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Metodologia da pesquisa em educação: Abordagens Qualitativas, Quantitativas e Mistas
Metodologia da pesquisa em educação: Abordagens Qualitativas, Quantitativas e Mistas
Metodologia da pesquisa em educação: Abordagens Qualitativas, Quantitativas e Mistas
E-book895 páginas10 horas

Metodologia da pesquisa em educação: Abordagens Qualitativas, Quantitativas e Mistas

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Sobre este e-book

Em tempos de necessidade de o pesquisador distinguir conhecimento científico de fake science, construir argumentos científicos sólidos e sustentá-los com evidências válidas, João Mattar e Daniela Ramos proporcionam em Metodologia da Pesquisa em Educação ferramentas e procedimentos de grande valor em um cenário em constante mudança. Os autores, pesquisadores com larga experiência em metodologia, conduzem os leitores em variadas abordagens de pesquisa, enfatizando o cenário de formação de professores. Exploram o ciclo da pesquisa mostrando diversos caminhos para análise de dados, cuidados éticos e respeito à integridade dos sujeitos da pesquisa, e textualização dos resultados para divulgação e inserção na literatura cientifica. Atualizado em relação à bibliografia nacional e internacional, a obra configura-se como uma referência para a metodologia de pesquisa ao oferecer um verdadeiro guia para os estudiosos da educação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de ago. de 2021
ISBN9786586618457
Metodologia da pesquisa em educação: Abordagens Qualitativas, Quantitativas e Mistas

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    Metodologia da pesquisa em educação - João Mattar

    1.

    INTRODUÇÃO

    Segundo Thomas Kuhn (2017), as ciências são determinadas por paradigmas, matrizes culturais e históricas que definem, inclusive, seus objetos de estudo. O paradigma funcionaria como o mapa ou roteiro de uma ciência, fornecendo critérios para delimitar problemas, formular questões, determinar o que deve ser observado, coletar dados, analisar resultados e assim por diante. Corresponderia, portanto, a um conjunto de práticas que caracterizam determinada ciência, incorporando os valores e as crenças dos cientistas da área. Nesse sentido, um paradigma, chamado também por vários autores de visão de mundo, congregaria diversas perspectivas, como: ontologia (como concebemos o ser e a realidade), epistemologia (como concebemos o conhecimento), axiologia (como concebemos crenças e valores) e metodologia (como concebemos a pesquisa).

    A ciência normal, expressão também utilizada pelo físico e filósofo norte-americano, procuraria solucionar problemas com os pressupostos conceituais, metodológicos e instrumentais compartilhados pela comunidade científica, os quais constituiriam o próprio paradigma. A ciência normal ampliaria e aprofundaria o aparato conceitual do paradigma, sem, contudo, alterá-lo.

    Entretanto, quando o progresso e o desenvolvimento do conhecimento começam a requerer explicações que o paradigma vigente não consegue mais fornecer, a ciência passa por uma crise, que pode dar origem a uma revolução científica. Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seus olhares para novas direções, chegando, inclusive, a enxergar objetos novos e diferentes ao observarem, por meio de instrumentos familiares, fenômenos da realidade já examinados. Quando mudam os paradigmas, muda, também, o universo dos cientistas.

    Na década de 1980, a pesquisa em educação vivenciou uma chamada guerra de paradigmas entre as abordagens quantitativas, predominantes na época, e as abordagens qualitativas ou emergentes (GAGE, 1989). Patton (2015) considera que esse debate histórico entre metodologias quantitativas e qualitativas serviu para iluminar o contraste, e mesmo a oposição, entre dois paradigmas ou visões de mundo: de um lado, a utilização de métodos quantitativos e experimentais para gerar e testar generalizações hipotético-dedutivas; de outro lado, a utilização de abordagens qualitativas e naturalistas para entender, de forma indutiva e holística, a experiência humana em contextos específicos. Apesar de a variedade de abordagens de pesquisa ter se expandido para além da dicotomia simplista entre paradigmas quantitativos e qualitativos, e de essa discussão ter ocorrido principalmente nos Estados Unidos, o debate faz parte de nossa herança metodológica em educação e ainda está vivo, inclusive no Brasil, como veremos em vários momentos durante este livro. Portanto, explorá-lo pode auxiliar na tomada de decisões metodológicas e estratégicas.

    Para Merriam e Tisdell (2016, p. 15, tradução nossa), por exemplo, as quatro características essenciais para entender a natureza da pesquisa qualitativa seriam: o foco está no processo, na compreensão e no significado; o pesquisador é o principal instrumento de coleta e análise de dados; o processo é indutivo; e o produto é ricamente descritivo. A pesquisa quantitativa, de outro lado, é experimental, empírica e estatística; utiliza instrumentos para coleta de dados, como escalas, testes e questionários; e é dedutiva. Essas são diferenças gerais, que serão abordadas em mais detalhes durante o livro.

    A partir da ideia de diálogo entre paradigmas (GUBA, 1990), a guerra teria sido, ao menos parcialmente, superada. No debate quantitativo/qualitativo, diversos autores passaram a explorar a abordagem de métodos mistos, que poderia ser chamada de meio radical:

    Não basta que os pesquisadores de metodologia mista ocupem um espaço epistemológico situado em algum lugar entre os espaços epistemológicos quantitativo e qualitativo. Em vez disso, os pesquisadores mistos devem aspirar pelo que é o meio radical, que não deve ser um espaço passivo e confortável no meio, no qual se mantenha o status quo entre epistemologias quantitativas e qualitativas, mas, antes, um novo espaço teórico e metodológico, em que uma coexistência socialmente justa e produtiva entre todas as tradições de pesquisa seja ativamente promovida, e no qual a pesquisa mista seja conscientemente local, dinâmica, interativa, situada, contingente, fluida, estratégica e generativa. (ONWUEGBUZIE, 2012, p. 192 apud PATTON, 2015, p. 90, tradução nossa).

    Nessa concepção, a metodologia de pesquisa mista não se resume à mistura de dados, mas constitui uma epistemologia, uma abordagem, uma axiologia, um paradigma, uma metodologia e uma visão de projetos e métodos (COHEN; MANION; MORRISON, 2018).

    Todavia, vários autores resistem à ideia de compreender metodologias qualitativas, quantitativas e mistas como paradigmas, sugerindo que sejam consideradas, de uma maneira mais restrita, abordagens. Além disso, Denzin (2010) defende que, depois da década de 1980, a guerra de paradigmas continuou, mas para além da polaridade quantitativa/qualitativa, envolvendo, por exemplo, o pós-positivismo e o movimento da pesquisa baseada em evidências. Nesse sentido, três grandes paradigmas são em geral levados em consideração pela literatura sobre metodologia da pesquisa: positivista, interpretativo e crítico ou transformativo.

    O positivismo, fundado por Auguste Comte (1798-1857), está diretamente associado ao método científico e às ciências empíricas naturais, e, portanto, a abordagens mais quantitativas. O positivismo defende que a ciência deveria seguir os princípios da objetividade e da neutralidade do pesquisador. Outras denominações foram utilizadas para se referir a desenvolvimentos ou revisões do movimento, como neopositivismo e pós-positivismo. Segundo Cohen, Manion e Morrison (2018), uma das contribuições dos pós-positivistas é chamar a atenção para o fato de que nenhuma observação é desprovida de teoria. Popper (2002, 2013), por sua vez, procura distinguir as ciências das pseudociências: para que as afirmações possam ser classificadas como científicas, devem ser capazes de conflitar com observações possíveis ou concebíveis. Uma atitude crítica ou científica implicaria, portanto, estarmos prontos para testar, refutar e mudar nossas hipóteses.

