1) O documento descreve a experiência de Stephen LaBerge de sonhar lucidamente, onde ele estava consciente de estar sonhando e podia deliberadamente controlar seus sonhos.
2) LaBerge argumenta que sonhar lucidamente pode melhorar a qualidade de vida, promovendo o crescimento pessoal, aumentando a autoconfiança e ajudando na resolução de problemas.
3) Ele também discute como sonhar lucidamente pode ter aplicações na saúde mental e física, e como experiências nos sonhos podem ser úteis na vida real.
Direitos autorais:
Attribution Non-Commercial (BY-NC)
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1) O documento descreve a experiência de Stephen LaBerge de sonhar lucidamente, onde ele estava consciente de estar sonhando e podia deliberadamente controlar seus sonhos.
2) LaBerge argumenta que sonhar lucidamente pode melhorar a qualidade de vida, promovendo o crescimento pessoal, aumentando a autoconfiança e ajudando na resolução de problemas.
3) Ele também discute como sonhar lucidamente pode ter aplicações na saúde mental e física, e como experiências nos sonhos podem ser úteis na vida real.
1) O documento descreve a experiência de Stephen LaBerge de sonhar lucidamente, onde ele estava consciente de estar sonhando e podia deliberadamente controlar seus sonhos.
2) LaBerge argumenta que sonhar lucidamente pode melhorar a qualidade de vida, promovendo o crescimento pessoal, aumentando a autoconfiança e ajudando na resolução de problemas.
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1) O documento descreve a experiência de Stephen LaBerge de sonhar lucidamente, onde ele estava consciente de estar sonhando e podia deliberadamente controlar seus sonhos.
2) LaBerge argumenta que sonhar lucidamente pode melhorar a qualidade de vida, promovendo o crescimento pessoal, aumentando a autoconfiança e ajudando na resolução de problemas.
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SONHOS LCDOS
Por Stephen Laberge
1985 ISBN: 85-267-0251-3 Direitos Exclusivos para a Siciliano Livros, Jornais e Revistas Ltda. Edio: 1990 Esgotada Aos meus pais. Agradecimentos Algum disse que a originalidade " um mero plgio inconsciente". Como as ideias contidas neste livro vm de inmeras fontes, nem sempre consigo me lembrar a quem devo atribuir os devidos crditos. Peo desculpas s pessoas que no foram especificamente mencionadas e dirijo os meus agradecimentos a todas. Daniel Goldman e Robert Eckhardt comearam a insistir para que eu escrevesse este livro. O Centro Holmes de Pesquisas de Cura Holstica e a Fundao Monteverde contriburam com os fundos necessrios. Quero agradecer ao dr. William Dement por ter cedido do seu prprio laboratrio no Centro de Pesquisas do Sono da Universidade de Stanford para que eu fizesse minhas experincias; ao dr. Lynn Nagel agradeo a assistncia indispensvel que me deu no incio do trabalho. Tambm quero agradecer aos meus auxiliares de pesquisa e a todos os onironautas que tomaram parte no nosso projeto de sonhos lcidos; destaco especialmente a dra. Beverly Kedzjierski. Sou muito grato a todos que leram e comentaram os rascunhos do manuscrito; entre eles esto Lorna Catford, Henry Greenberg, Dorothy Marie Jones, Lynne Levitan, Robert Orns-tein e Howard Rhinegold. A Jeremy Tarcher agradeo os sbios conselhos e a Hank Stine e Laurie LaBerge agradeo o trabalho herico de editar o manuscrito inteiro. Para terminar quero agradecer a L. P. por tudo quanto s ela sabe. onte!do Prefcio................................................................................................. 9 1. Acordados nos Sonhos................................................................... 11 2. As origens e a Histria dos Sonhos Lcidos .................................. 31 3. O Mundo Novo dos Sonhos Lcidos .............................................. 53 4. Explorando o Mundo dos Sonhos: Sonhadores Lcidos no Laboratrio 90 5. A Sensao de Sonhar Lucidamente.............................................. 112 6. Aprendendo a Sonhar Lucidamente ............................................... 151 7. O Sonhador Prtico: Aplicaes dos Sonhos Lcidos.................... 179 8. Sonhar: Funo e Significado...................................................... 209 9. Sonho, luso, Realidade ............................................................. 239 10. Sonho, Morte, Transcendncia ..................................................... 265 Eplogo: Vivos na Vida ......................................................................... 286 Notas...................................................................................................... 295 ndice Remissivo ................................................................................... 309 "re#$cio Stephen LaBerge fez uma coisa pouco comum: demonstrou que algo que costumava ser julgado impossvel nos domnios do consciente na realidade possvel. Provou cientificamente que podemos dormir e sonhar e ao mesmo tempo ficar completa-mente conscientes no sonho. A primeira parte deste livro conta a histria fascinante de como ele conseguiu isso. A prova de LaBerge % importante porque mostra mais uma vez que as possibilidades da percepo humana so maiores do que pensvamos. Muitos cientistas costumavam acreditar que os sonhos, pela sua prpria natureza, eram "irracionais" e "inconscientes". Desse ponto de vista, sonhar lucidamente estaria fora de cogitao. Muitas vezes uma concepo errada funciona como empeilho para a compreenso e com isso obstrui a viso das possibilidades. Dando um exemplo paralelo: j foi considerado impossvel correr dois quilmetros em cinco minutos. Parece que essa idia constitua um entrave para muitos corredores at que um homem conseguiu realizar a faanha. Logo que a barreira conceituai foi derrubada apareceram muitos outros corredores aptos a fazer dois quilmetros em cinco minutos. Aparentemente s tentamos o que supomos possvel. O mesmo princpio se aplica percepo consciente; e a demonstrao de LaBerge, da possibilidade de existir ao consciente e deliberada no estado de sonho, pode servir para inspirar outras pessoas a fazer o mesmo. Aos leitores interessados em desenvolver a tcnica de sonhar com lucidez o livro de LaBerge oferece no s inspirao como conselhos e tcnicas que mostram como se transformar num sonhador lcido e pr em prtica esse estado para estimular o crescimento pessoal, aumentar a autoconfiana, melhorar a sade mental e talvez at a sade fsica, alm de facilitar a resoluo de problemas criativos. O dr. LaBerge escreveu uma obra estimulante e de leitura extremamente clara. Ao terminar a ltima parte do livro o leitor ver-se- recompensado com idias e percepes que, nas palavras de William James, probem "que encerremos prematuramente as contas com a realidade". O autor demonstrou que, no mesmo grau de qualquer outra atividade, o sonho lcido acompanhado de uma mente aberta e sensvel pode levar a uma compreenso mais unificada da percepo consciente. Dr. Robert E. Ornstein 1 Acordados nos Sonhos Passando pelo corredor de teto alto e abobadado de uma fortaleza bem defendida, parei para admirar a arquitetura, que :ra.magnfica. De algum modo, a contemplao daquele cenrio majestoso estimulou- me a conscincia de estar sonhando! luz da minha mente consciente o esplendor j impressionante do castelo pareceu uma maravilha ainda maior; muito entusiasm-lo, comecei a sondar a realidade imaginria do meu "castelo no ir". Desci para o salo sentindo nos ps a dureza fria "das pedras e ouvindo o eco dos meus passos. Apesar de eu estar perfeitamente consciente de que tudo era um sonho, todos os elementos daquele espetculo encantado pareciam verdadeiros! Por fantstico que parea, enquanto eu sonhava e dormia a sono solto, tambm estava de plena posse de todas as faculdades da minha vida acordada: conseguia pensar clara-lente como sempre, lembrar-me sem dificuldade da vida real e agir deliberadamente, por reflexo consciente. Mesmo assim a vividez do meu sonho no diminuiu nada por causa disso. Com ou sem paradoxo, eu estava acordado no sonho! No castelo, confrontado com duas passagens, usei a minha prpria vontade e escolhi a da direita: logo cheguei a uma escada. Curioso por saber onde iria dar, desci os degraus e me achei perto da parte superior de uma enorme caverna subterrnea. De onde eu estava, ao p da escada, parecia que o cho da caverna descia bastante, sumindo distncia na escurido. Muitos metros abaixo vi algo que me pareceu uma fonte rodeada de esttuas de mrmore. A idia de me banhar naquelas guas simbolicamente renovadoras tomou conta da minha fantasia e comecei logo a descer a encosta. Mas no fui a p, pois quando sonho e quero ir a algum lugar, vou voando. Logo que aterrei perto da gua fiquei muito admirado, pois o que de cima me parecera uma srie de esttuas inanimadas era de fato algo inequvoca e sinistramente vivo: um gnio enorme e aterrorizante, mais alto que a fonte. No sei como, imediatamente fiquei sabendo que era o Guardio da Fonte. Todos os meus instintos gritaram: "Fuja!", mas lembrei-me que toda aquela viso terrvel era apenas um sonho. Esse pensamento me deixou destemido: joguei o medo para o lado e voei; no voei para longe e sim diretamente para a apario. Como sempre acontece nos meus sonhos, logo que me vi perto do gnio verifiquei que ele e eu ramos do mesmo tamanho e eu estava conseguindo olh-lo nos olhos, cara a cara, Percebendo que o aspecto terrvel dele tinha sido criado pelo meu medo, resolvi acolher o que antes havia tentado rejeitar e, de braos e corao abertos, segurei-lhe as duas mos nas minhas. medida que o sonho ia sumindo devagar, parecia que a fora do gnio vinha fluindo para mim; acordei cheio de uma energia vibrante. Parecia disposto para o que desse e viesse. O sonho que acabei de contar % um exemplo do mundo das sensaes interiores, pouco explorado mas interessantssimo. Estar "acordado nos sonhos" % uma oportunidade de entrar em aventuras sem igual, das quais no se quer fugir e que raramente so sobrepujadas em qualquer outro aspecto da vida. S isso j deveria ser mais que suficiente para despertar o interesse dos aventureiros pelo sonho lcido, que o nome dado ao fenmeno notvel de sonhar estando completamente consciente de estar sonhando. Mas pode ser que aventura seja o motivo menos importante de cultivar a capacidade de sonhar lucidamente. (Como veremos no Captulo 6, % poss&'e( aprender a son)ar (ucidamente*. Por exemplo: o sonho lcido tem um potencial considervel na promoo do crescimento e do desenvolvimento pessoais, no aumento da autoconfiana e na melhoria da sade mental e fsica, alm de facilitar a resoluo de problemas de criatividade e ajudar a progredir no caminho do autocontrole. Para algumas pessoas essa lista que demos poder parecer extravagante, mas creio que h provas substanciais que comprovam essas afirmaes. Os detalhes vo ser analisados no devido tempo mas talvez seja bom fazer primeiro uma abordagem mais geral. Todas essas aplicaes de sonhos lcidos tm algo em comum: em maior ou menor grau, cada uma tem potencial de melhorar a qualidade de vida e realar o nosso senso de bem-estar, enriquecendo, ampliando e at transformando radicalmente as variedades de experincias abertas para o indivduo na qualidade de ser humano. Sugerir que os sonhos lcidos melhoram a qualidade de vida aplica-se tanto vida do dia-a-dia como da "noite-a-noite". Um dos motivos disso % que qualquer coisa dada a conhecer num sonho lcido pode ser til na vida real. Alm disso, o inverso tambm vlido: nos sonhos lcidos sempre possvel lembrar das lies aprendidas na vida real. nfelizmente nada disso acontece com a mdia das pessoas que sonham, que normalmente no vem uma ligao entre os sonhos e a vida real. Geralmente quem no tem sonhos lcidos padece de uma forma de amnsia de estado especfico tal que, quando est acordado, tem dificuldade de se lembrar dos sonhos e, quando est dormindo, lembra-se da vida real como se a visse num espelho fantasioso, obscura e distorcida; ou no se lembra de absolutamente nada. Algum pode perguntar, e com razo: "E isso to ruim assim? Se vivemos duas vidas ou uma s, que importncia tem?" guisa de resposta posso dar uma analogia: suponha que, por algum motivo, os dias pares e mpares dos meses no signifiquem nada especial; imagine que num dia qualquer voc s consegue se lembrar da metade do que pensou e fez no passado (s nos dias pares ou s nos mpares, conforme o caso). Agora pergunto: isso seria to ruim? Acontece que nos sonhos lcidos o vu da amnsia levantado e, com a ajuda da memria, a lucidez estabelece uma ponte entre os dois mundos, o do dia e o da noite. Um ctico poderia objetar que essa analogia no muito clara. Afinal, os dias pares e mpares da vida "acordada" tm o mesmo valor, mas o que o mundo dos sonhos pode oferecer que se compare ao mundo da realidade "acordada"? Vale a pena construir uma ponte entre o mundo acordado e o mundo dos sonhos? Especificamente falando, que tipo de retorno voc esperaria pelo tempo e energia necessrios para cultivar seriamente os sonhos em geral, e os sonhos lcidos em particular? possvel dar vrias respostas. Uma linha de discusso poderia comear com a concepo de sonho de Freud: a +ia ,egia- ou estrada real, para a mente inconsciente. Qualquer pessoa interessada em desenvolver a personalidade dificilmente consegue se dar ao luxo de deixar de lado o que consegue perceber do estudo dos prprios sonhos. E para aproveitar o mximo dos sonhos preciso estar lcido. Em resumo: quem quiser se desenvolver precisa sonhar. Sem considerar a sade mental, que mais o mundo dos sonhos tem a oferecer? A resposta que logo acode mente : a sade fsica. Para comear, nem sempre fcil distinguir a sade fsica da mental; essa distino baseia-se em filosofias mais antiquadas. Quanto mais modernos so os sistemas, mais encaram a sade como uma questo de integrao da pessoa toda. Aqui, "integrao" tem a ver com o funcionamento coordenado do sistema biolgico humano como unidade. No caso do .omo Sapiens isso implica no mnimo trs nveis de organizao: o biolgico, o psicolgico e o sociolgico. O interesse intuitivo deste conceito de sade parece claro de per si- mas se considerarmos alguns sinnimos de sa!de- como integridade- sanidade e ro/uste0- parece que esse conceito tem mais sentido ainda: basicamente, na raiz de todos esses sinnimos, est o significado de integrao ou integridade, no sentido de boa sade. Neste ponto estou insistindo no conceito de integridade porque ajuda a entender a nfase que darei mais adiante auto-integrao (ainda neste captulo). Alm disso, este conceito prepara o palco para apresentar o fato de os acontecimentos psicolgicos ocorridos no sonho poderem afetar na prtica o funcionamento biolgico do corpo, como foi demonstrado experimentalmente na Universidade de Stanford. Considerando que a maioria das doenas tem pelo menos um componente psicossomtico, pode at haver motivo para acreditar que possvel usar os sonhos lcidos para curar as sndromes psicossomticas. Podemos mencionar mais uma aplicao dos sonhos lcidos: resoluo de problemas criativos e tomada de decises. No decorrer da Histria os sonhos sempre foram considerados fonte importante de criatividade em quase todos os campos, incluindo literatura, cincia, engenharia, pintura, msica, cinema e mesmo esportes. Entre os primeiros sonhadores criativos que nos vm mente est Robert Louis Stevenson, que atribuiu aos sonhos a maior parte do que escreveu, incluindo 1 estran)o caso do dr. 2e34(( e do sr. .4de5 h outros exemplos ainda mais famosos, como Samuel Taylor Coleridg com o poema 6u/(a 6a)n- baseado no sonho de um tomador de pio. Entre os cientistas podemos citar o sonho do qumico alemo do sculo XX Friedrich Au-gust Kekul, que lhe possibilitou descobrir a estrutura da molcula de benzeno; e a experincia feita por Otto Loewi com base num sonho, a qual serviu para demonstrar a mediao qumica dos impulsos nervosos e conquistar-lhe o prmio Nobel de fisiologia de 1938. No campo da engenharia h vrios exemplos de invenes que foram reveladas em sonhos: entre elas temos a mquina de costura de Elias Howe. Muitos pintores tambm atribuem algumas das suas obras a sonhos: William Blake e Paul Klee so os casos mais comprovados. Entre os compositores tambm verificamos que muitos (como Mozart, Beetho-ven, Wagner, Tartini e Saint Sans) consideravam os sonhos uma fonte de inspirao. No cinema h muitos exemplos de filmes inspirados em sonhos: citando apenas alguns tomados ao acaso, temos 1 ano passado em 7arien/ad- de Alain Resnais; A )ora do (o/o- de ngmar Bergman; e o roteiro do filme 8ente como a gente- escrito por Judith Guest. E o famoso jogador de golfe Jack Nicklaus afirma que num sonho fez uma, desco- berta que lhe deu dez tacadas de vantagem; e isso, da noite para o dia! Se voc est relutando em aceitar a premissa de que no to raro que muita gente tenha recebido idias criativas em sonhos, estes exemplos deveriam ser suficientes para convenc-lo. At agora no tnhamos praticamente nenhum controle da ocorrncia de sonhos criativos, mas neste ponto parece que a criatividade fantstica e conseqentemente incontrolvel do estado de sonho pode muito bem ser trazida para o nosso controle consciente por intermdio dos sonhos lcidos. Vale a pena repetir as palavras ditas por Kekul quando apresentou aos colegas o que descobriu num sonho: "Senhores" (ao que me apresso a acrescentar "e senhoras"), "vamos aprender a sonhar". Agora vamos passar dessas aplicaes possivelmente prosaicas dos sonhos lcidos para o que talvez seja o potencial mais sublime deles. Suponha que eu lhe dissesse que dentro de voc est escondida uma jia preciosa, um tesouro de valor incalculvel. Mas para encontr-lo primeiro voc teria de saber controlar a arte de se manter acordado enquanto estivesse sonhando. fcil explicar o motivo disso. Se tivesse perdido alguma coisa, a chave da casa, digamos, iria ach-la mais depressa de olhos abertos ou fechados? O que bvio no caso da viso exterior % analogamente bvio no da viso interior, creio eu. Na maioria dos sonhos o nosso olho interior de reflexo est fechado e, no sono, estamos adormecidos. Normalmente no temos conscincia de que o que estamos fazendo sonhar. Existem inmeras possibilidades profundas inerentes ao estado de sonho, mas se s conseguirmos reconhecer isso depois de acordar vai ser difcil tirar proveito delas. Felizmente, apesar de normalmente a regra ser essa condio de ignorncia, no a nica regra. Aparece uma exceo quando "acordamos" em meio ao sonho (em alterar nem suspender o estado de sonho) e aprendemos a reconhecer que estamos sonhando enquanto o sonho ainda est em andamento. Nesses sonhos lcidos passamos a ter plena conscincia do fato de estarmos sonhando e, conseqentemente, de estarmos dormindo. Por isso, de certa forma estamos ao mesmo tempo "acordados" e "dormindo". Dormindo e conscientes? Conscientes e mesmo assim sonhando? primeira vista, frases como estas incorporam a rnais pura essncia da contradio. Mas um paradoxo apenas aparente, que fica esclarecido quando percebemos que aqui "adormecido" e "acordado" esto relacionados a dois domnios completamente diferentes. Estou dizendo que quem tem sonhos lcidos est adormecido no que se refere ao mundo fsico porque no est em contato sensorial com ele; analogamente, est em contato consciente com eles. exatamente nesse sentido que falo em "ficar acordado nos sonhos". J que estou esclarecendo o significado das palavras, vamos ver o que quis dizer com o sonhador lcido estar "consciente". Qual o significado exato disso? Em termos gerais, uma pessoa est agindo conscientemente quando sabe o que est fazendo e capaz de descrev-lo explicitamente. Portanto, se quando est sonhando a pessoa for capaz de dizer a si mesma: "Agora estou son)ando9- na realidade est consciente. Quer estejamos conscientes, quer dormindo, a maior parte do nosso comportamento inconsciente porque a nossa conscincia, ou percepo, limitada, no sentido de s conseguirmos concentrar a ateno em uma ou poucas coisas de cada vez. Portanto no podemos ter conscincia de tudo o que se passa nossa volta num dado momento. Mesmo assim tendemos a ser menos conscientes do que poderamos; isso acontece porque "prestar ateno" exige esforo mental. Em circunstncias normais s nos damos ao trabalho de ficar conscientes de algum aspecto do mundo prtico do qual precisamos ter conscincia. Mais precisamente: tendemos a focalizar a ateno somente no que achamos ne- cessrio para chegar s metas que estabelecemos. Na maior parte das circunstncias prticas a nossa vida est disposta de modo to previsvel que, para chegar onde queremos, os hbitos inconscientes j servem. Por exemplo, quem habitualmente vai de carro para o trabalho presta muito pouca ateno no que est fazendo. De vez em quando voc se v dirigindo o carro para o local de trabalho no "piloto automtico" e s acorda desse devaneio quando percebe que no tinha a menor inteno de ir para l! O hbito levou-o ao local onde trabalha; talvez 'oc: estivesse com inteno de sair e comprar (por que no?) um livro de sonhos lcidos! Mas quando percebeu que o seu comportamento consciente no estava correspondendo ao que tencionava fazer, alterou deliberadamente a rota e foi livraria. sso ilustra a utilidade especial da ao consciente e deliberada: d respostas mais criativas e flexveis a situaes inesperadas, fora da rotina. Estar consciente proporciona vantagens iguais quando estamos dormindo e quando estamos acordados. Em conseqncia disso, quando estamos acordados no sonho estamos numa posio sem igual para reagir criativamente s situaes inesperadas que podem aparecer. Essa propriedade de controle flexvel, que caracterstica dos sonhos lcidos, facilita o acesso a uma srie incalculvel de possibilidades, desde nos entregar s fantasias mais ousadas at satisfazer as mais elevadas aspiraes espirituais. Alm da capacidade de agir deliberadamente, estar consciente d outros presentes a quem sonha lucidamente. Geralmente, quem tem sonhos lcidos tambm capaz de pensar com clareza e lembrar-se de intenes passadas e de tudo por que passou anteriormente. Normalmente o sonhador lcido consegue se recordar de qualquer plano particular que possa ter feito anteriormente com relao ao que gostaria de fazer nos sonhos. sso abre uma perspectiva completamente nova para o estudo cientfico dos sonhos e da percepo, como descreveremos resumidamente. Mas para o sonhador lcido mdio isso significa ser capaz de enfrentar os prprios medos nos sonhos ou sondar novos domnios de sensaes ou trabalhar em algum problema em particular, dentro do sonho. Esta nova dimenso em matria de sonho pode ser comparada a ver coisas em cores, tendo antes visto apenas os contrastes sem vida entre preto e branco. O impacto da emergncia sbita da lucidez pode ser profundo. Os leitores que viram O Magico de 10 podem ter uma idia disso. Quem consegui- ria esquecer a reao de Dorothy quando se viu transportada inesperadamente do mundo preto e branco de Kansas para as cores espetaculares do Pas de Oz? Quem sonha lucidamente sem dvida concorda com a concluso que Dorothy, pasmada, divide com o companheiro canino quando ambos chegam ao arco-ris: "Tot, acho que no estamos mais em Kansas!" Este exemplo do cinema sugere um pouco do entusiasmo, da satisfao e da alegria especialmente caractersticos da primeira vez em que algum sonha com plena lucidez. No entanto, mesmo depois de ter registrado quase novecentas experincias desse tipo, desde 1977, essa sensao ainda no desapareceu por completo nos meus prprios sonhos lcidos. Provavelmente o impacto que resulta do aparecimento da lucidez proporcional clareza e ao grau de finalizao da mudana de percepo de quem est sonhando. H vrios graus de lucidez e a sensao comum de despertar de um pesadelo depois de perceber que "foi s um sonho" caracterstica dos graus mais baixos (ou por que fugir do que "s um sonho"?), e normalmente vem acompanhada apenas de um alvio relativo. Mas o sonho lcido mais completo, no qual quem sonha fica no sonho um perodo suficientemente longo para permitir que tenha uma sensao de maravilha, pode vir associado a uma sensao eletrizante de renascimento e com a descoberta de um mundo novo de sensaes. Geralmente, quem tem um sonho lcido pela primeira vez fica pasmado quando percebe que nunca sentiu antes os prprios sonhos com todo o seu ser e que agora est perfeitamente acordado em pleno sono! Um homem que teve um sonho lcido descreve a sensao ampliada de vida que sentiu com a chegada sbita de um lampejo de lucidez: sentiu-se possudo de uma sensao de liberdade "que nunca havia sentido antes"; o sonho estava impregnado de uma tal animao vital que "a prpria escurido parecia ter vida". Nesse ponto apresentou-se um pensamento de uma fora to inegvel que o homem foi impelido a declarar: "Nunca estive acordado antes". Este um exemplo extremo (mas de forma nenhuma pouco caracterstico) do impacto avassalador que a chegada da lucidez s vezes traz. Para dar outro exemplo, vamos analisar o primeiro sonho lcido de uma garota. Na noite anterior ela havia lido um artigo de Scott Sparrow intitulado "Sonhar lucidamente como processo evolutivo". O artigo descrevia o estado de sonho comum como "um nvel em que o homem ainda criana" e comparava o desenvolvimento de sonhar lucidamente com o de- senvolvimento inicial da conscincia na humanidade primitiva, mencionando repetidamente o "ego infantil" e realando a importncia de "assumir a responsabilidade" dos conflitos que no admitimos, especialmente os aspectos imaturos da nossa personalidade. Evidentemente essas idias deixaram uma impresso profunda tanto na mente consciente como na mente inconsciente da moa, que foi para a cama com um desejo forte de dar uma oportunidade lucidez; um pouco antes do amanhecer, sonhou que "parecia ser responsvel por um beb todo sujinho, sentado num urinol". (Sombras de "assumir a responsabilidade" do "ego infantil"!) Foi procurar um banheiro a fim de limpar o beb "sem ser notada". Quando levantou o beb, sentiu distintamente que "deveria ser mais velho e melhor treinado para ir ao banheiro". Quando olhou mais de perto o rosto da criana, achou que fosse cheio de sabedoria e de repente percebeu que estava sonhando. Entusiasmada, procurou "lembrar do conselho dado no artigo", mas o nico pensamento que lhe veio mente foi uma expresso dela mesma: "Experincia Final". Deixando para trs o contedo do artigo que havia lido an- tes de dormir, ela sentiu-se possuda por uma "sensao alegre. . . de me misturar e fundir com cores e luz" que continuou a se desenvolver, "abrindo-se num orgasmo 'total'". Em seguida flutuei suavemente para uma percepo acordada" e ficou com "uma sensao de alegria esfuziante" que durou uma semana ou mais. 1 O transporte de sensaes positivas para o estado acordado mostrado neste exemplo % uma caracterstica importante dos sonhos lcidos. Os sonhos "maus" podem nos fazer levantar "do lado errado da cama"; as sensaes positivas provocadas por um sonho bom podem nos dar um enaltecimento emocional e nos ajudar a comear o dia com confiana e vigor. sso tanto mais verdadeiro no caso dos sonhos lcidos: como resultado de sensaes desse tipo, quem sonha lucidamente pode ficar motivado a experimentar novos tipos de comportamento que levem ao crescimento psicolgico e a mudanas positivas na vida real. Como nos sonhos lcidos temos liberdade para experimentar comportamentos ainda no testados, sem medo de prejudicar ningum, nem a ns mesmos, o estado de sonhar lucidamente oferece um ambiente de uma segurana sem igual para experincias pessoais (e cientficas): um laboratrio e um p(a4ground para o desenvolvimento de novas maneiras de viver. Os sonhos totalmente lcidos produzem no pensamento de quem sonha um efeito no menos profundo do que o impacto emocional associado ao aparecimento da lucidez. Para entender por que esse impacto to forte, primeiro preciso considerar como a pessoa que tem sonhos comuns se sente no mundo dos sonhos. Quem no sonha lucidamente percebe-se contido no mundo das sensaes dos seus prprios sonhos. Quer desempenhem papis importantes, quer sejam simples pees no jogo dos sonhos, ainda esto encerrados num sonho que tomam pela realidade exterior. Enquanto se acharem encerrados nesse mundo, estaro sentenciados a uma priso virtual cujas paredes no ficam menos impenetrveis pelo fato de serem feitas de iluso. Contrastando com isso, os sonhadores lcidos percebem que eles mesmos contm (e com isso transcendem) todo o mundo dos sonhos e tudo que ele encerra, porque sabem que o sonho foi criado pela sua prpria imaginao. Por isso, a transio para a lucidez vira de cabea para baixo o mundo de quem sonha. Em vez de ver em si uma mera parte de um todo, o sonhador se v mais como recipiente do que como conte!do. Com isso, atravessa livremente as paredes de uma priso de sonho, que pareciam impenetrveis, e se aventura no mundo mais amplo da mente. Embora normalmente quem tem sonhos lcidos continue a receber o papel das suas prprias peas, no se identifica mais to completamente com o papel que est representando. Est no sonho mas no em todo ele. Essa estrutura mental desligada mas no desinteressada permite que o sonhador lcido se confronte com pesadelos e ansiedades que, de outra forma, seriam aterradores; e, resolvendo conflitos interiores, leva mais adiante o desenvolvimento psicolgico, na direo da auto-integrao e da harmonia interior. Uma das minhas prprias experincias pode servir de exemplo de como a percepo de estar sonhando pode ajud-lo a superar ansiedades e dirigir-se para a harmonia. Sonhei que estava no meio de uma briga na sala de aulas; uma multido furiosa vociferava, atirando cadeiras e trocando socos. Um brbaro enorme e repugnante, de rosto marcado pela varola, o Golias entre eles, estava me segurando com mo de ferro e no me deixava escapar, por mais desesperadamente que eu tentasse. Nesse ponto percebi que estava sonhando e, lembrando-me do que havia aprendido por ter lidado anteriormente com situaes anlogas, imediatamente parei de lutar. Logo que percebi que a luta era um sonho, fiquei sabendo que o conflito, causado por uma questo de princpios, era comigo mesmo. Estava claro que aquele brbaro repulsivo era a personificao de alguma coisa que eu queria negar e da qual queria me ver separado. Talvez fosse apenas a representao de algum ou de alguma propriedade de outra pessoa, que eu no apreciava. Mas como, seja l o que fosse, aquela coisa estava me sensibilizando ntima e profundamente o suficiente para que eu tivesse aquele sonho, fiquei sabendo que o caminho da harmonia interior estava em aceitar como parte de mim mesmo qualquer coisa que pudesse encontrar em mim (at aquele brbaro odiento). nvariavelmente, agir dessa forma resolvia os meus conflitos do sonho e me levava para mais perto da minha meta de auto-integrao. Minha experincia havia me mostrado que, pelo menos no mundo dos sonhos, o melhor meio, talvez o meio mais eficiente de acabar com o dio e as brigas, era amar os meus inimigos , como a mim mesmo. Naquele sonho em particular, quando atingi a lucidez e parei de lutar (comigo mesmo, supus), tinha certeza absoluta do que era mais apropriado fazer. Sabia que somente o amor poderia resolver de fato o meu conflito interior e, quando fiquei cara a cara com o meu ogre, procurei sentir amor. No comeo no consegui nada, sentindo apenas repulsa e averso por ele. Era simplesmente feio demais para ser amado: foi essa a minha reao visceral. Mas procurei deixar a imagem dele de lado e procurar amor dentro do meu prprio corao. Quando encontrei esse amor, olhei o meu ogre bem nos olhos, confiando que a minha intuio me forneceria as coisas certas para dizer. De mim fluram belas palavras de aceitao e, medida que fluam, o ogre ia se fundindo em mim. Quanto briga, havia desaparecido sem deixar vestgios. O sonho acabou e acordei sentindo-me maravilhosamente calmo. At agora mencionei apenas possibilidades. No momento s est estabelecido um campo de aplicao dos sonhos lcidos, em qualquer grau; % o sonho lcido que, alm de ser usado como ferramenta de pesquisa cientfica da natureza psicofisiolgica do estado de sonho, oferece um modelo de uma abordagem poderosa da pesquisa da percepo humana. No Laboratrio do Sono da Universidade de Stanford h anos estamos usando os sonhos lcidos como instrumento de estudo das relaes entre a mente e o corpo. Pela primeira vez na Histria conseguimos receber depoimentos in (oco do mundo dos sonhos enquanto os fatos do sonho esto acontecendo (ou, melhor dizendo, parece que esto acontecendo). Tanto em Stanford como em outros lugares, vrias pessoas que tiveram sonhos lcidos foram capazes de dar algum sinal aos observadores enquanto permaneciam fisiologicamente adormecidas. Tais mensagens do mundo dos sonhos provam, fora de qualquer dvida, que normalmente os sonhos lcidos ocorrem exclusivamente na fase do sono denominada "fase de movimento rpido dos olhos" (tambm chamada fase REM*). At o fim da dcada de 1950 esse estado notvel do crebro tambm era denominado "sono paradoxal"; nessa poca revelou-se experimentalmente um estado muito mais ativo que o suposto pelo conceito tradicional de sono como condio passiva de afastamento do mundo. Normalmente os perodos REM ativos duram de dez a trinta minutos e voltam a cada sessenta a noventa minutos no decorrer da noite (cerca de quatro a cinco vezes por noite). Alternam-se ciclicamente com fases de sono relativamente serenas, chamadas "fases no-REM", "sono tranquilo" e vrios outros nomes. Quando esto dormindo, todas as pessoas normais passam por um esquema de sono tranquilo, sono ativo, sono tranquilo e assim por diante. Est demonstrado experimentalmente que no sono REM todo mundo sonha, todas as noites, quer se lembre do sonho, quer no. Na maior parte dos casos, nos qua- tro ou cinco perodos de sono REM de todas as noites, o crebro, que est sonhando, fica consideravelmente mais ativo do que quando est acordado (a no ser que a pessoa esteja lendo este livro enquanto est correndo, tendo relaes sexuais ou se afogando!) A despeito das propriedades paradoxais e inesperadas * N. do T- REM o acrnimo da locuo inglesa Rapid Eye Mo-vement (Movimento Rpido dos Olhos); NREM % o da locuo Non Rapid Eye Movement (Sem Movimento Rpido dos Olhos). do sono REM, todos os especialistas concordam (pelo menos uma vez!) que uma forma genuna de sono verdadeiro. Ainda no se pode dizer exatamente o mesmo dos sonhos lcidos e sem dvida este fenmeno parece ter todas as qualificaes para ser classificado como o paradoxo mais estranho que j surgiu no sono paradoxal. O sonho lcido to paradoxal assim porque quem sonha lucidamente, ao mesmo tempo em que est completamente fora de contato sensorial com o mundo exterior, portanto totalmente adormecido para o mundo, tem perfeita conscincia de todos os sonhos e est to (ou quase) de posse das faculdades mentais como quando est acordado. Por isso pode-se considerar que quem tem sonhos lcidos est completamente acordado para o mundo interior dos seus sonhos. Entre a maioria dos pesquisadores profissionais do sono poderia haver certa dificuldade em acreditar numa noo desse tipo antes de darmos nossa prova inequvoca obtida em Stanford, que diz justamente o contrrio do que se supunha, ou seja, que a narrao de um sonho lcido era apenas resultado de ideias fantasiosas tidas no estado acordado ou de uma mente com excesso de imaginao. Para a maioria dos pesquisadores do sono e dos sonhos parecia que coisas como sonhos lcidos absolutamente no aconteciam (e no podiam acontecer) durante o sono. E se os sonhos lcidos, fossem o que fossem, no eram um fenmeno do sono, passavam a ser problema de outros, fora do escopo da pesquisa do sono, e a conversa ficava por a. Os filsofos tambm tendiam a achar os casos de sonhos lcidos problemticos e absurdos; este um dos motivos pelos quais a mera existncia dos sonhos lcidos conceitualmente importante. O fato comprovado da existncia dos sonhos lcidos desafia eficientemente inmeras concepes erradas e mantidas tradicio- nalmente no que se refere a sonhos, conscincia e realidade. O professor tibetano contemporneo Tarthang Tulku escreveu: "Os sonhos so reservatrios de saber e experincia e no entanto geralmente no so aproveitados como veculo para conhecer a realidade"*. Entre os veculos desse tipo, o sonho lcido % um tapete voador. No decorrer das sondagens feitas nos sonhos lcidos foram trazidos luz inmeros resultados inesperados que podem ser a chave da revelao de mistrios do mundo que at agora eram impenetrveis, como por exemplo: por que os sonhos parecem reais? O fato que os sonhos so to completamente reais que regularmente nos iludem e nos induzem a uma aceitao inquestionvel da realidade que apresentam durante todo o tempo em que estamos dormindo. Por que acontece isso? No passado a tendncia geral era considerar os sonhos muito mais profundamente ligados fantasia do que realidade. Mas se os sonhos no so mais que imaginao, devidamente reconhec-los pelo que so, to facilmente como conseguimos distinguir um sonho acordado de uma percepo real, ou a lembrana de uma percepo real da percepo em si. Talvez "devssemos" ser capazes de ficar lcidos nos sonhos sem muito esforo, mas o fato que no somos. Se um argumento falso leva a concluses falsas, uma ou mais premissas desse argumento esto erra- das. Nesse caso parece que a premissa errada supor que h uma ligao mais ntima do sonho com a imaginao do que com a percepo. De fato, uma srie de experincias que fizemos prova que, tanto do ponto de vista de quem est sonhando como do ponto de vista do respectivo crebro (e, em menor grau, do corpo), sonhar que est fazendo alguma coisa mais parecido com estar fazendo a coisa do que imaginar que est sendo feita. Sugiro que esse seja o motivo pelo qual os sonhos nos parecem to reais. Que h de especial nos sonhos que lhes confere uma realidade honorria? Em parte a resposta que os sonhos (especialmente os lcidos) no so, como j chegaram a ser considerados, "filhos de um crebro ocioso": muito ao contrrio, so filhos de um crebro extremamente ativo. Como resultado, so sonhos podem provocar no crebro de quem sonha um impacto to grande como o provocado por uma sensao real; correspondentemente, as sensaes ocasionadas pelo sonho podem parecer muito reais ou "mais que reais" enquanto o sonho dura. Por exemplo, pelas narrativas de relaes sexuais (incluindo o orgasmo) mantidas num sonho lcido, tudo vividamente real e dotado de um prazer muito gratificante. Da mesma forma, os estudos que fizemos no laboratrio revelaram que os sonhos lcidos sexuais apresentam alteraes fisiolgicas semelhantes s que acompanham a atividade sexual (veja o Captulo 4). Desses resultados podemos concluir que o contedo dos sonhos provoca efeitos reais e substanciais no crebro e no corpo e que provavelmente deveramos levar os sonhos (particularmente os nossos) mais a srio do que geralmente levamos no mundo ocidental contemporneo. Como j sugeri, dentro das profundezas inexploradas da nossa mente consciente podem haver riquezas inenarrveis; se for assim, como atesta uma antiga tradio, entre elas est um tesouro de valor incalculvel. Diz-se que se voc conseguisse encontrar esta jia preciosssima, sentiria a vida se transformar "alm dos seus sonhos mais extravagantes". Acho que est bem evidente que no estamos falando de riquezas do tipo que se depositam num banco. Como diziam os alquimistas, "nosso ouro no o ouro das pessoas comuns". No caso, algumas vezes o "tesouro", "jia" ou "ouro" escondidos de que estamos falando identificado, por vrias tradies espirituais, com encontrar o segredo de quem a pessoa realmente %. Quanto a isso o mestre sufista Tariqavi escreveu que, quando voc se encontra, "penetra num legado e numa herana permanentes de saber que no se comparam com nenhuma outra coisa que j sentiu na Terra." 3 Pelo menos desde o sculo V os budistas tibetanos do valor especial ao sonho lcido como meio de chegar descoberta da prpria pessoa. Tarthang Tulku escreveu que "pode ser uma grande vantagem perceber que um sonho um sonho enquanto estamos sonhando". Por exemplo, "podemos usar o que sentimos nos sonhos para desenvolver uma atitude mais flexvel" e "tambm para aprender a nos modificar". Como resultado de praticar sonhar lucidamente, "o que sentimos na vida real fica mais vvido e variado.. . Esse tipo de percepo baseada na prtica de sonhar pode ajudar a criar um equilbrio interior" que no s "nutre a mente de modo a nutrir o organismo todo" como "ilumina facetas da mente que antes estavam invisveis e clareia o caminho para que possamos explorar dimenses sempre novas da realidade". 4 H uma histria famosa em que algum explica que estava procurando do (ado de #ora da casa- embaixo de uma lmpada da rua, uma chave que havia perdido dentro de casa, porque embaixo do lampio estava mais claro". assim que as pessoas procuram no lugar errado a jia preciosa de que falei (ou, com as palavras da anedota, a chave da prpria identidade real): procuram-na no lado de fora, no mundo. Pode haver mais luz l fora, mas a chave s ser encontrada dentro de casa (isto %- no mundo interior), embora no to facilmente se ficarmos tateando no escuro procura dela. Com a luz da lucidez iluminando um pouco a escurido da nossa mente inconsciente por que no seria mais fcil encontrar a nossa chave perdida? Em outras palavras, com a luz da percepo consciente iluminando a escurido inconsciente do mundo dos sonhos, no seria mais fcil encontrar o tesouro que h nele? Provavelmente Richard Wagner teria ficado encantado se houvesse descoberto a existncia dos sonhos lcidos, pois eles possibilitam atingir a meta que h mais de cem anos o clebre msico estabeleceu para o futuro: fazer o inconsciente ficar consciente. A aspirao de Wagner foi compartilhada por muitas pessoas ilustres que vieram depois, incluindo Sigmund Freud, pai da psicologia moderna. O lema e grito de guerra de Freud era 9;o <s =ar- so(( Ic) =erden>9- que pode ficar assim: "onde ela [a mente inconsciente ou id] est, estarei eu [a mente consciente ou ego]". Nesse ponto Carl Jung, que foi o discpulo rebelde mais famoso de Freud, concorda com o mestre, encarando a meta da psicologia como uma "individuao completa" que uniria plos opostos (consciente e inconsciente) da personalidade. H pouco tempo um seguidor da escola de Jung fez explicitamente a conexo que vnhamos considerando e props que a culminao do processo da individuao "leva ao estado de sonhar lucidamente, em que as mentes consciente e inconsciente do homem finalmente se tornam uma s". 5 Por mais curiosas que paream as histrias de sonhos lcidos e as respectivas aplicaes possveis, se 'oc: nunca teve sonhos lcidos, ou se os teve raramente, compreensvel que este fato possa diminuir o seu entusiasmo. Sem dvida, para a maioria de ns os sonhos lcidos no so fatos corriqueiros. A maior parte das pessoas j teve sonhos lcidos no mnimo uma vez na vida (para algumas pode ter sido apenas um relance), mas, para quase todas, com raras excees, os sonhos lcidos ocorrem com uma frequncia baixa demais para se entrar no mrito da utilidade desse estado de conscincia to inegavelmente interessante. Se tal situao fosse comprovadamente no s comum como inaltervel, a aplicao generalizada dos sonhos lcidos continuaria a ser um sonho impossvel. Se sonhar lucidamente continuasse a no ser mais que uma exceo insignificante da regra geral da inconscincia nos sonhos, os sonhos lcidos estariam fadados a continuar como mera curiosidade e a ter um interesse apenas terico para os especialistas em sonhos e para os filsofos. Felizmente agora parece que quem sonha normalmente pode aprender a ter sonhos lcidos com frequncia muito maior do que teria normalmente, s pelo acaso. Graas em grande parte a tcnicas desenvolvidas recentemente, provvel que voc possa aprender a t-los quando e quantas vezes quiser, no caso de estar disposto a praticar. O fato de sonhar com lucidez indubitavelmente uma tcnica passvel de ser aprendida e mantm viva a esperana de provar que o estado de sonhar lucidamente tem aplicaes amplas na linha que vimos traando. Vimos considerando vrios motivos pelos quais voc poderia achar que vale a pena desenvolver a capacidade de sonhar lucidamente. Quase todos esses motivos dependem de voc ter um desejo de progredir na vida. sso pode assumir a forma de ansiar por um lastro de experincia mais amplo e mais rico, procurar um desafio ou querer descobrir quem voc de fato. possvel que voc tenha cultivado, como diria Baudelaire, "um gosto pelo infinito". Ou pode ser que tenha o firme propsito de descobrir e atualizar algum dom escondido. Pode achar que a vida est vazia de significado ou que voc no est em contato consigo mesmo. Talvez queira reconciliar ou curar alguma diviso que sente dentro de si. Talvez sofra pesadelos horrveis e anseie por aprender a dormir em paz, sem medo; talvez se sinta perdido, inadequado ou deprimido; ou simplesmente tenha curiosidade em penetrar nas aventuras do mundo dos sonhos. Mesmo que, em outros aspectos, esteja completamente satisfeito com a qualidade de sua vida, ainda sobra um argumento final e talvez o mais convincente para que os sonhos lcidos meream o seu interesse. O que voc acha da ?uantidade escassa (para falar o mais delicadamente possvel) da sua vida? Acha que a vida curta demais? mesmo. Parece que no se pode negar isso. Mas agora acrescente o fato de ter de dormir um tero dela! No sentido em que, para ns, dormir uma forma relativa de no existir, a parte da vida que passamos dormindo no pertence a ns, pertence noite; e a situao sombria que vnhamos contemplando parece ainda mais negra. Mas, como tudo na vida, a noite tambm tem um lado alegre. Todas as noites ressuscitamos do tmulo do sono de milagre dos sonhos. Todo mundo sonha. Trata-se menos de "dormir, talvez sonhar"* do que de "dormir sonhar, talvez recordar". Pode-se estimar que no decorrer da vida uma pessoa entra no mundo dos sonhos meio milho de vezes. Esse estado de coisas apresenta um desafio: dependendo de negligenciarmos ou cultivarmos o mundo dos nossos sonhos, esse terreno poder se transformar numa terra rida ou num jardim. A colheita que fizermos no sonho vai depender do que semearmos. Com o universo da experincia que se abre dessa forma para voc, se tiver de dormir um tero da vida, como parece que tem, tambm est disposto a dormir quando estiver sonhando? * N. do T. Referncia a uma frase de Hamlet, da pea de Shakespeare de mesmo nome. CAPTULO 2 As Origens e a Histria dos Sonhos Lcidos "Pois muitas vezes", escreveu Aristteles, "quando estamos dormindo, h algo na conscincia que declara que o que est se apresentando no momento no passa de um sonho." 1 Disso apreendemos que sonhar lucidamente era uma experincia conhecida entre os atenienses de propenses filosficas do sculo V a.C. O mesmo pode bem ser verdade para o sculo XL a.C, visto que parece provvel que as pessoas vm tendo sonhos lcidos desde que conseguiram uma palavra para designar "sonho". No entanto, s no quarto sculo da era crist encontramos uma narrativa escrita de um sonho lcido. A primeira descrio de um sonho lcido na histria do Ocidente est conservada numa carta escrita em 415 d.C. por Santo Agostinho. Discutindo a possibilidade de sentir coisas depois da morte, quando os sentidos fsicos j no funcionam, Agostinho citou o sonho de Gendio, mdico em Cartago. Ge- ndio, que padecia de dvidas a respeito da existncia de uma vida aps a vida, sonhou que um jovem de "aparncia notvel e presena marcante aproximou-se e ordenou: 'Siga-me' ". Seguindo obedientemente o jovem angelical, Gendio chegou a uma cidade onde ouviu um canto "to delicadamente doce que sobrepujava tudo o que j ouvira". ndagando a respeito da msica, disseram-lhe que era "o hino dos abenoados e dos santos". Nesse momento Gendio acordou, considerando tudo "apenas um sonho". Na noite seguinte sonhou de novo com o jovem, que lhe perguntou se conseguia reconhec-lo. Quando respondeu: "Mas claro que sim!", o jovem perguntou onde o havia conhecido. A memria de Gendio "no conseguiu" lhe dar a resposta adequada e ele narrou os acontecimentos do sonho anterior. Nesse ponto o jovem indagou se aqueles fatos haviam acontecido durante o sono ou quando estava acordado. resposta de Gendio, "durante o sono", o jovem continuou o que havia se tornado um interrogatrio socrtico, declarando: "Voc se lembra bem de tudo; verdade que viu essas coisas enquanto estava dormindo, mas preciso lhe dizer que mesmo agora voc est vendo no sono". Dessa forma Gendio ficou consciente de estar sonhando. O sonho, agora lcido, continuou, com o jovem perguntando: "Onde est o seu corpo agora?" Tendo Gendio dado a resposta adequada, "na minha cama", o inquisidor do sonho continuou a discusso: "Sabe que agora os olhos desse seu corpo esto confinados e fechados, e sabe que com esses olhos no est vendo nada?" Gendio respondeu: "Sei". Nisso, o professor do sonho chegou concluso do raciocnio, perguntando: "Ento que so os olhos com que est me vendo?" ncapaz de resolver aquele quebra-cabea, Gendio permaneceu em silncio e o catequista do sonho passou a "revelar para ele o que estava se esforando por lhe ensinar com aquelas perguntas", exclamando triunfalmente: "Pois quando est dormindo e deitado na cama esses olhos do seu corpo no tm serventia e no esto fazendo nada; no entanto, voc tem olhos com os quais est me olhando, e sente prazer nessa viso; de modo que, depois da sua morte, quando os olhos do seu corpo estiverem completamente inativos, haver em voc uma vida que ainda estar vivendo, e haver uma faculdade de percepo com a qual voc ainda estar percebendo. Por isso, depois disto tenha cuidado com as dvidas que abriga so bre a vida do homem continuar ou no depois da morte". 2 Santo Agostinho nos conta que depois daquilo as dvidas do sonhador foram completamente dissipadas. Temos de admitir que a fora do raciocnio (no a do sonho lcido) fica diminuda pelo fato de que o prprio jovem, apesar de confiante, no foi mais capaz que Gendio de explicar a natureza dos olhos com os quais enxergamos nos sonhos. Apesar da clareza dos raciocnios aristotlicos ao contrrio, para Gendio e para a maioria de seus contemporneos ainda era preciso ver para crer. Sonhar com ver alguma coisa implicava que essa coisa no era uma mera imagem e sim um objeto que existia em algum lugar (fora dequem estava sonhando. gualmente, para a mente pr- cientfica, ver alguma coisa num sonho implicava a existncia verdadeira de olhos de sonho com os quais se exergava nos sonhos e, pelo mesmo raciocnio, implicava um corpo de sonho com o qual se existia nos sonhos, presumivelmente anlogos aos rgos fsicos correspondentes de sentido e percepo, e ao corpo fsico. Ao mesmo tempo, tendo em vista que esse segundo corpo ou corpo de sonhos parecia passar muito bem enquanto o corpo fsico estava ocupado dormindo, era fcil concluir que os dois corpos eram na verdade independentes um do outro. At agora no descobrimos nada que nos deixasse preparados para o desenvolvimento assombroso de uma tcnica aperfeioada de sonhar que apareceu vrios sculos mais tarde. No "topo do telhado do mundo", ainda no oitavo sculo da era crist, os budistas tibetanos j praticavam uma forma de yoga concebida para manter uma percepo alerta durante o estado de sonho. Com aqueles yogues tibetanos do sonho encontramos pela primeira vez um povo que tem uma compreenso dos sonhos inequvoca, baseada em experincia prpria, e acha que o sonho exclusivamente a criao mental da pessoa que est sonhando.'' um conceito que est totalmente no nvel dos nossos resultados cientficos e psicolgicos mais recentes. ' De muitos modos aqueles mestres parecem ter ido alm de tudo que se conhece hoje na psicologia ocidental. Por exemplo, segundo um antigo manual para futuros yogues, afirma-se que a prtica de certas tcnicas de controle de sonhos conduz capacidade de sonhar qualquer coisa imaginvel. Mas evidentemente aqueles yogues dos sonhos lanaram o olhar muito acima da busca de qualquer prazer trivial que pudesse resultar de tal poder. Para os yogues tibetanos o sonho lcido representava uma oportunidade de sentir o estado de sonho e perceber a natureza subjetiva desse estado e, por extenso, perceber a natureza do estado acordado. Essa compreenso era considerada da importncia mais profunda possvel. Pela prtica de sonhar lucidamente, o yogue ensinado a perceber que a matria, ou forma, nos seus aspectos dimensionais, grandes ou pequenos, e nos seus aspectos numricos, de pluralidade e unidade, est inteiramente sujeita vontade da pessoa quando as foras mentais tiverem sido eficientemente desenvolvidas pela yoga. Em outras palavras, o yogue aprende por experincia verdadeira, que o resultado da experincia psquica, que o carter de qualquer sonho pode ser mudado ou transformado apenas pelo desejo de que isso acontea. Mais um passo e ele aprende que no estado de sonho a forma e todo o contedo mltiplo dos sonhos so meros brinquedos da mente e, conseqentemente, instveis como uma miragem. Mais um passo o conduz a entender que a natureza da forma e de todas as coisas percebidas pelos sentidos no estado acordado so igualmente to irreais como os seus reflexos no estado de sonho, sendo ambos estados sangs$ricos. Os passos finais levam-no Grande Percepo de que tudo o que h dentro do Sangsara s ou pode ser irreal como os sonhos 3 .- Os leitores que acharem que esta explicao precisa ser mais explicada vo ver as suas necessidades satisfeitas no Captulo 10, quando voltaremos ao assunto. Mais ou menos na mesma poca, outras prticas semelhantes estavam evidentemente em andamento na" ndia. Embora o Tantra tenha sido basicamente uma tradio oral, passada de professor para discpulo, existe um texto tntrico do sculo X que alude a mtodos de manter a conscincia enquanto se est dormindo. No entanto, essas tcnicas esto descritas de modo to obscuro que pouco servem para os no iniciados. Por exemplo, diz-se que o yogue adquire controle dos sonhos por meio do "estado intermedirio", que vem como resultado de se manter "profundamente contemplativo" e depois colocar-se "na juno entre acordar e dormir" 4 , Vrios sculos mais tarde, em pleno florescimento da civilizao islmica, vm as referncias seguintes ao sonho lcido. No sculo X o famoso sufista espanhol bn El-Arabi, conhecido no mundo rabe como "o Maior Mestre", citado afirmando que "no sonho a pessoa tem de controlar os prprios pensa- mentos. O treino deste estado de alerta (: ..) produzir grandes benefcios para o indivduo. Todos deveriam se aplicar em conseguir atingir essa capacidade de to alto valor" 5 . Um sculo depois So Toms de Aquino mencionou de passagem os sonhos lcidos, citando Aristteles, que supunha que, durante o sono, de vez em quando os sentidos podiam apresentar uma reduo relativamente pequena. So Toms de Aquino afirma que isso acontece especialmente "no fim do sono, com os homens sensatos e com quem dotado de imaginao forte". Continua explicando que nesse caso "no s a imaginao retm sua liberdade, como o bom senso parcialmente liber- tado; de modo que, quando um homem est dormindo, s vezes consegue julgar se o que est vendo um sonho e discernir, por assim dizer, as coisas das respectivas imagens" 6 . sso prova que o a Europa medieval conhecia o sonho lcido. Mas o fato de geralmente os sonhos no terem boa reputao na dade Mdia, sendo considerados mais invenes do demnio do que de Deus, sugere que a discusso pblica dos sonhos lcidos pode ter dado como resultado uma audincia particular com a Santa nquisio local. No sculo XX reconheceu-se que h mais coisas relacionadas ao crebro do que percebemos normalmente: alm; do crculo de luz limitado que rodeia a nossa mente consciente fica a vasta escurido da nossa mente inconsciente . O conhecimento consciente, o que sabemos que sabemos e do qual conseguimos falar explicitamente, uma pequena parte da mente. A maior parte do nosso conhecimento inconsciente: tcito, implcito e difcil de ser verbalizado. O prprio cho em que a percepo consciente se apoia a mente inconsciente; os processos tais como um pensamento dirigido conscientemente provm das estruturas muito mais antigas do pensamento inconsciente, do qual dependem. No sculo XX os sonhos j no eram mais vistos como derivados do submundo dos mortos nem do mundo superior dos deuses: sabamos ento que o mundo dos sonhos era o submundo da mente humana, o inconsciente. Estava aberta a porta para que os psiclogos e fisilogos comeassem a estudar cientificamente os sonhos. Muitos cientistas aceitaram o desafio de sondar a mente inconsciente por meio do estudo dos sonhos. Mas aqui a nossa preocupao no com aqueles cientistas e sim com os poucos que foram ainda mais adiante, aceitando o brado de Richard Wagner, de transformar o inconsciente em consciente, e analisarem os sonhos lcidos. O maior pioneiro entre esses foi o marqus d'Hervey de Saint-Denys. Durante o dia era professor de lngua e literatura chinesa e noite, com diligncia e dedicao, realizava experincias em que registrava os prprios sonhos, o que fazia desde os treze anos de idade. Sigmund Freud, que, por coincidncia, nasceu no dia em que Saint-Denys estava completando trinta e quatro anos, descreveu-o como "o oponente mais enrgico de quem procura depreciar o funcionamento psquico nos sonhos". 