Direito Internacional Público - Blanco de Morais, Ex VI Nguyen-Quoc Dihn
Direito Internacional Público - Blanco de Morais, Ex VI Nguyen-Quoc Dihn
Direito Internacional Público - Blanco de Morais, Ex VI Nguyen-Quoc Dihn
INTERNACIONAL
PBLICO
Professor Carlos Blanco de Morais
SEBENTA
2014/2015
Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas
imprecises que, por lapso e sem inteno, nela perpassaram. Leiam criticamente, como tudo
em cincia! E no dispensem a consulta dos manuais (isto ajuda e tem muita coisa resumida
mas no ter tudo e poder ter erros, e nada como comprar os manuais ou consult-los na
biblioteca).
Determinao das fontes formais do Direito Internacional pelo artigo 38. do Estatuto
do Tribunal Internacional de Justia: como resulta da distino entre as fontes materiais e
as fontes formais do Direito, o contedo do Direito deriva das primeiras, enquanto as segundas
correspondem formulao e introduo desse contedo no Direito Positivo 2. Sobre uma
questo de tal importncia, convm que haja um consenso universal. Donde o interesse de um
texto tomando claramente posio e comprometendo a quase totalidade dos Estados. No era
o caso da supracitada Conveno de Haia, que no entrou em vigor. Os Estados que criaram as
1
numerosas regras de contedo muito variado: o menor tratado d-nos disso uma ilustrao3. Se
conviesse insistir sobre esta questo de terminologia, era designadamente porque a soluo do
problema de hierarquia no segue as mesmas regras para as normas jurdicas e para as fontes
de Direito.
A confuso entre norma e fonte tanto mais frequente quanto certo ser alimentada pelo
vocabulrio. Por uma simplificao abusiva mas cmoda, a mesma palavra ou a mesma expresso pode
visar simultaneamente uma fonte e as normas que delas provm.
4
Acrdo 27 de junho de 1986.
5
Nesta perspetiva, todas as fontes formais assentam, em ltima anlise, na vontade direta ou indireta
dos Estados, vontade que se exprime diferentemente, de um ponto de vista tcnico, segundo o
processo de elaborao do Direito. No existe ento razo a priori para fazer prevalecer uma destas
tcnicas sobre uma outra, a no ser que prevalea a fonte que permite a expresso mais clara em cada
caso particular das vontades do sujeito de Direito. Ora a clareza da expresso no prpria de um
processo: tudo depende das circunstncias. Os conflitos entre vrias fontes formais no tm ento
seno respostas individuais.
hierrquico o de um conflito entre uma norma imperativa (ius cogens) e uma outra norma,
convencional ou costumeira. A Conveno de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados afirma
o carter imperativo portanto hierarquicamente superior de certas normas, no do seu
processo de elaborao, que permanece uma fonte clssica, convencional ou costumeira. Para
os outros casos, h, seno um princpio hierrquico, pelo menos regras de resoluo de conflitos,
quer entre regras convencionais, quer entre regras consuetudinrias, quer ainda entre norma
convencional e norma consuetudinria. As solues do Direito positivo inspiram-se em dois
adgios: specialia generalibus derogant ( lei especial derroga lei geral) e lex posterior priori
derogat (lei posterior prevalece sobre a regra anterior). Um ponto fraco do Direito Internacional
consiste em que tais regras permitem de certo saber qual das duas que sejam incompatveis
deve aplicar-se, mas no pe o problema da licitude de uma norma em relao a outra. Apenas
a afirmao do primado hierrquico permitiria obter o segundo resultado.
Classificao das fontes: a enumerao das fontes fornecida pelo artigo 38. do Estatuto do
Tribunal Internacional de Justia completada pela prtica, bastante diversificada para que
sejam possveis reagrupamentos ou reaproximaes entre as diversas fontes. Uma tal diligncia
autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. Uma tal
diligncia autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes.
possvel assim opor as fontes escritas s fontes no escritas, porque os processes no sero
provavelmente os mesmos para umas e para outras, sucedendo o mesmo para o potencial grau
de preciso das normas resultantes. Pelas mesmas razes e porque a oponibilidade das normas
difere num e noutro caso, distinguir-se-o as fontes concertadas e as unilaterais, ou ainda o
direito espontneo e as fontes que tomam a forma de atos jurdicos (tratados, certos atos
unilaterais dos Estados e as organizaes internacionais).
2. Partes no acordo: para que haja tratado, necessrio que as partes sejam sujeitos
de Direito Internacional. Enquanto os Estados foram considerados como nicos sujeitos diretos
deste Direito, os tratados no podiam ser seno interestatais. As nicas dificuldades, a este
respeito, provinham de entidades de cujo carter estatal se podia duvidas, e dos Estados
federados. Esta categoria de tratados continua a ser a mais importante, mas apareceram outras
categorias com a extenso da qualidade de sujeito de Direito a entidades no estatais.
