O Fazer Morada Como Propósito De Deus
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O Fazer Morada Como Propósito De Deus - Cléverson Israel Minikovsky
1
INSTITUTO DE TEOLOGIA LOGOS
DOUTORADO EM TEOLOGIA
O FAZER MORADA COMO
PROPÓSITO DE DEUS
Cléverson Israel Minikovsky
SÃO BENTO DO SUL - SC
2024
2
CLÉVERSON ISRAEL MINIKOVSKY
O FAZER MORADA COMO
PROPÓSITO DE DEUS
Trabalho de Curso submetido ao Instituto de Teologia Logos como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de
Doutor.
SÃO BENTO DO SUL - SC
2024
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os mártires que, com sua vida e morte, testemunharam a fé cristã.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos quantos me trataram com a dignidade de que sou credor enquanto filho de Deus.
5
RESUMO
O presente trabalho objetiva construir uma possível linha de interpretação panorâmica das Sagradas Escrituras. Ao longo de toda a leitura que integra o cânon, verifica-se que a temática do fazer morada perpassa toda a vasta literatura que encerra a Bíblia Sagrada. A morada, enquanto conceito, pode ser identificada como o mais paradigmático arquétipo bíblico. Há uma sistemática dinâmica de conter e ser contido. Deus, por um lado, é uma casa e, por outro, habita todos os lugares, ocorrendo algo similar com o ser humano, sua imagem e semelhança.
Palavras-chaves: Deus. Ser humano. Morada. Propósito de Deus.
6
ABSTRACT
The present work aims to construct a possible line of panoramic interpretation of the Holy Scriptures.
Throughout the reading that makes up the canon, it appears that the theme of making a home runs through the entire vast literature that contains the Holy Bible. The home, as a concept, can be identified as the most paradigmatic biblical archetype. There is a systematic dynamic of containing and being contained. God, on the one hand, is a house and, on the other, he lives everywhere, something similar occurs with human beings, their image and likeness.
Keywords: God. Human being. Household. God's purpose.
7
ÍNDICE
INTRODUÇÃO..............................................................8
CAPÍTULO 1: Explorando o tema da morada
na perspectiva
de
leitura
linear
da
Bíblia
Sagrada..........................................................................13
1.1 Antigo Testamento..................................................13
1.2 Novo Testamento e reflexões para os dias atuais........................................................................56
CAPÍTULO 2: Intertextualidade: Bíblia Sagrada e a realidade
da
vida
dos
seres
humanos.......................................................................105
CONCLUSÃO ....................................................................165
REFERÊNCIAS .................................................................169
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho procura abrir uma nova trilha através da qual o Texto Bíblico possa ser interpretado. A ideia central, de Deus querer fazer morada entre nós, acaba aparecendo ao longo de todo o cânon. A própria Criação é a grande primeira casa arquitetada e edificada por Deus.
Evidentemente,
seria
desmedida
ambição
pretender inaugurar uma disciplina nova dentro da teologia, ou uma metodologia revolucionária. Com efeito, o intuito desta tese é oferecer mais uma ferramenta conceitual a partir da qual o estudioso consiga extrair novos sentidos da Revelação. Seu fim último, portanto, é de mediação, em que o resultado final, bem provavelmente, redundará em pregações mais elaboradas, se Deus o permitir. Explorar novos caminhos na literatura bíblica é descortinar novos propósitos para a história humana. Sim, porque o sentido da história acha-se encerrado na narrativa bíblica. A Bíblia seria, nesta
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acepção, o manual de tudo
. Logo, nunca é demais ler, reler, tornar a reler. O texto é sempre o mesmo, mas cada leitura é uma nova leitura.
Deus é onisciente, mas Ele não é só pensamento.
Para além do aspecto pensamental existe o plano ôntico.
E é aqui, precisamente, que se radica a ideia de fazer morada. Diferente de qualquer guinada filosófica, nós não somos meras coisas pensantes, unicamente. Nós temos e somos um corpo. E Deus não faz as coisas por acaso. A oposição recíproca entre o campo do puro abstrato e o campo da concretude extensa se presta a demonstrar que identificamos as coisas como elas são no campo de força. O estar-fazendo
mora na incompletude. Onde tudo está completo inexiste propósito, não é necessário demandar nenhum esforço. A própria Revelação é algo que Deus dá a conhecer através de séculos e, sem receio, posso dizê-lo, milênios. É por isso que ao longo da narrativa bíblica é que Deus vai, como que mudando de casa
. Todavia, abandonar o seu povo, jamais! Ele, inclusive, ampla o conceito de povo de Deus
, para alcançar todos os povos, nações, tribos, raças e línguas.
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A Revelação vai sendo dada em etapas, consoante a andragogia divina. Esta modulação, entrementes, não impede identificarmos dois grandes momentos do fazer morada de Deus
: o primeiro, como já dissemos, é a Criação, e o segundo momento marcante é a encarnação do Verbo. Deus vem morar entre nós, ser um de nós, falar a nossa língua. Ele é o caminho para a Casa do Pai, se é isto o que queremos. Se, como diz Heidegger, "o homem é a soma de todos os seus projetos, dos bem-sucedidos, e dos fracassados", o maior de todos os projetos é o divino, é fazer morada, do que a Jerusalém Celestial vem a ser o corolário de tudo. A ignorância do ser humano que não inclui Deus em seus próprios projetos é este: Deus nos incluiu no seu grande projeto. O
que é mais abrangente tem de contemplar o que é menos amplo, por uma questão de lógica. Os pensamentos de Deus são mais altos do que os nossos, assim como os seus caminhos são mais altos do que os nossos (Cf. Is 55, 8-10).