7 No livro notvel intitulado Son)os e como gui$-(os- publicado pela primeira vez em 1867 e traduzido recentemente para o espanhol em forma resumida 8 , o marqus documenta mais de vinte anos de pesquisas de sonhos. nfelizmente parece que no fcil conseguir a edio original; Freud menciona que no conseguiu uma cpia "apesar de todos os esforos" 9 , com a consequncia lamentvel que o fundador da psicanlise nunca conseguiu mais que uma familiaridade superficial com as possibilidades de sonhar lucidamente ou de controlar os sonhos. Na primeira parte do livro, Saint-Denys descreve o desenvolvimento sequencial da sua prpria capacidade de controlar os sonhos: primeiro, aumentando a recordao do sonho; depois, ficando ciente de estar sonhando; depois, aprendendo a acordar segundo a prpria vontade; e finalmente sendo capaz de, at certo ponto, dirigir os seus dramas no sonho. A segunda parte de Son)os @ como gui$-(os rev as primeiras teorias dos sonhos e apresenta ideias prprias baseadas em ampla experincia pessoal. O trecho abaixo pode dar uma noo da abordagem do marqus; Adormeci. Estava conseguindo ver claramente todos os objetos que costumam adornar o meu estdio. Minha ateno pousou numa bandeja de porcelana em que mantenho os lpis e canetas e que tem uma decorao muito fora do comum (...) De repente pensei: sempre que estou acordado e -olho para esta bandeja, est inteira. E se eu a quebrasse no sonho? Como a minha imaginao iria representar a bandeja quebrada? mediatamente quebrei-a em vrios pedaos. Peguei os pedaos e examinei-os atentamente. Observei as arestas afiadas das linhas de ruptura e as trincas dentadas que separaram as figuras da decorao em vrios lagares. Nunca havia tido um sonho to vvido 10 . Muitos dos sonhos de Saint-Denys podem receber a culpa de deixar de dar alguma expectativa. Como ficou demonstrado na minha pesquisa em Stanford, parece que as expecta ti vas~*so um dos determinantes mais importantes do que acontece nos sonhos, lcidos ou no. Por isso, se. voc fizer experincias com sonhos esperando um determinado resultado, provavelmente vai ter exa-tamente os resultados que quer, e nessa armadilha o marqus caiu algumas vezes. Mas esta critica no toca no que provavelmente a maior contribuio do marqus neste campo: ter demonstrado que possvel aprender a sonhar conscientemente. Nem todos os que fizeram um esforo para aprender essa tcnica tiveram sucesso. Frederic W. H. Myers, erudito clssico de Cambridge e um dos fundadores da Sociedade de Pesquisas Psquicas, queixava-se de, "por mero esforo laborioso", s ter conseguido perceber o que estava sonhando em trs noites (dentre trs mil). Embora Myers tenha atribudo esses magros resultados aos "poucos dotes" como sonhador, pode servir de lembrete que o que necessrio no % "esforo laborioso" e sim esforo eficiente. Num artigo publicado em 1887 a respeito da escrita automtica e outros fenmenos psquicos, Myers fez uma divagao resumida para explicar o seguinte: H muito tempo venho pensando que somos indolentes demais no que diz respeito aos nossos sonhos; acho que desprezamos oportunidades preciosas de experimentar, por falta de um pouco de orientao resoluta da vontade (...) Deveramos representar constantemente para ns mesmos o que gostaramos de observar e testar nos sonhos; e depois, quando fssemos dormir, deveramos imprimir na mente que vamos procurar fazer uma experincia, que vamos transportar para os sonhos o nosso eu acordado, o suficiente para que nos conte que sAo sonhos e insista para que faamos indagaes psicolgicas. Depois Myers cita um "sonho curioso" que teve, esperando que "a banalidade insignificante desse sonho talvez possa desviar a suspeita de ter sido retocado para ser narrado": Achei que estava de p no estdio; mas observei que a moblia no tinha a distino costumeira, que tudo estava embaado e de algum modo evitava um olhar direto. Ocorreu-me que aquilo estava acontecendo porque eu estava son)ando. Foi uma grande delcia para mim, pois estava me dando uma oportunidade de fazer uma experincia. Fiz um grande esforo para me manter calmo, conhecendo o risco de acordar. Acima de tudo, queria ver e falar com algum, para ver se eram como as pessoas verdadeiras e como se comportavam. Lembrei que naquele momento a minha mulher e os meus filhos estavam fora (o que era verdade) e no raciocinei quanto a poderem estar presentes no sonho, embora ausentes de casa na realidade. Por isso desejei ver um dos criados; mas fiquei com medo de tocar a campainha para cham-lo, com receio de que o choque me acordasse. Com muito cuidado desci a escada, depois de calcular que haveria mais probabilidade de encontrar algum na copa ou na cozinha do que numa sala de trabalho, aonde havia pensado em ir primeiro. Enquanto ia descendo a escada, fui olhando cuidadosamente a passadeira dos degraus para ver se conseguia visualiz-la melhor no sonho ou na vida acordada. Verifiquei que nAo era bem assim; a passadeira do sonho no era como eu sabia que era na verdade; era antes um tapete fino e esfarrapado, que parecia vagamente generalizado de lembranas de algum alojamento beira-mar. Cheguei porta da copa e mais uma vez tive de parar e me acalmar. A porta se abriu e apareceu um criado, em nada parecido com nenhum dos meus. tudo que tenho a dizer, pois a excitao de perceber que havia criado um novo personagem me acordou com um choque. Na minha mente o sonho foi muito claro; eu estava completamente acordado; percebi o grande interesse que teve para mim e gravei- o na mente, aventuro-me a dizer, quase exatamente como o estou narrando aqui 11 . Antes de deixar o sculo XX vamos considerar uma miscelnea de referncias breves que cabem no nosso quadro do clima que rodeava o sonho lcido naquela poca. Na maioria, so pouco mais que testemunhos favorveis ou contrrios existncia de sonhos lcidos. Depois, como sempre, havia os que consideravam que a noo de estar acordado nos sonhos era uma quimera impossvel. Entre essas cticos, dois dos mais eminentes foram o psiclogo francs Alfred Maury e o psiclogo ingls Havelock Ellis. Apesar de ter sido um pioneiro da pesquisa cientfica dos sonhos, obviamente Maury estava pouco familiarizado pessoalmente com o fenmeno de sonhar lucidamente e foi citado dizendo que "estes sonhos no podem ter sido sonhos". Ellis, ainda mais renomado que Maury, declarou sua descrena nos sonhos lcidos afirmando: "No acredito que tal coisa seja realmente possvel, embora tenha sido testemunhada por muitos filsofos e outros, de Aristteles (...) em diante". Nenhum desses dois psiclogos deu-se ao trabalho de perder mais palavras do que as que citei aqui com um assunto que consideravam apenas uma curiosidade. Por outro lado, Ernst Mach, da Universidade de Viena, colocou uma nota de rodap na discusso_do que considerava a inrcia caracterstica da ateno nos sonhos com a seguinte qualificao: "Em geral o intelecto s adormece parcialmente (...) no estado de sonho refletmos no que se refere aos sonhos, reconhecemos os sonhos como tal pela sua excentricidade, mas imediatamente ficamos calmos de novo". O eminente psiclogo mostrou que estava familiarizado pessoalmente com os sonhos lcidos relatando na mesma nota que "numa certa poca, quando estava muito interessado na questo da sensao de espao, sonhei que estava passeando no mato. De repente notei o deslocamento errado da perspectiva das rvores e, com isso, reconheci que estava sonhando. Mas os deslocamentos que estavam faltando foram prontamente oferecidos" 12 . Finalmente, h uma meno breve de sonhos lcidos feita por um dos filsofos mais famosos do sculo XX: Friedrich Nietzsche. Ao raciocinar que usamos os sonhos a fim de nos treinar para viver, Nietzsche explica que "toda a 'Divina Comdia' da vida e o nferno (passam diante de quem est sonhando) no meramente (...) como quadros na parede, pois nessas cenas a pessoa vive e sofre; no entanto, sem a sensao fugaz de aparncia", acrescentou o filsofo, numa referncia aparente aos sonhos lcidos. E talvez mais de uma pessoa, como eu, ir relembrar que algumas vezes bradou animadamente, e no sem sucesso, entre os perigos e terrores da vida dos sonhos: " um sonho! Vou continuar sonhando!" 13 Vemos assim que Nietzsche, o "profeta da era moderna", tinha sonhos lcidos. Tambm foi considerado o profeta da psicanlise pelo fundador do movimento, o prprio Freud, e, como se sabe, morreu em 1900, mesmo ano em que.nasceu a obra-prima de Sigmund Freud, Bie Craum-deu&ung (A interpretao dos sonhos). A primeira edio desse livro no fazia nenhuma referncia direta aos sonhos lcidos. Mas na segunda edio, publicada em 1909, Freud acrescentou uma nota: "h algumas pessoas que ficam muito bem acordadas durante a noite, quando esto adormecidas e sonhando, e que parecem, pois, ter a faculdade de dirigir conscientemente os prprios sonhos. Se, por exemplo, um sonhador deste tipo estiver insatisfeito com o rumo tomado pelo sonho, poder interromp-lo sem acordar e comear de novo em outra direo, como um dramaturgo popular pode, sob presso, dar sua pea um final mais feliz" 14 . Freud faz outra meno aos sonhos lcidos, meno que acho que nos diz muito mais a respeito do homem que ficava sentado ao lado do sof do que a respeito de sonhos lcidos: "Ou, em outra ocasio, quando um sonho o tiver levado a uma situao sexualmente estimulante, poder pensar consigo mesmo: 'No vou continuar neste sonho e ficar exausto com uma ejaculao; em vez disso, vou guard-la para uma situao real' 9 1S . D claro que o objeto das observaes de Freud, isto , o sonha- dor no identificado da edio de 1909, poderia ser prontamente identificado, por mtodos psicanalticos, como o prprio Freud. Com base nessa interpretao apresenta-se a suposio de Freud ter tido sonhos lcidos uma vez ou outra e, sob presso do seu superego moralista, ter sido compelido a dar ao enredo do sonho um final mais aceitavelmente ntegro, embora no mais feliz. Mesmo naquela poca o medo de se exaurir era uma racionalizao pouco convincente. O pudor do sculo XX e a culpa de desfrutar at mesmo fantasias sexuais parece oferecer uma explicao mais plausvel para Freud se desviar da satisfao de um desejo no sonho. Apesar da curiosidade intelectual ilimitada que tinha pelo sexo, Freud ainda era vitoriano. As atitudes reveladas por essa passagem poderiam ser interpretadas e explicar por que a viso que ele tinha do mundo dos sonhos era relativamente estril. Em tudo o que escreveu depois, Freud s dedicou um nico pargrafo ao que j havia dito sobre sonhar lucidamente: foi na quarta edio do seu livro, em 1914: "O marqus d'Hervey de Saint- Denys (...) afirma ter adquirido o poder de acelerar o curso dos seus sonhos conforme lhe apraz, assim como de lhes dar qualquer orientao que deseje. Parece que no caso dele o desejo de dormir cedeu lugar a outro desejo pr-consciente, ou seja, observar os prprios sonhos e aproveit-los. O sono to compatvel com um desejo desse tipo como com uma reserva mental de acordar, se for satisfeita alguma condio particular (por exemplo, no caso da me que est amamentando ou no da ama- seca)" 16 Se aceitarmos a anlise de Freud teremos de inferir que, ao contrrio de Saint-Denys, ele aparentemente no queria desfrutar dos sonhos, j que parece ter ficado lcido em poucos deles, talvez porque praticamente qualquer tipo de situao pudesse provocar culpa. Por isso, querendo aplicar a teoria psicanaltica ao seu fundador, podemos supor que Freud dormia com o seu prprio tipo particular de reserva mental: acordar imediatamente se percebesse que estava sonhando e, conseqentemente, em perigo de comprometer a moralidade rgida que tinha. Devemos a expresso "sonhos lcidos" e as primeiras pesquisas srias feitas sobre sonhar lucidamente a Frederik Willems van Eeden, psiquiatra e escritor muito conhecido na Holanda. Durante muitos anos van Eeden manteve um dirio dos prprios sonhos, anotando com cuidado especial os casos em que estava completamente adormecido mas tinha "lembrana perfeita da vida diria e conseguia agir voluntariamente". Embora interessado em todos os aspectos de sonhar, van Eeden achava que esses sonhos lcidos despertavam o "mais profundo interesse". No incio disfarou as suas observaes num romance chamado A noi'a dos son)os porque, como admitiu mais tarde, o disfarce da fico lhe permitia "tratar livremente de assuntos delicados". Em 1913 van Eeden apresentou um trabalho Sociedade de Pesquisas Psquicas relatando 352 dos seus sonhos lcidos, coletados entre 1898 e 1912. "Nesses sonhos lcidos", declarou, "a reintegrao das funes psquicas to completa que a pessoa que est dormindo atinge um estado de percepo consciente perfeito, consegue controlar a ateno e tentar executar vrios atos voluntariamente. Assim mesmo o sono continua profundo, no perturbado e revigorante, como posso afirmar com confiana." 17 Por uma coincidncia curiosa, o primeiro sonho lcido de van Eeden foi muito parecido com o de Ernest Mach, citado atrs. "Tive o primeiro vislumbre dessa lucidez", escreveu van Eeden, "da seguinte maneira: sonhei que estava flutuando por uma paisagem de rvores nuas, sabendo que era abril, e notei que a perspectiva dos ramos e galhos mudava bem naturalmente. Depois, durante o sono, refleti que a minha fantasia jamais seria capaz de inventar ou conceber uma imagem to intrincada como o movimento em perspectiva dos gravetos que vi flutuando por ali." 18 Como Saint-Denys, van Eeden (que o cita) adotou uma abordagem experimental nos sonhos, como vemos pela narrativa abaixo: No dia 9 de setembro de 1904 sonhei que estava em p ao lado de uma mesa, perto da janela. Na mesa havia diversos objetos. Eu estava perfeitamente consciente de estar dormindo e passei a fazer consideraes sobre o tipo de experincias que poderia fazer. Comecei pro-,. curando quebrar vidro, batendo nele com uma pedra. Pus um copo de vidro entre duas pedras e bati nele com outra pedra. Mesmo assim no se quebrou. Depois peguei um copo de clarete da mesa e bati nele cm o punho, com toda a fora, refletindo ao mesmo tempo que seria perigoso fazer isso quando estivesse acordado; assim mesmo o copo continuou inteiro. Mas depois de algum tempo, quando o olhei de novo, tive a surpresa de ver que estava quebrado 19 . Van Eeden continua com uma frase encantadora: "Quebrou mesmo, mas um pouco tarde demais, como um ator que esquece a fala". E explica: "aquilo me deu a impresso muito curiosa de estar num mundo #a(so- imitado com muita habilidade mas ainda com muitas falhas. Peguei o copo quebrado e joguei-o pela janela, a fim de observar se ouvira o barulho do vidro. Ouvi mesmo o barulho at vi dois cachorros se afastarem correndo, muito naturalmente. Pensei: 'Que imitao boa este mundo de comdia!'" 20 Mais ou menos na mesma poca em que van Eeden estava fazendo suas pesquisas na Holanda, o bilogo francs Yves De-lage ocupava-se com um estudo anlogo dos prprios sonhos lcidos. Caracterizou os sonhos lcidos que teve da seguinte forma: Disse a mim mesmo: aqui estou eu numa situao que pode ser agradvel ou desagradvel, mas sei muito bem que irreal. Deste ponto dos meus sonhos, sabendo que no posso correr nenhum risco, deixo que se desenvolvam cenas diante de mim. Adoto a atitude do espectador interessado que fica observando um acidente ou catstrofe que no pode afet-lo. Penso: daquele lado h gente que est esperando para me matar; ento tento fugir; mas de repente percebo que estou sonhando e digo a mim mesmo: como no tenho nada a temer, vou ao encontro dos meus inimigos para desafi-los; vou at agredi-los para ver o que acontece. Contudo, embora esteja suficientemente seguro do carter ilusrio da situao para adotar um rumo de ao que seria pouco sensato tomar na vida real, tenho de superar uma sensao instintiva de medo. Vrias vezes lancei-me dessa maneira, de propsito, em algum perigo, para ver o que iria sair daquilo 21 . Este sonho lcido poderia facilmente ter sido tomado por uma das narrativas de Saint-Denys; parece que os dois franceses adotaram abordagens racionais e experimentais anlogas para os sonhos lcidos que tiveram. Do outro lado do canal ingls, a sra. Mary Arnold-Forster tambm estava sondando o mundo dos sonhos. Pela prpria experincia, chegou a uma concluso que seria apropriado lembrar ainda hoje: "H sonhos e sonhos e temos de nos livrar da suposio de que todos so parecidos uns com os outros" 22 . Dos sonhos descritos no livro que escreveu, poucos eram lcidos; o que relevante aqui a descrio de como tambm ela aprendeu a reconhecer que os sonhos que a atemorizavam eram "apenas sonhos". Parece que tambm teve muito xito ensinando esse mtodo para crianas, prtica que certamente merece ser aplicada mais amplamente. Mas no parece que a sra. Arnold-Forster tenha desenvolvido muito extensamente uma percepo nos sonhos, talvez devido ao fato de, por intermdio de1 Preciso fazer um grande esforo para acreditar que aquela paisagem que estava me deixando quase cego, junto com todos os aspectos que encerrava, era somente- uma iluso 28 Sempre que Moers-Messmer se encontrava acordado num sonho, aproveitava a oportunidade de satisfazer a curiosidade cientfica fazendo diversas experincias nos sonhos lcidos. Depois que o seu "intelectualismo indestrutvel" aparecia num sonho lcido, continuava: (...) de repente escurece. Pouco depois fica claro de novo. Depois de algumas consideraes me ocorre a palavra que estava na minha mente h muito tempo: "Mgica!" Encontro-me numa cidade, numa rua ampla e relativamente vazia. Perto de uma das casas vejo um porto de entrada; as portas esto fechadas e flanqueadas direita e esquerda por duas colunas largas e salientes. So compostas de cinco blocos de pedra de forma quadrada empilhados e encimados por um trabalho em alto relevo, na forma de guirlanda. Digo alto: "Tudo isto vai ficar muito maior!" De incio no acontece nada, mesmo enquanto imagino fixamente que o porto maior do que o que estou vendo. De repente, um nmero grande de pedacinhos de pedras arredondadas comea a se desprender e cair d segundo bloco de cima da coluna da esquerda, que est ligeiramente inclinada para dentro. Mais e mais continuam vindo, misturados com areia e pedras maiores, at que no resta nada do bloco, enquanto no cho agora h um monte de entulho. Pelo espao aberto que se formou vejo um muro cinzento nos fundos. 29 Esse trecho d um exemplo do uso de palavras-chave ado-tado por Moers-Messmer ("mgica", no exemplo acima) como lembrete do que queria fazer nos sonhos. Em outro sonho lcido, desejou testar se as pessoas de fato falam enquanto esto sonhando: (...) Estou numa rua muito ampla onde vrias pessoas esto passando. Vrias vezes sinto que quero me dirigir a algum, mas sempre fico hesitando at o ltimo instante. Finalmente, arrebanho toda a minha coragem e digo a um personagem masculino que est passando por ali: "Voc um macaco". Escolhi aquela frase em particular para provoc-lo a me dar uma resposta spera. Ele continua ali de p, olhando para mim. Sinto-me to pouco vontade que teria gostado muito de pedir desculpas. Ouo ento a voz dele dizer: "Estava esperando por isso; voc vem pesando isso na conscincia h muito tempo". No me lembro nem se o vi falando. Continua a falar, com as entonaes de um pregador; mas percebo que logo mais terei esquecido tudo. Por isso comeo a tirar do bolso meu caderno de anotaes. Percebo ento o absurdo das minhas intenes e atiro-o para o lado 30 . Dez anos mais tarde o psiquiatra americano Nathan Rapport exaltou as delcias de sonhar lucidamente, num artigo intitulado "Bons sonhos!" Segundo Rapport, "a natureza dos sonhos pode ser estudada do melhor modo possvel nas raras ocasies em que a pessoa percebe que est sonhando", com o que concordo plenamente. O mtodo que Rapport usou para induzir sonhos lcidos anlogo ao de Ouspensky: "Quando a pessooa est_na cama esperando que o sono venha, a cada poucos minutos jnterrompe os pensamentos esforando-se por recordar a informao mental que vai desaparecendo antes de cada intromisso causada por aquela ateno curiosa". Esse hbito de introspeco cultivado at que continua dentro do sono em si. O entusiasmo de Rapport pelos sonhos lcidos % transmitido claramente pelas palavras com que conclui o artigo: Quanto s glrias misteriosas oferecidas pelos sonhos e to pouco relembradas, por que tentar descrev-las? Essas fantasias mgicas, os jardins estranhos mas lindos, esses esplendores luminosos, sAo des#rutados somente por ?uem est$ son)ando- ?ue os o/ser'a com interesse ati'o- espiando-os com uma mente acordada e apreciadora- agradecido pe(as g(Erias ?ue u(trapassam at% as ?ue os dotes mais re?uintados conseguem conce/er na rea(idade. A beleza fascinante encontrada nos sonhos compensa amplamente o seu estudo. Mas existe um apelo maior: se dermos ateno aos sonhos, o estudo e a cura da mente que est fora de contato com a Realidade podem ser auxiliados. E quando arrancamos segredos do mistrio da vida, muitos deles tero sido descobertos em sonhos agradveis 81 . Embora sonhar lucidamente seja algo conhecido desde a Antiguidade, s no sculo XX o Ocidente pareceu comear a perceber que o fenmeno merecia um estudo cuidadoso, ao qual oferecia acesso. Pode-se ver um paralelo na eletricidade: os gregos sabiam da existncia da eletricidade, mas por milhares de anos ningum a considerou mais que uma curiosidade. O estudo cientfico da eletricidade deu origem a processos tecnolgicos notveis e a uma variedade impressionante de aplicaes ines- peradas; uma das mais inesperadas, como veremos no prximo captulo, foi o estudo cientfico dos sonhos lcidos. CAPTULO 3 O Mundo Novo dos Sonhos Lcidos Estudos Cientficos do ono e dos on!os A despeito do fascnio permanente da humanidade pelos sonhos, s na segunda metade do sculo XX o sonho passou a ser objeto de uma curiosidade cientfica mais ampla. Um dos motivos disso que o interesse cientfico pelos sonhos precisou esperar o nascimento da psicologia experimental (que se deu no sculo XX) e o desenvolvimento do sculo XX. Outro fator foi de ordem tecnolgica: at h pouco tempo ainda no tinham sido inventados os instrumentos cientficos necessrios para sondar o mundo dos sonhos. Os instrumentos eletrnicos aperfeioados, utilizados na pesquisa moderna do sono e dos sonhos, descobrem, medem e registram os minsculos potenciais eltricos associados a todo o funcionamento biolgico. Agora os cientistas so capazes de distinguir certas variaes nos potenciais bioeltricos que emanam do crebro que est sonhando e acompanham (e talvez gerem) os fatos psicolgicos sentidos por quem est sonhando. Um pouco de histria e de informaes anteriores vo ajudar o leitor a entender e apreciar como esse milagre foi conseguido. Pode-se considerar que a era eletrnica comeou no sculo XV, com os resultados do fisilogo italiano Luigi Galvani, que descobriu a "eletricidade animal" numa dias experincias mais famosas da histria da cincia. Galvani ficou admirado ao observar que, quando ps a perna de uma r recm- dissecada em contato com dois tipos diferentes de metal, a perna morta pulou como se estivesse viva. Alm do mais, quando Galvani uniu com fios metlicos a perna da r a dispositivos capazes de detectar potenciais eltricos, verificou que de fato estava-se gerando eletricidade. Na teoria que elaborou, Galvani dizia que os nervos da perna da r eram a fonte da eletricidade e mais tarde sugeriu que todo tecido animal produz "eletricidade animal" como resultado dos processos vitais dos seres vivos. Aconteceu que o fsico italiano Alessandro Volta provou que Galvani estava errado quanto origem da eletricidade que fez a perna da r pular. Volta demonstrou que o potencial eltrico (ou voltagem, deno- minao dada em homenagem quele fsico) fora produzido pelos fios de cobre e ferro em contato com o tecido mido: em outras palavras, uma pilha primitiva suficientemente forte para estimular a ao reflexa do msculo. (Mais tarde Galvani ficou parcialmente vingado quando foi descoberto que a atvidade dos msculos e das clulas nervosas provocavam variaes minsculas de carga eltrica: eletricidade animal!) Nos meados do sculo XX a compreenso cientfica da eletricidade e do magnetismo haviam progredido o suficiente para permitir a medida quantitativa da atividade eltrica dos neurnios em qualquer parte do sistema nervoso. Quando uma extremidade de um nervo perifrico era estimulada com eficincia, invariavelmente transmitia um impulso eltrico para a outra extremidade. Na Universidade de Liverpool Richard Caton raciocinou que, se isso acontecia com os reflexos do sistema nervoso perifrico (ou seja, os nervos sensores e motores que no pertencem ao sistema nervoso central), tambm deveria acontecer com o sistema nervoso central (os nervos do crebro e da medula espinhal). Por isso, se algum medisse os potenciais eltricos do crebro, esses potenciais iriam revelar uma variao que espelharia o estmulo sensrial aplicado no crebro. Naquela poca, o crebro era considerado nada mais do que uma cadeia de reflexos, um rgo que funcionava totalmente em resposta a estmulos externos e no fazia nada por conta prpria. Por assim dizer, s falava quando lhe dirigiam a palavra. O nico motivo de um crebro assim no ser uma ta/u(a rasa era o fato de os sentidos terem escrito coisas nele. Em 1875 Caton tentou medir a reao hipottica do crebro evocada por estmulos sensoriais. Anestesiou um co e exps cirurgicamente a superfcie do crebro (crtex). Mas quando ligou eletrodos ao crtex do co recebeu um choque, e no foi um choque eltrico. Como o co anestesiado no estava recebendo nenhum estmulo eltrico, Caton no esperava que o crebro apresentasse alguma variao fisiolgica. Mas em vez do esperado potencial contnuo, o crebro do co apresentou algo que parecia um potencial eltrico que flutuava com rapidez e variava continuamente. Essa prova indicava claramente que o crebro no era um mero autmato movido por estmulos e reaes: o estado neutro do crebro no era de repouso e sim de atividade. Pelo menos esse foi o caso com o "melhor amigo do homem". O registro da atividade cerebral de voluntrios humanos teve de esperar que se desenvolvesse um processo experimental alternativo, que no exigisse cirurgia para expor o crtex cerebral. Os potenciais bioeltricos do crebro so fraqussimos, da ordem de milivolts e at menores. (Milivolt um milsimo de volt; para fazer uma comparao, a voltagem produzida por uma pilha comum de lanterna de 1500 milivolts.) Mesmo quando medidos na superfcie do crtex, os potenciais eltricos do crebro so extremamente pequenos. Mas so ainda muito mais fracos quando medidos no couro cabeludo, por causa da resistncia eltrica apresentada pelas camadas intermedirias, especialmente no crnio. Mesmo os instrumentos mais sensveis disponveis no sculo XX no eram suficientemente sensveis para registrar as ondas cerebrais, cuja amplitude da ordem de microvolts (milionsimos de volt). No comeo do sculo XX foi inventado o amplificador de vlvula, que ofereceu os enormes graus de amplificao necessrios para aquela finalidade (e ao mesmo tempo tambm possibilitou a inveno da gravao de som, rdio e televiso em alta fidelidade). Auxiliado por essa nova inveno, o neuropsiquiatra alemo Hans Berger conseguiu registrar a atividade eltrica do crebro humano pelo crnio e pelo couro cabeludo de voluntrios. Berger ficou to surpreso com os resultados que obteve, quanto Caton havia ficado cinquenta anos antes. Berger estava esperando observar as mesmas flutuaes aleatrias que haviam sido registradas nos crebros de diversos outros animais, como coelhos, ces, gatos e macacos, mas o caso humano que estudou apresentou oscilaes ritmadas de forma que o deixaram admirado. Berger deu ao registro daquelas ondas cerebrais o nome de eletroencefalograma (EEG) e disse que, quando as pessoas fechavam os olhos, ficavam deitadas e descontraam, as ondas cerrhrais apresentavam oscilaes muito regulares que se repetiam cerca de dez vezes por segundo. Era o famoso "ritmo alfa" (cujo nome foi dado pelo descobridor), que indicava um estado de descontrao (e tambm de meditao). Berger verificou que a frequncia (nmero de ondas por segundo) desse estado caa na faixa de oito a doze ondas por segundo e o ritmo alfa desaparecia quando a pessoa recebia um estmulo inesperado, como por exemplo bater palmas. Finalmente a cincia estava de posse de uma janela que prometia uma viso clara da mente. interessante notar que no incio as observaes de Berger foram recebidas om um ceticismo considervel pela comunidade cientfica. A maioria dos eletrofisilogos achava que o ritmo alfa de Berger era mais um mero resultado de um tipo de erro de medida do que um produto genuno da ativiade cerebral. Os especialistas tinham dois motivos para levantarem dvidas. Em primeiro lugar, acreditavam que o nico tipo de atividade eltrica que o crebro conseguia produzir era os "potenciais de pico", associados com o acionamento das clulas nervosas. Em segundo lugar, parecia que a prpria regularidade do ritmo alfa alegada por Berger parecia indicar que provinha mais de algum defeito do equipamento do que da atividade cerebral: os especialistas diziam que raramente a natureza to ordeira assim. Depois de receber a rplica de cientistas de Cambridge, os resultados bsicos de Berger tiveram aceitao geral e a cincia da eletroencefalografia comeou a crescer seriamente. Entre as pesquisas pioneiras de Berger relacionadas ao estado de conscincia e o crebro estava o primeiro registro de um eletroencefalograma feito durante o sono. A observao inicial de Berger, sobre o eletroencefalograma apresentar variaes constantes no incio do sono, foi ampliada por uma srie de estudos feitos na Universidade de Harvard na dcada de 30 l . O grupo de Harvard classificou em cinco estgios os eletroencelogramas feitos com pessoas acordadas e adormecidas e fez observaes que sugeriam que os sonhos ocorriam nos estgios mais leves do sono. No mesmo perodo, na Universidade de Chicago foi feita uma srie de pesquisas anlogas em que se estudou a variao das atividades mentais reveladas por pessoas que eram acordadas dos diversos estgios de sono; concluiu-se que raramente os sonhos aparecem no estgio mais profundo do sono 2 . Esses estudos sugeriram a possibilidade de tornar mais objetivo e mais cientfico o estudo do ato de sonhar, se houvesse algum meio de garantir que uma dada pessoa de fato sonhou ou no e, se sonhou, verificar quando isso se deu. Mas antes que essa possibilidade fosse estudada, passaram-se vrias dcadas. No fim dos anos 40 descobriu-se que o estmulo de uma rede de nervos do tronco cerebral (chamada formao reticular) levava a uma ativaao cortical. Por exemplo, o estmulo da formao reticular fazia com que gatos adormecidos acordassem; inversamente, a destruio dessa formao dava como resultado um estado de coma permanente. Como a fonte mais importante de ativao da formao reticular consiste nas informaes sensoriais, surgiu a teoria segundo a qual o sono poderia implicar processos que, de algum modo, inibiriam a atividade neurnica do sistema reticular. O incio do sono poderia ser provocado por uma diminuio da atividade reticular, como resultado passivo da diminuio das informaes dadas pelos sentidos. A viso do incio do sono como processo passivo tem um mrito evidente: praticamente para qualquer pessoa no mais fcil adormecer num quarto silencioso e escuro do que num barulhento e bem iluminado? Mas a teoria do sono como mero resultado passivo da diminiuo das informaces dadas pelos sentidos tambm tem limitaes bvias: afinal de contas, por mais escuro e silencioso que seja o quarto, se a pessoa nAo sente sono, tem grande probabilidade de continuar acordada. Por outro lado, se j ficou acordada durante muito tempo, ser capaz de dormir em qualquer lugar, at em p num concerto de rock! Evidentemente o estabelecimento do sono no pode ser explicado somente por essa teoria. Por isso no foi nenhuma surpresa o fato de, mais tarde, ficar provada a existncia de centros ati'os de induo do sono (centros hipnognicos) no tronco cerebral, no crebro anterior e em outras regies, onde o estmulo neuroqumico leva ao sono. No que diz respeito biologia de dormir e sonhar, basicamente foi esse o ponto que o conhecimento cientfico havia atingido no fim dos anos 40. O sono era encarado como uma das extremidades de um espectro contnuo de estmulos. Na outra extremidade estava o estado acordado, com vrios graus, que abrangiam desde a descontrao at o extremo da mania ou do pnico, passando por um estado de ateno e de alerta. A localizao de cada pessoa nesse espectro dependia do grau de atividade da respectiva formao reticular. Nessa perspectiva o sono era um fenmeno unitrio; os estgios mais profundos e mais leves diferiam apenas no grau de excitao. Tendo sido verificado que sonhar acontece com maior frequncia nos estgios leves do sono, considerava-se que ter sonhos era embrenhar-se pelos labirintos confusos de uma mente parcialmente acordada e, por isso, funcionando parcialmente. Quanto ao incio do sono era considerado um processo passivo provocado pela diminuio dos dados oferecidos pelos sentidos, que dava como resultado uma .diminuio da atividade do sistema reticular at que fossem atingidos os nveis mais baixos de estmulo associados ao sono. O que aconteceu foi que essa antiga maneira de encarar o sono e os sonhos foi amplamente superada pelas novas perspectivas criadas pelo progressos notveis da dcada de 50. on!ar e o ono "EM Em 1952, Eugene Aserinsky, que na poca era aluno de ps-graduao na Universidade de Chicago e trabalhava com o professor Nathaniel Kleitman, quando estava estudando o esquema do sono dos bebes, fez inesperadamente uma observao muito boa. Notou que parecia que os perodos de movimento dos olhos e outras indicaes de atividade se alternavam regularmente com perodos de sono comparativamente tranquilo. Esses perodos repetidos de movimentao rpida dos olhos, conhecidos pelo nome de perodos REM, podiam ser facilmente observados por intermdio de eletrodos aplicados com fita colante na regio prxima dos olhos da pessoa; o registro que resultava disso % o eletrooculograma ou EOG. Fazendo registros poligrficos simultneos de EEG e EOG foi possvel verificar que os perodos de atividade REM vinham acompanhados de medidas que indicavam sono leve. Alm do mais (no caso de adultos), quando a pessoa era acordada nesses perodos REM, quase sempre tinha sonhos vvidos para contar; contrastando com isso, quando a pessoa era acordada de outras fases do sono (denominadas coletivamente "sono no-REM", "sono sem REM" ou "NREM"), apresentava uma frequncia de sonhos cinco vezes menor. Finalmente a cincia parecia estar de posse da chave dos sonhos, ou pelo menos de posse da chave de quebra-cabeas tais como: quantas vezes sonhamos e que durao tm os nossos sonhos, e se h pessoas que jamais sonham ou apenas pessoas que nunca se lembram do que sonharam. Entre os alunos que trabalhavam nos laboratrios de Kleit-man havia um estudante do segundo ano de medicina chamado William C. Dement que, depois de terminar o curso, doutorou-se em fisiologia, tendo tido Kleitman como orientador. Para tese de doutoramento, Dement executou um programa extenso de experincias concebidas para elucidar melhor a relao entre o sono REM e o sonhar. (Alis, essa denominao foi dada por Dement.) A pesquisa pioneira de Dement revelou inmeras caractersticas bsicas dos sonhos REM. Entre esses resultados estava a descoberta de uma relao direta entre a quantidade de sono REM permitida antes de acordar as pessoas em estudo e a durao da narrativa dos sonhos, que era feita depois: quanto mais longo o perodo REM antes do despertar mais longos os sonhos. sso deu a primeira prova (embora indireta) de uma correspondncia entre o tempo fsico e o tempo de sonho. Dement tambm apresentou provas de uma correspondncia bem precisa entre as variaes da direo dos movimentos dos olhos e da direo do olhar sonhador apresentado pela pessoa ao acordar. Desde aquela poca vem sendo gerada muita controvrsia em torno da sugesto de que os REMs so resultado do fato de a pessoa que est sonhando olhar ao redor enquanto sonha. Apenas de passagem, observo aqui que nestes ltimos 30 anos resultaram milhares de estudos dos trabalhos pioneiros de Aserinsky, Dement e Kleitman. A A#ordagem Psicofisiol$gica da Pesquisa do on!o Por que depois da descoberta do sono REM o estudo do ato de sonhar passou a ser respeitado cientificamente e o assunto passou a ser de interesse geral? Essa pergunta foi respondida num trabalho de Johan Stoyva e Joe Kamiya, intitulado "Estudos eletrofisiolgicos do sonhar como prottipo de uma nova estratgia no estudo da percepo". Os estudos sobre sonhar mencionados no ttulo so os que correlacionam medidas eletrofisiolgicas com descries subjetivas. Segundo Stoyva e Kamiya este um exemplo de "operaes convergentes" em que a concordncia entre medidas objetivas e descries subjetivas oferece um grau de validade a um estado mental hipottico (porque no observvel publicamente). Como a narrao da prpria pessoa a descrio mais direta disponvel referente aos seus processos mentais, natural que os cientistas queiram utiliz-la. Mas surge um problema. Herclito disse que os sentidos eram testemunhas ms e, dessas testemunhas ms, o "senso introspectivo" parece ser a menos fidedigna. Dado que a nica "testemunha ocular" do ato de sonhar esse senso introspectivo, precisamos de um meio de corroborar o seu testemunho. s vezes, fazer medidas fisiolgicas simult- neas pode dar a prova circunstancial necessria para validar a descrio subjetiva. Os Est%gios do ono Em 1957 Dement e Kleitman apresentaram um novo conjunto de critrios de classificao das fases do sono, que mais tarde mereceu aceitao geral. Mas, devido a certas ambiguidades na aplicao de alguns desses critrios, surgiram certas divergncias entre vrios grupos de pesquisadores no que se referia avaliao precisa dos estgios de sono. sso significou que os resultados dos estudos de um laboratrio nem sempre podiam ser comparados aos de outros. Para eliminar o que estava se transformando num empecilho srio para o crescimento do campo, o Servio de nformaes sobre o Crebro da Universidade da Califrnia, em Los Angeles, patrocinou um projeto destinado a elaborar um manual de avaliao dos estgios do sono que no contivesse nenhuma ambiguidade. Uma comisso refinou os critrios originais de Dement e Kleitman e preparou as formulaes, hoje aceitas universalmente, descritas num 7anua( de padroni0a@Ao de termino(ogia- t%cnicas e sistema de a'a(ia@Ao dos est$gios do sono de seres )umanos. No que se refere medida e avaliao do sono, a preciso do manual estabeleceu um grau de concordncia bem alto entre os diversos laboratrios.
Segundo o 7anua(- a avaliao padronizada das fases do sono exige o registro simultneo de trs parmetros: ondas cerebrais (EEG), movimentos dos olhos (EOG) e tenso muscular (EMG). Tudo isso normalmente registrado num polgrafo, cuja forma muito semelhante dos polgrafos "detetores de mentiras" comuns: tracinhos de tinta de vrios canais de dados fisiolgicos numa fita de papel que se desloca continuamente. Quando a pessoa em estudo passa a noite num laboratrio de sonho a mquina utiliza mais de 300 metros de papel! Em seguida faz-se uma sinopse do que esse registro pode revelar para o olho treinado do pesquisador que estuda os sonhos, e do que a pessoa pode sentir numa noite de sono caracterstica. Quando voc est deitado na cama, descontrado mas acordado, preparando-se para dormir, % provvel que o EEG apresente o ritmo alfa de Berger quase continuamente; o EOG pode apresentar uma piscadela ocasional e movimentos rpidos dos olhos de forma isolada; e finalmente o EMG provavelmente vai indicar um grau moderado de tenso muscular. Se, pelo contrrio, por qualquer motivo voc estiver particularmente tenso poder apresentar pouco ou nenhum ritmo alfa e tenso muscular muito alta. Se est descontrado ou excitado, aterrorizado ou calmo, no problema do 7anua(5 desde que a pessoa esteja acordada, o livro diz que est no Estgio W. Surpreendentemente, apesar de as pessoas estarem em estado "acordadas" tanto em termos subjetivos como em termos fisiolgicos, no raro que descrevam devaneios vvidos quando solicitadas a descrever a atividade mental que tiveram no Estgio W. Depois de ter se deitado na cama por alguns minutos num quarto silencioso e escuro, provavelmente voc fica sonolento. Sua sensao subjetiva de sonolncia registrada objetivamente por uma variao nas suas ondas cerebrais: o seu ritmo alfa, que no comeo era contnuo, vai se dividindo gradualmente em trens progressivamente mais curtos de ondas alfa regulares e substitudo por uma atividade EEG de frequncia mista e voltagem baixa. Quando menos da metade de um perodo est ocupada por ritmo alfa contnuo, considera-se que ocorreu o incio do sono e comea a avaliao do Primeiro Estgio de sono. Nesse ponto o seu EOG estar revelando movimentos dos olhos que flutuam lentamente (SEMs); o seu tnus muscular poder diminuir ou permanecer como est. Se fosse acordado neste ponto, voc poderia muito bem descrever imagens "hpnaggicas" (que conduzem ao sono), que podem ser vvidas e grotescas, como sugere a seguinte descrio: "Estava observando o interior de uma cavidade pleural [do peito]. Como se fosse uma sala, nela havia pessoas minsculas. Todas eram peludas como macacos. As paredes da cavidade pleural so feitas de gelo e escorrega- dias. No centro h um banco de marfim onde esto sentadas algumas pessoas. Algumas esto jogando bolas de queijo no lado interno da parede do peito" 4 . Passando alm das distores aparentemente sem sentido da descrio anterior, as imagens hipnaggicas do Primeiro Estgio tambm podem assumir um carter e um significado exclusivamente arquetpicos, como fica exemplificado pela narrao de outra pessoa, uma mulher: "Vi um enorme busto de homem emergindo das profundezas de um mar azul carregado. De algum modo eu sabia que era um deus. Entre os ombros, em lugar da cabea, tinha um disco de ouro- todo gravado com desenhos antigos. Fez-me lembrar a arte aperfeioada dos incas. Continuava a se elevar do mar. Os raios de luz que se espalhavam de trs dele me disseram que o sol estava se pondo. Vrias pessoas, de vestes escuras, mergulhavam no rosto dele, no disco de ouro. Eu sabia que estavam mortas e me pareceu que, com aquilo, estavam sendo "redimidas". Aquela imagem tinha um grande significado para mim, mas eu no sabia exatamente por qu". O Primeiro Estgio uma fase de sono muito leve, descrita por diversas pessoas como de "sonolncia" ou "inclinao para o sono". Normalmente dura apenas alguns minutos e depois no EEG ocorrem variaes, o que define outro estgio de sono. Quando a pessoa penetra mais no sono, passa a existir o Segundo Estgio. O EEG marcado pelo aparecimento de ondas lentas de amplitude relativamente alta, chamadas "complexos K", juntamente com ritmos de 12 a 14 Hz chamados "fusos de sono" (Hz a abreviatura de Hertz, que a unidade- padro de frequncia). Geralmente o EOG indica pouco movimento dos olhos e o EMG passa a indicar uma certa diminuio do tnus muscular. Neste estgio as descries da atividade mental tm maior probalidade de serem menos fantasiosas e mais realistas que as do Primeiro Estgio. No entanto, no sono do Segundo Estgio e, particularmente, mais tarde da noite, a pessoa consegue descrever sonhos longos e vvidos, especialmente sentem o sono leve. Nesse ponto, no EEG comeam a aparecer gradualmente ondas lentas de amplitude alta. Quando no mnimo vinte por cento de um perodo esto ocupados por essas ondas "delta" (1-2 Hz), fica definido o Terceiro Estgio do sono. Normalmente essas atividades de ondas lentas aumentam at dominar comple-tamente o aspecto do EEG. Quando a proporo de atividade EEG delta ultrapassa cinquenta por cento de um perodo, o Terceiro Estgio se transforma no Quarto Estgio, que a fase "mais profunda" do sono. No Terceiro e no Quarto Estgios, geralmente denominados "sono delta", o canal de EOG no indica movimento dos olhos: indica apenas as ondas delta do crebro. Normalmente o tnus muscular baixo, embora possa atingir valores incrivelmente altos se houver sonambulismo ou se a pessoa falar durante o sono. Geralmente, quando se sai do sono delta, a recordao da atividade mental fraca e fragmentada e tem mais carter de pensamento do que de sonho. Depois de cerca de uma hora e meia a progresso do sono se inverte e a pessoa volta para o Terceiro Estgio, depois para o Segundo e finalmente para o Primeiro. Mas no momento em que o EEG revela que a pessoa atravessou de novo a fronteira e foi para o Primeiro Estgio, o EMG indica ausncia quase completa de atividade, mostrando que o tnus muscular atingiu o nvel mais baixo possvel. Nesse ponto o EOG revela o apa- recimento de movimentos rpidos dos olhos, primeiro poucos de cada vez, depois numa profuso notvel. Agora a pessoa est claramente no sono "de sonhar", ou seja, no sono REM. Este estado tambm j foi denominado "sono paradoxal", "REM de Primeiro Estgio ascendente", e, mais recentemente, "sono ativo", em contraste com a denominao "sono tranquilo" dada ao sono NREM. No laboratrio dos sonhos, oitenta a noventa por cento de todos os despertares do sono REM do como resultado sonhos vvidos e, algumas vezes, muito detalhados. Depois de um perodo de sono REM que dura talvez de cinco a quinze minutos, comum a pessoa percorrer de novo o ciclo anterior, sonhando vividamente trs ou quatro vezes no resto da noite, com duas modificaes importantes. Uma que em cada ciclo sucessivo aparecem quantidades decrescentes da atividade EEG de ondas lentas (Terceiro e Quarto Estgios ou sono delta). Mais tarde da noite, talvez depois do segundo ou terceiro perodo de sono REM, no aparece nenhum sono delta: s aparecem REM e o Segundo Estgio NREM. A outra modificao do ciclo do sono % que, medida que a noite prossegue, o perodos REM sucessivos tendem a ficar mais longos, at certo ponto. Enquanto comumente o perodo REM dura menos de dez minutos, os perodos REM posteriores geralmente duram trinta ou quarenta minutos; no ciclo do sono, uma hora ou mais no um atraso incomum. Enquanto os perodos REM vo ficando mais longos, a durao dos intervalos entre eles tende a diminuir dos noventa minutos (aproximada- mente) caractersticos da primeira parte da noite at vinte ou trinta minutos no fim da manh de sono. Todos esses detalhes podem comear a parecer desnecessariamente tcnicos e talvez de interesse apenas de acadmicos e especialistas. No isso. Para quem sonha, o fato de os perodos REM ficarem mais longos e mais prximos no decorrer da noite tem grande significado prtico: em uma noite, quando se tem sete horas de sono, cinquenta por cento do tempo de sonhar cai nas ltimas duas horas. Se conseguirmos dormir mais uma hora,ser praticamente uma hora a mais de sonho. Se voc quiser cultivar a sua vida de sonhos, ter de arranjar um modo de se levantar mais tarde, pelo menos nos fins de semana. O Mundo &o'o dos on!os L(cidos Embora o interesse cientfico no estudo dos sonhos tenha passado por um perodo de crescimento rpido sem precedentes, que comeou nos anos 50, nos meados da dcada de 1960 houve um pico e depois iniciou-se o declnio. Mas enquanto o interesse cientfico no ato de sonhar estava comeando a minguar, o interesse que o pblico demonstrou pelos sonhos, especialmente sonhos lcidos, comeou a crescer. Mais recentemente verificamos uma renovao no interesse cientfico no estado de sonho, como foi indicado pelos primeiros estudos de sonhos lcidos feitos em laboratrio, juntamente com um crescimento extremamente rpido, quase explosivo, da ateno dada cientificamente a esse fenmeno. Como aconteceu tudo isso? Para o nascimento da cincia dos sonhos lcidos contriburam inmeros fatores. As pesquisas psicofisiolgicas dos sonhos feitas nas dcadas de 1950 e 1960 foram indubitavelmente importantes, dando, como deram, a metodologia bsica para os estudos prticos dos sonhos lcidos, que estavam destinados a aparecer no fim dos anos 70 e depois. Mas como se a pesquisa inicial apenas tivesse preparado o terreno para o que viria depois. A plantao das sementes do interesse pelos sonhos lci- dos contou com outros fatos mais importantes e recentemente comeou a produzir uma colheita abundante. Desses fatos, um dos mais importantes foi a publicao (em 1968) do livro intitulado Fucid dreams- da parapsicloga inglesa Clia Green. O livro baseava-se nas descries publicadas, das quais j fizemos uma reviso ampla, e tambm nos dados de casos coletados pelo nstituto de Pesquisas Psicolgicas, dirigido por Clia Green. Deve-se notar que as atividades desse nstituto no esto de fato no campo da psicologia e sim no da parapsicologia. O interesse de Clia Green pelos sonhos lcidos tem ligao com uma tradio inglesa da parapsicologia, que remonta a Frederic W. H. Myers e fundao da Sociedade de Pesquisas Psquicas, no sculo XX. Contudo importante entender o contexto em que muitos cientistas puseram o livro Son)os (!cidos- como resultado da identificao profissional da autora. Uma dcada depois Clia Green ainda podia asseverar, sem faltar verdade, que "os sonhos lcidos s so estudados por quem se interessa por parapsicologia" 6 . Receio que um dos motivos pelos quais os cientistas mais convencionais continuaram sem inclinao para estudar os sonhos lcidos foi exatamente o fato de os parapsiclogos estarem inte- ressados no assunto, dando aos sonhos lcidos a reputao no autorizada de estarem de algum modo relacionados a fantasmas, telepatia, discos voadores e outros temas que a cincia tradicional considera tolices supersticiosas. Qualquer que seja o motivo, a poca simplesmente ainda no estava madura para o estudo cientfico dos sonhos lcidos. At recentemente, em 1976, Clia Green ainda fez o seguinte apelo eloquente: No caso de sonhar lucidamente, poderamos pensar que a natureza paradoxal desse fenmeno tornaria particularmente interessante uma pesquisa aprofundada. Poderamos pensar que seria interessante descobrir qual seria o estado neurofisiolgico de uma pessoa cuja mente estivesse num estado de atividade racional, embora a pessoa estivesse fisicamente adormecida. Se tal estado fosse exatamente o mesmo de uma pessoa que estivesse dormindo e sonhando da maneira usual, seria estranho e interessante. Se fosse diferente, a natureza das diferenas poderia lanar alguma luz na natureza verdadeira do sono e na natureza verdadeira do funcionamento mental racional 7 . O livro de Clia Green representou a crtica mais extensa da literatura disponvel sobre o assunto e tambm deu um tratamento muito erudito ao tema. Apesar disso teve uma recepo fria nos crculos acadmicos; ironicamente, o estilo analtico e seco do livro provavelmente foi o fator que mais contri- buiu para limitar-lhe o xito junto ao pblico. Assim mesmo o livro parece ter estimulado um interesse pelos sonhos lcidos num grande nmero de pessoas, que viriam a desempenhar papis importantes no desenvolvimento desse campo. Nos Estados Unidos o livro de Charles Tart intitulado A(tered states o# counsciousness (publicado em 1969) provavelmente gerou um interesse mais amplo pelos sonhos lcidos do que o livro de Clia Green, que era menos conhecido. A antologia de Tart reproduz trinta e quatro trabalhos cientficos rela- cionados a inmeros assuntos, incluindo estado hipnaggico, percepo nos sonhos, hipnose, meditao e drogas psicodiicas. No fim da dcada de 1960 estes assuntos eram todos muito atuais e o livro gerou um interesse amplo. ndubitavelmente influiu para que muitos cientistas jovens apresentassem um interesse nas ricas possibilidades de pesquisa oferecidas pelos estados de conscincia alterados. Certamente fui um deles e no pude deixar de notar as palavras com que Tart apresenta o volume: "Sempre que falo no tema de sonhos menciono um tipo muito incomum de sonho, o sonho 'lcido', em que a pessoa que est sonhando sabe que est sonhando e sente-se inteiramente consciente do sonho em si". Alm de apresentar resumidamente o tema e testemunhar o fato de ter tido alguns sonhos lcidos, Tart reproduz o trabalho clssico de Van Eeden, A stud4 o# dreams. Deixando esse trabalho disponvel, ele prestou a toda uma gerao de futuros sonhadores lcidos um servio valioso, alm de oferecer a muitos (entre os quais me incluo) o primeiro contato com o nome e o conceito de "sonhos lcidos". Nos primeiros anos da dcada de 1970 os afamados livros de Ann Faraday tiveram um grande impacto na percepo da conscincia dos sonhos por parte do pblico. Ann Faraday, psicoterapeuta e antes pesquisadora do sono, tratou os sonhos lcidos com palavras francamente positivas. "A meu ver, esse admirvel estado de conscincia uma das fronteiras mais interessantes da sensao humana..." Ann Faraday acreditava que os sonhos lcidos so ocasionados por um movimento dirigido auto- integrao na vida acordada e afirmou que "uma das compensaes mais emocionantes de jogar o jogo dos sonhos que esse tipo de percepo, com a sua sensao de 'estar em outro mundo', comea a se manifestar com frequncia muito maior medida que a autopercepo aumenta durante o processo do sonho" 8 . No que se refere aos sonhos, provavelmente s mais um autor influenciou a opinio pblica como Ann Faraday. E talvez at tenha influenciado mais: chama-se Patrcia Garfield. O seu livro (de 1974), intitulado reati'e dreaming- contm uma coleo maravilhosa de ferramentas para sonhar lucidamente, juntamente com grande quantidade de informaes fascinantes, incluindo um levantamento das abordagens adotadas para controlar os sonhos em diversas sociedades. Patrcia Garfield tambm d uma descrio do desenvolvimento dos seus prprios sonhos lcidos (razoavelmente frequentes, ou seja, quase semanais) que, pessoalmente, achei muito til. Os esforos pioneiros que fez para aprender a sonhar lucidamente foram uma das inspiraes que me ajudaram quando procurei fazer o mesmo. Quanto ao livro, sem temer contradies aventuro-me a dizer que teve uma influncia inestimvel no estmulo da revoluo atual do trabalho com sonhos lcidos. H mais um autor cujos livros contriburam significativamente para o desenvolvimento do interesse contemporneo nos sonhos lcidos: Carlos Castaneda. Se os seus livros, interessantes e muito procurados, so "no-fico ficcional" ou "fico no ficcional", como vrios defensores e difamadores j afirmaram, assunto controverso. Contudo, muitos dos seus livros mencionam um estado de percepo fora do comum que tem uma semelhana definida com sonhar lucidamente. Castaneda refere-se a esse estado como 9estar son)ando9. Alis, talvez no seja eu o nico a ficar imaginando como a diferena entre "estar sonhando" e 9estar son)ando9 foi mantida nas conversas originais, visto que muito mais difcil conseguir o grifo na palavra falada do que na escrita. Talvez a explicao seja "Carlos" e "don Juan" nunca sentiram nenhuma necessidade de falar sobre sonhar "comumente". A grande atrao que os seus livros exerceram proporcionou a muita gente o primeiro contato com o conceito de sonhar lucidamente, de modo que talvez a maneira de Castaneda estabelecer o seu tipo no seja to importante. Quando fao uma palestra sobre o tema de sonhar lucidamente h sempre algum que traz baila o tema de Carlos Castafieda, geralmente mencionando o famoso incidente citado no livro 2ourne4 to IGt($n- em que o personagem "don Juan" ensina o personagem "Carlos" a ver onde est a prpria mo num sonho, ostensivamente como meio de estabilizar o fato de estar son)ando. Como "Carlos" sempre apresentado como um imbecil cheio de si, aprender a ver onde est a prpria mo em qualquer lugar pode ser considerado um progresso. J para a maioria dos outros candidatos a sonhar lucidamente, lembrar-se de ver onde est a mo poderia ser til como pista de lucidez; mas, uma vez que se est lcido, h muitas outras coisas interessantes a fazer. Depois a assistncia quer saber o que acho dos livros de Castaneda. Geralmente replico que temos para com Castaneda uma dvida de gratido, j que os seus "contos de poder" serviram para inspirar muitos leitores a sondar os prprios mundos interiores e abrir a mente para as possibilidades de realidades alternativas. Essa a parte boa. Quanto m, o peso das provas parece contradizer a noo de que esses livros so de "no-fico", como assevera o autor. Por exemplo, um etnobotnico argumentou que, baseado na flora e na fauna que Carlos afirma ter encontrado no deserto de Sonora, no seria ultrajante concluir que o antroplogo Castaneda nunca esteve l. De qualquer modo, o deserto que o escritor Castafieda descreve aparentemente no o que afirma que 9 . Analogamente, baseado na descrio do mundo dos son)os de Castaneda, sou levado a imaginar se ele tambm j esteve l alguma vez 10 . As contribuies embrionrias de Green, Tart, Garfield, Fa-raday e Castafieda, no fim da dcada de 1960 e incio da de 1970 combinaram-se e deram um clima altamente favorvel para o desenvolvimento do interesse ampliado em sonhar lucidamente, no s entre o pblico em geral como entre os alunos de ps-graduao e outras pessoas que esto se preparando para se transformar em psiclogos e pesquisadores experimentais. Mas, para entender as dificuldades que tiveram de ser superadas antes que sonhar lucidamente passasse a ser aceito cientificamente, tambm temos de descobrir como esse assunto foi encarado do lado do muro onde fica o Sistema. No mundo acadmico, no que se refere a sonhos lcidos a atitude reinante contrastava violentamente com as atitudes que acabamos de analisar e pode ser resumida numa nica palavra: cetcismo. Entre os pesquisadores profissionais dos sonhos e do sono parecia que o ponto de vista ortodoxo era que havia algo filosoficamente objetvel a respeito da prpria noo de sonhar lucidamente. Devido natureza filosfica desse ceticismo, seria uma boa informao considerar primeiro o que os filsofos da poca tinham a dizer sobre o assunto. Provavelmente o trabalho filosfico que mais influenciou os sonhos desde a dcada de 1950 a monografia intitulada Breaming- de Norman Malcolm 11 , livro que contm um grande nmero de asseres que realmente estimulam a discusso. O professor Malcolm, filsofo analtico, promete de incio desafiar o senso comum e o ponto de vista geralmente aceito que afirma que os sonhos so sensaes que temos durante o sono e das quais podemos ou no ter alguma lembrana quando acordamos. Ao contrrio, afirma ele, o que comumente % considerado "sonho" na verdade no absolutamente "uma sensao que temos durante o sono". Em vez disso, o exame do uso comum da palavra "sonhos" indica que se refere apenas s histrias curiosas que as pessoas contam quando acordam do sono. Se voc quiser saber que nome damos s sensaes que temos durante o sono e depois so descritas como "sonhos", Malcolm somente lhe dir que no lhes damos nome nenhum e que seria tolice fazer outra coisa. Por qu? Porque, afirma ele, o que queremos dizer com "sono" no uma situao em que estamos sentindo qualquer coisa. Escrevendo no auge da pesquisa psicofisiolgica dos sonhos, este filsofo dispensa como "irrelevantes" os resultados do campo inteiro. Finalmente, como corolrio da noo de que estar "adormecido" significa sentir absolutamente nada, o professor Malcolm conclui que a afirmao "Estou dormindo" no significa nada. Alm do mais, demonstra (para sua prpria satisfao) que "a idia de que algum pode raciocinar, julgar, imaginar ou ter impresses, presentaes, iluses ou alucinaes enquanto est dormindo uma ideia sem sentido" 12 . Tendo estabelecido a impossibilidade de raciocinar durante o sono, reduz os sonhos lcidos ao absurdo: "Se 'Estou sonhando' pudesse exprimir um raciocnio, implicaria o raciocnio 'Estou dor- mindo' e, conseqentemente, o absurdo deste ltimo prova o absurdo do primeiro." Por isso "o suposto raciocnio de que algum est sonhando" "ininteligvel" e "uma formao de palavras intrinsecamente absurda 13 Estas concluses curiosas so um exemplo de que um argumento vlido pode levar a uma concluso absurdamente falsa, se as premissas em que se baseia estiverem erradas. No caso de Malcolm, ele errou em duas suposies. A primeira entender mal o uso dirio da palavra son)o. De fato usamos essa palavra com relao a histrias ou descries de sonhos, mas tambm a usamos com relao s experincias que estamos analisando. Em segundo lugar, h mais variedades de estar "dormindo" do que a situao hipottica em que no estamos sentindo absolutamente nada. Os prprios sonhos oferecem um bom exemplo, mas h ainda o sonambulismo e o sono "espasmdico". Estou ciente, de que estes argumentos que ofereci poderiam parecer um tanto deficientes para Malcolm, mas h uma refutao mais simples dos pontos de vista dele, que ser suficientemente bvia para voc, se j teve algum sonho lcido. O senso comum pode muito bem gritar: "Chega! No podemos dispensar toda essa filosofia e continuar com o sonho?" No, porque "no ter filosofia" de per si uma filosofia ingnua que tende a obscurecer a viso da pessoa. Os cientistas, incluindo os pesquisadores do sono e dos sonhos, tendem a se imaginar "isentos de filosofia" mas isso no significa que o so. Alm do mais, at recentemente vrias suposies no testadas obstruram o estudo cientfico e a aceitao de sonhar lucidamente. At poucos anos atrs a maior parte dos especialistas em sonhos considerava impossvel sonhar lucidamente, com bases essencialmente filosficas: simplesmente no parecia ser o tipo de coisa que poderia acontecer durante o que e(es queriam dizer com "dormir" e "sonhar". H cinco ou dez anos o ponto de vista ortodoxo referente aos "sonhos lcidos" era basicamente igual ao ponto de vista ortodoxo de um sculo atrs, no sentido de que, como disse Alfred Maury, "estes sonhos no poderiam ser sonhos". Entre os pesquisadores do sono (em contraposio a sonho), aqueles cujos estudos eram exclusivamente fisiolgicos no tinham mais que dizer sobre sonhar lucidamente do que sobre qualquer outra forma de, atividade mental. Por outro lado, a maioria dos que usavam mtodos psicofisiolgicos (considerando a descrio subjetiva da pessoa que sonhou em associao com registros fisiolgicos) deixava de lado ou, no mximo, fazia alguma referncia secundria e dispensava os casos de sonhos lcidos, considerando-os irrelevantes ou inconsequentes demais para merecer uma pesquisa mais aprofundada. Qual era o motivo desse comportamento to parecido com o do avestruz? Creio que havia pelo menos dois fatores que contribuam para isso, presentes em propores variveis conforme o caso. J mencionamos um desses fatores, que penso ser o principal: o clima "filosfico" da poca fazia do sonho lcido uma noo absurda devido ao conjunto de suposio tericas geralmente estabelecidas a respeito da natureza do estado de sonho. Havia tambm a concepo freudiana do sonho como um caldeiro fervilhante de irracionalidade e impulsos primitivos. Este no era o tipo de lugar para se esperar um pensamento acordado racional, muito menos percepo; de qualquer modo, era um conceito suspeito numa psicologia regrada por um condutivismo dogmtico nestes ltimos cinquenta ou sessenta anos. Assim sendo, pelas lentes das suposies aceitas pelas principais correntes psicolgicas, sonhar lucidamente tinha uma aparncia distorcida ou fantasmagrica, o que equivale a dizer praticamente no existente. No sonho o fantasma era a lucidez! O segundo fator o resultado de uma tendncia humana muito comum e facilmente observvel: a inclinao a passar adiante a responsabilidade. Quantas vezes voc j ouviu algum dizer: "No problema meu" ou "No responsabilidade minha"? Se as descries de sonhos lcidos de fato provm de, digamos, fantasias acordadas, os pesquisadores do sono e dos sonhos poderiam dizer sem receio "No problema meu" e voltar sem mais delongas para os seus prprios problemas inte- ressantes. Quanto aos sonhos lcidos, algum mais teria de se preocupar com eles, qualquer que fosse a sua natureza. Quanto s notas de rodap (e as duas primeiras referncias so literalmente isso), temos aqui uma amostra: Ernest Hart-mann, da Universidade de Tufts, disse que sonhar lucidamente uma exceo ocasional da aceitao, por parte de quem sonha, do fantstico e at do impossvel que existe nos sonhos; e arriscou uma impresso: "fatos desse tipo no so partes caractersticas do pensamento de sonhar, so despertares muito breves" 14 . "Parciais" ou "breves", despertares significavam estados acordados e, se fosse assim, logicamente os sonhos lcidos fariam parte do campo de outra pessoa. Do outro lado do pas Ralph Berger, da Universidade da Califrnia, em Santa Cruz, notou a mesma exceo: "De vez em quando a pessoa que est sonhando pode "perceber" que est sonhando. Mas no existe nenhuma experincia para determinar se esses exemplos so ou no acompanhados de despertares fisiolgicos momentneos... " 15 Mais uma vez temos aqui a suspeita de que sonhar lucidamente deveria fazer parte dos estudos do despertar e no do sono. Em 1978 um pesquisador do sono e dos sonhos muito conhecido chamado Allan Rechtschaffen, da Universidade de Chicago, publicou um trabalho muito influente, intitulado "A ingenuidade e o isolamento nos sonhos" 16 . Como disse o prprio autor, parece que esse ensaio fez, "talvez demais", a falta de refletivida- de parecer um atributo quase constante dos