Livro, Odiados & Orgulhosos PDF
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Livro, Odiados & Orgulhosos PDF
estado do Parana
Ricardo Ampudia
Odiados e Orgulhosos
Ricardo Ampudia
Reviso
Jeferson Augusto Gonalves
Jean Souza
Eveline Martins
Orientao
Prof. Ms. Rafael Schoenherr
Capa e projeto grfico
Ricardo Ampudia Talachia
2006
s vtimas da intolerncia
Odiados e Orgulhosos
Sumrio
Introduo
Captulo 1- As origens
O incio do skinhead
Oi!Oi!Oi!
Odiados e Orgulhosos
Captulo Final
Por que ainda no nos livramos do nazismo?
Boas iniciativas e a observao final
Odiados e Orgulhosos
Odiados e Orgulhosos
Introduao
Odiados e Orgulhosos
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Odiados e Orgulhosos
A origem
Odiados e Orgulhosos
O incio do skinhead
Na dcada de 1960, o mundo viveu umas das mais intensas
pocas no que diz respeito ao surgimento e disseminao das
contraculturas juvenis, contestao dos valores morais da poca,
do autoritarismo e do uso da violncia como forma de protesto.
A Inglaterra tinha uma efervescncia cultural peculiar,
sendo a casa dos Beatles, dos pubs undergrounds e de uma cena
musical que evolua a partir do rocknroll e ainda contava com uma
diversidade de culturas convivendo nas grandes cidades, fruto da
imigrao de jamaicanos e asiticos, atrs do progresso que o boom
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econmico traria at a dcada de 70 .
Foi na segunda metade da dcada de 60 que os primeiros
skinheads ingleses surgiram. A cultura skin deriva principalmente
da conjuno de trs outras culturas juvenis: os hardmods, os Rude
boys jamaicanos e os hooligans.
Os primeiros so remanescentes radicais da cultura Mod,
surgida no fim da dcada de 50 e propagada ao mundo
principalmente por cones do rock como a banda The Who. Eram
rapazes briges que se vestiam com terninhos caros e
sapatos impecveis.
Os hardmods surgiram aps 1964 de um
grupo de adeptos que queria se distinguir dos mods
que rejeitavam a violncia como parte de sua
cultura.
Nessa poca o Mod j estava em decadncia
e mostrava sua face violenta. As brigas em pubs
eram cada vez mais constantes e as roupas
engomadas foram ento substitudas por algo mais
confortvel e eficiente para uma possvel briga:
botas e camisas. Ter o cabelo muito comprido nestas
situaes tambm no favorecia, o que foi cada vez
mais baixando o corte dos hardmods.
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Oi!Oi!Oi!
No final de 1970, as coisas no iam bem para os skinheads.
O governo ingls resolveu tomar providncias quanto ao seu mau
comportamento, para limpar a imagem do pas na imprensa do
mundo todo, um verdadeiro toque de recolher foi imposto aos skins
londrinos.Qualquer um de botas e cabea raspada andando pelas
O termo skinhead era utilizado devido ao penteado curto que possibilitava ver o couro cabeludo.
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Festivais de msica promovidos de/para skinheads, o termo tambm usado pelos punks
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2tone quer dizer dois tons, o xadrez de branco e preto era usado nas logos do selo, que foi um
dos primeiros a lanar discos voltados para os skins.
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Odiados e Orgulhosos
Tomando posiao
Odiados e Orgulhosos
Barricata Zine/website
Odiados e Orgulhosos
Arquivo/Carecas do Interior
Odiados e Orgulhosos
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Pela Direita
Ainda no incio dos anos 1970, o British
National Party (Partido Nacional Britnico),
partido de extrema-direita ingls ganhava fora nas ruas atravs do
British National Front (conhecido como Frente Nacional), uma
organizao paramilitar que agia nas ruas da capital inglesa,
agredindo homossexuais, imigrantes e principalmente atacando
sedes de partidos comunistas, aos quais se opunham radicalmente.
A situao da ilha no ia bem desde os anos 60, quando uma
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Powell era do Partido Trabalhista ingls, ala da esquerda do parlamento, que no gostou nada de
seu discurso e o expulsou da sigla aps o episdio.
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interessante ressaltar que o bashing era praticado desde os anos 60 pelos skinheads
interessados em arruaa e confuso e no somente pelos neonazistas
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Sangue e Honra
Na dcada de 80, a parceria da gravadora alem - a
Alemanha Oriental mostrou-se campo frtil para os neonazistas,
pela rejeio ao comunismo e pelo sonho da reunificao - Rock-oRama com a White Noise comeou a no render bons frutos, quando
o endividamento de uma com a outra atrapalhou os projetos de
muitas bandas.
frente do racha estava Ian Stuart, vocalista da banda
Skrewdriver que outrora, anos antes, havia sido apontada como
uma das melhores bandas punks pela crtica musical e acabou se
envolvendo assumidamente com o NF em 1979 que, para competir
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com o WNC, criou a Blood&Honour (Sangue e Honra, em
portugus) atualmente uma das maiores organizaes da juventude
neonazista pelo mundo, com sees em cerca de 17 pases, segundo
o site oficial do grupo.
Stuart ainda participou da criao da Combat 18 (18
equivalem s letras A e H, de Adolf Hitler), uma organizao
neonazista nascida nas arquibancadas dos estdios ingleses, junto
torcida organizada Chelsea HeadHunters. A Combat 18 ficou
conhecida por publicar em 1992, ano de sua criao, o boletim
RedWatch com nomes e endereos de comunistas e antifascistas, e
incitar a violncia contra eles.
No dia 24 de Setembro de 1993, Ian Stuart morreu num
acidente de carro, seus seguidores alegam que o acidente foi uma
sabotagem promovida pelo Servio de Inteligncia Britnica,
embora no haja nenhuma prova disso. O aniversrio de sua morte
celebrado pelo mundo todo pelas duas organizaes, que se uniram.
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Sangue e Honra era a inscrio que vinha grafada nas facas dos soldados das tropas SS
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Hamerskins Nation
We are fighting for the Hammerskins
We never lose. We always win!
