levanta-se a fim de ajudá-la. O abissínio tenta impedi-lo, porém não a tempo.
— Minha senhora, tome um pouco de água! – Kabhir, assim, entrega-lhe seu cantil particular.
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CAPÍTULO
II
O odor de carniça im-
Em sonho, o jovem ca-
pregna as narinas do meni- minha deserto adentro, tendo no, introduzindo-o aflição
na mão direita uma corda,
terrível. Em seu desespero,
com a qual puxa um bode
fixa o olhar na parede, repe- preto para a expiação dos pe-A SENHORA DA LUA
tindo o conselho de Menelik cados, e alguém, que não se feito um mantra enquanto
pode ver a face, sendo puxa-
MINGUANTE
o acalanto da mata assalta
do igualmente pela esquerda.
seus olhos, mas o dia é lon-Ergue os olhos ao céu
go e o ninar da carruagem — e ouve tremendo estrondo somado à fatiga — coloca-o a de vidro partindo-se, seguido cambalear. Confere se todos pelo próprio rachar do fir-haviam dormido e sente-se mamento que cruza a Terra confortável. Com o direito como um raio, de leste a oes-a seu descanso, cambaleia te. Até que uma luz surge so-novamente, de um lado para bre as frechas e ouve a voz de outro, sucumbindo.
Menelik:
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– Mumur! Mumur!
sono, são implacáveis. Assassinos não se aproximam a cem Então, abre os olhos, percebe a carruagem já parada so-milhas daqui, pois ao dormirem, são detectados e mortos.
bre pequena clareira, e vê os primeiros raios de sol mingua-
— E quanto ao que ela sofria?
dos, devido ao Estatuto Solar, cavalgando o horizonte.
— Direi a Miranda, ela está sob o comando aqui há déca-Ambos descem, despedem-se de Rudolf e entram pela das e vai saber me explicar. Seja o que for, é melhor estarmos trilha de rochas à frente, que leva à parte mais alta. Avistam atentos.
também o mosteiro da Lua Minguante e sua frondosa nature-Mosteiro adentro, em meio a vielas gramadas e paredes za quase mista entre as construções; brancas e grandiosas, de curvas pedras brancas, entre janelas redondas e espelha-com um vilarejo aos seus pés.
das em prata polida, chegam ao pátio do Templo.
Os acetas vivem em paz, com economia pacífica de grãos Aromas como o de páprica fresca, manjericão, alecrim, e temperos das montanhas. Após a última torre do desfiladeiro, endro, sálvia e tantos outros cintilam pelo ar, dando gosto à um mirante dá-lhes visão sobre a cordilheira e estradas conexas.
respiração. Uma grande sacada arqueada o contorna, susten-Menelik ali já estivera, então prosseguem até um devido tada por colunas de pedra, em suas dezenas, beirais entalha-pátio principal do mosteiro do qual tanto falou durante a viados com iconografias de lendas locais, corrimãos de madeira gem. Kabhir diz:
sob tinta amarela. Debaixo dela, organizam-se barracas dos
— Seu hálito é putrefato, sua presença perturbou meu mais variados produtos.
espírito. - Cheirando-se, o abissínio diz: O mercado costumeiro matinal e as oferendas aconte-
— Não é para tanto, Kabhir, estou apenas alguns dias cem ali, também naquela manhã.
sem higiene! – Mas, gargalhando, o menino explica: A multidão próxima não permite, devido ao seu volume,
— A mulher, mestre, não o senhor! — Já em tom sério, o que localizassem a entrada, mas Menelik pede a Kabhir que mago diz:
suba em um barril para avistá-la:
— Estou ciente. Não dormem também há dias, são prati-
— Vai identificá-la por uma porta de madeira redonda, cantes de feitiços, sem dúvida.
amarelada, nessa direção.
— O que está havendo? — Kabhir questiona.
— Vejo-a! Uma grande porta debaixo de uma sacada ex-
— Por que, justamente próximos ao templo da Lua Min-tensa com três janelas, mas está fechada e também há enorme guante, viajantes escolheriam abdicar do sono? — apenas in-fila à sua frente.
daga Menelik, em resposta ao outro.
— Aguardam sua abertura?
— Para se esconderem? – supõe Kabhir.
— Não, já são atendidas. Pessoas sentadas em esteiras
– Exatamente, meu nobre! – confirma o mago. — Sacer-de palha, vestidas com brancos véus, fazem este papel. Três dotes da lua possuem dócil aparência, mas uma vez em nosso cestas grandes os separam do restante do povo: uma de frutas, 24
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outra com um incensário e outra repleta de recipientes com Quando finalmente chega sua vez, deixam a oferenda ao líquidos — Kabhir descreve com detalhes.
centro recomendado entre os sacerdotes, retrocedem alguns
Oferendas?
, pensou Menelik ao ouvir a descrição.
passos e, ajoelhados, agradecem pela oportunidade.
– Vamos até lá! – exclama Menelik, continuando pela Ali, sentados, agora com mais nitidez, Kabhir observa rua que se estende entre o mercado.
assustado as vestimentas de caráter indistinguidor de seus Ao final da fila, abordam uma senhora coberta até o ros-usuários; homens e mulheres cobertos pelo mesmo véu, ade-to em pano grosso de lã, aparentemente vinda da Mongólia.
reços de prata nos pulsos e tornozelos alvos, já em alguns, Sobre os ombros, veste animais estranhos. Também ali aguar-fitas de linho que esvoaçam com o vento.
da sua vez com notória aflição.
Um sacerdote à direita diz:
– Bênçãos de Yuang, minha senhora. Por quais motivos
– Cuidamos de seu sono até aqui, Menelik, porém, dis-as oferendas