sonhos. O dr. Rech-tschaffen tratou os sonhos lcidos como uma rara exceo (o que % verdade, na nossa poca e sociedade) que apenas mostra como a falta de refletividade caracterstica dos sonhos. Rech-tschaffen demonstrou a disposio terica de considerar o sonho lcido um fenmeno legtimo do sono e dos sonhos fazendo os registros de um ou dois voluntrios sonhadores de sonhos lcidos durante algumas noites no seu laboratrio. nfelizmente naquelas noites os dois voluntrios no conseguiram sonhar lucidamente e ele no prosseguiu no trabalho com sonhos lcidos. Nem todos os pesquisadores do sono e dos sonhos pareciam considerar o sonho lcido com ceticismo ou indiferena quase total. Em 1975, enquanto considerava "algumas implicaes fantasiosas da realidade de estar sonhando", o dr. William Dement, da Universidade de Stanford, deu a impresso de considerar o controle dos sonhos uma possibilidade intrigante, apesar de improvvel. Dement tambm levantou a possibilidade de sonhar lucidamente imaginando se uma pessoa "com o devido treino ou instruo" poderia "entrar no sonho sabendo que era um sonho e sabendo que tinha como tarefa examin-lo" 17 . Cinco anos depois Dement descobriu que a resposta quela pergunta era "sim", como o leitor logo ver. O quadro apresentado por essas poucas referncias mostra que at pouco tempo, ou seja, j em 1978, embora na maioria os pesquisadores psicofisiolgicos contemporneos dedicados aos sonhos tivessem ouvido descries ou pelo menos rumores de sonhos lcidos, no viam nenhum significado especial neles, nem os consideravam um fenmeno legtimo do sono. Quando eram instados, a explicar como poderia existir um sonho lcido, normalmente citavam um trabalho francs publicado em 1973 por Schwartz e Lefebvre 18 . Esse estudo de pacientes que sofriam de diversos distrbios do sono revelou que nos perodos REM eles apresentavam um nmero inesperadamente alto de interrrupes em que ficavam despertos e parcialmente excitados. Schwartz e Lefebvre propuseram que essas excitaes parciais, que chamaram "microdespertares", poderiam de algum modo fornecer uma base fisiolgica para o sonho lcido. Embora o trabalho tenha sido criticado por no oferecer uma prova direta para apoiar essa hiptese e porque as concluses se basearam inteiramente nos padres do sono anormal das poucas pessoas estudadas, parece que essa explicao em geral foi aceita at muito recentemente. S em 1981 a teoria do "microdespertar" dos sonhos lcidos foi desafiada com sucesso e a maioria dos membros da Associao de Estudos Psicofisiolgicos do Sono (APSS) passou a aceitar os sonhos lcidos como resultado legtimo do sono paradoxal. A maior parte dos campos cientficos tem organizaes profissionais sob cujos auspcios os pesquisadores apresentam os seus resultados para discusso e crtica. No caso dos pesquisadores do sono e dos sonhos o frum internacional da pesquisa cientfica a APSS, fundada em 1960 19 . Quase todo pesquisador profissional do sono e dos sonhos do mundo ocidental pertence a essa Associao. No congresso anual da APSS os pesquisadores do sono e dos sonhos apresentam os resultados dos trabalhos para os colegas de profisso, que submetem os dados avaliao crtica, que desempenha um papel fundamental no processo cientfico. Quando Patrcia Garfiedl contou entusiasmadamente as maravilhas de sonhar lucidamente, na dcima- quinta reunio anual da APSS, em 1975, a reao foi um tanto variada. Alguns pesquisadores dos sonhos ficaram intrigados e at excitados com os bons resultados que ela declarou ter tido com alguns temas em particular e especialmente pela reivindicao de ter conseguido aumentar voluntariamente a prpria frequncia de sonhos lcidos. Contudo a maioria dos membros Ge manteve ctica. Enquanto os sonhadores leigos de toda parte estavam comprando o seu livro reati'e dreaming- os profissionais no estavam; pelo menos no estavam comprando a idia de lucidez e controle dos sonhos. Os cientistas tendem a seguir uma regra prtica que vem do marqus de Laplace, matemtico e astrnomo francs do sculo XV. Em questes de raciocnio cientfico, Laplace atinha-se ao princpio de que "o peso da prova tem de ser proporcional estranheza do fato". Era outras palavras, dispunha- se a aceitar um resultado hipottico baseado em relativamente poucas provas se o resultado fosse coerente com outros resultados demonstrados anteriormente. Mas se fosse feita alguma afirmao contrria a uma srie de observaes ou teorias aceitas, s admitia aquele resultado no corpo dos resultados cientficos depois de ter provas cabais e uma demonstrao extremamente rigorosa. Em 1975, para a maioria dos pesquisadores de sonhos, sonhar lucidamente parecia estranho a ponto de merecer apenas um mnimo de considerao, para no falar em lhe garantir a condio de fato real. Por que isso? Segundo o principio de Laplace, da prova correspondentemente grande exigida pela estranheza do fato, no havia absolutamente nenhuma prova! sto %- nenhuma a no ser o fato de algumas pessoas afirmarem ter tido alguns sonhos lcidos e conseguido um considervel grau de controle dos mesmos. Mas na cincia experimental as histrias contadas pesam muito pouco. Contribuindo para o lado negativo da balana estavam os resultados de um estudo experimental que David Foulkes apresentou na reunio seguinte da APSS, em que tentou demonstrar que vrios universitrios conseguiam sonhar com qualquer tema da prpria escolha. nfelizmente os alunos (que haviam demonstrado um interesse grande em controlar os sonhos da maneira descrita no livro de Garfield) no foram capazes de sonhar de modo confivel com um tema pr-selecionado; e um estudo feito em continuao, com muito cuidado, deu o mesmo resultado 20 . Esses resultados amorteceram consideravelmente qualquer entusiasmo que pudesse ter havido em relao a Patrcia Garfield e o livro reati'e dreaming. Embora a lucidez nos sonhos no tivesse sido testada de per si em nenhum desses estudos, parece que a sua plausibilidade sofreu na mesma medida, talvez um caso de culpa por associao, talvez o resultado de Garfield "ter perdido a credibilidade. As coisas comearam a melhorar em 1978, quando na dcima-oitava reunio anual da APSS, realizada em Palo Alto, um grupo de pesquisadores canadenses obteve um certo grau de sucesso quando estava "em busca de sonhos lcidos" 21 no laboratrio do sono. Duas pessoas monitoradas haviam descrito respectivamente um e dois sonhos lcidos, depois de acordar de perodos REM. nfelizmente no foi dada nenhuma prova de que os sonhos lcidos ocorreram de fato durante os perodos REM que precederam o despertar e as descries. Conseqiientemente, no houve meios de saber se os sonhos lcidos haviam acontecido durante o sono REM (em contraposio ao NREM) ou mesmo antes, em vez de durante ou depois do despertar. As prprias pessoas estudadas estavam um tanto incertas quanto a terem sonhado lucidamente de fato. O mximo que puderam dizer foi que tiveram a "impresso" de ter tido os sonhos lcidos logo antes de acordar e descrev-los. Mas esse era um 'argumento fraco demais para persuadir qualquer pessoa (mesmo o ctico mais moderado em relao aos sonhos lcidos) de que os sonhos haviam ocorrido durante o sono. O estudo canadense foi ainda mais retalhado pelo fato de suas concluses se basearem num total de no mais que trs pretensos sonhos lcidos descritos por apenas duas pessoas. A APSS no pareceu particularmente impressionada, para no dizer convencida. Evidentemente o "peso da prova" ainda no estava em proporo com "a estranheza do fato". Uma indicao de que foi esse o caso foi a publicao, no mesmo ano, do trabalho de Rechtschaffen mencionado anteriormente. Esse trabalho, muito citado e de grande influncia, publicado no primeiro nmero da S(eep- a nova revista da APSS, procurava oferecer uma base terica para a improbabilidade dos sonhos lcidos. Ao mesmo tempo que deixou faltar pouco para provar que sonhar lucidamente era impossvel ( moda de Norman Malcolm), Rechtschaffen fez com que isso parecesse aberraes excntricas. Foi nesse ponto que entrei em cena. Mas antes de descrever os meus encontros cientficos com a APSS preciso pr a minha pesquisa de sonhos lcidos no contexto e explicar primeiro como fiquei interessado nos sonhos lcidos. Desde os cinco anos de idade tenho tido sonhos lcidos de vez em quando e, com o tempo, desenvolvi um grande interesse por esse assunto. Encontrei o livro de Clia Green em 1978, quando estava olhando os livros na Biblioteca Pblica de Palo Alto. At aquele ponto s conhecia Frederik van Eeden e o yoga tibenato. Fiquei entusiasmado quando descobri que Van Eeden no era o nico sonhador lcido da histria ocidental. Mas ainda mais importante para mim foi perceber que, se outras pessoas haviam aprendido a sonhar lucidamente, no havia nada que me impedisse de fazer o mesmo. A simples leitura do tema me havia dado como resultado vrios sonhos lcidos e, pouco tempo depois, em fevereiro de 1977, passei a me esforar seriamente, comeando um dirio que, sete anos depois, continha quase novecentas descries de sonhos lcidos. Desde o incio eu havia estado interessado na possibilidade, levantada primeiro por Charles Tart, da comunicao do sonho lcido com o mundo exterior en?uanto o sonho estivesse ocorrendo 22 . O problema era que, como a maior parte do corpo de quem est sonhando fica paralisada durante o sono REM, como a pessoa que est sonhando poderia enviar uma mensagem? Que poderia ela ser capaz de fazer no sonho lcido passvel de ser observado ou medido por cientistas? Um plano se apresentou para mim. Existe apenas uma exceo bvia para aquela paralisia, visto que durante o sono REM os movimentos dos olhos no ficam inibidos de modo algum. Afinal de contas, a ocorrncia dos movimentos rpidos dos olhos que d a esse estgio do sono o nome que tem. Outros estudos de sonhos feitos anteriormente haviam mostrado que s vezes existe uma correspondncia exata entre a direo dos movimentos observveis dos olhos da pessoa que est sonhando e a direo em que a mesma est olhando no sonho 28 . Num exemplo notvel, a pessoa em estudo foi acordada do sono REM depois de ter feito uma srie de cerca de duas dzias de movimentos horizontais regulares com os olhos. Contou que no sonho estivera assistindo a um jogo de pingue- ponge e logo antes de ser acordada havia estado olhando um longo rebate com o olhar do sonho. Eu sabia que quem sonha lucidamente pode olhar livremente na direo que quiser, porque eu mesmo j havia feito isso. Ocorreu-me que, deslocando os olhos (do sonho) num esquema reconhecvel, poderia ser capaz de enviar um sinal para o mundo exterior quando estivesse tendo um sonho lcido. Experimentei isso no primeiro sonho lcido que registrei: desloquei o meu olhar de sonho para cima, para baixo, para cima e para baixo, at contar cinco. Tanto quanto soube naquela poca, foi o primeiro sinal transmitido deliberadamente do mundo dos sonhos. claro que a nica dificuldade foi no haver ningum no mundo exterior para registr-lo! Do que eu precisava era um laboratrio de sonhos. Sabia que a Universidade de Stanford tinha um laboratrio excelente dirigido pelo dr. William C. Dement, pioneiro da pesquisa do sono e dos sonhos. No vero de 1977 fiz umas indagaes e no Centro de Pesquisas do Sono da Universidade de Stanford encontrei o dr. Lynn Nagel, pesquisador que ficou muito interessado na perspectiva de estudar sonhos lcidos no laboratrio. Em setembro do mesmo ano candidatei-me Universidade de Stanford com a proposta de estudar sonhos lcidos como parte de um programa de doutoramento em psicofisiologia. Minha proposta foi aprovada e no outono de 1977 comecei a trabalhar com sonhos lcidos. A comisso contava com os professores Karl Pribram e Roger Shepard, da psicologia, Julian Davidson, da fisiologia e Vincent Zarcone Jnior e William C. Dement, da psiquiatria. Como Lynn Nagel no era membro do corpo docente de Stanford, a nossa relao era completameente no-oficial. No entanto, Lynn foi de #ato meu principal orientador e colaborador na pesquisa para a minha tese. Lynn e eu no perdemos tempo: logo me coloquei no laboratrio do sono. nfelizmente, na minha primeira noite havamos decidido ver se seria til me acordar no incio de cada perodo REM para me lembrar de sonhar lucidamente quando voltasse a dormir. Percebemos mais tarde que no era uma boa idia, visto que o resultado foi muito pouco sono REM. No ajudou muito ser lembrado de sonhar lucidamente, pois isso me impediu de sonhar! Pior que aquilo foi o que aconteceu no meu primeiro sonho. O laboratrio de sono de Stanford tem janelas altas para permitir estudos de isolao do tempo. Por causa disso senti um pouco de claustrofobia e, aparentemente guisa de compensao, tive o seguinte sonho: parecia que havia acordado de madrugada e estava testemunhando um nascer de sol estranhamente bonito atravs da Hane(a panorImica que havia em frente cama. Mas antes de ter tempo de ficar mais que atnito com aquela anomalia, fui acordado pela voz de Lynn, que estava me dando um lembrete para eu ter um sonho lcido. Na vez seguinte decidimos me dar mais uma oportunidade, tanto de dormir como de ter sonhos lcidos. Programamos a noite de registros seguinte para dali a um ms (a nica vaga disponvel), que caiu numa sexta-feira, 13, de 1978. Enquanto esperava pela data fatdica, cada vez que tinha um sonho lcido em casa sugeria a mm mesmo que o teria tambm no laboratrio. Finalmente chegou a noite e Lynn me fez as ligaes e ficou observando o polgrafo registrar enquanto dormi. Eu vinha esperando que a sexta-feira, 13, fosse a minha noite de sorte e aconteceu exatamente isso. De fato dormi muito bem e depois de sete horas e meia na cama tive o meu primeiro sonho lcido no laboratrio. Um momento antes estivera sonhando, mas depois percebi de repente que devia estar dormindo, porque no conseguia ver, sentir nem ouvir nada. Lembrei-me com prazer que estava dormindo no laboratrio. A imagem do que parecia o folheto de instrues do aspirador de p ou de algum eletrodomstico do mesmo tipo estava flutuando no ar. A mim pareceu um mero destroo no rio da minha conscincia, mas quando me focalizei nele e procurei ler o que estava escrito a imagem foi se estabilizando gradualmente e tive a sensao de estar abrindo os olhos (de sonho). Depois apareceram as minhas mos, com o resto do meu corpo de sonho, e me vi na cama olhando para o folheto. Meu quarto de sonho era uma cpia razoavelmente boa do quarto onde eu estava dormindo na realidade. Como no momento eu tinha um corpo de sonho, resolvi fazer o movimento de olhos que havamos combinado como sinal. Com o dedo tracei uma linha vertical minha frente e acompanhei-a com os olhos. Ma$ eu havia ficado muito excitado com a possibilidade de finalmente poder fazer aquilo e o pensamento interrompeu o sonho, que foi desaparecendo e sumiu poucos segundos depois. Mais tarde, no registro do polgrafo notamos dois longos movimentos dos olhos, logo antes de eu ter acordado de um perodo REM de treze minutos. Finalmente ali estava a prova objetiva de que pelo menos um sonho lcido havia ocorrido durante o que era claramente um sono REM! Mandei uma nota para o congresso de 1979 da APSS em Tquio, mencionando aquela e outra prova que sugeriam que os sonhos lcidos esto associados com o sono REM 24 . D claro que no esperava que ningum ficasse convencido da realidade dos sonhos lcidos simplesmente com aquele resumo, mas queria partilhar nossos resultados com outros pesquisadores de sonhos o mais rapidamente possvel. Repetir aquele primeiro sucesso no foi fcil. As seis noites seguintes que passei no laboratrio do sono no produziram sonhos lcidos. Eu ainda -no havia desenvolvido o MLD (induo mnemnica aos sonhos lcidos), mtodo que me permitia induzir sonhos lcidos quando eu quisesse, e que descrevo no Captulo 6. Depois que adquiri prtica de usar o MLD, fizemos mais tentativas e, em setembro de 1979, tive mais dois sonhos lcidos no laboratrio do sono de Stanford. Eu ainda continua- va a ter mais sonhos lcidos em casa do que no laboratrio, o que provavelmente provinha do fato de, em casa, eu estar mais descansado. Por isso resolvemos instalar um polgrafo na minha casa durante seis semanas. Naqueles feriados de Natal consegui registrar mais uma dzia de sonhos lcidos e, mais uma vez, os movimentos dos meus olhos indicaram que todos haviam ocorrido no sono REM. Quando 1980 chegou j estava se espalhando a voz do nosso interesse nos sonhos lcidos e vrios outros "sonhadores lcidos" se ofereceram para registrar sonhos lcidos no labora- trio. O primeiro a conseguir foi Roy Smith, mdico que estava fazendo residncia em psiquiatria: tambm teve sonhos lcidos no sono REM. Duas mulheres (a cientista de computao Beverly Kerdzieski e a bailarina Laurie Cook) completaram o nosso grupo de estudo inicial de pessoas que sonhavam lucidamente. Demos a ns mesmos o nome de "onironautas", palavra que cunhei com razes gregas e que significa exploradores do mundo interior dos sonhos. Os resultados daquelas primeiras experincias formaram a parte mais importante da minha tese de doutoramento, que se intitulou Fucid eGp(orator4 stud4 o# consciouness during s(eep. Agora vamos voltar para a APSS e para a histria das minhas tentativas de publicar este novo mtodo de comunicao de dentro do estado de sonho e provar que no perodo inequvoco de sono possvel sonhar lucidamente. J era muito tarde para Lynn Nagel e eu apresentarmos os resultados na reunio da APSS. Por isso, em maro de 1980 mandamos um relatrio resumido dos primeiros resultados para a revista Science- para que fossem apreciados e possivelmente publicados. Chamava-se "O sonho lcido verificado por comunicao volitiva durante o sono REM". Estvamos entusiasmados com as descobertas e ficamos esperando ansiosamente a resposta. Dois. meses depois recebemos uma carta da revista Science. Os responsveis pela publicao das revistas cientficas baseiam muito as prprias decises na opinio de consultores, especialistas no campo de interesse do trabalho. Um dos dois consultores havia escrito: " um relatrio excelente e apresenta uma descoberta nova, que valida o ato de sonhar lucidamente em condies de laboratrio. As implicaes de sonhar lucidamente so interessantes e importantes e dessa descoberta poderia fluir um campo de pesquisa novo e importante. O relatrio est escrito com bastante clareza e conciso e recomendo muito que seja publicado". Mais a reao do segundo consultor foi diametralmente oposta. Encarando o nosso artigo luz do trabalho de Rechsts Chaffen, achou impossivelmente "difcil imaginar pessoas simultaneamente tendo sonhos e dando sinais deles aos outros", como foi dito de outro estudo. Baseado em teorias essencialmente filosficas, parecia basicamente incapaz de aceitar que nossos resultados fossem possveis. Conseqentemente, conseguiu levantar inmeros "problemas interpretativos", ou seja, deu todas as explicaes possveis de como poderamos ter chegado s nossas concluses que, para ele, obviamente estavam erradas. Naturalmente recomendou que o artigo no fosse publicado e o respon- svel pela publicao cedeu, a esse julgamento. Em setembro fizemos uma reviso do artigo, que enviamos para a revista Science: havamos ampliado o estudo original com o dobro de casos de pessoas que sonhavam lucidamente, e esclarecido os pontos que o segundo consultor havia julgado problemticos. Mas o artigo foi recusado de novo, mais uma vez com base em outras objees intrinsecamente filosficas. Parecia que o problema estava no fato de nossos crticos (supostamente membros da APSS) simplesmente no acreditarem que realmente possvel sonhar lucidamente. Esperando uma nova considerao, mandamos o artigo para a revista Nature- equivalente britnica da Science americana; mas foi devolvido sem crtica. Segundo os responsveis pela Nature- o tema do sonho lcido "no era de interesse suficientemente geral" para merecer considerao! Para encurtar a histria, depois de seis meses finalmente vimos o nosso trabalho publicado numa revista de psicologia chamada "erceptua( and 7otor S3i((s [Tcnicas Motoras e Perceptuais]. Dei um pouco de nfase prolongada s dificuldades que enfrentamos no incio a fim de colocar em relevo um determinado fato: j em 1980 os pesquisadores de sonhos, em geral, e os membros da APSS, em particular, eram quase unnimes em rejeitar o fato de sonhar lucidamente como fenmeno genuno do sono, do tipo REM ou de qualquer outro tipo. Os sonhos lcidos ainda eram obviamente encarados como quimeras anmalas, intromisses curtas de alerta que se davam num sono per- turbado, semelhantes ao sonho acordado; jamais, em caso al- gum, eram considerados algo com que os pesquisadores do sono teriam de se preocupar. Em junho de 1981, mesmo ms em que o nosso artigo foi publicado, apresentei quatro trabalhos a respeito de sonhar lucidamente na vigsima primeira reunio anual da APSS, realizada em Hyannis Port (Massachusetts). Felizmente, na poca os nossos dados eram suficientemente fortes para convencer at os mais cticos de que sonhar lucidamente era um fenmeno genuno do sono REM, que era inequivocamente sono. No que se referia a sonhar lucidamente, o peso das provas finalmente era proporcional estranheza do fato. Depois de toda a resistncia que tnhamos enfrentado, quando notei a reao positiva que as minhas propostas haviam recebido, primeiro fiquei surpreso, depois satisfeito. Em conversa particular, vrios cientistas me disseram que, antes de ver os nossos resultados, acreditavam ser impossvel sonhar lucidamente, mas no momento eram forados a mudar de opinio. Entre eles, alguns haviam antes apresentado por impresso a sua descrena; fiquei muito animado ao ver tais sinais de sinceridade e abertura para idias novas e adquiri um respeito renovado por aqueles cientistas. Lamentavelmente, na cincia nem sempre essa abertura a regra: alis, tambm no muito diferente em qualquer outro campo de esforos humanos. Mas isso serve para exemplificar um pouco o funcionamento da cincia, quando trabalha adequadamente. "Cincia" de fato uma comunidade de cientistas que aderem a um conjunto comum de padres de verificaes. Como tal, a cincia tende a ser conservadora, a resistir (talvez zelosamente demais) ao que novo e a se agarrar (talvez tenazmente demais) ao que j aceito. O filsofo Thomas Kuhn sugeriu que as antigas teorias cientficas no devem ser substitudas por novas enquanto todos os que apoiam as antigas no tiveram morrido! Temi que esse fosse o caso com a APSS e o sonho lcido, e fui agradavelmente surpreendido por ver que estava enganado. O sonho lcido, que na mente de muitos cientistas j esteve associado ao oculto e parapsicologia, tornou-se parte aceita das principais correntes cientficas e, como tal, um tema de pesquisa legtimo. Foi um passo importante para a anlise e para o desenvolvimento mais amplo da cincia de sonhar lucidamente. Robert K. Merton, da Universidade de Columbia, um dos primeiros tericos da cincia, demonstrou que quase todas as ideias cientficas importantes so tidas mais de uma vez (e em geral quase ao mesmo tempo) por pesquisadores que esto trabalhando "independentemente". sso acontece porque todos os cientistas que esto trabalhando num dado campo se baseiam nos mesmos conjuntos dos resultados estabelecidos anteriormente e, como disse Newton, se apoiam nas costas dos mesmos gigantes. Como esto raciocinando, por assim dizer, a partir das mesmas premissas, de esperar que tenham a mesma probabilidade de chegar s mesmas concluses. Provavelmente o exemplo mais famoso de descoberta cientfica independente aconteceu em 1858 quando, depois de vinte anos de trabalho, Charles Darwin finalmente estava preparando o seu livro pico para ser publicado: tratava-se da teoria da evoluo, C)e origin o# species. maginem o espanto de Darwin quando recebeu uma carta de um bilogo praticamente desconhecido chamado Alfred Russell Wallace! Quando tinha estado na Malsia, convalescendo de malria, Wallace havia elaborado independentemente a teoria da seleo natural numa forma quase idntica de Darwin, como ficava provado pelo manuscrito que acompanhava a carta. De modo que Darwin no foi o primeiro a desenvolver uma teoria da evoluo baseada na seleo natural; inegavelmente, Wallace teve prioridade. Mas nem sempre a prioridade a questo mais importante; o trabalho de Darwin continha os detalhes mais meticulosos necessrios para convencer a comunidade cientfica. Como o prprio Wallace declarou, com generosidade mas tambm com astcia, numa segunda carta a Darwin, "o meu artigo nunca teria convencido ningum nem teria sido notado seno como uma especulao engenhosa, enquanto o seu livro revolucionou o estudo da histria natural e empolgou at os melhores homens da poca atual". Wallace no estava sendo meramente modesto. A Histria mostra que o seu trabalho no desempenhou papel significativo na aceitao cientfica da teoria da evoluo e que devemos essa revoluo do nosso pensamento somente ao trabalho de Darwin. Estendi-me bastante neste exemplo porque creio que apresenta uma semelhana marcante com as circunstncias que cercam a aceitao dos sonhos lcidos mais de um sculo depois. De fato a Histria repete a si mesma, algumas vezes em escala maior, outras em escala menor. Neste caso estamos claramente tratando da escala menor, mas levar em conta Darwin e Alfred Wallace deveria ajudar a pr os fatos em perspectiva. Quando, no outono de 1980, ouvi falar de um artigo intitulado "ntroviso dos sonhos lcidos", fiquei to espantado como Darwin deve ter ficado quando leu pela primeira vez o trabalho de Wallace. O artigo, publicado numa revista britnica pouco conhecida chamada Nursing 7irror- descrevia um trabalho incrivelmente parecido com o meu. O autor era Keith Hearne, parapsiclogo britnico de muito talento que estava publicando um resumo da tese de doutoramento que havia preparado nas Universidades de Hull e Liverpool com a ajuda de um sonhador lcido de muita prtica. Depois fiquei sabendo que o caso que Hearne havia estudado era o de Alan Worsley, que pesquisava os sonhos lcidos com muita dedicao. No decorrer de um ano Worsley havia passado quarenta e cinco noites num laboratrio de sono, tendo Hearne como monitor. Naquelas noites Worsley havia tido oito sonhos lcidos, em cada um dos quais, todas as vezes em que percebeu estar sonhando, marcou o EOG com sinais de movimentos dos olhos. No comeo a semelhana entre o nosso trabalho, feito em Stanford, e o deles, feito em Liverpool, parecia um mistrio. Mas depois de refletir um pouco percebi que a idia de corroborar os sonhos lcidos utilizando sinalizao pelo movimento dos olhos seria relativamente bvia para qualquer pessoa que conhecesse as pesquisas parapsicolgicas mais recentes sobre sonhos e as possibilidades de sonhar lucidamente. Desse ponto de vista a descoberta independente j no parecia misteriosa nem inusitada. A nica coisa estranha de tudo aquilo foi Hearne ter terminado a tese dois anos antes de mim. No entanto, apesar de ter feito um levantamento exaustivo da literatura relacionada com sonhos lcidos disponvel em ingls, no ouvi sequer um leve rumor sobre Hearne e Worsley at terminar a minha tese, em 1980. Poderamos pensar que Hearne teria ficado ansioso por partilhar os resultados com a comunidade cientfica, mas obviamente isso no aconteceu. Fico sabendo por Worsley 25 que Hearne "queria fazer algumas descobertas" antes de publicar dados. De qual modo, parece que em 1980 ele ainda estava fazendo com que os poucos profissionais que conheciam o seu trabalho jurassem manter segredo sobre o mesmo. Mas, qualquer que seja a explicao, seis anos depois de terminar a tese Hearne ainda no publicou uma descrio do estudo original em nenhuma das revistas cientficas assessoradas pelos colegas. Como resultado da reticncia de Hearne, ou talvez por mero acidente, at o fim de 1980 em Stanford no se soube nada do trabalho daquele ingls. Nessa poca os nossos prprios estudos, j mais amplos, haviam ido consideravelmente mais longe que o trabalho da tese original de Hearne e, como conseqncia disso, a pesquisa pioneira dele s confirmou o que j sabamos. Se os resultados das experincias feitas em Liverpool tivessem estado nossa disposio alguns anos antes, poderamos ter acrescentado dados ao que teria sido uma tremenda contribuio de Hearne para o campo. Como resultado, o trabalho pioneiro de Hearne parece ter desempenhado um papel relativamente pequeno na aceitao cientfica dos sonhos lcidos. Tendo dito isso, quero acrescentar que no pairam dvidas sobre o fato de Keith Hearne ser um pesquisador inovador e cheio de energia de quem podemos esperar desenvolvimentos novos nos prximos anos. Quanto a Alan Worley, continuou a colaborar com outros grupos de pesquisa na nglaterra, levando avante experincias interessantssimas, tanto no laboratrio como em casa 26 . Seja o que for que esteja fazendo, Worsley merece o crdito de ter sido a primeira pessoa, tanto quanto sei, a conseguir transmitir uma mensagem deliberada do mundos dos sonhos. Seguimos a histria do processo de sonhar lucidamente no laboratrio at o ponto em que foi aceita pelo mundo cientfico, no incio desta dcada. Desde essa poca tem havido uma exploso varivel do interesse pblico e cientfico nos sonhos lcidos. Nestes ltimos anos apareceram dezenas de trabalhos publicados e o nmero de pesquisadores do campo foi sendo acelerado com rapidez. Tudo isso contribui para a impresso de um campo de anlise muito estimulante que est se desenrolando agora: o mundo novo dos sonhos lcidos. ) Explorando o Mundo dos Sonhos Son)adores F!cidos no Fa/oratErio O Ma*eamento do Mundo dos on!os A relao entre o mundo dos sonhos e o mundo fsico tem para a humanidade um fascnio que provavelmente antecipa de milhares de anos as datas da histria do mundo. Mas, como as perguntas do tipo "Por que o cu azul?" ou "Que h no outro lado da lua?", a soluo do problema da realidade dos sonhos teve de esperar pelo progresso tecnolgico do passado recente. A abordagem psicofisiolgica dada pesquisa dos sonhos proporcionou um certo processo, mas enquanto as pessoas em estudo no eram sonhadores lcidos, esse mtodo continuava a ter limitaes muito grandes. Se, por exemplo, os pesquisadores estivessem interessados em saber se as mudanas descritas da direo do olhar de quem est sonhando so ou no acompanhadas de correspondentes movimentos fsicos dos olhos, teriam de abordar o problema mais ou menos da seguinte forma: primeiro, teriam de conseguir medir o movimento dos olhos da pessoa, o que fcil com um EOG. Depois, teriam de observar os movimentos dos olhos da pessoa durante os perodos REM, esperando (e aqui est o problema) at que, por acaso, a pessoa que est sonhando fizesse uma seqncia suficientemente distinta e regular de movimentos com os olhos. S muito raramente haveria um padro fora do comum passvel de ser ligado definitivamente aos movimentos dos olhos no sonho, que a pessoa pudesse identificar, como no sonho do pingue-pongue, no Captulo 3. Nos milhares de estudos de sono e de sonhos levados a efeito nestas ltimas dcadas, pode-se contar nos dedos casos to notveis como esse. De qualquer modo, se um experimentador tivesse de projetar um estudo para procurar esse tipo de acontecimento, teria de esperar muito at que a pessoa em estudo fizesse, por acaso, o que o experimentador desejou. Vamos considerar outro exemplo que mostra que esta abordagem fica limitada por algo mais que a pacincia do pesquisador. Suponhamos que o nosso pesquisador estivesse interessado em saber se o crebro da pessoa que est sonhando apresenta ou no apresenta desvios de atividade (medidos no EOG), dependendo de determinadas tarefas mentais, como por exemplo cantar ou fazer uma contagem. No estado acordado, cantar ativa o hemisfrio direito do crebro da maioria das pessoas que utilizam a mo direita; a contagem ativa o hemisfrio esquerdo. Ser que o nosso pesquisador poderia razoavelmente esperar encontrar um caso em que o sonhador no lcido "por acaso" cantasse e fizesse uma contagem no mesmo sonho? Como algum poderia saber exatamente quando a pessoa que est sonhando iria fazer uma determinada coisa e que coisa seria essa? O problema principal dessa verso da abordagem psicofisiolgica que, se os sonhadores no tem sonhos lcidos, o pesquisador simplesmente no tem meios de ter certeza se vo sonhar com o que ele precisa que sonhem para poder fazer aquela experincia em particular. Essa abordagem de fato no muito melhor que uma abordagem feita no escuro e compreensvel que os pesquisadores de sonhos percam cada vez mais o interesse nela, visto que muitos anos se passaram e foram gastos quilmetros de papel de polgrafo sem muitos resultados favorveis. Como resultado dessas dificuldades, alguns cientistas de sonhos j chegaram a pedir que se abandonasse por completo a abordagem psicofisiolgica e fossem adotados estudos puramente psicolgicos. David Foulkes, pesquisador de sonhos muito influente, escreveu que "... parece que a pesquisa da correlao psicofisiolgica est oferecendo uma taxa de retorno to pequena para o esforo despendido que no um bom lugar para a psicologia dos sonhos continuar a aplicar a maior parte dos parcos recursos que tem" 1 . Essa avaliao parece justificada, desde que se relacione somente com a prtica tradicional da pesquisa psicofisiolgica aplicada aos casos em que as pessoas no tm sonhos lcidos. Mas o uso de sonhadores lcidos resolve as deficincias bsicas da abordagem antiga e deixa que o pesquisador consiga levar a cabo as experincias que concebeu. Pode muito bem ser a reao que vai revitalizar o mtodo psicofisiolgico. O fato de o sonhador lcido saber que est sonhando, conseguir se lembrar de executar alguns atos combinados de antemo e poder enviar sinais para o mundo exterior possibilita uma abordagem inteiramente nova da pesquisa do sonho. No estado de sonho um oneironauta treinado especialmente consegue desempenhar qualquer tipo de tarefa experimental e funciona como objeto de estudo e como pesquisador. Pela primeira vez a pessoa que est dormindo consegue assinalar o momento exato de determinados acontecimentos do sonho, o que permite que sejam testadas hipteses que, de outra maneira, no poderiam ser testadas. O pesquisador pode pedir pessoa em estudo que execute determinado ato no sonho e quem est sonhando lucidamente consegue seguir-lhe as,instrues. Essa sinalizao tambm permite um mapeamento claro das relaes entre a mente e o corpo. Os estudos que fizemos em Stanford abrangem um terreno considervel e mostram que no sonho h uma relao entre as alteraes psicolgicas produzidas no corpo do sonhador lcido e diversos tipos de comportamento apresentados pelo seu corpo "de sonho". As pesquisas que fizemos foram dirigidas para uma srie de relaes: entre o tempo de sonho estimado e o tempo real; entre a conduta no sonho, incluindo o movimentos dos olhos, a fala e a respirao, e a ao muscular correspondente; entre o canto e a contagem numrica no sonho e a correspondente ativao dos hemisfrios cerebrais esquerdo e direito; e entre a atividade sexual no sonho e as variaes de diversas medidas fisiolgicas, genitais e no genitais. O Tempo no Sonho Com que velocidade podemos ter um sonho e quanto tempo levamos para sonhar? So perguntas bsicas que durante sculos deixaram a humanidade intrigada. A resposta tradicional costumava ser que os sonhos levam pouco ou nenhum tempo para ser sonhados. H, por exemplo, a histria da viagem Noturna de Maom. Diz-se que o profeta derrubou uma jarra de gua logo antes de sair (num cavalo alado) para uma viagem pelos sete cus, em cujo decorrer encontrou e conversou com os sete profetas, inmeros anjos e o prprio Deus. Depois de ter todas as vises do paraso, o profeta voltou para a cama e verificou que a gua ainda no havia derramado da jarra derrubada. Analogamente, Alfred Maury, pioneiro da pesquisa dos sonhos do sculo XX, no fim da vida recorda um sonho que havia tido muitos anos antes, em que de alguma forma estava implicado na Revoluo Francesa. Depois de testemunhar inmeras cenas de assassinato, ele prprio foi levado para o tribunal revolucionrio. Depois de um julgamento longo, em que viu Robespierre, Mairat e outros heris da revoluo, foi sentenciado morte e levado ao local da execuo, no meio da multido, que zombava dele. Esperando a vez no meio dos condenados, ficou assistindo ao funcionamento rpido e pavoroso da guilhotina. Depois chegou a sua vez e ele subiu no cadafalso. O carrasco amarrou-o na prancha e ajustou tudo no lugar. A lmina caiu.e naquele ponto crtico Maury acordou aterrorizado verificando que ainda estava com a cabea ligada ao corpo. Quase instantaneamente percebeu o que havia acontecido: a tbua da cabeceira da cama havia cado no pescoo. Concluiu que aquele sonho comprido deveria ter comeado com o impacto da cabeceira no pescoo e o sonho inteiro deveria ter acontecido num instante incrivelmente breve! (Se voc estiver supondo que s nos sculos passados se acreditava nessas coisas, saiba que em 1981 um pesquisador de sonhos muito acatado publicou um trabalho que sustenta o seguinte ponto de vista: os sonhos ocorrem no instante breve do despertar 1 ). Se bem que, indubitavelmente, de vez em quando ocorrem de fato sonhos desse modo, h provas que sugerem que normalmente qualquer ato de sonho leva o mesmo tempo que levaria na vida real. Num estudo, Dement e Kleitman acordaram cinco pessoas que estavam observando, de cinco a quinze minutos depois de comeado o perodo REM de cada uma, e pediram que dissessem a quantidade de tempo que acreditavam ter transcorrido. Das cinco pessoas, quatro foram capazes de avaliar com coerncia o tempo certo. O mesmo estudo mostrou que os sonhos ocorridos depois de quinze minutos de sono REM no eram mais longos que os sonhos tidos depois de cinco minutos REM. Parece que essas descries contradizem a noo de sonhar instantaneamente, mas no provam que o tempo do sonho igual ao "tempo real": indicam apenas que, generalizadamente, so proporcionais entre si. Mas utilizando sonhadores lcidos pode-se medir direta e facilmente a durao subjetiva do tempo de sonho. Os onironautas recebem instrues de dar um sinal quando ficam lcidos no sonho e depois calcular um intervalo de, digamos, dez segundos, contando de dez a um no sonho. O sonhador lcido d mais um sinal para marcar o fim do intervalo, que depois pode ser medido diretamente no registro do polgrafo. Nas nossas experincias 2 vimos que a durao mdia desses intervalos estimados de dez segundos era de fato igual a treze segundos, que tambm era a durao estimada de um intervalo de dez segundos quando as pessoas em estudo estavam acordadas. Certa ocasio tivemos at uma estrela, quando Beverly representou essa experincia para toda a equipe de televiso da BBC. Aqui temos a descrio feita por ela: Naquele ponto, j bem tarde da manh, eu estava muito determinada a ter o sonho lcido esperado: senti-me especialmente motivada pelo fato de toda a equipe de filmagem estar ali esperando a minha atuao. Por isso, quando me senti no ponto de transio entre estar acordada e dormindo, "fiz" com que acontecesse: o meu corpo de sonho comeou a flutuar no ar, fora da cama, que era muito parecida com a que eu sabia que estava contendo o meu corpo fsico adormecido. Esperei at estar flutuando completamente para ter certeza de estar sonhando de fato. S que parecia que estava sendo segura por alguma coisa: eram os meus eletrodos. Mas raciocinei que eram apenas eletrodos "de sonho" e eu [no] iria deixar que o sonho me controlasse! Naquele ponto simplesmente me afastei voando sem me preocupar com os "eletrodos", que j estava supondo que no existiam mais. Ao voar pela sala, atravessando a parede, fiz o sinal de "esquerda-direita-esquerda-direita", para mostrar que estava lcida. Tudo aquilo levou no mximo um segundo. Quando atravessei a parede e fui para a saleta, comecei a estimar dez segundos, contando "mil e um, e dois. .." Tudo me pareceu muito escuro e achei que no estava muito aprofundada no sono, at que vi num espelho o reflexo fraco do meu rosto. Quando fixei o olhar nele a sala ficou bem iluminada e parecida com a da vida real. Ainda contando, resolvi que gostaria de fazer alguma coisa que pudesse descrever depois; por isso, peguei uma cadeira e, brincando, joguei-a para o alto, vendo-a tombar e flutuar. Quando acabei de contar at dez fiz o sinal outra vez. Depois eu tinha de estimar dez segundos sem contar e foi ento que achei que seria interessante voar para a sala do polgrafo e olhar de verdade a representao de sonho dos meus prprios sinais sendo registrada. Precisava chegar l em dez segundos, de modo que voei diretamente para a sala vizinha, que estava cheia de caixas e cadeiras. Enquanto estava procurando evitar colidir com elas, por algum motivo me deixei atrasar, esperando chegar sala do polgrafo antes de ter de dar o sinal seguinte. A distncia ouvi uma voz parecida com a minha fazendo a contagem que no era para eu fazer! Aquilo me deixou um pouco atrapalhada, mas achei que era algo curioso. Na hora exata cheguei ao polgrafo, que estava rodeado de pessoas olhando os grficos. Anunciei: "Oi, pessoal, estou fazendo isto ao 'i'o(9 e fiz os sinais pela terceira vez, vendo as canetas do polgrafo voarem loucamente no meu sonho. Como essas experincias indicam, o tempo estimado nos sonhos parece ser quase igual ao tempo marcado pelo relgio, pelo menos no caso dos sonhos lcidos. claro que alguns leitores vo objetar, dizendo algo como "mas tive sonhos em que passei o que me pareceram vrios anos ou uma existncia inteira!" Todos ns tambm, mas creio que essa passagem aparente de tempo ocorre nos sonhos de modo parecido com o cinema ou teatro. Se num filme vemos uma pessoa apagando a luz meia-noite e alguns instantes depois a vemos desligar o despertador ao romper da aurora, aceitamos que se passaram sete ou oito horas, mesmo que "saibamos" que foram s alguns segundos. Penso que nos sonhos funciona o mesmo tipo de mecanismo, que provoca uma sensao de passagem de tempo ampliada. Nesse sentido no tenho argumento para dizer que o tempo de sonho pode no ser igual ao tempo do relgio. Apesar disso, a prova das nossas experincias de sonhos lcidos com o tempo sugere que leva o mesmo tempo para sonhar com alguma coisa e para realiz-la de fato. Esse resultado no deveria surpreender ningum. Afinal de contas, existem limitaes psicofisiolgicas para a maneira de nosso crebro processar informaes. Se eu lhe perguntasse se um canrio consegue cantar, voc precisaria de um segundo para responder; e se eu lhe perguntasse se um canrio consegue voar, poderia at levar um pouco mais para responder. Por que no conseguimos responder imediatamente coisas to bvias? Porque o nosso crebro precisa de tempo para verificar, no meio dos bilhes de lembranas que temos, se a resposta de fato "bvia" ou no. Esse o motivo pelo qual nos sonhos no conseguimos fazer nada instantaneamente: o crebro precisa de tempo para sonhar com as coisas. "es*ira+,o Montamos uma experincia para demonstrar at que ponto os esquemas de respirao dos sonhadores lcidos eram acompanhados de variao nos esquemas reais de respirao 3 . obvio que o corpo de sonho no precisa respirar. Afinal de contas, apenas uma representao mental do corpo fsico de quem est sonhando. E na vida acordada, embora respiremos a cada segundo, na maior parte do tempo no temos conscincia disso. Normalmente s temos conscincia desse processo quando alguma coisa nos chama a ateno para ele. Por exemplo, quando no estamos recebendo ar suficiente ou quando queremos suspender a respirao, por qualquer motivo. Como raramente estamos prestando ateno na respirao quando estamos acordados, quase no temos conscincia de estar respirando enquanto sonhamos. Percebi esse problema e fiquei interessado nele quando tinha cinco anos de idade. Naquela poca tinha o hbito de sonhar uma espcie de sonho seriado, todas as noites. No senado de sonho eu era um pirata submarino e, pelo menos em uma ocasio, fiquei preocupado por ficar embaixo d'gua durante muito tempo- mais do que conseguiria prender a respirao. Depois lembrei-me com grande alvio que "naqueles sonhos" conseguia respirar embaixo d'gua. Ou ser que nos sonhos no precisava respirar? No tinha certeza e s fui pensar nisso de novo quase trinta anos depois. Estvamos interessados em saber se as pessoas que prendiam a respirao"' nos sonhos tambm a prendiam fisicamente. Usando a antiga "metodologia da pesquisa dos sonhos, seria muito difcil abordar essa pergunta, mas usando o sonho lcido era fcil respond-la. Trs oneironautas concordaram em se juntar a mim para procurarmos (com os nossos corpos de sonho) executar um esquema, combinado de antemo, de respirar sempre que percebssemos que estvamos sonhando. Tnhamos de marcar com um sinal de movimento dos olhos o comeo e o fim de um intervalo de cinco segundos no qual respiraramos rapidamente ou prenderamos a respirao. Ns quatro passamos dias ou trs noites no laboratrio" do sono, enquanto a respirao era monitorada e algum fazia as medidas fisiolgicas comuns usadas para determinar. os estgios do sono. No geral todos ns dissemos ter executado a tarefa respiratria em doze sonhos lcidos. Os registros poligrficos correspondentes foram dados a um pesquisador alheio experincia, para ver se dados exemplos eram casos de respirao rpida ou de suspenso da respirao. O pesquisador conseguiu identificar corretamente todos os exemplos. Como as probabilidades de fazer isso aleatoriamente so de apenas 1 para 4096, conseguimos concluir com confiana que durante o sonho lcido o controle vo- luntrio da imagem mental da respirao refletido em variaes correspondentes da respirao verdadeira. sso no significa que todas as variaes da respirao no sono REM esto relacionadas ao contedo do sonho. Por exemplo, uma pausa respiratria no poli-sonograma no necessariamente implica que quem est sonhando est prendendo a respirao de sonho. Mas se quem est sonhando esti'esse prendendo a respirao de sonho, esperaramos ver no registro uma pausa na respirao. Quando estamos acordados, h muitos fatores, distribudos em diversos nveis de organizao psicofisiolgica, que contribuem para o esquema de respirao; a mesma coisa vale no caso de estarmos dormindo. Algumas dessas influncias respiratrias so fisiolgicas e algumas so psicolgicas; juntas, formam o contedo do sonho, que sentido consciente-mente. Tudo o que demonstramos nas nossas pesquisas que o contedo respiratrio que h na percepo consciente de quem est sonhando parece afetar o esquema verdadeiro da respirao da pessoa adormecida. Quando examinados na luz apropriada, esses resultados no so de surpreender. Provavelmente a mesma relao vlida para andar, falar ou qualquer outra forma de comportamento, a no ser pelo fato de a maioria dos nossos msculos estar paralisada durante o sono REM. O sistema do tronco cerebral que executa a supresso geral do tnus muscular durante os sonhos tidos no perodo de sono REM evita que fiquemos dando voltas de olhos fechados no meio da noite, prtica quase to perigosa hoje como nos tempos dos nossos antepassados, na selva. Mas no sono REM nem todos os grupos de msculos ficam inibidos igualmente. Por exemplo, no existe meio de nos pre- judicarmos movimentando os olhos; conseqentemente, no sono REM os msculos extra-oculares no ficam absolutamente inibidos. Muito pelo contrrio: do ao estado ativo do sono o nome comum que tem. H outro conjunto de msculos que fica isento da paralisia geral do sono REM, mas por um motivo diferente: so os msculos respiratrios, que no so inibidos por motivos bvios. Cantar e Contar O crebro est dividido em| dois hemisfrios e na maioria das pessoas a atividade do hemisfrio cerebral esquerdo aumenta durante o uso da linguagem e do pensamento analtico, enquanto a atividade do hemisfrio cerebral direito aumenta durante a execuo de tarefas especiais e no pensamento holstico. Embora o grau de especializao lateral do crebro tenha sido exagerado na imprensa popular, diversos estudos cientficos demonstraram que na atividade das ondas cerebrais h diferenas dignas de confiana entre os hemisfrios esquerdo e direito e que tais diferenas dependem exatamente do tipo de atividade mental em que a pessoa em estudo est empenhada no momento. Evidentemente todos os nossos estudos foram feitos com as pessoas acordadas. Uma pergunta que deixou intrigados os pesquisadores de sonhos a seguinte: no sono REM continuam valendo relaes semelhantes a essas? Aqui estava mais uma pergunta que s os sonhadores lcidos conseguiriam responder. Resolvemos comparar a contagem sonhada e o canto sonhado, atividades que supusemos relacionadas aos hemisfrios esquerdo e direito, respectivamente 4 . Por que essas tarefas em par- ticular? A escolha foi uma questo prtica. Ao contrrio de vrias outras tarefas possveis, contar e cantar s exigiam um corpo de sonho com uma lngua de sonho em funcionamento, equipamento bsico de um oneironauta! Fui o primeiro a tentar fazer essa experincia. No incio da noite que passei no laboratrio acordei de um sonho e, antes de voltar a dormir, pus em prtica o meu mtodo mnemnico de induzir sonhos lcidos (MLD). Transcorrido pouco tempo acordei de outro sonho no lcido e apliquei o mtodo MLD de novo: mais uma vez no consegui bons resultados. Parece que a terceira tentativa tambm falhou. Estava deitado na cama, acordado pela quarta ou quinta vez naquela noite, preocupado e imaginando o que poderia haver de errado comigo: ser que depois de todos aqueles anos estava perdendo meu estilo? Nesse ponto, encontrei-me de repente bem acima de um campo. Percebi imediatamente, com grande excitao, que a?ue(e era o sonho lcido que havia estado procurando! Fiz um sinal de movi- mento de olhos e comecei a cantar: Rema, rema no teu barquinho, Desce a correnteza, risonho. Vai alegre, de mansinho, A vida no passa de um sonho. Ainda voando alto na pradaria, fiz mais um sinal movimentando os olhos e comecei a contar devagar at dez. Tendo acabado, fiz um terceiro sinal movimentando os olhos, o que marcou o trmino daquela tarefa experimental. Fiquei mais que satisfeito com o sucesso e, literalmente, dei uma cambalhota no ar. Depois de uns segundos o sonho desapareceu. Tnhamos registrado as ondas cerebrais dos hemisfrios esquerdo e direito do meu crebro, de modo que as quantidades de atividade alfa ocorrida durante a execuo das duas tarefas podiam ser calculadas com um computador. Em geral as ondas alfa, que so rtmicas, so interpretadas como indicao de um crebro inativo ou em repouso. Por isso, se no desempenho de determinada tarefa um dos hemisfrios est fazendo a maior parte do trabalho, a outra metade (a menos ativa) apresenta mais atividade alfa. Como no processo de cantar toma parte o hemisfrio direito e no de contar, o esquerdo, durante o canto espervamos encontrar mais alfa no meu hemisfrio esquerdo. E foi exatamente o que encontramos. Repetimos a experincia com outras duas pessoas e tivemos resultados coerentes: no sono REM o crebro estava apresentando esquemas de ativao seletiva de canto e contagem iguais aos do estado acordado. Ati'idade e-ual Parece que a atividade sexual constitui uma parte proeminente dos sonhos lcidos de muitos indivduos, especialmente mulheres. Patrcia Garfield afirma que dois teros dos sonhos lcidos que tem costumam apresentar contedo sexual e quase a metade culmina em orgasmo. No livro "at)=a4 to eGtas4 ela diz que seus orgasmos de sonho tm intensidade pro#unda. "Com uma totalidade de si mesma que s s vezes sentida no estado acordado", encontrou-se "rebentando em exploses de es- tremecer corpo e alma". So impresses incrivelmente fortes, para dizer o mnimo. Mas as descries de sonhos lcidos de vrias oneironautas que estudamos continham detalhes semelhantes. Eu estava curioso a respeito da possibilidade de fazer uma experincia para determinar se a atividade sexual nos sonhos lcidos vem acompanhada de alteraes fisiolgicas semelhantes s que ocorrem durante as atividade sexuais no estado acordado 5 . Walter Greenleaf, aluno de ps-graduao da Universidade de Stanford que estava fazendo uma pesquisa psicofisiolgica da reao sexual humana, colaborou comigo em vrias experincias. Resolvemos trabalhar primeiro com mulheres, visto que descreviam orgasmos nos sonhos lcidos com frequncia muito superior dos homens. Perguntei a quatro onironautas femininas se concordariam em fazer a experincia e "Miranda" foi a primeira a apresentar bons resultados. Passou a noite dormindo no nosso laboratrio enquanto registramos dezesseis canais de dados fisio- lgicos, incluindo os EEG, EOG e EMG comuns, juntamente com taxas de respirao e batimento cardaco, EMG vaginal e amplitude da pulsao vaginal. Estas duas ltimas medidas foram obtidas com uma sonda vaginal confortvel (inserida em particular) que foi usada durante o sono. A sonda registrou a atividade muscular da vagina por meio de dois eletrodos instalados na superfcie. A amplitude de pulsao, que uma medida do fluxo sanguneo que vai para as paredes da vagina, foi obtida por meio de uma fonte de radiao infravermelha e um detetor foto-eltrico embutidos na superfcie da sonda. A luz emitida da sonda refletida de novo para a clula fotoeltrica at um ponto que varia com as alteraes da quantidade de sangue que flui para as paredes da vagina. As experincias do mesmo tipo feitas no estado acordado haviam indicado que quando as mulheres ficam excitadas sexualmente a amplitude da pulsao vaginal apresenta um aumento significativo. Por isso, durante os sonhos lcidos antecipvamos obter aumentos anlogos relacionados atividade sexual. Pedimos a Miranda que no sonho lcido nos fizesse quatro vezes um sinal, usando os sinais padronizados de movimento de olhos. O primeiro sinal seria feito no momento em que percebesse que estava sonhando; o segundo, quando comeasse a ter atividade sexual no sonho; o terceiro, quando chegasse ao orgasmo; e o quarto s quando se sentisse acordada. Cerca de cinco minutos depois do quinto perodo de sono REM daquela noite, Miranda teve um sonho lcido que durou trs minutos, em que se desempenhou da tarefa exatamente como havamos combinado. Na descrio disse que parecia estar deitada na cama, ainda acordada, com algum lhe esfregando as mos no pescoo. Reconhecendo a improbabilidade de haver mais algum no quarto, suspeitou que estivesse sonhando e testou o prprio estado procurando flutuar no ar. Logo que se viu flutuando, convenceu-se de estar sonhando e, atravessando pelo ar a parede do quarto de dormir, fez o sinal combinado. No encontrando ningum na sala do polgrafo, continuou a flutuar e saiu por uma janela fechada. Continuando, encontrou-se sobrevoando um campus parecido com o das Universidades de Oxford e de Stanford. Continuou voando no ar frio da noite, livre como uma nuvem, parando aqui e ali para admirar as lindas esculturas das paredes. Mas depois de uns minutos resolveu que estava na hora de comear a experincia. Sempre voando, atravessou uma arcada e viu um grupo de pessoas, aparentemente visitantes que estavam percorrendo o campus. nvestindo contra o grupo, escolheu o primeiro homem que estava ao alcance. Deu-lhe um tapinha no ombro e ele foi na direo dela como se soubesse exatamente o que se esperava que fizesse. Nesse ponto ela deu mais um sinal, indicando que a atividade sexual estava comeando. Diz que j devia estar excitada por causa do vo, porque em apenas quinze segundos sentiu-se como se j estivesse chegando ao clmax. Fez o terceiro sinal, indicando que havia tido um orgasmo, quando as ondas finais comearam a diminuir de intensidade. Logo depois disso deixou-se acordar e logo que se sentiu de novo na cama fez o quarto sinal, conforme o plano. Disse que o sonho de orgasmo no havia sido extenso nem in-, tenso mas foi certamente um orgasmo real. O grfico do fluxo de sangue para a vagina durante os diversos minutos daquele sonho lcido parece corresponder, em todos os detalhes, descrio do sonho lcido feita por Miranda. Durante o trecho da atividade sexual sonhada, entre o segundo e o terceiro sinais, a taxa de respirao, a atividade muscular da vagina e o fluxo de sangue para a vagina atingiram os nveis mais altos da noite. J a taxa cardaca apresentou s um valor moderado. Os aumentos da taxa respiratria e do fluxo de sangue vaginal so completamente comparveis aos observados normalmente no orgasmo acordado; e o orgasmo do sonho lcido foi descrito como "no muito forte"! Aquela experincia deu a primeira prova objetiva da validade das descries de Miranda (e, por extenso, das de outras pessoas), relativas a sexo vividamente realstico ocorrido em sonhos lcidos. Antes de deixar o sonho lcido de Miranda, quero mencionar que, se Freud tivesse vivido mais meio sculo para ouvir falar nele, pelo menos em parte certamente ficaria encantado. Estou falando do vo, considerando o intervalo relativamente curto entre o incio do sexo e a culminao com o orgasmo. Qual o significado dos sonhos de vo? A resposta que Freud daria a esta pergunta, sem nenhuma hesitao, seria a de que, nos sonhos, simbolicamente o vo no exprime seno o desejo de se entregar a alguma atividade sexual! Pelo menos uma vez, parece que essa interpretao se ajusta ao sonho sem ser forada. Tendo registrado uma reao sexual feminina to impressiva, ficamos imaginando em seguida qu os homens teriam a mostrar. Embora os homens tenham sonhos lcidos de orgasmo com menor frequncia que as mulheres, de qualquer modo resolvemos fazer a experincia: "Randy", onironauta de primeira classe, ofereceu-se como voluntrio daquela misso perigosa. Enquanto Randy dormia, registramos as mesmas medidas fisiolgicas que havamos feito na experincia com Miranda, mas equipamos o pnis de Randy com um medidor de tenso mecnica (um tubo em forma de anel cheio de mercrio, de mais ou menos 2 ou 3 centmetros de dimetro), dispositivo usado em geral para medir a reao sexual. Logo antes de ir para a cama, Randy colocava o medidor na base do pnis. Como durante a ereo o medidor se expande, sua resistncia eltrica diminui e permite que se faa um acompanhamento poligrfico da intumescncia (ou aumento de tamanho) do pnis. Embora normalmente os perodos REM estejam associados a erees instintivas de diversos graus, estvamos esperando observar um aumento posterior durante a atividade sexual sonhada. Randy concordou em seguir o mesmo processo de sinalizao que Miranda havia usado. Depois de praticar algumas noites, conseguiu sair-se perfeitamente. Acordando do quarto perodo REM da noite, fez a seguinte descrio: Um detalhe grotesco me fez perceber que estava sonhando. Fiz um sinal de movimento de olhos, depois atravessei o telhado, voando no estilo do Super- homem. Tendo aterrissado no quintal de uma casa, senti desejo de ter uma garota. Da porta de trs saiu uma adolescente bonitinha, seguida de perto pela me. Por algum motivo parece que a me me conhecia, pois dando uma piscadela, mandou-me a filha para que tivesse relaes comigo. Fomos para o quintal e transmiti o primeiro sinal, do incio dos. primeiros contatos sexuais. Um instante depois a blusa da garota estava no cho e os bicos daqueles seios florescentes estavam mostra. Ela se ajoelhou no cho." e comeou a me beijar de um modo superestimulante. Senti que logo mais iria chegar ao clmax e fechei os olhos, em xtase, pois tive um orgasmo; transmiti mais um sinal. Quando abri os olhos parecia ter acordado de um sonho molhado. Estava muito excitado por ter feito a experincia, mas percebi que era um despertar falso, e com isso acordei de fato. Apesar de ter verificado que no ejaculei de fato, ainda estava sentindo o formigamento na espinha e fiquei maravilhado com a realidade que a mente pode criar. Como no caso de Miranda, o registro poligrfico de Randy revelou uma correspondncia exata com a descrio do sonho, lcido que teve. Nos trinta segundos de atividade sexual marcada pelos segundo e terceiro sinais, a taxa de respirao de Randy chegou ao mximo comum aos perodos REM, exata- mente como havia acontecido com Miranda. O medidor de tenso do pnis indicou que a ereo, depois de ter comeado logo antes do incio do perodo REM, s atingiu o nvel mximo entre o segundo e o terceiro sinais. Admiravelmente, quase imediatamente depois do orgasmo do sonho teve incio um desintumescimento vagaroso. Durante o orgasmo do sonho lcido o corao de Randy, como o de Miranda, apresentou uma taxa s moderadamente elevada. Em termos gerais, parece que aqueles orgasmos ativaram reaes fisiolgicas muito parecidas nos corpos adormecidos. sso valeu especialmente nos aumentos marcados da taxa de respirao que ambos apresentaram. Uma implicao importante que, em alguns aspectos, o sexo no sonho lcido tem um impacto to poderoso no corpo da pessoa que est sonhando que parece o fato real. O grau em que isso vlido pode variar de uma pessoa para outra e de um sexo para outro. Uma diferena significativa, relacionada com o sexo (masculino ou feminino), pode ser que, enquanto Miranda sentiu contraes vaginais no orgasmo do sonho lcido, Randy aparentemente no sentiu as contraes plvicas correspondentes. A falta de ejaculao verdadeira de Randy no sonho, a despeito de ter tido vividamente as sensaes da ejaculao, % coerente com a minha experincia nesse sentido. Entre os quase novecentos sonhos lcidos descritos e gravados