Num mundo em que os skinheads representam o que h de
melhor na sociedade, ns somos o que de melhor existe nos
skinheads!, assim se autodefinem os hammerskins, filiados da
Hammerskins Nation (HSN), espalhados em sees pelo mundo
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Odiados e Orgulhosos
Espalhada por 17 pases no mundo , a Blood&Honour promove todos os anos uma grande
festa em homenagem pstuma a Ian Stuart, seu criador, misturando msica e racismo.
Odiados e Orgulhosos
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Odiados e Orgulhosos
Futebol e pancadaria
Hoolligans
All seater grounds the rucking's no more
But up at the station we'll still have a war
Youre just a hooligan
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A hardcore hooligan THE BUSSINESS - HARDCORE HOOLIGAN
Hooliganismo o termo utilizado para definir o
comportamento vndalo, violento e apaixonado de torcedores de
futebol, a palavra hooligan tem origem incerta, mas provavelmente
remonta transcrio errnea da palavra Hooley, nome de uma
gangue de Islington, e foi cunhado em 1898.
O comportamento hooligan to antigo quanto o termo, logo
nos primrdios do futebol ingls, ligado classe operria, centrada
em bairros, torcedores aterrorizavam as vizinhanas dos rivais,
provocando brigas e danificando propriedades.
Os enfrentamentos violentos entre torcedores de futebol
tornaram-se incontrolveis na ilha bret durante a dcada de 1970,
quando os estdios se tornaram verdadeiros campos de batalha. A
cada fim de partida as torcidas se encontravam para confrontos com
hora marcada em estaes de trem, ou portes do estdio.
O bero dos hooligans a Inglaterra, mas o termo
associado pela imprensa a torcidas organizadas em toda a Europa e
at no Brasil.
O fenmeno hooligan s tomou corpo mundialmente pela
cobertura da imprensa, taxada pelos prprios torcedores de
difamadora, sendo os jornalistas to odiados quanto a polcia.
Entre os mais tradicionais grupos ingleses esto os
torcedores do West Ham United, Manchester United, Nottingham,
Millwall e Liverpool. Os torcedores deste ltimo foram
protagonistas das duas maiores tragdias da histria do futebol
europeu: The Heysel disaster e The Hillsborough disaster
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Ultras
Hooligans parece mesmo apenas um termo da imprensa
europia para designar o comportamento arruaceiro de jovens
torcedores bbados e briges. Na dcada de 1980, os torcedores
italianos cunharam o termo Ultra, para designar o que se entende
como a filosofia hooligan, o jeito de torcer.
As ultras so torcidas organizadas com diretoria executiva e
ligadas muitas vezes prpria diretoria do time, participando de
decises e arrecadaes de fundos para o clube. No Brasil, o termo
no muito usado, mas se encaixa na descrio das Organizadas.
Existem quatro mandamentos do estilo ultra de torcer:
Jamais sentar durante uma partida, no importa o resultado;
Nunca para de cantar ou gritar o nome de seu time; Comparecer a
todos os jogos possveis, no importando as distncias ou custos e
Lealdade curva. Este ltimo faz referncia aos locais que as
torcidas elegem para ficar durante as partidas, podendo ser na curva
sul, norte ou laterais das arquibancadas - via de regra, a curva o
local mais barato para se ver jogo em um estdio - especificando no
prprio nome a lealdade ao local, como os Ultras Sur (Real Madrid,
da curva sul).
Fenmeno cada vez mais comum na Europa, no fim da
dcada de 90, a ligao das Ultras com a extrema-direita tem
preocupado as autoridades, principalmente com a crescente onda
racista e xenfoba que assola a Europa desde os anos 80.
As torcidas de times como o Lazio, da Itlia, exibem
bandeiras com smbolos fascistas e entoam gritos de guerra racistas.
O Lazio SS tem tradio de torcedores e jogadores da extremadireita, entre eles o jogador Paolo Di Canio, que comemorou a
vitria sobre o Roma fazendo a saudao fascista com o brao
direito - onde tem tatuado a palavra Dux (Duce, o Fhrer italiano) em homenagem a Alessandra Mussolini, neta do ditador e fiel
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Medo na Copa
Durante a Copa da Alemanha, em 2006, o medo da polcia
local no eram apenas os terroristas do Isl, a ameaa hooligan fez
os governos europeus tomarem medidas drsticas para coibir as
brigas entre torcidas.
O medo era justificvel. Um ano antes, em maro de 2005,
cerca de 200 hooligans alemes quebraram lojas aps um amistoso
contra a Eslovnia, em Celje, naquele pas, causando uma
verdadeira crise diplomtica.
O ministro do Interior alemo veio a pblico pedir desculpas
ao governo esloveno e reiterar que medidas duras seriam tomadas
para a segurana durante a Copa.
Um ms antes do incio do torneio, em 2006, a Alemanha
divulgou seu plano de conteno para os hooligans: todos aqueles
que j fossem fichados seriam advertidos em suas casas e locais de
trabalho para no comparecerem aos estdios, se fossem pegos
prximos aos "anis de segurana - crculos imaginrios ao redor
dos estdios - deveriam se apresentar at trs vezes por dia s
autoridades policiais e, se insistissem em ir ao estdio seriam presos.
Em Hamburgo, a segunda maior cidade do pas, foi construda uma
cadeia especial para comportar at 150 hooligans.
A Inglaterra por sua vez convocou 3.330 supostos hooligans
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Hooligans Brasileiros
Ser hooligan ter amor ao time, beber e, se necessrio,
tretar, assim Nen, da torcida Fanticos, do Atltico Paranaense,
me definiu o que ser hooligan. Segundo ele, entre as torcidas mais
fortes e organizadas do estado esto a Imprio, do Coritiba, a
Falange, do Londrina e a prpria Fanticos. Mas a torcida do Rio
Branco, de Paranagu, tambm osso duro de roer, complementa.
O envolvimento dos skinheads com as torcidas organizadas
vem da sua identificao com a paixo operria que demonstram os
torcedores e a demarcao do territrio, demonstrar fora no grito,
no tamanho de suas bandeiras e hinos de amor ao time. Um das
caractersticas do hooligan ir ao estdio apoiar seu time do
corao, independente do lugar, relata Guilherme, torcedor
incondicional do Londrina Esporte Clube, o Tubaro, time que
segundo ele tem sido injustiado pelos governos da cidade. um
time de porte para a segunda diviso, mas est na terceira, reclama.