    Já o paradigma interpretativo, chamado também por muitos autores de construtivista, é, na verdade, um guarda-chuva que engloba diversas abordagens para a pesquisa, como: narrativa, fenomenologia, etnografia, estudo de caso, teoria fundamentada (grounded theory) e interacionismo. Importante notar que essas abordagens são também, muitas vezes, simultaneamente filosofias, referenciais teóricos e metodologias. E, em oposição às abordagens mais quantitativas, mostraram-se frutíferas para fundamentar as pesquisas em educação:

    Uma característica comum às perspectivas fenomenológicas, etnometodológicas, interacionistas simbólicas e construcionistas, que as tornam atraentes para o pesquisador em educação, é a maneira como se encaixam naturalmente ao tipo de ação concentrada encontrada nas salas de aula e nas escolas. Outra característica compartilhada é a maneira pela qual são capazes de preservar a integridade da situação em que são empregadas. A influência do pesquisador na estruturação, análise e interpretação da situação está presente em um grau muito menor do que seria o caso em uma abordagem de pesquisa mais tradicional. (COHEN; MANION; MORRISON, 2018, p. 23, tradução nossa).

    O terceiro paradigma, crítico ou transformativo, propõe-se não apenas a compreender a realidade, mas também a modificá-la, muitas vezes com uma agenda política expressa. Nesse sentido, passou a travar outra guerra com os dois paradigmas anteriores, positivista e interpretativo, avaliando-os como excessivamente técnicos. O paradigma crítico é também um grande guarda-chuva para diversas abordagens: teoria crítica, pós-modernismo, pós-estruturalismo, etnografia crítica, pedagogia crítica, teoria feminista, teoria pós-colonial, teoria queer, teoria crítica da deficiência, teoria crítica da raça etc. Como no caso dos outros dois paradigmas, a teoria crítica não tem apenas sua própria agenda de pesquisa, mas também suas próprias metodologias, como a pesquisa-ação, a pesquisa participante e a ideologia crítica. Como afirmam Merriam e Tisdell (2016, p. 59, tradução nossa),

    [...] pensando de maneira mais geral sobre a pesquisa crítica, o que a torna especificamente crítica é o referencial teórico que fundamenta o estudo; no caso de estudos de pesquisa-ação críticos, o objetivo é especificamente ajudar as pessoas a entender e desafiar as relações de poder no processo do estudo e fazer alguma coisa acontecer enquanto o estudo está em andamento. Há muitos outros tipos de estudos qualitativos fundamentados pela teoria crítica ou feminista, teoria queer, teoria da raça crítica, deficiência ou teoria pós-estruturalista/pós-modernista/

    pós-colonial (coletivamente chamados de estudos críticos), que não pretendem necessariamente fazer algo específico acontecer, ou resolver um problema na prática enquanto o estudo está em andamento. O ponto é que esses tipos de estudo são coletivamente críticos no sentido do referencial teórico que fundamenta o estudo e sua análise das relações de poder. É a análise dos dados, à luz do referencial teórico e das relações de poder na sociedade que determinam como as pessoas constroem significados, que torna o estudo crítico.

    Outras abordagens são também bastante mencionadas na literatura e aplicadas em estudos na área de educação, algumas vezes classificadas fora do campo dos três paradigmas mencionados, tais como: pragmatismo (bastante utilizado nos Estados Unidos e associado, em geral, à metodologia de métodos mistos), pesquisa baseada em artes (coleta e análise de dados na área, além de estudos de artistas e do processo artístico) e teoria da complexidade (as escolas e instituições de ensino, por exemplo, podem ser concebidas como sistemas adaptativos complexos). Cabe lembrar que Donmoyer (2006) já alertava, há bastante tempo, para a proliferação de paradigmas no campo da pesquisa em educação.

    É importante dizer que tanto as abordagens quantitativa/qualitativa/mista, quanto os paradigmas positivista/interpretativo/crítico, como foi possível observar, não são totalmente fechados, havendo áreas de sobreposição entre eles, certo grau de permeabilidade paradigmática. Além disso, não há uma relação determinante e imediata entre esses níveis: nem todas as abordagens quantitativas são positivistas, e nem todas as abordagens qualitativas são interpretativas. Abordagens quantitativas podem capturar opiniões, percepções, causalidade probabilística e processos (por exemplo, pela observação estruturada), enquanto abordagens qualitativas podem ser utilizadas em experimentos, identificando causalidade, e surveys, identificando padrões e tendências em dados (COHEN; MANION; MORRISON, 2018).

    Nesse sentido, são naturalmente levantadas algumas perguntas essenciais. Qual a relação entre os paradigmas e outras etapas do processo de pesquisa, como a definição do referencial teórico, a elaboração do projeto da pesquisa (que inclui seu problema e seus objetivos), a metodologia e os métodos de coleta e análise de dados? Como o paradigma ou a abordagem da pesquisa moldam o design e os procedimentos de um estudo? Seriam os paradigmas normativos, determinando ao pesquisador o que fazer?

    Como afirmam Creswell e Poth (2018), quer estejamos conscientes ou não, sempre trazemos certas crenças e suposições filosóficas para nossa pesquisa; a dificuldade seria tomar consciência dessas crenças e suposições. Entretanto, cabe lembrar que Merriam e Tisdell (2016), por exemplo, identificam que a maior parte das pesquisas qualitativas não assume nenhum tipo de paradigma. Ou seja, é possível fazer pesquisa sem, ao menos conscientemente, escolher e explicitar um paradigma. Segundo Cohen, Manion e Morrison (2018, p. 9, tradução nossa), os paradigmas não guiam necessariamente a pesquisa, que é, no fundo, guiada pelos seus objetivos:

    Na verdade, podemos perguntar se efetivamente precisamos de um pensamento paradigmático para fazer pesquisa. Antes, é necessário dizer que os objetivos e a natureza da pesquisa podem ser clarificados com base em um ou mais desses paradigmas; os paradigmas podem clarificar e organizar o pensamento sobre a pesquisa.

    É possível, então, conceber que os paradigmas não determinam, mas orientam as abordagens, o referencial teórico, o problema, a metodologia e os métodos utilizados nas pesquisas, os padrões de validação e avaliação dos resultados e até o estilo da apresentação dos relatórios. Uma palavra adequada para descrever essa relação é alinhamento, que remete à ideia de que as várias etapas da pesquisa estejam alinhadas: os paradigmas (as bases filosóficas e a visão de mundo que fundamentam a pesquisa, incluindo a ontologia; epistemologia e axiologia); o planejamento e a metodologia (que envolvem o problema, os objetivos e os métodos e instrumentos escolhidos pelo pesquisador para a coleta dos dados); e a análise, discussão e interpretação dos dados.

    Cabe, contudo, ressaltar que é possível que um pesquisador use mais de um paradigma em sua pesquisa, especialmente se trabalhar com métodos mistos, o que pode ser denominado pluralismo paradigmático. As escolhas dos paradigmas e das abordagens de pesquisa são determinadas, na prática, por diversas variáveis, dentre as quais: a visão de mundo e a experiência do pesquisador, o tempo e os recursos disponíveis para a investigação, o problema e os objetivos da pesquisa.