no meu arquivo pessoal h cerca de uma dzia de exemplos em que sonhei que havia atingido o orgasmo. Em todos aqueles casos a sensao de ejaculao foi convincentemente vivida, tanto que aqueles orgasmos de sonhos lcidos normalmente foram seguidos de um despertar falso, em que sonhei que )a'ia tido de fato um sonho molhado. Mas todas as vezes, ao acordar de fato, verifiquei que estava enganado. Por mais que tudo isso seja caracterstico do sexo de um sonho lcido, poderia parecer que os sonhos molhados tidos pelos adolescentes e por homens a quem falta uma vlvula de sada sexual regular so resultado de causas muito diferentes. Acontece que as vezes as descries de sonhos molhados genunos so completamente desprovidas de elementos sexuais ou erticos de qualquer tipo. Como, ao mesmo tempo, cada perodo de sonho acompanhado de erees instintivas, os sonhos molhados podem ser resultado de estimulao geral e ejaculao reflexa. Embora existam de fato sonhos molhados que no so erticos, em geral esse no o caso. Quando, ento, os sonhos molhados se disfaram em encontros sexuais? Minha proposta que essas sensaes vm do fato de o sonho incorporar as informaes sensoriais provenientes dos rgos genitais, elaboradas naturalmente numa "histria provvel" que explica a excitao sexual que foi sentida. Seguindo esta linha de raciocnio, os sonhos molhados seriam o resultado de sensaes erticas reais interpretadas com preciso pelo crebro que est sonhando. Em outras palavras, primeiro vem a ejaculao, depois vem o sonho molhado. Aparentemente, o oposto vale normalmente para os orgasmos dos sonhos lcidos. O sonho ertico vem primeiro, dando como resultado um "orgasmo no crebro". Mas nesse caso os impulsos finais que descem do crebro para os rgos genitais esto evidentemente inibidos demais para acionar o reflexo ejaculatrio dos rgos genitais. Por isso os sonhos lcidos s so molhados no sonho. Como os nossos dados so tirados apenas de uma observao de dois casos, evidentemente preciso ter cautela na interpretao desses resultados preliminares. Mas estou disposto a arriscar a concluso de que no sonho lcido a atividade sexual e a sensao de orgasmo parecem estar associadas a alteraes fisiolgicas muito parecidas com as que acontecem durante as atividades correspondentes no estado acordado. Uma exceo importante dessa concluso o fato de a atividade sexual nesses sonhos lcidos ser acompanhada apenas de aumentos muito leves da taxa cardaca. Durante a atividade sexual acordada a taxa cardaca pode duplicar ou triplicar. Este fato pode ter uma vantagem prtica. Para os pacientes que esto convalescendo de doenas do corao o sexo pode ser uma forma de exerccio perigosa e, s vezes, fatal. Contrastando com isso, parece que o sexo nos sonhos completamente seguro para qualquer pessoa; e para muitas pessoas paralticas pode ser a nica forma de alvio sexual disponvel. .rau de ignifica+,o Vimos que o sexo no sonho como o sexo "real", o canto e a contagem no sonho so como canto e contagem "reais" e o tempo no sonho como o tempo "real". E da? Voc pode estar se perguntando que diferena tudo isso faz para 'oc:. Esses resultados tm implicaes de importncia considervel para todas as pessoas que sonham: vou explicar por qu. Na experincia de cantar e contar pedimos s pessoas em estudo que fizessem duas coisas como controle. Uma foi que, estando acordadas, fizessem de fato as tarefas; a outra foi pedir que simplesmente imaginassem que estavam fazendo as mesmas tarefas. Quando olhamos o canto e a contagem imaginados, verificamos que nenhuma das duas tarefas produziu algum desvio consistente na atividade cerebral. Mas num sonho lcido cantar e contar provocaram desvios grandes, equivalentes aos que ocorreram no desempenho real dessas mesmas tarefas. sso sugere que sonhar lucidamente (e, por extenso, sonhar em geral) mais parecido com fazer realmente do que com_apenas imaginar. De acordo com uma teoria amplamente aceita entre os psiclogos e neurocientistas, quando uma pessoa imagina um objeto, aparece no crebro um esquema que muito parecido com o que aparece quando a pessoa (homem ou mulher) percebe de fato um objeto. Se isso verdade, a diferena entre imaginao (ou memria) e percepo pode ser apenas uma questo de grau, determinado pela vividez ou pela intensidade de uma sensao. Mas uma ma imaginada ou recordada no nem palpvel nem saborosa como uma ma verdadeira. Em geral as imagens e lembranas so reflexos plidos, muito menos vvidos que a percepo original. De outra forma teramos dificuldade em distinguir as sensaes internas das externas, como acontece s vezes com quem tem tendncia para alucinaes. Nossa capacidade normal de distinguir as lembranas de percepes passadas das sensaes perceptuais do momento tem um valor de sobrevivncia bvio. Quando os nossos antepassados distantes ficavam cara a cara com os tigres-de- dentes-de-sabre, os caadores que se viam inundados de imagens de lembranas muito vvidas de todos os tigres que haviam visto, sem saber de que tigre fugir, provavelmente foram comidos pelo tigre verdadeiro! Como resultado, no teriam tido descendentes, de modo que nenhum de ns tem muita probabilidade de ter herdado as imaginaes perigosas deles! Graas evoluo, ns, na maioria, herdamos a capacidade de distinguir prontamente os fatos internos dos externos, a no ser nos sonhos, claro. Mas isso ocorre porque no estado REM a parte do crebro que normalmente inibe a vividez das imagens est ela prpria inibida, permitindo que as lembranas e imagens mentais sejam libertadas com vividez em nada diminuda, como se fossem percepes do estado acordado. E isso exatamente o que achamos que so, confundindo sonhos com realidade exterior; isto , a menos que estejamos lcidos. plausvel supor que os graus variveis de vividez percebida tm sua base neurofisiolgica nas variaes correspondentes de intensidade dos esquemas da descarga dos neurnios no crebro. Sendo assim, as descries feitas pelos sonhadores lcidos, assim como os resultados das experincias descritas atrs, sugerem que o nvel de atividade cerebral associado aos sonhos lcidos comparvel atividade que acompanha as percepes acordadas, chegando a ter intensidade ainda maior que a desta. Provavelmente a vividez perceptual o critrio principal que usamos para julgar quo real uma coisa. Numa histria famosa, Samuel Johnson deu um pontap numa pedra para demonstrar o que achava que era "realmente" real. Mas se por alguma arte mgica ele estivesse sonhando naquele momento, estaria chutando uma pedra de sonho, que facilmente poderia ter sido slida e "real" como a outra. Do ponto de vista do crebro o que parece real to real quanto possvel. Tomado em conjunto, o trabalho que fizemos em Stanford reuniu muitas provas prticas de peso, que indicam que o que acontece no mundo interno dos sonhos (especialmente dos sonhos lcidos) pode provocar efeitos fsicos no crebro de quem sonha e tais efeitos no so menos reais que os provocados pelos fatos correspondentes que acontecem no mundo exterior. Os resultados das experincias resumidas neste captulo mostram que o impacto de certos comportamentos de sonho no crebro e no corpo podem ser completamente equivalentes ao impacto provocado pelos comportamentos reais correspondentes. sso se ajusta como uma luva ao fato de os sonhos serem normalmente sentidos por quem est sonhando como se fossem completamente reais e, de fato, no incomum que os sonhos (especialmente quando so lcidos) parecem mais reais que a prpria realidade. sso est longe do ponto de vista que prevalece nas sociedades ocidentais, que vem os sonhos como "nadas feitos de ar", desprovidos de significado e realidade. Ao contrrio, o que fazemos (ou deixamos de fazer) nos sonhos s vezes pode nos afetar to profundamente como o que fazemos (ou deixamos de fazer) na vida real. Creio que os nossos resultados tem inmeras implicaes curiosas. A mais estimulante parece estar nos campos da filosofia, da psicofisiologia e da neurocincia. H muito tempo estas trs matrias vm tendo um interesse constante na relao entre os mundos mental e fsico. Essa relao, ou seja, o "problema da relao entre a mente e o corpo", na realidade consiste em muitos problemas, ou ento num s problema que adquire vrias formas. Entre essas formas est saber se e como esto ligados os fatos subjetivos (mentais) do sonho e os fatos objetivos (fsicos) que acontecem no crebro de quem sonha. Neste ponto s posso dar uma resposta parcial: nossa pesquisa indica que os fatos sonhados so seguidos de perto por fatos cerebrais. O grau de ex- tenso em que este modelo de paralelismo psicofisiolgico poder dar um quadro preciso da realidade sendo uma meta para o futuro prximo. Mas sejam quais forem os detalhes em que pode acabar parecendo errado, parece que o modelo que temos neste ponto elimina empiricamente as concepes dualistas de sonhar, como a concepo preferida tradicionalmente, ou seja, a alma (ou "corpo astral") voar pelo mundo dos sonhos completamente livre do crebro e do corpo. Nossos resultados tambm devem animar os psiclogos, neurocientistas e psicofisiolgicos a tentar descobrir se h correspondncias entre a fisiologia e o comportamento (medidos objetivamente) e as sensaes subjetivas. Estamos apenas no comeo do mapeamento das relaes entre a mente e o crebro humanos, mas o trabalho que fazemos em Stanford pode nos ter levado um passo mais perto do dia em que, dentro do microcosmo do crebro humano, descobriremos a estrutura da mente. CAPTULO 5 A Sensao de Sonhar Lucidamente Vamos comear in medias res- como acontece nos sonhos: eu estava com um amigo, andando por uma trilha de montanha que subia gradualmente. Tanto quanto conseguia ver, a nica coisa em movimento era a neblina silenciosa que ocultava em mistrio os picos majestosos. Mas de repente nos vimos diante de uma ponte estreita que atravessava precariamente um abismo. Quando baixei os olhos para aquele abismo sem fundo sob a ponte, fiquei zonzo de medo e incapaz de continuar. Nisso, meu companheiro falou: "Sabe, Stephen, voc nAo precisa ir por este caminho. Pode voltar por onde viemos" e apontou para trs, para o que me pareceu uma distncia enorme. Mas nesse momento passou pela minha cabea o seguinte pensamento: se eu ficasse lcido, no teria motivo para ter medo das alturas. Uns segundos de reflexo foram suficientes para eu perceber que de fato esta'a sonhando. Recuperei a confiana e consegui atravessar a ponte e acordar. Em outro mundo de sonho, uma sonhadora annima citada por Ann Faraday viu-se enfrentando um dilema desagradvel. Tinha duas opes: ou poderia ter relaes sexuais com um "fantstico amante de sonho" que depois a estrangularia, ou simplesmente nunca mais teria relaes sexuais. Explicou que "o desejo crescente que tinha de viver uma vida plena, em vez de morrer em vida, levou-a primeira opo e, quando estava sendo levada para a arena, ficou lcida de repente". Querendo tirar o mximo proveito daquele sonho lcido, "resolveu pregar uma pea em todos eles e continuar o jogo; e enquanto ria consigo mesma, imaginando como no fim se levantaria e iria embora, o ambiente se ampliou, as cores ficaram mais fortes e ela se viu nas alturas". Mas quando a cena mudou "encontrou- se voando..." Mais tarde, ainda no sonho, refletiu que "embora tivesse estado esperando ansiosamente pelo sexo, parecia que no momento a falta de sexo no tinha importncia, pois estava desfrutando outras sensaes ainda mais estimulantes" 1 . Esta uma descrio que Oliver Fox fez de uma das aventuras que. teve num sonho lcido: . . . acabamos deixando para trs de ns o carnaval e o fogo e fomos para um caminho amarelo que conduzia a um pntano ermo. Quando chegamos ao p da- quele caminho, de repente o mesmo cresceu diante de ns e transformou-se numa estrada de luz dourada que se estendia da terra ao znite. Depois, naquela nvoa brilhante tingida de mbar apareceram inmeras formas de homens e animais, que representavam a evoluo ascendente pelos diversos estgios da civilizao. Aquelas formas foram sumindo; a estrada perdeu a cor dourada e transformou-se numa massa de crculos vibrantes de glbulos (como ovos de r) de uma cor azul arroxeada. Por sua vez, estes se transformaram de repente em "olhos de pavo"; depois, subitamente, veio a viso culminante de um pavo gigantesco cuja cauda aberta encheu os cus. Exclamei para minha mulher: "A viso do Pavo Universal!" Comovido pelo esplendor da viso, recitei um mantra em voz alta. Nesse ponto o sonho terminou 2 . As trs descries, muito diferentes entre si, exemplificam um pouco a diversidade de forma e contedo encontrada nos sonhos lcidos. Depois de ler inmeras histrias fascinantes de sonhos lcidos que vrias pessoas descreveram, voc poderia naturalmente ficar inspirado a ter os seus prprios sonhos lcidos. Os sonhos lcidos descritos neste livro do um quadro detalhado o suficiente para se poder apreciar a complexidade do fenmeno. Voc ficar bem informado a respeito do que os sonhadores lcidos di0em ter sentido, mas saber o que de fato ter um sonho lcido? Voc no pode saber o que o fogo se no for aquecido por ele (e talvez at um pouco queimado!), da mesma forma como no pode saber que gosto tem uma fruta se nunca a tiver comido, nem como o som de um quarteto de cordas de Beethoven que nunca ouviu. Exatamente do mesmo modo, impossvel saber de fato o que sonhar lucidamente enquanto voc mesmo no tiver tido um sonho lcido. Feitas as minhas ressalvas, vou procurar dar a voc uma idia do que so sonhos lcidos, generalizando as experincias mais conhecidas das suas duas vidas, a diurna e a noturna. Agora mesmo, reserve alguns minutos para observar o seu estado de percepo no momento. Em primeiro lugar, note as impresses vividas e ricamente variadas colhidas s pelo seu sentido da viso: formas, cores, movimento, dimensionalidade. Depois, registre os diversos sons recebidos pelos seus ouvidos: uma faixa diversificada de intensidades, tons e qualidades tonais, que talvez inclua o milagre corriqueiro da voz ou a maravilha da msica. Observe as dimenses de sensao oferecidas com exclusividade por cada um dos seus demais sentidos: paladar, olfato e tato. Uma introspeco contnua feita dessa maneira revela que o seu eu est contido num universo multifrio de experincias sensoriais e, embora parea estranho, est bem no centro do mesmo. Note ainda a diferena sutil, mas essencial, que o processo de reflexo acrescentou s suas sensaes. No s voc est mais consciente de todas as impresses sensoriais que acabou de ter como poder, se tentar, perceber que est notando essas coisas. Normalmente a percepo se concentra nos objetos que esto fora de ns, mas s vezes concentra-se em si mesma. Se voc focalizar a ateno em ?uem est focalizando sua ateno, ser como ficar diante de um espelho, cara a cara com o seu prprio reflexo. Esse estado interior de auto-reflexo chama-se conscincia. Estou avisando aos leitores inocentes que pretendo utilizar esta palavra exclusivamente com o significado de percepo reflexiva, como acabamos de descrever. (Conhecemos outros escritores que usam a palavra consci:ncia para indicar a capacidade mental de tomos de hidrognio! NAo % isso que tenho em mente, mas j se disse o bastante.) Pois bem, creio que voc j conseguiu descobrir o seu "olho interior" de auto-reflexo consciente. Muito bem, e agora? Para que serve? Se voc tem a liberdade em alta conta, a lgica exige que d um valor anlogo sua conscincia. Por qu? Porque a conscincia que o deixa agir com o mximo de liberdade e flexibilidade. Com a conduta habitual s conseguimos fazer o que j aprendemos. Mas com uma conduta intencional e dirigida conscientemente temos a liberdade de fazer coisas que nunca fi- zemos antes. De qualquer modo, por intermdio da conscincia. voc consegue satisfazer deliberadamente qualquer coisa do seu interesse. Agora voc poderia pr este livro de lado ou virar esta pgina. Conseguiria lembrar-se livremente de um nmero enorme de fatos da sua vida e, se fosse testado, conseguiria pensar claramente. Com algumas modificaes importantes, este esboo do que est sentindo agora pode servir de descrio de um sonho lcido. Em primeiro lugar, naquele estado voc saberia que se trata apenas de um sonho. Por causa disso o mundo que o cerca tende a se rearranjar e se transformar (o que tambm inclui os personagens do sonho) muito mais do que estamos acostumados na vida diria. Pode muito bem ocorrer uma srie de "coisas impossveis e pode acontecer que a prpria cena do sonho, em vez de desaparecer no nada, cresa em vividez e beleza at voc se achar esfregando os olhos, sem poder acreditar. Alm disso, se voc quisesse e pudesse fazer dos sonhos sua propriedade, iria encar-los como criao sua. sso implica que seria responsvel pelo que pudesse acontecer e, com isso, tudo poderia se transformar numa sensao assombrosa de liberdade: para quem sonha, lucidamente nada impossvel. nspirado por ter percebido isso, voc poderia voar para alturas jamais ousadas. Poderia querer enfrentar algum ou alguma coisa que vinha evitando por medo; poderia querer ter um encontro ertico com o parceiro mais desejvel que se pode imaginar; poderia querer visitar algum muito amado que j morreu e com quem vem desejando conversar; no sonho, poderia procurar se conhecer melhor e aumentar a sua sabedoria. As possibilidades so infinitas, o que deixa muito espao tambm para sonhos lcidos prosaicos. Por isso, importante estabelecer uma meta, algo que quer fazer na prxi ma vez que tiver um sonho lcido. Embora os detalhes do contedo de um sonho lcido variem tremendamente, h certas caractersticas dos sonhos lcidos que se aplicam maioria e talvez a todos eles. /uem 0 o on!ador1 Um sonho lcido implica um sonhador lcido. Por mais bvio que parea, aqui existem sutilezas. Em primeiro lugar, ?uem % exatamente o sonhador lcido? O sonhador lcido idntico pessoa que vemos no sonho? Ou idntico pessoa que est de fato dormindo e sonhando? De certo modo, a identidade do sonhador misteriosa; para desvendar o mistrio precisamos primeiro de uma lista de suspeitos. Poderia parecer que o suspeito mais bvio % quem est dormindo. Afinal de contas, o crebro da pessoa adormecida que est de fato formando o sonho. Mas quem est dormindo tem um libi perfeito: no estava l nem na hora do sonho nem em qualquer outra hora; estava na cama, dormindo! Quem est dormindo faz mais parte do mundo da realidade exterior do que da interior, pois podemos ver que est dormindo e testar isso objetivamente. Mas quem sonha faz parte do mundo da realidade interior: no conseguimos ver com quem, como e com que est sonhando. Por isso, temos de voltar a ateno para os habitantes do mundo dos sonhos. Normalmente apresenta-se num sonho um personagem que o sonhador considera que ele mesmo. com os olhos de sonho desse corpo de sonho que normalmente testemunhamos os fatos do sonho. Comumente o corpo de sonho quem achamos que somos enquanto estamos sonhando e parece que este o suspeito bvio. S que na verdade apenas son)amos ser aquela pessoa: esse personagem de sonho apenas uma representao de ns mesmos. Dou a esse personagem o nome de "ator de so- nho" ou "ego de sonho". O ponto de vista do ego de sonho o de um participante, voluntrio ou no, aparentemente contido num mundo multidimensional (o sonho), coisa bem anloga ao que voc provavelmente est sentindo agora na sua existncia. O fato de haver alguns sonhos em que aparentemente no representamos nenhum papel demonstra que o ator de sonho no quem est sonhando. Nesses sonhos parece que testemunhamos os fatos do sonho do lado de fora, em graus variveis. s vezes sonhamos, por exemplo, que estamos assistindo a uma pea. Enquanto a ao se desenrola no palco parece que nEs estamos pelo menos representados como presentes, embora observando passivamente. Um exemplo famoso desse tipo de sonho est no Antigo Testamento (Gnese 41:1-7): O fara sonhou: e eis que estava ao lado do rio. E eis que surgiram do rio sete vacas de boa aparncia e bem fornidas; e ficaram pastando na pradaria. E eis que depois delas surgiram do rio mais sete vacas, de m aparncia e desprovidas de carnes; e ficaram ao lado das outras vacas, na margem do rio. E as vacas de m aparncia e desprovidas de carnes devoraram as sete vacas de boa aparncia e bem fornidas. Com isso o fara acordou. Em outros casos o sonhador pode no estar presente no sonho, como aconteceu no sonho que o fara teve quando voltou a dormir: E dormiu e sonhou pela segunda vez: e eis que sete espigas de milho surgiram de uma planta, viosas e boas. E eis que depois delas brotaram sete espigas finas e maltratadas pelo vento do oriente. E as sete espigas finas devoraram as sete espigas viosas e boas. E o fara acordou e eis que fora um sonho. Dou a essa perspectiva descorporifiada o nome de "observador do sonho". O observador do sonho no est contido no sonho e fica do lado de fora do mesmo. Todo sonho contm pelo menos um ponto de vista com que podemos nos identificar: o papel que estamos representando no nosso teatro de sonho. A natureza do papel que desempenhamos ou optamos por desempenhar no sonho nos deixa vrios graus de participao, que vo da participao completa do ator de sonho ao desligamento do observador do sonho, que no participa de nada. Por isso, a resposta da pergunta "quem o sonhador lcido?" parece ser: "essa pessoa uma figura composta; em parte o ego ou ator de sonho, em parte o observador do sonho". Normalmente, no sonho h outros personagens presentes alm do que pensamos ser ns mesmos. H os personagens animados e inanimados que compem o restante das dramatis personae do sonho. E claro que, se h um nico personagem do sonho com quem nos identificamos completamente em qualquer dado momento, passa a ser o ego de sonho. Podemos sonhar, por exemplo, que estamos assistindo a uma pea da platia. Nesse ponto estamos identificados com um observador de fora. Mas se nos identificamos suficientemente com um dos atores que esto no palco, o resultado pode ser a nossa trans#orma@Ao naquele personagem. Normalmente isso acontece de modo tal que um instante depois esquecemos que estvamos sonhando com outra pessoa. A nossa tendncia de identificao com os outros to forte que esquecemos de ns mesmos nos papis que estamos representando. Desses estados de identificao, qual caracteriza o sonhador lcido: o participante ou o observador? A resposta : uma combinao de ambos. Juntando tudo, podemos dizer que o ego de sonho faz parte do mundo do sonho e tem sensaes nele, enquanto o observador do sonho no apresenta nada disso. A soma dessas duas perspectivas caracterstica de sonhar lucidamente e permite que o sonhador lcido "esteja no sonho mas no faa parte dele. Parece que sonhar lucidamente exige um equilbrio entre o desligamento e a participao. Uma pessoa que, quando est sonhando, fica ligada muito rigidamente a um papel, passa a tomar parte de forma to profunda que no consegue dar um passo atrs e ver o papel como papel. Ao contrrio, uma pessoa rigidamente desligada participa to pouco e fica to "por fora" que no se importa com o papel. Da minha prpria experincia, digo que parece que a participao um requisito prtico para sonhar lucidamente. Embora de vez em quando eu tenha sonhos em que sou um simples observador, jamais fiquei lcido em nenhum deles. Praticamente em todos os quase novecentos sonhos lcidos que registrei, sempre estive corpoficado no disfarce costumeiro de mim mesmo. S em trs casos em que percebi que estava sonhando representei papis que no foram o de "Stephen LaBerge". Essas excees so interessantes: numa, sonhei que era simplesmente um ponto de luz descorporifiado; em outra, era um conjunto de loua mgico; e na terceira era Mozart, se bem que s at ter percebido que estava sonhando. Depois senti-me "Stephen no papel de Mozart", um ator representando um papel que eu sabia que era apenas um papel. Mas de algum modo, por trs da mscara, eu no era outra pessoa, era eu. Quanto a isso pode haver diferenas individuais, mas, para mim, estar completamente corporificado (e geralmente no centro da ao) parece um pr-requisito prtico para atingir a lucidez no sonho. Ao mesmo tempo, parece necessrio haver um certo grau de desligamento para poder dar um passo atrs do papel de ego de sonho e dizer: "Tudo isto um sonho". Dizer isso % o/ser'ar o sonho, pelo menos com uma parte de ns mesmos. Por isso, ficar lcido no sonho exige tambm a perspectiva do observador, e com isso o sonhador lcido parece possuir no mnimo dois nveis de percepo diferentes. Nos meus prprios sonhos lcidos algumas vezes fiquei perplexo quando surgiu essa percepo dual. Vamos relembrar o exemplo dado no incio deste captulo: primeiro me ocorreu pensar que, se passasse a ficar lcido, no teria motivo para ter medo. E um instante depois percebi que esta'a sonhando. O fato de o sonhador lcido perceber que o prprio corpo de sonho no quem o sonhador realmente , tem implicaes importantes que vo ser retomadas num dos prximos captulos. Por agora suficiente notar que tais sonhadores lcidos percebem que seus egos so apenas modelos de si prprios e param de confundi-los consigo mesmos. 2un+3es Cogniti'as A forma que os sonhos lcidos adquirem tambm determinada pelo estado mental do sonhador lcido. Como acontece com a qualidade da nossa memria, no estado acordado o ato de pensar e a fora de vontade variam, de modo que no estado de sonho tambm variam. Na melhor das hipteses, os sonhadores lcidos conseguem raciocinar com clareza, lembrar-se livremente das coisas e agir como querem por reflexo; contudo, nem sempre apresentam essas capacidades mentais num grau muito elevado. Na verdade, h vrios graus de lucidez e provavelmente s os sonhadores lcidos que tm uma prtica relativamente grande funcionam num nvel que pode ser comparado ao dos seus me- lhores momentos acordados. Nos sonhos lcidos no incomum haver falhas de menor importncia. Por exemplo, alguns sonhadores lcidos tm dificuldade em manter uma distino clara entre os vrios mundos de sonho e o mundo fsico. Saint-Denys escreveu que sentia uma grande dificuldade em se lembrar que os outros personagens dos seus sonhos lcidos no eram de fato pessoas que estavam compartilhando o que estava sentindo. Descreveu um sonho em que estava visitando a torre de uma igreja na companhia de um amigo e admirando o panorama esplndido que se estendia na frente de ambos. Explicou que sabia muito bem que era apenas um sonho, mas assim mesmo pediu ao amigo do sonho que se lembrasse do sonho de modo que no dia seguinte, quando acordassem, pudessem conversar a respeito. Mas a maioria dos sonhadores lcidos no acha muito difcil perceber que os personagens que encontram nos sonhos lcidos so imaginrios. mais comum que fiquem confusos com o personagem que eles mesmos esto representando e achem que e(es mesmos so reais e tratem os demais personagens do sonho como inveno da imaginao de(es mesmos. Assim mesmo, os sonhadores lcidos reconhecem plenamente que todos os personagens dos seus sonhos lcidos, incluindo os egos de sonho, nada mais so que imagens. Uma variao de quo bem nos lembramos das coisas tambm conduz a diferenas no que acontece nos sonhos, lcidos, ou
no. Pode no parecer bvio, mas os nveis de percepo e memria esto interligados. O nvel inferior de conscincia do estado de sonho normal % acompanhado do esquecimento, por parte de quem est sonhando, de ter ido dormir h pouco tempo. As questes relacionadas com fatos recentes esto mais propensas a deparar com alguma "confabulao" (uma histria verossmil confundida com lembrana) do que com a memria real. Por , exemplo, se algum lhe perguntasse num sonho onde achou todo o dinheiro que est na sua mo, voc poderia responder: "Achei na sarjeta", em vez de se lembrar que de fato o encontrou no sonho! Contrastando com isso, o aparecimento pleno da auto-percepo no sonho lcido traz consigo um acesso- contnuo memria; por exemplo, o sonhador lcido consegue se lembrar de onde est dormindo naquele momento, fato muito til quando se est no laboratrio do sono. Nos sonhos lcidos h diferenas individuais no acesso memria, do mesmo modo como h com o pensamento e a volio. Um sonhador lcido relativamente traquejado disse que "em nenhum dos meus sonhos lcidos consegui raciocinar com tanta clareza ou me lembrar to bem das coisas como consigo quando estou acordado". Contrariando os resultados das experincias que fizemos no Laboratrio do Sono de Stanford, esse mesmo sonhador lcido afirma que "numa srie de experincias em que procurei me lembrar de onde estava dormindo, nunca consegui me lembrar muito especificamente" 3 . Precisamos ter em mente que nas capacidades mentais acessveis ao sonhador lcido pode haver diferenas individuais considerveis; assim mesmo, em geral parece que todas elas se aproximam das que esto disposio do indivduo quando est acordado. Moti'a+,o e E-*ectati'as Motivao o que nos faz agir. Tanto no sonho como no estado acordado a motivao assume muitas formas. Podemos distinguir quatro nveis de motivao que conseguem afetar o que acontece nos sonhos, lcidos ou no. No nvel mais baixo h as urg:ncias que, por exemplo, nos motivam no sonho a sonhar que estamos fazendo uma visita ao banheiro, quando precisamos. Depois h os deseHos- que podem nos levar a nos ver na cama com a nossa atriz de cinema preferida. Depois temos as eGpectati'as e, finalmente, os ideais ou metas. Enquanto as expectativas so caractersticas do nvel habitual do nosso comportamento, os ideais, por sua prpria natureza, so de(i/erados. S conseguimos segui-los se estivermos conscientes; por isso, s nos sonhos lcidos conseguimos agir plenamente de acordo com os nossos ideais. Essa capacidade vai se mostrar muito til para , ns mais tarde, quando discutirmos os sonhos transpessoais no Captulo 10. J que uma parte muito maior do nosso comportamento mais habitual do que deliberada-os sonhos (assim como as demais partes da vida so influenciados de modo mais penetrante pelas expectativas do que pelos ideais. O conjunto geral das expectativas que guiam as sensaes comuns que temos quando acordados tambm rege o nosso estado de sonho comum. Nos dois casos supomos tacitamente que estamos acordados e com isso as percepes que temos no sonho se distorcem para se ajustar a essa suposio. Como exemplo disso vamos usar o truque de cartas mais famoso da psicologia. Num estudo que fizeram em 1949, Bruner e Postman projetaram numa tela, com muita rapidez, cartas de baralho, pedindo aos assistentes que identificassem o que estavam vendo. Mas a armadilha estava no fato de algumas cartas no serem padronizadas, como por exemplo um s de espadas 'erme()o. No comeo as pessoas em estudo viam na carta anmala um s de copas. S depois que as cartas foram projetadas a intervalos maiores as pessoas perceberam que havia algo estranho nas cartas no padro- nizadas. Foi preciso fazer projees ainda mais longas para que a maioria das pessoas percebessem corretamente que as cartas no eram convencionais. Quando receberam alguma pista dos pesquisadores (coisas como "Embora norma(mente as espadas sejam pretas, nem sempre precisam ser") algumas pessoas conseguiram modificar o que estavam percebendo e ter conscincia das cartas heterodoxas j numa exposio muito curta. Mas algumas pessoas, mesmo recebendo a mesma pista, ficaram inseguras e pediram maior tempo de exposio, at que, finalmente, conseguiram perceber corretamente as cartas. A analogia com o sonho lcido a seguinte: do mesmo modo como as pessoas tiveram a expectativa tcita de que espadas so pretas e copas so vermelhas, tambm ns, sonhadores, normalmente supomos que estamos acordados. Quando acontecem coisas fantsticas no sonho, como ocorre frequentemente no sono REM, de algum modo assimilamos essas coisas no que consideramos possvel. Se por acaso notamos ou sentimos tais coisas como algo incomum, normalmente somos capazes de racionaliz-las. No esquema conceitual (ilusrio) de quem est sonhando, a suposio : "deve haver uma explicao lgica". Em diversas ocasies algumas pessoas me disseram que, na mesma noite em que conversaram comigo sobre sonhos lcidos, tiveram o primeiro sonho lcido. So pessoas que correspondem aos casos do estudo psicolgico que receberam as pistas com facilidade: sabiam ento que, embora no mundo fsico as incoerncias aparentes normalmente tenham "uma explicao lgica", s vezes a explicao das anomalias o que estamos sonhando. As expectativas e suposies, conscientes ou inconscientes, que voc alimenta a respeito de como so os sonhos, determinam num grau admirvel a forma exata que os seus sonhos lcidos vo tomar. Como j disse, isso se aplica igualmente bem sua vida acordada. Como exemplo do efeito das limitaes impostas ao desempenho humano, considere o mito dos dois quilmetros corridos em cinco minutos. Durante muitos anos achou-se impossvel correr to depressa assim. . . at que algum o fez e o impossvel se tornou possvel. Quase imediatamente, muitas outras pessoas foram capazes de fazer a mesma coisa. Havia sido quebrada uma barreira conceitua(. H motivos para acreditar que no mundo dos sonhos as suposies desempenham um papel ainda mais importante. Afinal de contas, no mundo fsico h limitaes reais acumuladas no nosso corpo, para no falar das restries das leis da fsica. Embora a barreira dos dois quilmetros corridos em cinco minutos no fosse intransponvel, eGistem limites absolutos para a velocidade humana: com os corpos que temos hoje, por exemplo, provavelmente impossvel correr dois quilmetros em um minuto. Mas no mundo dos sonhos as leis da fsica so seguidas por mera conveno, se que so seguidas; nos sonhos no existe gravidade. Apesar de tudo isso, na fisiologia h leis equivalentes que restringem a ao de quem est sonhando lucidamente; essas leis provm das limitaes funcionais do crebro humano. Por exemplo, parece que os sonhadores lcidos acham que, no sonho, ler (mais de uma ou duas palavras) praticamente impossvel. Como Moers-Messmer observou, nos sonhos lcidos as letras simplesmente no param quietas. Quando tentou se concentrar em palavras, as letras se transformaram em hierglifos. (Note que no estou dizendo que nunca conseguimos ler nos sonhos. Eu mesmo j tive sonhos em que fiz isso, mas no foram sonhos (!cidos- em que a escrita estava sendo produzida em resposta a uma inteno voluntria.) Outro exemplo vem de Saint-Denys, que viu que, nos sonhos lcidos, muitas vezes no foi capaz de modificar o nvel de iluminao. Tive a mesma dificuldade que Hearne apelidou "fenmeno do comutador de luz". Parece que restries fisiolgicas como esta surgem em nmero muito menor que as impostas pelas leis da fsica vida acordada e do nos sonhos mais oportunidades para que as influncias psicolgicas, como por exemplo suposies, desempenhem um papel imitante. Que essas expectativas exercem uma influncia poderosa nos fenmenos sentidos por um sonhador em particular fica exemplificado com muita vividez nos exemplos seguintes. Baseado em teorias, o filsofo russo Ouspensky acreditava que "no sono o homem no consegue pensar em si mesmo, a nAo ser ?ue o pensamento propriamente dito seHa um son)o9- Disto, concluiu que "um homem jamais consegue pronunciar o prprio nome enquanto est dormindo". Por isso, no deveria constituir surpresa o fato de Ouspensky ter dito, "como era de se esperar", que "quando pronunciava o meu prprio nome enquanto estava dormindo, imediatamente acordava" 4 . Mas que uma experincia, o exerccio de Ouspensky provavelmente deveria ser encarado como um "exemplo claro da influncia que a sensao que se tem pode exercer no que acontece nos estados de sonho. Uma das informantes de Clia Green, mencionada como "Caso C", ouviu falar das experincias daquele filsofo e testou o efeito repetindo o prprio nome num sonho lcido. Diz o seguinte: "Pensei no critrio de Ouspensky, de repetir o prprio nome da gente. Cheguei a uma espcie de vazio de conscincia de duas palavras, mas parece que surtiu algum efeito. Talvez tenha me deixado tonta; de qualquer modo, parei" 5 .' Patrcia Garfield descreveu um sonho lcido que teve e que tambm se relaciona com este assunto: "... em Esculpindo Meu Nome, comecei a fazer exatamente isso na porta onde j estava fazendo um entalhe. Li-o e percebi por que Ouspensky achava impossvel que algum dissesse o prprio nome num sonho: a atmosfera toda vibrou e tremeu, e acordei" 6 . Garfield, que tambm conhecia a experincia, do Caso C, concluiu que "no impossvel algum dizer o prprio nome num sonho, mas perturbador". Quando li a descrio de Ouspensky no aceitei a sua reao nem a sua premissa original e no consegui ver nenhum motivo pelo qual dizer o nome durante o sonho poderia apresentar alguma dificuldade. Resolvi testar a min)a expectativa e num dos meus sonhos lcidos falei a palavra mgica: "Stephen. Meu nome Stephen". Alm de ouvir a minha prpria voz, no aconteceu mais nada. Poderia parecer que a concluso foi que as experincias de Ouspensky, Garfield e Caso C foram influenciadas pelo que esperavam antecipadamente. Uma explicao alternativa poderia ser que normalmente s ouvimos o prprio nome no sono quando somos acordados por algum, e podemos fazer aquela associao no sono. Pode-se encontrar outro exemplo do efeito das suposies nos sonhos lcidos em dois pontos de vista de sexualidade opostos nesse tipo de sonho. No primeiro caso, a pessoa em estudo declarou que "perceber que se est sonhando traz uma sensao maravilhosa de liberdade, liberdade de experimentar fazer qualquer coisa na faixa ampla das sensaes". E acrescentou: A natureza da sensao de sonhar lucidamente pode atingir o misticismo, enquanto parece )a'er uma resist:ncia intr&nseca a ?ua(?uer coisa erEtica [o grifo meu]" 7 . As experincias de Patrcia Garfield apresentam um contraste ntido. Ela conta que em "bem uns dois teros" dos seus sonhos lcidos sente "o fluxo da energia sexual; em cerca da metade deles, essa excitao culmina numa exploso orgsmica". Garfield escreve o seguinte: 91 orgasmo % uma parte natura( do son)o (!cido [o grifo dela]: minha prpria experincia me convenceu de que o sonho consciente orgsmico"; e acrescenta: "inmeros alunos meus contam que nos seus sonhos lcidos tiveram sensaes de xtase semelhantes a essa; um nmero grande demais para atribuir esses fenmenos a uma peculiaridade individual minha" 8 . A questo no saber se sonhar lucidamente "naturalmente" ertico ou o oposto, pois a resposta provvel que no nem uma coisa nem outra. E mais provvel que seja uma questo de "tal sonhador, tal sonho". Desses exemplos podemos tirar duas lies relacionadas. A primeira que as suposies que o sonhador faz a respeito do que poder acontecer num sonho lcido podem determinar totalmente ou em parte o ?ue acontece. A segunda lio uma espcie de corolrio, a saber: na fenomenologia do sonho lcido as diferenas individuais podem ter muito significado. 4ariedades de A+,o5 A /uest,o do Controle As aes dos sonhadores lcidos variam na mesma faixa (de simples a complexas) em que variam quando eles esto acordados. Algumas das nossas aes so re#(eGas- como no caso de andarmos no sonho lcido sem perder o equilbrio. Outras so instinti'as- como no caso de correr quando estamos com medo. Outras so )a/ituais- como no caso de dirigirmos o carro para o trabalho mesmo sabendo que estamos sonhando. Finalmente, algumas das nossas aes so de(i/eradas- por exemplo quando resistimos e no fugimos, mesmo estando assustados com o que est acontecendo no sonho. (No agir pode ser em si uma forma de ao deliberada.) Coloquei essas quatro formas de ao numa ordem que vai do mais inconsciente e automtico ao mais consciente e voluntrio. Quanto mais alto o nvel em que estamos agindo, mais liberdade temos. Mas liberdade significa escolha e nem sempre queremos ter de escolher (e de qualquer modo, na maioria das vezes sempre escolhemos a mesma coisa)..Por outro lado, h vezes em que a ao deliberada muito mais adaptvel que a ao habitual ou instintiva, como no caso de preferirmos no correr quando estamos com medo e, em vez disso, resolvermos voluntariamente enfrentar os medos e domin-los. A maior parte do nosso comportamento consiste em combinaes complexas dos quatro nveis de ao. O nvel mais alto disponvel para ns depende do nosso grau de percepo consciente no momento. A ao voluntria e consciente est muito mais disponvel para os sonhadores lcidos do que para os no lcidos. Parece que o sonhador lcido que j tem prtica capaz de exercer a livre escolha nos sonhos no mnimo to livremente como quando est acordado. Do mesmo modo que voc tem liberdade de ler ou no a prxima frase, o sonhador lcido capaz de escolher o que vai fazer em seguida, como fica exemplificado por este sonho de Saint-Denys: . . . sonhei que estava montado a cavalo, num tempo muito bom. Fiquei consciente da minha situao verdadeira e me lembrei da questo de poder ou no exercer minha vontade no controle da minhas aes no sonho. "Pois bem", disse a mim mesmo, "Este cavalo uma iluso; estes campos que estou atravessando so um mero cenrio de palco." Mas mesmo se eu no tivesse evocado essas imagens por volio consciente, certamente parece que consigo control-las. Decido galopar, e galopo; decido parar, e paro. Agora h duas estradas na minha frente. Parece que a da direita mergulha numa mata densa; a da esquerda parece levar a algum tipo de manso em runas; sinto muito distintamente que tenho liberdade de escolher ir para a direita ou para a esquerda e com isso decidir por mim mesmo se desejo formar imagens relacionadas s runas ou imagens relacionadas mata 9 . Em qualquer caso, parece que a capacidade de agir voluntariamente um dos aspectos mais fascinantes dos sonhos lcidos. Geralmente os sonhadores lcidos ficam satisfeitssimos quando descobrem que aparentemente podem fazer o que quiserem. Por exemplo, s precisam declarar revogada a lei da gravidade e j esto flutuando. Podem visitar o Himalaia e escalar o pico mais alto sem cordas nem guias; podem at explorar o sistema solar sem usar trajes espaciais! sso levanta duas questes relacionadas ao controle de sonhar lucidamente. A primeira : at que ponto possvel? Parece que isso depende de diversos fatores: do grau de experincia do sonhador lcido; do grau de desenvolvimento que atingiu no estado acordado; das suposies que faz a respeito dos sonhos lcidos e do seu controle. Alm desses fatores .psicolgicos, parece que tambm h determinantes fisiolgicos. O estado momentneo do crebro do sonhador lcido limita o grau de controle deliberado disponvel; isso especialmente verdade, no que se refere ao controle voluntrio do ambiente do sonho, em contraposio ao ego de sonho. O prprio Saint-Denys admitiu que nunca conseguiu controlar todas as partes de um sonho. Por outro lado, os tibetanos afirmam que os mestres do yoga de sonhos lcidos conseguem fazer praticamente qualquer coisa nos sonhos, incluindo visitar qualquer domnio da existncia. A segunda questo referente ao controle do sonho implica o tipo de controle desejvel. Podemos fazer uma distino entre dois tipos de controle dos sonhos. Um implica manipulao mgica dos personagens dos sonhos que no so o ego de sonho, ou seja, um controle "dos personagens" ou "do ego". o tipo de controle que nem sempre funciona (para qualquer um de ns, com exceo dos mestres muito adiantados), mas ainda assim essa limitao pode ser de fato uma bno: se aprendssemos a resolver os nossos problemas nos sonhos lcidos por meio de uma modificao mgica do seu contedo, poderamos esperar (erroneamente) fazer a mesma coisa na vida acordada. Suponha, por exemplo, que no meu "sonho do ogre" eu tivesse preferido transformar o meu adversrio num sapo, e fosse de fato capaz de eliminar desse modo o que estava me desagradando. Em que isso me ajudaria se, em outra ocasio, eu me visse num conflito com um chefe ou outra figura de autoridade que eu poderia muito bem estar encarando como um ogre, apesar de estar acordado? Transform-lo num sapo dificilmente seria prtico; mas uma mudana de atitude poderia resolver a situao. O outro tipo de controle disponvel para os sonhadores lcidos o autocontro(e- exercido sobre o nosso prprio ego de sonho. Temos liberdade de regular as nossas reaes ao contedo do sonho e o que aprendemos quando fazemos isso se aplica prontamente tambm nossa vida acordada; com isso, sonhamos a fim de aprender a viver melhor tanto de dia como de noite. Por exemplo, no meu "sonho do ogre", confrontando o monstro adquiri uma medida de autocontrole e confiana que poderia me ser muito til na vida acordada. Por esse motivo, entre outros, eu aconselharia o sonhador lcido e sensato: "Controle-se, no controle os seus sonhos". /ualidade Emocional Que tal a gente se sente num sonho lcido? uma pergunta que muitos leitores podem estar fazendo. Como j foi dito, o que se sente nos sonhos-lcidos, ao mesmo tempo que % geralmente positivo ou relativamente neutro, pode variar na escala inteira das emoes humanas: da agonia (mitigada pela verificao de "tudo no passar de um sonho") ao xtase ou beatitude religiosa ou sexual. A verificao de estar sonhando geralmente acompanhada de emoes muito positivas, como deveria ficar claro pela amostra de citaes que damos a seguir. Para Rapport, a chegada da lucidez transformou "instantaneamente" o seu sonho "numa viso de beleza impossvel de ser transmitida" 10 . Para Faraday, "imediatamente a luz ficou quase sobrenaturalmente intensa (...) o espao parecia mais expandido e mais profundo, exatamente como acontece quando se usam as drogas psicodlicas" 11 . Analogamente, para Yram (1967), "a transformao foi instantnea. Como se estivesse submetido a um encanto mgico, fiquei de repente com cabea to clara como nos melhores momentos da minha vida fsica" 12 . Fox (1962) descreveu o comeo da sua primeira experincia de lucidez da seguinte maneira: "nstantaneamente, a vividez da vida aumentou com cem vezes (...) jamais havia me sentido to absolutamente bem, de crebro to claro, to divinamente poderoso, to inexprimivelmente (i're9 13 . Evidentemente estes so os casos mais extraordinrios. Mas at os sonhos lcidos mais prosaicos tendem a vir com senso inconfundvel de entusiasmo e satisfao. sso ainda acontece comigo, depois de centenas de sonhos lcidos; apesar de ter acabado a novidade, parece que de algum modo a excitao continua. excitao emocional que acompanha caracteristicamente o comeo dos sonhos lcidos apresenta um certo problema aos sonhadores lcidos, especialmente os novatos. a tendncia a acordar imediatamente, particularmente se a lucidez comea durante um pesadelo. A soluo J simplesmente expressa assim: "No entre em pnico! Fique calmo". No comeo mais fcil dizer o que fazer, mas com a prtica a reao fica automtica e acaba ocorrendo sem esforos. Segundo Clia Green, "os sonhadores lcidos habituais so quase unnimes em dar grande nfase importncia que o desligamento emocional tem no prolongamento da experincia e na reteno de um alto grau de lucidez" 14 . Aqui h duas questes implicadas. Uma guardar-se da perda de lucidez. Um perigo da participao emocional est em que a percepo consciente do sonhador lcido pode ser reabsorvida pelo sonho e, quando o sonhador lcido fica absorvido emocionalmente, reidentifica-se com o papel que tem no sonho. um problema em geral mais sentido pelos iniciantes do que pelos sonhadores lcidos traquejados e, com prtica, fcil aprender a manter a lucidez, apesar da participao emocional intensa do sonho. A segunda questo, que prolongar o estado de sonho lcido, tambm exige um certo grau de controle emocional. Mas os sonhadores lcidos no so nada unnimes com relao ao grau em que isso % necessrio. Num dos extremos, o "Caso A" de Green afirma que "o desligamento emocional de importncia fundamental" 15 . Oliver Fox parecia sentir a mesma coisa: Era muito difcil manter o papel de observador impessoal naquele estranho Mundo dos Sonhos e perceber que, se eu deixasse que as minhas emoes assumissem a maior parte do meu controle mental, o sonho terminaria abruptamente. Eu entrava num restaurante e pedia uma refeio, s para, da a pouco, acordar depois de ter saboreado apenas os primeiros bocados. . . ' Analogamente, ia ao teatro mas nunca conseguia ficar no sonho mais de alguns minutos depois de levantada a cortina, porque o meu interesse crescente na pea interrompia o meu controle mental da experincia. Encontrava uma mulher fascinante e at falava um pouco com ela, mas o mero pensamento de um possvel abrao era fatal 16 . O que mais ameaa os sonhos lcidos e provoca um despertar prematuro provavelmente mais o con#(ito emocional do que as emoes em geral. O que, para Fox, constitua algo em que "simplesmente pensar. . . era fatal" para o seu sonho lcido, foi levado muito mais adiante por outros sonhadores lcidos, talvez menos inibidos. Garfield, por exemplo, escreve que nas primeiras experincias que teve com sonhos lcidos acordou imediatamente antes, no momento ou imediatamente depois do orgasmo. Depois, com a prtica, medida que foi ficando sexualmente desinibida na vida acordada, "comeou a sentir orgasmos de sonho de intensidade profunda, com uma totalidade de si mesma que s em poucas ocasies atingia no estado acordado e viu-se rebentando em sensaes de fazer tremer a alma e o corpo" 17 . 132 /ualidade Perce*tual Da mesma forma que nos seus aspectos cognitivos e emocionais, os sonhos lcidos variam tremendamente em termos da qualidade perceptual da experincia. Em alguns sonos a cena fica iluminada fracamente ou delineada vagamente; outros tiram o flego do sonhador lcido com sua beleza intensa e com detalhes extravagantes. Alguns parecem ser de fato "mais reais que a realidade". Mas em geral parece que o sonho lcido mais perceptualmente vvido que o sonho no lcido. H no mnimo duas fontes que apoiam este ponto. Uma fonte, indireta, a nossa pesquisa psicofisiolgica indicar que os sonhos lcidos so caracterizados por uma ativao cerebral relativamente intensa que provavelmente est correlacionada com a vividez perceptual. A psicloga Jayne Gackenbach uma das principais autoridades em sonhos lcidos. Chefiando uma equipe da Universidade de owa do Norte, fez estudos amplos dos fatores pessoais que influem na capacidade de sonhar lucidamente, assim como das diferenas de contedo dos sonhos lcidos e no lcidos. Uma coisa que relevante neste ponto: Gackenbach demonstrou que os sonhos lcidos eram de fato mais vvidos que os sonhos comuns 18 . Completamos o nosso esboo das dimenses do mundo dos sonhos lcidos. Tendo considerado como estar num sonho lcido, vamos perguntar agora: como os sonhadores lcidos chegam l? Entrada no Estado dos on!os L(cidos Sonhar lucidamente pode ser conceitualizado como a unio de dois elementos separados, sonhar e ficar consciente. Assim sendo, o sonho lcido pode comear "de duas maneiras gerais: partindo do estado de sonho, enquanto a pessoa est sonhando e acrescentada a percepo. No segundo caso o estado inicial de conscincia acordada, enquanto no primeiro caso o estado inicial de sonho no lcido, ou sonho comum. A forma mais comum do incio do sonho lcido ocorre quando, durante o sonho, o sonhador percebe que est sonhando. Essa percepo pode ser gradual ou relativamente instantnea. Quando uma percepo gradual, s vezes apresenta duas fases distintas. O sonho lcido que abre este captulo oferece um exemplo deste processo de duas partes. Em outro exemplo, eu estava manipulando magicamente parte do meu ambiente de sonho quando me ocorreu pensar que, se sasse por uma porta que havia na minha frente, nesse momento ficaria lcido; e foi exatamente o que aconteceu. Para o sonhador inexperiente mais provvel que a lucidez venha num pesadelo ou num sonho de ansiedade. J vimos inmeros exemplos de sonhos lcidos iniciados pela ansiedade. Comumente tambm h outras emoes (como constrangimento ou satisfao) associadas ao incio da lucidez. Mas para a maior parte dos sonhadores a percepo da anomalia (incoerncia ou fantasia) o fator que leva com maior frequncia percepo consciente nos sonhos. Na maior parte dos casos o contedo anmalo dos sonhos no totalmente reconhecido como tal por quem est sonhando. Dependendo do grau em que a realidade testada, o sonhador atinge um grau varivel de lucidez. Oliver Fox acreditava que a chave do sonho lcido o pensamento crtico e ofereceu uma descrio sem igual dos graus progressivos de realidade, testando e aumentando a percepo da anomalia: Suponhamos, por exemplo, que no meu sonho eu esteja num caf. Numa mesa perto da minha h uma mulher que seria muito atraente se no tivesse quatro olhos. Aqui temos alguns exemplos daqueles graus de atividade da faculdade crtica: 1. No sonho est praticamente latente, mas ao acordar tenho a sensao de haver alguma coisa esquisita com aquela mulher. Subitamente percebo: "Mas claro, ela tem quatro olhos!" 2. No sonho mostro uma surpresa fraca e digo: "Que