Os skinheads que se identificam com as torcidas organizadas
e a paixo hooligan so chamados de bootboys, basicamente so
skins que amam seu time, cerveja e msica Oi!. O nome bootboy
vem dos coturnos usados pelos jovens ingleses amantes de futebol
que, sob presso da polcia, conseguiam apenas se armar com
coturnos com biqueiras de ferro para enfrentar as torcidas
adversrias. Mais tarde, at o coturno foi proibido no estdio, sendo
inclusive confiscados na entrada dos jogos, a ento os tnis Adidas,
modelo Slk, muito parecidos com chuteiras, passaram a fazer parte
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DW
polcia.
O maior medo dos cartolas e autoridades do esporte
brasileiro que se medidas eficazes no forem tomadas, a
candidatura do pas para sediar a Copa do Mundo, em 2014, acabe
sendo prejudicada.
AP
Odiados e Orgulhosos
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Odiados e Orgulhosos
Carecas do Brasil
Odiados e Orgulhosos
Do punk ao careca
Vamos para a rua
Juntar a nossa turma
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Careca!Careca!
Fruto do crescimento econmico e do boom da indstria
automobilstica, So Paulo, que outrora chamou ateno pelos
casares de grandes cafeicultores e imigrantes italianos, via surgir
na dcada de 1970, nas Zonas Leste e Norte o maior reduto de
cultura proletria do pas.
Na periferia da cidade e fronteiria ao ABC paulista, no
haveria lugar mais adequado ao surgimento da cultura punk e, mais
tarde, da cultura skinhead do que a Zona Leste paulistana.
Em 1976 o punk explodia pelo mundo e o Brasil se tornara
terreno frtil para a contracultura, mas assistiu ao seu declnio na
dcada seguinte, assim como a Inglaterra.
Pelos idos de 1982, O comeo do fim do mundo como
ficou conhecido o primeiro concerto de msica punk no Brasil,
marcava o renascimento do punk, mais voltado a uma ao social e
politizao do movimento do que antes, mas as tretas na platia
entre punks e garotos de cabea raspada vindos da Zona Leste,
moldavam algumas diferenas cruciais dos movimentos juvenis
brasileiros.
O movimento punk estava abalado, diversas gangues punks
haviam se formado, a diviso principal era entre os punks da city,
freqentadores do centro da cidade e os punks do subrbio, vindo
do fundo da Zona Leste e regio do ABC.
Os primeiros taxavam os punks do subrbio de vndalos e
ganguistas, enquanto estes acusavam os punks da city de playboys e
traidores do movimento, por terem se vendido ao new wave - a nova
onda do punk, embalada por letras vazias e embalos danantes, pura
diverso, distante das aspiraes revolucionrias de quem queria
mudar o rumo do pas, ainda sob o Regime Militar.
Era usual a violncia entre os dois grupos quando se
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Trecho de msica da banda Neurticos, que participou do festival O Comeo do Fim do Mundo,
em 1982, apontada como a primeira a usar o termo careca em uma msica.
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A imigrao europia se deu com mais vigor nestas reas, So Paulo com
colnias italianas e o sul com os alemes.
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A afirmao do antroplogo suo Reiff Told Newsmen que dizia ter encontrado Hitler numa
aldeia indgena ao sul de Santiago, segundo ele o homem conhecido como Adolfo havia chego,
segundo os aldees, num submarino, acompanhado de uma bela mulher que seria, supostamente,
Eva Braun.
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Odiados e Orgulhosos
Odiados e Orgulhosos
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Carecas do ABC
Ainda no incio do movimento careca, em 1982, o grupo da
regio conhecida como ABC paulista (que abrange as cidades de
Santo Andr, So Bernardo e So Caetano) se destacava por serem
mais organizados e com uma ideologia melhor definida. Nas suas
fileiras estavam negros e filhos de nordestinos, unidos em torno da
causa operria, de uma moral trabalhadora para o progresso do pas,
longe de racismos e de encantos com Hitler.
O ABC sempre foi mais politizado que o subrbio. Sempre
nos envolvemos mais com questes polticas, indo a reunies
Integralistas e congressos de cunho nacionalista, diz D.M.S,
careca do ABC com quem consegui contato atravs da Internet, por
intermdio de um skinhead de Curitiba. Segundo ele o grupo
organizado e so engajados socialmente Ns fazemos alguns
concertos para arrecadar roupas para doar. Arrecadamos agasalhos e
distribumos nos centros comunitrios da regio. Ns tambm
temos uma academia de luta e deixamos que as pessoas da
comunidade treinem de graa se no puderem pagar, conta.
Os Carecas do ABC foram acusados pela mdia de
protagonizarem dois episdios de violncia na regio, o ataque a
Rdio Atual, em 92 e o mais recente em 2003, quando dois garotos
punks foram obrigados por um grupo de carecas a pularem de um
trem em movimento, um deles acabou perdendo a vida. Perguntei
sobre o assunto a S.M.D.:
- Algum reivindicou o ataque a Radio Atual, em 92?
- No, tanto no reivindicaram que sobrou para os Carecas
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do ABC.
- E os moleques que jogaram do trem em Mogi? Quem
estava envolvido?
- Sobre quem estava envolvido prefiro nem dizer e eram
garotos novos [os envolvidos], no estavam h um ano sequer no
rol.
- Eram ABC?
- No eram ABC, se fossem no fariam aquela besteira.
- Como a represso policial a?
- Dura (risos). O engraado que a polcia sabe muito bem a
diferena entre Carecas e WPs, sabem tambm quais os grupos de
Carecas existem em So Paulo. Acontece que a mdia para vender
jornais ou ter audincia sempre nos coloca como nazis, como viles.
O que engraado, porque ns fazemos parte de uma juventude que
no faz uso de drogas, pregamos a moral, amamos nossa ptria, mas
parece que isso crime, enquanto os punks, queimam a bandeira
nacional, usam drogas, pregam a libertinagem e todos acham isso
bonito.
Ele ainda me relatou sobre a integrao entre os diversos
grupos no pas, incluindo carecas do Nordeste, Rio de Janeiro e at
outros pases como Argentina.