    Nesse sentido, os seguintes conceitos serão considerados neste livro:

    a) alinhamento e congruência entre as etapas propostas para a pesquisa, ou seja, objetivos, questões e métodos interconectados e inter-relacionados, de modo que o estudo apareça como um todo coeso, e não como partes isoladas e fragmentadas (RICHARDS; MORSE, 2012 apud CRESWELL; POTH, 2018);

    b) adequação metodológica, pressupondo que diferentes métodos são adequados a diferentes situações (PATTON, 2015);

    c) flexibilidade paradigmática e design emergente flexível, especialmente no caso das abordagens qualitativas, que vai se construindo conforme a pesquisa se desenvolve (PATTON, 2015);

    d) pluralismo paradigmático, epistemológico, teórico e metodológico (COHEN; MANION; MORRISON, 2018; SURI, 2013), multiplismo crítico (SHADISH, 1993) e ecletismo seletivo (SURI, 2013); Patton (2015) propõe substituir a ideia do padrão de ouro das pesquisas, o ensaio clínico randomizado (ECR), por um novo padrão, de platina: o pluralismo e a adequação metodológica; para Cohen, Manion e Morrison (2018), por exemplo, pode-se adotar uma abordagem construtivista no desenvolvimento de um problema de pesquisa e, em seguida, adotar um paradigma pragmatista, pós-positivista ou transformador para investigá-lo.

    Como afirmam Cohen, Manion e Morrison (2018, p. 29, tradução nossa), planejar e realizar pesquisas em educação não pode seguir receitas simples, mas é um processo complexo, deliberativo e iterativo. A pesquisa é, ao mesmo tempo, um processo de construção e de descoberta. Mesmo reconhecendo que o processo é iterativo e não linear, propomos na Figura 1 um ciclo para a pesquisa, que inclusive organiza o restante do livro e será detalhado nos capítulos seguintes.

    FIGURA 1 — Ciclo da pesquisa

    Fonte: os autores.

    Partindo de um tema e de um problema ainda geral e não muito delimitado, conduz-se uma revisão de literatura, que deverá construir tanto o estado da arte sobre o tema e o problema quanto o referencial teórico para fundamentar a pesquisa, que, no fundo, já é parcialmente determinado pelo paradigma e continua a ser construído nas etapas seguintes. A revisão de literatura contribui, assim, para que o problema seja delimitado e a investigação delineada, com a definição dos objetivos e das questões e hipóteses, além do planejamento das estratégias para a coleta e a análise dos dados. A coleta dos dados ocorre, então, por meio dos instrumentos definidos no planejamento, e os resultados são analisados e interpretados retornando-se aos estudos correlatos identificados na revisão de literatura e ao referencial teórico adotado pela pesquisa. A conclusão do processo é a redação e publicação dos resultados da pesquisa em formato de trabalhos, artigos, capítulos, dissertações, teses e até mesmo livros.

    O ciclo da pesquisa não é tão linear, além de ser mais complexo do que esta imagem inicial. A figura e o ciclo serão enriquecidos e expandidos nos próximos capítulos, de forma que possamos construir, juntos, uma nova figura até o final do texto.

    2.

    CONTEXTO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL

    A educação constitui-se como um campo humano e social de pesquisa que entrelaça questões profundas e multifacetadas, o que torna difícil identificar relações de causalidade almejadas por paradigmas mais próximos do positivismo. Entretanto, como área de pesquisa, precisa ser rigorosa na condução de suas metodologias, de modo a oferecer resultados que possam efetivamente contribuir com a educação.

    O crescimento da pesquisa em educação no Brasil levou à diversificação dos temas e à ampliação dos enfoques. Nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, identifica-se maior interesse por pesquisas experimentais em situações controladas, enquanto nas décadas de 1980 e 1990, as pesquisas voltaram-se para as situações da escola e da sala de aula. Os temas ampliaram-se e passaram a incluir o cotidiano escolar, currículo, aspectos sociais, gestão democrática, aprendizagens específicas e avaliação. Os enfoques passaram a valorizar abordagens críticas, recorrendo-se a outras áreas de conhecimento para interpretar os problemas da educação por uma perspectiva multi/inter/transdisciplinar (ANDRÉ, 2001).

    Desde então, essa diversificação remete a questões centrais frequentemente presentes nos estudos sobre educação, que se organizam em subáreas de pesquisa reconhecidas. Cada subárea aborda e integra conceitos que exigem um esforço teórico e metodológico específico para responder às questões que emergem do campo.

    A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) reconhece 49 áreas, que são agrupadas em três colégios e nove grandes áreas do conhecimento. A organização por áreas tem o objetivo de facilitar os processos de avaliação. Por isso, as pesquisas e os programas de pós-graduação são classificados dentro dessas áreas. Em muitas situações, a concorrência por bolsas e pelo financiamento de projetos também é conduzida considerando essa classificação.

    A área de educação está agrupada no colégio de humanidades, dentro da grande área de ciências humanas, e está dividida em subáreas. Importante notar que há duas outras áreas na CAPES, ensino e interdisciplinar, que apresentam pontos de sobreposição com a área de educação.

    Nesse amplo contexto de áreas, subáreas e temas, os aspectos metodológicos precisam ser pensados de maneira cuidadosa, rigorosa e fundamentada para sustentar a pesquisa e garantir coerência e consistência às contribuições que possa oferecer para responder às inúmeras demandas da educação. Especialmente no Brasil, em que se pode dizer que a pesquisa em educação ainda é pouco valorizada, muitas vezes suas contribuições são desacreditadas por serem consideradas distantes do chão da escola, criando-se, assim, uma cisão entre aqueles que pesquisam a educação, de um lado, e aqueles que nela efetivamente atuam, de outro lado. De uma perspectiva próxima ao senso comum, há um distanciamento entre a produção acadêmica e as práticas escolares, levando ao pouco reconhecimento das contribuições da pesquisa e, consequentemente, à sua desvalorização, o que é reforçado pelo pouco investimento em pesquisa previsto nas políticas públicas de educação. Nesse sentido, a área de ensino da CAPES considera tarefa de seus programas de pós-graduação [...] pensar e desenvolver ações que contribuam para reduzir a defasagem entre a pesquisa realizada na pós-graduação e o ensino realizado no contexto educacional, principalmente, da Educação Básica (CAPES, 2019b, p. 9).

    Apesar desses cenários de contradições, a pesquisa tem a função de responder a problemas efetivos, oferecendo subsídios que possibilitem um avanço mais seguro e inovador para garantir uma formação de qualidade que, em última instância, leve à consolidação de uma sociedade melhor.

    2.1. Histórico, abordagens e desafios da pesquisa em educação no Brasil

    Identifica-se o nascimento das pesquisas em educação no Brasil no movimento para a criação do Instituto Nacional de Pedagogia, em 1937, primeira denominação do hoje Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com [...] o objetivo de realizar estudos para identificar os problemas do ensino nacional e propor políticas públicas (INEP, 2020b). Em 1944, o órgão lança a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), primeira publicação periódica sobre educação na América Latina. Anísio Teixeira assume o Instituto em 1952, incentivando a realização de levantamentos e pesquisas. O educador baiano é o responsável pela implantação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e de centros regionais, em 1955 (INEP, 2020b).

