Manual de Processo Constitucional: Mandado De Segurança - Ação Civil Pública – Ação Popular – Habeas Data - Mandado De Injunção – ADIN – ADECON – ADPF
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Manual de Processo Constitucional - Vidal Serrano Nunes Júnior
Manual de
Processo Constitucional
MANDADO DE SEGURANÇA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AÇÃO POPULAR
HABEAS DATA
MANDADO DE INJUNÇÃO
ADIN
ADECON
ADPF
2021
Vidal Serrano Nunes Júnior
Marcelo Sciorilli
MANUAL DE PROCESSO CONSTITUCIONAL
MANDADO DE SEGURANÇA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO POPULAR
– HABEAS DATA – MANDADO DE INJUNÇÃO – ADIN – ADECON – ADPF
© Almedina, 2021
AUTORES: Vidal Serrano Nunes Júnior e Marcelo Sciorilli
DIRETOR ALMEDINA BRASIL: Rodrigo Mentz
EDITORA JURÍDICA: Manuella Santos de Castro
EDITOR DE DESENVOLVIMENTO: Aurélio Cesar Nogueira
ASSISTENTES EDITORIAIS: Isabela Leite e Larissa Nogueira
DIAGRAMAÇÃO: Almedina
DESIGN DE CAPA: FBA
ISBN: 9786556272665
Agosto, 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Nunes Júnior, Vidal Serrano
Manual de processo constitucional / Vidal Serrano
Nunes Júnior, Marcelo Sciorilli. -- São Paulo : Almedina, 2021.
Conteúdo: Mandado de segurança -- Ação civil
pública -- Ação popular -- Habeas data -- Mandado de
injunção -- ADIN -- ADECON -- ADPF
Bibliografia.
ISBN 97-86-55627-266-5
1. Direito constitucional 2. Direito constitucional - Brasil 3. Direito processual
4. Direito processual - Brasil I. Sciorilli, Marcelo. II. Título.
21-67296 CDU-342:347.9(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Processo constitucional : Direito 342:347.9(81)
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
EDITORA: Almedina Brasil
Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
www.almedina.com.br
NOTA DOS AUTORES
Esta nossa 1ª edição do Manual de Processo Constitucional, trazida a lume pela editora Almedina, corresponde, em linhas gerais, à 4ª edição do nosso Mandado de Segurança.
Com as necessárias atualizações e a inserção de outras ações constitucionais na proposta original, o singelo título Mandado de Segurança passou a representar, de forma insuficiente, o efetivo conteúdo da obra.
Assim, por compreender não apenas o exame do Mandado do Segurança, mas também o da Ação Popular, da Ação Civil Pública, do Habeas Data, do Mandado de Injunção e das ações de controle de constitucionalidade (ADC, ADI e ADPF), o título anterior não correspondia à real abrangência do livro.
Optamos, assim, pela nova denominação, mais consentânea com a temática das ações constitucionais, à exceção somente do Habeas Corpus, instituto não abordado neste Manual.
Vidal Serrano Nunes Júnior
Marcelo Sciorilli
SUMÁRIO
MANDADO DE SEGURANÇA
Capítulo 1 Conceito e Natureza Jurídica
Capítulo 2 Cabimento
1. Direito líquido e certo
2. Direito não amparável por habeas corpus ou habeas data
3. Ilegalidade ou abuso de poder
4. Ação ou omissão, atual ou iminente, de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público
Capítulo 3 Restrições ao Cabimento do Mandado de Segurança
1. Ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo
2. Decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo
3. Decisão judicial transitada em julgado
4. Lei ou ato normativo em tese
5. Mandado de segurança e ação de cobrança
6. Ato político (ou de governo), ato interna corporis e processo legislativo
7. A questão dos atos disciplinares
Capítulo 4 Legitimidade Ativa e Passiva: Impetrante e Impetrado
1. Legitimidade ativa: impetrante ou sujeito ativo
2. Legitimidade passiva: impetrado ou sujeito passivo
Capítulo 5 Prazo para a Impetração
Capítulo 6 Competência
1. Critério para definição
2. Impetração perante juízo incompetente
3. Deslocamento
da autoridade coatora
Capítulo 7 Procedimento
1. Petição inicial
2. Tramitação do writ e indeferimento da petição inicial
3. Liminar
3.1 Pressupostos para a concessão
3.2 Caução ou contracautela
3.3 Impugnação à decisão que concede ou nega a liminar
3.4 Vedações à concessão de liminares
3.5 Perda da eficácia
3.6 Liminar e denegação do mandado de segurança
4. Notificação e informações da autoridade coatora
5. Desistência
6. Litisconsórcio e assistência
7. Intervenção do Ministério Público
8. Sentença e coisa julgada