2. O artigo 2., n.1, alnea a), da Conveno de Viena de 1969 (CVDT) inclui na
definio de tratado vrios elementos formais que completam, de forma feliz, a sua definio
tradicional:
a expresso tratado designa um acordo internacional, concludo por escrito entre
Estados e regido pelo Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento nico, quer
em dois ou vrios instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominao particular
a) Forma escrita: a Conveno define o tratado como um acordo concludo pro
escrito. Se dvida, o artigo 3. implica que ela no ignora os acordos que no
foram concludos por escrito os acordos verbais e que no lhes retira
qualquer valor jurdico. Mesmo assim, ao recusar examinar acordos verbais
entre Estados, embora estes existam, a Conferncia de Viena confirma
implicitamente que as regras relativas a esses acordos no apresentam
provavelmente segurana para permitir a sua codificao;
b) Nmero de instrumentos: por tratados designa-se, tanto o contedo do
acordo concludo entre as partes, quer dizer, o prprio acordo, como o
instrumento que formaliza esse acordo. A Conveno de Viena esclarece
que um mesmo tratado pode compreender dois ou mais instrumentos.
B Classificao de Tratados
Classificaes materiais:
1. A distino entre tratados-leis e tratados-contratos: uma das mais clssicas na
doutrina, mas tambm das mais controversas. Apresenta um certo interesse histrico e
sociolgico, mas no possui qualquer alcance jurdico: no existe um regime jurdico prprio
para cada uma destas categorias de tratados; alis, como poderia ser de outro modo, se um
mesmo tratado pode ter um carter misto, ser uma amlgama de disposies dos dois tipos?
Consideraes histricas explicam o sucesso desta distino: no princpio do sculo XIX, os
autores ficaram impressionados pela originalidade dos primeiros tratados coletivos que fixavam
regras abstratas, em relao prtica tradicional dos tratados bilaterais de contedo mais
material e subjetivo. Do ponto de vista sociolgico, esta descoberta permitia chamar a ateno
para a funo legislativa do concerto das naes. Contudo, a prtica no tirou da quaisquer
concluses, seno em matria de interpretao das convenes. Porm, assistimos a um
ressurgimento desta velha distino no caso dos tratados de carter humanitrio a propsito
dos quais o artigo 60., n.5 CVDT esclarece que no se lhe pode pr termo ou que a sua
aplicao no pode suspender-se invocando como pretexto a violao substancial pela outra
parte. As jurisdies internacionais tm, de resto, acentuado o carter particular dos tratados
relativos proteo dos direitos do homem.
Classificaes formais:
1. De acordo com a qualidade das partes: distinguem-se os tratados concludos entre
Estados, os tratados concludos estre Estados e Organizaes Internacionais e os tratados
concludos entre organizaes internacionais. Ao evocar a possibilidade de regras especficas
para os tratados concludos em que so partes sujeitos de Direito que no os Estados, o artigo
3. da CVDT parecia ver nesta distino uma summa divisio na matria. As particularidades do
direito das organizaes internacionais parecem, a priori, justificar diferenas de regime jurdico
entre estas trs categorias de tratados. O exame aprofundado do problema desde 1969
demonstrou os seus limites. A tendncia, no estdio atual da codificao do Direito dos Tratados,
para unificar ao mximo o regime jurdico das diversas categorias. Assim, na sequncia da
Comisso de Direito Internacional, a Conveno de Viena de 1986, mesmo mantendo a distino
entre tratados concludos entre Estados e organizaes e tratados concludos s entre
organizaes internacionais, apenas lhe concede um alcance concreto bastante restrito.
1. Elaborao do Texto
A Negociao do Texto
Plenos poderes para negociar: a prtica dos plenos poderes ilustra bem a mistura de
pragmatismo e arcasmo que reina nas relaes internacionais. Herana da poca monrquica,
em que esta instituio era plenamente justificada pelas condies concretas de concluso dos
tratados, ela sobrevive enquanto smbolo da soberania num contexto radicalmente
transformado. Por isso, quando a sua realizao se reveste de um formalismo excessivo, ser
objeto de excees. Por respeito das tradies, a formulao das cartas de plenos poderes no
foi modernizada. Na realidade, salvo no caso de acordos em forma simplificada, o
plenipotencirio j no tem, hoje, competncia para vincular definitivamente o Estado, o que
d um carter sobretudo protocolar verificao dos plenos poderes. Se os autores da
Conveno de Viena deliberaram confirmar o carter tradicional desta prtica e portanto o seu
alcance geral (Artigo 7. CVDT), deixam uma grande latitude de ao aos Estados: estes podem
discricionariamente renunciar a ela (Artigo 7., n.1 alnea b)) ou ultrapassar a irregularidade
cometida (artigo 8.). Alm disso, presunes de representatividade jogam a favor dos Chefes
de Estado e de Governo e dos Ministros dos Negcios Estrangeiros, o que lhes evita terem de
apresentar tais poderes. Sucede o mesmo com os chefes de misso diplomtica e com os
representantes acreditados de um Estado numa conferncia diplomtica ou junto de uma
organizao internacional; mas somente para a adoo de um tratado entre o Estado
acreditante e o Estado acreditado ou no mbito desta conferncia ou desta organizao (artigo
7., n.2).