    Apesar do intercâmbio que existia entre pesquisadores dos centros do Inep e professores universitários, uma mudança significativa na dinâmica das pesquisas em educação no Brasil ocorre apenas no final da década de 1960, com o surgimento dos primeiros programas de pós-graduação em educação. O desenvolvimento da pós-graduação contribuiu para o crescimento da produção científica sobre educação nas universidades, o que se refletiu na ampliação das demandas por financiamento em agências de fomento (ANDRÉ, 2001; GATTI, 2012; MACEDO; SOUSA, 2010).

    Hoje, ao se falar de políticas de pesquisa no Brasil, deve-se necessariamente levar em consideração a pós-graduação, já que boa parte da produção de pesquisas está vinculada à atuação de professores em cursos de mestrado e doutorado, à articulação de grupos de pesquisa e à produção de dissertações e teses. Na Área de Educação, como na maioria das Áreas das Humanas, a pós-graduação é praticamente o único lócus de produção de conhecimento, de modo que a política de pós-graduação se confunde com a política científica. (CAPES, 2019a, p. 3).

    Considera-se, em geral, que o predomínio das investigações associadas ao Inep, a partir da década de 1930, estabeleceu um padrão de pesquisas empíricas e quantitativas sobre educação no Brasil. Gatti (2004), entretanto, desafia essa avaliação. Segundo trabalhos analisados pela autora, a maioria dos estudos na época não utilizava dados quantitativos, e, quando os utilizavam, boa parte empregava apenas análise descritiva de tabelas de frequências e percentagens, poucos utilizavam coeficientes de correlação, e raríssimos faziam análise multidimensional. Além disso, esses estudos apresentavam, muitas vezes, problemas na formulação de hipóteses, operacionalização de variáveis, validade e confiabilidade, assim como nos processos de coleta, análise e interpretação dos dados (GATTI, 2012). Mesmo reconhecendo que, a partir da década de 1970, passaram a ser utilizados métodos quantitativos de análise mais sofisticados, Gatti (2004) afirma que a abordagem quantitativa nas pesquisas em educação no Brasil nunca teve uma tradição sólida ou uma utilização mais ampla.

    Mesmo sem essa tradição consolidada, entretanto, a guerra dos paradigmas, discutida no capítulo anterior, reproduziu-se no Brasil, mas com características específicas. A partir do final da década de 1960, em função do desenvolvimento da pós-graduação, proliferaram críticas às abordagens quantitativas. Foi questionado, por exemplo, o princípio da neutralidade do pesquisador, que caracteriza o paradigma positivista.

    Uma das consequências da guerra dos paradigmas no Brasil foi que [...] as análises com dados quantitativos foram praticamente banidas de nossos estudos (GATTI, 2012, p. 33). Ferraro (2012, p. 132) descreve em mais detalhes os efeitos desse embate:

    [...] foi a partir da década de 1980 que se assistiu, pelo menos no Brasil, na área específica da pesquisa em educação, a um crescente desencanto e progressivo abandono de tudo o que pudesse caber sob o nome de métodos quantitativos, mesmo envolvendo estatísticas elementares como percentagens. Se isso, de um lado, permitiu um grande desenvolvimento das metodologias qualitativas e o reconhecimento da legitimidade destas, de outro lado, ajudou a legitimar a retirada da Estatística dos currículos dos cursos de Pedagogia, bem como dos cursos de Pós-Graduação em Educação.

    A herança dessa refutação radical das abordagens quantitativas foi, em vários sentidos, negativa. Hoje, observa-se em nosso país, por exemplo, que o estudo dos métodos quantitativos praticamente não é contemplado na formação de mestres e doutores em educação. Por consequência, os pesquisadores enfrentam dificuldades tanto no domínio de metodologias específicas para o exame de determinados problemas quanto no planejamento e na condução da coleta, análise e interpretação crítica de dados quantitativos (GATTI, 2004, 2012). De fato, atualmente poucas pesquisas no campo da educação no Brasil empregam metodologias quantitativas, e, quando são identificados estudos quantitativos com análises mais sofisticadas e robustas, muitas vezes não são conduzidos por educadores, mas por pesquisadores de outras áreas, como, por exemplo, sociologia, economia e psicologia (GATTI, 2004; SOUZA; KERBAUY, 2017). Gatti (2012, p. 49) é bastante crítica em sua avaliação:

    Evidencia-se, entre grupos de pesquisa, grande desigualdade de consistência na apropriação e desenvolvimento de métodos e técnicas de análise nessa tradição [objetivista]. No meio educacional, podemos detectar, pelo acompanhamento histórico de produções de grupos de pesquisa, que a maioria deles na verdade sequer apreendeu com consistência a lógica e os procedimentos dessa vertente. Houve uma apropriação não só acrítica do modelo, como também feita sem aprofundamento e sem o domínio necessário pelo menos a seu bom uso dentro de seus limites. Observa-se mesmo falta de domínio de princípios e conceitos elementares entre os usuários e, também, entre seus críticos. Ou seja, o que se constata é um uso sem base real. Isto é observável em erros primários detectáveis em análises quantitativas e instrumentos de medida, que estão descritos em teses, artigos, relatórios, etc. Acrescentamos, nas apropriações metodológicas nessa tradição, os problemas de uso inadequado de métodos analíticos, com emprego de técnicas não sustentáveis para certo tipo de dados.

    Considerando-se essa falta de fundamentação para conduzir pesquisas quantitativas, as críticas a essas abordagens ficaram também, naturalmente, prejudicadas. Mas Gatti (2004) chama a atenção para o fato de que, no Brasil, lidamos com questões que exigem uma análise mais quantitativa, como dados sobre o analfabetismo e outros problemas, para que se possa, inclusive, orientar políticas públicas.

    Como contraponto a essa postura negacionista em relação às pesquisas quantitativas, os estudos qualitativos ganham força no Brasil entre os anos 1980 e 1990, utilizando metodologias diversas, como narrativa e história de vida, etnografia, estudo de caso, pesquisa-ação e pesquisa participante. Os princípios positivistas da objetividade e neutralidade são substituídos pelo envolvimento historicizado do pesquisador (GATTI, 2012, p. 34). Técnicas alternativas de coleta e análise de dados passam, consequentemente, também a ser utilizadas, como: observação participante, entrevistas, análise documental e análise de conteúdo (ANDRÉ, 2001; GATTI, 2012).

    Entretanto, a formação para a incorporação de métodos qualitativos em pesquisas pode também ser problematizada. Abordagens qualitativas que valorizam a prática e a subjetividade, que privilegiam dar voz aos participantes da pesquisa e que optam por não formular conceitos prévios com base nos conhecimentos anteriormente construídos podem não identificar regularidades e relações entre categorias para organizar e dar sentido aos dados (ALVES-MAZOTTI, 2001). Essas escolhas levam a uma grande quantidade de pesquisas pontuais, irrelevantes e pouco consistentes, que pouco contribuem para uma compreensão mais ampla dos temas da educação. Gatti (2012, p. 31), novamente, é bastante enfática nas críticas, identificando

    [...] observações casuísticas, sem parâmetros teóricos, a descrição do óbvio, a elaboração pobre de observações de campo conduzidas com precariedade, análises de conteúdo realizadas sem metodologia clara, incapacidade de reconstrução do dado e de percepção crítica de vieses situacionais, desconhecimento no trato da história e de estórias, precariedade na documentação e na análise documental.