Conhecidos como rapados, existe na Argentina um
movimento skinhead de terceira posio (termo usado para definir
os nacionalistas) muito semelhante aos Carecas, com quem mantm
afinidades. Eles sabem que o nacionalismo que pregamos no
imperialista. Lutamos pela soberania de nossa ptria, assim como
eles lutam pela deles, finaliza S.M.D.
Casos de violncia e alardes na mdia sobre grupos
neonazistas agindo, como no ABC, foi que me levaram at a cidade
de Londrina, no norte do Paran, procurar entender quem estava por
trs de tanto barulho.
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Odiados e Orgulhosos
Carecas do Parana
Odiados e Orgulhosos
Carecas de Londrina
O primeiro relato que ouvi sobre os carecas de Londrina veio
de Juca, arteso que estava de passagem por Ponta Grossa, em 2005,
e com o qual eu tinha amigos em comum. Uma figura nica,
espalhafatoso e contador de causos, que afirmava sempre aps a
quarta ou quinta cerveja que j havia participado da terceira
formao do Sepultura.
Juca morou em Londrina por dois anos, aps desistir da
profisso de tecnlogo em engenharia de telecomunicaes e virar
arteso, viajando de cidade em cidade.
Uma de suas estrias remetia a uma certa madrugada,
quando voltava do trabalho para casa pelo Calado, no centro de
Londrina, e percebeu uma movimentao de alguns jovens bebendo
em torno de um banco. Ele j sabia da perseguio dos skinheads
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aos hippies , mas resolveu continuar em frente: Quando resolvi
voltar j era tarde, mermo.
O grupo de carecas cercou Juca, tomou sua mochila e sua
camiseta. Eu usava uma camiseta com uma caveira fumando um
cigarro com uma folha de cannabis ao fundo. Eles me fizeram tirar e
disseram que era apologia s drogas e que eram contra, depois
arrancaram minha mochila com meus trabalhos e instrumentos
dentro e arremessaram em cima de uma marquise, da onde s fui
retirar no dia seguinte, relatava, num peculiar jeito de contador de
estrias, interpretando os personagens com diferentes tons de
vozes, gesticulando compulsivamente como se brigasse com
algum que no estava ali.
Quinze dias mais tarde voltava ele por um caminho diferente
quando resolveu passar em um bar do caminho tomar uma dose.
J dentro do bar se deparou com o mesmo grupo de carecas: A eu
vi que no tinha mais jeito, pedi uma pinga e fiquei me enrolando,
acho que demorei uma meia hora pra tomar uma dose de pinga, ria
ele.
Juca saiu apressado do bar e foi perseguido, mas desta vez
no fugiu, parou. Eles disseram: 'Ah pegou a mochila de volta', a
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Encontro marcado
Inmeras coincidncias me levaram minha primeira
entrevista com um careca. Foi atravs de uma amiga que havia
estudado no ensino mdio com uma garota que havia se tornado
skinhead, a quem encontrou certa vez no nibus, voltando para casa,
que iniciei meus contatos. Aps inmeros telefonemas e
levantamento de dados, tomei um nibus para Londrina, em meados
de maio.
Meu contato era Guilherme, dos Carecas de Londrina, o
encontro estava marcado para a tarde de sbado, encontraria ele
mais a amiga da minha amiga, que resolveu ir junto para garantir
que tudo corresse bem.
No horrio marcado l estvamos ns na Rua Piau, centro
de Londrina, aflitos, esperando na esquina, enquanto ningum
chegava. O cheiro de bolo ia pairando pelo ar quando de uma moto
desce um rapaz alto e forte de pele morena, que caminha em nossa
direo.
- Vocs que so da entrevista?
- Isso, voc que o Guilherme? Tudo bom?
- Tudo beleza.
- Vamos sentar ali pra conversar, disse eu apontando um
banco da praa do outro lado da rua.
Escolhemos a ponta de um banco, ainda que ningum
tivesse comentado nada a respeito, fora escolhido a dedo como
sendo o nico lugar onde algum pombo no pudesse cagar em
nossas cabeas, fato mais do que comum em Londrina naquela
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poca . Expliquei a ele sobre o livro, sobre minhas intenes e
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Londrina enfrentou em 2006 uma superpopulao de pombos que culminou num programa de
extermnio das aves na cidade.
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que a gente no faz questo que todo mundo saiba disso porque isso
no vende, o que vende aparecer na TV que careca bateu em punk e
tudo mais. Tem muito cara de 40, 50 anos que participa das reunies,
mas tem famlia, casado, com filhos, ento no se assume como
careca pelo risco de sair na rua e ser atacado por um monte de
bandido e drogado a.
- Qual a opinio de vocs a respeito dos punks?
- Tem um pessoal aqui em Londrina que se diz punk, que
come lixo na rua, mas quando aperta pega o carto de crdito, vai ao
banco, passa e come. E da ele fez algum bem pra sociedade? O punk
hoje, em Londrina, est totalmente distorcido, a partir do momento
em que ele quer impor o vandalismo, a anarquia na cidade, impor
que a sociedade hipcrita, quando o hipcrita ele, que acorda de
manh e escova os dentes com uma pasta de uma empresa
multinacional. Prega o fim do capitalismo, mas fica pedindo
dinheiro no calado.
A rivalidade entre punks e carecas na cidade j havia
resultado em algumas confuses. Um dia antes eu havia conversado
com Gabriel, estudante de Cincias Sociais da UEL, que teve a
perna fraturada ao pular de um muro de quase cinco metros quando
fugia de quatro carecas, aps passar em frente a uma academia de
boxe, prxima rodoviria: Estvamos em grupo, com vrias
garotas junto, eu estava de moicano levantado, quando eles saram e
gritaram Se correr pior', contou.
- E a respeito da homossexualidade?
- Cada um faz o que quer da vida. A partir do momento em
que o indivduo se assume como homossexual, independente disso,
ele um cidado, ento deve ser respeitado como um cidado. Mas
ele tem que cumprir com os direitos de um cidado. Assim como ele
tem direito de dizer que homossexual eu tenho o direito de dizer
que no gosto, mas a partir do momento que ajo com violncia estou
errado.Temos que transmitir a idia e mostrar que a vida que ele est
levando no leva a nada.
- Vocs se assumem integralistas, essa viso do Integralismo
como um fascismo brasileira, verdadeira?