coisa curiosa, aquela moa tem quatro olhos. um estrago para ela". Mas apenas da mesma forma como poderia ter dito: "Que pena, ela quebrou o nariz. Como teria feito isso?" 3. A faculdade crtica est mais acordada e os quatro olhos so considerados anormais; mas o fenmeno no apreciado na totalidade. Exclamo: "Meu Deus!" e logo me reasseguro, acrescentando: "Na cidade deve estar havendo um espetculo de monstruosidades ou algum circo". Com isso, fico pairando na beira da percepo mais ainda no chego l. 4. Agora a minha faculdade crtica est completamente acordada e se recusa firmemente a ser satisfeita com essa explicao. Continuo o meu trem de pensamento: "Mas nunca existiu uma monstruosidade assim! Um adulto de quatro olhos? Imposs&'e(. Estou sonhando" 19 . Freqentemente, um sonhador para quem surge a questo da realidade de uma situao resolve que est de fato acordado e nAo est sonhando. Um sonho no qual quem est sonhando levanta esta questo em algum ponto, sem chegar concluso certa, chama-se sonho "pr-lcido". Em geral esses sonhos pr-lcidos so resultado de testar a realidade de forma parcial ou inadequada, como no caso do terceiro estgio de Fox. Os sonhadores que suspeitam estar sonhando podem testar seu prprio estado de vrios modos. Mas poucos desses testes so de fato eficientes para se fazer uma distino entre sonhar e estar acordado. Por exemplo, os sonhadores pr-lcidos costumam concluir que no poderiam estar sonhando porque tudo parecia to slido e to vividamente real. Ou, de acordo com o teste, podem beliscar a si mesmos. Na maior parte das vezes isso tem o dom de no acordar a pessoa que est sonhando e sim apenas provocar a sensao de um belisco! 135 Um teste melhor, que usado por muitos sonhadores lcidos, procurar voar. Acho este mtodo muito eficiente na forma de simplesmente tentar prolongar um salto no ar. Mas o teste mais digno de confiana, na minha opinio, o seguinte: acho alguma coisa escrita e leio-a uma vez (quando consigo), desvio o olhar, depois leio-a de novo, verificando para ver se continua igual; em todos os meus sonhos lcidos at agora este teste tem dado certo. Os sonhos so mais prontamente distinguveis das percepes acordadas, mais na base sua instabilidade do que da vividez. Mas a ltima palavra em teste da realidade foi sugerida por Charles McCreery, que observa que quando estamos acordados nunca ficamos na dvida de estar acordados ou no. Por isso, se voc estiver em dvida se est sonhando ou no, provavelmente est! Com a prtica a percepo da anomalia pode levar diretamente lucidez, sem necessidade de testar explicitamente a realidade. No meu caso, quando acontece alguma coisa esquisita no sonho, j no pergunto "Estou sonhando?" Simplesmente percebo que estou, como vemos no seguinte sonho: Estava andando por uma rua conhecida quando notei algo que a princpio pensei que fosse uma igreja nova - e muito imponente. Examinando-a mais de perto percebi que aquela estrutura majestosa era de fato uma magnfica mesquita. Refleti que, como havia estado naquela rua apenas uma semana antes, s havia um modo de ter perdido uma vista to impressionante: devia estar sonhando! Quando me aproximei daquela maravilha, com uma mistura de curiosidade e assombro, da enorme roscea veio o tema do filme ontatos imediatos do terceiro grau em tons de rgos que fizeram a rua tremer embaixo dos meus ps. Fiquei entusiasmado por ter "percebido" que estava de fato na presena de uma nave espacial disfarada. Ainda completamente lcido e cheio de uma excitao incrvel (se bem que no livre de trepidao), subi os degraus e entrei na luz brilhante que se derramava pela porta aberta. O que aconteceu em seguida no sei dizer, pois quando acordei todas as minhas tentativas de recuperar as lembranas daquela viso falharam completamente. Algumas vezes a memEria pode desempenhar um papel importante na iniciao da lucidez. As vezes o sonhador lcido ""percebe que est sonhando como resultado aparente de d%HI re': uma recordao aparente de j ter tido antes um sonho parecido com aquele. sso fica exemplificado com outra experincia minha: estava andando com M. quando reconheci que estvamos num lugar com que eu j havia sonhado antes, o "museu das invenes no inventadas", e que aquilo era de fato um sonho. Pensei que M. gostaria de ter sonhos lcidos, mas aquele "M." era um personagem de sonho, no o meu amigo de verdade. Assim mesmo, sugeri a ele que, mesmo sendo um personagem de sonho, talvez conseguisse perceber que estava sonhando. Talvez tivesse percebido, porque, da minha parte, posso dizer que acordei! ntimamente relacionados so os sonhos lcidos em que a pessoa que est sonhando percebe que est sonhando por meio de uma pista de memEria em particular. Numa dzia de sonhos lcidos percebi que estava dormindo porque notei que parecia que as minhas lentes de contato estavam se multiplicando. Depois de um sonho no lcido em que havia ocorrido aquela multiplicao, refleti que, por aquilo, deveria ter percebido que estava sonhando. Pouco tempo depois a imagem voltou e eu disse a mim mesmo: "Se isto fosse um sonho, seria um sonho!" Depois de repetir o teste, percebi o que aquilo implicava e fiquei lcido. , Em outros sonhos semelhantes que tive depois (naqueles instantes antes de perceber completamente que estava sonhando), refleti, de formas variadas: "Pena que no sonho, caso em que seria um sonho"; "sso prova que isto pode acontecer na vida acordada da mesma maneira que nos sonhos"; e, citando a mim mesmo em caoada, "Se isto fosse um sonho, seria um sonho". Na maioria dos meus outros sonhos lcidos, no momento em que percebo explicitamente que estou sonhando, parece que j estou implicitamente consciente do meu estado. Mas durante os sonhos em que a lucidez estimulada por uma pista da memria, normalmente no tenho a menor suspeita de estar sonhando. Por isso, quando sou impelido, pela lgica, a concluir que devo estar sonhando, fico completamente pasmado. Os leitores podem imaginar o meu estado considerando o choque e o assombro que sentiriam se, enquanto estivessem lendo esta frase, descobrissem sem a menor sombra de dvida que estavam sonhando agora> A auto-re#(eGAo durante os sonhos geralmente leva lucidez os sonhadores lcidos mais experimentados. No meu prprio caso, normalmente observo que estou desejando que as coisas acon- team, ou me entregando mgica ou empenhado na "composio, de um sonho", e percebo que devo estar sonhando. Num caso, se no estivesse sonhando, estaria morto: dirigindo muito depressa, levei o carro para uma rua que estava bloqueada por um caminho-tanque. Mas tive a habilidade mgica de evitar a coliso e, como me recordei de outras revises da realidade que havia andado fazendo, percebi que deveria estar sonhando. Parece que o smbolo de sonho mais comum que surge na iniciao da lucidez a luz. A luz um smbolo muito natural para a percepo consciente. Karl Scherner, um dos trs grandes pioneiros da pesquisa dos sonhos do sculo XX, escreveu em 1861 o seguinte: "Nos sonhos a luz a expresso de pensamento claro e de agudeza da vontade". Scott Sparrow d vrios exemplos de sonhos lcidos aparentemente iniciados pelo aparecimento de luz. Num deles conta que quando estava sentado ao ar livre compondo um discurso, olhou para o cu do Oriente e viu uma "grande orbe de luz branca de tamanho igual a muitas vezes o tamanho da lua" 20 . Com isso, percebeu que estava sonhando. difcil classificar a forma de alguns sonhos lcidos. O seguinte, por exemplo, rene elementos de anomalias e de representao simblica: "No meu sonho eu estava atravessando uma sala ampla onde vrias pessoas estavam reunidas quando vi uma pomba, de um branco muito puro, voar obliquamente e pousar na minha fronte. mediatamente, vi-me num estado de projeo consciente [lucidez] e aproveitei a ocasio *ara sair e visitar uns amigos". O sonhador ficou especialmente impressionado com a iniciao repentina da lucidez, acrescentando que "logo que a pomba se encostou em mim, a transforma+,o foi instantnea. Como se eu estivesse submetido a um encanto m%gico6 de repente fiquei com a cabea to clara como nos mel!ores momentos da minha vida fsica" 21 . H cinco anos tive uma experincia interessante6 que *ode esclarecer a noo de estmulo simblico da lucide7. Um amigo e eu estvamos viajando num trem ao longo do Oceano". Eu estava debruado despreocupadamente na janela absorvendo a paisagem, quando a bela intensidade profunda do mar me levou a admir-lo em voz alta. Nesse mesmo instante uma espcie de falco pousou num galho prximo e, sem pensar, estendi imediatamente a mo na sua direo. Para meu prazer e surpresa, a ave pousou na minha mo estendida e nesse instante me lembrei de um ditado sufista: Quando um pssaro pousar na sua mo estendida, Nesse momento voc entender. Foi admirvel, mas entendi imediatamente: entendi que estava sonhando! Quanto ao meu amigo e ave, saram da histria, pois o sonho desapareceu. Desde que comecei a usar a memria como tcnica de induo de sonhos lcidos (veja 8M9L:86 no Captulo ;<6 ten!o tido "ocasies cada vez mais frequentes em que fiquei lcido sem haver nada fora do normal no contedo do meu sonho. Nessas ocasies simplesmente me lembro que estou sonhando; "Ah, sim. sto um sonho". Como resultado de praticar a MLD, certa manh tive sonhos lcidos desse tipo nos trs perodos sucessivos de sono PEM. Aqui vai a parte relevante do terceiro: eu estava na cama olhando um livro de figuras cujo ttulo era algo como Ban@a e m$gica russas. Como nos dois sonhos anteriores, de repente simplesmente me (em/rei que naquele momento estava fazendo o que queria me lembrar de reconhecer: sonhando. Vimos exemplos dos trs modos principais que os sonhadores usam para reconhecer que esto sonhando: a percepo das incoerncias, a excitao emocional e uma espcie de percepo direta da natureza de sonho da experincia por que passou. So os ativadores principais da percepo no estado de sonho. Mas no sonho a percepo consciente tambm pode ser iniciada a partir do estado acordado:' Quando estamos comeando a dormir possvel manter uma conscincia reflexa contnua e, com isso, entrar num sonho lcido partindo diretamente do estado acordado. Comigo, em condies normais essa forma de iniciao relativamente rara: responsvel por cerca de oito por cento do total dos meus sonhos lcidos. Mas em circunstncias de motivao extraordinariamente elevada (caracterstica das noites que passei no laboratrio do sono) a minha proporo de sonhos lcidos iniciados a partir do estado acordado aumentou cinco vezes, o que sugere que essa forma de iniciao uma tcnica que melhora com a motivao e a prtica. De fato, o cultivo dessa tcnica foi descrito pelos yogues tibetanos, pelo psiquiatra americano Nathan Rapport, pelo filsofo russo Ouspensky e (como o leitor vai descobrir no Captulo 6) pelo autor deste livro. Na minha induo caracterstica desse tipo, estou deitado na cama, no comeo da manh ou da tarde, tendo acordado de um sonho; algumas vezes aparecem imagens hipnaggicas (estabelecimento do sono) e logo me encontro completamente na cena do sonho, e lcido. Estando eu no estado de sonho, o sonho lcido continua exatamente como os outros. Temos aqui a descrio de um dos sonhos lcidos de Ouspensky, iniciados a partir do estado acordado: Estou comeando a dormir. Diante dos meus olhos aparecem e desaparecem pontos dourados, fagulhas e estrelinhas. . . Do primeiro ao ltimo momento fiquei observando como os desenhos apareceram e como se transformaram numa rede de malhas regulares. Depois a rede dourada transformou-se nos capacetes dos soldados romanos. A pulsao que eu estava ouvindo transformou-se na cadncia ritmada do destacamento militar em marcha. A sensao dessa pulsao significa a descontrao de muitos musculozinhos, o que, por sua vez, provoca uma sensao de estouvamento irresponsvel. Tive essa sensao quando estava sentado no peitoril da janela de uma casa a(ta e, olhando para baixo, vi os soldados; e quando aquela sensao aumentou um pouco, levantei-me da janela e sobrevoei o golfo. Por associao com o mar, aquilo imediatamente trouxe consigo o vento e o sol e, se eu no houvesse acordado, provavelmente no momento seguinte do sonho teria me encontrado em alto-mar, num navio, e assim por diante 22 . Este mtodo de iniciar os sonhos lcidos rene auto-reflexo e memria. Conseguir observar que as imagens do sonho so imagens requer um equilbrio entre participao e desligamento. No Captulo 6 damos alguns mtodos de cultivar este modo de iniciar um sonho lcido. Agora, tendo visto como os sonhos lcidos so iniciados, vamos ver como costumam acabar. Termina+,o do Estado de on!o Como o sonho lcido um composto de lucidez e do estado de sonho e como, em princpio, h dois modos de iniciar um sonho lcido, h tambm duas possibilidades gerais de termin-lo: ou a lucidez perdida enquanto o sonho continua ou o sonho termina com o despertar. Provavelmente o primeiro modo o mais comum entre os sonhadores menos experientes. Os nefitos tendem mais a perder a lucidez logo que a adquirem. Scott Sparrow observa que "quando os sonhos lcidos comeam a entrar na vida de um indivduo, tendem a ser raros e ter pouca durao". Dessa maneira, depois de ter ficado lcido, ao menos momentaneamente, comum o sonhador inexperiente ficar absorvido pelo sonho, esquecendo que um sonho e continuando a sonhar no lucidamente. O esquecimento pode ser anulado se repetirmos para ns mesmos: "sto um sonho". Mas depois essa conversa dispensvel. No meu caso a lucidez foi perdida em cerca de vinte por cento dos sonhos lcidos que tive e registrei (e com isso me lembrei) no primeiro ano do meu trabalho; foi perdida em um por cento ou menos durante os anos subsequentes. Para os sonhadores lcidos traquejados a terminao da lucidez pelo despertar mais comum que a perda da lucidez caracterstica dos principiantes. Normalmente, durante essa transio entre estar dormindo e estar acordado h um grau de continuidade da percepo. Contrastando com isso, quando acordamos de um sonho no lcido h uma confuso momentnea, pois estamos fazendo a transio do ego no lcido para o ego acordado. Mas quando acordamos de um sonho lcido no h essa transio, visto que o ego do sonho lcido idntico ao ego acordado. H mais de dois modos possveis de terminar um sonho lcido. Um a pessoa que est sonhando entrar no sono sem REM e parar de sonhar. Caracteristicamente, quando a pessoa que est sonhando acordada nesse ponto, no se lembra de nada. No outro caso em que a lucidez perdida a pessoa son)a que acordou. Estes ltimos sonhos chamam-se "falsos despertares" e so complementos de sonhos lcidos mencionados com bastante frequncia. s vezes os falsos despertares ocorrem repetidamente e parece que o sonhador lcido acorda muitas vezes e cada vez descobre que ainda est sonhando. Em alguns casos o sonhador lcido chega a contar literalmente dezenas de falsos despertares, antes de acabar acordando "de verdade". Aqui temos um exemplo dos vrios despertares falsos de Delage (veja Captulo 2): 142 Certa noite fui acordado por ama batida urgente na , porta do meu quarto. Ergui- me e perguntei: "Quem est a?" A resposta veio na voz de Marty (o encarregado do laboratrio: 97onsieur- % madatne H------9 (algum que estava morando na cidade na poca e fazia parte do meu crculo de amizades) "que est pedindo que v imediatamente sua casa para ver mademoise((e P------, que ficou doente de repente. K7ademoise((e P------ fazia mesmo parte da casa de madatne H------ e tambm era conhecida minha.) "S me d tempo para me vestir", disse eu, "j vou correndo". Vesti-me apressadamente, mas antes de sair fui ao toucador e passei uma esponja mida no rosto. A sensao da gua fria me despertou e percebi que havia sonhado com tudo o que acontecera antes e ningum havia vindo me chamar. Com isso, voltei a dormir. Mas pouco tempo depois ouvi de novo a mesma batida minha porta. "Como, monsieur- ento o se- nhor no vem?" "Meus Deus! Ento mesmo verdade? Pensei estar sonhando! 1 ' "De modo algum. Apresse-se. Esto esperando pelo senhor." "Est bem, vou correndo." Tornei a me vestir e mais uma vez fui ao toucador e passei a esponja de gua fria no rosto e, de novo, a sensao da gua fria me acordou e me fez compreender que havia sido decepcionado por uma repetio do mesmo sonho. Voltei para a cama e pus-me a dormir de novo. A mesma cena se desenrolou, quase identicamente, mais duas vezes. Quando na manh seguinte Delage acordou "de verdade", viu que "toda a srie de atos, raciocnios e pensamentos no tinha passado de um sonho, mas um sonho que se repetiu quatro vezes em seguida, sem nenhuma interrupo do sono e sem que tivesse me mexido na cama" 23 . Embora tambm hajam descries em que o falso despertar segue um sonho no lcido, parece que ser mais associado com sonhos lcidos provavelmente porque s nestes normalmente levantada a questo de se estar acordado ou dormindo. Alm do mais, parece que o falso despertar ocorre com maior frequncia para os sonhadores lcidos traquejados do que para os inexperientes. (Tive esse tipo de despertar em aproximadamente quinze por cento dos meus, sonhos lcidos registrados no primeiro ano de estudo e cerca de um tero nos cinco anos seguintes.) Provavelmente a diferena explicada pelo seguinte fato: quanto mais sonhos lcidos a pessoa tem, mais associa o despertar com o desaparecimento do sonho lcido e, com isso, espera com mais fora despertar quando o sonho desaparece. De vez em quando a pessoa que est sonhando pode achar que um falso despertar um sonho. Mas em geral isso difcil, porque a pessoa H$ acredita que est acordada e nunca pensa em questionar essa suposio. Nas minhas primeiras experincias com sonhos lcidos tive quase quarenta falsos despertares sem reconhec-los como sonhos. Considerando a bizarrice de alguns daqueles sonhos, comecei a me sentir um tanto constrangido por continuar a me iludir com eles! Finalmente meu amor- prprio exigiu que tentasse controlar aqueles falsos despertares e, com um esforo surpreendentemente pequeno, consegui isso, descobrindo que o que estava me iludindo era a minha expectativa de acordar. Tudo o que precisava fazer era mudar a minha expectativa do que iria acontecer no final aparente de um sonho lcido. Simplesmente esperando um despertar "falso" em vez de um verdadeiro, consegui manter a lucidez durante a maioria dos sonhos subsequentes. A T0cnica de "odo*iar Recentemente desenvolvi uma tcnica para impedir o despertar e provocar novas cenas de sonhos lcidos vontade. Vinha me preocupando com o seguinte problema: em geral a descoberta da lucidez leva a um despertar imediato e corta pela raiz o que, se no fosse isso, poderia ser um sonho lcido gratificante. Como os atos dos sonhos tm efeitos fsicos correspondentes, raciocinei que descontrair o corpo fsico poderia inibir o despertar, pela diminuio da tenso muscular do corpo fsico. No sonho lcido seguinte testei a ideia. Quando o sonho comeou a desaparecer, descontra completamente e me deixei cair no cho do sonho. Assim mesmo, contrariando a minha inteno, parece que acordei. Mas, como descobri uns minutos depois, tinha sido de fato um despertar falso. Repeti mais umas vezes a mesma coisa em outros sonhos e aquele efeito se confirmou e sugeriu que aparentemente o elemento essencial no era a des-rcontrao que tentei fazer e sim a sensao de movimento. Em vrios outros sonhos lcidos que tive depois testei diversos movimentos de sonho e verifiquei que cair de costas e rodopiar eram especialmente eficientes para provocar sonhos lcidos a partir do estado acordado. A tcnica muito simples. Logo que, no sonho lcido, a minha viso comea a sumir, caio de costas ou rodopio como um pio (com o meu corpo de sonho, claro!). Para que o mtodo funcione importante ter um sentido vvido de movimento. Normalmente esse processo gera uma nova cena de sonho, que em geral representa o quarto onde estou dormindo. Relembrando repetidamente a mim mesmo que estou sonhando durante essa transio, consigo continuar a sonhar lucidamente na nova cena. Sem esse esforo especial de ateno, geralmente confundo o novo sonho com um despertar real; e isso apesar das frequentes manifestaes de absurdo contidas no sonho! O mtodo muito eficiente. Da centena de sonhos lcidos registrados nos ltimos seis meses do arquivo de trs anos que apresentei na tese de doutoramento, usei essa tcnica quarenta por cento do tempo e em oitenta e cinco por cento desses casos foram gerados sonhos novos. Em noventa e sete por cento dos sonhos novos a percepo lcida se manteve. Quando o rodopio levava a um novo sonho, quase sempre a nova cena de sonho se parecia muito com a cama em que eu estava dormindo ou com algum outro quarto de dormir. A sensao de outros sonhadores lcidos que empregaram este mtodo foi muito parecida com a minha, mas sugere que o novo sonho lcido no necessariamente precisa ser uma cena de quarto de dormir. Uma sonhadora lcida, por exemplo, viu-se chegando a uma cena de sonho que no era um quarto de dormir em cinco das onze vezes em que utilizou o mtodo de rodopiar. Estes resultados sugerem que rodopiar poderia ser usado para provocar transies para qualquer cena de sonho que o sonhador lcido espera ver. No meu caso parece que a minha produo quase que exclusiva de sonhos de quarto de dormir pode ser um acidente das circunstncias em que descobri esta tcnica. Mais de uma vez tentei, sem bons resultados, provocar transies para outras cenas de sonho usando este mtodo. Mas apesar de ter tido a inten@Ao definida de chegar a algum lugar que no fosse o meu quarto de dormir, no posso dizer que tenha esperado completamente conseguir isso. Embora acredite que algum dia serei capaz de desaprender essa associao acidental (se que se trata disso), por enquanto continuo impressionado com o modo pelo qual a fora da expectativa determina o que acontece nos meus sonhos lcidos. Na verdade (ao menos nos sonhos), a f consegue deslocar montanhas! Por que o movimento alucinado do rodopio deveria exercer algum efeito no ato de sonhar? Pode haver alguma explicao neurofisiolgica. As informaes a respeito dos movimentos da cabea e do corpo, monitoradas pelo aparelho vestibular do ouvido interno (que nos ajuda a manter o equilbrio) so intima- mente integradas pelo crebro com informaes visuais, a fim de produzir um quadro pictrico otimamente estvel do mundo; de modo que, por exemplo, voc sabe que o mundo no se movimentou quando voc inclinou a cabea. Como durante o rodopio no sonho as sensaes de movimento so to completamente vvidas como as dos movimentos reais, muito provvel que nos dois casos os mesmos sistemas cerebrais sejam ativados num grau semelhante. Uma possibilidade intrigante que a tcnica de rodopiar estimule o sistema vestibular do crebro e com isso facilite a atividade dos componentes do sistema do sono REM, que ficam prximos. Como os neurocientistas obtiveram provas indiretas da participao do sistema vestibular na produo dos surtos de movimentos rpidos dos olhos no sono REM 24 , a conexo proposta no inteiramente destituda de fundamento. Do outro lado da moeda psicofisiolgica, Barbara Lerner realou a importncia do movimento durante o sonho para manter a integridade da imagem do corpo 25 . Se o movimento uma funo psicolgica do sonho, como Lerner sugere, deve haver um mecanismo que ligue essa imagem com a fisiologia do sono REM. Alm do mais, como a srie de imagens formadas num sentido em particular diminui sensibilidade ao estmulo externo no mesmo sentido, um movimento alucinado deveria suprimir a sen- sao real do corpo e, com isso, ajudar a impedir o despertar. Se o crebro est completamene ocupado na produo da sensao vvida (e gerada internamente) de rodopiar, ter mais dificuldade em construir uma sensao contraditria baseada em informaes sensoriais externas. Temos aqui um exemplo do que se chama "estabilizao da aplicao de cargas" de um sistema. Charles Tart descreve isso com uma analogia: "Se quiser que uma pessoa se transforme num bom cidado, mantenha-a ocupada com as atividades que constituem um bom cidado, de modo que no tenha nem tempo nem energia para fazer mais nada alm disso". 26 Nesses termos, "ser um bom cidado" significa continuar a sonhar, e as "atividades" significam rodopiar no sonho. H outra tcnica (menos eficiente que rodopiar) que funciona pelo mesmo princpio, focalizando a ateno em alguma coisa do sonho. Em 1938 Moers-Messner descreveu a tcnica de olhar para o cho para estabilizar os sonhos lcidos; aparentemente vrias outras pessoas descobriram a mesma tcnica independentemente, incluindo Scott Sparrow e Carlos Castaneda. A variao de "dom Juan" deste tema foi, claro, a famosa tcnica de olhar para a prpria mo. Outro meio de impedir o despertar ou a perda de lucidez estabilizar o estado de percepo por meio de "retroalimentao positiva". Na analogia de Tart isso significa recompensar o cidado por desempenhar as atividades que forem consideradas desejveis. Parece que nessa classificao entram vrios mtodos propostos para estabilizar o estado de sonho lcido. Por exemplo, h a sugesto de usar uma afirmao que relembre continuamente a pessoa do estado de sonho (repetindo "isto um sonho, isto um sonho", e assim por diante). Outra ideia "ir com a mar" do sonho, sem procurar modificar a flutuao dos acontecimentos do sonho. Minha tcnica do rodopio tambm implica retroalimentao positiva, se a explicao neurofisiolgica que dei estiver certa. Se rodopiar no sonho der como resultado uma facilitao tronco-cerebral do sono REM, temos um caso de atividade de sonho (rodopiar), resultando em mais atividade de sonho. Um terceiro meio de estabilizar um estado de percepo consciente (neste caso, um sonho lcido) chama-se "estabilizao limitante" e descrito por Tart como algo que limita as oportunidades que o cidado tem de se entregar a atividades indesejveis. No contexto de sonhar lucidamente, as "atividades indesejveis" so acordar ou perder a lucidez. Provavelmente inmeros mtodos que foram propostos para estabilizar os sonhos lcidos baseiam-se na estabilizao limitante. Algumas pessoas recomendam fazer exerccios e comer bem para dormir melhor e evitar indigesto. Outras sugerem o uso de tampes nos ouvidos ou dormir sozinho. Universalmente, recomenda-se evitar conflito emocional e excesso de excitao nos sonhos lcidos. Finalmente, os sonhadores lcidos j foram aconselhados a no "sonhar acordados" nem pensar muito durante o sono, e tambm a no se perder no sonho. Um Con!ecimento Coerente da 4ida do ono1 At0 agora consideramos um pouco da grande variedade de formas assumidas pelo modo de sonhar lucidamente. Mas o que vimos representa apenas a ponta do ice/erg: sonhar lucidamente pode proporcionar um grau de desenvolvimento muito maior do que o encontrado na psicologia ocidental. Sempre so os yogues e outros especialistas em "estados interiores" que afirmam serem capazes de conservar a percepo consciente a noite inteira, at mesmo durante o sono sem sonhos. Sri Aurobindo Ghose, mestre indiano do sculo XX, escreveu: "at possvel ficar completamente consciente no sono e acompanhar os estgios dos nossos sonhos, do comeo ao fim ou durante trechos grandes; verifica- se que nesses momentos temos conscincia de que estamos passando de um estgio para o seguinte at atingir um perodo breve de repouso sem sonhos, luminoso e cheio de paz, que o verdadeiro restaurador das energias da nossa natureza acordada, e depois voltar pelo mesmo caminho para a conscincia acordada. Quando passamos assim de um estado para outro, normal deixar que as sensaes anteriores se afastem de ns; por sua vez, s so lembradas as sensaes mais vvidas ou mais prximas da superfcie acordada, mas isso pode ser remediado: possvel conseguir reter mais ou desenvolver o poder de voltar na lembrana, de sonho para sonho, de estado para estado, at que o todo esteja mais uma vez diante de ns. Embora seja difcil atingir ou manter estabelecido, um con)ecimento coerente da 'ida do sono % poss&'e(9- [o grifo meu]. uma possibilidade muito interessante que, se demonstrasse ser verdadeira, teria implicaes profundas para o estudo cientfico do sono, dos sonhos e da conscincia. Quanto prova, resta apenas que uma dessas pessoas que dormem acordadas passe a noite num laboratrio de sono! O problema com reivindicaes de percepo contnua durante o sono que no conseguimos ter conscincia de estar inconscientes. Os momentos ou horas que passamos inconscientemente ficam para sempre ocultos no esquecimento. No s no conseguimos nos lembrar deles como nos esquecemos de t-los esquecido! O fato que normalmente estamos inteiramente conscientes de ns mesmos e dos nossos atos apenas durante alguns momentos muito curtos, mesmo quando estamos o que costumamos chamar de "acordados". Mas, apesar do fato de estarmos s ocasionalmente conscientes de ns mesmos, sentimo-nos como se estivssemos continuamente presentes. sso acontece porque a nossa mente funciona de modo a acumular coerncia e continuidade fora do que sentimos. Desse modo passamos um verniz nos pontos em branco da nossa conscincia. Visto que a primeira coisa de que nos lembramos ao emergir da inconscincia ou do sono a ltima coisa de que tnhamos conscincia, podemos supor erroneamente que nunca perdemos a conscincia. Apesar dessas reservas, em princpio no vejo motivo para um desenvolvimento maior da mente humana no poder dar como resultado uma continuidade de percepo consciente durante todo o sono, como descreveu Aurobindo. Um nvel de percepo consciente desses s se revelaria depois de um curso extensivo de disciplina mental. Mas podemos muito bem conseguir aprender a sonhar com graus de lucidez e controle jamais imaginados at hoje. CAPTULO 6 Aprendendo a Sonhar Lucidamente A grande maioria das pessoas tem uma enorme potencia(idade de pensamento- ?ue u(trapassa de (onge o ?ue se suspeita comumente5 mas : tAo raro ?ue as circunstIncias certas se aproGimem de(as por acaso para eGigir ?ue se atua(i0em- ?ue a grande maioria morre sem perce/er mais ?ue uma #ra@Ao da #or@a ?ue tem. Nascidas mi(ion$rias- as pessoas 'i'em e morrem na po/re0a por #a(ta de circunstIncias #a'or$'eis ?ue as teriam impe(ido a trans#ormar seu cr%dito em din)eiro. A.R. ORAGE A*rendendo a on!ar Da mesma forma normalmente nem percebemos que sabemos pensar, tambm podemos supor que sabemos sonhar. Mas h enormes diferenas no grau em que essas duas faculdades esto desenvolvidas nas diferentes pessoas. Creio que a citao feita acima tambm se aplica aos sonhos. Possumos capacidades no desenvolvidas jamais sonhadas. Da mesma forma que pensar conscientemente, sonhar lucidamente uma capacidade que pode ser adquirida ou melhorada com treino. Este captulo d um esboo do tipo de treino exigido e, com isso, entrega a voc a chave dos sonhos lcidos. Para reconhecer que est sonhando voc precisa primeiro ter um conceito do que sonho. O que acontece quando "percebe que est sonhando" depende do que entende por "sonhar". Para dar um exemplo dessa questo vamos examinar os estgios de desenvolvimento caractersticos que as crianas atravessam para adquirir um conceito de sonho. Segundo Jean Piaget, clebre psiclogo do desenvolvimento, as crianas passam por trs estgios de compreenso dos sonhos. No primeiro estgio, atingido entre a idade de trs e quatro anos, no distinguem os sonhos da vida acordada; com isso, acreditam que o sonho acontece no mesmo mundo (exterior) que o resto dos fatos. Nessa idade uma criana pode acordar de um pesadelo aterrorizada e acreditar que h "monstros" de sonho no quarto. Nesse estgio as garantias dos pais, de que "foi ape- nas um sonho", no surtem muito efeito. preciso mostrar criana que, digamos, o armrio est de fato vazio. Entre as idades aproximadas de quatro e seis anos (e depois de um nmero suficiente de despertares de sonhos que a figura dos pais nega que pertenam realidade) as crianas modificam o conceito de sonho. Agora sabem que tudo que aconteceu "foi apenas um sonho". Mas ainda no sabem exatamente o que "apenas um sonho". Nesse estgio a criana trata os sonhos como se fossem parcialmente externos e parcialmente internos. Por exemplo, quando perguntam a uma criana de onde vm os sonhos, ela pode responder: "da minha cabea". Mas se algum perguntar mesma criana onde ocorrem os sonhos, poder dizer: "No meu quarto". Em algum ponto entre as idades de cinco e oito anos este estgio de transio cede lugar para o terceiro estgio, no qual a criana acha que o sonho tem natureza totalmente interna. Agora, considera que os sonhos ocorrem somente na prpria cabea. Em outras palavras, j concebe os sonhos como experincias puramente mentais. Evidentemente estes estgios de desenvolvimento se referem a como a criana v o sonho depois de acordar. Enquanto esto dormindo e sonhando, crianas e adultos tendem a permanecer no primeiro estgio, supondo implicitamente que os fatos do sonho so a realidade exterior. Esta a suposio predominante dos sonhos no lcidos, ou comuns. No raro que as pessoas sintam, em sonho, que parecem estar separadas temporariamente do corpo fsico. Essas "experincias fora do corpo", com sua mistura um tanto contraditria do mental e do material, podem oferecer exemplos do segundo e do terceiro estgios de desenvolvimento. Numa passagem caracterstica, a pessoa aparentemente se encontra numa espcie de corpo menta( que flutua no que parece ser o mundo #&sico. uma reminiscncia da metafsica mista referente aos sonhos, apresentada pelas crianas no segundo estgio de Piaget. Num sonho totalmente lcido a pessoa que est sonhando atinge o terceiro estgio, percebendo que a sensao inteiramente mental e que o mundo dos sonhos % completamente diferente do mundo fsico. Estar lcido neste estgio pressupe que quem est sonhando chegou ao terceiro nvel de Piaget e sabe que os sonhos so apenas sensaes mentais. Como algumas crianas de cinco anos chegam a esse estgio, devemos esperar a possibilidade da ocorrncia de sonhos lcidos j nessa idade; de fato, tive os primeiros sonhos lcidos exatamente nessa idade, e muitos sonhadores lcidos contam que tiveram as primeiras experincias nesse sentido entre os cinco e os sete anos. Potencial *ara on!ar Lucidamente Qualquer pessoa consegue aprender a ter sonhos lcidos? preciso ter algum dom especial, que s uma minoria possui, ou essa capacidade notvel simplesmente um dos milagres rotineiros do crebro humano? Essa pergunta tem a mesma resposta que a pergunta "Quem consegue aprender a falar?" Todo mundo chega a um certo grau de proficincia na prpria lngua materna, necessria para o uso dirio; depois disso, o grau de fluncia depende de motivao, prtica e capacidade inata. O grau de domnio da lngua apresentado por grandes escritores e poetas ultrapassa de longe o nvel que satisfaz uma pessoa comum; e o que falei em relao a essa tcnica se aplica analogamente tcnica de sonhar lucidamente. Os Shakespeares do sonho lcido esto fadados a ser poucos, mas por que motivo todo mundo no deveria ser capaz de atingir no mnimo um pouco de proficincia nesse campo? Do meu ponto de vista existem dois requisitos essenciais para aprender a sonhar lucidamente: motivao e boa memria para se lembrar dos sonhos. A necessidade de motivao suficientemente bvia: afinal de contas, sonhar lucidamente exige um controle considervel da ateno e por isso devemos estar motivados a fazer o esforo necessrio. Quanto lembrana dos sonhos, se um amnsico no se lembra de sonho algum, e supomos que um por cento dos sonhos que esqueceu so lcidos, de quantos sonhos lcidos ele vai se lembrar? claro que a resposta ser: "De nenhum", visto que, a no ser que nos lembremos de a(guns sonhos, como poderemos nos lembrar dos sonhos lcidos? "ecorda+,o dos on!os Para ter um sonho lcido e saber como foi quando acordar, claro que voc tem de se lembrar do sonho que teve. Para comear, quanto mais frequentemente voc se lembrar dos seus sonhos, e quanto mais claras e detalhadas forem as imagens que formar, maior ser a probalidade de se lembrar dos sonhos lcidos. Quanto mais familiarizado ficar com o que so seus prprios sonhos, mais fcil achar reconhec-los como son)os enquanto esto ocorrendo. Por isso, se voc quiser aprender a lembrar dos seus sonhos com toda confiana. (Por falar nisso, provavelmente h um bom motivo para ser to difcil lembrar dos sonhos: veja o Captulo 8.). Um dos determinantes mais importantes da recordao dos sonhos a motivao. Para a maioria das pessoas, quem quer se lembrar de um sonho pode se lembrar e quem no quer no se lembra. Para muitas pessoas, simplesmente ter a inteno de se lembrar, recordando para si mesmas essa inteno logo antes de dormir, j suficiente. Um meio eficaz de reforar essa resoluo manter um dirio de sonhos ao lado da cama e registrar o que conseguir, se lembrar, sempre que acordar. Quanto mais voc registrar os seus sonhos, de mais sonhos se lembrar. Reler o dirio de sonhos pode trazer uma vantagem adicional: quanto mais familiarizado voc ficar com o aspecto dos seus sonhos, mais . fcil, ser reconhecer um,deles enquanto ainda est ocorrendo e, por conseguinte, mais fcil ser acordar dentro do sonho. Um mtodo infalvel de desenvolver a capacidade de se lembrar dos sonhos adquirir o hbito de se perguntar, cada vez que acorda: "Aquilo foi um sonho?" Esse deve ser o seu primeiro pensamento ao acordar; de outra forma, esquecer parte ou o total do sonho, devido interferncia de outros pensamentos. Se no conseguir se lembrar de muita coisa no incio, no desista muito depressa; tem de persistir pacientemente no esforo para se lembrar, sem se mexer nem pensar em mais nada; na maioria dos casos comearo a lhe chegar trechos e fragmentos do sonho. Em geral, examinar os pensamentos e sensaes dessa maneira proporciona as pistas necessrias para recordar o sonho in- teiro. No desenvolvimento da recordao dos sonhos, como em qualquer outra tcnica, s vezes o progresso lento. Se no tiver bons resultados logo no incio, importante no desanimar. Cada um de ns tem uma velocidade prpria de dominar a capacidade de recordar os sonhos; mas praticamente todo mundo que no desiste melhora com a prtica. Como diz o ditado, "Se quiser ser calgrafo, escreva, escreva e escreva". Se quiser se lembrar dos seus sonhos, tente, tente e tente lembrar-se. A*rendendo a on!ar Lucidamente Suponhamos que voc seja capaz de se lembrar dos seus sonhos com frequncia suficiente para apreciar como raro voc ter lucidez neles. Seus sonhos lcidos ocasionais podem ser comparados com encontrar dinheiro na rua: uma sensao rara, mas nem por isso deixa de ser gratificante. Dentro dessa analogia, cultivar a tcnica de sonhar lucidamente corresponde a desenvolver um meio proveitoso de emprego com que ganhar dinheiro. Se isso est parecendo trabalho, mesmo, e no comeo exige uma certa quantidade de disciplina, mas com a prtica vai ficando mais fcil e at isento de esforo. Procure se lembrar de como aprendeu a falar: no comeo era simplesmente impossvel fazer mais que balbuciar. Mas com dias e anos sucessivos de prtica, agora voc domina de tal forma essa tcnica que capaz de falar sem pensar. No sentido de sonhar lucidamente, talvez voc ainda no tenha dito a sua primeira palavra ou talvez tenha acabado de dizer a primeira frase. Realisticamente, pode esperar ser algum dia um sonhador lcido fluente, sem despender esforo algum? Tenho a dizer que isso depende de voc. Voc pode ficar imaginando se possvel aprender a sonhar lucidamente vontade. Minha prpria experincia mostrou a mim que possvel. O fato de ter levado dois anos e meio provavelmente se deve a ningum ter me ensinado a fazer isso. Como no incio eu no tinha uma ideia muito clara do que estava fazendo, perdi muito tempo e esforo. Com o mtodo de induo que finalmente desenvolvi, creio que qualquer pessoa motivada consegue aprender a sonhar lucidamente, e numa frao do tempo que levei. Mas antes de descrever esse mtodo vou dar um resumo breve do que j foi escrito sobre aprender a sonhar lucidamente. Os escritos religiosos e psicolgicos do Oriente contm muitas sugestes e mtodos de sonhar lucidamente. Tanto quanto sei, a primeira meno registrada de sonhar lucidamente com tcnica que pode ser aprendida encontra-se no manuscrito tibetano do sculo V intitulado O 4oga do estado de son)o- que apresenta vrios mtodos de induzir sonhos lcidos. Contudo, a no ser que voc seja um yogue adiantado, capaz de fazer visualizaes complexas de letras de snscrito em ltus coloridos de vrias ptalas, a maior parte dos mtodos no lhe ser muito til! Alm disso, o livro de fato destinado a ser um manual do aluno e suplementar os ensinamentos verbais de um mestre de sonhos. S o primeiro e mais elementar dos exerccios descritos no manuscrito tem a possibilidade de ser entendido pelos ocidentais. A tcnica, que se chama "compreender pelo poder da resoluo," 1 implica em duas prticas. Antes de tudo, durante o dia o novio instrudo a pensar continuamente que "todas as coisas so a substncia dos sonhos". Essa prtica utiliza os efeitos que as experincias da vida real tm nos sonhos das noites subsequentes. Alm do mais, tendemos a sonhar com o que nos preocupa no momento. Essa prtica tambm ajuda a eliminar uma das barreiras mais srias para a nossa lucidez, ou seja: se nunca questionamos a natureza do que sentimos quando acordados, por que deveramos question-la no estado de sonho? Pensar no que sentimos quando estamos acordados como se fosse sonho rompe os hbitos automticos com os quais estamos acostumados a ver a vida e pensar nela. A flexibilidade mental que resulta da prtica da vida real facilita a lucidez no estado de sonho. A segunda tcnica, a "firme resoluo" de "compreender o estado de sonho", tambm direta. noite, antes de dormir, o aluno tem de invocar a ajuda do guru e "decidir com firmeza" compreender o estado de sonho, isto , entender que no real, apenas um sonho. Raramente o sonho lcido ocorre sem que tenhamos a inteno que ocorra, o que significa ter a parte mental preparada para reconhecer tal sonho quando estivermos sonhando; assim sendo, a inteno constitui uma parte de qualquer esforo deliberado para induzir sonhos lcidos. E se o candidato a sonhador lcido no tiver bons resultados no comeo, o manuscrito o exorta a fazer todas as manhs no menos que vinte e um esforos para "compreender a natureza do estado de sonho". Um aspecto dessa tcnica tibetana (se fosse essencial) limitaria severamente a sua aplicao no Ocidente. Refiro-me "prece ao guru". Pode ser que a confiana completa do discpulo tibetano no guru correspondente d como resultado uma expectativa de sucesso que se transforma numa profecia auto-realizvel. Mas o ocidental que no tem nem guru nem deuses pode ter uma deficincia no grau de confiana necessrio ao sucesso. Na maior parte os mtodos orientais modernos de sonhar lucidamente no so menos complexos. Bagwan Shree Rajneesh, guru espiritual que tem sessenta e dois Rolls Royces, descreve trs tcnicas que variam do incompreensvel ao quase improvvel. A primeira : "Com respirao intangvel no centro da fronte, quando este atinge corao no momento de sono, tenha direo sobre sonhos" e, como se no bastasse, "sobre prpria morte" 2 . O segundo mtodo "lembrar 'Sou', seja o que for que estiver fazendo" 3 . Pelo menos este inteligvel e provavelmente foi concebido para reforar a autopercepo e a perspectiva do observador. Na psicologia esotrica, lembrar que "Sou" uma tcnica concebida para provocar um estado da mente chamado "autolembrana". A "autolembrana" (ou "lembrar-se de si mesmo"), escreve o psiclogo esotrico Robert deRopp, " uma certa separao da percepo de qualquer coisa que um homem estiver fazendo, pensando, sentindo. simbolizada por uma seta de duas pontas que sugere dupla percepo consciente de si mesmo. Existe ator e observador, existe uma percepo objetiva de si mesmo. H uma sensao de estar de fora, separado dos limites do corpo fsico; h um senso de desligamento, um estado de no identificao. Porque identificao e lembrana de si mesmo no podem existir juntas, do mesmo modo como uma sala no pode estar iluminada e escura simultaneamente. Uma coisa exclu a outra" 4 . sso se parece tanto com os sonhos lcidos que provvel que a prtica de lembrar-se de si mesmo no estado acordado estimule o aparecimento de lucidez no estado de sonho. O terceiro mtodo de Rajneesh suficientemente simples, se voc for do tipo obsessivo. Nele o candidato a sonhador lcido aconselhado a "durante trs semanas procurar se lembrar continuamente que qualquer coisa que estiver fazendo apenas um sonho" 5 . A meu ver, qualquer pessoa que conseguir se lembrar de qualquer coisa continuamente durante trs semanas deve ser capaz de fazer praticamente qualquer coisa! Para uma pessoa to talentosa o sonho lcido no deve apresentar nenhuma dificuldade. Recentemente o psiclogo alemo Paul Tholey descreveu vrias tcnicas de induo de sonhos lcidos, produto de uma dcada de pesquisas com mais de duzentos casos de estudo 6 . Segundo Tholey, o mtodo mais eficiente de voc chegar lucidez desenvolver uma "atitude reflexiva-crtica" em relao ao prprio estado de percepo consciente, perguntando a si mesmo se est ou no sonhando enquanto est acordado. Reala a importncia de fazer a pergunta critica ("Estou sonhando ou no?") com a maior frequncia possvel, no mnimo cinco ou seis vezes por dia e em todas as situaes que tiverem caractersticas de sonho. Tambm aconselhvel fazer essa pergunta na hora de dormir e no incio do sono. Tholey conta que, seguindo essa tcnica, a maioria das pessoas tem o primeiro sonho lcido dentro de um ms e algumas conseguem isso logo na primeira noite. Oliver Fox considerava que a chave dos sonhos lcidos era ter uma disposio de esprito crtica (como foi descrito no Captulo 5), e fcil ver por que a pergunta "Estou sonhando ou no?" deve favorecer a ocorrncia de sonhos lcidos. muito frequente sonharmos com atividades conhecidas da vida real e se nunca perguntamos se estamos sonhando ou no quando estamos acordados, por que deveramos faz-lo quando estamos sonhando? Ou, para falar mais positivamente, quanto mais vezes questionarmos criticamente o nosso estado de percepo consciente, maior ser a probabilidade de fazermos a mesma coisa quando estivermos dormindo. H vrios mtodos modernos destinados a manter a percepo consciente durante a transio entre acordar e dormir, como o mtodo usado por Ouspensky e Rapport. Rapport descreveu a sua tcnica da seguinte maneira; quando ele estava na cama e comeando a entrar no sono, a cada poucos minutos interrompia os devaneios e fazia um esforo para se lembrar do que lhe havia passado pela mente um momento antes. Com prtica suficiente, esse hbito de introspeco continuava no sono e ele se via em sonhos lcidos que muitas vezes inspiravam "arroubos de satisfao". H muitas variaes da tcnica de cair no sono enquanto se mantm a conscincia. Por exemplo, um estudante de budismo tibetano conta que foi instrudo a visualizar na prpria garganta uma rosa de oito ptalas com uma luz branca no centro, tcnica que deve servir para focalizar a concentrao com uma intensidade que permite que a percepo consciente penetre, no estado de sono e persista nele. Tarthang Tulku, lama tibetano que d aulas em Berkeley, descreve um processo semelhante: depois de se descontrair profundamente, logo antes de dormir, voc tem de "visualizar na garganta uma flor de ltus bonita e suave. O ltus tem ptalas rosas-claro e o interior curvado para dentro, e no centro desse ltus h uma chama laranja avermelhada que clara nas bordas e vai ficando mais escura no centro. Olhando com muita suavidade, concentre-se na parte mais alta da chama e continue a visualiz-la o mais longamente possvel" 7 . Tulku explica que a chama representa percepo; posso acrescentar que na iconografia budista o ltus indica o despertar da percepo do Eu. Enquanto continua a visualizao, voc tem de observar como seus pensamentos aparecem, observar a interao deles com a imagem do ltus e ver como esto liga- dos com o passado, com o presente e, por projeo, com o futuro. Voc "s tem de observar" qualquer imagem que lhe chegar mente, mas continue a se concentrar na imagem do ltus. Dessa forma, "enquanto o fio da visualizao permanecer intacto, conduzir ao sonho". Tarthang Tulku avisa o praticante de que no deve "tentar interceptar a visualizao nem "ficar pensando nela". Avisa que isso poder romper o fio e a percepo ficar perdida. "Por isso, tenha o cuidado de no forar a visualizao; simplesmente deixe que ocorra, mas mantenha a sua percepo consciente no ltus". Finalmente, voc tem de "deixar a forma se refletir na sua percepo at que a sua percepo e a imagem sejam uma s coisa". Explica que no incio voc vai tender a passar para o estado de sonho, esquecendo que est sonhando, mas com prtica a sua conscincia "vai se desenvolver naturalmente at voc ser capaz de ver o que est sonhando. Quando olhar cuidadosamente, ser capaz de ver toda a criao e evoluo do sonho". Tholey 8 descreveu trs tcnicas semelhantes de reter a lucidez enquanto se est comeando a dormir. Os mtodos baseiam-se no processo geral de cair no sono enquanto se mantm uma ateno interior, com variaes que dependem do objeto de ateno. Na "tcnica da imagem" voc se concentra nas suas imagens hipnaggicas, como sugerem Ouspensky, Rapport e outros. Tholey recomenda deixar-se levar passivamente para a cena do sonho, em vez de procurar entrar nela intencionalmente, coisa que tende a fazer com que o sonho desaparea. O segundo mtodo de Tholey, a "tcnica do corpo", est relacionado a processos destinados a provocar uma experincia fora do corpo (OBE) ou "projeo astral" (veja o Captulo 9). Enquanto voc vai lentamente penetrando no sono, simplesmente imagina que o corpo est em outro lugar qualquer, fazendo outra coisa que no seja estar deitado na cama. Se se encontrar vividamente "nesse outro lugar", ficar lcido, desde que no se esquea de que um sonho. O terceiro mtodo de induo de sonhos lcidos de Tholey, a "tcnica do ponto do ego", implica concentrao enquanto voc est comeando a dormir, com a idia de que logo mais no estar percebendo o seu corpo. Logo que tiver cado no sono, possvel flutuar livremente num "espao que parece idntico ao quarto em que a pessoa foi dormir", que um ponto de percepo consciente. H cinco anos desenvolvi uma tcnica simples de manter a percepo consciente na transio entre acordar e dormir. O mtodo consiste em contar para si mesmo (um, estou sonhando, dois, estou sonhando, e assim por diante) enquanto est comeando a cair no sono, mantendo um certo nvel de vigilncia enquanto isso. O resultado que em algum ponto, digamos "quarenta e oito, estou sonhando", vai se encontrar sonhando! A frase "estou sonhando" ajuda a lembrar do que voc pretende fazer, mas no estritamente necessria. A simples focalizao da sua ateno na contagem provavelmente permite que voc retenha um grau de vigilncia suficiente para reconhecer as imagens do sonho pelo que so, quando aparecem. Aparentemente esta tcnica e outras anlogas funcionam da melhor maneira com pessoas que tendem a adormecer rapidamente e em geral tm sonhos logo no incio do sono (sonhos hipnaggicos). Adquiri a maior parte das informaes desta tcnica orientando uma das nossas oneironautas na sua prtica. Laurie C. tem sonhos vvidos no incio do sono com regularidade. Alguns dos seus sonhos desse perodo so como os "instantneos" que as pessoas costumam supor que so as imagens hipnaggicas caractersticas. Outros parecem mais filmes de sonho bem desenvolvidos que contam com a presena vivida dela mesma e com a participao ativa do que s vezes uma sequncia bem extensa de cenas. Sabendo que Ouspensky havia conseguido manter a percepo do estado hipnoggico, sugeri a Laurie que tambm poderia conseguir ficar lcida enquanto sonhava no incio do sono. Ajudei-a a praticar observando-a cair no sono enquanto se esforava por reter a conscincia. Em geral adormecia em quinze ou trinta segundos, como era possvel ver pelo movimento rpido dos olhos ou pelo rolar dos olhos e pelas leves contores do corpo. Nesse ponto eu a acordava com a pergunta "Que estava acontecendo agora?" Quase sempre ela se lembrava de uma cena vivida no sonho, mas raramente ficava lcida nesse momento. Parecia precisar de um lembrete. Por isso pedi que enquanto estivesse comeando a dormir repetisse silenciosamente a frase "Estou sonhando" e fizesse uma contagem para si mesma. Ela ficava repetindo "um, estou sonhando; dois, estou sonhando;. .. quarenta e quatro, estou sonhando..." at perceber que esta'a sonhando. Depois de aproximadamente uma semana de prtica, Laurie j foi capaz de dispensar a frase "Estou sonhando" e viu que contar para si mesma funcionava igualmente bem. Num tempo surpreendentemente curto conseguia ficar lcida quase vontade nos sonhos que tinha logo no incio do sono. Nesse ponto resolvemos observ-la no laboratrio do sono durante trs noites consecutivas. Naquelas noites Laurie fez um esforo para reter a percepo consciente enquanto entrava nos estados de sonho do perodo inicial de sono. Em todas as sesses experimentais, Laurie sempre ficava descansando tranquilamente, mas sempre vigilante e contando para si mesma: "um, dois, trs..." at comear a sonhar. Em geral acordava de cinco a dez segundos depois e gravava uma descrio do que havia acabado de sentir. Descreveu ter ficado lcida em vinte e cinco dos quarenta e dois sonhos que teve. A inspeo visual do polgrafo mostrou que todos aqueles "sonhozinhos" (uso estava palavra porque nenhum durou mais de alguns segundos), lcidos ou no, ocorreram no Primeiro Estgio de Sono NREM, com movimentos lentos dos olhos. Aqui temos uma amostra: "Estava num supermercado, indo por um dos corredores; s que estava de p num carrinho de compras que corria tanto que at zunia. Quando passei pelas garrafas de Coca e Pepsi, percebi que estava dormindo. Lembrei-me de olhar para as mos mas parece que elas no queriam chegar ao nvel dos olhos" A incapacidade de Laurie de olhar para as mos de sonho pode indicar uma diferena significativa entre os "sonhozinhos" lcidos do incio do sono e os sonhos lcidos do perodo REM. Nos sonhos lcidos do perodo REM quem est sonhando normalmente tem um controle volitivo do corpo de sonho. Eu havia ficado imaginando se aconteceria a mesma coisa no incio do sono, e por isso pedi a Laurie que executasse um movimento pr-combinado, ou seja, que pusesse as mos na frente do rosto quando se achasse consciente de estar sonhando. Foi-lhe impossvel executar essa tarefa aparentemente fcil, a menos de um caso; obviamente necessrio continuar a pesquisar para poder chegar a uma concluso. Um fator importante que influi no tipo de resultados que voc tem probabilidade de conseguir com a tcnica anterior a cronometragem. Em vez de tentar entrar no estado de sonho lcido no incio do seu ciclo de sonho, seria melhor que voc tentasse isso tarde da noite, j beirando a manh, especialmente depois de j ter acordado de um sonho. O motivo disso que os sonhos lcidos caractersticos do incio do sono, no comeo da noite, costumam ocorrer no Primeiro Estgio de Sono NREM e por isso raramente parecem durar mais de uns segundos. Contrastando com isso, quando essas tcnicas so praticadas ao acordar de perodos REM, mais tarde da noite, em geral possvel voltar ao sono REM e ter sonhos lcidos extensos e bem desenvolvidos. Mas a hora tima para entrar nos sonhos lcidos REM diretamente do estado acordado pode ser tarde. Baseio esta sugesto no fato de meu registro pessoal indicar que a proporo de sonhos lcidos iniciados no estado acordado seis vezes maior nas minhas sonecas da tarde do que no sono noturno. As diversas tcnicas de entrar no estado de sonho lcido a partir do estado acordado, descritas acima, funcionam pelo mesmo princpio fundamental: voc se deita na cama completamente descontrado mas vigilante e comea alguma atividade mental repetitiva ou contnua em que concentra a ateno. Manter essa tarefa em andamento conserva o seu foco interno de ateno e, com ele, a sua conscincia interior alerta, enquanto a sua percepo exterior, que est sonolenta, diminui e finalmente desaparece de todo quando voc adormece. Basicamente, a ideia deixar que o corpo adormea enquanto voc mantm a mente acordada. H outro modo de ficar lcido num sonho, e em geral a maioria das pessoas acha-o muito mais fcil: familiarize-se com os seus sonhos, fique sabendo o que tem carter de sonho neles e simplesmente ten)a a inten@Ao de reconhecer que so sonhos, enquanto esto ocorrendo. Evidentemente, a simples inteno de reconhecer que se est sonhando suficiente para aumentar a frequncia da ocorrncia de sonhos lcidos. No Ocidente, a primeira descrio do aprendizado de sonhar lucidamente foi oferecida pelo marqus d'Hervey de Saint-Denys, que ensinou a si mesmo o mtodo que se segue. Aos treze anos de idade j estava fascinado pelos prprios sonhos e dedicava muito tempo a registr-los e fazer esboos deles. Explicou que: como resultado de pensar nos meus sonhos durante o dia, e de analis-los e descrev-los, essas atividades passaram a fazer parte do depsito de lembranas da vida real do qual minha mente se alimentava a noite. Por isso, certa noite sonhei que estava escrevendo os meus sonhos, alguns dos quais eram particularmente fora do comum. Quando acordei pensei que era uma grande pena no ter sido capaz de perceber aquela situao excepcional enquanto estava dormindo. Que oportunidade de ouro, e perdi-a, pensei. Eu teria podido anotar tantos detalhes interessantes! Durante vrios dias fiquei atormentado com essa ideia e o mero fato de ter continuado a pensar naquilo durante o dia logo deu como resultado a repetio daquele mesmo sonho. Mas houve uma modificao: dessa vez as ideias originais incorporaram por associao a ideia de eu estar sonhando, e fiquei perfeitamente consciente desse fato. Consegui me concentrar particularmente nos detalhes do sonho que me interessavam, de modo que quando acordei tinha-os bem fixados na mente 9 . Depois de mais um ano de preocupao obsecada com os seus sonhos, o marqus contou que estava tendo sonhos lcidos quase todas as noites. R.T. Browne, que contribuiu para o Volume do livro C/e dream pro/(em- de Narayana, descreveu basicamente esse mesmo mtodo. Afirmando que "em certas condies (...) durante o estado de sonho possvel a pessoa que est sonhando se manter conhecedora do fato de estar sonhando (...) um dos meios pelos quais pode conseguir isso colocar na chamada mente subconsciente a sugesto direta e positiva de que, num determinado conjunto de circunstncias, estar consciente do fato de estar sonhando". Esse mtodo foi testado no incio da dcada de 1970 por Patrcia Garfield. Ela simplesmente dizia a si mesma: "Esta noite terei um sonho lcido". Garfield disse que com esse mtodo obteve uma "curva de aprendizado clssica, que aumentava em frequncia de sonhos lcidos prolongados, frequncia essa que. partia de uma linha de referncia em zero e chegava a um pico de trs por semana" 10 . Ela usou esse mtodo durante cinco ou seis anos, perodo em que teve uma mdia de cinco sonhos lcidos por ms. Esses resultados indicam que simplesmente ordenar a si mesmo um sonho lcido pode oferecer ao menos um ponto de partida para induzir sonhos lcidos deliberadamente. Antes de comear a me esforar por aprender a sonhar lucidamente, durante anos, de quando em quando, eu tinha sonhos lcidos espontneos, especialmente quando era bem criana. Mais ou menos aos cinco anos de idade tive uma srie de sonhos que repetia intencionalmente em noites sucessivas. Lembro-me vividamente de uma cena de um deles (descrita no Captulo 4), em que sentia uma ansiedade momentnea porque ficava debaixo d'gua durante muito tempo; mas um dia me lembrei que nos sonhos eu conseguia respirar embaixo d'gua. No sei quanto tempo continuei com aquelas prticas, mas o sonho lcido seguinte de que me lembro ocorreu quase vinte anos depois. Durante muitos anos tive sonhos lcidos ocasionais (aproximadamente um por ms), suficientemente intrigantes para me persuadir a elaborar um estudo cuidadoso do fenmeno. No primeiro ano e meio da minha pesquisa induzi sonhos lcidos por auto-sugesto e tive resultados equivalentes aos de Garfield. No fim da primeira fase eu havia observado dois fatores que pareciam estar associados ocorrncia dos meus sonhos lcidos. O primeiro e tambm o mais bvio era a motivao. Naquele perodo houve dois meses em que contei, respectivamente, duas e trs vezes mais sonhos lcidos do que a mdia do resto do perodo. No primeiro ms, setembro de 1977, eu estava preparando uma proposta de tese de doutoramento em que afirmei ser capaz de aprender a ter sonhos lcidos vontade. No segundo ms, janeiro de 1978, estava tentando (com bons resultados) ter sonhos lcidos no laboratrio do sono. Na- queles dois meses estava muito motivado, porque me senti desafiado a demonstrar o aspecto prtico de um estudo dos sonhos lcidos feito no laboratrio. Mas sabia que era impossvel manter aquele grau de motivao, como verifiquei pelo declnio da frequncia de sonhos lcidos depois daqueles dois meses. Gradualmente, mais observaes levaram-me a perceber que havia um segundo fator psicolgico implicado: a inteno de me lembrar de ficar lcido no sonho seguinte. Esse esclarecimento de inteno foi acompanhado de um aumento imediato na frequncia mensal dos meus sonhos lcidos. Uma vez que descobri que a chave dos sonhos era a memria, a prtica e os refinamentos metodolgicos posteriores permitiram que em um ano eu atingisse a minha meta, ou seja, um mtodo pelo qual eu conseguia induzir sonhos lcidos com confiana. M9L:= 9ndu+,o Mnem$nica de on!os L(cidos 0 mtodo MLD* no est baseado em nada mais complexo e esotrico que a nossa capacidade lembrar que h atos que queremos executar no futuro. Alm de escrever lembretes para ns mesmos (dispositivos de pouco uso aqui, por motivos bvios!), fazemos isso formando uma conexo mental entre o que queremos fazer * N. do T. MLD o acrnimo de Mnemonic nduction of Lucid Drcams (nduo Mnemnica de Sonhos Lcidos) e as circunstncias futuras em que pretendemos faz-lo. Estabelecer essa conexo fica muito facilitado pelo dispositivo mnemnico (um auxiliar visual) de visualizar-se fazendo o que pretende se lembrar de fazer. Verbalizar a inteno tambm ajuda muito: "Quando tais e tais coisas acontecerem, quero me lembrar de fazer tais e tais coisas". Por exemplo: "Quando passar pelo banco, quero me lembrar de retirar algum dinheiro". A verbalizao que uso para organizar o esforo que pretendo fazer : "Na prxima vez que estiver sonhando, quero me lembrar de reconhecer que estou sonhando". O "quando" e o "que" da ao pretendida tm de ser especificados com clareza. Gero essa inteno imediatamente antes de acordar de um dos primeiros perodos REM ou depois de um perodo em que estou completamente acordado, como esta detalhado abaixo. Um ponto importante que, para provocar o efeito desejado, necessrio fazer mais que recitar distraidamente a frase. preciso de fato ter a inten@Ao de sonhar lucidamente. Aqui est o processo recomendado, discriminado passo a passo: 1. No comeo da manh, ao acordar espontaneamente de um sonho, repasse vrias vezes, at decor-lo. 2. Depois, enquanto estiver deitado na cama e voltando a dormir, diga a si mesmo: "Na prxima vez que estiver sonhando quero me lembrar de reconhecer que estou sonhando." 3. Visualize-se voltando ao sonho que acabou de ensaiar; s que, dessa vez, veja-se percebendo que est, de fato, sonhando. 