    Alves-Mazotti (2001) chama a atenção para o fato de que a produção de conhecimentos que possam ser transferidos e aplicados a outras realidades contribui para a acumulação do conhecimento, a divulgação de pesquisas e o fortalecimento de uma área. A mera descrição de um fenômeno, sem uma análise fundamentada e acurada, pouco contribui com o avanço da construção de conhecimentos, ao mesmo tempo em que oferece poucas possibilidades de transformação e resposta à realidade. A pesquisa tem o compromisso com o que já foi produzido nas diversas áreas de conhecimento e de posicionar-se no atual contexto e procurar avançar, de modo a fornecer uma contribuição mais ampla.

    Nesse sentido, Alves-Mazotti (2001), ao analisar um conjunto de trabalhos que buscavam avaliar a qualidade das pesquisas em educação, apontou alguns problemas relacionados ao processo de produção: nas universidades, o ensino tinha primazia sobre a pesquisa, havia pouca articulação e continuidade das pesquisas para o estabelecimento de linhas de pesquisa para produção de conhecimento sólido e integrado, e faltava apoio das universidades e agências de fomento para o desenvolvimento de pesquisas. Outras deficiências referentes às pesquisas produzidas incluíam: a pobreza teórico-metodológica para abordar os temas, evidenciada pela grande quantidade de estudos meramente descritivos e exploratórios; grande pulverização e pouca relevância dos temas abordados nas pesquisas; foco na aplicação imediata dos resultados; divulgação restrita dos resultados; e pouco impacto nas práticas (ALVES-MAZOTTI, 2001). Cabe refletir se esses problemas ainda persistem, hoje, na pesquisa em educação no Brasil.

    Se há problemas que precisam ser investigados de maneira mais ampla, para dar conta de questões no âmbito até mesmo nacional, cabe, então, o uso de abordagens quantitativas ou mistas. Segundo Souza e Kerbauy (2017), a pesquisa em educação no Brasil carece do desenvolvimento de métodos mistos, com pouca literatura sobre sua repercussão teórica e metodológica. Entretanto, muitos estudos, publicados especialmente em revistas internacionais, utilizam-se de abordagens quantitativas e mistas, cabendo, então, uma aproximação com essas metodologias, não necessariamente apenas para seu uso e aplicação, mas também para uma maior compreensão que permita uma leitura crítica dos estudos quantitativos.

    Esses aspectos valorizam a necessidade de a pesquisa ter um referencial teórico aprofundado, bem como de uma revisão de literatura que trace um panorama sobre pesquisas relacionadas à temática. Esses procedimentos contribuem para definir um contexto de interlocução mais amplo para a pesquisa e possibilitam o avanço na área, pela construção de um corpo mais consistente para aprofundar a compreensão sobre problemas frequentemente presentes na educação que não sejam resultados, apenas, da influência de condições pontuais e restritas de um contexto de pesquisa específico. A falta de interlocução com os referenciais teóricos e outras pesquisas leva à ausência de comparações entre os resultados (ALVES-MAZOTTI, 2001) e de clareza sobre os avanços na construção do conhecimento relacionado ao tema. Apesar de a área de educação reunir uma relevante trajetória de pesquisa e uma ampla produção, o movimento de rever e analisar de maneira crítica, coletiva e contínua o que vem sendo produzido para a busca do constante aprimoramento é condição fundamental para as pesquisas (ANDRÉ, 2001).

    Diante do crescimento da pesquisa vinculado à expansão da pós-graduação, dos desafios em relação à qualidade da pesquisa, dos aspectos para a formação do pesquisador e das contribuições que as pesquisas podem oferecer para a solução de problemas e na orientação em relação às políticas públicas, apresentamos no site do livro algumas organizações que têm papel fundamental na estruturação, nas políticas e na avaliação da pesquisa no Brasil. Dentre as várias instituições e associações, discorremos sobre a CAPES, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e o Inep.

    2.2. Formação para a pesquisa nos cursos de formação de professores

    Como já discutimos, a atuação dos professores e dos profissionais da educação pode se beneficiar fortemente da pesquisa. Um olhar acurado, problematizador e inquieto pode levar ao estudo e à busca por alternativas e soluções para responder a demandas, envolvendo procedimentos sistemáticos de observação, registro e análise para pautar a prática e seu compartilhamento. Essas competências vinculadas à pesquisa devem ser valorizadas na formação dos profissionais da educação.

    A pesquisa na formação de professores pode gerar diferentes contribuições. Uma delas reforça que as habilidades e competências do pesquisador podem apoiar a resolução de problemas e mobilizar o professor para uma prática mais reflexiva, considerando as relações entre os objetivos delineados e a trajetória percorrida, que incluem as estratégias pedagógicas, os recursos e o processo de avaliação para atingi-los. A perspectiva mais sistemática da pesquisa, que se pauta em objetivos, no diálogo com conceitos e outras pesquisas, descreve, sistematiza e analisa resultados, pode contribuir para a construção do planejamento escolar e a avaliação formativa do processo.

    Ao desenvolver competências relacionadas à pesquisa, o professor pode ter uma perspectiva mais crítica na sua leitura. E a busca, seleção e análise de pesquisas pode ser uma alternativa para a atualização docente, assim como para buscar subsídios ou respostas para lidar com situações-problema relacionadas ao cotidiano escolar. Por fim, a pesquisa ainda pode ser uma metodologia ativa para o ensino e está fortemente associada à aprendizagem baseada em projetos.

    Apesar da importância da pesquisa e de como pode estar vinculada à atuação docente, a Resolução CNE/CP nº 2 (BRASIL, 2019), que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, não inclui a pesquisa na descrição das competências docentes gerais e específicas. Entretanto, ao discorrer sobre os princípios relevantes para a formação docente, na defesa pela articulação entre a teoria e a prática, cita a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão.

    Dentre os fundamentos pedagógicos dos cursos para a formação do professor da educação básica, o documento reconhece a escola de educação básica como [...] lugar privilegiado da formação inicial do professor, da sua prática e da sua pesquisa (BRASIL, 2019). Além disso, cita a pesquisa como aspecto a ser considerado na diversificação do processo de avaliação dos estudantes e como alternativa para ter evidências da qualidade da formação docente.

    A pesquisa recebe destaque na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-FORMAÇÃO), que tem como segunda competência geral, em um conjunto de dez: Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a criatividade e buscar soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas (BRASIL, 2019). Ainda nas competências específicas, descreve como habilidades que são relacionadas à competência: Comprometer-se com o próprio desenvolvimento profissional e

    engajar-se em estudos e pesquisas de problemas da educação escolar, em todas as suas etapas e modalidades, e na busca de soluções que contribuam para melhorar a qualidade das aprendizagens dos estudantes, atendendo às necessidades de seu desenvolvimento integral. (BRASIL, 2019).

    No âmbito da formação de professores, a pesquisa desempenha diferentes funções, que incluem sua vinculação à diversificação dos processos avaliativos e ao desenvolvimento de competências relacionadas à investigação e à formação integral, voltada a um olhar mais crítico e reflexivo sobre as práticas pedagógicas e o contexto escolar.