9. Execução
10. Efeitos patrimoniais pretéritos decorrentes da concessão da ordem
11. Recursos
12. Honorários advocatícios e custas processuais
Capítulo 8 Mandado de Segurança Coletivo
1. Considerações gerais
2. Legitimidade ativa
3. Objeto
4. Litispendência e coisa julgada
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Capítulo 1 Conceito
Capítulo 2 Interesses ou Direitos Tutelados
Capítulo 3 Inquérito Civil
1. Conceito, natureza jurídica e características
2. Instauração
3. Instrução
4. Conclusão e valor probatório
Capítulo 4 Competência
Capítulo 5 Legitimidade ad causam
Capítulo 6 Outros Aspectos Processuais
1. Rito processual
2. Objeto e pedido
3. Tutela cautelar e antecipação de tutela
4. Litispendência
5. Desistência e transação
6. Sentença e coisa julgada
7. Recursos
8. Execução
9. Custas e honorários advocatícios ou periciais
AÇÃO POPULAR
Capítulo 1 Conceito, Finalidade e Natureza dos Interesses Tutelados
Capítulo 2 Legitimidade Ativa e Passiva
1. Legitimidade ativa
2. Legitimidade passiva
Capítulo 3 Objeto e Requisitos da Ação Popular
Capítulo 4 Competência
Capítulo 5 Ministério Público
Capítulo 6 Procedimento
1. Peculiaridades do rito na ação popular
2. Suspensão liminar do ato lesivo
3. Sentença e coisa julgada
4. Recursos
5. Execução
6. Prescrição
HABEAS DATA
Capítulo 1 Conceito, Objeto e Natureza Jurídica
Capítulo 2 Cabimento
1. Assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante
2. Assegurar a retificação de dados relativos à pessoa do impetrante
3. Assegurar a anotação, nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro
4. Informações constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público
5. Habeas Data ou Mandado de Segurança?
Capítulo 3 Prévio Requerimento Administrativo e Interesse de Agir
Capítulo 4 Legitimidade Ativa e Passiva: Impetrante e Impetrado
Capítulo 5 Competência
Capítulo 6 Outros Aspectos Processuais
MANDADO DE INJUNÇÃO
Capítulo 1 Conceito, Finalidade e Objeto
Capítulo 2 Pressupostos
1. Falta de norma regulamentadora
2. Inviabilidade do exercício de direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania
Capítulo 3 Competência
Capítulo 4 Aspectos Processuais
1. Legitimidade ativa e passiva
1.1 Legitimidade ativa
1.2 Mandado de injunção coletivo
1.3 Legitimidade passiva
2. Prazo para impetração
3. Procedimento
3.1 Desistência
3.2 Perda do objeto
3.3 Liminar
3.4 Sistema recursal
4. Conteúdo da decisão proferida em mandado de injunção
4.1 Possibilidades
4.2 Evolução da jurisprudência e posição do STF
5. Execução, efeitos e coisa julgada
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
a) Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica
b) A ação direta de inconstitucionalidade por omissão
c) Ação direta de inconstitucionalidade interventiva
A AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)
Capítulo 1 Considerações Gerais
Capítulo 2 Preceito Fundamental
Capítulo 3 Modalidades e Objeto da ADPF
a) ADPF principal ou direta
b) ADPF incidental
Capítulo 4 O Caráter Subsidiário da ADPF
Capítulo 5 Legitimidade ad causam e Competência
Capítulo 6 Procedimento e Efeitos da Decisão na ADPF
1. Procedimento
2. Efeitos da decisão na ADPF
REFERÊNCIAS
MANDADO DE SEGURANÇA
Capítulo 1
Conceito e Natureza Jurídica
Inserido formalmente na ordem jurídica nacional a partir da Constituição Federal de 1934 (artigo 113, nº 33), e tido como criação tipicamente brasileira, o mandado de segurança foi mantido nos diplomas constitucionais de 1946, 1967 e 1969. Atualmente vem previsto no artigo 5º, inciso LXIX, do texto constitucional, que assim dispõe:
"conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público;"
A disciplina infraconstitucional do chamado mandamus ou writ foi estabelecida, por mais de cinquenta anos, pela Lei nº 1.533/51. No mesmo período, as Leis nº 2.270/56, 4.348/64 e 5.021/66, dentre outras, também carrearam disposições específicas aplicáveis ao mandado de segurança, tais como a vedação de concessão de liminares para liberação de mercadorias estrangeiras apreendidas (Lei 2.270/56), a suspensão da execução da liminar ou da sentença (Lei 4.348/64) e o pagamento de verbas a servidores públicos por conta de sentença concessiva de mandado de segurança (Lei 5.021/66).