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De acordo com a nova Lei Eleitoral, vlida para as eleies de 2006, os partidos que no
alcanarem 5% dos votos para a Cmara dos Deputados perdem direitos fundamentais como
formao de bancada e Fundo Partidrio.
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Fascismo brasileira?
O projeto ufanista de Plnio Salgado foi por muito tempo
associado a uma espcie de fascismo brasileiro, isso devido s
semelhanas com projetos fascistas da poca
como na Itlia de Mussolini, Portugal de
Salazar e Alemanha de Hitler.
Alm disso, a simbologia e ritos
integralistas davam ainda mais margem para as
acusaes. Eles usavam a saudao Anau! voc meu irmo, em tupi - numa reverncia
com o brao direito estendido, semelhante
saudao nazista e cultuavam a letra grega
Sigma () como bandeira,.
A historiografia est aos poucos
mudando essa concepo. Na verdade o projeto
integralista tinha caractersticas prprias de um contexto brasileiro
do fim dos anos 20, onde se buscava retomar uma identidade
nacional, Plnio era um modernista, do grupo conhecido como paubrasil, que buscava nacionalizar a arte brasileira., diz o professor
titular do Departamento de Histria da Universidade Estadual de
Ponta Grossa, Niltonci Batista Chaves, pesquisador do assunto.
Segundo Chaves, a aproximao dos integralistas com o
fascismo ou nazismo se dava pela simpatia no ocultada por Plnio
Salgado a Mussolini e pela propaganda exercida sobre os
imigrantes alemes e italianos. Era comum os integralistas
divulgarem panfletos entre os colonos dizendo 'se estivesses na
Alemanha serias nazista, se estivesses na Itlia serias fascista, se
ests no Brasil, sejas Integralista', conta.
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Carecas de Maring
A entrevista em Londrina me possibilitou outros contatos e o
esboo de um mapa dos carecas no Paran. O movimento
organizado no estado era menor do que imaginava inicialmente,
abrangeria apenas a regio da capital Curitiba e ao norte com
Londrina, incluindo Rolndia, Camb, Apucarana e Ibipor, e
Maring, incluindo Sarandi, Paissandu e Marialva.
O contato em Maring foi um pouco mais difcil, partiu de
uma srie de e-mails que demoravam semanas para serem
respondidos e a entrevista s foi concretizada por um programa de
mensagens instantneas, na madrugada de um domingo.
Segundo R.R, dos Carecas de Maring, atualmente o
movimento conta com oito pessoas na ativa, mas j tiveram mais de
50 nas suas fileiras, mas so pouco ativos devido a questo de
tempo. Ningum tem tempo pra trampo voluntrio, no. Tudo
quebrado, no mximo uma doao de sangue e olha l, todo mundo
trampa direto, diz.
Os Carecas de Maring j foram acusados de diversos casos
de violncia na cidade, principalmente contra homossexuais e
punks. De acordo com R.R., como pediu para ser identificado, o
grupo perseguido pela imprensa na cidade: Toda vez que alguns
moleques metem a porrada em travesti na rua falam que foi a gente.
H um tempo atrs uns mano mataram um traveco e a culpa caiu na
gente, nem tentaram saber quem foi e j saiu no jornal que fomos
ns, s porque um dos moleques estava com a cabea raspada,
afirma.
- Vocs perseguem os travestis?
- Ah cara... nem tem disso de perseguir no. S no curtimos
o que eles fazem...
- Mas se trombar na rua?
- Depende do humor (risos)
A respeito dos punks R.R. conta orgulhoso o fato de no
haverem mais punks organizados na cidade: J at teve, agora tem
uma mulecadinha querendo faze uma cena, mas a damos uns
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Odiados e Orgulhosos
Odiados e Orgulhosos
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Verses
J perto do fechamento do livro, consegui um contato do
outro lado em Maring, o ex-militante anarcopunk que prefere ser
identificado como Bruno Tolstoi me relatou que Maring j foi
palco de confrontos violentos entre punks e carecas, dos quais ele
prprio foi vtima.
Em 2000, Bruno tinha 16 anos e voltava da escola para casa
de bicicleta quando foi perseguido por um careca que tentou jog-lo
contra um caminho estacionado e depois o agrediu. S quando as
agresses cessaram que o careca, conhecido como Cabral, disse que
era careca do Brasil e foi embora.
Bruno no se machucou muito e preferiu nem dar queixa na
polcia. Menos de um ms depois, voltava para a casa a p quando
foi agredido repentinamente com socos no rosto por um careca.
Em seguida veio outro careca, mas dessa vez pelas costas e,
sem que eu visse, comeou a me agredir fisicamente; acabei caindo
no cho e enquanto levava pontaps pude ver mais adiante outros
dois carecas se aproximando correndo, um deles como se fosse
bater um pnalti, tendo minha cabea como alvo, no fosse a
esquiva, tinha acertado, conta.
Segundo ele, dessa vez foi registrado boletim de ocorrncia
e ele prprio pesquisou a rotina dos integrantes do movimento
careca da cidade, que seriam uns dez. A principio, no vou negar,
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Divulgao/Carecas de Londrina
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Carecas de Curitiba
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Em uma pesquisa publicada pelo jornal Gazeta do Povo em 30 de Julho de 2006, de autoria
prpria, foram entrevistadas pessoas que so oriundas de fora da capital mas l residem. Dentre as
palavras que melhor definiriam os curitibanos 55,7% dos entrevistados optaram por
Fechado/Introvertido, 18,8% os consideram Conservadores e, 17,4% os definiram como
Arrogantes.
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eram nazistas. Tudo isso era irrelevante. A briga era o que valia.,
afirma.
Segundo ele, o grupo acabou pouco tempo depois de uma
briga mais feia, quando cada um tomou um caminho diferente.
Daquele grupo, s eu estou na ativa atualmente, depois de muito
tempo no meu canto, conta.
Sulismo
Apesar do nacionalismo, os skins curitibanos daquela poca
j compartilhavam da idia do Sulismo - separao da regio Sul do
resto do pas - de acordo com Gustavo, havia naquela poca uma
banda no grupo chamada Resistncia Nacional, que tinha no
repertrio uma msica chamada Por um pas menor.