    Para finalizar, reforçamos que a pesquisa pode ser um importante elo entre a teoria e a prática. As características e as etapas da pesquisa propõem a articulação entre os conhecimentos produzidos e o modo como podemos relacioná-los às problemáticas em investigação, visando a atingir objetivos que, em sua maioria, remetem a questões da prática em educação. Os resultados, ao articularem teoria e prática, permitem avançar em busca da consolidação da área de educação como um importante campo de pesquisa.

    3.

    REVISÃO DE LITERATURA

    O tema geral deste capítulo é a função e a importância da revisão de literatura, também denominada revisão bibliográfica, nas pesquisas em educação. Partimos da hipótese de que damos pouco valor a esse procedimento ou o realizamos de maneira pouco sistemática, o que contribuiu para reduzir a qualidade das pesquisas na área. Vosgerau e Romanowski (2014, p. 184) compartilham dessa percepção:

    Na área da Educação, os estudos de revisão carecem de maior aprimoramento, e na atualidade, devido ao número elevado de pesquisas empíricas realizadas são necessários e fundamentais para sintetizar, avaliar e apontar tendências, mas principalmente para indicar os pontos de fragilidade de modo a favorecer a análise crítica sobre o acumulado da área.

    Além de uma introdução geral e conceitual, este capítulo posiciona a revisão de literatura no ciclo da pesquisa, descreve as características dos principais tipos de revisão, faz uma proposta para as etapas do planejamento e da execução de uma revisão de literatura, apresenta alguns softwares que podem apoiar o procedimento, discute as características e funções do referencial teórico em uma investigação e traça reflexões gerais.

    3.1. Definição e características de uma revisão de literatura

    Pode ser que o problema que você tem interesse em pesquisar já tenha sido discutido e resolvido, ao menos parcialmente, por outros pesquisadores. Como afirma Lo (2020, p. 130, tradução nossa),

    para evitar repetir os esforços de pesquisas anteriores, os pesquisadores devem entender primeiro o estado atual da literatura examinando as revisões existentes ou conduzindo sua própria revisão sistemática. Frases como foi feita pouca pesquisa e falta de pesquisa são amplamente utilizadas para justificar um artigo recém-escrito.

    Nesse sentido, uma revisão de literatura busca elaborar uma síntese de pesquisas sobre determinado tema, procurando produzir novos conhecimentos ao tornar explícitas conexões e tensões entre estudos que não eram visíveis antes (SURI, 2013). A partir dos resultados da revisão, é possível posicionar melhor seu problema em relação à literatura.

    Uma revisão de literatura pode ser mais ou menos sistemática, envolvendo diferentes graus de profundidade, desde um breve mapeamento para apresentar o estado do conhecimento sobre determinado tema, até um procedimento mais complexo que procure definir um problema e mesmo responder a uma ou mais questões que demandem pesquisa adicional (MACHI; MCEVOY, 2016). Hammersley (2002), entretanto, defende que precisamos evitar as oposições simplistas entre revisões narrativas e sistemáticas. Nessa perspectiva, o adjetivo sistemática pode ser empregado com uma função qualitativa, em vez de classificatória: não existiria, assim, uma dicotomia entre revisões não sistemáticas ou narrativas, de um lado, e revisões sistemáticas, de outro lado, mas um contínuo. Procuraremos posicionar os tipos de revisão que estudaremos neste capítulo no contínuo representado na Figura 2.

    FIGURA 2 — Contínuo das revisões de literatura

    Fonte: os autores.

    Okoli (2019, p. 4) define uma revisão sistemática de literatura como [...] um método sistemático, explícito, abrangente e reprodutível para identificar, avaliar e sintetizar o corpo existente de trabalhos completos e registrados produzidos por pesquisadores, estudiosos e profissionais. Para o autor, uma revisão de literatura rigorosa deve ser sistemática ao seguir uma abordagem metodológica, explícita ao descrever detalhadamente os procedimentos pelos quais foi conduzida, abrangente em seu escopo ao incluir todo o material relevante e reprodutível ao permitir que outros possam seguir a mesma abordagem utilizada na revisão do tema. Nesse sentido, a revisão de literatura deve demonstrar para seu leitor o método utilizado para a pesquisa bibliográfica, as estratégias de busca, os critérios de seleção (inclusão e exclusão de fontes), as escolhas realizadas e as bases de dados efetivamente consultadas, dentre outros aspectos. Quanto mais seguir e explicitar esses critérios, mais sistemática será. Os revisores devem também ser transparentes sobre como e por que escolheram o tópico e se (e como) o foco da revisão mudou ao longo do tempo (HART, 1998).

    Por isso, o tempo para realizar uma revisão de literatura pode variar em função do nível de sistematização, desde algumas semanas (com poucos estudos e conduzida por um pesquisador individual) até anos (incluindo milhares de referências e conduzida por um grupo de pesquisadores).

    Um início possível para um projeto de pesquisa é buscar revisões sistemáticas já publicadas sobre um tema. Se houver uma revisão recente, pode não ser necessário realizar uma nova sobre o mesmo assunto. No caso de já existirem algumas revisões de literatura sobre o tema, uma opção interessante é fazer uma revisão dessas revisões (meta-revisão ou revisão guarda-chuva, que discutiremos neste capítulo).

    Quando há poucos ou muitos trabalhos relacionados ao tema, uma revisão de literatura pode ser infrutífera ou inviável. Uma revisão sistemática é pouco valiosa, por exemplo, no início da constituição de um campo de conhecimento, quando os estudos disponíveis podem ainda ser limitados. É também inapropriada quando a questão de pesquisa é muito vaga ou ampla (o que geraria centenas ou até milhares de estudos muito diferentes), assim como quando a questão é muito limitada (o que produziria poucos estudos úteis) (OKOLI, 2019).

    Suri (2013) discute o pluralismo epistemológico nas sínteses de pesquisas. Segundo a autora, haveria poucas discussões sobre as revisões envolverem reflexões sobre seus pressupostos epistemológicos. Uma questão poderia, então, ser colocada: considerando que a pesquisa educacional contemporânea é marcada pela diversidade, complexidade e riqueza de objetivos, métodos e perspectivas, como essa variedade e essa complexidade poderiam ser acomodadas e refletidas em sínteses das pesquisas em educação? Suri (2013) defende que as sínteses sejam fundamentadas por orientações epistemológicas diversas. Contestando a hegemonia das revisões positivistas, propõe que a diversidade de orientações paradigmáticas, predominante na pesquisa educacional contemporânea, também deveria ser praticada no nível das sínteses das pesquisas. Revisões sistemáticas, sínteses das melhores evidências e meta-análises são frequentemente consideradas métodos positivistas, tipo de revisão que emprega, em geral, análises estatísticas orientadas a variáveis. O objetivo do artigo de Suri (2013) é problematizar a identificação exclusiva das sínteses de pesquisas com o positivismo, ou mesmo qualquer paradigma específico.