4. Repita o segundo e o terceiro passos at sentir que a sua inteno ficou claramente fixada ou at cair no sono. Se tudo correr bem, em pouco tempo voc vai se ver lcido em outro sonho (que no precisa se assemelhar de perto ao que j ensaiou). O preparo mental implicado neste processo muito parecido com o que voc adota quando resolve acordar numa certa hora e ir dormir quando pe para tocar o despertador mental. A capacidade de acordar dentro dos sonhos pode ser considerada uma espcie de refinamento da capacidade de acordar dos sonhos. O motivo do "comeo da manh" especificado no primeiro passo que os sonhadores lcidos, de Van Eeden a Garfield, dizem que esses sonhos ocorrem quase exclusivamente durante as horas da manh A pesquisa que fizemos em Stanford indica que os sonhos lcidos ocorrem nos perodos REM e, como a maior parte do sonho REM transcorre na parte final de uma noite de sono, provavelmente esta a hora mais favorvel para sonhar lucidamente. Embora alguns sonhadores tenham conseguido induzir sonhos lcidos usando o MLD durante o primeiro perodo REM da noite, parece que este mtodo produz o mximo efeito quando praticado no comeo da manh, depois de acordar de um sonho. Se voc acha que est muito sonolento para seguir o procedimento dado acima, pode tentar acordar empenhando-se durante minutos em qualquer atividade que exija uma vigilncia total, como anotar o que sonhou, ler ou simplesmente sair da cama. sso recomendado porque foi observado que certas atividades provocam sonhos lcidos quando se vai dormir de novo. Garfield, por exemplo, verificou que "uma relao sexual no meio da noite geralmente era seguida de um sonho lcido. Contrastando com isso, Scott Sparrow afirma que a meditao feita no comeo da manh favorece sonhar lucidamente (mas somente quando se faz a meditao pela meditao em si, no para ter sonhos lcidos). Outros sonhadores lcidos acham favorvel ler ou escrever no comeo da manh. A diversidade dessas atividades sugere que o fator que facilita ter sonhos lcidos num sono subsequente no a atividade em particular, e sim o estado de alerta. Mas ao lado das vantagens o estado de alerta tambm traz ao candidato a sonhador lcido uma srie de desvantagens. Geralmente, difcil dormir depois de acordar completamente. Outro problema que, visto que a proximidade do sono REM enquanto se est praticando o MLD provavelmente favorece a induo aos sonhos lcidos, quanto mais se espera para voltar a dormir, menor a probalidade de ocorrncia de sonhos lcidos. Quando voc acorda de um sonho REM, durante alguns minutos o crebro persiste num estado do tipo REM. sso foi demonstrado por cientistas que acordaram pessoas tanto do sono REM como do sono NREM e pediram-lhes que inventassem uma histria. s histrias contadas depois de acordar do sono REM tinham mais carter de sonho do que as contadas depois de acordar do sono NREM. V-se que alguma coisa do estado REM continua por alguns minutos depois que acordamos de um r sonho. sso, se reentramos num sonho imediatamente depois de acordar do sono REM, que o ponto em que o mundo dos sonhos e o mundo real esto mais prximos a hora tima de transportar as intenes de sonhar lucidamente, da mente acordada para a mente que est sonhando. As pessoas tendem a diferir quanto a esses dois fatores (vigilncia e continuao do REM) serem mais eficientes para si, e recomendo que voc faa experincias com ambos quando estiver usando o MLD para induzir sonhos lcidos. Tendo eu mesmo aprendido a usar o MLD, cheguei a ter quatro sonhos lcidos na mesma noite e de fato parece que consegui atingir a lucidez em qualquer noite, vontade. No vejo motivo para isso tambm no ocorrer com os outros. Visto que a motivao um fator importante na induo de sonhos lcidos, como podemos ter certeza de que o aumento de motivao no explica as melhorias que atribuo ao MLD? Nas noites em que procurei induzir sonhos lcidos enquanto estava sendo monitorado fisiologicamente, s tive um sonho lcido em sete noites de registros no laboratrio, mas quando comecei a praticar o MLD tive quinze sonhos lcidos em treze noites de registro. Deveria estar claro que esses resultados so devidos ao mtodo e no simplesmente motivao. Parece que o MLD tambm funciona bem com outras pessoas, especialmente as que satisfazem os requisitos de grande motivao e excelente lembrana dos sonhos. "Grande motivao", significa ter um desejo forte de desenvolver a tcnica de sonhar lucidamente e "excelente lembrana dos sonhos",significa ser capaz de acordar dos sonhos duas, trs ou mais-vezes por noite e lembrar-se deles. Nos meus seminrios e cursos quase sempre os alunos tm bons resultados com o MLD quando satisfazem as duas condies mencionadas acima. Num curso de oito semanas, dois alunos meus aumentaram as respectivas freqncias de sonhos lcidos, de menos de um por ms a cerca de vinte por ms. No mesmo perodo (dois meses) a mdia dos alunos teve trs ou quatro sonhos lcidos. Tudo isso deveria deixar claro que possvel aprender a sonhar lucidamente. O que um sonhador pode fazer, outros tambm podem. ndubitavelmente o futuro ver o desenvolvimento de tcnicas de induo de sonhos lcidos muito mais eficientes, que prometero deixar o mundo dos sonhos lcidos disponvel a todos os que precisarem ou desejarem. Quem sabe, talvez um dia a entrada num sonho lcido no ser mais difcil do que cair no sono. (Apesar de muita gente ainda estar dizendo que cair no sono no nada fcil!) Acesso 2uturo ao Estado de on!ar Lucidamente No momento possvel indicar vrias tcnicas que poderiam ser desenvolvidas para induzir sonhos lcidos. Uma a hipnose. A "auto-sugesto", que implantar em si mesmo o comando de fazer alguma coisa, uma forma de hipnose e est implicada na prtica do MLD. Muitas pessoas acharam que a auto-sugesto no mnimo moderadamente eficaz na induo de sonhos lcidos. Para a minoria que tem a sorte de ser hipnotizada com facilidade, as sugestes ps-hipnticas de ter sonhos lcidos podem ser mais eficientes quando dadas por um hipnotizador do que quando dadas pela prpria pessoa. Embora eu seja apenas moderadamente hipnotizvel, fui hipnotizado trs vezes e recebi sugestes ps-hipnticas para ter sonhos lcidos, sendo que, das trs ocasies, duas deram resultado. Seguindo as mesmas linhas, Charles Tart mencionou um trabalho preliminar que sugere que "as sugestes ps-hipnticas podem ter algum potencial na induo dos sonhos lcidos" 11 . Creio que podemos mudar o "podem ter" de Tart e dizer "tm". A meu ver, este um campo que merece ser cultivado, visto que a hipnose pode ajudar a induzir sonhos lcidos nos indivduos hipnotizveis que poderiam achar este estado muito til mas talvez no sejam capazes de chegar a ele por conta prpria. Provavelmente essa tcnica levaria bem adiante as aplicaes teraputicas dos sonhos lcidos (veja o Captulo 7). A tese de doutoramento de Joe Dane, apresentada recentemente na Universidade da Virgnia, em Charlotesville, oferece o apoio mais forte at agora apresentado em favor da possvel utilidade da sugesto ps-hipntica como mtodo de induo de sonhos lcidos. Os quinze casos de estudo femininos de Dane (todos com uma contagem acima do nvel mdio numa medida de suscetibilidade hipnose, todos se lembrando de pelo menos um sonho lcido por ms e todos afirmando no ter tido nenhum sonho lcido anteriormente) receberam sugestes ps-hipnticas de sonhar lucidamente quando se submeteram aos registros, numa nica noite. Quatorze dos quinze descreveram pelo menos um episdio curto de sonho lcido. Contrariamente maioria dos outros estudos, o de Dane apresentou mais descries de sonhos lcidos a partir do sono nAo REM do que do sono REM. Alguns dos sonhos lcidos NREM pareciam-se com os "sonhozinhos" descritos anteriormente neste captulo, de modo que difcil avaliar exatamente o significado real desses resultados. Contando s os sonhos lcidos REM inequvocos verificados por sinais de movimentos dos olhos, temos uma taxa de xito consideravelmente mais modesta, que de trinta e trs por cento. Mas mesmo esse valor parece muito bom quando se leva em conta que nenhum dos casos em estudo havia tido sonhos lcidos anteriormente. Creio que Dane contribuiu significativamente para o progresso no que diz respeito induo de sonhos lcidos por meio da sugesto ps-hipntica. No Captulo 5 foi mencionado o uso de algum elemento particular do contedo do sonho como pista de lucidez (um exemplo a minha "multiplicao das lentes de contato") Uma tcnica intimamente relacionada com essa implica apresentar, no sono REM, um estmulo externo como pista de lucidez visto que bem sabido que de vez em quando os estmulos se incorporam nos sonhos. Quase todo mundo j passou pela sensao de ouvir um som irritante (como por exemplo a serra ircular do vizinho) e acordar um instante depois verificando que o que estava de fato fazendo o barulho, igualmente irritante, era o despertador. Se tivermos um despertar mais suave, com msica ou notcias, estas podem se introduzir nos nossos sonhos. s vezes tambm so incorporados nos sonhos outros estimules do restante dos modos sensoriais (odor, tato, viso, temperatura e possivelmente ainda outros sentidos) e qualquer desses meios sensoriais pode transportar para quem est sonhando um lembrete de que est sonhando. O leitor acostumado a pensar no sono como "estar morto para o mundo" pode achar tudo isso contraditrio. Mas o fato que o crebro adormecido mantm um grau de contato com o ambiente, procurando o significado das informaes sobre fatos externos que so recebidas por intermdio dos sentidos. Afinal de contas, conseguimos acordar quando algum nos chama pelo nome, mas continuamos a dormir se o nome de outra pessoa ou se um avio est voando por cima da nossa cabea. E imagine a me que continua dormindo com o marido roncando ao lado, mas acorda com o choro fraco do filho que est num outro quarto! Se estamos monitorando o ambiente procurara de fatos significativos como estes, por que no podemos dormir com a inteno de observar alguma pista sensorial combinada previamente, como lembrete de que estamos sonhando? Ocorreu-me a seguinte idia: a abordagem mais direta seria usar como pista uma frase que declarasse o que a pessoa que est sonhando quer perceber; por exemplo, "sto um sonho". Experimentei isso pela primeira vez em setembro de 1978 no Laboratrio do Sono de Stanford, com o dr. Lynn Nagei. Lynn ficou com a pior parte do acordo, pois ficou acordado a noite toda monitorando as minhas ondas cerebrais e os meus perodos REM enquanto eu dormi. Enquanto estava me observando no sono REM, ps no gravador uma fita gravada que eu havia feito antes, transmitindo-a num nvel moderado, por um alto-falante colocado perto da cama. mensagem gravada dizia, com a minha voz: "Stephen, voc est sonhando" e alguns segundos depois sugeria que eu continuasse a dormir, mas percebesse que estava sonhando. Naquela poca, sendo ainda um recm-chegado ao laboratrio do sono, eu no andava dormindo muito bem e me pareceu que estava deitado na cama, acordado. Ento ouvi, proveniente do quarto vizinho, a voz de um mdico comentando com sotaque alemo: "ncrvel! Esta caso non terr sono REM o noite toda!" Ao ouvir aquilo, no me surpreendi. Tanto quanto eu sabia, no estava com nenhum tipo de sono. Mas no momento seguinte fiquei atnito ao ouvir a minha prpria voz saindo do sistema de amplificao e anunciando: "Voc est sonhando!" Fiquei lcido imediatamente. Funcionou! Fiquei muito excitado. Num mundo de sonho subitamente lindo e mais vvido que a vida real, eu estava acordado no sono! Mas alguns segundos depois a fita continuou com uma voz, agora suficientemente forte para acordar os mortos, para no falar em acordar quem estava dormindo, que dizia:"Continue a dormir". A acordei. Essa primeira experincia mostrou que de fato os sonhos lcidos podiam ser induzidos por sugesto verbal direta no sono REM. interessante o fato de eu ter ouvido no sonho "Voc est sonhando" em tom alto e claro, mas absolutamente no ter ouvido o meu nome. Talvez ouvir inconscientemente o meu nome tenha estimulado a minha ateno, deixando-me ouvir o resto da mensagem conscientemente. Tivermos dois motivos para usar a minha voz para gravar a mensagem. Primeiro, espervamos que ser avisado pela prpria . voz seria mais parecido com ser avisado mentalmente por mim mesmo e, segundo, porque um estudo feito anteriormente verificou que quando a pessoa ouve gravaes da prpria voz enquanto est no sono REM o resultado so sonhos em que a pessoa se v mais ariva, assertiva e independente do que quando ouve gravaes na voz de outra pessoa 11 . Como essas propriedades esto associadas a sonhar lcidamente espervamos que ouvir a minha prpria voz pudesse reforar essas propriedades e facilitar a minha percepo de estar sonhando. Esse foi o comeo de uma srie de sondagens que ainda esto continuando. Pedimos a quatro pessoas interessadas em sonhar lucidamente que passassem uma ou duas noites no laboratrio do sono. Cada qual fez uma gravao que repetia a frase "sto um sonho" entre cada quatro e oito segundos. A fita foi tocada num volume gradualmente crescente de cinco a dez minutos depois do incio de cada perodo REM. Cada pessoa recebeu instrues de fazer um sinal (com um par de movimentos dos olhos, para a esquerda e para a direita) sempre que ouvisse a gravao ou verificasse que estava sonhando. mediatamente depois de observar esse sinal de movimento dos olhos no polgrafo, o tcnico desligava o gravador de som. Quando as pessoas no acordavam por si mesmas, o tcnico as acordava e pedia que descrevessem os sonhos. O estmulo da fita gravada foi aplicada num total de quinze vezes e provocou lucidez em um tero dos casos e, de modo" geral, um dos quatro resultados seguintes: 1. Bespertar. Na maioria dos casos (cinquenta e trs por cento) as pessoas disseram que ouviram a gravao s depois que foram acordadas por ela . 2. Incorpora@Ao com (ucide0. Em vinte por cento dos casos as pessoas disseram que ouviram a gravao no son)o e fizeram o sinal enquanto estavam sonhando (agora lucidamente). o mesmo tipo de resultado que havamos obtido nas primeiras experincias que fizemos com estmulos gravados. 3. Incorpora@Ao sem (ucide0. Duas vezes as pessoas descreveram um contedo de sonho claramente relacionado com o estmulo gravado sem que, no entanto, ficassem lcidas antes do despertar. O exemplio mais curioso disso apareceu quando uma das pessoas em estudo acordou depois que a fita havi sido tocada e escreveu uma descrio do sonho que teve. Nesse ponto perguntei-lhe se havia ouvido fita gravada, e me garantiu que absolutamente no Fiquei muito surpreso quando, mais tarde, li a descrio que fez. Perto do final do sonho, reclamou que algum estava querendo lhe dizer alguma coisa, mas ele no quis lhe dar ouvidos. Que estavam dizendo? "Voc est sonhando!" incrvel, mas a pessoa nem chegara a reconhecer a frase enquanto estava fazendo a descrio da mesma, depois de acordar! L. Fucide0 sem incorpora@Ao. Em duas ocasies nossos casos de estudo chegaram lucidez e deram o sinal (enquanto a fita estava sendo tocada), sem absolutamente ouvir conscientemente o estmulo no sonho. exaramente o oposto da situao anterior. Em um desses casos, com a fita gravada me acordando do meu primeiro perodo de sono REM, fiquei frustrado porque me perturbaram o sono sem motivo nenhum e decidi que tentaria induzir um sonho lcido por minha conta durante o perodo REM seguinte antes que a fita tivesse oportunidade de me acordar. Por isso, utilizei a tcnica do MLD para me acordar. mediatamente me vi lutando violentamente com o meu pai. Percebi que estava sonhando e, j que no tinha ouvido nenhuma gravao, pensei: "Ento estes so os primeiros dez minutos de REM". Parece que aquele pensamento provocou o sumio do sonho e logo depois acordei. Logo que escrevi a minha descrio do sonho, o tcnico entrou no quarto e perguntou se eu havia ouvido a fita. "Como? Quando? Que fita?", disse eu, confuso. Acontece que a fita havia sido posta para tocar aproximadamente vinte segundos antes de eu ter dado o sinal (que, por faiar nisso, foi depois de vinte minutos de REM, no dez). Aparentemente, a minha percepo inconsciente da mensasagem me ajudou a perceber que estava sonhando. Os resultados daquele estudo tambm nos deram uma ida da complexidade e da multiplicidade das variveis implicadas. Primeiro, h a questo de determinar a melhor hora de aplicar o estmulo, j que nem todo momento de sono REM parece igualmente apropriado para sonhar lucidamente. Quanto mensagem em si, qual a sua forma tima? Na primeira pessoa. "Estou sonhando?" Na segunda pessoa, "Voc est sonhando?" Ou objetiva, "sto um sonho?" Nossa pesquisa em Stanford est dirigida no sentido de achar como podemos sair desse emaranhado de perguntas e conseguir um meio fidedigno de induzir sonhos lcidos em pessoas que no tm experincia anterior desse fenmeno. Outra questo importante saber se uma pista verbal a melhor coisa ou no. Em princpio, qualquer estmulo em qualquer modo sensorial pode ser usado como pista para lembrar, a quem est sonhando, que est sonhando.Talvez uma melodia" (digamos, o Acordai- 'Es ?ue dormis de Bach) pudesse ser mais eficiente que a fala. Ou, j que o olfato o nico sentido que no atravessa a estao de distribuio do crebro, chamada tlamo, e por isso no pode ser inibido durante o sono, como os demais sentidos, pode ser que um perfume funcionasse como pista eficiente. Um estudo clssico de Dement e Wolpert 13 analisou a incorporao do sonho em vrios modos sensoriais. Os autores viram que os estmulos tteis eram incorporados aos sonhos com maior frequncia que a luz ou o som. sso sugere que o estmulo ttil pode oferecer uma pista de lucidez eficiente. De fato, na Gr-Bretanha, h alguns anos, Keith Hearne estava anunciando uma "mquina de sonhar" que funcionava de acordo com esse princpio. O dispositivo de Hearne media a taxa respiratria com um sensor da temperatura nasal e, sempre que observava um aumento da taxa respiratria da pessoa que estava sonhando, aplicava-lhe uma srie de choques eltricos no pulso. O problema era que, se o sonhador estivesse com sorte, os choqus viriam no perodo de sono REM, mas tambm podiam facilmente ser aplicados no perodo de sono NREM ou at na pessoa acordada. Se os choques no acordassem a pessoa, mas em vez disso fossem incorporados ao sonho, e se o sonhador reconhecesse como pistas os estmulos incorporados, poderia ser produzido um sonho lcido. Estes "ses", porm, so muitos e a escassa pesquisa cientfica disponvel sobre essa mquina sugere que pode no mximo ser considerada marginalmente eficiente. Embora a ideia parea boa, a execuo foi aparentemente menos que tima para a finalidade pretendida. Creio que provavelmente uma questo de tempo chegar ao ponto em que algum aperfeioe e comercialize um dispositivo de induo de sonhos lcidos eficiente; uma das prioridades mximas atuais das minhas pesquisas. Para quem pretende sonhar lucidamente, um artefato tecnolgico desses poderia fazer a mesma coisa que as mquinas de retroalimentao fazem para os nefitos da meditao. Nos dois casos esse auxiliar tecnolgico poderia permitir que o principiante desse a partida com mais facilidade e com isso economizasse anos de esforos desorientados e frustrantes. Mas provavelmente chegar o tempo em que a confiana na assistncia externa ser um obstculo para que o aprendiz se desenvolva mais. Quando estamos fracos, as muletas podem nos ajudar a andar, mas nunca conseguiremos danar se no as pusermos de lado. CAPTULO 7 O Sonhador Prtico! Aplica"#es dos Sonhos Lcidos Em relao eletricidade, uma "curiosidade cientfica" do sculo XV, diz-se que uma mulher perguntou a Benjamin Franklin: "Mas para que serve?" A resposta famosa: "Madame, para que serve um beb recm-nascido?" Se neste estgio fosse feita a mesma pergunta em relao a sonhar lucidamente, uma "curiosidade cientfica" do sculo XX, poderia ser dada a mesma resposta. Embora por enquanto possamos apenas especular, o nosso trabalho em Stanford e as descries de outros sonhadores lcidos sugerem que, como a eletricidade, os sonhos lcidos tambm podem ser aproveitados para nos ajudar a desempenhar inmeras tarefas com uma facilidade muito maior. As aplicaes dos sonhos lcidos, tal como me parecem hoje, caem de modo geral em quatro reas amplas: explorao cientfica; sade e crescimento interior; soluo de problemas criativos, ensaios e tomadas de deciso; satisfao de desejos e recreao. Visto que j foram apresentados os usos e vantagens de sonhar lucidamente na explorao cientfica do estado de sonho, vamos nos ocupar apenas com as trs ltimas categorias. Todas as aplicaes de sonhar lucidamente que vamos examinar so exemplos de criati'idade. Tendo em vista que a vantagem mais geral oferecida pela percepo lcida (tanto no sonho como no estado acordado) a capacidade de agir flexvel e criativamente, no deveria constituir surpresa o fato de todas as aplicaes dos sonhos lcidos serem, em certo sentido, exemplos de criatividade. Como observaram Elmer e Alyce Green, pesquisadores da retroalimentao biolgica: Parece cada vez mais certo que a cura e a criatividade so partes diferentes de um nico quadro. Tanto Swarrri Rama como Jack Schuwartz, sufista ocidental com quem recentemente tivemos a oportunidade de trabalhar, sustentam que possvel curar a si mesmo num estado de r:'erie profunda.. . Mas esta "maneira" de manipular as imagens tambm a mesma em que vemos idias sendo tratadas criativamente. . . para a soluo de problemas intelectuais. Que achado interessante! 1 Os Green vo mais adiante e descrevem o que significa criatividade em trs nveis diferentes: fisiolgico, psicolgico e social. Em termos fisiolgicos, criatividade significa cura fsica e regenerao; em termos emocionais, significa criar mudanas de atitude que favorecem o estabelecimento da harmonia interior; na esfera mental, implica a sntese de idias novas. Os Green continuam: A entrada, ou chave, de todos estes processos interiores [] um estado particular de conscincia no qual o vazio existente entre os processos conscientes e inconscientes diminudo voluntariamente e eliminado temporariamente quando necessrio. Quando se estabelece aquele devaneio auto-regulado, aparentemente o corpo pode ser programado vontade e as instrues dadas sero cumpridas, os estados emocionais podem ser examinados, sem paixes, aceitos ou rejeitados ou totalmente suplantados por outros julgados mais teis, e os problemas insolveis no estado normal de conscincia podem ser resolvidos com elegncia 2 . O estado de conscincia a que os Green se referem no o sonho lcido e sim o estado hipnaggico ou de devaneio. Assim mesmo parece que as concluses a que chegaram podem ser aplicadas ainda mais praticamente ao estado de sonhar lucidamente, no qual a mente consciente se confronta cara a cara com o inconsciente. O on!o que Cura Testemunhando o poder emocional de cura dos sonhos, Goethe escreveu: "Houve vezes em que adormeci em lgrimas; mas nos meus sonhos formas das mais encantadoras vieram me animar, e acordei revigorado e animado" 1 . No mundo antigo o uso dos sonhos na cura era muito disseminado. Os doentes dormiam nos templos de cura, em busca de sonhos que curassem ou ao menos diagnosticassem a doena e sugerissem, um remdio. Menciono isso para lembrar que curar por meio de sonhos lcidos uma idia parcialmente nova e parcialmente antiga. Mas antes de continuar precisamos primeiro esclarecer exatamente o significado das palavras "sade" e "cura". Segundo a concepo popular, uma funo importante desempenhada pelo sono e pelos sonhos proporcionar a recuperao. Acontece que h provas cientficas que sustentam a con- cepo de sono de Macbeth, ou seja, "o sono o principal fornecedor de alimento no banquete da vida". Por exemplo, entre muitas espcies existe uma correlao entre a quantidade de sono e a necessidade de recuperao, como se v medindo a taxa metablica. Da mesma forma, no caso dos seres humanos o exerccio fsico leva a ter mais sono, especialmente sono delta, que, por sua vez, libera mais hormnio do crescimento. Por outro lado, parece que o exerccio mental ou o esforo emocional do como resultado um aumento do sono REM e, conseqiientemente, um aumento de sonhos. Por ser uma ocasio de isolamento relativo dos desafios ambientais, o sono permite que a pessoa recupere a sade tima ou a capacidade de reagir adaptavelmente. Os processos de cura pelo sono so holsticos, ocorrem em todos os nveis do sistema humano. provvel que nos nveis psicolgicos mais altos essas funes curativas normalmente sejam desempenhadas durante os sonhos do sono REM. Digo "normalmente" porque, devido a atitudes e hbitos mentais mal adaptveis, nem sempre os sonhos desempenham as suas funes, como se pode ver no caso dos pesadelos, que discutiremos mais adiante neste captulo. * *- Ser que os pesadelos e tragdias eventualmente tambm no poderiam ser "teis, apenas dependendo do que faamos com eles??? (N.T.) Os seres humanos so sistemas vivos extremamente complexos e de muitos nveis. Embora esteja simplificando demais, posso dizer que til distinguir trs nveis principais de organizao que compem o que somos: biolgico, psicolgico e social (como foi mencionado anteriormente com relao pesquisa dos Green). Esses nveis refletem a identidade parcial de cada um como corpo, mente e membro da Sociedade. Cada nvel afeta o outro, em maior ou menor grau. Por exemplo, o seu nvel de acar no sangue (biologia) afeta o aspecto agradvel que aquele prato de biscoitinhos apresenta para voc (psicologia) e talvez at afete o fato de voc estar com fome suficiente para roubar um deles (sociologia). Por outro lado, o grau com que voc aceitou as regras e normas da sociedade afeta o grau de culpa que voc sente se, chegou mesmo a roubar. Por isso, parece que o aspecto dos biscoitos (psicologia) depende do seu grau de fome (biologia) e de quem mais est por perto (sociologia). Devido a essa organizao de trs nveis, podemos encarar os seres humanos como "sistemas biopsicossociais". E como os desafios ambientais (como o mencionado acima) aparecem em todos os nveis da organizao biopsicossocial do indivduo, do celular ao social, e como estamos falando das reaes do indivduo todo- os conceitos de sade e cura que desenvolvemos so holsticos. Definiu-se sa!de como "um estado de funcionamento timo livre de doena e anormalidade". O domnio abrangido por esse funcionamento a vida em todas as suas complexidades. Em termos mais gerais a sade pode ser definida como uma condio de reao (adaptvel) aos desafios da vida.* Para que as reaes sejam "adaptveis" preciso no mnimo que resolvam uma situao de um modo que seja favorvel e no perturbe a integridade, ou inteireza, do indivduo.** De certo modo, as reaes adaptveis tambm melhoram no relacionamento do indivduo com o ambiente que o cerca. Existem graus de adaptao; o timo o que definimos como sade. * ou seja: uma reao aceitvel e positiva (integradora) pelos sistemas biolgico, psicolgico e social. (N.T.) ** e/ou dos seus (sub)sistemas bio, psico e social. (N.T.) Por essa definio, estar so [sadio] implica mais do que simplesmente manter o status ?uo. Ao contrrio, quando os nossos comportamentos conhecidos so inadequados para enfrentar uma situao, uma reao saudvel inclui aprender comportamentos novos e mais adaptveis. E quando aprendemos comportamentos novos, crescemos; tendo crescido, sentimo-nos mais bem equipados do que antes para lidar com os desafios da vida . Os sonhos lcidos tm uma semelhana de famlia com o sonho acordado, o devaneio hipnaggico, os estados provocados por drogas psicodlicas, alucinaes hipnticas e outros tipos de formao de imagens mentais. Como muitos membros dessa famlia encontraram um emprego proveitoso nos crculos teraputicos, parece razovel esperar que aqui sonhar lucidamente tambm se mostre, eficaz. Segundo os drs. Dennis Jaffe e David Bresler, "as imagens formadas mentalmente mobilizam as foras interiores e latentes da pessoa, foras que tm um potencial imenso para ajudar no processo de cura e na defesa da sade" 4 . Qualquer que seja o funcionamento das imagens formadas, so usadas em inmeras abordagens psicoteraputicas, que vo da psicanlise modificao do comportamento. At certo ponto, a eficincia das imagens depende da credibilidade que tm como realidade de modo que parece provvel que as imagens de cura que aparecem nos estados de sonhos lcidos possam ser especialmente eficientes. sso acontece porque os sonhos lcidos no so simplesmente sentidos como muito realsticos e muito vvidos; sem exagerar, podemos dizer que sonhar lucidamente a #orma mais '&'ida de formar imagens que os indivduos normais tm probabilidade de sentir. Por isso, o que acontece nos sonhos lcidos tem um impacto poderoso, compreensvel na pessoa que est sonhando, tanto no que se refere ao que sente no sonho como fisicamente. A hipnose uma tcnica teraputica de formao de imagens que possivelmente poderia ser relevante no caso dos sonhos lcidos. As pessoas que tm sonhos hipnticos enquanto esto em transe profundo descrevem sensaes que tm muito em comum com os sonhos lcidos. Quem sonha hipnoticamente quase sempre fica particularmente lcido nos sonhos e, nos estados mais profundos, da mesma forma como os sonhadores lcidos, sentem as imagens como se fossem reais, ou quase reais. As pessoas profundamente hipnotizadas conseguem exercer um controle notvel de muitas das prprias funes fisiolgicas, como inibir reaes alrgicas, parar de sangrar e induzir anestesia vontade. nfelizmente essas reaes evidentes limitam-se aos cinco ou dez por cento da populao capaz de entrar em hipnose profunda [estado sonamblico. (N.T.)]; e parece que essa capacidade no treinvel. Por outro lado, sonhar lucidamente uma tcnica que pode ser aprendida e os sonhos lcidos poderiam conter o mesmo potencial de auto-regulagem da hipnose profunda e ter a vantagem de poder ser aplicada a uma proporo muito maior da populao. Uma das aplicaes mais interessantes da formao mental de imagens o trabalho de Care Simonton com pacientes cancerosos. O dr. Simonton e os colegas contam que vrios pacientes portadores de cncer adiantado que suplementaram a radiao padronizada e o tratamento quimioterpico com imagens de cura sobreviveram, na mdia, duas vezes mais tempo do que o esperado pelas mdias do pas. Apesar de ser necessria cautela na interpretao desses resultados, ainda fica a sugesto de possibilidades interessantes. Tendo em vista a conexo direta que h entre o corpo e a mente (conforme demonstramos nas nossas experincias com sonhos lcidos), parece justificvel esperar que a formao de imagens de cura durante os sonhos lcidos possa ser ainda mais eficaz. O fato de nossos laboratrios terem revelado uma correlao elevada entre o comportamento de sonho e as reaes fisiolgicas apresenta uma oportunidade rara de desenvolver um grau incomum de autocontrole da fisiologia, que pode ser til na cura de si mesmo. Nos sonhos lcidos voc poderia executar de maneira inteligvel atos especificamente projetados para ter precisamente qualquer consequncia fisiolgica que pudesse desejar. Uma parte das tcnicas comumente usadas pelos assim chamados "praticantes de curas paranormais", descritas com bastante frequncia, consiste em imaginar que o paciente est num estado de sade perfeita. Tendo em vista que, quando sonhamos, geramos imagens corporais na forma do nosso corpo de sonho, por que no seramos capazes de iniciar processos de autocura nos sonhos lcidos pelo processo de visualizar conscientemente o nosso corpo de sonho perfeitamente so? Alm do mais, se o nosso corpo de sonho no aparece num estado de sanidade perfeita, podemos ir mais adiante e cur-lo simbolicamente da mesma maneira. Das pesquisas que fizemos em Stanford sabemos que possvel fazer coisas como essas. Aqui fica uma pergunta para o futuro pesquisador de sonhos lcidos responder: se curamos o corpo de sonho, at. que ponto podemos tambm curar o corpo fsico? * * Ou seja: at que ponto a "realidade concreta e a "realidade no sonho so interlaadas, interdependentes e, porque no, "contnuas dentro do mesmo espectro da conscincia? (N.T.) A possibilidade de autocontrolar voluntariamente a fisiologia durante os sonhos lcidos atraente por outro motivo. Em geral, um indivduo consegue controlar apenas um parmetro fisiolgico (taxa cardaca, ondas cerebrais, presso arterial e assim por diante) dentro da faixa normal de variao para um dado estado de conscincia. Por exemplo, enquanto voc est acordado s pode alterar deliberadamente a frequncia e a intensidade das suas ondas cerebrais dentro dos limites normais da atividade cerebral que tem quando est acordado. Pode aumentar ou diminuir ,a quantidade de ondas alfa que produz, desde que estejam associadas ao estado acordado, mas no consegue que o seu crebro produza ondas delta do mesmo modo que produz quando voc est dormindo profundamente. De todos os estados normais de conscincia que um indivduo atravessa todo os dias e noites, o estado que tem a faixa mais ampla de variabilidade fisiolgica o sono REM. Com isso, sonhar lucidamente, que ocorre no sono REM, oferece ao interessado em se autocontrolar voluntariamente os parmetros mais amplos possveis com que operar. Uma pessoa que tem presso sangunea alta provavelmente poderia baixar a prpria presso com toda facilidade e, indo mais adiante, mais no sono REM lcido do que no estado acordado. Quo prtico isso vai demonstrar ser e que efeitos a longo prazo poderia ter so questes abertas. Mas possvel que a presso sangunea diminuda durante o sonho lcido resulte em presso sangunea baixa no estado acordado subsequente. O outro lado da hiptese que diz que a formao de imagens positivas no sonho consegue favorecer a sade que a formao de imagens negativas no sonho consegue contribuir para a doen- a. Harold Levitan, da Universidade McGill, estudou os sonhos de pacientes psicossomticos. Caracteristicamente, esses sonhos implicam leses no corpo e o dr. Levitan sugere que "a sensao repetitiva de um trauma consumado contribui para o mau funcionamento dos sistemas fisiolgicos e, consequentemente, para a produo da doena" 5 . sso parece suficientemente plausvel. Se estamos dispostos a aceitar a possibilidade de um sonho conseguir curar, parece que tambm temos de aceitar a posio de que pode causar danos. Tendo em vista que sade significa integridade aumentada, geralmente o crescimento psicolgico exige a reintegrao de aspectos negligenciados ou rejeitados da personalidade e isso pode ser atingido consciente e deliberadamente por meio dos contatos simblicos do sonho lcido. Em geral o contedo de um sonho de cura assume a forma de uma integrao ou unio de imagens. Geralmente a auto-imagem (ou ego) unificada com elementos do que Jung chamava "a sombra". Para simplificar, vamos dividir nossas personalidades em duas classes. De um lado colocamos todas as caractersticas que achamos agradveis e "boas". Essas qualidades so o agregado da representao que fazemos de ns mesmos, ou "ego". Do outro lado colocamos todos os traos e propriedades que consideramos "maus" ou que no apreciamos em ns mesmos e, consciente ou inconscientemente, desejamos negar. Rejeitamos essas propriedades projetando-as na imagem mental de um "outro", ou seja, "a sombra." Note que auto-representao algo incompleto, no inteiro: deixa a sombra de fora. De acordo com Jung, quando o ego aceita intencionalmente os aspectos da sombra, desloca-se para o lado da integridade e do funcionamento psicolgico saudvel. A capacidade de agir voluntariamente de acordo com ideais, em vez de hbitos, permite que o sonhador lcido aceite conscientemente aspectos da personalidade reprimidos anteriormente e com isso os integre. So as pedras rejeitadas pelo construtor do ego que formam os alicerces do novo Eu. A importncia de assumir nos sonhos a responsabilidade at dos elementos da "sombra" fica exemplificada pelas dificuldades que atormentaram a vida de sonhos de Frederick van Eeden. "Num exemplo perfeito de sonho lcido", escreveu van Eeden, "fico flutuando em paisagens imensamente amplas, com um cu ensolarado e de um azul puro, com um sentimento profundo de beatitude e gratido que me sinto impelido a expressar com palavras eloqentes de agradecimento e devoo 6 . Mas, por algum motivo, van Eeden achou que aqueles sonhos lcidos piedosos geralmente eram seguidos pelo que denominou 9son)os de demMnios9 nos quais sempre era atacado, atormentado e zombado pelo que supunha ser "seres inteligentes de classe moral muito baixa" 7 . Provavelmente Jung teria considerado os sonhos de demnios de van Eeden exemplos de compensa@Ao que se esforavam por corrigir o desequilbrio mental provocado pela sensao de hipocrisia e compaixo vazia. provvel que Nietszche tenha respondido mais aforisticamente: "Se uma rvore cresce at os cus, as razes vo at o inferno". De qualquer modo, para van Eeden, a existncia evidente daqueles remanescentes demonacos da dade Mdia foi uma fonte de constrangimento incrvel: afinal, era ou no era o sculo XX? Assim mesmo, sendo um explorador dedicado do espao interior, sentiu-se impelido a explicar a presena deles nos seus prprios sonhos. Era constrangedor, mas os demnios estavam l, sem dvida nenhuma. Assim mesmo van Eeden no conseguia se convencer de que sua prEpria mente era responsvel por "todos os horrores e erros da vida nos sonhos". Como era impossvel que ningu%m fosse responsvel, deveria haver mais algum; e assim van Eeden foi obrigado a apoiar-a hiptese dos demnios. Por acreditar naquilo, nunca conseguiu se libertar dos sonhos de demnios e os esforos que fez para se livrar deles encontraram resistncia durante toda a sua vida. Van Eeden no o nico sonhador lcido que teve problemas com sonhos de demnios. Saint-Denys tambm teve a sua cota de "monstros abominveis" nas exploraes que fez nos sonhos; a maneira pela qual encarava esses monstros d um contraste educativo com a atitude de van Eeden. Certa vez, o marqus viu-se atormentado por um pesadelo "pavoroso" que se repetiu muitas vezes: Eu no estava consciente de estar sonhando e imaginei que estava sendo perseguido por monstros abominveis. Estava passando por uma srie interminvel de salas. Era difcil abrir as portas que separavam as salas e, nem bem eu fechava a porta de uma, ouvia-a ser aberta de novo pela procisso horrorosa dos monstros. Enquanto tentavam me alcanar, soltavam gritos horrveis e percebi que estavam ganhando terreno. Acordei com um sobressalto, arquejante e banhado de suor. O mesmo pesadelo, "com todos os terrores resultantes", repetiu-se quatro vezes no decorrer de seis semanas. Mas, "na quarta ocorrncia do pesadelo", Saint-Denys escreve: Logo que os monstros estavam na iminncia de comear a me perseguir, subitamente fiquei consciente da minha situao. O desejo de me livrar daqueles terrores ilusrios deu-me a fora para superar o medo. No fugi; ao contrrio, com muita fora de vontade, pus as costas contra a parede e fiquei determinado a olhar os monstros fantasmas cara a cara. Dessa vez faria um estudo deliberado deles, no daria apenas uma olhadela, como havia feito nas ocasies anteriores. Apesar da lucidez, Saint-Denys no incio "sentiu um choque emocional razoavelmente violento", explicando que "no sonho, o aparecimento de alguma coisa que a gente teme ver ainda pode ter um efeito considervel na mente, mesmo que se esteja de sobreaviso". Assim mesmo, o intrpido sonhador lcido continuou: Encarei o assaltante principal. Tinha alguma semelhana com um daqueles demnios peludos e de cara feia que se v esculpidos nos prticos das igrejas. A curiosidade acadmica logo superou todas as minhas outras emoes. Vi o monstro fantstico parar a poucos passos de mim, sibilando e pulando. Quando consegui dominar o medo, o comportamento dele me pareceu caricato. Notei as garras de uma das mos, ou melhor, patas. Eram sete ao todo, cada qual delineada com exatido. As feies do monstro eram todas muito precisas e realsticas: plos e sobrancelhas, o que parecia um ferimento no ombro, e muitos outros detalhes. Para dizer a verdade, eu classificaria essa imagem como uma das mai s cl ar as que j t i ve em sonhos. Talvez aquela imagem estivesse baseada em alguma lembrana de um baixo relevo gtico. Se foi isso ou no, sem dvida minha imaginao foi responsvel pelo movimento e cor da imagem. O resultado de concentrar a minha ateno naquela figura foi que todos os aclitos desapareceram como num passe de mgica. Logo depois o monstro principal comeou a diminuir a velocidade, perder a preciso e adquirir uma espcie de pele flutuante parecida com as fantasias na poca do carnaval. Seguiram-se algumas cenas admirveis e finalmente acordei 8 . E esse foi o fim dos pesadelos de Saint-Denys. A coisa mais prxima que tive de um "sonho de demnio" foi o sonho lcido do "motim na sala de aula" (mencionado no Captulo 1), no qual consegui aceitar e integrar um dos meus demnios, o ogre repugnante. Em diversos nveis parece claro que aquele foi um sonho de cura. Em primeiro lugar, o conflito inicial (um estado de tenso doentio) foi resol vido positivamente. Alm disso, o ego do sonho tambm foi capaz de aceitar o brbaro como parte de si mesmo e, desse modo, ficar mais perto da integridade. Finalmente, h mais uma prova direta: a sensao crescente de inteireza e bem-estar que senti quando acordei. Existem alternativas para esta tcnica de aceitao e assimilao intencionais. Outro sonho que tive um exemplo de sonho lcido que utilizou a transformao simblica. Eu tinha acabado de voltar de uma viagem e estava carregando pela rua uma trouxa de roupas de cama e roupas minhas, quando um txi encostou e barrou o meu caminho. Dois homens no txi e um do lado de fora ameaaram-me de roubo e violncia. De algum modo percebi que estava sonhando e imediatamente ataquei os trs assaltantes e fiz com eles uma pilha informe, na qual pus fogo. Das cinzas que sobraram fiz com que crescessem flores e acordei cheio de uma energia vibrante. Contrastando com a estratgia receptiva que segui no motim da sala de aulas, neste sonho adotei uma abordagem ativa, usando o smbolo purificador do fogo para transformar a imagem negativa dos assaltantes na imagem positiva das flores. A justificativa principal que tenho para achar que este um sonho de cura o fato de me sentir to bem quando acordei. E os assaltantes? Acho que se sentiram melhor sendo flores! Os dois sonhos lcidos que acabei de analisar so um exemplo de um princpio teraputico importante: para resolver conflitos pessoais, pode no ser necessrio interpretar o sonho. Em muitos casos esses conflitos podem ser resolvidos simbolicamente no prprio sonho. Enquanto o brbaro e os assaltantes poderiam bem ter representado simbolicamente alguma atitude, pro- priedade ou aspectos ocultos de mim mesmo, que eu estava procurando rejeitar e no admitir no meu "ego" ou imagem pessoal, fui capaz de resolv-los sem precisar ao menos saber o que re- presentavam. Assim sendo, a minha aceitao ou transformao dos personagens do sonho representou uma aceitao ou transformao simblica da emoo, comportamento ou papel que representaram, fossem quais fossem. A interpretao pode lanar uma luz auxiliar interessante no assunto, mas nesses casos parece-me que seria uma luz opcional. Os mesmos dois sonhos oferecem exemplos de outro princpio, de orientao importante no uso teraputico dos sonhos lcidos. Nos dois casos, atribu qualidades de cura aos sonhos lcidos com base no que senti quando acordei. Por experincia prpria, verifiquei que os sentimentos que me ficam depois de sonhar lucidamente indicam, com toda confiana, a minha avaliao intuitiva do comportamento que tive no sonho. favor no me entender mal. NAo estou dizendo que "se parece que bom, % bom". O que estou dizendo o seguinte: "se % bom depois- #oi bom". Essa a bssola pela qual guiei as minhas sondagens pessoais pelo mundo dos sonhos lcidos. Se num sonho lcido fao alguma coisa que me deixa satisfeito depois, fao a mesma coisa nos sonhos lcidos futuros. Se no gosto de alguma coisa que fiz, evito repeti-la em outros sonhos lcidos. evidente que seguir essa poltica me leva a sensaes cada vez melhores nos sonhos lcidos. E, em vez de recomendar aos meus alunos que sigam algum roteiro especial nos sonhos lcidos, aconselho-os a seguir o mesmo caminho geral: "O sonho seu. Experimente-o e veja como se sente depois. Se ouvir a sua prpria conscincia, no vai precisar de nenhuma outra regra". Pesadelos e "edu+,o da Ansiedade Segundo Freud, os pesadelos eram o resultado de uma satisfao de desejos masoquistas. base dessa noo curiosa era o fato de Freud estar inabalavelmente convencido de que todo sonho representava a satisfao de um desejo. "No sei por que o sonho no poderia ser variado como se pensa que no estado acordado", escreveu Freud com ironia. "Num caso seria um desejo satisfeito, em outro um medo percebido, uma reflexo que persiste no sono, uma inteno ou um trecho de pensamento criativo" 9 . Da sua parte, escreveu Freud, "eu no teria nada em contrrio ... no caminho dessa concepo mais conveniente do sonho h apenas um obstculo insignificante; acontece que no reflete a realidade" 10 . Se para Freud todos os sonhos no eram seno a satisfao de um desejo, deveria se dar a mesma coisa com os pesadelos: as vtimas dos pesadelos deveriam deseHar secretamente ser humilhadas, torturadas ou perseguidas. Como o espelho em que vejo a realidade diferente do espelho de Freud, no necessariamente vejo cada sonho como a expresso de um desejo; nem vejo os pesadelos como uma satisfao masoquista; vejo-os como o resultado infeliz de reaes doentias. A ansiedade sentida nos pesadelos pode ser encarada como uma indicao de que o processo do sonho fracassou e no funcionou com eficincia. A ansiedade aparece quando encontramos uma situao que provoca medo e contra a qual os nossos padres habituais de comportamento so inteis. Se uma pessoa tem um sonho de ansiedade que sempre volta, evidentemente precisa de uma abordagem nova para enfrentar a situao representada pelo sonho. Pode ou no ser fcil de achar, visto que, indubitavelmente o sonho [esse sonho] resultado de conflitos no resolvidos que a pessoa que est sonhando no quer enfrentar na vida real. Pode ser difcil resolver o pesadelo sem consertar a personalidade que o originou. Mas essa qualificao se aplica principalmente s personalidades cronicamente desajustadas. Se voc uma pessoa relativamente normal que tem pesadelos s de vez em quando, o prognstico muito mais favorvel. sto , desde que satisfaa um certo requisito: estar disposto a assumir a reponsabilidade do que sente e, em particular, dos seus sonhos. Se voc preenche essa condio, tem disposio uma ferramenta inexcedivelmente poderosa para enfrentar sonhos de ansiedade: sonhar lucidamente. Para descobrir como a lucidez ajuda a pessoa que sonha a superar situaes que provocam ansiedade, considere a seguinte analogia: vamos comparar o sonhador no lcido com uma cri- ana pequena aterrorizada pelo escuro. A criana acredita de, fato que ali h monstros. Talvez o sonhador lcido seja uma criana mais velha que ainda tem medo do escuro mas j no acredita mais que de fato haja monstros por ali. Essa criana mais velha poderia ficar com medo, mas saberia que no h nada a temer e poderia dominar o medo. O mesmo se d com o sonha- dor lcido. Falando biologicamente, a ansiedade desempenha uma funo especial. Resulta da ocorrncia simultnea de duas coisas: uma o medo em relao a alguma situao que acha- mos ameaadora; outra uma avaliao da impossibilidade de evitar um resultado desfavorvel. Em outras palavras, sentimos ansiedade quando estamos com medo de alguma coisa e no temos no nosso repertrio nenhum comportamento aprendido que venha nos ajudar a superar o que tememos nem a fugir disso. A ansiedade funciona para nos instigar a fazer uma varredura mais cuidadosa das nossas condies e reavaliar as possveis rota; de ao na procura de uma soluo que passou despercebida; em resumo, para que fiquemos mais conscientes. sso tem probabi- lidades de ser adaptvel simplesmente porque a concluso de que nenhum comportamento habitual ajuda exige um comportamento no habitual, intencional ou original. Por isso, quando sentimos ansiedade nos sonhos, a reao mais adaptvel seria ficar lcido e enfrentar a situao de maneira criativa. Na verdade, muito freqentemente a ansiedade parece dar como resultado uma lucidez espontnea, at nas crianas. Se fssemos ensinados a respeito dessa reao, poderia at se dar o caso de todos os sonhos de ansiedade serem sempre-lcidos. Em relao ao tratamento da ansiedade infantil nos sonhos, Mary Arnold-Forster menciona que ajudou vrias crianas a superar pesadelos com um toque de lucidez; tambm posso contar uma experincia que tive. Uma vez, quando estava tendo uma conversa interurbana sem muita importncia com uma sobrinha, puxei o meu assunto preferido e perguntei: "Como tm passado os seus sonhos ultimamente?" Madeleine, que na poca estava com sete anos, explodiu na descrio de um pesadelo horrvel. Havia sonhado que foi nadar na represa, como sempre fazia. Mas daquela vez havia sido ameaada e aterrorizada por um tubaro comedor de meninas! Compartilhei os sentimentos dela e acrescentei casualmente: "Mas decerto voc sabe que na 'erdade no existe nenhum tubaro no Colorado". Ela respondeu:' " claro que no!" Ento continuei: "Muito bem, se voc sabe que onde vai nadar no h mesmo nenhum tubaro, se alguma vez vir um de novo, vai ser porque estar son)ando. E no h dvida que um tubaro de sonho no pode fazer mal nenhum a voc. S mete medo na gente quando no se sabe que um sonho. Mas se voc sa/e que est sonhando, pode fazer o que quiser: pode at ficar amiga do tubaro do sonho, se quiser! Por que no experimenta?" Madeleine pareceu intrigada e logo demonstrou ter mordido a isca. Uma semana depois, telefonou e anunciou orgulhosamente: "Sabe o que eu fiz? 7ontei na tu/arAo e dei um passeio ne(e(9 No tenho meios de saber se essa abordagem de pesadelos infantis sempre d resultados to impressivos mas certamente vale a pena verificar. H alguma prova de que sonhar lucidamente desse modo traz alguma vantagem duradoura? Creio que h, e as minhas prprias experincias se encaixam nesse esquema. Em trinta e seis por cento dos sonhos lcidos que tive no meu primeiro ano (sessenta por cento nos primeiros seis meses) parece que a ansiedade conduziu lucidez. Contrastando com isso, no segundo ano a ansiedade apareceu quando reconheci que estava sonhando apenas em cerca de dezenove por cento dos meus sonhos l- cidos. No terceiro ano a ansiedade apareceu em apenas cinco por cento e, nos quatro anos seguintes, em apenas um por cento ou menos. Atribuo essa diminuio do nmero e da propor- o de sonhos de ansiedade minha prtica de resolver conflitos durante os sonhos lcidos. Essa reduo parece especialmente impressionante luz do fato de minha vida ter ficado muito mais cheia de tenses e exigncias naqueles ltimos anos. Se alguma coisa no tivesse resolvido os estresses da minha vida diurna, eu estaria sentindo ansiedade acordado, com aumento concomitante de ansiedade nos sonhos. Portanto, pode acontecer que saiam vantagens duradouras desse tipo "responsvel" de sonho lcido que venho praticando; em outras palavras, enfrentar o conflito e a ansiedade de sonho e lidar com eles nos sonhos lcidos pode dar como resultado mais comportamentos adaptveis enquanto se est dormindo e talvez tambm quando se est acordado. No que se refere aos meus sonhos lcidos, creio que existe um argumento convincente de que isso acontece. Primeiro, suponha que no fosse assim. Ao contrrio, suponha que enfrentar os meus medos e amar os meus inimigos de sonho fosse uma atividade ineficaz ou, pior ainda, doentia. Se esse fosse o caso, eu deveria ter descoberto que estava continuando a ter tantos sonhos de ansiedade como antes, ou at mais. Mesmo que os meus mtodos da assim chamada "auto-integrao" fossem meramente paliativos e inofensivos que aplicassem, por assim dizer, um curativo no sonho, ainda no haveria motivo para esperar melhorias. No entanto, o fato que, de um ano para outro, os meus sonhos lcidos ficaram significativamente mais livres de ansiedade. Obviamente eu estava fazendo alguma coisa acertada. Assim mesmo algum pode objetar razoavelmente, dizendo que simplesmente aprendi a no ficar lcido nos sonhos de an- siedade. No absolutamente uma objeo artificial, porm deixa de levar em conta todos os fatos relevantes. Em primeiro lugar, espera-se que quem est sonhando sempre acorde do sonho de ansiedade clssico. Segundo Freud, a funo da ansiedade no sonho acordar a pessoa que est sonhando sempre que as coisas encrespam demais. Por isso no deveramos esperar que uma pessoa continuasse dormindo no meio do pior dos pesadelos. Mas no meu caso, como expliquei antes, aprendi a utilizar a prpria ansiedade como pista in#a(&'e( de lucidez. Nesses lti- mos seis anos no fui acordado nenhuma vez de um sonho por causa de ansiedade, como deveria ter acontecido se viesse tendo pesadelos no lcidos. Durante todo esse perodo, um grau de ansiedade suficiente sempre me levou a despertar no sonho, em vez de despertar do sonho, dando-me com isso a oportunidade de enfrentar os meus medos e resolver os meus conflitos. Esse um potencial muito importante dos sonhos lcidos, pois quando "fugimos" de um pesadelo acordando, no tratamos do problema do nosso medo ou susto: simplesmente aliviamos temporariamente o medo e reprimimos o sonho que nos incute medo. Com isso, ficamos com um conflito no resolvido e com sentimentos negativos e doentios. Por outro lado, ficar com o pesadelo e aceitar o seu desafio, como possvel fazer com lucidez, nos permite resolver o problema do sonho de um modo que nos deixa mais saudveis do que antes. Por isso, se, como sugeri, curar era a inteno original do sonho que se tornou pesadelo, a lucidez consegue ajudar a resgatar o sonho que no deu certo. A flexibilidade e a autoconfiana que a lucidez traz consigo aumentam enormemente a capacidade de controlar as situaes apresentadas pelos sonhos. Acho que vale a pena desenvol- ver o hbito da flexibilidade nos sonhos lcidos. Alm de ser muito eficaz no mundo dos sonhos, geralmente tambm aplicvel no mundo acordado. De fato, em certas circunstncias pode ser a nica rota de ao aberta para voc. Na maioria das situaes seria irrealstico esperar que outras pessoas mudassem da maneira que voc pode querer que mudem; voc pode nem conseguir impedir que faam exatamente o que nAo quer que faam. Apesar disso, em qualquer momento, acordado ou sonhando, voc tem o poder de reestruturar o modo pelo qual v as circunstncias em que se encontra. Voc define o que sente. Quem e como quer ser, quanto e que parte de si mesmo prefere trazer para a situao com que confrontado, depende de voc: a escolha sua. Finalmente, se apesar de tudo que eu disse voc ainda pensar que so os acontecimentos externos que determinam suas perspectivas da vida, leia estas linhas e reflita: Dois homens olharam para fora Das grades de uma cadeia Um s conseguiu ver a lama; O outro viu as estrelas. Muitas veZes no fica to evidente qual a melhor perspectiva ou plano de ao. Muitas vezes a vida nos apresenta decises difceis e para isso temos os sonhos lcidos a nos ajudar a decidir com sensatez. Tomada de :ecis3es Evidentemente, tomar decises s problema quando existe uma incerteza quanto informao disponvel. De outra forma, a opo tima direta. Ento, em condies de incerteza, como os sonhos lcidos poderiam ajud-lo a tomar decises mais eficazes ("certas")? Para responder a essa pergunta temos de fazer uma rpida digresso e dicutir duas variedades distintas de conhecimento. Para examinar primeiro a menos importante, existe o conhecimento que voc sabe que conhece e consegue descrever explicitamente, como somar dois nmeros ou dizer o seu nome. O segundo tipo de conhecimento, s vezes denominado conhecimento "tcito", se refere tanto ao que voc sabe como fazer mas no sa#e descrever (por exemplo, andar ou falar) como ao que voc sa#e mas no sabe que sabe (digamos, a cor dos olhos da sua primeira professora). Esta ltima forma de saber foi demonstrada por testes de reconhecimento em que o indivduo pensa que est apenas dando um palpite, mas de fato se sai melhor do que o mero acaso permitiria. Dos dois tipos de conhecimento, a variedade "tcita" % incontestavelmente a mais ampla: sabemos muito mais do que percebemos que sabemos. Como um aparte, podemos argumentar que nos animais no lingusticos, como os gatos e cachorros, todo conhecimento tcito. Tambm houve uma poca em que, na condio de beb recm-nasddo, voc tambm no conseguia pr nada em palavras. fcil ver que o conhecimento "explcito", ou lingustico, se desenvolve num contexto de conhecimento tcito e, em ltima anlise, depende dele. Podemos aplicar uma distino anloga ao "pensamento" e "intuio". Mas no que se refere a resolver problemas o ponto que importante perceber que, em condies de incer- teza, o processo intuitivo (da maneira como se alimenta das bases mais amplas de informao de conhecimento tcito) tem probabilidades de oferecer uma vantagem, em comparao com o pensamento dirigido, ou consciente. Aqui entra a ligao com os sonhos. Todo mundo j sonhou com uma pessoa que encontrou uma nica vez e, mesmo assim, no sonho viu uma semelhana notvel com a pessoa real, muito melhor do que qualquer coisa que poderia ter descrito no mundo acordado, com lpis e papel ou com palavras. explicao desse fenmeno o conhecimento tcito. Nos sonhos podemos nos basear em todo o nosso depsito de conhecimentos; j no estamos mais limitados s coisas a que podemos ter acesso consciente. O que estou propondo que tiremos proveito do nosso banco de dados mais amplo nos sonhos lcidos, para nos ajudar a tomar as decises timas. "esolu+,o Criati'a de Pro#lemas Como vimos no Captulo 1, na arte e na cincia existiram muitos exemplos de sonhos criativos. Vamos examinar aqui dois casos com detalhes suficientes para exemplificar o papel desempenhado pelos sonhos no processo criativo. Primeiro vamos considerar o caso do qumico russo Dimitri Mendeleev, que havia estado trabalhado durante muitos anos, procurando descobrir um modo de classificar os elementos de acordo com o peso atmico. Certa noite de 1869, depois de ter dedicado muitas horas ao problema, caiu na cama, exausto. Mais tarde, na mesma noite, Mendeleev viu, "num sonho, uma tabela em que todos os elementos entravam no lugar, como era preci so". Ao acordar, imediatamente anotou a tabela exatamente como se lembrava. Surpreendentemente, Mendeleev disse que "s parece ter sido necessrio fazer uma nica correo num ponto". 11 . Assim surgiu pela primeira vez a tabela peridica dos elementos, um das descobertas fundamentais da fsica [e da qumica] moderna. Vamos tomar outro exemplo de sonho criativo. Durante muitos anos Elias Howe, inventor da mquina de costura, havia estado trabalhando numa ideia: fazendo as agulhas com o buraco no meio da haste. Dia e noite, e at no sono, estava com o crebro ocupado com a inveno. Diz a histria que uma noite sonhou que havia sido capturado por uma tribo de selvagens que o aprisionaram e levaram presena do rei. "El ias Howe", trovej ou o monarca, "ordeno que, sob pena de morte, termine esta mquina imediatamente."!. . El e sentiu um suor fri o banhar todo o corpo, as mos e os joelhos tremendo de medo. Por mais que tentasse, o inventor no conseguia chegar ao dado que estava faltando no problema em que estivera trabalhando durante tanto tempo. Tudo foi to real que Howe chegou a gritar alto. Na viso viu- se cercado de guerreiros de pele escura e pintados, que formaram um quadrado vazio sua volta e o levaram ao local da execuo. Subitamente, notou que perto da ponta das lanas que os guardas estavam carregando havia um buraco em forma de olho! Havia encontrado o segredo! S precisava de um buraco perto da ponta! Acordou daquele sonho, pulou da cama e imediatamente fez um modelo entalhado de uma agulha com buraco na ponta, com a qual concluiu com xito as suas experincias 12 . Os casos de Mendeleev e Howe oferecem exemplos excelentes e convincentes de como funciona a resoluo de problemas criativos. Geralmente o processo se divide em quatro fases. A primeira de prepara@Ao- fase de atividade intensa em que so recolhidas informaes, tentadas vrias abordagens infrutferas e feitas as tentativas preliminares de resolver o problema. Mendeleev e Howe j haviam passado por essa fase nos anos que dedicaram aos respectivos problemas. A fase seguinte, de incu/a@Ao- comea quando a pessoa desiste de procurar resolver o problema ativamente. No caso de Howe e Mendeleev essa fase estava claramente em andamento quando adormeceram e esqueceram as respectivas obsesses. Se os candidatos a resolver problemas "fizerem a lio de casa", isto , se prepararem corretamente, podem ser recompensados com a fase de i(umina@Ao- em que de repente, a soluo chega espontaneamente. Para Mendeleev e Howe isso significou literalmente que os seus sonhos se tornaram realidade. Finalmente, vem a fase de 'eri#ica@Ao- em que testada a viabilidade da soluo. Para o russo isso simplesmente significou reajustar a posio de um nico elemento; para o americano, a modificao do projeto da agulha da sua mquina. Como vimos nestes exemplos, parece que o sonho muito apropriado para desempenhar um papel na fase de iluminao do processo criativo. A iluminao tambm a parte do processo criativo sobre a qual temos o menor grau de controle. A preparao uma questo de trabalhar e a "incubao" uma questo de nAo tra- balhar. A verificao um processo razoavelmente direto. Parece que a questo difcil passar pela terceira fase. Sonhar lucidamente pode oferecer uma resposta, facilitando com isso a resoluo de problemas criativos. Tendo em vista que nos sonhos temos acesso a muito mais conhecimento do que sabemos que possumos, talvez ficando lcidos tenhamos acesso a esse conhecimento. No passado no tnhamos um meio de garantir quando um sonho criativo poderia ocorrer ou mesmo se poderia ocorrer. possvel que, sonhando lucidamente, a criatividade extraordinria (mas at agora pouco digna de confiana) do estado de sonho possa finalmente ser controlada conscientemente. So poucas as provas que apoiam esta possibilidade to interessante. Eu mesmo j usei sonhos lcidos para fins criativos em dois campos: uma vez consegui editar e modificar satisfatoriamente o final da minha tese de doutoramento; e em outras ocasies tive bons resultados usando sonhos lcidos para gerar imagens de gravuras por corroso e outros trabalhos artsticos. Parece que a natureza especfica do problema em questo no tem muita importncia. s vezes at uma natureza fsica, que implica a melhoria das nossas habilidades motoras. Foi num sonho que Jack Nicklaus viu a soluo de uma tacada de golfe problemtica. Depois de vencer vrios campeonatos, viu-se declinando constrangedoramente, mas quando readquiriu a forma de campeo, da noite para o dia, um reprter perguntou como havia, conseguido aquilo. Nicklaus respondeu: Vinha tentando tudo para descobrir o que estava errado. Estava chegando ao ponto em que achei que 76 era uma rodada bastante boa. Mas na noite da quarta- feira passada tive um sonho, e foi com o meu modo de manejar o taco. No sonho eu estava dando tacadas muito boas e de repente percebi que no estava segurando o taco do modo como tenho feito na realidade nos ltimos tempos. Venho tendo dificuldades, deixando cair o brao direito quando afasto da bola a cabea do taco, mas no sono estava fazendo isso perfeitamente bem. Por isso, quando fui para o campo ontem de manh, experimentei dar as tacadas como no sonho e funcionou. Ontem cheguei a um 68 e hoje a um 65 e pode crer que muito mais interessante deste jeito. Sinto-me um pouco ridculo admitindo isso, mas de fato aconteceu num sonho. S precisava mudar um pouco o meu modo de segurar o taco 1 . 