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diversificao e da complexidade da vida internacional dos nossos dias. Assim, nos processos de
negociao de acordos ou compromissos internacionais que vinculem o Estado portugus
devem os departamentos envolvidos manter o Ministrio dos Negcios Estrangeiros
permanentemente informado, desde o incio da negociao at sua concluso. E o incio da
fase de negociao no poder ocorrer sem o prvio enquadramento poltico a prestar pelo
Ministrio dos Negcios estrangeiros, que dever ainda ser informado e pronunciar-se acerca
dela. Todavia, a rubrica ou a assinatura de acordos internacionais, sejam quais forem a
designao, a forma e o contedo, esto sujeitas a prvia aprovao pelo Conselho de Ministros
e dependem de mandato expresso, entendendo-se esta competncia delegada no PrimeiroMinistro.
Intercambio e exame dos plenos poderes: a produo de plenos poderes, emitidos pela
autoridade competente para conduzir a poltica externa, permite assegurar que a negociao
ser conduzida entre agentes competentes dos Estados ou das Organizaes Internacionais
presentes. Se o intercambio dos plenos poderes , em geral, uma simples formalidade, certos
prolemas podem surgir nesta ocasio: a qualidade estatal da entidade representada pode ser
contestada, assim como a competncia da autoridade que outorga os plenos poderes. Sobre
este dois pontos, a prtica internacional, fragmentria, no muito clara. Tratando-se de
tratados bilaterais, um Estado pode, discricionariamente, recusar-se a negociar com uma
entidade cuja competncia conteste para concluir um tratado. Assim, nada impede um Estado
de negociar diretamente com um Estado membro de um Estado Federal se a Constituio
deste o admitir mas nada a isso o obriga: da mesma maneira, a recusa, mantida por muito
tempo pelos pases de Leste, de negociar com as Comunidades Europeias obrigou estas a
negociarem por meio de plenipotencirios de Estados membros interpostos. No que respeita
negociao de Convenes multilaterais, a regra geral pode enunciar-se assim: compete
conferncia ou ao rgo internacional no seio da qual a negociao se realiza, aceitar ou recusar,
consoante as suas regras de procedimento, os plenos poderes apresentados.
Os artigos 43. e 63. da Carta das Naes Unidas consideram respetivamente a competncia do
Conselho de Segurana para os acordos relativos constituio das foras armadas das Naes Unidas
(que nunca foram concludos) e do Conselho Econmico e Social para os acordos com outras
organizaes do sistema. A prtica incerta quanto ao resto: alguns acordos relativos s foras de
manuteno da paz foram negociados em nome da Assembleia Geral, outros em nome do Conselho de
Segurana e outros diretamente pelo Secretrio Geral.
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2. Dispositivo: constitudo pelo corpo da Conveno, isto , pelo conjunto dos seus
elementos providos de obrigatoriedade jurdica. Compreende:
a) Os artigos: so, por vezes, muito numerosos e podem agrupar-se de
diferentes modos: em captulos na Carta, em Ttulos e captulos na Conveno de Haia, em
partes, captulos e seces no Tratado de Versailles e no Tratado de Roma, em partes e seces
a Conveno de Montego Bay.
b) As clusulas finais: a noo de clusulas finais relaciona-se com a dupla
natureza do tratado considerado, quer do ponto de vista material, como um texto normativo,
quer do ponto de vista formal, como um ato. Estas clusulas referem-se unicamente a certos
mecanismos do ato enquanto tal: processo de emendas, de reviso, modalidades de entrada em
vigor, extenso do tratado aos Estados que no participaram na elaborao do texto, durao
do tratado, etc. Do ponto de vista tcnico, a redao das clusulas finais foi objeto de grandes
progressos a partir do desenvolvimento dos tratados multilaterais. Deste modo o Direito dos
Tratados adquire maior clareza. A unificao de certas clusulas pode servir de base para o
estabelecimento de uma tipologia dos tratados.
c) Os anexos: eventualmente, o dispositivo completa-se por anexos s
Convenes. Estes anexos contm disposies tcnicas ou complementares, relativas a certos
artigos da Conveno ou ao seu conjunto. A fim de no a sobrecarregarem, encontram-se
materialmente separados dela. Juridicamente os anexos fazem parte integrante da Conveno
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e possuem a mesma fora obrigatria que os seus outros elementos, a menos que disponha
diversamente, o que por vezes acontece no que respeita sobretudo resoluo de conflitos ou
ao processo de emendas.8
B Adoo do Texto
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Alcance da adoo: a adoo marca o fim da fase da negociao mas no significa que a
Conveno se imponha aos Estados que o assinaram. Regra geral, o efeito obrigatrio do tratado
resulta da expresso do consentimento a estar vinculado por ele e no da assinatura, a menos
que as partes no tenham decidido de outro modo. Apesar de tudo, um Estado cujo
representante assinou, no est j na mesma situao do Estado que se absteve e a prpria
Conveno beneficia de um estatuto jurdico pelo que respeita ao Direito Internacional.
