Política de transporte escolar nos municípios mato-grossenses: a implementação da política de transporte escolar rural em municípios mato-grossenses
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Política de transporte escolar nos municípios mato-grossenses - Rubens dos Santos
1 INTRODUÇÃO
Algumas formas de ação coletiva dispensam parcialmente ou integralmente amparo ou intervenção do Estado. No entanto, em sua grande maioria, essas atividades requerem regulamentação estatal para desempenhar suas funções normativas, executivas, jurisdicionais e orientativa das esferas governamentais, e assegurar o acesso popular aos serviços públicos essenciais. Entende-se por essenciais aqueles cuja natureza, como atividades privadas, têm menor importância do que a sua utilidade e representatividade social. Destacam-se, a educação, a saúde, a segurança pública, e a assistência social.
Sendo a escolaridade um fator relevante no desenvolvimento de uma nação, pode-se afirmar que a elevação do padrão socioeconômico da população de um país, não exime o Estado de seu dever de oferecer serviços públicos voltados para a educação de base, através da oferta do ensino público, gratuito e de qualidade.
Conforme indicadores demonstrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) revelam que a sociedade brasileira apresenta forte assimetria inter-regional e intrarregional. As diferenças passam por aspectos culturais, econômicos, intelectuais e sociais. O núcleo seminal dessa desigualdade remonta às origens da formação social brasileira, constituída a partir do modelo de colonização exploradora implantado no Brasil (Furtado,1968).
Com a propositura de amenizar essa discrepância é imperiosa a presença atuante e proativa do Estado nas políticas de seguridade social – sobretudo no que toca à educação, tão intimamente vinculada ao desenvolvimento humano. Dessa forma, a atuação do poder público para assegurar direitos sociais não se restringe apenas à oferta de prédios públicos, mas envolve também o acesso amplo, irrestrito e gratuito. Políticas de educação pública requerem, além dos espaços edificados, a disponibilização de outros fatores imprescindíveis e fundamentais para assegurar a universalização do acesso, e a permanência dos estudantes, tais como alimentação escolar, material didático, uniforme, assistência à saúde, e transporte escolar – conforme prescreve mandamento constitucional (Artigo 208, item VII – CF/88).
Esses benefícios devem ser assegurados por meio da atuação dos entes federativos (União, unidades federativas, e municípios) nas suas respectivas redes de ensinos. A União realiza essas atividades como programas suplementares, ou seja, a participação da União tem o objetivo de suprir as deficiências e as limitações dos sistemas estaduais e municipais – verdadeiros responsáveis por elas.
Na Constituição Federal de 1988 é evidenciado e estabelecido que a educação, além de direito social, é um direito público subjetivo. O direito público subjetivo é um instrumento jurídico que pode auxiliar no controle da atuação do poder do Estado, conferindo aos indivíduos a possibilidade de tornar a norma geral e abstrata em direitos efetivados (Duarte, 2004).
Na condição de instrumento fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, a educação deve assegurar políticas inclusivas que garantam que todas as crianças e jovens em idade escolar tenham assegurado a universalização do acesso, bem como da permanência na escola. Este direito está estabelecido no ordenamento jurídico do país, conforme prescrito no artigo 208 da Carta Magna nacional vigente. É também reiterado em normas infraconstitucionais, como a Lei 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Lei 9.394/96, que institui as Diretrizes e Bases para a educação nacional – LDB.
Dessa forma, para efetivar a garantia dos mandamentos instituídos no ordenamento jurídico brasileiro, com relação à salvaguarda do acesso universal à educação por crianças e jovens com idade entre 04 e 17 anos, as três esferas de governo devem assegurar políticas públicas ligadas à educação de base – incluindo a oferta gratuita de transporte escolar rural.
O transporte escolar rural, tema dessa tese, apresenta relevância crescente na garantia da universalização do acesso e permanência do estudante nas escolas. Dados do IBGE (2012) indicam que entre 2000 e 2011, 40.935 escolas rurais foram fechadas no Brasil. Em Mato Grosso, 47,67% das escolas rurais foram fechadas no mesmo período. Destarte, cada vez mais crianças e jovens campesinos precisam ser transportados por longas distâncias para chegar às escolas. Informações fornecidas pelo INEP/MEC¹, relativas ao Programa Nacional de Transporte Escolar – PNTE (2015) dão conta que entre 2004 e 2014 o número de alunos beneficiados com a política de transporte escolar nos municípios brasileiros ultrapassa quarenta milhões, numa média de quatro milhões de atendimentos por ano, e alcançando mais de cinco mil municípios.
Entendendo que o processo de implementação das políticas públicas está relacionado com o modelo pelo qual os governos dão curso efetivo a uma política (Howlett, 2013), elegeu-se nessa tese o estágio da implementação como o mais profícuo para realizar a pesquisa.