Em 7 de agosto de 2009, todavia, foi promulgada a Lei nº 12.016, que revogou a Lei nº 1.533/51 e passou a regrar tanto o mandado de segurança individual como o coletivo. O novo diploma legal não apresenta, em linhas gerais, grandes inovações. Incorpora algumas orientações já consagradas na doutrina e na jurisprudência, promove uma consolidação das leis esparsas que dispunham sobre o mandamus e mantém inconstitucionalidades oriundas do texto anterior. Traz, ainda, disposições sobre o mandado de segurança coletivo, até então carente de regulamentação específica.
Dispõe o artigo 1º da Lei nº 12.016/09 que:
"Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça."
A partir de seu delineamento normativo, o mandado de segurança foi conceituado por Hely Lopes Meirelles como "o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça."¹
José Afonso da Silva sustenta tratar-se de um remédio constitucional, com natureza de ação civil, posto à disposição de titulares de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
²
Adotando noção mais sucinta, José dos Santos Carvalho Filho vislumbra no mandado de segurança uma ação de fundamento constitucional pela qual se torna possível proteger o direito líquido e certo do interessado contra ato do Poder Público.
³
O mandado de segurança tem a natureza jurídica de ação civil de rito sumário especial. Independentemente da matéria nele veiculada (civil, penal, trabalhista, eleitoral, militar, previdenciária, tributária etc.), o mandamus será, sempre, ação de natureza civil. Aplicam-se ao seu processamento, portanto, além da legislação específica de regência, isto é, a Lei nº 12.016/09, as disposições do Código de Processo Civil em caráter subsidiário.
Juntamente com o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular e a ação civil pública, o mandado de segurança compõe o rol dos chamados remédios constitucionais, vocacionados sobretudo à tutela dos direitos fundamentais insculpidos em nossa Carta Magna.
Nesse sentido é a lição de Sérgio Ferraz:
Assim vista a questão, pode-se admitir, sem receios, a dúplice natureza do mandado de segurança: garantia constitucional contra ato de autoridade; instrumento processual, de jurisdição contenciosa, que submisso à dimensão de garantia constitucional, o implementa no dia-a-dia
.⁴
Desse modo, entendemos por bem conceituar mandado de segurança como o remédio constitucional, predisposto à proteção de direito líquido e certo, pertencente a pessoa física, a pessoa jurídica ou a entidades, públicas ou privadas, dotadas de capacidade processual, que tenha sido lesado, ou ameaçado de lesão, por ação ou omissão de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições próprias do poder público.
-
¹Mandado de Segurança.Atualização de Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 25.
²Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 450.
³Manual de Direito Administrativo. 19 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 911.
⁴Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 19.
Capítulo 2 Cabimento
De acordo com os parâmetros formatados no artigo 5º, inciso LXIX, da CF, e no artigo 1º da Lei nº 12.016/09, reclama-se, para a impetração de mandado de segurança, a presença dos seguintes requisitos:
i. direito líquido e certo;
ii. direito não amparável por habeas corpus ou habeas data;
iii. ilegalidade ou abuso de poder;
iv. ação ou omissão, atual ou iminente, de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público.
1. Direito líquido e certo
O direito líquido e certo que rende ensejo à impetração do mandamus é, segundo a concepção clássica de Hely Lopes Meirelles,
o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
⁵
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, assim dispõe sobre o tema:
"Originariamente, falava-se em direito certo e incontestável, o que levou ao entendimento de que a medida só era cabível quando a norma legal tivesse clareza suficiente que dispensasse maior trabalho de interpretação.