Habitação relaciona-se com proteção, refúgio, abrigo, partilhamento, relacionamento, aconchego, intimidade, amor, caridade, pertença, identidade,
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alteridade, etc. Ela é a primeira igreja que todo ser humano frequenta. Nela é que somos educados, a escola é mais para aprendizagem.
Na segunda parte deste trabalho voltamos nosso olhar para a questão social da habitação. Muito embora a vida contemplativa seja digna de elevados elogios morais e espirituais, a Palavra de Deus deve converter-se em ação transformadora sobre o mundo. Este é o sentido do
"assim na terra como no céu" (Cf. Mt 6, 10). O mal que aflige o meu irmão há de tocar, outrossim, o fundo da minh’alma.
Se existem dois erros a serem evitados, não que o seu número não extrapole essa quantidade, apenas os vemos por uma lente de alta definição, são estes: 1) querer construir uma sociedade justa, fraterna, organizada, ética e funcional sem Deus; 2) querer viver uma espiritualidade de louvor e adoração a Deus, querer promover o crescimento do Reino de Deus, e alcançar mais vidas ao rebanho de Cristo, paralelo à mais escrachada apatia a quem padece todo tipo de mazela social.
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Deus seja mui glorificado com este trabalho, e que o eventual leitor seja edificado com este escrito, da maneira que melhor aprouver ao Espírito.
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CAPÍTULO 1: Explorando o tema da morada
na perspectiva de leitura linear da Bíblia Sagrada
1.1 Antigo Testamento
A narrativa bíblica começa assim: "No princípio Deus criou os céus e a terra (Gn 1, 1). Ainda no capítulo primeiro:
Então disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança
"
(Gn 1, 26a). A criação dos céus e da terra é o que chamamos atualmente de surgimento do universo. A linguagem bíblica sugere que, sendo o universo uma casa, ela tem dois pavimentos. A cobertura sendo habitada por Deus, e o piso inferior, mais concreto, é a nossa residência. O surgimento do universo, portanto, é a obra de um Arquiteto. O verbo fazer
, na primeira pessoa do plural do imperativo, robora a ideia de Trindade. Não é impossível, mas infrequente, edificar
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uma casa para moradia de uma só pessoa. Deus, sendo comunidade, desejou expandir a riqueza do seu amor, partilhando a riqueza de ser e existir. Por conseguinte, fomos criados, foi-nos dada uma casa, o planeta Terra.
Realizado o trabalho mais duro, a constituição que dá substância a todas as coisas, Deus criou um ambiente aconchegante para o primeiro casal de humanos da história. Homem e mulher habitavam o Éden, o paraíso na Terra.
Quando o Senhor Deus fez a terra e os céus, ainda não tinha brotado nenhum arbusto no campo, e nenhuma planta havia germinado, porque o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra, e também não havia homem para cultivar o solo.
Todavia brotava água da terra e irrigava toda a superfície do solo. Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente. Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, para os lados do leste, e ali colocou o homem que formara. Então o Senhor Deus fez nascer do solo todo tipo de árvores agradáveis aos olhos e boas para alimento. E no meio do jardim estavam a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal. No Éden nascia um rio que irrigava o jardim, e depois se dividia em quatro. O nome do primeiro é Pison. Ele percorre toda a terra de Havilá, onde existe ouro. O ouro daquela terra é excelente; lá também existem o bdélio e a pedra de ônix. O segundo, que percorre
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toda a terra de Cuxe, é o Giom. O terceiro, que corre pelo lado leste da Assíria, é o Tigre. E o quarto rio é o Eufrates. O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo. E o Senhor Deus ordenou ao homem:
Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá
. Então o Senhor Deus declarou: Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda
(Gn 2, 4b-18).
A grande bênção não se resumiu a existir, estar lançado no mundo, mas uma moradia perfeita e completa coroou Adão, e não fosse o suficiente, Eva lhe foi confiada para amor recíproco. No entanto, Deus não foi correspondido, pois a regra mais importante foi quebrada, provaram da árvore do conhecimento do bem e do mal, sendo expulsos da casa celestial, o Éden, o paraíso na terra. O ser humano decaiu da sua natureza perfeita, foi penalizado por ter de conquistar seu sustento com o suor do rosto, todas as coisas necessárias para a sua vida terrena, inclusive uma casa para residir com sua família.
A linhagem adâmica, infelizmente, persistiu na sua conduta errática, motivo pelo qual Deus se arrependeu de ter criado a humanidade. O pecado reiterado dos seres
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humanos despertou a ira divina e foi decretado o dilúvio para sepultar nas águas os pecados e os pecadores. Essa é a história de Noé:
Quando os homens começaram a multiplicar-se na terra e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram bonitas, e escolheram para si aquelas que lhes agradaram.
Então disse o Senhor: Por causa da perversidade do homem, meu Espírito não contenderá com ele para sempre; ele só viverá cento e vinte anos
.
Naqueles dias havia nefilins na terra, e também posteriormente, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens e elas lhes deram filhos. Eles foram os heróis do passado, homens famosos. O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal. Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração. Disse o Senhor: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, os homens e também os grandes animais e os pequenos e as aves do céu. Arrependo-me de havê-los feito
. A Noé, porém, o Senhor mostrou benevolência. Esta