Gustavo nega o rtulo de separatista para sua banda atual,
mas assume ser partidrio da idia. Falar em Sulismo parece
sempre perigoso. inevitvel a associao com racismo, excluso,
xenofobia. Mas no nada disso. Nossa postura sempre a do
orgulho. Temos pouco e nos orgulhamos daquilo que temos e
somos, no caso, sulistas. Isso decorre do orgulho da prpria rua,
convivncia de bairro, das caractersticas de nossa cidade natal e
seus habitantes, que so to peculiares, diz.
Para ele, a idia de um Brasil unido no deu certo e a
emancipao das regies, cada qual com caractersticas culturais
bem definidas seria a soluo. Nossa regio Sul carrega uma gama
imensa de pontos de semelhana entre as culturas e tradies de seus
trs estados, a ponto de implicar no fcil reconhecimento da falta de
uma unidade nacional com o resto do Brasil. O Brasil no deu certo,
fato. E a auto-afirmao de seus povos, j divididos em regies
uma sada honrosa e promissora, complementa.
Punks vs Carecas
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Arquivo/Carecas de Curitiba
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Carecas da capital
Entre os casos mais polmicos envolvendo carecas em
Curitiba est a morte do iluminador de teatro Carlos Adlson,
conhecido como Carlinhos, que foi morto com um tiro na nuca no
Largo da Ordem, tradicional ponto de encontro da noite curitibana,
em 1996.
O crime foi desvendado dias depois, G.A.C.W., conhecido
como Gesso, na poca com 17 anos, assumiu o crime e foi
condenado a seis meses de recluso num reformatrio. O caso
ganhou as pginas da mdia no pas todo como um crime de
intolerncia, j que iluminador era negro e homossexual.
A coisa foi diferente, eles eram todos novos, estavam
sentados na escadaria e esse pessoal do teatro passou e mexeu,
disseram: carequinhas, to pequenininhos e to bravinhos.A os
garotos responderam, comeou uma treta e acabou nisso, diz um
careca que prefere no ser identificado.
Ele errou e pagou pelo que fez, hoje est fora do
movimento, mora e trabalha na ustria, tem filhos, na poca ele
disse que atirou para acabar com a treta, no era pra matar, afirma.
Aps o caso, os Carecas do Brasil, grupo ao qual pertencia
G.A.C.W., ficou marcado por ser um grupo intolerante, que
perseguia negros e homossexuais. A mdia fez tanta fama da gente,
que no precisamos procurar gente pra brigar, s sair nas ruas de
visual skin que j vem meia dzia de babacas querendo brigar com
voc, conta Nen, dos Carecas de Curitiba.
Segundo Nen, os Carecas do Brasil so em cerca de dez na
cidade, mais simpatizantes, e se envolvem com a comunidade
arrecadando agasalhos em eventos que promovem e com seus
trabalhos. Eu trabalho em ONG, trabalho em educandrios, com
crianas no contra-turno escolar. Outros so professores de jiu-jitsu
e deixam os moleques treinarem de graa se no puderem pagar,
claro que isso no aparece nos jornais, diz.
- E os trads, SHARPs e RASH, existem em Curitiba?
- Sim, os trads so uns oitos, com uns trs mais velhos, que se
fecharam tanto pra no se envolver que acabaram formando uma
gangue, nem so tradicionais, so mais ligados ao oi! do que ao ska e
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Trads
As acusaes de que os trads teriam montado uma gangue
violenta me faria mais sentido no final de semana de 15 de
Setembro, quando recebi notcias de que um grupo de skinheads
teria invadido uma festa de estudantes de Cincias Sociais da UFPR,
para provocar confuso e agredir os estudantes que,
tradicionalmente, tm uma linha de pensamento de esquerda.
Os trads, como so denominados os skins tradicionalistas,
gostam mais de ska e reggae, usam um visual diferenciado, que
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A ideologia do odio
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Yuri Kotchetckov/Corbis
Everyday Fears.A Survey of Violent Hate Crimes in Europe and North America, p.1
Op Cit, p.2
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Nazismo reformado
O nacional-socialismo retomava idias atreladas ao
determinismo biolgico, doutrina poltica baseada em conceitos da
biologia relacionados a conceitos histricos e sociais. A
bioideologia nazista supunha uma diversidade de raas que
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Os Protocolos de Sio eram livros onde se revelava uma srie de articulaes dos judeus na
poltica e economia com o intuito de conquistar o mundo. Na verdade foram livros forjados pela
polcia secreta russa a servio do czar Nicolau II, em 1905, para difamar seus opositores como
pertencentes a uma rede de conspirao. A histria bsica foi composta por Hermann Goedsche,
novelista e anti-semita alemo, ainda no sculo XIX. A farsa dos protocolos foi revelada apenas em
1920.
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Carrascos fugitivos
Mesmo com o fim da guerra e do Partido Nazista, o Brasil
no se v livre do nazismo. Aps 1945, segundo os arquivos do
DEOPS, dezenas de membros do governo alemo, muitos prximos
do prprio Hitler, fugiram para a Amrica do Sul.
Brasil, Argentina e Chile serviram de abrigo para criminosos
como Joseph Mengele, o mdico carrasco, a quem atribuda
cerca de 400 mil mortes atravs de seus experimentos cientficos
macabros com mulheres grvidas e idosos, prisioneiros dos campos
de concentrao.
Nos anos subseqentes, realmente o Brasil e a Amrica do
Sul se tornam portos seguros de criminosos de guerra, como Joseph
Mengele entre outros. Mudavam de identidade e em pouco tempo
estabeleciam vnculos e at chegavam a abrir firmas, diz a
historiadora da USP, Ana Maria Dietrich.
Mengele morou por anos no Paraguai, Bolvia e finalmente
em Embu, na Grande So Paulo, usando sempre nomes falsos.
Acabou morrendo afogado em Bertioga, litoral paulista, em 1979.
Outro nazista a morar no Brasil, foi o leto Hebert Cukurs,
acusado de ser responsvel pela morte de cerca de 30 mil judeus, no
gueto de Riga, na Letnia. Cukurs morou s margens da represa de
Guarapiranga em So Paulo e chegou a tomar conta de uma empresa
de pedalinhos na lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio.