Hoje, está pacífico o entendimento de que a liquidez e certeza referem-se aos fatos; estando estes devidamente provados, as dificuldades com relação à interpretação do direito serão resolvidas pelo juiz. Esse entendimento ficou consagrado com a Súmula nº 625, do STF, segundo a qual ‘controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança’.
Daí o conceito de direito líquido e certo como o direito comprovado de plano, ou seja, o direito comprovado juntamente com a petição inicial. No mandado de segurança, inexiste a fase de instrução, de modo que, havendo dúvidas quanto às provas produzidas na inicial, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito, por falta de um pressuposto básico, ou seja, a certeza e liquidez do direito".⁶
Líquido e certo é, pois, o direito comprovado no momento da impetração, vale dizer, que prescinde de outros meios de prova além daqueles que já acompanham a petição inicial. A prova que dá suporte à impetração deve ser, portanto, pré-constituída, na medida em que o rito célere conferido ao processamento do writ não dá oportunidade à abertura de dilação probatória.
Complexidade ou controvérsia jurídica sobre a matéria posta em juízo não constitui óbice à concessão do mandado de segurança, consoante, a propósito, prescreve o enunciado da Súmula nº 625 do STF. O que repele a impetração do writ é a controvérsia (que não se confunde com complexidade) sobre a existência ou não dos fatos alegados na peça inicial. Tanto assim que a expressão direito líquido e certo
é alvo de críticas por parcela da doutrina, pois o fato ensejador da impetração é que deve ser líquido e certo, e não o direito em si mesmo. Como leciona Carlos Alberto Menezes Direito, "tenha-se presente sempre que fatos complexos não desqualificam o uso do mandado de segurança. O que tira a idoneidade do writ é a necessidade de provas complementares. O rito especial, como já afirmado, não comporta dilação probatória."⁷
Admite-se, porém, uma hipótese em que a impetração poderá vir desacompanhada da prova documental necessária à comprovação dos fatos alegados. Trata-se de situação em que o documento necessário à prova do fato se ache em repartição ou estabelecimento público, ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão. Nesse caso, ao despachar a petição inicial, o juiz requisitará à autoridade recalcitrante a exibição do documento, em original ou cópia autêntica, no prazo de 10 dias (art. 6º, § 1º, da Lei nº 12.016/09).
Do ponto de vista processual, o direito líquido e certo se afigura como condição de ação especialmente exigida para a impetração do mandamus. Para que o mandado de segurança se revele, no caso concreto, como via processual adequada à tutela reclamada (o que diz respeito, portanto, ao interesse de agir), a presença do direito líquido e certo há de ser revelada de plano, já com a impetração⁸.
Tratando-se de condição da ação, a ausência de direito líquido e certo, por falta de prova pré-constituída dos fatos afirmados, conduz à extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inciso VI). Reserva-se ao impetrante, todavia, a possibilidade de tutela de seu direito por outras vias processuais, que não o mandado de segurança, como expressamente admite o art. 19 da Lei nº 12.016/09 (STF, Súmula nº 304). O assunto, no entanto, será retomado quando da análise da sentença e da coisa julgada no mandamus (Capítulo VII, item 8).
2. Direito não amparável por habeas corpus ou habeas data
O habeas corpus constitui remédio endereçado à proteção da liberdade de locomoção, como refere o artigo 5º, inciso LXVIII, do texto constitucional, que assim dispõe:
"conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;"
Já o habeas data, previsto no art. 5º, inciso LXXII, da Lei Maior, se presta a dois propósitos:
a) assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; e
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.
Logo, se o que se almeja é alcançar tutela protetiva do direito de locomoção (ir, vir e permanecer) ou de informação, o mandado de segurança não se apresenta como via processual adequada. Seu campo de incidência é, portanto, residual.
Pode ocorrer, no entanto, que, em uma circunstância concreta, direitos venham a se acumular sob a ótica de um único titular. Logo, uma única pessoa, em um só momento, estaria a exercer dois ou mais direitos, sendo um deles, em princípio, amparável pelo mandado de segurança e outro, isoladamente observado, pelo habeas corpus ou habeas data.