O escopo desse trabalho está voltado para o arranjo da política do transporte escolar rural, no âmbito da implementação, em três municípios mato-grossenses. Denominamos arranjo
a forma de organizar e ofertar o transporte escolar rural. Essa organização é fundamental para que as políticas de transporte rural sejam exitosas, e contribuam para a universalização do acesso, e permanência do aluno.
O processo de implementação de políticas públicas apresenta sempre peculiaridades em suas dinâmicas, visto que vários fatores influem em suas conduções e execuções. Pode–se citar como exemplo; a capacidade institucional dos agentes implementadores; fatores de natureza política na execução dos programas; oposição às políticas a serem implementadas; disposição de recursos (financeiro, material e humano) e tempo; relação direta entre causa e efeito; grau de dependência na execução por parte do agente implementador; envolvimento dos atores nos propósitos; e a sintonia nas ações e proatividade do comando.
Diante do fato de as políticas públicas surgirem como instrumentos de aperfeiçoamento das ações governamentais no provimento de bens coletivos, bem como de mitigação as desigualdades, são também idealizadas, parametrizadas e desenhadas com base nas vulnerabilidades que envolvem a segurança nas mais variadas dimensões. Para Easton, política pública significa a alocação oficial de valores para toda a sociedade
(Easton, 1953, p. 129). Por consequência, a política pública tem o condão de identificar demandas coletivas, e alocar recursos para atendê-las, com vistas a proporcionar o bem comum.
Na concepção de Rua², quando uma política envolve distintos níveis de governo, diferenciadas regiões de um mesmo país, ou ainda variados setores de atividades, sua implementação pode se mostrar uma questão problemática, já que o controle do processo se torna mais complexo. É o caso do transporte escolar rural. Porém, dada a sua relevância para a universalização do acesso, da permanência, e do sucesso escolar com qualidade em todos os níveis da educação básica, é imprescindível que haja constante interação entre os atores em todas as fases da política pública.
A oferta de transporte escolar rural em território mato-grossense é um desafio significativo para a universalização do acesso e permanência do escolar em sala de aula. Dentre vários fatores, porém destacar sua dimensão territorial, na ordem de 903.378,292 km² (IBGE, 2010), e as condições adversas de infraestrutura, exigindo grandes esforços dos atores responsáveis por sua implementação, haja vista que os escolares rurais precisam se deslocar grandes distâncias até os núcleos escolares. Nesse sentido
as grandes distâncias entre comunidades rurais e a escola proporcionam viagens longas e, consequentemente, restringem as atividades familiares, recreativas e extracurriculares, bem como limitam o tempo de sono e estimula o déficit de atenção na sala de aula (FOX, 1996, p. 20)
.
Este estudo abrange três municípios do sudoeste mato-grossense – Vila Bela da Santíssima Trindade, Cáceres e Sapezal –, e propõe compreender como a política pública de transporte escolar rural está sendo implementada nos municípios do Estado de Mato Grosso. A seleção dos três municípios assegura uma lógica de representação, dadas as suas características peculiares, porém representativas no universo dos municípios. Suas fundações ocorreram em épocas distintas, e sob contextos políticos e econômicos também dessemelhantes.
Vila Bela da Santíssima Trindade foi fundada no ano de 1752, no contexto da política de ocupação lusitana na América portuguesa. O município encontra-se localizado num espaço lindeiro com significativa dimensão de fronteira seca com a Bolívia. Atuou como sentinela defensora da Capitania e sustentáculo dos projetos geopolíticos da economia do exclusivo metropolitano
, conforme relata Novais (1986). Foi a primeira capital de Mato Grosso, quando ainda capitania e província, tendo deixado essa condição em 1835, com a transferência para Cuiabá.
Vila Bela da Santíssima Trindade conta com um território de 13.678,84 km² e apresenta baixa densidade demográfica, na ordem de 1,06 hab/km². Seu IDH se situa na média de 0,645, embora tenha praticamente dobrado nos últimos 20 anos. Todavia, dos três parâmetros utilizados para mensurar o IDH (longevidade – 0,843; renda – 0,644 e educação – 0,495), é a educação que apresenta o índice de desenvolvimento mais reprimido. Ademais, 64,36% da sua população reside na zona rural (Fonte: PNUD, IPEA).
O município de Cáceres também apresenta destacada importância na conformação territorial brasileira. Seu núcleo urbano foi fundado em 1778, com a denominação de Vila Maria do Paraguai. Nesse período a coroa portuguesa adotou políticas expansionistas do ponto de vista político-territorial, e giradas para a defesa das fronteiras com os domínios espanhóis.