1. Se bem que no esteja ligado pela Conveno, o Estado signatrio tem, pelo facto da
sua assinatura, certos direitos e certas obrigaes. Codificando uma prtica por vezes ambgua,
o artigo 18. da Conveno de Viena dispe:
Um Estado deve abster-se de atos que privariam um tratado do seu objeto ou da sua
finalidade
a) Quando assinou o tratado () enquanto no tiver manifestado a sua inteno de
no se tornar parte no tratado.
O alcance desta disposio, que deriva do princpio da Boa F nas relaes internacionais,
deve ser apreciado com exatido: no significa que o Estado signatrio seja obrigado a
respeitar as disposies de fundo do tratado o que lhe daria o estatuto de Estado parte
mas somente tal Estado no pode adotar um comportamento que esvaziaria de toda
a substncia o seu compromisso ulterior quando exprimisse o seu consentimento em
estar vinculado. Do supracitado artigo 18. da CVDT pode-se igualmente deduzir que um
Estado signatrio deve examinar em boa f o texto da Conveno para determinar a sua
posio definitiva a seu respeito. Trata-se, todavia de uma obrigao de comportamento
extremamente vaga, mantendo o Estado signatrio toda a sua liberdade de exprimir ou
no o seu consentimento em vincular-se e em faz-lo num prazo por ele julgado razovel,
salvo disposio em contrrio, o que absolutamente excecional. O estatuto provisrio
do Estado que assinou implica igualmente certos direitos a seu favor. Tendo qualidade
para se tornar parte, ele um destinatrio das diversas comunidades relativas vida da
Conveno efetuada pelo depositrio (Artigo 77. CVDT). Alm disso, pode fazer
objees s reservas formuladas por outros Estados.
2. No se impondo aos Estados signatrios, a Conveno, uma vez adotada, nem por
isso deixa de ter certos efeitos jurdicos.
a) Pela sua natureza e pelo seu objeto, as clusulas finais do tratado esto
previstas para serem aplicadas imediatamente (modalidades de autenticao do texto,
de expresso pelas partes do seu consentimento em vincular-se, da entrada em vigor do
conjunto da Conveno, etc.). O artigo 24. n.4 CVDT confirma esta soluo:
As disposies de um tratado que regulamentam a autenticao do texto, o
estabelecimento do consentimento dos Estados em vincular-se pelo tratado, as
modalidades ou a data de entrada em vigor, as reservas, as funes do depositrio, bem
como as outras questes que surgem necessariamente antes da entrada em vigor do
tratado, so aplicveis desde a adoo do texto
b) Alm disso, a adoo de um tratado por um nmero importante de Estados tem um
alcance jurdico que ultrapassa a simples autenticao do texto. Uma conveno
multilateral, antes mesmo da sua entrada em vigor, pode servir de modelo a
tratados bilaterais ou multilaterais. Constitui, sobretudo se se tratar de uma
conveno de codificao, um elemento importante do procedimento
consuetudinrio. Assim, cristalizando regras consuetudinrias em via da formao,
a adoo da Conveno de Montego Bay de 10 de dezembro 1982, desempenhou
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10
verdade que, mesmo antes da sua adoo, o Tribunal Internacional de Justia, considerara que ela
no poderia () postergar uma disposio do projeto de conveno (sobre o Direito do Mar) se
chegasse concluso de que a sua substncia vincula todos os membros da comunidade internacional
pelo facto de consagrar ou cristalizar uma regra de Direito Consuetudinrio preexistente ou em via de
formao.
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A Modos de Expresso
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11
No sculo XIX, alguns governos justificavam ainda a sua recusa de ratificar invocando o excesso de
poder dos plenipotencirios. No quadro dos regimes representativos e democrticos, as recusas de
ratificar provm, a maior parte das vezes, do desacordo entre o Executivo e o Parlamento.
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fixadas pela Conveno e no pode da tirar vantagem. Somente o envio dos instrumentos de
ratificao (ou de aceitao ou de aprovao) suscetvel de vincular o Estado12.
Definio: Um Tratado pode ser definitivamente concludo desde que seja assinado. Neste caso,
a assinatura desempenha uma dupla funo: ela , ao mesmo tempo, um processo de
autenticao do texto e um modo pelo qual o Estado exprime o eu consentimento. J no
necessrio que intervenha depois desta assinatura qualquer outro ato, seja a ratificao, a
aceitao ou a aprovao. Diz-se que o tratado concludo segundo um processo breve ou de
um nico grau ou tratado formal que se conclui segundo o processo longo, de duplo grau.