A pretexto de exemplo, vislumbre-se a possibilidade de uma autoridade pública proibir, por portaria, a entrada de um único jornalista na sala de imprensa de um certo órgão público, cujo acesso está franqueado a todos os profissionais da área. Teríamos, aqui, a violação simultânea a vários direitos fundamentais, a saber: locomoção, livre exercício da profissão e igualdade, dentre outros.
Do mesmo modo, figure-se a possibilidade de servidor público necessitar de informações registradas em seu prontuário. Solicita, com base no art. 5º, XXXIV, b
, uma certidão para esclarecimento de situação de interesse pessoal. Neste caso, cogita-se do acesso a informações de caráter pessoal constante de um banco de dados público e, ao mesmo tempo, do direito de certidão antes apontado.
Nessas situações em que, à primeira vista, ambos os remédios seriam cabíveis, afigura-se-nos estreme de dúvidas que a via adequada seja a do mandado de segurança. Em primeiro lugar, por se tratar do remédio constitucional dotado de maior abrangência. Em segundo, pela aplicação de tradicional princípio de hermenêutica, segundo o qual as exceções devem sempre comportar interpretação restritiva. Ora, em matéria de tutela de direitos líquidos e certos, a regra é a utilização do mandado de segurança (em princípio, oportuno para qualquer direito da espécie), enquanto a exceção é a utilização de um dos outros dois mecanismos, que têm campo objetal específico e extremamente limitado.
Destarte, nessas ocasiões em que se cria um espaço de penumbra para a interpretação, deve-se preferir a via mandamental.
A propósito, a seguinte ementa do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cujo acórdão, tirado no âmago de mandado de segurança impetrado por servidor público em situação semelhante à anteriormente exposta, foi relatado pelo desembargador federal Souza Prudente:
Constitucional e Administrativo. Expedição de certidão referente a processo administrativo disciplinar do qual a requerente figura como parte. Garantia Constitucional. I- O direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, ou de interesse coletivo em geral, é assegurado pela Constituição Federal, que ressalva, tão-somente, aquelas cujo sigilo seja imprescindível á segurança da sociedade e do Estado. Hipótese não caracterizada dos autos. II- Afigura-se inconstitucional e abusiva a omissão da autarquia promovida em expedir, no prazo previsto em lei, certidão do inteiro teor do processo administrativo disciplinar promovido contra a requerente, posto que contraria o disposto no art. 5º, XXXIV, b, da Constituição Federal. III- Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada.
(TRF-1ª Região, 6ª Turma, REO 2004.38.00.018297-4/MG, 29.01.2007, DJ, p.38).
3. Ilegalidade ou abuso de poder
Mais um requisito que se impõe para a concessão do writ é a presença de ilegalidade ou abuso de poder como decorrência de ação ou omissão, atual ou iminente, de autoridade pública ou de quem lhe faça as vezes.
Cassio Scarpinella Bueno refere que:
"Ilegalidade, na doutrina do direito público, usualmente se relaciona aos desvios de padrões de legalidade estrita (aí compreendido, evidentemente, o desvio dos padrões constitucionais) e, conseqüentemente, à prática de atos vinculados. Abuso de poder, diferentemente, relaciona-se intrinsecamente aos chamados ‘atos discricionários’, que, de acordo com a doutrina tradicional do direito administrativo, correspondem àqueles atos em que a autoridade tem maior margem de apreciação dos motivos, dos elementos ou da finalidade a ser atingida pelo ato. ‘Segundo sua conceituação clássica, desvio de poder é o manejo de uma competência em descompasso com a finalidade em vista da qual foi instituída’, é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, p. 792)."⁹
Outros autores, no entanto, sustentam que a locução ilegalidade ou abuso de poder
se mostra inadequada, pois todo ato praticado com abuso de poder traz, em si, ilegalidade. É a posição de José dos Santos Carvalho Filho:
"A Constituição usou a alternativa ‘ilegalidade ou abuso de poder’, mas nesse ponto não foi adotada a melhor técnica para descrever a conduta ou ato impugnados. Na verdade, a conduta cercada de abuso de poder é sempre ilegal, pois a não ser assim teríamos que admitir uma outra forma de abuso de poder ‘legal’, o que é um inaceitável paradoxo. Não há, portanto, a alternativa. A impugnação visa à conduta ou a ato ilegal, e entre eles está o abuso de poder. A menção ao abuso deve ser interpretada