201 A confisso de Nicklaus, de ter-se sentido ridculo admitindo que de fato aconteceu num sonho, sugere que pode haver outras pessoas que tenham passado por situaes anlogas sem nunca mencionar a fonte da inspirao. De fato, chega a surpreender um pouco ler a respeito de um caso descrito por Ann Faraday, em que um ginecologista "descobriu como fazer um n cirrgico no interior da plvis, com a mo esquerda, enquanto esta'a son/ando>N 1L Entre as muitas cartas de sonhadores lcidos que tenho recebido h histrias anlogas de habilidades motoras aperfeioadas em sonhos. Uma sonhadora lcida afirma que melhorou a tcnica de patinar no jogo de )oc3e4 por meio de um sonho lcido. Tanya escreve que patinava razoavelmente bem, mas algo dentro de si lhe dizia que havia algum obstculo, que na patinao havia muito mais do que ela estava dando. Ento, certa noite, num sonho lcido, sentiu o que era "patinao completa": No sonho eu estava num rinque com vri as outras pessoas. Estvamos jogando )oc3e4 e eu estava patinando do modo como sempre fiz, competente mas hesitante. Naquele momento percebi que estava sonhando, e por isso disse a mim mesma que deixasse o meu conhecimento superior substituir a minha conscincia. Entreguei-me maravilha de patinar completamente. nstantaneamente j no havia mais medo nem mais nenhum obstculo e eu estava patinando como profis- sional e me sentindo livre como um pssaro. Na vez seguinte em que fui patinar resolvi fazer uma experincia e tentar aquela tcnica de me deixar entregar. Consegui trazer para o estado acordado aquela propriedade que havia sentido no sonho. Lembrei-me de como havia me sentido no sonho e, como uma atriz, "transformei-me" de novo na patinadora completa. Fui para o rinque e... os ps seguiram o corao. No gelo, senti-me livre. Aquilo aconteceu h uns dois anos e meio. Desde aquela poca tenho patinado com aquela liberdade, e esse fenmeno tambm se manifesta quando estou de patins comuns ou esquiando. ntimamente ligados a estes sonhos de prtica "mental" esto os que desempenham uma funo de ensaio. Ensaio Provavelmente a maior parte dos leitores j teve exemplos da funo de ensaio dos sonhos. Sonhando antecipadamente com um fato importante, podemos experimentar vrias abordagens, atitudes e comportamentos, chegando talvez a um plano de ao mais eficiente do que teramos chegado de outra forma. No sonho tambm podemos ficar de sobreaviso quanto a certos as- pectos de uma situao futura que, de outra forma, poderamos no perceber. Um dos meus prprios sonhos lcidos oferece um exemplo claro da utilidade de ter uma pr- estria das "prximas atraes". Um ms antes da reunio anual da APSS sonhei que estava no simpsio de sonhos de Hyannis Port. Minha palestra estava programada para depois do conferencista que estava acabando de ser anunciado e falaria em seguida. Mas apresentaram o meu nome como conferencista seguinte e fiquei com o corao aos pulos porque, mesmo naquela fase final, eu estava despreparado. Minha "sentena de morte" foi suspensa por uns instantes enquanto corrigiam o erro de sequncia e eu procurava apressadamente minhas anotaes. Quando no consegui encontr-las, a minha ansiedade aumentou. Mas numa emergncia de verdade eu sempre poderia usar os s(ides e falar medida que fossem sendo projetados. Quando comecei a escolh-los para organizar o que iria dizer, verifiquei que havia trazido os s(ides errados. Aqueles eram os meus s(ides de arte, no os cientficos! Fiquei paralisado de pnico, mas s um instante, porque quase imediatamente percebi que estava sonhando. A ansiedade desa- pareceu num segundo e literalmente pulei de alegria, rodopiando na frente da assistncia e anunciando: " um sonho lcido!" Quando acordei, fiquei muito satisfeito pelo fato de ter mais de dez minutos para preparar a palestra! At aquela ocasio eu tinha estado planejando esperar algumas semanas para preparar aquela palestra, mas o meu sonho lcido motivou-me a comear imediatamente; no fim, o ms que gastei na preparao foi o tempo exato. Em 1975 dr. William Dement confessou que a sua "especulao mais entusistica era que o sono e o sonho REM pudessem se desenvolver e ser usados no futuro". Profetizou que "a funo do sonho vai acabar sendo permitir que o homem sinta as mltiplas alternativas do futuro na quase-realidade do sonho e, com isso, possa fazer uma escolha mais informada". Um dos sonhos do prprio Dement oferece um exemplo marcante do grau de eficcia que isso pode atingir: H alguns anos eu era um fumante inveterado; chegava a dois maos por dia. Ento, uma noite tive um sonho excepcionalmente vvido, em que estava com cncer no pulmo, inopervel. Lembro-me, como se fosse ontem, de ter olhado a sombra sinistra na radiografia do meu peito e percebido que o pulmo inteiro estava infiltra--do. O exame fsico subsequente, em que um colega detetou metstases espalhadas nos meus ndulos linfticos inguinais, foi igualmente vvido. Finalmente, senti a angstia incrvel de saber que a vida estava no fim, que no veria os meus filhos crescerem e que nada daquilo teria acontecido se tivesse deixado de fumar quando soube pela primeira vez do potencial carcinognico do fumo. Nunca me esquecerei da surpresa e alegria e do alvio estranho que senti quando acordei. Senti que estava renascendo. No preciso dizer que aquela sensao foi suficiente para induzir o trmino imediato do meu hbito de fumar. Aquele sonho tinha antecipado o problema, resolvendo-o de um modo que talvez seja privilgio exclusivo dos sonhos. S o sonho consegue nos deixar sentir uma alternativa futura como se fosse real e, com isso, proporcionar uma base nesse conhecimento 16 . Raro seria o fumante que continuaria a fumar depois de um sonho desses! A gente fica pensando em todas as vtimas de cncer no pulmo que poderiam ter sido salvas por uma pr- estria sonhada daquele resultado provvel do hbito de fumar. Mesmo a gente tambm fica pensando: quantos seriam os fumantes que escolheriam ter esse sonho, se tivessem essa possibilidade? Quantos de ns teriam a coragem de enfrentar as possibilidades do futuro? O filme "aisagem de son)o apresenta uma variao notvel do sonho de mudana de vida de Dement. No filme, o presidente dos Estados Unidos atormentado por pesadelos horrivelmente vvidos, cujo tema a guerra nuclear. Os sonhos pintam os horrores do ps-guerra com tanto realismo que o presidente fica pessoalmente motivado a ir a Genebra e negociar um tratado de desarmamento com a Unio Sovitica. Hoje a humanidade parece pairar entre o avestruz e a guia. ndependentemente de optar por enfrentar o fato ou no, no decorrer do prximo sculo a situao ecolgica e poltica deste planeta forar mudanas enormes na humanidade. Entre as alternativas futuras encontram-se extremos desse tipo, que j foram chamados "utopia ou esquecimento completo". Certamente a situao planetria uma situao de complexidade sem precedentes. E, com a mesma certeza, a coisa necessria uma viso sem precedentes: impedir a catstrofe inescrutvel da guerra nuclear e encontrar o caminho da humanidade verdadeira. Com o futuro a ganhar e nada a perder, no deveramos ter medo de desenterrar a cabea da areia e coloc-la no sonho, pois os sonhos podem ter muito para oferecer aqui (por exemplo, solues inditas e criativas que no foram imaginadas na vida real). Mas antes de esse sonho se realizar, com certeza precisa aumentar muito a nossa compreenso do controle dos sonhos. Tendo em vista que a lucidez parece oferecer a chave do controle dos sonhos, razovel, supor que atingir a meta de sonhar intencionalmente requer um progresso considervel na arte e cincia de sonhar lucidamente. Pode at parecer pouco provvel a possibilidade de chegar a um grau to adiantado de proficincia no controle dos sonhos. No conhecemos sonhador lcido ocidental mais traquejado que Saint-Denys e ele escreveu que "nunca havia conseguido controlar todas as fases de um sonho", acrescentando que "nunca tinha tentado fazer isso". Mas algumas coisas "impossveis" para o Ocidente so naturais para o Oriente (como o nascer do sol, por exemplo). E, de fato, se estivermos procurando a fonte de luz, temos de olhar na direo do oriente. Segundo William Blake, "a filosofia do Oriente ensinou os pri mei ros pri ncpios da percepo humana" Em relao ao controle dos sonhos, a existncia de um "manual interior" tibetano de 1200 anos de idade K1 4oga do estado de son)o* testemunha a preciso da assero de Blake. Uma das prticas descritas nesse manual mencionada como "transmutar o contedo do sonho". Com essa tcnica, o yogue consegue visitar qualquer domnio da criao que desejar. No que os yogues dessem alguma nfase particular a essa tcnica, mas ela serve de teste de proficincia pelo qual o aspirante tem de passar antes de prosseguir para a fase seguinte do caminho da iluminao. No Captulo 10 falarei mais a respeito disso, mas aqui o relevante simplesmente sustentar a possibilidade de um controle dos sonhos altamente desenvolvido. sso tornaria mais exequvel a satisfao de um outro potencial dos sonhos lcidos, que vamos ver agora. atisfa+,o de :ese>os "Bons sonhos!" Assim damos boa-noite uns aos outros. No entanto, de acordo com vrios levantamentos, a maior parte dos sonhos desagradvel. sto , bvio que se trata de sonhos nAo lcidos. Quanto aos sonhos lcidos, provavelmente a verdade o oposto. Muitos sonhadores lcidos fizeram observaes sobre a natureza gratificante da sensao desses sonhos, visto que o sonhador lcido tem liberdade de pr em ao impulsos que seriam impossveis no estado acordado. Por exemplo, poderamos voar, ficar conhecendo algum vulto histrico que apreciamos ou nos entregar a aventuras sexuais. Como vimos, Patrcia Garfield chegou a sugerir que os sonhos lcidos so intrinsecamente orgsmicos. ndo mais adiante, conjeturou que, no sonho lcido, os centros de recompensa ou centros "de xtase" do crebro ficam estimulados. Essa conjetura pode mesmo ter alguma base em fatos, tendo em vista que alguns neurofisilogos 1 encontraram provas da ligao dos circuitos neurais do sono REM com o sistema de "recompensa" do crebro. Pode ser que em certas circunstncias sonhar lucidamente facilite a atividade desse sistema. Qualquer que seja o caso neurofisiolgico, os sonhos lcidos so experincias que do prazer. O estado de sonho lci do pode demonstrar que um local de frias ideal, uma espcie de Taiti dos pobres, uma "lha da Fantasia" rea(. Os sonhos lcidos poderiam oferecer lazer sem igual para quem, dentre ns, precisa fugir de tudo e descansar. o mesmo tempo, o sonho poderia oferecer aos deficientes a coisa mais prxima da satisfao dos seus sonhos impossveis. Nos sonhos, os paralticos poderiam andar de novo, para no falar em danar e voar e at ter fantasias erticas emocionalmente satisfatrias. Assim canta a contralto no 7essias de Haendel: Ento os olhos dos cegos ficaro abertos E os ouvidos dos surdos, destapados. Ento o manco vai pular como uma lebre, E a lngua do mudo vai cantar! Mais que qualquer outro potencial de aplicao dos sonhos lcidos, a possibilidade de controlar os sonhos que parece ter capturado a imaginao e a fantasia de muita gente. A ttulo de exemplo citamos o trecho final de um artigo sobre controle dos sonhos, que encerra essas palavras de entusiasmo incontido: As chaves do poder inimaginvel ao alcance de toda a populao terrestre. Tenho certeza que o prximo salto da nossa espcie no partir das fbricas de tecnologia fsica e sim dos voos noturnos de sonhadores criativos. Pense nas possibilidades. Um encontro ertico de intensidade sem precedentes com a mulher mais desejvel que conseguir imaginar. Uma visita a uma ilha para- disaca cujos habitantes inteligentes cantam solues para os seus problemas do dia-a-dia. Numa noite voc poderia filosofar com Aristteles, fazer piadas com W.C. Fields, falar de investimentos com J.P. Morgan e praticar na barra horizontal com Nadia Comaneci... Mesmo que remotamente possvel, a idia de controlar os nossos sonhos parece compensar o esforo. Prazer sensual, tranquilidade emocional, percepo extra-sensorial ou at um palpite "quente" para o stimo preo de Belmont; qualquer que seja a coisa desejada, a resposta estar esperando por voc logo alm das fronteiras do sono 17 . CAPTULO 8 O Sonhar! $un"%o e Signi&icado Por que temos sonhos, e o que significam? Durante sculos essas perguntas tm sido assunto de um debate que recentemente se transformou numa controvrsia acalorada. Num campo temos um nmero elevado de cientistas eminentes que argumentam que sonhamos somente por razes #isio(Egicas e que os sonhos so basicamente tolices mentais destitudas de significado psicolgico: "uma histria contada por um tolo, cheio de barulho e fria, que nada significa". A idia de os sonhos no serem nada mais que "biologia sem significado" soa absurda e um tanto blasfema para o campo oposto, uma coligao de freudianos e outros artfices do sonho empenhados em pensar que sonhamos por motivos psico(Egicos e que os sonhos sempre contm informaes sobre o eu que podem ser extradas por diversos mtodos de interpretao. Esse campo tira o seu credo do aforisma talmdico: "Um sonho no interpretado como uma carta que no foi aberta". Um terceiro campo ocupa o terreno do meio e acredita que, quanto funo e ao significado dos sonhos, as duas posies extremas dos dois lados esto parcialmente certas e parcialmente erradas. Os proponentes do caminho do meio argumentam que os sonhos podem ter determinantes tanto fisiolgicos como psicolgicos; por isso, podem ter ou no ter significado e variam muito em termos de importncia psicolgica. A posio mdia onde me encontro mais vontade. Concordo com sir Richard Burton no seguinte: Verdade o espelho estilhaado espalhado em mirades de pedacinhos; e cada pessoa acredita que o seu pedacinho contm o todo. No entanto, talvez sejamos capazes de juntar um nmero de pedaos suficiente para refletir razoavelmente bem a realidade dos sonhos. Embora durante sculos tenha havido quem ficasse discutindo se os sonhos so filhos mimados de um crebro ocioso, a corporificao da sabedoria enviada pelos cus ou alguma coisa intermediria, vamos limitar a nossa discusso a teorias "cientficas" do sonho no mnimo modernas como o sculo XX. Por isso vamos comear com o dr. Sigmund Freud. A 9nter*reta+,o dos on!os "e'isitada Se quisermos entender o ponto de vista de Freud quanto ao sonho, precisamos considerar o conceito que ele tinha do crebro de quem est sonhando. Hoje sabemos que o sistema nervoso contm dois tipos de clulas nervosas: excitatrias e inibitrias. Os dois tipos descarregam e transmitem impulsos eletroqumicos para outros neurnios. Ambos fazem isso espontanea- mente, sem nenhuma espcie de estmulo de fora, tambm quando eles prprios recebem impulsos excitatrios de outras clulas. Mas h uma diferena crtica entre esses dois tipos de neurnios: o tipo excitatrio transmite para outros neurnios impulsos que provocam neles atividade nervosa (ou "excitao") aumentada. O tipo inibitrio envia para outros neurnios mensagens que causam atividade diminuda (ou "inibio") O crebro humano uma sede inconcebivelmente complexa de interconexes intrincadas entre bilhes de cada tipo de neurnio. Em geral os neurnios inibitrios desempenham papel mais importante nas funes superiores do crebro. Antes de desenvolver a teoria dos sonhos, Freud havia estudado exaustivamente neurobiologia. Mas naquele tempo s havia sido descoberto o processo de excitao; o processo de inibio ainda no era conhecido. Baseado na suposio de um sistema nervoso completamente excitatrio, Freud raciocinou que a energia nervosa ou, nas suas palavras, "energia psquica", s poderia ser descarregada por intermdio de ao motora. sso significava que, uma vez que voc tivesse uma idia na cabea, essa idia estava fadada a ficar dando voltas por l para sempre, at que voc finalmente resolvesse-tomar alguma providncia. Ou, alternativamente, a idia acharia um meio de, astuciosamente, induzir voc a express-la inconscientemente em algum ato impremeditado como o famoso "lapso freudiano". Esse ponto de vista mais antigo do nosso sistema nervoso foi caricaturado como um modelo de "gata no teto de zinco quente", "com as urgncias internas persistentes gerando rajadas de energia que mantm o ego e o sistema consciente num movimento frentico" 1 . Sabemos hoje que um sistema nervoso desse tipo, se fosse possvel existir, explodiria numa atividade de ataques completamente incontrolvel. No entanto, tendo em vista o estado dos conhecimentos na poca, a viso que Freud tinha da mente consciente como um caldeiro borbulhante de impulsos e desejos inaceitveis socialmente parece perfeitamente razovel e, de modo anlogo, pode-se ver facilmente que a sua teoria dos sonhos decorria dela. Vamos imaginar o que poderia ter acontecido se, de algum modo, lhe fosse possvel perguntar ao prprio mestre por que voc teve um determinado sonho. Podemos conjeturar que Freud poderia ter respondido algo assim: "Em primeiro lugar, podemos garantir que alguma coisa lhe aconteceu um ou dois dias antes do sonho e que esse 'resduo do dia anterior', como o chamamos, despertou um dos muitos desejos reprimidos que voc pretende manter encerrados no inconsciente. Mas quando voc foi deslizando para o sono, sem nenhum outro desejo na conscincia a no ser dormir, desviou a ateno do mundo exterior, preparando o palco para que o resduo do dia anterior e o desejo inconsciente associado a ele se apresentassem, exigindo satisfaes. Tudo isso requer a cooperao do executivo principal da sua mente consciente, ou seja, do ego. Mas como o seu par de suplicantes no estava, digamos, 'vestido de maneira aceitvel socialmente', primeiro lhe foi negada a entrada na sua mente consciente. E assim que deveria ser! A funo especial do porteiro impedir que impulsos, lembranas e pensamentos rebeldes e inaceitveis perturbem a mente do seu ego consciente. O porteiro, que ns, psicanalistas, chamamos 'censor', capaz de fazer esse trabalho com a ajuda de uma bengala comprida, que chamamos "represso", por meio da qual esses impulsos, lembranas e pensamentos que conflitam com os padres pessoais e sociais de comportamento so banidos da mente consciente, junto com as emoes e lembranas dolorosas associadas ao conflito. Como os contedos reprimidos no podem ser banidos completamente, assentam-se no fundo da sua mente inconsciente, onde ficam fervendo e borbulhando como o caldeiro de uma bruxa. "Mas de vez em quando, pela fora da associao, os acontecimentos do dia anterior fazem vir tona esses desejos reprimidos. Naturalmente, eles procuram uma sada para conseguir ao menos uma satisfao parcial. isso que o seu resduo do dia anterior e o seu desejo reprimido estavam fazendo: batendo na porta do ego. Mas depois que o censor os enxotou, aquele par vulgar, que no conhece nada de boas maneiras, continuou a clamar para entrar, armando uma balbrdia tal que chegou a ameaar o seu precioso sono e, com isso, frustrou o nico desejo consciente do seu ego. Felizmente voc conseguiu continuar a dormir6 gra+as ao fato de seu sonho ter se desincum#ido da *r$*ria tarefa. Como dissemos6 os son!os s,o os guardi,es do sono. :o outro lado da fronteira6 na sua mente inconsciente6 um *rocesso es*ecial que denominamos ?tra#al!o do sono@ ela#orou *ara o seu dese>o re*rimido um disfarce feito de imagens aceit%'eis ligadas ao dese>o *or associa+,o Assim6 transformando numa imagem su*erficialmente a*resent%'el6 o seu dese>o conseguiu *assar *elo censor e ac!ar e-*ress,o nos seus son!os8. E o dr. 2reud *oderia muito #em ter concludo5 8E essa 0 a ra7,o *ela qual 'ocA te'e aquele son!o6 e fa+a o fa'or de notar que o seu son!o matou dois coel!os com uma s$ ca>adada5 enquanto *rotegia o seu sono6 tam#0m *ermitia a descarga de um dos seus im*ulsos instinti'os re*rimidos. /ue tudo isso foi uma #oa coisa60 ineg%'el. :ificilmente *reciso acrescentar que consideramos a-iom%tico que o sistema ner'oso o#edece ao *rinc*io do Bnir'anaB6 *rocurando eternamente a redu+,o da tens,o e a cessa+,o final da a+,o8. C e'idente que6 de certos modos6 este as*ecto da *sican%lise tem *aralelos fortes com o #udismo e outras doutrinas orientais. Mas isso n,o nos a*ro-ima da res*osta D *ergunta original e 'ocA *oderia *erguntar de no'o5 8Mas que signi&ica o meu son!o1 Ou teria sido a*enas tolice18 &esse caso6 *ro'a'elmente 2reud teria e-*licado que 8todo son!o tem algum significado escondidoE o conte(do manifesto do son!o disfar+ado Fo son!o em si< foi o resultado das transforma+3es do dese>o n,o disfar+ado ocorridas no son!o Fo conte(do latente do son!o<. Portanto6 *ara inter*retar o seu son!o6 de'eria sim*lesmente ser necess%rio in'erter o *rocesso. Tendo em 'ista que o son!o disfar+ou o conte(do latente com imagens intimamente associadas ao dese>o original6 *odemos desco#rir a mensagem oculta *artindo da imagem e raciocinando de tr%sG *araGdiante *or meio de um *rocesso de inter*reta+,o con!ecido como Hassocia+,o li're8. e 'ocA ti'esse son!ado6 digamos6 que esta'a trancando uma *orta6 2reud teria *erguntado5 8/ual 0 a *rimeira coisa que 'em D sua mente em cone-,o com a *ala'ra BtrancarB1 e voc dissesse "Chave", Freud continuaria: "Chave?" E talvez voc respondesse: "rvore". Como pode ver, isso continuaria eternamente, s que provavelmente Freud teria interrompido o processo neste ponto e se baseado no seu prprio conhecimento do simbolismo dos sonhos (chave na fechadura. ..), explicando que o seu sonho exprimiu um desejo de manter relaes sexuais! Em outras palavras, Freud acreditava que a funo de sonhar era permitir a descarga de impulsos reprimidos de forma a resguardar o sono e que a fora instigadora que causava a ocorrncia dos sonhos era sempre um desejo instintivo, inconsciente. Freud considerava que esses desejos inconscientes tinham natureza predominantemente sexual Nas Au(as introdutErias de psican$(ise- ele escreveu: "Embora o nmero de smbolos seja grande, o nmero de objetos simbolizados no grande. Nos sonhos, os que se relacionam com a vida sexual so a maioria esmagadora. . . Representam ideias e interesses os mais primitivos que se possam imaginar" 2 . De qualquer modo, na medida que a fora instigadora que havia por trs de todo sonho era um desejo inconsciente, sexual ou de outro tipo, da teoria de Freud decorre que todo sonho continha mensagens significativas em forma disfarada: o desejo original ou "pensamento de sonho". O fato de todos os sonhos conterem desejos inaceitveis e desagradveis explicava por que os sonhos so esquecidos de modo to fcil e regular. Freud raciocinava que isso se dava porque os sonhos eram (deliberadamente) reprimidos: o ego os colocava na lista negra e o censor os mandava para o fundo do pntano do inconsciente. Graas a trinta anos de pesquisa dos sonhos, hoje sabemos que eles no so instigados por desejos ou outras foras psicolgicas, e sim por um processo biolgico peridico ou automtico: o sono REM. Se os sonhos no so acionados por desejos inconscientes, no podemos mais supor que esses desejos tenham algum papel nos sonhos e, ainda pior para o conceito freudiano de significado, no podemos mais supor automaticamente que todo sonho, ou at algum, tenha significado! Essas no so todas as novidades que a neurocincia recente tem para contar a Freud, mas vamos guardar a parte pior para a prxima seo. As boas notcias para Freud so as seguintes: todo perodo de sono de sonhos acompanhado de excitao sexual, como indicado pela ereo nos homens e pelo aumento do fluxo sanguneo vaginal nas mulheres. Se Freud tivesse vivido para ouvir falar desse fenmeno, quase com certeza o teria considerado uma justifi- cativa completa da sua crena de que o fundo de todo sonho, ou de quase todos os sonhos, era o sexo. O Modelo de on!o de ntese de Ati'a+,o Em 1977 os drs. Allan Hobson e Robert McCarley, da Universidade de Harvard, apresentaram um modelo, neurofsiolgico do processo do sonho que desafiou seriamente a teoria de Freud em praticamente todos os pontos. Num artigo que publicaram na American 2ourna( o# "sic)iatr4- intitulado "O crebro e um gerador do estado de sonho: uma hiptese de sntese de ativao do processo do sonho", sugeriram que a ocorrncia do sono em que se sonha determinada fisiologicamente por um "gerador do estado de sonho" l ocal i zado no tronco cerebral. Esse sistema do tronco cerebral aciona periodicamente o estado de sonho, com regularidade to previsvel que Hobson e McCarley conseguiram fazer um modelo matemtico do processo com um grau de preciso elevado. Durante os perodos REM produzidos quando o gerador do estado de sonho est ligado (em funcionamento), a entrada sensorial e a sada motora ficam bloqueadas e o crebro anterior (o crtex cerebral, que a estrutura" mais aperfeioada do crebro humano) fica ativado e bombardeado com impulsos parcialmente aleatrios que geram informaes sensoriais dentro do sistema. Nesse ponto o crebro anterior sintetiza o sonho a partir das informaes geradas internamente, procurando fazer o mximo para dar sentido s coisas sem sentido que lhe so apresentadas. Hobson e McCarley frisam que 9a #or@a moti'adora prim$ria de son)ar no psicolgica: fisiolgica, visto que a hora da ocorrncia e a durao do sono de sonhos so bem constantes, sugerindo uma gnese pr-programada e determinada neuralmente". Os dois autores acham que o anseio de sonhar no s automtico e peridico como aparentemente determinado metabolicamente; obviamente essa concepo da energtica de sonhar contradiz frontalmente a noo freudiana de conflito como a fora que leva aos sonhos. Quanto aos 9est&mu(os espec&#icos da #orma@Ao de imagens nos son)os9- continuam eles, parece que derivam do tronco cerebral e no das reas cognitivas do crtex cerebral. "Esses estmulos, cuja gerao parece depender de um processo amplamente aleatrio ou reflexo, podem proporcionar informaes espacialmente especficas que podem ser usadas na construo das imagens do sonho." Hobson e McCarley argumentam que as distores fantsticas que ocorrem no contedo do sonho, atribudas pelos freudianos ao disfarce de um contedo inaceitvel, provavelmente tm uma explicao neurofisiolgica mais simples: aspectos fantsticos do sonho, como a condensao de dois ou mais personagens em um, deslocamentos descontnuos das cenas e formao de smbolos, podem refletir apenas o estado do crebro que est sonhando. Os neurofisiologistas de Harvard argumentam que "o crebro anterior pode estar fazendo o melhor a partir de um mau trabalho, mesmo produzindo imagens parcialmente coerentes dos sinais relativamente cheios de rudo que lhe so enviados pelo crebro anterior". Por isso supem que o processo de sonhar tem origem em "sistemas sensoriomotores, com pouco ou nenhum contedo ideacional, volicional ou emocional primrio. Este conceito notadamente diferente do conceito de pensamentos de sonho ou desejos de sonho que Freud via como os estmulos primrios do sonho". Hobson e McCarley encaram a 9e(a/ora@Ao do est&mu(o do tronco cere/ra( pela estrutura perceptual, conceitual e emocional da crebro anterior" como basicamente construtiva e sinttica, "em vez de deformadora, como Freud havia suposto". De acordo com o modelo de Sntese de Ativao, "os melhores ajustes dos dados relativamente incipientes e incompletos fornecidos pelos estmulos primrios so evocados de memria. . . Assim sendo, no estado de sono de sonhos o crebro comparado a um computador que est procurando palavras-chave nos seus endereos. Em lugar de indicar a necessidade de disfarce, este ajuste de ( . . . ) dados empricos aos estmulos [programados geneticamente] visto como a base mais importante das propriedades formais 'fantsticas' da mentao do sonho". Marcando mais um ponto contra Freud, acrescentam que "portanto, no h necessidade de postular nem um censor nem um processo de informao degradante que funciona por injuno do censor". Hobson e McCarley vem na nossa capacidade normalmente pobre de lembrar de sonhos "uma amnsia dependente do estado, visto que uma mudana de estado cuidadosamente provocada para o despertar pode produzir lembranas abundantes, mesmo de material de sonho altamente carregado". Por isso, se voc acordado rapidamente do sono REM, provvel que se lembre de sonhos dos quais, de outra forma, possivelmente se esqueceria. Batendo um prego final no caixo que contm a teoria dos sonhos de Freud, escrevem: "No h necessidade de invocar represso para explicar o esquecimento dos sonhos". Como s se poderia esperar, o artigo de Hobson e McCarley estimularam contra-ataques da sociedade psicanaltica tradicional, que respondeu que os modelos neurolgicos de Freud no eram de modo algum essenciais para a teoria psicolgica dele. Na viso de Morton Reiser, chefe do departamento de psiquiatria da Universidade de Yale e antigo presidente da Associao Psicanaltica Americana, McCarl ey e Hobson estendem demais as impli caes do trabalho que fizeram, quando dizem que esse trabalho demonstra que os sonhos no tm significado. Concordo com eles que o trabalho que fizeram refuta a idia de Freud de que um sonho instigado por um desejo disfarado. Conhecendo o que conhecemos da fisiologia do crebro, no podemos mais dizer isso. O desejo pode no causar o sonho, mas isso no significa que os sonhos no so desejos disfarados. A atividade do crebro que causa os sonhos oferece um meio pelo qual um desejo conflitado pode produzir um determinado sonho. Em outras palavras, os desejos tiram partido dos sonhos, mas no os causam" 4 . O grau de controvrsia estimulado peio artigo de Hobson e McCarley foi realmente notvel. Um ano depois, um editorial do American 2ourna( oH "sic)iatr4 afirmou que o artigo de Harvard "provocou o envio de mais cartas para a redao do que a revista j havia recebido antes". nesperadamente, o que pareceu estar agitando tanta gente no foi o tratamento que Hobson e McCarley deram a Freud, e sim o tratamento que deram aos sonhos. A viso de que "afinal de contas os sonhos eram meramente o acompanhamento aleatrio e sem sentido da atividade eltrica autnoma do sistema nervoso central adormecido" no caiu bem para muitos pesquisadores, para no falar nos terapeutas e outros artfices acostumados a utilizar os sonhos numa grande variedade de aplicaes prticas. Qualquer pessoa que j tenha acordado de um sonho exclamando, deliciada: "Que enredo mara'i()oso foi aquele!" saber por experincia prpria que, pelo menos algumas vezes, os so- nhos podem ser muito mais coerentes do que o modelo de Hobson-MacCarJey ("o crebro anterior fazendo o melhor a partir de um mau trabalho") poderia sugerir. A meu ver, o fato de os sonhos poderem ser to magnificamente coerentes e conterem histrias interessantes uma indicao da necessidade de conceder ao crebro anterior um grau de controle no mnimo oca- sional ou parcial durante o sonho. Como poderamos construir enredos de sonho to amplos com qualquer tralha, gente e cenas sem nenhuma relao, chutadas l "para cima" pelos "sinais cheios de rudo" vindos ro crebro anterior? O sonho que Hobson e McCarley parecem imaginar seria uma espcie de "e agora, com vocs, algo completamente diferente!" ocorrendo a cada um ou dois minutos. O fato de s vezes sermos capa0es de produzir sonhos elaborados de forma to sensata e elegante que podem servir e servem de histrias at didticas sugere que, de algum modo, um funcionamento mental de ordem superior deve ser capaz de influenciar o funcionamento de ordem inferior do gerador do estado de sonho. O fenmeno de sonhar lucidamente sugere com mais fora ainda a influncia do crtex cerebral na construo dos sonhos. Pois se os sonhos no fossem mais que o resultado de o crebro anterior produzir "imagens de sonho parcialmente coerentes a partir dos sinais relativamente cheios de rudo enviados para ele , como voc seria capaz de exercer opo volitiva num sonho lcido? Como conseguiria levar a cabo um plano de ao de sonho previamente combinado? Como seria capaz de decidir deliberadamente, digamos, abrir uma porta para ver o que poderia encontrar do outro lado? Nos sonhos lcidos h uma abundncia de exemplos que mostram que quem est sonhando consegue ter seus prprios sentimentos, intenes e idias. Quando a pessoa que est sonhando percebe que est sonhando, em geral tem um sentimento de alegria. Esse sentimento mais parecido com a reao a uma percepo de ordem superior do que com um estmulo aleatrio do tronco cerebral. Quanto s intenes e idias, quando quem est sonhando passa a sonhar lucidamente, no sonho seguinte quase sempre se lembra do que queria fazer; tambm consegue se lembrar de idias e princpios de comportamento como "enfrente os seus medos", "procure obter um resultado positivo e "lembre-se da sua misso". Os nossos oneironautas utilizam rotineiramente este ltimo princpio quando dormem no laboratrio do sono. Finalmente, se no sono REM todos os movimentos dos olhos so gerados aleatoriamente por um louco no tronco cerebral, como os sonhadores lcidos conseguem executar voluntariamente sinais com movimentos do. olhos, seguindo um acordo prestabelecido? Obviamente a resposta da todas essas perguntas retricas que a hiptese de Hobson-McCarley nAo pode ser a histria inteira. Creio que Hobson e McCarley esto certos a respeito de muita coisa que dizem sobre os determinantes #isio(Egicos da forma dos sonhos; evidente que os sonhos tambm tm determinantes psico(Egicos e, conseqentemente, qualquer teoria de sonhos satisfatria deveria conter ambos os tipos. Tambm deveria explicar por que e em que condies s vezes os sonhos so narrativas coerentes, espirituosas e brilhantes e, em outras condies, so delrios incoerentes. E por que alguns sonhos tm significado profundo e outros so tolices sem sentido. Quanto a significado e tolice, o modelo de Sntese de Ativao parece desconsiderar completamente a possibilidade de os sonhos poderem ter absolutamente qualquer significado intrnseco ou mesmo interessante. Tendo em vista esse modelo do crebro anterior lutando com sinais aleatrios, o mximo que poderamos esperar razoavelmente seria o que os especialistas em computao denominam GGO* Pelo menos Hobson pareceu dizer isso numa entrevista recente; "Os sonhos so como uma mancha de tinta de Rorschach. So estmulos ambguos que podem ser interpretados de qual- quer modo para o qual o terapeuta esteja predisposto. Mas o significado dos sonhos est no olho do espectador, no no sonho em si". 5 J consigo ouvir um psiquiatra perguntando ao paciente: "No que este sonho faz voc pensar?" E o paciente responde: "Numa mancha de tinta!". Entre os pesquisadores de sonho que tm mente psicofisiolgica, uma das crticas principais ao modelo de Sntese de Ativao foi que era basicamente uma rua de mo nica, que s deixava o trnsito do tronco cerebral para o crebro anterior, ou seja, de uma funo mental inferior para uma funo mental superior. Mas do modo como o crebro de fato formado o modelo necessrio seria uma rua de duas mos que deixasse o crebro anterior controlar a ativao do tronco cerebral e, com isso, deixasse que as funes corticais superiores, como pensar e agir deliberadamente, influssem no sonho. a mesma crtica que acabei de N. do T. Acrnimo de Garbage n, Garbage Out, ou seja, "O lixo que entra sai como lixo", isto , no se pode esperar que o computador faa milagres com os dados errados que voc introduz nele. fazer com referncia ao fato de o modelo de Hobson e McCarley ser incapaz de tratar dos sonhos lcidos. Alguns pesquisadores do sono e dos sonhos argumentam que o modelo de Sntese de Ativao deixa de considerar o todo da questo bsica de sonhar. Segundo o dr. Milton Kramer, da Universidade de Cincinnati, a abordagem de Hobson e McCarley "no era fundamental para os problemas funcionais de sonhar. Quando se trata de sonhos h duas coisas importantes: significado e funo. Os sonhos nos esclarecem a respeito de ns mesmos? Deixam-nos mais espertos, modificam a nossa personalidade, mudam o nosso estado de esprito, resolvem os nossos problemas, tm aplicao na vida diria?" Kramer concluiu o seguinte: "Acho que a essncia dos sonhos psicolgica. Est tudo muito bem se vemos uma pessoa andando no sonho. As questes importantes so: "Onde est andando.Por que est andando ali? Esses so os mistrios dos sonhos que continuam e isso o que queremos saber" 6 . Ento qual o grau de validade do modelo de Sntese de Ativao se usarmos os dois critrios de Kramer, ou seja, significado e funo? Quanto ao significado dos sonhos, no modelo de Hobson e McCarley no h nenhum. Quanto funo, Hobson ofereceu uma funo possvel do estado de sonho: Uma analogia grosseira com os computadores ajuda a chegar ao ponto desejado, ainda que possa violar a realidade da funo do crebro: cada mquina de processamento de informaes tem componentes de )ard=are e de so#t=are. Para criar um sistema nervoso o cdigo gentico tem de programar uma planta estrutural e um conjunto de instrues de operao. Para manter os neurnios teria sentido utilizar um conjunto padronizado de instrues de operao para ativar e testar o sistema a intervalos regulares. Do ponto de vista intuitivo, muito atraente considerar o sono REM a expresso de um programa bsico de atividades para o sistema nervoso central em desenvolvimento, tal que garantisse a competncia funcional dos neurnios, circuitos e esquemas complexos de atividade antes que o organismo fosse solicitado a us-los. Seria particularmente importante que esse sistema tivesse um grau de confiana elevado, tanto no tempo como no espao. Essas caractersticas so encontradas na periodicidade e constncia de durao do REM e na natureza estereotipada da atividade 7 . Em outro trecho, elabora: Creio que sonhar o sinal (s vezes exterior) de uma planta estrutural do crebro, funcionalmente dinmica e determinada geneticamente, projetada para construir e testar os circuitos do crebro que salientam o nosso comportamento, inclusive cognio e atribuio do significado. Tambm acredito que este programa de teste essencial para o funcionamento normal do crebro-mente, mas acho que no necessrio lembrar dos produtos desse teste para colher os benefcios dele 8 . on!ar *ara Esquecer1 Num artigo publicado em 1983 na revista britnica Nature- Francis Crick, laureado com o prmio Nobel (um dos componentes da equipe que cindiu o cdigo gentico e desvendou o mistrio do ADN, cido desoxirribonucleico), e seu co-autor, Gra-eme Mitchison, propuseram que a funo do sono de sonhos : eliminar certos modos de interao indesejveis na rede de clulas do crtex cerebral. Postulamos que isso feito no sono REM por um mecanismo de aprendizado invertido, de modo que o trao no crebro do sonho inconsciente fica enfraquecido pelo sonho, em vez de reforado 9 . Essa , em poucas palavras, a teoria do "aprendizado inverso" relativa a sonhar. A teoria de Crick e Mitchison derivada de duas hipteses bsicas. A primeira que o crtex cerebral, como uma rede de neurnios completamente interconectada, "tende a ficar sujeita a modos de comportamento indesejados ou 'aparasticos' que surgem quando a rede perturbada, seja pelo crescimento do crebro, seja pelas modificaes provocadas por sentir alguma coisa". A segunda hiptese deles ainda mais frgil que a primeira: se esses modos "parasticos" de atividade neuronal de fato existem, poderiam ser detectados e suprimidos por um mecanismo especial que operaria hipoteticamente durante o sono REM. A descrio desse mecanismo diz que tem "o carter de um processo ativo que, falando sem rigor, o oposto de aprender". Crick e Mitchison do a esse processo hipottico o nome de "aprendizado inverso" ou "desaprendizado" e explicam que sem ele "o crtex dos mamferos no conseguiria funcionar to bem". O mecanismo que Crick e Mitchison propem, baseando-se na concepo de neurofisiologia de sonhar sustentada por Hobson e McCarlcy, est baseado na estimulao mais ou menos aleatria do crebro anterior pelo tronco cerebral, a qual vai tender a excitar os modos inapropriados de atividade cerebral ( . . . ) especialmente os que tm muita tendncia a se estabelecer mais por rudo aleatrio do que por sinais especficos altamente estruturados. E mais: postulamos um mecanismo de aprendizado inverso que modifica o crtex cerebral ( . . . ) de tal maneira que essa atividade seja menos provvel no futuro. Falando com menos rigor: sugerimos que no sono REM desaprendemos os nossos sonhos inconscientes. "Sonhamos a fim de esquecer." Reiterando: o que esto sugerindo que tudo que acontece em qualquer sonho est sendo ativamente desaprendido pelo crebro. Essa a razo pela qual voc est sonhando: simplesmente para "esquecer a coisa com que sonhou". Que significa isso exatamente? De acordo com a teoria do aprendizado inverso, quando nos (em/ramos dos sonhos estamos reaprendendo exatamente o que estvamos tentando desaprender! Poderia parecer que isso represente no mnimo um defeito parcial do mecanismo, e "podemos imaginar o tipo de efeito que um defeito do mecanismo poderia provocar". Crick e Mitchison sugerem que um mecanismo totalmente defeituoso (a lembrana de todos os sonhos) poderia levar a "distrbios graves, um estado de obsesso quase permanente ou de associaes esprias, alucinatrias". Um mecanismo parcialmente defeituoso (a lembrana de vrios sonhos na mesma noite) "deveria produzir reaes indesejadas ao rudo aleatrio, talvez na forma de alucinaes, iluses e obsesses, e provocar um estado no muito diferente de algumas esquizofrenias". Parece que Crick e Mitchison esto sugerindo que todos ns aprendamos a esquecer os sonhos que temos. "Neste modelo", escrevem eles, "talvez no devamos estimular que se procure lembrar dos sonhos, porque essa lembrana pode ajudar a reter certos esquemas de pensamento que seria melhor esquecer. So os mesmos esquemas que o organismo estava tentando amortecer." Obviamente, se o aprendizado inverso fosse seguido at a concluso final, parecia estar pedindo o fim de toda a anlise psicolgica dos sonhos, de todas as tentativas de record-los e interpret-los; na verdade, estaria pedindo o fechamento completo de toda a indstria do sonho. Felizmente, parece que absolutamente no h provas diretas de um "desaprendizado" durante o REM. De fato, parece que nem mesmo h provas de "desaprendizado" de nenhum tipo em nen)um estado, em nen)um organismo vivo, em parte alguma. O "desaprendizado" como existe agora apenas um conceito hipottico, talvez de alguma relevncia para os computadores, mas no h provas de que tenha alguma aplicao nos seres humanos. Na verdade, Crick e Mitchison admitem que "parece que extremamente difcil fazer um teste direto do mecanismo de aprendizado inverso que postulamos". 10 Em resumo, no existe um argumento convincente para esta teoria. "oderia apenas ser verdadeira ou parcialmente verdadeira, mas at que aparea uma prova direta, que a sustente, tem de ser encarada como uma possibilidade improvvel. Mesmo que houvesse alguma substncia na teoria do aprendizado inverso, as concluses de Crick e Mitchison a respeito da convenincia de lembrar dos sonhos no esto necessariamente certas. Ao contrrio, o argumento mais forte contra a teoria podem ser os efeitos catastrficos que os autores prevem que possam advir de um defeito at mesmo parcial no mecanismo do aprendizado inverso. Obviamente as pessoas que habitualmente se lembram dos sonhos que tiveram no parecem estar mais inclinadas a ter "alucinaes, iluses e obsesses" do que as pessoas que habitualmente esquecem o que sonham. Analogamente, se a teoria do desaprendizado fosse verdadeira, a privao dos sonhos iria interferir no processo do aprendizado inverso, provocando resultados desastrosos. Contudo, vrias pessoas foram privadas do sono REM durante muitas noites (e, em alguns casos, durante anos) sem mos- trar sinais de esgotamento mental. Por isso, a qualquer de vocs, sonhadores preocupados em saber se a recordao dos sonhos prejudicial ao crebro, sugiro que no h motivo para preocupaes! As 2un+3es de on!ar e as 4antagens de 2icar Consciente Vamos voltar para a pergunta com que comeamos este captulo: "Por que sonhamos?" Apesar de termos considerado apenas algumas respostas aqui, h muitas outras que poderiam ter sido propostas, e foram. Mas podemos eliminar de antemo, justificadamente, qualquer teoria que s tem sentido quando aplicada aos sonhos de um musaranho ou de uma baleia mas no aos sonhos de um primata sem plos e que fala (refiro-me a nEs>*. Qualquer que possa ser a explicao de sonharmos, devemos sonhar pelo mesmo motivo que fez todos os mamferos sonharem durante milhares de anos. Por isso, a pergunta agora : "Por que os mamferos sonham?'' Porque os mamferos tm sono REM. Como os seres humanos so mamferos, a resposta biolgica certa da pergunta "Por que sonhamos?" a seguinte: "Pelo mesmo motivo pelo qual qualquer mamfero sonha, ou seja, essa resposta no est completamente satisfatria, pois simplesmente leva pergunta: Por que todos os mamferos tm sono REM?". uma pergunta para a biologia evolucionria. Segundo as provas disponveis, parece que o sono ativo ou REM apareceu h 130 milhes de anos, quando os primeiros mamferos desistiram de pr ovos e comearam a parir viviparamente (a cria nasce vi va, no chocada). Parece que o sono inerte, ou sono NREM, surgiu h aproximadamente 50 milhes de anos, quando os ma- mferos de sangue quente comearam a evoluir dos seus antepassados reptilianos de sangue frio. A evoluo do sono (e depois a do sonho) foi disseminada demais e teve um significado comportamental importante demais para ter acontecido por acaso; por isso, supe-se que tenha ocorrido pelo mecanismo que Darwin tornou famoso, ou seja, pela seleo natural. A idia que s as variaes genticas que tm alguma probabilidade predominante de sobreviver so selecionadas pela evoluo. Devido variabilidade gentica, na populao de todas as espcies, numa poca determinada qualquer, aparece uma faixa ampla de caractersticas. Mas, num dado ambiente, algumas dessas caractersticas so mais favorveis que outras. sso aumenta a probabilidade de os indivduos cuja variao gentica favorvel viverem o tempo suficiente para reproduzir e transmitir os genes para a prole que, por sua vez, ter probabilidades de viver o tempo suficiente para reproduzir, e assim por diante. Se um trao herdado oferece alguma vantagem suficientemente grande, em pouco tempo todos os membros de uma dada espcie possuiro essa vantagem e tero os genes que vo transmiti-la. Como esse deve ter sido o caso do sono e dos sonhos, podemos supor que eles tm uma ou vrias funes adaptveis (ou seja, teis). Uma vez por dia todos os animais tm um ciclo circadiano (ou seja, que dura aproximadamente vinte e quatro horas) que engloba ritmadamente perodos de repouso e atividade. Alguns animais, como as corujas e os ratos, descansam no dia claro e ficam ativos noite; outros, como os seres humanos, normalmente agem na luz e descansam no escuro. O sono tende a ocorrer na fase de repouso do ciclo de vinte e quatro horas. Por isso, uma das funes adaptveis primrias, ou funes do sono, impor a imobilidade do animal na fase de repouso do ciclo circadiano, tanto para garantir o repouso do animal como para mant-lo em segurana no ninho, toca ou casa. A ideia original de sono da Me Natureza (provavelmente tambm conhecida por sua me) era tirar voc da rua depois do escurecer e afast-lo de encrencas. Se voc se lembrar que o sono NREM surgiu na mesma poca em que os mamferos evoluram dos rpteis, ter uma pista da funo adicional do sono. Os rpteis dependiam de fontes externas (essencialmente o sol) para manter uma temperatura corporal suficientemente alta para que pudessem tocar a tarefa de viver (principalmente alimentar-se, fugir e reproduzir). Embora durante a vida inteira os rpteis desfrutem de um subsdio de energia proveniente do so(- nem sempre essa energia est disponvel, como por exemplo noite, quando poderiam ter uma urgncia grande de fugir de algum predador noturno esfomeado. Por outro lado, os mamferos de sangue quente no estavam mais completamente merc do tempo e da hora do dia: mantinham a prpria temperatura interna constante. Mas o custo era grande: ter sangue quente exigia ter muito mais energia disposio do que ter sangue frio. As fogueiras internas dos animais de sangue quente tinham de ser alimentadas com comida, que tinha de ser caada e nisso os mamferos dispendiam muita energia. Por isso, a necessidade que os animais de sangue quente tinham de economizar energia fez da conservao da energia um trao de sobrevivncia adaptvel. Para ver o grau de eficincia com que o sono desempenha essa funo, considere o caso de dois mamferos pequenos, de taxas metablicas altas: o musaranho e o morcego. O musaranho dorme muito pouco e tem uma expectativa de vida inferior a dois anos. Contrastando com ele, o morcego dorme vinte horas por dia e, como resultado, pode esperar viver at dezoito anos! Se fizermos a converso desses tempos de vida em anos de vida acordada, o morcego ainda fica na frente, com trs anos de vida ativa, em comparao com os dois anos do musaranho. Parece no haver dvida de que o sono desempenha a funo de conservar a energia, impedindo que as criaturas de sangue quente e movimentos rpidos queimem a energia depressa demais. sso sugere que h mais verdade que fico no aforisma que fala da importncia de ter uma boa noite de sono! Voc poderia dizer: muito bem, ento para isso que temos o sono inerte; mas por que o sono ativo evoluiu e, com ele, o sonho? ndubitavelmente deve haver muitos bons motivos para isso, visto que esse estado tem muitas desvantagens. Para comear, enquanto voc est sonhando, o crebro usa muito mais energia do que enquanto est acordado ou no perodo de sono inerte. E mais: enquanto voc est sonhando o corpo fica paralisado, aumentando muitssimo a sua vulnerabilidade. De fato, para uma dada espcie, a quantidade de sono de sonhos diretamente proporcional ao grau de segurana da espcie em relao aos predadores; quanto mais perigosa a vida, menos a espcie pode se dar ao (uGo de dormir. Dadas essas desvantagens, o sono ativo deve ter oferecido vantagens particularmente teis aos mamferos de 130 milhes de anos atrs. Podemos arriscar a mencionar uma vantagem, se lembrarmos que foi nesse ponto da histria da evoluo que as mes mamferas deixaram de botar ovos e passaram a parir filhotes vivos. Que vantagens pode o sono ativo ter oferecido s nossas ancestrais que eram mes? Creio que poder encontrar a resposta ao se lembrar que os lagartos e pssaros que nascem de ovos chocados saem da casca suficientemente desenvolvidos para sobreviver por conta prpria, se for necessrio. A cria vivpara (da qual o bebe humano o melhor dos exemplos) quando nasce menos desenvolvida e, em geral, ompletamente indefesa. Nas primeiras semanas, meses e anos de vida os bebes vivparos tm de passar por uma grande dose de aprendizado e desenvolvimento, especialmente do crebro. Contrastando com a hora e meia que o adulto passa no sono REM todas as noites, um bebe recm-nascido, que dorme de dezesseis a dezoito horas por dia, tende a gastar cinquenta por cento desse tempo sonhando, ou seja, at nove horas por dia. A quantidades e a proporo do sono REM diminui no decorrer da vida, o que sugeriu a vrios pesquisadores dos sonhos 11 que o sono REM pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento do crebro infantil, proporcionando uma fonte interna de estimulao intensa que facilitaria o amadurecimento do sis- tema nervoso e ajudaria a preparar a criana pata o mundo ilimitado de estmulos que logo ter de enfrentar. O primeiro pesquisador de sonhos da Frana, Michel Jouvet, da Universidade de Lyon, props uma funo anloga para o sono ativo: sonhar permite testar e praticar comportamentos programados geneticamente (isto , instintivos), sem as consequncias das reaes motoras patentes, graas paralisia desse estado de sono. Por isso, na prxima vez que vir um bebe sor- rindo no sono, no se surpreenda se parecer que est aperfeioando sorrisos perfeitos para encantar um corao que ainda est para conhecer! Muito bem: ento sabemos por que os bebes sonham. Mas se fosse s isso, por que na idade adulta o sono REM no desaparece completamente? Poderia desaparecer, s que parece )a'er algo mais, que d aos adultos um bom motivo para continuar a sonhar. O motivo o seguinte: de fato descobriu-se que o sono ativo participa intimamente do aprendizado e da memria. As provas que ligam o estado de sonho com o aprendizado e a memria so de dois tipos. A prova mais direta uma ampla quantidade de pesquisa que indica que aprender tarefas que exi- gem concentrao muito grande ou aquisio de habilidades desconhecidas acompanhado de um aumento do sono REM. O segundo tipo de sono REM menos direto mas ainda muito convincente: muitos estudos mostraram que em certos tipos de aprendizado a lembrana fica prejudicada se houver uma privao subsequente do sono REM. Os psiclogos distinguem duas variedades de aprendizado: preparado e despreparado. O aprendizado preparado adquirido com facilidade e rapidez, enquanto o aprendizado despreparado difcil e s dominado lenta- mente e com muito esforo. Segundo o dr. Ramon Greenberg e o dr. Shester Pearlman, psiquiatras de Boston, s o aprendizado despreparado depende do sono REM. Em uma das experincias que fizeram, os ratos aprenderam facilmente que havia queijo atrs de uma de duas portas; e que havia um choque eltrico atrs da outra. sso se chama aprendizado "de posio simples" e a maioria dos animais est equipada para isso. Se, por outro lado, em tentativas sucessivas as posies de recompensa e castigo so invertidas, a maioria dos animais acha difcil (ou impossvel) aprender a esperar determinada coisa. Em outras palavras, no caso dos ratos a "inverso de posies sucessiva" % um exemplo de aprendizado despreparado. Depois que Greenberg e Pearlman submeteram os ratos a essas duas variedades de tarefas, privaram-nos de sono REM e fizeram novo teste de aprendizado. O resultado foi que, enquanto o aprendizado de posio simples no foi prejudicado pela privao do sono REM, a inverso de posies sucessivas foi "marcadamente" prejudicada. Segundo Greenberg e Pearlman, "esse resultado digno de nota porque a inverso de posies sucessivas uma tarefa que distingue claramente as capacidades de aprendizado da espcie que tem sono REM (mamferos) da es- pcie que no tem (peixes)". Aqui est implicado que o sono REM possibilita o aprendizado mais complexo. Greenberg e Pearlman concluem que o sono de sonhos "aparece nas espcies que apresentam capacidades crescentes de assimilar informaes incomuns no sistema nervoso". Sugerem que na famlia dos mamferos o desenvolvimento evolutivo do estado de sonho "possibilitou o uso cada vez mais flexvel de informaes. Que esse processo ocorre durante o sono parece concordar com o pensamento atual a respeito de programar e reprogramar os sistemas de processamento de informaes. Por isso diversos autores apontam a vantagem de um mecanismo separado de re- programao do crebro para evitar interferncia com as funes que esto em andamento" 12 . Um desses autores o falecido Christopher Evans, cuja teoria de sonhos baseada na analogia com computadores foi apresentada no livro "aisagens da noite: como e por ?ue son)amos. O dr. Evans, psiclogo ingls que tinha um interesse permanente em computadores, sugeriu que sonhar o tempo inativo do computador do crebro, ou seja, o tempo em que a mente est assimilando o que sentiu durante os dias e, ao mesmo tempo, atualizando os seus programas. No s o ato de sonhar est associado com aprendizado e memria, como parece desempenhar um papel um tanto mais amplo no processo de informao do sistema nervoso, incluindo enfrentar experincias traumatizantes 13 e ajuste emocional. Sugeriu-se que o estado de sonho oim recuperador do funcionamento mental; segundo o professor Ernest Hartmann, o sono REM nos ajuda a ficar adaptados ao ambiente e melhora o estado de esprito, a memria e outras funes cognitivas por intermdio da restaurao de certos produtos neuroqumicos que se esgotam no decorrer da atividade mental no estado acordado 14 . Tambm foi demonstrado que o sono de sonhos desempenha um papel geral na reduo da excitabilidade do crebro. Pode ter um efeito favorvel nos nossos estados de esprito, por exemplo deixando-nos menos irritadios. Numa tese, Janet Dallet fez uma crtica de inmeras teorias da funo dos sonhos e conclui que "as teorias contemporneas tendem a se concentrar na funo do controle ambiental, visto de uma das trs perspectivas seguintes: a) resoluo de problemas; b) processamento de informaes, ou c) consolidao do ego" 15 . Finalmente, o psiclogo Ernest Rossi atribuiu aos sonhos uma funo de desenvolvimento: Nos sonhos testemunhamos mais que meros desejos; sentimos dramas que refletem o nosso estado psicolgico e o processo de mudana que est ocorrendo nele. Os sonhos so um laboratrio para fazer experincias com as mudanas da vida psquica ( . . . ) Esta abordagem construtiva em relao aos sonhos pode ser afirmada com clareza: Son)ar % um processo endEgeno de crescimento psico(Egico- mudan@a e trans#orma@Ao 1 O. Algum poderia dizer que as diversas teorias da funo dos sonhos esto parcialmente certas e parcialmente erradas: certas quando dizem o que uma funo de sonhar, erradas quando dizem o que % a funo de sonhar. A situao anloga histria tradicional dos cegos e o elefante. Nessa histria, cada cego est procurando descobrir, apenas pelo tato, a natureza de um elefante. Cada um acredita que, pela parte que tateou, conhece a natureza do elefante como um todo. Para o cego que segurou a cauda, o elefante pareceu uma corda; um tapete, para o que segurou a orelha; para o que segurou a perna, pareceu uma coluna, e assim por diante. De modo anlogo, os proponentes das diversas teorias dos sonhos no apalparam toda a funo dos sonhos, como pensaram: apalparam s uma parte. Freud, por exemplo, fazendo um levantamento de muitas opinies a respeito de sonhos, julgou que quase todos os pontos de vista anteriores confundiram as rvores com a floresta. Considerava a sua prpria teoria, que pressupunha o sexo como base do contedo de todos os sonhos, uma "vista das alturas". Mas (como talvez hoje fique evidente) o prprio Freud confundiu a floresta com o mundo. Ou, como disse um irreverente, parece que Freud apalpou o elefante pelos testculos. Mas as coisas poderiam ter sido piores, pois outras pessoas parecem ter apalpado o elefante pelas penas! Pondo de lado por enquanto a questo das funes especiais dos sonhos, vamos perguntar qual a funo mais bsica ou mais geral que os sonhos tm a probabilidade de desempenhar. Tendo em vista que sonhar uma capacidade do crebro, primeiro temos de perguntar: qual a funo que o crebro desempenha? E, tendo em vista que a finalidade biolgica mais geral dos organismos vivos sobreviver, esta tambm deve ser a finalidade mais geral da atividade do crebro. O crebro adota e favorece a sobrevivncia regulando as transaes do organismo com o mundo e consigo mesmo. Talvez se consiga melhor este segundo tipo de transao no estado de sonho, quando as informaes sensoriais provenientes do mundo exterior esto num mnimo. medida que os organismos continuam a subir a escada evolutiva, emergem formas novas de cognio e aes correspondentes. As quatro principais variedades de ao so: reflexa, ins- tintiva, habitual e intencional, na ordem crescente. Os comportamentos situados na parte inferior da escala evolutiva so relativamente fixos e automticos, enquanto os comportamentos situados na parte superior da escala so mais flexveis. Os comportamentos automticos so os melhores possveis se a situao qual se destinam relativamente invarivel. Por exemplo, tendo em vista que precisamos respirar de minuto a minuto durante toda a vida, isso conseguido com muita eficincia com um mecanismo reflexo. Analogamente, a ao instintiva tambm eficiente desde que o ambiente em que estamos no seja muito diferente do ambiente em que os nossos antepassados viveram. O hbito tambm til se o ambiente no muda demais. Mas a ao deliberada ou intencional evoluiu a fim de enfrentar as mudanas ambientais que o nosso comportamento habitual no tem capacidade de enfrentar. O nvel mais alto de cognio, que leva em conta a ao intencional, em geral chamado conscincia refletiva. a mesma funo cognitiva que denominamos lucidez quando falamos no contexto de sonhar. Tanto no estado acordado como no estado de sonho a conscincia refletida oferece como vantagem a ao criativa e flexvel. Mais especificamente, a conscincia permite que todas as pessoas que sonham se desliguem da situao em que esto e reflitam nos modos alternativos de ao possveis. Dessa forma, os sonhadores lcidos so capazes de agir re#(etidamente em vez de apenas re#(eGi'amente. A coisa importante para os sonhadores lcidos a liberdade da compulso do hbito; so capazes de agir deliberadamente de acordo com os seus ideais e conseguem reagir criativamente ao contedo do sonho. Vistos nessa luz, no so todos os sonhos lcidos que parecem uma simples anormalidade ou curiosidade sem sentido; em vez disso, sonhar lucidamente representa uma funo altamente adaptvel, o produto mais aperfeioado de milhes de anos de evoluo biolgica. O ignificado de on!ar Como fica evidente que sonhar desempenha funes biolgicas importantes, sonhar no pode ser "biologia sem significado". Ao contrrio, os sonhos so, no mnimo, biologia com signi#icado. Mas isso significa que os sonhos tem de ser psicologia com significado? Creio que a resposta : "no necessariamente". Se voc perguntar "o que significam os sonhos?", a resposta vai depender do que quer dizer exatamente com "significado". Mas talvez possamos concordar que "significado" se refere a colocar qualquer coisa (neste caso um sonho) em algum contexto explicativo. Mas note que os contextos explicativos variam amplamente de pessoa para pessoa. Para algumas, interpre- tao ou traduo parecer mais apropriado, supondo que os sonhos so recados para ns mesmos. Outras podem procurar explicaes mecnicas num contexto fisiolgico ou psicolgico; ainda outras ficaro inclinadas a tratar o sonho nos termos do prprio sonho, na medida em que o sonho relaciona consigo mesmo. Qual dessas abordagens a certa? Ou melhor, qual a certa para qual sonho? Freud supunha que os fatos que acontecem em sonhos (lcidos ou no) eram, pela prpria natureza, smbolos de motivos inconscientes. Essa suposies embora indubitavelmente certa em dadas circunstncias, igualmente enganadora em outras. Muitos interpretadores de sonho gostariam de crer que todos os elementos de um sonho esto igualmente sujeitos a uma interpretao simblica, ou que "todo os sonhos so iguais". uma crena compreensvel, pois os interpretadores de sonhos no poderiam se manter no negcio durante muito tempo se comeassem a dizer de um sonho apresentado para anlise: "este sonho no tem significado" ou mesmo "no muito interessante". Os sonhadores recebidos com reaes desse estilo ficariam inclinados a levar os seus sonhos para outro lugar, at conseguir encontrar algum mais disposto a lhes dizer o que os sonhos significam "de fato". Quando se recebe um sonho para ser interpretado, outra hiptese de trabalho sensata supor que tem significado, no todo ou pelo menos em parte. No caso do psicoterapeuta e seus clientes, o tipo relevante de significado suposto e procurado psicolgico. Mas a suposio de que todo sonho encerra significado psicolgico ainda tem de ser submetida a testes rigorosos. Para mim, afirmar categoricamente que todo sonho igualmente informativo (psicologicamente ou de outra forma) como supor que toda frase que uma pessoa diz igualmente interessante, coerente ou profunda! Existe uma viso oposta dos sonhos, o ponto de vista "existencial", que trata os sonhos como experincias 'i'idas compostas de interaes e elementos imaginados, que podem ser simblicos, literais ou algo entre essas duas coisas. Voar, por exemplo, poderia ser a expresso simblica de qualquer nmero de desejos inconscientes, como o desejo de transcender todas as limitaes ou, como Freud sugeriria, o desejo de entregar-se a uma atividade sexual. Em outro caso, voar poderia simplesmente ser o modo mais conveniente e disponvel de viajar para quem est sonhando. Com essas consideraes em mente, provavelmente seria mais sensato deixar que o grau de significado simblico fosse atribudo a um fato de sonho como assunto emp&rico em vez de aGiom$tico- como se fosse algo a testar em vez de supor. Parece seguro concluir que uma interpretao s vlida se d a quem sonha a impresso de ter suficiente fora explanatria para o sonho ou se apoiada de alguma outra forma por uma prova que convena a pessoa disso. importante perceber que s o fato de um sonho em particular poder Ps 'e0es ser interpretado em termos simblicos no significa que originalmente se destinava a servir de comunicao. Se os sonhos so mensagens importantes para ns mesmos, como sugerido pelo provrbio "um sonho no interpretado % como uma carta que no foi aberta", por que jogamos fora a maioria deles? sso certamente o que fazemos quando esquecemos os sonhos, e esquecemos a grande maioria deles. A teoria da "carta" para si mesmo" est ainda em piores lenis quando nos lembramos das origens mamferas de sonhar. Considere o co da famlia: das dezenas de milhares de sonhos que o co vai ter durante a existncia, quantos tm probabilidade de ser interpretados? Pelo co, nenhum. Pelos donos, talvez alguns.