    Para Suri (2013), embora a literatura sobre sínteses interpretativas tenha sido esporádica décadas atrás, um crescente corpo de publicações teria sido publicado desde então. Várias denominações têm sido utilizadas para sínteses interpretativas, como revisão sistemática qualitativa, revisão interpretativa, meta-análise de pesquisas qualitativas, síntese de pesquisas qualitativas, metassíntese, metassíntese qualitativa, meta-estudo, meta-etnografia, análise cruzada de casos, análise agregada e síntese de abordagem estruturada de melhor ajuste — abordaremos várias delas neste capítulo. Ademais, nas últimas décadas, diversos autores de revisões sistemáticas passaram a incluir os consumidores de sínteses de pesquisas na avaliação dos protocolos e relatórios das revisões. Os revisores estão, cada vez mais, procurando envolver no processo aqueles que poderiam se beneficiar da própria revisão. Tal cruzamento de orientações positivistas e participantes tenderia a aumentar o impacto do produto da revisão. Da mesma forma, muitos revisores defendem que uma síntese que se baseia simultaneamente em paradigmas positivistas e interpretativos (ou críticos) seria mais rica do que uma revisão apenas positivista, ou apenas interpretativa (ou crítica). Na prática, para Suri (2013), os revisores de pesquisas costumam ser seletivamente ecléticos e extrair ideias de mais de um paradigma para informar suas próprias sínteses.

    Há várias décadas, Glass (1976) já ressaltava a necessidade de esforços para integrar e extrair conhecimentos de vários estudos individuais, envolvendo revisão de literatura e análise de dados, como alternativa a simplesmente adicionar mais um trabalho ao campo das pesquisas em educação. Na área, portanto, precisaríamos de metodologias, projetos, técnicas para mensuração e métodos estatísticos mais robustos. Glass (1976) defendia especificamente a necessidade de meta-análises estatísticas em educação para integrar os achados.

    Trinta anos depois, Romanowski e Ens (2006) mencionam a falta de estudos que realizem balanços e mapeamentos sobre o conhecimento já elaborado e apontem as perspectivas, os temas mais pesquisados e as lacunas existentes na área da educação. O foco crescente no uso de evidências de pesquisas para fundamentar políticas e práticas relacionadas a tomadas de decisão em educação aumentou a atenção dada às limitações contextuais e metodológicas das evidências fornecidas por estudos únicos; revisões de pesquisas, por sua vez, podem colaborar para enfrentar esses desafios, quando realizadas de maneira sistemática, rigorosa e transparente (NEWMAN; GOUGH, 2020). Mais recentemente, Okoli (2019) apela por mais rigor em como se executam e redigem revisões de literatura no campo de sistemas de informação. Em educação, estudos de revisão sistemática de literatura são igualmente necessários e importantes. Para Tai et al. (2020), entretanto, talvez o maior desafio de realizar revisões sistemáticas de pesquisas em educação seja a confusão inerente a domínios que usam terminologia inconsistente e conceitos multifacetados.

    Antes de abordar em mais detalhes os diferentes tipos de revisão de literatura, posicionaremos a revisão de literatura no ciclo da pesquisa.

    3.2. Posição e função da revisão de literatura no ciclo da pesquisa

    Uma questão importante é onde posicionar a revisão de literatura no ciclo da pesquisa. Neste livro, concebemos a revisão de literatura como uma fase inicial e essencial de toda pesquisa. Não podemos ignorar o que já foi publicado sobre o tema e o problema que nos propomos a pesquisar; portanto, somente a partir de uma revisão da literatura poderemos compreender melhor o que já foi escrito sobre nossa ideia geral inicial, e, então, definir a perspectiva pela qual pretendemos estudar determinado fenômeno. Por isso, propomos começar a pesquisa pela revisão da literatura para tornar essa ideia mais focada. Como afirmam Paré et al. (2015, p. 183, tradução nossa),

    [...] a seção de revisão de literatura ajuda o pesquisador a compreender o corpo existente de conhecimentos, fornece fundamentação teórica para o estudo empírico proposto, apoia a presença do problema da pesquisa, justifica que o estudo proposto contribua com algo novo em relação ao conhecimento acumulado e/ou enquadra a validade das metodologias, das abordagens, dos objetivos e das questões de pesquisa em relação ao estudo proposto.

    Assim, após a definição do tema e a elaboração inicial do problema, o próximo passo proposto no nosso ciclo da pesquisa é o levantamento do estado da arte, ou seja, aquilo que outros já pesquisaram e publicaram sobre seu tema. Esse passo acaba ajudando o pesquisador a detectar tanto se o problema escolhido já foi resolvido, quanto as lacunas existentes na literatura sobre o tema, forçando, assim, o refinamento da proposta inicial. Ou seja, após o levantamento do estado da arte, o problema da pesquisa (e, às vezes, até mesmo o tema) poderão ser redefinidos. Cohen, Manion e Morrison (2018, p. 181, tradução nossa) consideram que a revisão de literatura fundamenta e direciona [...] todas as áreas e fases da pesquisa em desenvolvimento: objetivo, enfoque, questões, metodologia, análise de dados, discussão e conclusão. Portanto, o estado da arte é, no fundo, o ponto de partida da pesquisa, porque você não pode ignorar o que já foi publicado sobre seu tema.

    O estado da arte deve ser levantado pelo procedimento denominado revisão de literatura. Importante notar que um trabalho de pesquisa pode realizar revisões de literatura em diferentes momentos (ou simultaneamente) e com diferentes objetivos, como, por exemplo: levantar o estado da arte sobre o tema e o problema, construir o referencial teórico da pesquisa, definir sua metodologia, traçar panoramas históricos, definir e revisar conceitos etc. Voltaremos a estes pontos ainda neste capítulo.

    No entanto, reconhecemos que a revisão da literatura, posicionada no início do ciclo da pesquisa, pode apresentar um dilema, especialmente nas investigações qualitativas, pois tem o potencial de influenciar o pensamento do pesquisador e reduzir a abertura ao que possa emergir do campo. Por isso, às vezes, uma revisão da literatura pode ocorrer apenas depois da coleta dos dados. Como alternativa, pode ainda prosseguir paralelamente ao trabalho de campo, permitindo uma interação criativa com os processos de coleta de dados e com a reflexão do pesquisador (PATTON, 2015).

    Outra questão importante é onde posicionar a revisão da literatura no texto. Creswell e Creswell (2018) apresentam diferentes opções para as pesquisas com abordagens qualitativas. O pesquisador pode, por exemplo, incluir a revisão da literatura na introdução. Nessa posição, a literatura fornece um pano de fundo útil para enquadrar o problema abordado no estudo. Uma segunda opção é revisar a literatura em uma seção separada, o que é normalmente adotado em pesquisas e periódicos com orientação quantitativa. Mas também em estudos qualitativos, como etnografia, teoria crítica ou com objetivo de transformação, o pesquisador pode posicionar a discussão sobre o referencial teórico e a literatura em uma seção separada, geralmente no início do texto. Uma terceira opção, nas abordagens qualitativas, seria incorporar a revisão de literatura na seção final, utilizando-a para comparar e contrastar com os resultados emergentes da pesquisa; isso é comum, por exemplo, nos estudos de teoria fundamentada (grounded theory).

    As revisões de literatura quantitativas também têm características específicas. Em geral, estudos quantitativos incluem uma quantidade substancial de literatura no início, para fornecer orientação para as questões ou hipóteses da pesquisa. A revisão pode também ser usada para introduzir um problema ou descrever em detalhes a literatura existente em uma seção separada. Além disso, em pesquisas com abordagens quantitativas, a revisão de literatura pode servir para introduzir uma teoria que procure explicar relações entre variáveis e descrever a teoria que será utilizada na pesquisa. Assim como no caso das pesquisas qualitativas, ao final do estudo o pesquisador pode revisitar a literatura e traçar comparações entre seus achados e os resultados dos estudos correlatos (CRESWELL; CRESWELL, 2018).