Quaisquer que possam ser as dificuldades de ordem constitucional suscitadas pela prtica de
acordos em forma simplificada, a sua validade indiscutvel em Direito Internacional. A
Conveno de Viena confirma, de resto, a dupla funo da assinatura: autenticao do texto
(artigo 10. CVDT) e, se for caso disso, modo de expresso do consentimento em vincular-se
pelo tratado (artigo 11. CVDT).
Recurso ao processo breve: O processo longo, com a sua inevitvel lentido, no permite
fazer face a todas as necessidades. No s necessrio concluir muito, mas tambm concluir
depressa e a tempo. A voga dos acordos em forma simplificada , por outro lado, a consequncia
de uma tendncia generalizada da poltica interna. Em todos os pases o executivo opta pelo
processo breve, todas as vezes que constitucionalmente possvel, a fim de se libertar da coao
parlamentar que surgiu com a experincia no como motor, mas como um travo da ao
internacional13. significativo que a assinatura constitua o primeiro dos modos de expresso
do consentimento em vincular-se citados pelo artigo 11. CVDT. Se bem que, nos termos do
Artigo 12. CVDT, se vise manifestamente o acordo sob a forma simplificada, ela abstm-se de
pronunciar o seu nome a fim de deixar s prticas internas toda a liberdade de recorrer, se for
caso disso, a uma outra denominao. A adoo da rubrica e da assinatura ad referendum como
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modo de expresso do consentimento tem por objetivo facilitar ao mximo o processo breve.
Todavia, a confirmao ulterior de uma assinatura ad referendum no deve ser interpretada
como uma aprovao do tratado, de outra maneira voltar-se-ia ao processo longo. No quadro
do processo em forma simplificada, esta confirmao produz um efeito retroativo.
Generalidades: A concluso dos tratados de forma solene oferece uma espcie de parntesis
interno no processo internacional: os Estados signatrios reservam-se a possibilidade de
proceder a um novo exame antes de exprimir o seu consentimento definitivo em se
vincularem. Quanto a esta fase do processo, o Direito Internacional no pode seno remeter
para o Direito Interno: nenhuma considerao de oportunidade ou de lgica jurdica impe uma
soluo uniforme; os constituintes nacionais dispem de uma total liberdade de organizao do
processo. o que reconhece a frmula frequentemente utilizada nas clusulas finais dos
tratados, segundo a qual o consentimento ser expresso em conformidade com as regras
constitucionais respetivas dos Estados signatrios. A questo inscreve-se, pois, exclusivamente
no debate constitucional interno. A sua soluo deriva, inevitavelmente, quer do esquema
constitucional geral, quer da relao de foras entre os rgos constitucionais, dado mais
conjuntural que orienta a prtica poltica interna. Na poca contempornea em que o Direito
Convencional invade cada vez mais a legislao interna, o objetivo geralmente procurado de
um certo controlo prvio do executivo, quer pela opinio pblica (referendo), quer pelo
legislador (autorizao parlamentar). Todavia, o Direito Interno no pode abstrair-se totalmente
dos dados da prtica internacional, uma vez que s regulamenta uma das fases do processo de
concluso dos tratados: a dificuldade principal provm da generalizao dos acordos em forma
20
A Entrada em Vigor
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considera que existe uma presuno a favor da entrada em vigor na data da troca das
ratificaes.
2. Quanto aos tratados multilaterais, requer-se, por vezes, a unanimidade das
ratificaes pelos signatrios como condio da sua entrada em vigor.
Concebvel no que diz respeito a tratados polticos ou tratados plurilaterais (nmero
ilimitado de partes), esta unanimidade corre o risco de bloquear indefinidamente a entrada em
vigor dos tratados multilaterais gerais concludos entre um grandssimo nmero de Estados. Eis
o motivo porque de traduo, nestes ltimos tratados, que as suas clusulas finais subordinem
a sua entrada em vigor obteno, no da unanimidade, mas apenas de um certo nmero de
ratificaes. Noutros casos, a exigncia da qualidade junta-se da quantidade. Ao fixar o
nmero de ratificaes necessrias, um tratado pode subordinar a sua entrada em vigor a
ratificaes provenientes de certos Estados, em funo da sua importncia no quadro desse
tratado. De acordo com o artigo 110. da Carta das Naes Unidas, a sua entrada em vigor
fixada para o dia em que a maioria dos Estados signatrios, a que se juntam os cinco Estados
membros permanentes do Conselho de Segurana, a tiverem ratificado. Esta limitao do
nmero de ratificaes necessrias constitui um progresso na tcnica da concluso dos tratados,
enquanto facilita e acelera a sua passagem ao Direito Positivo.
Aplicao provisria de um tratado: Codificando uma prtica j antiga e tornada cada vez mais
frequente, o artigo 25, n.1 CVDT dispe nos termos seguintes:
1. Um tratado ou uma parte de um tratado aplica-se a ttulo provisrio,
aguardando a sua entrada em vigor:
a) Se o prprio Estado assim o dispuser; ou
b) Se os Estados que participaram na negociao concordaram de
outra maneira.