Mas se os seres humanos so os nicos mamferos dotados das capacidades lingusticas de usar linguagem simblica, que finalidade teria sonhar para os milhares de sonhadores no humanos? E se sonhar no tinha finalidade nenhuma para os nossos antepassados, como pode chegar a evoluir? Penso que a resposta clara: sonhar deve ter finalidades diferentes de falar conosco mesmos; alm do mais, essas finalidades tm de ser realizveis sem haver necessidade de rememorar os sonhos, para no falar em interpret-los. De fato h um bom motivo pelo qual rememorar os sonhos pode ser no adaptvel para todas as espcies no lingusticas, incluindo os nossos antepassados. Para ver por qu, considere como somos capazes de distinguir as lembranas de fatos sonhados das de coisas que realmente aconteceram. algo que aprendemos a fazer graas linguagem. Lembre-se da descrio do desenvolvimento infantil do conceito de son)o- feita por Piaget. Quando, ainda crianas, nos lembrvamos dos primeiros sonhos, supnhamos que haviam acontecido "de verdade", como qualquer outra coisa. Depois que nossos pais repetiram um nmero suficiente de vezes que o que sentimos foi "s um sonho", aprendemos a distinguir as lembranas dos fatos de sonhos (interiores) das lembranas dos fatos fsicos (exteriores). Mas como jamais seramos capazes de desemaranhar as duas realidades sem a ajuda de outras pessoas nos dizendo o que era cada coisa? Os animais no tem meios de dizer uns aos outros como distinguir os sonhos da realidade. magine o seu gato morando no outro lado de uma grade alta que o protege de um cachorro bravo. Suponha que o gato sonhasse que o cachorro malvado estava morto e substitudo por uma famlia de ratos. Que aconteceria se o gato se lembrasse disso ao acordar? Sem saber que foi um sonho, provavelmente iria pular a grade com muito apetite, esperando encontrar uma refeio. Mas, em vez disso, iria ver a si mesmo servindo de refeio: e refeio de cachorro! Portanto, rememorar o sonho no seria uma boa coisa para gatos, cachorros e todo o resto dos sonhadores mamferos, com exceo dos seres humanos. sso poderia explicar por que di ficil lembrar-se dos sonhos. De acordo com este ponto de vista, podem ser difceis de lembrar devido seleo natural. Ns e os nossos ancestrais podemos ter sido protegidos de uma confuso perigosa pela evoluo de mecanismos que faziam do esquecimento dos sonhos o curso normal das coisas. Mas se est certa a teoria que propus a respeito de por que os sonhos so difceis de recordar, conclui-se (contrariamente a Crick e Mitchison) que recordar os sonhos no traz nenhum prejuzo aos seres humanos, precisamente porque conseguimos distinguir o que sentimos quando estamos sonhando do que sentimos quando estamos acordados. Para concluir, gostaria de sugerir que o sonho mais uma comunicao que uma criao. Basicamente, sonhar mais formar um mundo do que escrever uma carta. E se, como vimos, um sonho no interpretado no como uma carta que no foi aberta, ento como ? Tendo arrasado um provrbio popular, vamos substitu-lo por outro que parece chegar mais prximo de fazer justia aos sonhos: "um sonho no interpretado como um poema no interpretado". Se estou certo, os sonhos tm muito mais em comum com poemas do que com cartas. A palavra poema deriva-se de um verbo grego que significa criar- e j argumentei que a essncia de sonhar est mais prxima de criao do que comunicao. Vale a pena interpretar qualquer poema? Todos os poemas so igualmente coerentes, eficientes ou bonitos? Se voc escreveu uma dzia de poemas por noite, todas as noites da sua vida, o que supe que vai encontrar entre essas centenas de milhares de poemas? Todos seriam obras-primas? pouco provvel. Todos deveriam ir para o lixo? Tambm pouco provvel. Voc esperaria que, entre as enormes pilhas de versos de p quebrado, houvesse uma pilha menor de poemas excelentes, mas apenas um punhado de obras-primas. Creio que acontece a mesma coisa com os sonhos. Quando voc tem de apresentar cinco ou seis espetculos todas as noites, provvel que muitos deles no tenham inspirao nenhuma. verdade que voc consegue cultivar a sua vida de sonhos de modo que, com o passar dos anos, o tempo que passa nela seja cada vez mais gratificante. Mas por que deveria esperar que cada sonho que tem vale a pena ser interpretado? Ainda assim, se aparecer um poema ou um sonho para voc interpretar, descubra a todo custo o que significa para voc. Seria um poeta muito fora do comum o que criasse poesia basicamente para divertir e instruir os crticos ou intrpretes. Um poeta no precisa ter um crtico por perto para ser afetado, ou talvez at transformado pela criao do poema. Quando lemos um poema no precisamos interpret-lo para ficar profundamente comovidos, enobrecidos, inspirados e talvez at esclarecidos. Ter dito que nem poemas nem sonhos tm necessidade alguma de interpretao no significa que nunca so teis. Ao contrrio, s vezes a crtica ou a interpretao inteligente pode aumentar enormemente a profundidade da nossa compreenso de um poema e, na melhor das circunstncias, tambm de ns mesmos. O mesmo acontece com os sonhos. CAPTULO 9 Sonho, luso e Realidade "Nas eras do incio rude da cultura", escreveu Nietzsche, 9o )omem acreditou estar desco/rindo um segundo mundo rea( no sonho e ai est a origem de toda a metafsica. Sem sonhos a humanidade jamais teria tido ocasio de inventar uma tal diviso do mundo. A separao entre o corpo e a alma tambm se harmoniza com essa maneira de interpretar os sonhos; o mesmo se d com a ideia do corpo manifesto de uma alma; dai o fato de todos acreditarem em fantasmas e, aparentemente, tambm em deuses" 1 . Estou inclinado a concordar com Nietzsche quando colocar porta do sonho a culpa da crena nos fantasmas, deuses e vida e aps a morte. Vamos supor que a idia de um corpo- alma se derive de experincias subjetivas tidas no mundo do sonho. Se com isso a alma iria ou no adquirir a condio de realidade objetiva s dependeria da condio de realidade dada ao sonho. Se os primeiros seres humanos acreditaram ter descoberto no sonho um segundo "mundo real, que poderiam ter querido dizer? Teriam apenas querido dizer que o mundo dos sonhos tinha uma existncia que podia ser verificada subjetvamente? Que os sonhos s eram reais enquanto existiam? Ou que os sonhos existiam real e objetivamente em algum plano de existncia sutil, real como o mundo fsico, em todos os aspectos? H alguma prova que sugere que os sonhos podem ser objetivamente reais? H vrios fenmenos enigmticos que parecem levantar possibilidade de, em certas circunstncias, o mundo dos sonhos ser ao menos parcialmente objetivo. Um desses enigmas a sensao estranha e misteriosa em que a pessoa acha que. de algum modo, est temporariamente fora do corpo. Existem levantamentos de dados que sugerem que um nmero surpreendente de pessoas j teve essas experincias fora do cor- po (OBEs)* no mnimo uma vez na vida 2 . muito comum quem j teve essa sensao ficar inabalavelmente convencido de poder conseguir que a sua pessoa, ou pelo menos parte dela, tenha uma existncia separada do corpo. * N.T. OBE o acrnimo da locuo inglesa Out-of-Body-Experience (sensao de estar fora de corpo ou "Experincia Fora do Corpo"). Outro fenmeno cuja existncia amplamente confirmada o modo misterioso de transmisso de informaes chamado percepo extrasensorial (ESP). H uma batelada de casos que apoiam a ideia da existncia da percepo extra-sensorial, que funcionaria no espao e no tempo. Se de algum modo de fato possvel perceber fatos que esto acontecendo distncia, ou mesmo fatos que ainda no aconteceram, o espao e o tempo devem ser diferentes do que parecem ser, e a mesma coisa se aplica s realidades subjetiva e objetiva! As descries de "sonhos mtuos" (sonhos aparentemente compartilhados por duas ou mais pessoas) levanta a possibilidade de, em alguns casos, o mundo dos sonhos ser to objetivarnente real corno o mundo fsico. sso acontece porque o criterio bsico de "objetividade" diz que qualquer sensao [que] compartilhada por mais de duas pessoas [ objetiva ou real], fato que supostamente acontece nos sonhos mtuos. Nesse caso, que aconteceria dicotomia tradicional entre os sonhos e a realidade? Basicamente, todos esses fenmenos misteriosos que ameaam a simplicidade da viso corriqueira que temos da vida so "filhos da noite". H levantamentos que indicam que durante o sonho ocorrem mais sensaes psquicas espontneas do que no estado acordado 3 . A maior parte das sensaes de estar fora do corpo tambm tende a ocorrer quando a pessoa est sonhando, ou pelo menos quando est na cama. O antroplogo americano Dean Shiels estudou OBEs em sessenta e sete sociedades do mundo inteiro e verificou que em aproximadamente oitenta e quatro por cento delas o sono era considerado a origem mais importante das OBEs 4 . Como isso tudo se relaciona com os sonhos lcidos? Fao a seguinte proposta: as OBEs so de fato interpretaes variantes do sonho lcido; a telepatia por sonho pode oferecer a base de uma explicao da preciso ocasional da viso paranormal das OBEs; e as experincias de laboratrio feitas com sonhos mtuos so sugeridas como meio de restar a realidade objetiva dos mundos dos sonhos compartilhados. Embora no estado acordado tambm apaream sensaes telepticas, h levantamentos que indicam que a maior parte tvel desse tipo de sonho: H muitos anos, quando meu filho (que agora j homem feito e tem um filho de um ano de idade) era menino, certa manh muito cedo tive um sonho. Sonhei que as crianas e eu havamos ido acampar com uns amigos. Estvamos acampados numa clareira muito bonita, na beira de um brao de rio que havia entre dois montes. Era um bosque e as barracas estavam armadas embaixo das rvores. Olhei ao redor e pensei: que lugar agradvel! Achei que tinha de lavar algumas roupas do bebe, de modo que fui para a parte um pouco mais larga do regato. Havia um lugar muito bonito e limpo, coberto de pedrinhas redondas: pus o meu filhinho e as roupas no cho. Notei que havia esquecido de levar sabo e comecei a voltar para a barraca. O meu filhinho ficou perto do regato, jogando punhados de pedrinhas na gua. Fui buscar o sabo e voltei: encontrei meu filho deitado de bruos na gua. Puxei-o para fora, mas es- tava morto. Acordei soluando e chorando. Quando percebi que estava na cama, segura, e ele estava vivo, fui invadida por uma onda de contentamento. Durante muitos dias fiquei muito preocupada, pensando naquilo, mas no aconteceu nada e esqueci o caso. No mesmo vero uns amigos nos convidaram para acampar com eles. Percorremos o estreito at encontrar um lugar bom para acampar, perto da gua. A clareirazinha bonita que havia entre os montes tinha um regato e enormes rvores para armarmos as barracas embaixo. Quando estava sentada na margem com uma das outras moas, olhando a brincadeira das crianas, aconteceu de eu me lembrar que tinha de lavar umas roupas; por isso peguei o beb e fui buscar as roupas na barraca. Quando voltei para o regato pus o meu filho e as roupas no cho, mas percebi que havia esquecido de levar o sabo. Voltei para busc-lo, e quando estava indo o beb pegou um punhado de pedrinhas e atirou-as na gua. No mesmo instante o sonho passou pela minha mente. Foi como um filme. Ele estava em p, exatamente como no sonho, de roupinha branca cachos louros, o sol brilhando. Por um nstante quase desabei. Depois apanhei-o e voltei para a praia e para os meus amigos. Quando me acalmei, contei a eles o que havia acontecido. Riram e disseram que eu havia imaginado tudo aquilo. Quando ningum consegue dar uma explicao boa, fcil dar uma resposta desse tipo. 5 Embora impressionantes e numerosos, casos no fazem mais que nos convencer da possibilidade da existncia de sonhos pre-cognitivos. Para transformar a possibilidade em probalidde preciso haver pesquisas cientficas. Felizmente, h talvez uma meia dzia de demonstraes cientficas de telepatia por sonho. As mais famosas foram as experincias de telepatia por sono feitas no laboratrio de sonhos do Hospital Maimonides do Brooklyn pelos drs. Montague Ullman e Stanley Krippner, no fim da dcada de 60. queles pesquisadores de sonhos fizeram a monitorao de pessoas adormecidas. Quando uma das pessoas em estudo estava nos perodos de sono REM, em outra sala uma pessoa se concentrava na reproduo de uma obra de arte e procurava transmitir telepaticamente uma imagem do quadro para a que estava dormindo e era acordada depois de cada perodo REM para fazer uma descrio do que havia sonhado. Mais tarde, as pessoas encarregadas de julgar conseguiram fazer uma correspondncia entre os quadros e os respectivos sonhos com uma preciso significativamente superior ao acaso. Uma noite o quadro alvo foi O Sacramento da Q(tima eia de Salvador Dali. O quadro mostra Cristo no centro de uma mesa, rodeado pelos doze discpulos, com um copo de vinho e um po na mesa; distncia v-se um barco de pesca. O caso em estudo da noite foi o do dr. William Erwin. Primeiro sonhou com um oceano que, segundo comentou, tinha "uma beleza estranha em si..." Lembrando-se do segundo sonho, disse: "Vm mente barcos. Barcos de pesca. Barcos pequenos... No restaurante "Viagem Martima havia um quadro que me veio mente... Representa, deixe-me ver... uns doze homens puxando um barco de pesca para a praia logo depois de voltarem da pesca". Parece que o terceiro sonho de Erwin teve relao com o tema cristo: estava folheando um "catlogo de Natal". Os trs sonhos seguintes foram com mdicos (algo a ver com o Cristo que fazia curas e era mdico espiritual?) Os dois ltimos sonhos que o dr. Erwin teve naquela noite tiveram a ver com comida. De manh as reflexes do dr. Erwin a respeito dos sonhos que teve juntaram as peas de forma muito sugestiva: "O sonho com os pescadores me fez pensar na regio do Mediterrneo, talvez at em alguma espcie de poca bblica. Agora mesmo as minhas associaes so com os peixes e o po, ou at com alimentar as multides... Mais uma vez estou pensando no Natal... Alguma coisa naquela regio tinha muito a ver com a gua do mar... " 6 Os resultados da pesquisa do Hospital Maimonides oferecem apoio cientfico para a possibilidade de influncia teleptica no contedo dos sonhos 8 . Da mesma forma, em 1962 L.E. Rhine concluiu, com base em um nmero grande de casos, que apareciam mais sensaes psquicas espontneas durante os sonhos do que no estado acordado. Em vista disso podemos aceitar a telepatia por sonho como hiptese de trabalho. Mas agora vamos voltar para outro enigma que estvamos discutindo: a sensao de estar fora do corpo. A OBE (ou seja, a chamada experincia fora do corpo) assume uma quantidade to ampla de formas que chega a confundir. Uma pessoa que tem uma OBE pode, por exemplo, encontrar o prprio senso de identidade associado com um segundo corpo, no fsico: uma "alma", "corpo astral", "esprito" ou, para sugerir uma expresso que tem um certo encanto, "corpo fora do corpo". Da mesma forma, uma pessoa "fora do corpo" pode prescindir completamente da falta de elegncia de corpos de qualquer tipo e sentir-se como um ponto de luz ou um centro de percepo que tem mobilidade completa. Em algumas OBEs a pessoa parece ver o corpo fsico adormecido, enquanto em outros ca- sos encontra uma cama vazia ou algum completamente diferente de si mesma. Vamos tomar o caso de um "projetor astral" que nos escreveu dizendo que, antes de saber o que eram as OBEs que teve, "ficava com muito medo" cada vez que tinha uma. Explicou que as projees sempre comeavam com ele deitado na cama e sentindo um peso que o mantinha empurrado para baixo. Logo depois percebia que estava fora do corpo. Numa OBE, deu uma volta em redor do quarto e de cima da escada olhou a cozinha. Resolveu olhar-se no espelho mas quando "olhou no viu nada. Outra ocasio, quando estava voltando das "aventuras astrais", pensou: "vou me olhar na cama". Mas quando olhou viu a prpria me, que "havia falecido havia muito tempo". Assim mesmo, curiosamente, encontrar na cama a me em vez do prprio corpo adormecido no o fez concluir que estava sonhando; tomou aquilo como significando que o esprito da me sempre estaria com ele quando estivesse projetado 7 ". Dois aspectos dessa descrio de OBE so particularmente sugestivos. Um que, ao "sair do corpo", o projetor astral andou "pelo quarto" e olhou "a cozinha". sso, acrescentado ao fato de ter esperado encontrar o prprio corpo adormecido quando voltasse, indica que fez uma concepo de si mesmo como um corpo no fsico ("astral"), mas num ambiente idntico ao mundo fsico. exatamente o tipo de mistura confusa e contraditria de elementos materiais e mentais caracterstica do sonhador ingnuo ou pr-lcido. Em segundo lugar, note a omisso do projetor em considerar a seguinte possibilidade: se o corpo fsico no estava na cama em que estava se vendo, a cama que estava olhando poderia no ser a verdadeira, o mesmo se dando com o quarto de dormir e a cozinha. Para mim, parece que esses tipos de lapso menores de no-realidade e malogro de questionar as anomalias que nos confrontam so muito caractersticas dos sonhos no lcidos e dos OBEs. Aqui temos uma descrio feita por Keith Harary, uma pessoa que no estado acordado me impressionou pela inteligncia racional e deveras superior e tem, alm disso, uma proficincia fora do comum na induo de OBEs: Uma noite acordei num estado fora do corpo, flutuando logo acima do meu corpo fsico, que estava deitado na cama, abaixo de mim. Durante a noite havia sido deixada uma vela acesa no outro lado do quarto. Saindo da posio sentada, mergulhei na direo da vela, flutuando suavemente para ela com a inteno de soprar a chama para economizar cera. Pus o "rosto" perto da vela e tive um pouco de dificuldade em apagar a chama. Tive de soprar vrias vezes at qua, finalmente, pareceu extinta. Virei-me para outro lado, vi o meu corpo deitado na cama e flutuei suavemente voltando cada vez mais para ele. Uma vez no corpo fsico, imediatamente me virei e voltei a dormir. Na manh seguinte acordei e vi que a vela havia queimado completamente. Parece que as tentativas que fiz fora do corpo s haviam afetado a vela no fsica 8 . O fato de Harary ter considerado fsicos os outros objetos e s ter considerado no fsica a vela anlogo ao modo pelo qual os sonhadores normais explicam anomalias que acontecem nos sonhos. Alm das anomalias que as pessoas tendem a aceitar nas OBEs, h outra analogia com sonhar. Durante a OBE garantem que o que esto sentindo realidade. Por exemplo, o cavalheiro da "me astral" confirmou que, por meio das OBEs, havia aprendido que o Eu real est separado do corpo fsico e funciona por intermdio dele. "Agora sei com certeza que temos dois corpos." Esse sentimento de saber "com certeza" muito caracterstico da tenacidade com que as pessoas se agarram s concluses tiradas das OBEs. Por mais que difiram em outros pontos, as pessoas que tiveram a sensao de estar fora do corpo so unnimes em ter certeza de no terem sonhado. No entanto, nos sonhos comuns geralmente estamos convencidos da realidade do que mais tarde descobrimos que foi iluso. No que diz respeito s analogias entre sonhar e ter experincias fora do corpo, creio que uma das minhas experincias um exemplo especialmente revelador. Anteriormente eu havia tido vrios sonhos lcidos em que sonhei que conseguia ver o meu "corpo adormecido" na cama. Falo neles mais como sonhos lcidos do que como OBEs porque como os interpretei na poca. Na minha opinio, os sonhos lcidos e as OBEs so necessariamente diferenciados por um nico aspecto bsico: como a pessoa interpreta as sensaes no momento. O requisito fundamental de uma OBE a sensao de estar fora do corpo. Talvez nos enganssemos menos descrevendo essa experincia como uma "sensao de estar fora do corpo" (OBS), em vez de "experin cia fora do corpo" (OBE). Por isso, se voc acredita- em algum sentido, que est "fora do corpo", est tendo- por definio, uma experincia fora do corpo. Essa definio foge da questo de saber se voc de fato saiu ou no saiu do corpo [fisico]. Contudo, nenhuma sensao garante a existncia real da coisa em questo. Na floresta escura pode-se sentir uma rvore como tigre, mas ainda de fato apenas uma rvore. Segundo o psicologia tradicional do budismo tibetano, tudo o que sentimos subjetivo e, por isso, pela prpria natureza as experincias [concretas ou reais] por que passamos no diferem, na essncia, do que chamamos "sonhos". Este tambm o ponto de vista da psicologia cognitiva do Ocidente moderno. Garantindo essa premissa (e, cientificamente falando, impossvel discutir como ela), seria difcil citar qualquer experincia [em viglia ou em sonho] que no tenha sido uma espcie de sonho. Consequentemente, o fato de eu supor que as OBEs so necessariamente uma certa espcie de sonho torna especialmente surpreendente a experincia que descrevo a seguir. Consciente de estar num sonho, mas com a imagem do que estivera sonhando comeando a sumir, procurei me agarrar nela. Lanando-me na escurido, vi-me rastejando num tnel, de mos e de joelhos. No comeo no conseguia ver nada, mas quando pus a mo nas plpebras consegui abri-las e de repente me encontrei flutuando no quarto, na direo de Dawn, que estava dormindo no sof. Olhei para baixo e vi o meu "corpo" deitado no cho da sala de estar. De algum modo, estava completamente convencido de no se tratar de um sonho e tinha certeza de estar vendo de fato o meu corpo adormecido. Dawn acordou e comeou a falar e eu me senti magneticamente levado de volta para o corpo adormecido no cho. Quando cheguei, acordei no meu corpo (que tomei pelo meu corpo fsico) disse excitadamente a ela: "Sabe o que acabou de me acontecer? Uma experincia fora do corpo tipo genuno". Depois disso, eu estava folheando um lbum de selos, quando me vi voando (como o Super-homem) no ar sobre a Alemanha. Fiquei.chocado ao acordar alguns minutos depois na minha cama e perceber que estivera dormindo o tempo todo. Nessa altura o meu crebro estava funcionando suficientemente bem para notar a implausibilidade geral da minha interpretao anterior daqueles fatos recentes. Por exemplo, eu conseguia ver que as inconsistncias implicadas pela minha crena que o corpo que tinha visto adormecido no cho e no qual entrei vindo do meu suposto "outro corpo" era de fato o meu corpo fsico. Se no fosse pela impossibilidade de viajar para a Alemanha tendo acabado, de abrir um lbum de selos, e o testemunho acordado de Dawn, poderia ainda estar convencido de no ter sonhado. E isso apesar de todos os "raciocnios" em contrrio. O raciocnio impotente para duvidar do que sabemos "com certeza". Quando voc v a prpria mo na sua frente, consegue duvidar que de fato a sua mo? Na verdade, o que sabemos com certeza s significa o que supomos ou acreditamos saber. Minha "experincia fora do corpo do tipo genuno" serve de lembrete de podermos estar totalmente enganados a respeito do que parece incontestvel. s vezes o sonho lcido considerado uma forma inferior de OBE. Mas creio que o oposto tambm pode ser o caso, como j pode ter acontecido para os leitores que se lembram da progresso dos estgios atravs dos quais as crianas desenvolvem uma compreenso de "sonhar". Para dar uma reviso rpida: no primeiro estgio as crianas acreditam que os sonhos ocorrem no mesmo mundo (externo) que o resto das sensaes que tm. Tendo aprendido, principalmente por intermdio dos pais, que os sonhos so um pouco diferentes das sensaes acordadas, passam a tratar os sonhos como se fossem parcialmente externos e parcialmente internos, Esse estgio de transio d lugar a um terceiro estgio, em que as crianas reconhecem que o sonho de natureza completamcnte interna , uma sensao puramente mental. Sem dvida esses estgios de desenvolvimento se referem aos termos conceituais em que as crianas pensam nos sonhos depois que acordam. Enquanto esto sonhando, crianas e adultos tendem a permanecer no primeiro estgio, supondo implicitamente que os acontecimentos do sonho so a realidade externa. Analogamente, as OBEs mais caractersticas, com a sua mistura um tanto contraditria do mental e do material, pareceriam oferecer exemplos do segundo estgio. S com sonho completamnte lcido a pessoa chega ao terceiro estgio de clareza conceitual: percebe que o que: est sentindo inteiramente mental e faz uma distino clara entre o sonho e o mundo fsico. Em apoio a noo de que as OBEs so em geral o resultado de sensaes de sonho mal interpretadas, deixe-me oferecer uma observao pessoal. Em aproximadamente um por cento dos sonhos lcidos do meu arquivo, senti que estava, num certo sentido, fora do corpo. Em todos esses casos, depois de acordar e examinar o que senti, notei certa deficincia na rememorao do sonho ou no meu pensamento crtico durante o sonho. Numa dessas situaes procurei decorar o nmero de srie de uma nota de um dlar, para verificar depois se havia ou no estado fora do corpo. Quando acordei no consegui me lembrar do nmero, mas isso dificilmente teve importncia. Lembrei-me de no ter morado muitos anos na casa em que pensava estar dormindo. Em outro caso eu estava flutuando perto do teto da minha sala de estar, olhando umas fotografias que havia em cima de um armrio e que sabia que nunca tinha visto (dado o meu habitual confinamento a andar no cho em vez de ir para o teto!) Minhas esperanas de verificar aquela informao obtida paranormalmente evaporaram num instante quando, ao acordar, me lembrei que no havia morado nesta casa mais de vinte anos! Contrastando com isso, em muitos sonhos lcidos consigo me lembrar onde estou dormindo (se isso importa) e comumente tenho uma noo precisa da data, como normalmente tenho quando estou acordado. Frequentemente, sei que horas so com preciso de minutos. Disto, sugiro que uma funo imperfeita do crebro durante o sono REM s vezes pode dar origem a uma lucidez incompleta no sonho. Este estado caracterizado por amnsia parcial, teste inadequado da realidade e interpretao do que sentimos como se fosse experincia fora do corpo em vez sonho. Em conjunto, parece que durante as OBEs a qualidade do raciocnio fica semelhante descrio que Nietzsche fez do raciocnio caracterstico da humanidade primitiva e tambm dos sonhadores de hoje: "A primeira causa que ocorria mente para explicar qualquer coisa que exigisse uma explicao era suficiente para representar a verdade" 9 . Esse estado da mente desprovido de crtica como o estado em que o sonhador pr-lcido aceita a prova implausvel de nAo estar sonhando. Creio que o raciocnio que leva a pessoa a se convencer que est de fato fora do corpo caracterizado por um estado de mente anlogo. Por questo de justia, deveramos mencionar que a maneira como as OBEs so em geral iniciadas faz com que a interpretao do tipo fora do corpo parea quase acima de dvida: a pessoa se acha acordada numa cama e depois, sem mais notcia que uma sensao de vibrao ou derretimento, encontra-se "descascando", "saindo fora" ou "flutuando para fora" do corpo. A maioria das pessoas aceita sem crticas que o que parece ser a explicao natural a explicao verdadeira do que sentiu. Segundo a controvrsia de Nietzche que vimos acima, "sair do corpo" a primeira causa que ocorre para a mente que est sonhando, e aceita pelo seu significado manifesto como a explicao. Um dos motivos pelos quais as pessoas poderiam tender a rotular essa sensao como "fora do corpo" em vez de "sonho" que parece que ela ocorre quando esto acordadas. Obviamente, se esto acordadas no podem estar sonhando e se no esto sonhando devem estar fazendo o que parece que esto fazendo: viajando "fora do corpo". sso tudo parece suficientemente direto, a no ser por um fato esquisito: em vrios tipos de circunstncias pode ser extremamente difcil determinar se voc est dormindo ou acordado, apenas sonhando ou vendo de fato. Esses estados de confuso tm probabilidades especiais de ocorrer quando a pessoa acorda parcialmente do sono REM e se v incapaz de se movimentar. sso acontece porque, por algum motivo, a parte do crebro que impede a pessoa de representar o sonho continuou a funcionar mesmo se, de outra forma, a pessoa estiver "acordada." Embora a base fisiolgica da paralisia do sono s tenha sido revelada recentemente, o estado e as associaes alucinatrias relacionadas a ela j so conhecidos h muitos anos. Por exemplo, Eleanor Rowland descreveu algumas sensaes que teve durante essa mistura confusa de sonho e realidade num artigo intitulado "Um caso de sensaes visuais durante o sono": comum acontecer alguma pessoa de sonho se apresentar atrs de uma porta verdadeira, uma mo de sonho se movimentar numa parede verdadeira e uma fi- gura de sonho sentar-se numa cama verdadeira. Como tenho a viso muito precisa, no posso usar a certeza de estar dormindo para reassegurar a mim mesma. Nem fico num cochilo suficientemente profundo para aceitar qualquer sonho que chega sem comentrios. Nessas ocasies o meu poder de raciocnio est ativo e pondero comigo mesma: "Ningum pode ter aberto a porta, pois voc sabe que a fechou com chave". "Mas estou vendo - distintamente uma figura de p ao meu lado: j bateu duas vezes na porta." "Provavelmente voc est dormindo". "Como posso estar dormindo? Estou vendo e ouvindo distintamente como sempre". "Ento por que no manda a figura embora?" "Vou mandar. Estou fa- zendo isso". "No, no est fazendo nada disso, pois est sabendo muito bem que nem se mexeu do lugar." Depois acabo dormindo: a figura no est ali e no preciso ter medo dela. A lio a ser aprendida de tudo isso que nem sempre fcil determinar em que mundo voc est vivendo era qualquer tempo dado; distinguir um sonho da realidade no nada fcil. Nem evoluo biolgica nem a cultural prepararam voc em grau suficientemente amplo para essa tarefa em particular. Distinguir um estado de conscincia de outro uma tcnica cognitiva aprendida exatamente do mesmo modo que, quando criana, voc aprendeu a entender a algaravia de sons que se trans- formou na sua lingua-me: pela prtica. Quanto mais prtica de sonhar lucidamente voc adquire, mais fcil vai achar no ser iludido a pensar que est acordado quando est sonhando. Quanto mais experincia tiver tido no que se refere a reconhecer um falso despertar, a paralisia do sono e outros fenmenos associados com o sono REM, quando "sair do corpo" mais probabilidades ter de reconhecer que foi um sonho lcido. Na verdade, isso o que observamos na maioria dos nossos oneironautas traquejados. Com muita frequncia, descrevem como "sair do corpo" alguns sonhos lcidos iniciados a partir de um despertar rpido dentro de um perodo de sono REM, mesmo apesar de todos ns estarmos de acordo que, embora esta terminologia capture bem o modo pelo qual a sensao acaba sendo sentida, supostamente no descreve o que acontece na realidade. Como exemplo da forma peculiar tomada por essas sensaes, vamos considerar um dos sonhos lcidos que Roy Smith teve no laboratrio. Tendo se deitado sobre o lado direito, comeou a se virar para a esquerda e sentiu como se houvesse "sado do corpo". Viu uma cena de campo e fez sinais, lucidamente, sete vezes. Depois apareceu uma luz avermelhada e brilhante, de modo que se virou para a direita, na direo da luz, e voou por uma passagem. Nesse ponto voltou a fazer sinais, embora depois no tivesse certeza do nmero exato de vezes que mexeu os olhos; poderiam ter sido umas nove vezes. De qualquer modo, continuou a voar pela passagem, at que viu a lua, cheia e incrivelmente luminosa. Depois de ver as estrelas no alto, resolveu tentar junt-las com a lua. Mas era muito tarde. J estava sentindo o corpo paralisado na cama. Queria acordar e fazer um sinal para algum e, depois do que lhe pareceu um esforo extenuante, conseguiu acordar e apertar a campainha de chamados. Antes de oferecer uma explicao para o que creio que pode realmente acontecer em situaes deste tipo, gostaria de descrever um dos meus sonhos lcidos iniciados por um despertar dentro do sono REM. Era o meio da noite e eu havia obviamente acordado de um sono REM, visto que me lembrei de um sonho sem nenhum esforo. Estava deitado de bruos na cama, sonolento e fazendo uma reviso da histria do que havia sonhado, quando de repente tive uma sensao de formigamento e peso nos braos. Ficaram de fato to pesados que um deles pareceu derreter e cair ao lado da cama! Naquela distoro da imagem do meu corpo reconheci um sinal de estar reentrando no sono REM. Quando me descontra mais, senti o corpo todo ficar paralisado, embora ainda parecesse que eu estava podendo preencher a posio dele na cama. Raciocinei que, muito provavelmente, aquela sensao era uma imagem de lembrana e que tanto a entrada sensorial verdadeira como a verdadeira sada motora estavam cortadas. Em resumo, eu estava dormindo. Naquele ponto imaginei que estava levantando o brao e senti aquele movimento imaginado como se houvesse separado um brao igualmente real do brao fsico que eu sabia que estava paralisado. Depois, com um movimento tambm imaginado, "rolei" completamente para fora do corpo fsico. Agora, de acordo com a minha compreenso, eu estava de p, inteiramente num corpo de sonho, num sonho do meu quarto de dormir. Percebi muito lucidamente que o corpo do qual me parecera ter sado e com o qual agora estava sonhando que vi na cama, era uma representao de sonho do meu corpo fsico; de fato, evaporou-se logo que desviei a ateno para outra coisa. Dali, sa voando para o amanhecer... Eu diria que, tendo acordado do sono REM, estava (como sempre) sentindo a minha imagem corporal numa posio calculada pelo crebro. Como esse clculo estava baseado em informaes precisas a respeito do mundo fsico obtidas por meio dos meus sentidos acordados, portanto funcionais, a posio em que senti o corpo correspondeu minha posio real, que era deitado na cama. Tendo em vista que no sono (especialmente no sono REM) a entrada sensorial vinda do mundo externo suprimida ativamente, naquele ponto os meus sistemas sensoriais j no davam mais ao crebro informaes relativas ao mundo fsico. Por isso, a representao que o crebro fazia da minha imagem corporal j no estava restrita por informaes sensoriais relativas orientao, verdadeira do corpo no espao fsico, e eu estava livre para desloc-lo para qualquer posio escolhida por mim mesmo. Sem nenhuma entrada sensorial para me contradizer, eu poderia "viajar" livremente para qualquer lugar do espao mental. Para comparar, vamos considerar uma teoria alternativa: as OBEs como projeo astral. A ideia do mundo astral foi trazida para o Ocidente e disseminada por madame Blavatsky no sculo passado. Segundo a doutrina teosfica de madame Blavatsky o mundo composto de sete planos de existncia e os planos, que so compostos de tomos, tm graus de refinamento variados. O mundo fsico o menos refinado de todos. No nvel seguinte, que o plano "etreo", encontramos um segundo corpo; mas ainda no o "corpo astral", apenas o "corpo etreo" normalmente ligado ao corpo fsico; serve para manter a comunicao entre os sete corpos. 0 plano seguinte o "astral um", onde encontramos o corpo que estivemos procurando. O mundo astral composto de matria astral, que superposta matria fsica, e tudo que h no mundo fsico tem seu complemento no mundo astral. Mas no plano astral encontramos mais coisas que no plano fsico, incluindo uma coleo de espritos, elementos naturais e entidades desencarnadas de todos os tipos. O que interessa mais que o corpo astral tem apoio para conseguir viajar no plano astral, livre do corpo fsico e, como o mundo astral supostamente contm uma cpia de tudo o que h no mundo fsico, poderia parecer que seria fcil conseguir obter informaes provenientes de lugares distantes viajando rapidamente para l. (H muifas dificuldades com a teoria de sonhar. baseada em projeco astral e OBEs. S para mencionar uma, consigo me lembrar de sonhos lcidos em que vi uma representao do meu quarto de dormir que havia perdido boa parte da matria "astral": na verdade, faltava uma parede inteira e uma janela!). Mas a minha inteno aqui no expor a teoria da projeo astral e sim traduzir os termos dela para os meus. O que os ocultistas denominaram "viagem astral", estou chamando de "viagem mental"; em vez de "mundo astral", digo "mundo mental". Quanto misteriosa entidade j mencionada como "corpo astral", segundo corpo", "duble" ou "fantasma", considero-a uma realidade sentida que identifique com a imagem corporal, mas a expresso mais direta para ela pode ser simplesmente "o corpo de sonho". Esse corpo de sonho a nossa representao mental do corpo fsico que temos no momento. Mas o nico corpo
sempre sentiremos diretamente. Por conhecimento direto s conhecemos o contedo de nossa mente. Todo nosso conhecimento relativo ao mundo fsico, incluindo at a existnciatncia do nosso "primeiro" corpo, ou corpo fsico, inferido. S porque o nosso conhecimento da realidade externa indireto, no deveria nos levar a concluir que s a mente existe ou que o mundo fsico simplesmente uma iluso. Devido a essa natureza de represcntao, o que iluso o nosso corpo mental [*]. As nossas sensaes mentais podem ser comparadas a assistir televiso. Os fatos televisionados so meros quadros projetados que tm apenas uma semelhana com a realidade. Se os fatos que vemos na TV tm ou no correspondncia com fatos , reais, outro assunto. Quando, por exemplo, assistimos a um programa de notcias, temos confiana de estar testemunhando a descrio de fatos que realmente aconteceram. Quando vemos um homem que algum matou, esperamos que esteja de fato morto. Contrastando com isso, quando vemos um ator que foi "morto" num melodrama da TV, esperamos que e(e e no a viva v receber o cheque do salrio no fim do ms! [*] O conceito de iluso utilizado aqui est contido ainda no sistema dualista-materialista de pensamento. um conceito filosfico mais do que uma experincia pessoal j que, no entender do autor, a nica experiencia concreta e real que temos (inclusive do mundo material e consequnetemente do nosso corpo fsico tambm) com o contedo da nossa propria mente. Ou seja: a experincia do mundo "real mental ou ilusria!!! H porm outro conceito do par iluso-realidade que afirma que o que muda iluso e o que no muda real. Desse ponto de vista, o que real o observador, que sempre o mesmo, independente do corpo mental ou fisico que utilize. J o observado, por ser mutvel e transitrio, seja ele sonho ouno,ser sempre ilusrio. N.do T. para o texto em Word. Em ambos os casos o que sentimos foram iluses, no sentido em que os fatos que aconteceram aparentemente no televisor eram apenas imagens de fatos que podem ou nao ter ocorrido de verdade na realidade externa. Esta a condio necessria de tudo o que sentimos: como representaes mentais, so as imagens da coisa que representam, no as coisas em si. informativo especificar a relao que h entre a imagem e a coisa que representa. Os nossos dois exemplos representam graus opostos de uma possvel correspondncia. No caso do ator no havia relao entre a "morte" teatral e a "realidade! Em contraste com isso, o programa de notcias nos apresentou a imagem de um fato que correspondeu precisamente ocorrncia de um fato real! [*]
Por isso aceitamos as notcias como se expressassem corretamente a realidade. fcil imaginar que os programas de TV tm graus de verdade que podem cair em qualquer lugar entre os dois extremos considerados, como por exemplo a representao teatral de uma histria verdica, ou um programa de notcias que se engana e anuncia que um homem foi morto, quando de fato foi apenas ferido. [*] Pode-se falar ao invs de fato "real, em fato consensual s mentes envolvidas na sua percepo j que, por definio, toda percepo mental. N.T. do texto para o Word.
Agora imagine uma pessoa confinada num quarto: tudo o que conhece do mundo exterior limita-se ao que v na televiso. Essa pessoa poderia muito bem considerar a TV a realidade bsica, e o "mundo exterior" uma hiptese derivada e desnecessria. Com essa metfora estou sugerindo,que estamos todos numa situao anloga: a. sala em que estamos confinados corresponde nossa mente e os programas de TV correspondem s notcias e fantasias do mundo exterior trazidas para ns pelos 5 sentidos. Todas as referncias feitas anteriormente s imagens de televiso aplicam-se igualmente s imagens mentais com que construmos o nosso mundo. Nos termos que propus aqui, estar no corpo significa construir uma imagem do corpo menta(. Como se baseia em informaes sensoriais, representa com preciso a posio do corpo no espao fsico. Enquanto estamos sonhando estamos fora do alcance do corpo e, conseqiientemente, libertos das restries fsicas impostas pela percepo acordada. Por isso, no est presente nenhum fato sensorial inconveniente que possa limitar o nosso movimento no espao mental, e ficamos livres para sair da orientao espacial definida como "estar no corpo" (fsico). A parte de ns que "sai do corpo" viaja no espao mental, no no espao fsico. [*] Consequentemente, pareceria razovel supor que nunca "samos do corpo" porque nunca estamos nele. Onde "ns" estamos quando.sentimos qualquer coisa (incluindo OBEs) o espac menta(. A famosa frase de Milton, "a Mente o lugar dela mesma", no vai suficientemente longe. A mente no meramente o seu prprio lugar: a mente o !nico lugar dela mesma. [**] [*] sso imaginando-se que exista um espao "fsico independente de um espao "mental. Eventualmente os dois so um e o mesmo contnuo. N.T.para o texto em Word. [**] Talvez a mente seja o nico lugar que existe j que, para demonstrar a existncia de um lugar qualquer, sempre estremos na dependncia dela. No h um "lugar perceptvel sem a mente. Novamente a "mente e o "lugar devero ento ser componentes separados apenas cognitivamente, a partir do mesmo e nico contnuo. N.T.para o texto em Word. Agora estamos preparados para nos dirigir para um aspecto emprico do fenmeno da OBE. Em geral, as pessoas que passam por OBEs acreditam que esto percebendo paranormalmente acontecimentos que esto ocorrendo no mundo fsico. nfelizmente, na maioria dos casos essa crena toma a forma de uma suposio no testada. Como os fatos que vemos na TV, o que vemos durante as OBEs poderia ter qualquer grau de correspondncia com a realidade fsica. A questo (geralmente no contestada) que est por trs das OBEs que a pessoa est de fato situada, de modo inexplicado, em algum lugar do mundo fsico que no o prprio corpo fsico. A implicao disso que o que as pessoas vem enquanto esto "fora do corpo" deveria ser um reflexo preciso da realidade fsica, inteiramente anlogo percepo comum. Raramente uma dessas suposies submetida a um teste rigoroso ou, para dizer a verdade, a qualquer teste. Estas so questes empricas que podem e devem ser esclarecidas por experincias cientficas. H algum dado cientfico que pode nos deixar chegar a um veredito baseado na afirmao de que o ponto de vista da OBE vlido? Na realidade existe disposio uma grande quantidade de provas relevantes que, juntamente com inmeros estudos da viso da OBE, satisfazem aos padres de controle rigoroso exigidos pela cincia exata. H duas maneiras de ver amplamente os resultados desses estudos. Em primeiro lugar temos o resumo de Karlis Osis, diretor de pesquisa da Sociedade Americana de Pesquisas Psquicas. Num esforo de produzir provas de sobrevivncia aps a morte, essa sociedade incumbiu-se de fazer uma pesquisa extensa da percepo nas OBEs. No decorrer desse estud aprozimadamente cem pessoas, todas acreditadamente proficientes em induzir OBEs e portadoras de capacidade perceptiva paranormal, foram testadas durante as OBEs em condies controladas. Enquanto estavam confinadas numa sala, induziram OBEs e "visitaram" uma sala-alvo distante, procurando depois descrever com detalhes o que haviam "visto" l. Em quase todos os casos, uma comparao dessas descries com o contedo real da sala-alvo no revelou absolutamente nenhuma indicao de correspondncia de qualquer tipo. Em outras palavras, no caso da grande maioria daquelas pessoas no houve provas que confirmassem uma percepo acurada ou a validez da convico delas de terem de fato sado do respectivo corpo. Alm do mais, as pessoas em estudo foram descritas por Osis como "a fina flor dos reivindicadores" de OBEs. Creio que os resultados desse estudo apoiam fortemente a minha teoria da "OBE como sonho lcido mal interpretado". Quanto viso na OBE, nas palavras do dr. Osis, "parece que a maioria desses casos uma miragem". Na melhor das hipteses, parece que a viso na OBE um modo de percepo altamente varivel e pouco digno de confiana "que vai de razoavelmente bom (isto , que distingue claramente alguns objetos) a um fracasso completo" (isto , que produz imagens muito embaadas ou completamente erradas). Alm do mais * acrescentou Osis, "dos indivduos que estudamos e mostraram alguns sinais de poder perceptivo OBE, no encontramos um sequer que tivesse conseguido ver as coisas com clareza cada vez que sentia estar fora do corpo". A grande maioria dos casos alegados de viso numa OBE aparentemente no mostra, em comparao com o mundo exterior, um grau de capacidade perceptiva mais alto do que esperaramos a partir de sonhos comuns. sso poderia, em si, sugerir que a natureza das OBEs no precisaria de mais explicaes adicionais do que as j oferecidas. Mas a existncia at mesmo de percepes ocasionais pred-sas numa OBE um fato que ainda precisa ser explicador A explicao tradicional sustenta que a viso na OBE uma forma de percepo direta por meio dos sentidos de um corpo no fsico. Mas existe uma explicao alternativa que filosoficamente correta, econmica e, o que mais importante, est de acordo com a observao. Em primeiro lugar, no supe a condio de preciso invarivel durante a viso na OBE ou nos sonhos lcidos. Em vez disso, sugere que, como todas as outras imagens formadas mentalmente, essa forma de percepo pode ser relativamente mais acurada algumas vezes do que em outras. As percepes mentais podem ser ordenadas num espectro que vai de pouca ou nenhuma relao com a realidade exterior (ou seja, "alucinaes") numa extremidade, at uma correspondncia quase perfeita com a realidade (ou seja, "percepo") na outra extremidade. Alm do mais, pode haver um grau de relao intermedirio e em algum ponto desse terreno mdio que os sonhos e as OBEs caem, de modo geral. O que estou propondo que a seleta minoria das descries de OBEs so simplesmente casos de telepatia por sonho. Para algumas pessoas isso pode ser semelhante a explicar o misterioso em termos do mais misterioso. A telepatia por sonho um fato que acaba de ser estabelecido e de nenhum modo entendido ou explicado satisfatoriamente. Uma questo para pesquisas futuras saber se quem sonha lucidamente ou tem OBEs tem mais tendncia para sentir telepatia do que quem tem sonhos comuns. Consideradas em conjunto, as experincias fora do corpo com que ficamos familiarizados no parecem ter cumprido a reivindicao que "desafiaria nossas suposies mais bsicas referentes natureza da realidade". Deixei para o fim o que pode ser o mais misterioso dos fenmenos dos mundos dos sonhos que abalam a realidade: refiro-me ao que variadamente se denomina sonho "mtuo", "recproco" ou "compartilhado". So as sensaes desconcertantes em que duas ou mais pessoas dizem ter tido sonhos semelhantes seno identicos. Em ( alguns desses casos as descries so to admiravelmente semelhantes que quase somos impelidos a concluir que as pessoas que compartilham o sonho estiveram presentes no mesmo ambiente de sonho. Se isso, acontecesse, implicaria que, pelo menos em certos casos, o mundo dos sonhos (e, da mesma forma, os corpos de sonho que h nele) pode possuir algum tipo de existncia objetiva. Por outro lado, nos sonhos mtuos s podemos compartilhar enredos de sonho, no os sonhos em si. Vamos examinar uma descrio clssica de sonho recproco ostensivo. Em Elmira (Nova York), tera feira, 26 de janeiro de 1892, entre as duas e as trs horas da madrugada, a dra. Adele Gleason sonhou que estava num lugar solitrio, numa mata escura, quando um medo enorme se abateu sobre ela; nesse ponto sonhou que John Joslyn, seu advogado e amigo, chegou perto e sacudiu uma rvore prxima dela, fazendo com que as folhas da mesma pegassem fogo.. Quando os dois amigos se encontraram, quatro dias depois, dele mencionou que tivera um "sonho estranho" na tera-feira anterior. John interrompeu-a imediatamente e disse: "No me conte. Deixe que eu o descreva, pois sei que sonhei a mesma coisa". Mais ou menos mesma hora da noite de tera- feira ele havia acordado de um sonho no menos estranho e anotado a seguinte descrio, admiravelmente semelhante: depois de escurecer, havia encontrado Adele numa mata solitria, "aparentemente paralisada de medo de algo que no consegui ver e pregada no cho pelo sentimento de perigo iminente. Cheguei perto dela e sacudi o arbusto, com o que as folhas caram e pegaram fogo" 12 . Embora essas duas descries de sonhos sejam surpreendentemente semelhantes, no so exatamente idnticas. Por exemplo, Adele fez uma rvore do que para John era apenas um arbusto; as folhas dela queimaram na rvore, enquanto as dele pegaram fogo enquanto estavam caindo. As descries originais mostram ainda outras discrepncias. Eu interpretaria este caso como um exemplo de sonho compartilhado causado, pela transmiso teleptica de um SOS de Adele, juntamentecom uma formao de imagens cheia de carga, por parte do amigo. Da sua parte, John reagiu ao apelo da amiga iniciando e compartilhando telepticamente uma sensao visionria surpreendentemente parecida com a sara ardente de Moiss. uma histria de dois sonhos que nos deixa pasmados mas, ainda assim, parece-me que d um apoio mais forte hiptese de enredos de sonhos-compartilhados do que de mundos de sonho compartilhados. Oliver Fox oferece um caso um pouco mais convincente. "Uma noite, estava conversando com dois amigos, Slade e Elkington, e a conversa se dirigiu para o assunto de sonhos. Antes de nos desperdirmos combinamos nos encontrar, se possvel na mesma noite, na praa de Southampton." Mais tarde da mesma noite Fox garantiu que se encontrou com Elkington na praa, "conforme combinado". At ali tudo foi bem, "mas Slade no estava presente". Segundo Fox, tanto ele mesmo como Elkington sabiam que estavam sonhando, e comentaram a ausncia de Slade, "e depois daquilo o sonho terminou, tendo tido uma durao muito pequena". Fox conta que, quando se encontrou com Elkington no dia seguinte, perguntou-lhe se havia sonhado. Elkington respondeu: "Sonhei: encontrei voc na praa e sabia que estava sonhando, mas o Slade no apareceu. S tivemos tempo de nos cumprimentar e comentar a ausncia dele, e o sonho terminou". Pelo pensamento de Oliver Fox, "talvez isso tenha acontecido porque Slade no conseguiu comparecer ao encontro". Que aconteceu com Slade? Fox ficou satisfeito por resolver o mistrio: quando os dois amigos acabaram encontrando Slade e lhe perguntaram o que havia acontecido, respondeu que "no havia sonhado com nada" 10 . Por mais curioso que este caso possa parecer, fica prejudicado porque Fox deixou de mencionar a hora exata em que aqueles dois sonhos lcidos ocorreram. Embora as descries digam . que os sonhos foram tidos na mesma noite, se tivessem sido sonhados em horas diferentes (isto , se Fox e Elkington no estivessem no sono REM na ocasio), ficaria favorecida a hiptese de enredos de sonho compartilhados, em vez de um sonho compartilhado. De qualquer modo Fox no conseguiu repetir "esse pequeno sucesso" de ter sonhos mtuos-e expressou a sua crena de que "duas pessoas compartilhando aproximadamente a mesma sensao num sonho uma ocorrncia extremamente rara". Os exemplos considerados at agora foram experincias que acontecem uma vez na vida de quem compartilha sonho. Em contraste com isso, h sugestes de muitos msticos sufistas terem cultivado em nvel bem alto a capacidade de sonhar mutuamente. Ao lado de vrias histrias de mestres sufistas que so capazes de aparecer nos sonhos de qualquer pessoa que quiserem, h o relato de um grupo de derviches que exploraram o mundo dos sonhos na ilha de Rodes no sculo XV. Os derviches eram presididos por um xeque, "um certo efndi Hudai" que no s "praticava todas as virtudes, cultivava todas as cincias e lia livros na maioria das lnguas clssicas", como "se dedicava ao cultivo de sonhos coletivos". Num mosteiro isolado no alto de uma colina da ilha, "mestre e discpulos purificavam-se corporal, mental e espiritualmente, todos juntos, deitavam-se todos numa cama ., enorme, uma cama que abrigava a congregao inteira. Recitavam juntos a mesma frmula secreta e tinham todos o mesmo., sonho". Conta-se uma histria notvel entre este mestre dos sonhos de Rodes e Suleim, o Magnfico, sulto da Turquia. Um dia, durante uma campanha militar em Corinto, Suleim viu-se na impossibilidade de se sair de um dilema aparentemente impossvel de resolver, e nenhum dos conselheiros conseguiu conceber nenhum plano de ao de nenhum tipo. Felizmente o sulto se lembrou que o emissrio do efndi Hudai ainda estava no seu acampamento. Como o mestre dos sonhos j o havia ajudado no pas- sado, em circunstncias no menos difceis, Suleim mandou chamar o derviche e, fornecendo-lhe as despesas de viagem e o passe de salvo-conduto, perguntou de quantas semanas precisaria para viajar a Rodes e voltar ao acampamento imperial com o xeque. "O derviche deu um sorriso involuntrio. Senhor, replicou ele, agradeo as despesas de viagem e o salvo-conduto. No tenho necessidade deles. verdade que a lha de Rodes fica longe daqui, mas o venerado xeque Hudai no est distante do acampamento de Vossa Augusta Majestade. Encarrego-me de cham-lo esta madrugada, at antes das preces matinais." nterpretando mal a natureza das palavras do sufista, o sulto ficou "atnito com a presena do homem sagrado nas proximidades do acampamento" e deu ao derviche vrias bolsas cheias de ouro e prata, mas ele as recusou. Em troca, o derviche ofereceu a Suleim uma "ma soporfera", que o sulto des- cascou e comeu. "Depois o homem misterioso foi dormir", como o prprio sulto. Anteriormente, o sulto havia ordenado aos homens que o acordasse chegada do enfndi Hudai. Mas quando o mestre no apareceu, riram- se do derviche e zombaram da "credulidade e senilidade" do soberano. Quando, na madrugada, o muezin do exrcito comeou a chamada matinal para as preces, o Eunuco Chefe acordou delicadamente o sulto e, depois de lhe desejar bom-dia e uma vitria brilhante sobre o inimigo, murmurou com ironia: "Senhor, no h notcias do efndi xeque Hudai. Parece que aquele discpulo um farsante". "Silncio, imbecil completo", rugiu o sulto, "silncio! "O Mestre lustre dignou-se a visitar me. Tive uma longa conversa com ele e a voc digo que os meus exrcitos fiis conquistaram a mais brilhante das vitrias h menos de uma hora. Espere a chegada do mensageiro." O comandante inimigo havia ficado inconsciente logo antes do incio da batalha e os subordinados no haviam conseguido lev-la adiante sem ele, e o resultado fora descrito pelo xeque Hudai no sonho. Evidentemente, "a um sinal de sonho dado pelo humilde discpulo", o efndi Hudai havia visitado e aconselhado Suleim num sonho. Alm do mais, existe a suspeita de o mestre dos sonhos ter de algum modo participado da misteriosa perda de conscincia do comandante inimigo, que deu como resultado a mais acidental" (apesar de ter sido chamada "a mais brilhante") vitria dos exrcitos de Suleim, o Magnfico 14 . Por mais fascinantes que sejam este e outros casos de sonho mtuo, no nos aproximam mais da deciso entre as vrias interpretaes do fenmeno, que competem entre si. Poderamos ficar imaginando se haver algum modo de resolver definitivamente a questo. Proponho um teste emprico: dois onironautas poderiam ter sonhos lcidos simultneos e monitorados num laboratrio do sono. Combinariam um encontro no sonho, onde fariam sinais simultneos. Se se tratasse de fato de um sonho mtuo, isto , se os sonhadores lcidos de fato estivessem compartilhando um mundo de sonho, os sinais simultneos dados pelos movimentos dos olhos apareceriam nos registros do polgrafo. Por outro lado, se descrevessem ter desempenhado essa tarefa num sonho lcido mtuo mas no apresentassem sinais simultneos, teramos de concluir que estavam, no mximo, compartilhando enredos de sonho. Tenhamos a certeza de apreciar o significado de uma sensao dessas: que os sonhadores lcidos deixassem de apresentar sinais simultneos no seria especialmente surpreendente nem significativo. Mas se produzissem sinais simultneos de movimento dos olhos, teramos uma prova irrefutvel da existncia objetiva do mundo dos sonhos. Saberamos ento que, pelo menos em certas circunstncias, os sonhos podem ser to objetivamente reais como o mundo da fsica. sso levantaria finalmente a questo de saber se a prpria realidade fsica algum tipo de sonho compartilhado. O que acontece de fato talvez seja o resultado equilibrado de uma mirade de interaes para as quais todos ns contribumos sonhando o sonho da realidade consensual. Mas se no isso que acontece, sempre h a proposta de Bob Dylan: "Eu deixo voc ficar no meu sonho se eu puder ficar no seu". EPLOGO VVOS NA VDA No comeo deste livro fiz uma assero: no estado de sonho comum no estamos completamente acordados nem completamente ativos. Partindo desse ponto argumentei que, enquanto estamos sonhando, at ficarmos conscientes de estar mesmo sonhando, mantemo-nos adormecidos dentro do sono e, com isso, simplesmente perdemos a tera parte da vida que fica no domnio do sono e dos sonhos. Mas felizmente, como todos os leitores agora j devem estar sabendo, no se trata de uma si- tuao inaltervel, pois conseguimos desenvolver a capacidade de ficar acordados nos sonhos. provvel que tudo o que j foi dito em relao vida adormecida possa ser aplicado na mesma proporo aos outros dois teros, ou seja, ao estado que denominamos "acordado". Vamos comear por algumas aplicaes e implicaes que o fato de sonhar lucidamente sugere para a vida de todos os dias. At que ponto os conceitos de sonhar lucidamente so relevantes para a vida acordada? A resposta que as atitudes que caracterizam o ato de sonhar lucidamente tm certos paralelos com uma abordagem de vida que poderia ser denominada "viver lucidamente". Para adquirir um conceito mais claro do que esta expresso curiosa sugere podemos continuar a raciocinar por analogia, examinando algumas atitudes e suposies contrastantes associadas com a comparao entre sonhar lucidamente e sonhar no lucidamente 1 . O modo mais bsico de diferenciao entre as atitudes do sonhador lcido e do sonhador no lcido provm justamente da prpria definio de lucidez. Enquanto voc est tendo sonhos no lcidos, supe que est acordado; quando est tendo um sonho lcido, sabe que est dormindo e sonhando. Creio que no estado acordado o par de atitudes correspondentes o que passarei a expor. De um lado, voc poderia estar fazendo a suposio (no lcida) de estar sentindo objetivamente a realidade. De acordo com este ponto de vista parece que a percepo pura questo de olhar pela janela dos olhos e simplesmente ver o que h l fora. nfelizmente parece que esse ponto de vista tradicional, de "bom senso", claramente incoerente com os resultados obtidos pela psicologia e neurofisiologia de hoje. O que voc v no "o que est l fora, de fato, o que [voc] v nem est "l fora". O que voc v dentro da cabea s um modelo mental do que percebe ou acredita que est "l fora". A compreenso lcida da natureza da percepo provm do conhecimento moderno do funcionamento do crebro. Se voc quiser seguir essa abordagem, recomendo adotar a seguinte hiptese de trabalho: as suas sensaes so necessariamente su/Heti'as; so o resultado do que voc mesmo construiu baseado no estado de motivao em que est no momento e na parte da realidade que est vendo (e na qual est acreditando). Em termos de percepo visual este ponto de vista explica a iluso de ptica que pode aparecer como resultado do que esperamos do mundo; tambm explica como as emoes podem distorcer a percepo, fazendo com que, por exemplo, algum que esteja acampando veja "todas as moitas como se fossem um urso" e algum que esteja amando veja "em cada rvore o ser amado". Resumindo, a melhor (ou seja, a mais certa) anlise de percepo que no sentimos a realidade diretamente e sim por intermdio de modelos do mundo, que ns mesmos fazemos. Por isso, antes que voc consiga ver o que est "l fora", as informaes visuais dadas pelos olhos atravessam uma legio de fatores subjetivos, a saber, expectativas, sentimentos, conceitos, valores, atitudes e metas. inevitvel que os nossos modelos do mundo limitem o que sentimos da realidade; quanto mais distorcidos os mapas, mais distorcido o territrio parece. Um par de atitudes relacionadas com isso seria a nossa tendncia de (quando no estamos lcidos) supor passivamente que os fatos de um sonho esto "simplesmente acontecendo para a gente", em comparao com a conscincia (quado estamos lcidos) de nEs estarmos criando ativamente o que acontece nos sonhos ou, pelo menos, contribuindo significativamente para o que acontece neles. As atitudes do estado acordado tm um paralelo exato com estas. Se substituirmos "sonho" por "sensa- o", o que acabou de ser dito sobre o estado de sonho se aplica igualmente ao estado acordado. Como consequncia da atitude passiva que temos no sonho quando no estamos lcidos, voc poderia sustentar a crena de que as regras do seu jogo de sonhos so completamente determinadas por um princpio de realidade externa. Com isso, na qualidade de sonhador no lcido, mesmo num sonho voc continuaria a ser atrado pela Terra, pelo fato de acreditar que a gravidade uma lei universal da fsica. Mas se estiver lcido o suficiente para saber que a "gravidade de sonho" mera conveno, ter liberdade de aceitar isso ou no e, se quiseer poder voar vontade. Quem sonha lucidamente leva em considerao outras "leis" do mundo dos sonhos de modo semelhante ao que acabamos de mencionar, ou seja, a pessoa faz as prprias regras, que podem ser alteradas se houver algum motivo. As atitudes correspondentes do estado acordado no se traduzem to diretamente como as que consideramos at agora. Nesse caso creio que a atitude do sonhador no lcido achar que a situao pela qual est passando definida e determinada por fatores externos que, em geral, esto alm das suas foras de fazer modificaes num grau significativo; se voc mantm esse ponto de vista, outras pessoas e os acasos do destino determinam o que acontece consigo. Contrastando com isso, a atitude lcida 'oc: definir como quer sentir as situaes da vida. Por isso, encarar um dado sonho como pesadelo ou como oportunidade de se auto-integrar, depende exclusivamente de voc, do mesmo modo como depende de voc ver um desafio numa determinada situao da sua vida acordada. O ltimo par de atitudes contrastantes a ateno consciente que diferencia a lucidez da falta de lucidez. O hbito de no dar ateno s coisas no necessariamente uma condio indesejvel, embora normalmente o hbito de no perceber as coisas seja indesejvel. A vantagem principal que o comportamento consciente oferece, em comparao com o comportamento habitual, uma flexibilidade cada vez maior. Mas se a situao de circunstncias relativamente constantes que pedem reaes que no mudam, habitualmente adotamos uma abordagem mais econmica. No h nada errado em reagir sem ateno, desde que as reaes caibam na situao. Mas se a situao de relativa impreviso ou novidade, usar a ateno, ou seja, saber o que se est fazendo, tem mais probabilidade de trazer vantagens. A vida nos presenteia com uma mistura do esperado e do inesperado; seja o que for que voc receber, sem dvida % importante saber reagir com a forma de comportamento mais adaptvel a cada um. Tendo em vista que falta de ateno e hbito so coisas {[mais] fceis, enquanto [que] manter a ateno e ter conscincia exige esforo, muito mais provvel que voc acabe diminuindo a conscincia [em reas que] exigiriam conscincia do que dedique ateno demais [s coisas] que deveriam ser automticas}*, embora isso tambm possa acontecer. Por isso, possvel que a pessoa tenha vantagens se melhorar a capacidade de ficar consciente. Tendo em vista que parece mais difcil ter ateno ou * - O trecho entre {} foi corrigido em relao ao original scanneaado por se encontrar incorreto. I 2JK lucidez no estado de sonho do que no estado acordado, a prtica de sonhar lucidamente deveria ser especialmente eficaz no aperfeioamento da capacidade de manter uma ateno alerta. Um dia pediram a dries Shah, o expoente contemporneo do sufismo, que citasse "um erro bsico" que a maioria das pessoas comete. Respondeu: " a pessoa pensar que est viva, quando simplesmente caiu no sono na sala de espera da vida" 2 . As psicologias esotricas tm por doutrina tradicional que o estado normal de conscincia a que damos o nome de "estado acordado" [ou viglia] est to longe de ver as coisas como so vistas na "realidade objetiva" que seria mais acurado denomin-lo "sono" ou "sonho". Bertrand Russell chega a uma concluso muito parecida com essa, seguindo um caminho diferente: "Se para acreditar na fsica moderna, os sonhos que denominamos percepes acordadas s tm um pouco mais de semelhana com a realidade objetiva do que os sonhos fantsticos do sono" 3 . Deixando de lado os filsofos, se lhe perguntassem agora: "[Voc] est acordado?", voc provavelmente diria: " claro!" nfelizmente, ter certeza de estar acordado no garantia de estar acordado. Quando Samuel Johnson chutou uma pedra, como para dizer 9sa/emos que verdadeira", estava expressando essa sensao de certeza. Mas o dr. Johnson poderia ter son)ado que deu um chute na pedra e sentiu a mesma coisa. A sensao ilusria de ter certeza da integridade e coerncia da vida nos leva ao que William James descreveu como "encerrar prematuramente as contas com a realidade" 4 . Como voc sabe que est acordado neste momento? Pode dizer que se lembra de ter acordado do sono da noite passada. Mas aquilo pode ter sido simplesmente um "despertar falso" e voc pode estar iludido agora, pensando que no est mais sonhando. Talvez o que achamos que so "despertares verdadeiros" sejam de fato s mais um grau de despertar parcial ou falso. Um romancista j argumentou de modo semelhante: Meu amigo: por que esses graus sucessivos no existem? Muitas vezes j sonhei que estava acordado de um sonho, e num sonho j fiquei pensando num sonho anterior; quando acordei consegui pensar nos dois sonhos. O segundo, por ser mais claro que o primeiro, foi uma espcie de despertar, em comparao com o primeiro. E quanto ao despertar verdadeiro, quem pode dizer que, por sua vez, um dia no vai me parecer um sonho em relao a um ponto de vista at mais claro da sequncia das coisas? (...) Aqui embaixo h tantas coisas que ainda continuam confusas e obscuras para ns! Por isso impossvel que o verdadeiro estado acordado esteja aqui 5 . Mais uma vez vamos procurar perguntar de verdade a ns mesmos: "Estamos acordados?" Voc vai notar como difcil colocar essa pergunta com autenticidade. Perguntar com sinceridade se estamos mesmo acordados exige uma dvida honesta, se bem que ligeira. E para ns isso no fcil. Mas duvidar do induvidvel coisa de filsofos. Como disse. Nietzche, "o homem de veia filosfica tem o pressentimento de que por baixo desta realidade em que vivemos e somos est escondida outra realidade diferente que, por estar escondida, tambm s aparncia" 6 . De fato, s vezes Shopenhauer considerava que a sua tendncia a achar que as pessoas e as coisas eram "meros fantasmas e figuras de sonho" era o prprio critrio de capacidade filosfica 7 . Como poderamos no estar cqmpletamente acordados? Pode ser que tenhamos um sentido superior (uma forma de intuio, digamos) que normalmente fica adormecido quando os nossos sentidos menos importantes (embora mais conhecidos) acordam. Por isso, como sugerimos acima, a sensao que denominamos "despertar" e consideramos completa pode ser de fato apenas um despertar parcial. Como Orage escreveu, Pode-se temer que nas especulaes precedentes exista alguma coisa mrbida e que qualquer esforo de encarar a nossa vida acordada simplesmente como uma forma especial de sono precise diminuir a importncia da vida para ns e de ns para ela. Mas essa atitude em relao a um fato possvel e provvel , em si, morbidamente tmida. A verdade que, como da mesma forma nos sonhos noturnos o primeiro sintoma de acordar suspeitar que estamos dormindo, o primeiro sintoma de acordar do estado acordado (o segundo despertar da religio) suspeitar que o estado acordado em que nos encontramos um sonho da mesma forma. A primeira condio para a pessoa ficar acordada e se acordar mais completamente ter conscincia de estar apenas parcialmente acordada 8 . Tendo em vista a importncia de o mero raciocnio filosfico levantar a suspeita genuna de estarmos acordados, temos sorte de haver outro meio mais eficaz de abordar o problema. Essa outra abordagem, que agora j nos chega sem surpresa, sonhar lucidamente. Os sonhos lcidos conseguem mostrar claramente como pensar que estamos acordados e depois descobrir que no estamos. O livro C)e m4stica( (i#e de J.H.M. Whiteman, oferece um exemplo da forma mais extrema que essa descoberta pode assumir. O professor Whiteman explicou ter pensado que a sensao mstica notuma que teve havia sido estimulada pelo estado de meditao em que se encontrou na noite anterior, quando estava ouvindo um famoso quarteto de cordas. O concerto deixou-o to comovido que, por uns instantes, pa- receu-lhe ficar "extasiado e transportado para o espao pela beleza extrema da msica" e, durante um momento, ficou enredado num "estado desconhecido, de contemplao e alegria". Mais tarde Whiteman lembrou-se de ter ido para a cama "tranquilamente sossegado e cheio de uma alegria muito calma". Com um resduo do dia anterior como esse, podemos imaginar que iria mesmo ter uma noite interessante! O primeiro sonho que teve aquela noite de incio pareceu um tanto irracional. O professor escreveu o seguinte: "Parecia que eu estava me deslocando suavemente por uma regio do espao em que, imediatamente, fluiu para mim uma sensao vvida de frio que me prendeu a ateno com um interesse estranho. Creio que naquele momento o sonho havia ficado lcido. Depois, de repente... tudo que at ento estava embrulhado numa confuso momentnea desapareceu e rebentou um espao novo, numa presena vvida e numa realidade profunda, de percepo livre e aguda como nunca: a prpria escurido pareceu adquirir vida. O pensamento que nasceu em mim naquele instante, com con- vico irrefutvel, foi o seguinte: 'Nunca estive acordado antes' " 9 . No comum um sonhador lcido chegar a ter a convico de Whiteman, de jamais ter estado acordado anteriormente. Mas no nada incomum um sonhador lcido ter sensaes anlogas, no que se refere s vidas que passou em sonhos. Na verdade, assim que a primeira sensao de lucidez completa toca as pessoas: na maioria, ficam pasmadas quando percebem que jamais haviam acordado nos prprios sonhos. Sonhar lucidamente pode ser um ponto de partida para entender como poderamos no estar completamente acordados, pois o sonho comum est para o sonho acordado como o estado acordado comum poderia estar para o estado completamente acordado. Essa capacidade que os sonhos lcidos tm de nos preparar para despertar mais completamente pode vir a demonstrar que o maior potencial que o sonho lcido tem para nos ajudar a ficar mais vivos na vida. No incio do livro falei num tesouro de valor inestimvel e, em particular, numa certa jia preciosa que, se voc encontrar, "fica de posse de um legado e um dom permanente de saber", descobre o segredo de saber quem de fato. Sonhar lucidamente pode ter algo a oferecer para que voc se encontre, como acontece na seguinte lenda antiga que dizem conter todo tipo de sabedoria nos vrios nveis de interpretao: A jia preciosa Num remoto domnio de perfeio havia um monarca justo e virtuoso que tinha mulher e filhos maravilhosos, um rapaz e uma moa. Moravam todos juntos e viviam felizes. Um dia o pai chamou os filhos sua presena e disse: "Chegou a hora, como chega para todos. Vocs tm de ir para outras terras, a uma distncia infinita. Vo procurar e trazer uma Jia preciosa". Os viajantes, disfarados, foram conduzidos para uma terra distante, da qual quase todos os habitantes levavam a vida s cegas. O efeito do lugar foi tal que os dois irmos perderam o contato entre si e comearam a vagar como se estivessem adormecidos. De vez em quando viam fantasmas, semelhanas do pas natal e da Jia, mas estavam numa condio tal que essas coisas s os deixavam mais aprofundados nos devaneios, que agora estavam comeando a tomar por realidade. Quando chegaram aos ouvidos do rei as notcias dos apuros dos filhos, ele chamou um servo de confiana, muito sensato, e mandou-o levar uma mensagem: "Lembrem-se da sua misso, despertem do sono e fiquem juntos". Com aquela mensagem os dois irmos acordaram e, com a ajuda do guia que os fora salvar, ousaram enfrentar os perigos monstruosos que cercavam a Jia que, com os poderes mgicos que possua, devolveu-os ao seu domnio de luz, onde permaneceram para sempre numa felicidade cada vez maior 10 . __________________________________________________________________ Para obter mais informaes escreva para: Lucidity Project P.O. Box 2364 Stanford, CA 94305 USA 294