Cukurs foi encontrado morto em Montevidu, a tiros e
marteladas, dentro de um ba, em fevereiro de 1965, assassinado
por agentes do Mossad (servio secreto israelense).
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Poder Branco
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provocaes.
- Ns ficamos de um lado rodando correntes e eles do outro
s olhando, de braos cruzados, s vezes chamando com a mo e
fazendo saudaes nazistas. A briga comeou mesmo quando um
punk arremessou uma cadeira na direo deles.
Antes de partir para cima dos punks, o grupo de skins se
armou com barras de ferro das barracas que so armadas durante a
madrugada de sbado para a tradicional feira livre do Largo da
Ordem, na manh de domingo.
- Quando percebemos que eles estavam todos armados com
as barras de ferro e que os punks mais novos correriam, ns
comeamos a correr.
A perseguio durou algumas quadras, Fernanda ficou para
trs do grupo, seu coturno escorregava nos ladrilhos molhados da
rua, quando um skinhead a alcanou.
- Eu senti o primeiro impacto, na cabea, perto da orelha, a
diminui a velocidade e senti mais um em cima da cabea. Cai no
cho e mesmo assim ele continuou me batendo na cabea, que eu
tentava proteger com os braos.
Um dos punks percebeu que haviam a derrubado e voltou
para ajud-la, outros tambm perceberam e fizeram o mesmo. Ela
conseguiu se desvencilhar da confuso, andou alguns metros e
desmaiou.
Fernanda s foi acordar no hospital, onde ficou esperando
das quatro da manh at as duas da tarde para ter sua cabea
suturada, levou oito pontos e teve escoriaes nos braos.
- Do que eu mais lembro que enquanto ele me batia, ele
gritava: Hitler vai matar. Hitler vai te matar
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Os fatos
No dia 27 de outubro de 2005, as manchetes de todos os
jornais de Curitiba estampavam a notcia Onze skinheads presos
em Curitiba, cada qual com seus sinnimos e ordem da frase.
Referiam-se priso do grupo mais ativo de White Powers da
cidade, acusados de espalharem adesivos racistas pelo Centro
Histrico e de esfaquearem um homossexual negro, em setembro.
Dentre o grupo estavam figuras j conhecidas das delegacias
de polcia, eram Eduardo Toniolo Del Segue, conhecido como
Brasil, apontado como lder do grupo ao lado de sua esposa Edwiges
Franciele Barroso Del Segue, conhecida como Fran.
Alm deles, estavam no grupo os skinheads conhecidos
como Gavio e Caz. Anderson Marondes, apontado como o autor
da facada pela vtima, s se apresentou no dia seguinte.
Talvez nem tenha sido o Anderson que deu a facada, talvez
nem estivesse junto, mas comum um ter que assumir pra livrar o
outro, disse meu entrevistado. Mas todo mundo ali tem culpa,
todos so envolvidos com nazismo e com a divulgao das idias em
Curitiba, contou ele, que ainda me revelou que Caz era um dos
contatos da Blood&Honour [organizao neonazista internacional]
no Brasil e tambm apontou Brasil e Fran como os lderes.
- Como eles se financiam? Tem algum peixe grande por trs
do grupo?
- Na verdade eles se auto-financiam, alguns trabalham,
outros tm famlia rica, mas a maioria tem costas quente. O Brasil,
por exemplo, tem um tio que dizem que trabalha na Polcia, parece
que delegado, a Estela [Estela Herman Heiss, tambm presa em
outubro], o pai dela patente do Exrcito e o namorado dela [Bruno
Paese Fadel, idem], a famlia dele muito rica.
De fato algumas das informaes conferem, o pai de Estela
tenente coronel do Exrcito e a famlia de Bruno contratou um dos
advogados mais bem cotados de Curitiba para defend-lo no caso.
- O Bruno no primrio, continuou. Ele estava envolvido
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Rodar a banca, significa ficar com vrias pessoas do mesmo grupo, atitude depreciada pelos
skinheads.
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outro grupo que so uns moleques mais novos, uns oito, que se
renem no Shopping Estao.
Em uma das minhas primeiras incurses por Curitiba atrs
de entrevistas, fui at o Centro de Operaes Policiais Especiais
(COPE), ligado Polcia Civil, responsvel pelas prises. L passei
horas sentado, esperando por uma entrevista com o delegado
responsvel pelo caso, que no pde me atender.
A delegada adjunta que me recebeu, no quis passar
informaes mais precisas sobre como as investigaes se
desenrolaram. Aps uma tarde de espera sa da delegacia apenas
com um pacote de cpias de recortes de jornais e a indicao da Vara
responsvel pelo caso.
O caso
Willian saa de uma boate GLS, j eram sete da manh de um
domingo, 18 de setembro, o dia estava clareando e resolveu passar
em uma padaria 24 horas, na rua Visconde de Ncar. Tomou alguma
coisa e foi caminhando, sozinho, at o tubo da Praa Osrio, de onde
pegaria o nibus para a casa.
No caminho, um grupo de seis homens e uma mulher o
percebeu e passou a gritar que gays e negros deveriam morrer.
Willian continuou andando, mas foi surpreendido por uma rasteira
quando grupo lhe atacou a pontaps, ferindo-o na barriga com um
canivete butterfly e no rosto com um soco ingls.
Ele conseguiu se livrar do grupo e correu at um mdulo
policial, onde conseguiu ser ajudado a tempo de sobreviver,
passando por uma cirurgia de emergncia, j que teve rgos
internos perfurados.
O caso era o desfecho de uma noite violenta, horas antes, na
mesma Praa Osrio, Renan, moreno claro, esperava o nibus e
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O Black Metal uma vertente musical e cultural do heavymetal, com temtica satanista, som
rpido e agressivo. Alm do satanismo comum tambm elementos da temtica viking, como o
culto a deuses e smbolos nrdicos.
O movimento desenvolveu a vertente neonazista na Noruega, com a criao do grupo conhecido
como Inner Circle, que incendiavam igrejas, sinagogas e assassinavam homossexuais, em nome de
uma Escandinvia branca.
No Brasil, o movimento tem crescido cada vez mais com bandas neonazistas e satanistas.
Apesar de no terem nenhuma identidade com o skinhead, na maioria das cidades do Paran, as
gangues de blackmetals e WPs so aliados ou simpatizam.