Esta outra maneira consiste, por exemplo, num protocolo ou em qualquer outro texto
no incorporado no tratado. A aplicao provisria no confere ao tratado o carter de um
acordo em forma simplificada. Ela torna-se necessria em virtude da urgncia
discricionariamente apreciada pelos negociadores, mas o processo continua a ser o processo
longo com expresso aps a assinatura do consentimento estatal em vincular-se. A aplicao
provisria particularmente til quando o tratado cria um mecanismo institucional complexo.
A tcnica de criao de comisses preparatrias encarregadas de traar a via para a futura
organizao muito frequentemente praticada. Reveste, contudo modalidades muito variadas;
aplicao provisria do prprio ato constitutivo, criao da comisso preparatria para uma
organizao informal da Conferncia tendo adotado o ato constitutivo, adoo de um acordo
em forma simplificada destinado a desaparecer com a entrada em vigor do ato constitutivo. O
n.2 do artigo 25. CVDT fixa um limite aplicao provisria:
A menos que o tratado disponha diversamente ou que os Estados que
participaram na negociao no tenham concordado noutro sentido, a aplicao a ttulo
provisrio de um tratado ou de uma parte de um tratado a respeito de um Estado cessa se esse
Estado notificar, aos outros Estados, entre os quais o tratado aplicado provisoriamente, a sua
inteno de no se tornar parte desse tratado.
22
B Registo e publicao
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Sistema do Pacto da Sociedade das Naes: o artigo 18. do Pacto S.d.N. instituiu duas
formalidades novas, o registo e a publicao do tratado, destinados a aperfeioar a sua
introduo na ordem jurdica internacional.
Sistema atual: Est fundamentado no artigo 102. da Carta das Naes Unidas redigido:
1. Qualquer tratado ou acordo internacional, concludo por um Membro das
Naes Unidas, depois da entrada em vigor da presente Carta, ser o mais cedo possvel
registado no Secretariado e por ele publicado.
2. Nenhuma parte num tratado ou acordo internacional que no tenha sido
registado em conformidade com as disposies do n.1 do presente artigo no poder invocar o
dito tratado ou acordo perante um rgo das Naes Unidas.
Notar-se- que, de acordo com esta disposio, e diferentemente do artigo 18., o
tratado ser registado no Secretariado e no por ele, o mais cedo possvel e no
imediatamente. De facto, o registo oficioso de inmeros tratados concludos sob auspcios
da O.N.U. continua a ser assegurado pelo Secretariado desta Organizao. Dese 1945, outras
organizaes internacionais criariam, igualmente, sistemas especiais de registo cuja aplicao
est limitada aos tratados relativos s suas respetivas atividades. O artigo 80. CVDT confirma a
soluo do artigo 102. da Carta.
Tipologias de Conferncias:
1. Distino tradicional e congressos: Pensou-se que se podia basear esta distino nas
diferenas substanciais entre estas duas espcies de reunies: soluo de problemas polticos e
preponderncia das grandes potncias no Congresso, estabelecimento das regras de Direito e
igualdade entre todos os participantes nas conferncias. Contudo, esta separao nunca foi to
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ntida na prtica. Na poca contempornea, tende-se a utilizar apenas o termo conferncia para
designar indiferentemente as reunies polticas ou as reunies jurdicas.
2. Distino baseada nas modalidades de convocao das conferncias: A este respeito,
podemos dividi-las em dois tipos:
- o primeiro engloba as conferncias convocadas por iniciativa de um ou de
vrios Estados;
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Composio das Conferncias: Pelo que diz respeito s Conferncias reunidas por iniciativa
de um ou de vrios Estados, estes beneficiam de um poder discricionrio para designarem
Estados convidados. O convite pode estar sujeito a certas condies polticas. Nas conferncias
convocadas por uma Organizao Internacional, devem distinguir-se duas categorias de
convidados14:
- Estados membros da Organizao anfitri que so convidados de direito;
- Estados que s podem ser convidados se preencherem os requisitos
determinados pelo rgo competente desta organizao.
Organizao e funcionamento:
1. A organizao material de cada conferncia est assegurada, segundo o caso, pelo
Estado escolhido como sede ou pela organizao. Um tratado elaborado por uma Conferncia
convocada e organizada por uma Organizao denomina-se Tratado concludo sob os auspcios
desta Organizao. Quando a Conferncia convocada por uma Organizao no se realiza na
sede desta, o Estado promotor contribui largamente para essa organizao material.