    Assim sendo, tanto no ciclo da pesquisa quanto no texto, é possível dispor a revisão de literatura em diferentes posições.

    3.3. Tipos de revisão de literatura

    Como já discutimos, uma revisão de literatura pode ser mais ou menos sistemática. Entretanto, para além desse parâmetro, há diversas tipologias para as revisões, especialmente levando-se em consideração critérios como: seus objetivos, a abordagem dos estudos primários incluídos (quantitativa, qualitativa ou de métodos mistos) e a metodologia para a análise e síntese dos resultados.

    Focando especificamente em revisões sistemáticas de pesquisas em educação, Newman e Gough (2020), por exemplo, propõem uma distinção simples entre as revisões que seguem lógicas de síntese configurativas e agregativas. No primeiro caso, as revisões investigam questões conceituais para explorar e desenvolver teorias, incluindo estudos que tenham utilizado, em geral, entrevistas e observações, com dados em formato de texto, para compreender um fenômeno de maneira mais rica. Já as revisões agregativas investigam questões relacionadas a impactos e efeitos de intervenções educacionais, incluindo estudos experimentais e quase-experimentais.

    Vosgerau e Romanowski (2014), por sua vez, analisando basicamente artigos na área da educação, classificam os tipos de revisão em dois grupos: mapeamentos e avaliação/

    /síntese. Os estudos de revisão de mapeamento, cuja finalidade seria fornecer caminhos ou referências teóricas para novas pesquisas, incluiriam: levantamento bibliográfico, revisão de literatura, estado da arte e bibliometria. O objetivo do levantamento bibliográfico seria levantar todas as referências sobre determinado tema. A revisão de literatura ou bibliográfica já envolveria discussão sobre o material levantado. O estado da arte, por sua vez, envolveria um aprofundamento da análise, podendo também ser denominado estado do conhecimento — concebido, às vezes, como um estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado — ou revisão narrativa. Por fim, a bibliometria ou os estudos bibliométricos envolveriam métodos quantitativos e estatísticos de análise do conteúdo.

    Já os estudos de revisão de avaliação e síntese se distinguiriam

    [...] das revisões que mapeiam na formulação da questão de investigação, no estabelecimento de estratégias de diagnóstico crítico e na exigência na transparência para estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão dos estudos, necessariamente primários, ou seja, coletados pelo próprio pesquisador. (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014, p. 175).

    Esses estudos incluiriam: aqueles que procuram interpretar as evidências encontradas nos resultados, obtidos a partir de dados tanto qualitativos quanto quantitativos (revisão sistemática, revisão integrativa e síntese de evidências qualitativas), metassíntese qualitativa (classificado tanto como interpretativo quanto como integrador e agregador de dados qualitativos e quantitativos), metassumarização (que procuraria integrar e agregar tanto dados quantitativos quanto qualitativos em uma mesma sistematização) e meta-análise (que procuraria integrar apenas estudos quantitativos).

    Paré et al. (2015), por sua vez, constroem uma rica e rigorosa tipologia para as revisões na área de sistemas de informação, dividida em quatro grandes grupos, em função do objetivo geral da revisão: resumo do conhecimento anterior (que inclui revisões narrativas, descritivas e de escopo), agregação ou integração de dados (que inclui meta-análise, revisão sistemática qualitativa e revisão guarda-chuva), construção de explicação (que inclui revisões teórica e realista) e avaliação crítica da literatura existente (revisão crítica).

    Como é possível perceber, as nomenclaturas e seus sentidos variam, chegando mesmo a se confundir, em função dos autores, das classificações e dos paradigmas adotados. Selecionamos, a seguir, os tipos de revisões de literatura mais mencionados e utilizados, refletindo e exemplificando sua aplicação na área de educação e posicionando-os no contínuo do nível de sistematização das revisões de literatura. Serão abordados: levantamento bibliográfico, estudo bibliométrico, revisão narrativa, revisão de escopo, revisão integrativa, revisão sistemática, meta-análise e revisão de revisões.

    3.3.1. Levantamento bibliográfico

    A finalidade do levantamento bibliográfico é coletar referências disponíveis sobre determinado tema em diferentes formatos, como livros, capítulos, artigos, dissertações e teses (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014). O que caracteriza o levantamento bibliográfico é não haver análise nem discussão dos resultados da busca. Seu produto, portanto, é uma bibliografia apresentada em forma de lista. O procedimento, dessa forma, pode ser considerado uma etapa prévia para a fundamentação teórica de um trabalho ou mesmo para a realização de uma revisão de literatura (as etapas da busca e seleção).

    Davies (2014), por exemplo, realizou um levantamento bibliográfico sobre o financiamento da educação no Brasil entre os anos de 1988 a 2014, com o objetivo de mapear a produção nesse período e facilitar pesquisas futuras sobre o tema. No artigo, com 72 páginas, o resumo e a introdução ocupam apenas duas páginas, sendo o restante do texto composto pela lista das referências resultantes do levantamento, ordenada alfabeticamente.

    Levantamentos bibliográficos podem ser mais ou menos sistemáticos nas estratégias de busca e nos critérios de seleção. Entretanto, como o trabalho, em geral, termina aí, vamos posicioná-los no limite menos sistemático do nosso contínuo de revisões (Figura 3).

    FIGURA 3 — Levantamento bibliográfico no contínuo das revisões de literatura

    Fonte: os autores.

    3.3.2. Estudo bibliométrico

    A bibliometria, campo da biblioteconomia e das ciências da informação, utiliza técnicas quantitativas para avaliar o fluxo das informações, a disseminação do conhecimento e a produção científica de uma maneira geral. Outras denominações são utilizadas, em geral com variações nos sentidos: cientometria ou cienciometria, infometria e webometria.

    Algumas leis clássicas caracterizam o campo: lei de Lotka (que procura medir a pro dutividade de literatura científica por autores), lei de Bradford (que procura medir a dispersão do conhecimento por periódicos) e lei de Zipf (que procura medir a distribuição e frequência das palavras em um texto). A análise de citações, a área mais importante da bibliometria segundo Araújo (2006), envolve o parâmetro utilizado internacionalmente para avaliar periódicos: o fator de impacto, que consiste, de uma maneira geral, em dividir o número de citações recebidas pelo número de publicações.

    Os estudos bibliométricos mais vinculados a revisões de literatura, em que a bibliometria é utilizada como técnica, denominados por Paré et al. (2015) de revisões descritivas, são ainda recentes na área de educação, segundo Vosgerau e Romanowski (2014). Esses estudos partem do resultado de levantamentos bibliográficos sobre determinado tema, aos quais aplicam métodos quantitativos, estatísticos e matemáticos para tentar detectar padrões ou tendências em diversos aspectos, como, por exemplo: autoria e coautoria dos textos; instituições e países em que foram realizadas as pesquisas; datas das pesquisas, do período da coleta dos dados e/ou das publicações; periódicos em que foram publicados os artigos; temas abordados; tipos das fontes; metodologia das investigações;

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