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Os alvos
No dia 26 de Setembro, ainda de madrugada, cerca de 10
viaturas com policiais encapuzados, de farda preta caracterstica e
armamento pesado saram do Centro de Operaes Policiais
Especiais da Polcia Civil, na Vila Hauer, com destino casa de onze
alvos.
Antes de o sol nascer, logo aps s seis da manh, quando os
mandados podem ser cumpridos, todos os acusados de divulgarem
idias de cunho racista e promoverem a violncia contra grupos de
minorias tnicas, tendo espalhado adesivos racistas pelo centro da
cidade e atacado as vtimas Willian e Renan, acordaram ao som das
batidas policiais em sua porta.
A maioria obedeceu ordem e abriu gentilmente a porta para
a operao de busca e apreenso. Todos os onze foram presos e
levados carceragem do COPE, junto ao farto material apreendido
na casa de cada um.
O Alvo 01, Eduardo, vulgo Brasil, apontado como lder do
grupo, teve retirado de sua casa uma preciosa coleo de cds
racistas, eram 58 no total, sem contar os 27 cds da Banda 88, de
Joinville, da qual fez parte, alm de diversos manuscritos com letras
de msica e esboos de logos para um grupo denominado Curitiba
White Power, um desenho mo de Adolf Hitler e duas alianas de
ouro, uma grafada com uma sustica e outra com uma cruz celta,
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como Jeff ou Plutton, a polcia supe que seu nome seja Jefferson
Mximo.
Foram realizadas algumas incurses por So Paulo, mas no
conseguiram achar Jeff. Segundo uma de minhas fontes, Jeff mora
no bairro Arthur Alvim e mantinha contato constante com o pessoal
de Curitiba. Se quiserem saber quem ele s procurarem pelas
fotos do show do Agnostic Front, em frente PUC. Ele subiu ao
palco e ficou saudando, tem fotos disso por a, relatou o
entrevistado, que preferiu ficar annimo.
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Material apreendido na casa dos alvos, como fotos e convites de encontros levaram a
polcia a desvendar rede de contatos interestadual e, possivelmente, internacional.
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Final
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Catarina e outras na serra gacha, conta ele, que foi um dos autores
da denncia que resultou nas prises.
Racismo crime inafianvel segundo a lei 9.549 de 15 de
maio de 1997, que define em seu artigo 20 tambm como crime a
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distribuio e veiculao de material nazista .
Mas a lei no aplicada a rigor, segundo Saul. Os
envolvidos nesses crimes so pessoas de alto poder aquisitivo que,
s vezes, so protegidos por promotores e juzes que no aplicam a
lei como deveriam, critica.
Essa lei na verdade a reforma da lei 7.716 de 1989, que define os crimes decorrentes de
discriminao de cor e raa. Teve acrescido entre outros critrios, no seu primeiro pargrafo:
..crimes decorrentes de cor, raa, religio, etnia ou procedncia nacional
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Anexos
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Simbologia neonazista
O neonazismo empresta a maioria de seus smbolos das
brigadas hitleristas que, por sua vez, inspiravam-se em elementos da
cultura viking e celta, numa retomada dos valores culturais arianos.
Alguns smbolos podem ter conotao religiosa ou espiritual para
algumas pessoas, no representando necessariamente idias
racistas.
O mais conhecido de todos os smbolos do
Terceiro Reich data da Antiguidade, tendo sido
usado na Mesopotmia, ndia e pelos povos
germnicos. Significa prosperidade. Seu uso
proibido em muitos pases, inclusive no Brasil
.
Conhecido como SS, era smbolo da Schulzstaffel,
esquadro de elite da polcia nazista, comandada
por Himmler. Na verdade so duas runas nrdicas
conhecidas como Sig, representa o trovo.
Smbolo das Naes Arianas, traz uma spada e
um escudo viking sob um runa nrdica
conhecida como Eihwaz, representa a lenda do
homem com a fria do lobo. usado pela White
Aryan Resistance (EUA) e pela entidade
homnima sueca.
O crnio, usado pela organizao Combat 18 foi
originalmente usado nos capacetes das divises
Totenkopf da SS, responsveis pela guarda nos
campos de concentrao, conhecido por sua
brutalidade.
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Glossrio
14/88 - As 14 palavras: Devemos assegurar a existncia de
nossa raa e um futuro para nossas crianas brancas, cunhadas por
David Lane, um filsofo do racismo da Klu Klux Klan americana,
usado como lema pelos supremacistas brancos. 88 refere-se
oitava letra do alfabeto, formando as iniciais para Heil Hilter.
Sieg Heil! - cumprimento usado por neonazistas, significa
algo prximo de presente, numa resposta convocao para a
luta. Hitler, ao final de seus discursos dizia Sieg e a multido
respondia Heil.
ZOG - Zionist Occupation Government ou Governo de
Ocupao Sionista, diz respeito acusao de que os meios de
comunicao de massa e as democracias liberais fazem parte de uma
conspirao judaica para dominar o mundo, revelada nos Protocolos
de Sio.
Trad - Ou 69, como so chamados os skinheads que
compartilham dos ideais do incio do movimento, bem como a
msica jamaicana.
RASH - Red & Anarchists SkinHeads, congregao dos
skinheads de esquerda
SHARP - Skinheads Against Racial Prejudice, skinheads
contra o preconceito racial.
Oi! - Gnero musical derivado do streetpunk, ritmo
caracterstico da cultura skinhead.
Banca - O mesmo que gangue, grupo, turma. As de
hooligans so tambm chamadas de firms.
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Obras de Referncia
MARSHALL, George. Esprito de 69 - A Bblia do
skinhead. So Paulo: Trama Editorial, 1991.
LENHARO, Alcir. Nazismo O triunfo da vontade. 6ed.
So Paulo: tica, 2003.
da COSTA, Mrcia Regina. Os carecas do subrbio
Caminhos de um nomadismo moderno. So Paulo: Musa, 2000.
Salem, Helena. As Tribos do Mal. So Paulo: Atual, 1995.
V/A.Dossi de denncia das atuaes de grupos paramilitares nazistas skinheads. Curitiba: 2002
Wikipedia (www.wikipedia.org)
Odiados e Orgulhosos
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2006