Segundo o IBGE (2010), Cáceres ostenta a categoria de centro sub-regional
. Classifica-se também como um polo educacional e, de acordo com dados levantados no censo do IBGE (2010), possui uma extensão territorial 24.478,87 km². Possui taxa de urbanização na ordem de 87,10%, característica de centro dinâmico que atua como polo gerador de oportunidades no setor de serviços.
O município de Cáceres se destaca ainda por exercer influência significativa sobre os demais centros urbanos localizados nas proximidades, sobressaindo-se particularmente como um mercado de bens e serviços, centro cultural político e educacional, e como provedor de serviços de saúde básica e de complexidade. Apresenta baixa densidade demográfica, na ordem de 3,59 hab/km². Seu IDH registra boa evolução nas duas últimas décadas, passando de 0,420 em 1991, para 0,708 em 2010. Dos três parâmetros utilizados para mensurar o IDH (longevidade – 0,813; renda – 0,691, e educação – 0,633), pode-se observar que a educação é o mais acanhado. A população rural corresponde a 12,90% dos habitantes da cidade (Fonte: PNUD, IPEA, 2012).
Sapezal foi criada em 1994. Soerguida a partir do avanço da fronteira agrícola mato-grossense, tem sua base econômica pautada na agricultura exportadora. A formação de Sapezal foi pensada num período em que a globalização produtiva e financeira permeava quase todo o planeta. A construção de seu núcleo urbano funcionou como suporte necessário para viabilizar a produção agrícola voltada para o mercado externo. Conta com uma dimensão territorial de 13.646,55 km², e apresenta taxa de urbanização na ordem de 83,60% (IBGE, 2010).
Na caracterização econômica de Sapezal, destacam-se atividades rurais altamente mecanizadas, e com baixa taxa de geração de empregos no campo. Apresenta baixa densidade demográfica, na ordem de 1,32 hab/km²; o IDH da sua população situa-se na média de 0,732, embora tenha mais que dobrado nos últimos 20 anos. Dos três parâmetros utilizados para mensurar o IDH (longevidade – 0,836; renda – 0,758, e educação – 0,620), pode-se observar que a educação é novamente o mais tímido. A população de Sapezal é 83,59% urbana (Fonte: PNUD, IPEA, 2012).
Ainda que a política de transporte escolar envolva as três esferas de governo (União, estados-membros e Municípios), esse estudo se limitará ao âmbito municipal por razões bastante concretas. No arranjo federativo do transporte escolar, a União participa com apoio financeiro de caráter suplementar, pautado no número de alunos a ser transportado, sem levar em conta os quilômetros rodados. Aos estados-membro cabe a responsabilidade de repassar recursos aos municípios referentes ao transporte dos escolares da rede estadual. Aos municípios, fica a responsabilidade de estabelecer os critérios para instituir os arranjos na política de transporte escolar, em sua implementação e efetivação.
Mandamento constitucional (Art. 206, Inciso I – CF/88) estabelece o princípio da igualdade de condições para a universalização do acesso e permanência dos alunos nas escolas. No entanto, a desigualdade da sociedade mato-grossense, os problemas estruturais, as características fundiárias do estado, e as más condições da malha viária são barreiras à efetivação desse direito. Diante das adversidades pelas quais passa a educação no campo, levanta-se a hipótese de que a política do transporte escolar rural assegura papel de destaque no cumprimento da universalização do acesso e permanência dos alunos no ambiente escolar. Surge assim a seguinte indagação: como se dá a implementação da política do transporte escolar rural, com vistas a assegurar a universalização do acesso e da permanência dos alunos nas escolas? Para responder a essa pergunta, estabelecemos o seguinte objetivo geral para esta tese: caracterizar os critérios para instituir os arranjos na política de transporte escolar rural, no âmbito da implementação, com vistas a alcançar a universalização do acesso e permanência dos escolares da educação de base, residentes no meio rural.
Para atender ao objetivo geral pretendem-se, para os três municípios apresentados: a) diagnosticar os arranjos da implementação das políticas de transporte escolar rural; b) averiguar a participação social nos mecanismos da implementação do transporte escolar rural; c) analisar a eficiência do sistema de transporte escolar rural no âmbito da sua implementação.
A metodologia e a estratégia de ação utilizada para alcançar os objetivos deste trabalho têm o propósito de demonstrar as técnicas e os caminhos que foram utilizados com o intuito de alcançar os objetivos delineados neste trabalho, caracterizando o ordenamento e a evolução das ações pertinentes à implementação das políticas públicas de transporte escolar rural nos três municípios mato-grossenses.
Foram aplicadas as abordagens metodológicas qualitativa/quantitativa para realização da pesquisa. A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores que, segundo Minayo (1999), respondem a questões muito particulares, e tocam em aspectos