2. As regras aplicveis so, em princpio, as mesmas para os dois tipos de Conferncias.
A Conferncia convocada por uma Organizao Internacional no um rgo desta, conserva o
carter de uma reunio interestadual clssica, dotada de existncia autnoma e regulada pelo
Direito Internacional geral das Conferncias Internacionais. Contudo, cada Organizao
Internacional procede codificao destas regras atravs dos textos estabelecidos
14
autoritariamente por ela e aos quais se acrescentam novas regras, destinadas a preencher as
lacunas ou a esclarecer as obscuridades do Direito Consuetudinrio.
a) Medidas preliminares: em todas as Conferncias cada Estado participa por
intermdio de delegaes que compreendem delegados propriamente ditos dotados de plenos
poderes, conselheiros e peritos. A Conferncia constitui a sua prpria comisso de verificao
de poderes. Elege o seu executivo: o Presidente, Vice-Presidentes, relatores. Delibera
definitivamente em sesso plenria; o trabalho de preparao efetua-se, em geral, no mbito
de comits e sub-comits. igualmente designado um comit de redao com a competncia
de aperfeioar a redao definitiva da Conveno, depois de ter revisto e coordenado as
diferentes disposies adotadas separadamente. Nas Conferncias convocadas pelas
Organizaes Internacionais universais, leva-se em conta em todas estas nomeaes, uma
repartio geogrfica equitativa e, de maneira mais ou menos explicita, as diferenas polticas e
ideolgicas entre os Estados participantes. A Conferncia estabelece ela prpria o seu regimento
interno e decide soberanamente a ordem do dia. Os projetos de um e de outro so sempre
redigidos antes pelo rgo competente da Organizao anfitri, a maior parte das vezes pelo
seu Secretrio.
b) Discusses: a base das discusses constituda pelo projeto do Tratado.
Quando a conferncia organizada por Estados, este projeto pode ser preparado previamente
pelo ou pelos Estados anfitries. Se uma Organizao a convocar a Conferncia a redao do
projeto confiada a um dos seus rgos.
A complexidade das questes discutidas, multiplicidade dos interesses em jogo, a
importncia das oposies, contribuem para explicar o sucesso da frmula do consenso na
conduo das discusses. Correntemente utilizado nas Naes Unidas este mtodo, que
consiste em adotar as diversas disposies do projeto de Conveno sem voto e por
conseguinte em discutir durante o tempo que for necessrio para que as oposies irredutveis
sore cada uma delas acabem por ser superadas no exclui a interveno de um voto global no
final dos debates, nem mesmo o recurso tcnica maioritria ou unnime no decurso da
discusso em caso de insucesso do consenso. Nas Conferncias mais complexas, em que os
conflitos de interesses se revelam irredutveis, os mtodos de negociao tendem a aproximarse dos da diplomacia parlamentar no seio das Organizaes Internacionais. Alis, os regimentos
internos das Conferncias sob os auspcios das Naes Unidas so muitas vezes em larga medida
diretamente inspirados nos dos rgos da Organizao. Pelo seu formalismo e pelo seu peso, o
regimento interna acaba por assemelhar-se a uma coao insuportvel: para evitar a tutela
imposta aos comits de negociao, as delegaes favorecem tcnicas mais flexveis e aceitam
reconhecer um papel essencial aos grupos ou intergrupos oficiosos, aos presidentes de comit,
ao presidente da conferncia.
C) Adoo do texto efetua-se, regra geral, pelo processo do voto. Nos termos
do artigo 9. da Conveno de Viena. Esta disposio tem apenas valor supletivo e nada impede
a conferncia de fixar outra maioria, de aceitar a unanimidade ou de adotar o texto por consenso.
Na prtica, o recurso ao processo da unanimidade, que respeita plenamente a soberania, no
cria um verdadeiro risco de bloqueio se a conferncia reunir apenas um nmero limitado de
Estados. Quando este nmero relativamente elevado, a unanimidade ainda muitas vezes
exigida em virtude do objeto poltico da Conferncia. Nos outros casos, quando existe um
grande nmero de participantes considera-se pouco realista exigir a unanimidade. Maioria
simples ou maioria qualificada? A aplicao da regra da maioria simples apresenta a vantagem
de facilitar a adoo dos textos e, portanto, de aumentar as hipteses de sucesso da Conferncia.
26
Os seus adversrios insistem, pelo contrrio, nos seus inconvenientes: falta de autoridade das
decises que dela resultariam e proteo insuficiente dos interesses da minoria. Cada
Conferncia, quando da adoo do seu regulamento interno, fixa, ela prpria, a sua regra de
votao. Verifica-se um uso corrente de diversas maiorias, se bem que os casos de recurso
maioria de 2/3 sejam os maios nmeros.
d) Relativamente simples no que respeita aos tratados bilaterais, o problema da
ou das lnguas de redao extremamente complexo tratando-se de convenes multilaterais.
Tradicionalmente, a lngua nica era o Latim. Desde a poca moderna e at Primeira Guerra
Mundial, o Francs, promovido a lngua diplomtica oficiosa da Europa, foi constantemente
escolhido. Em 1919, o Francs perdeu esse monoplio. O Tratado de Versailles e o Pacto da
Sociedade das Naes foram simultaneamente redigidos em Ingls e Francs, fazendo
igualmente f as duas verses. As conversaes concludas no quadro das Naes Unidas foram
redigidas em cinco lnguas: Ingls, Mandarim, Castelhano, Francs e Russo, s quais hoje em dia
necessrio acrescentar o rabe, lngua oficial e de trabalho da Assembleia Geral desde 1973.
Esta pluralidade uma manifestao irrefutvel da universalizao do Direito Internacional e
parece conforme ao princpio da igualdade de soberania dos Estados; em contrapartida,
aumenta as dificuldades de interpretao.
e) Se, em princpio, nada exclui a autenticao do texto se processe pela
assinatura dos diferentes Estados participantes, a Conferncia termina frequentemente pela
aprovao de um instrumento denominado ato final. No entanto, a assinatura no
obrigatria; na prtica das Conferncias que comportam um nmero muito grande de
participantes acontece frequentemente que o ato final seja assinado somente pelo presidente
da Conferncia. De resto, a assinatura do ato final no exclui forosamente a do prprio tratado.
Acontece, alm disso, frequentemente, que o texto de uma Conveno concluda sob os
auspcios das Naes Unidas seja retomado no anexo de uma Resoluo da Assembleia Geral.
No se trata de uma tcnica de autenticao do tratado; o objetivo de chamar a ateno para
o texto adotado e efetuar uma presso em favor da ratificao ou da adeso.
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rgos da Organizao decidam concluir uma Conveno por si mesmos ou por uma Conferncia
convocada por eles; a escolha do mtodo s se efetua na ltima fase da negociao; em ambos
os casos, o essencial da elaborao do texto ter tido lugar segundo as tcnicas prprias da
Organizao. Esta analogia de processos ainda mais manifesta quando se compara a adoo
de uma Conveno com um ato unilateral no quadro da Organizao. ento difcil encontrar
neles indcios quanto real natureza do ato adotado. Da mesma maneira, as condies de
entrada em vigor no fornecem necessariamente critrios decisivos. A elaborao de
Convenes no quadro das Organizaes Internacionais o domnio em que a frmula da
diplomacia parlamentar mais se justifica e em que a comunidade interestatal mais se aproxima
da ideia do legislador internacional, sem que qualquer assimilao com a Ordem Interna
Nacional seja possvel. O facto de se tratar de uma competncia prpria da Organizao suscita
com efeito particularidades notveis. A planificao da elaborao do Direito Convencional
torna-se possvel graas permanncia dos rgos e sua estrutura hierrquica; ela escapa, em
certa medida, s presses unilaterais dos Estados. OS processos internos da Organizao so
oponveis aos Estados membros e, salvo se forem modificados segundo as regras da prpria
Organizao, no podem ser adaptados discricionariamente. Estas so as regras gerais sobre a
deliberao no mbito dos rgos e sobre a adoo das resolues que sero aplicveis:
trabalhos preparatrios por colgios de peritos ou pelo secretariado mas com consulta dos
Estados no decorrer desta fase, sob a forma de questionrios ; reapresentao do projeto, por
intermdio dos rgos subsidirios, ao rgo intergovernamental plenrio; adoo, soba forma
de resoluo, por unanimidade, por maioria ou por consenso; autenticao pelos rgos da
organizao. Porm, no se pode levar longe de mais a analogia com a funo legislativa: o
carter autoritrio do processo cessa com a adoo do projeto de conveno; a entrada em
vigor desta ltima continua a depender da ratificao ou adeso dos Estados.
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Adeso: A adeso o ato pelo qual um Estado que no assinou o texto do Tratado,
exprime o seu consentimento definitivo em vincular-se. Este processo tem o mesmo alcance
que o da assinatura e da ratificao. Nestas condies, as precaues que rodeiam o processo
de ratificao j no se impem: o Estado aderente tomou, a respeito do Tratado, o recuo
necessrio; ele teve todo o tempo para pesar as vantagens e os inconvenientes do seu
compromisso. A adeso permite, mais eficazmente do que a assinatura diferida, alargar o campo
de aplicao de uma regulamentao convencional: traduz, com efeito, o consentimento de um
Estado em vincular-se pelo Tratado, do mesmo modo que a ratificao, a aceitao ou a
aprovao. A Conveno de Viena esfora-se por facilitar a sua prtica no seu artigo 12..
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B Reservas
Definies:
1. Em presena de um Tratado cujo objeto, finalidade e contedo, no seu conjunto,
lhe convm, exceo de algumas das suas disposies, o Estado interessado pode escolher
entre duas atitudes: ou recusar-se a fazer parte do Tratado a fim de escapar aplicao das
referidas disposies; ou no cortando completamente as pontes, consentir em vincular-se mas
declarando ao mesmo tempo quer que exclui pura e simplesmente do seu compromisso as
disposies que no merecem a sua concordncia, quer que entende atribuir-lhes, no que lhe
diz respeito, um significado particular, suscetvel da sua aceitao. Se o Estado optar por esta
segunda atitude e fizer uma tal declarao, diz-se que formula reservas a essas disposies. O
Direito dos Tratados autoriza-o a isso. Pode formular reservas assinatura, ratificao,
aceitao, aprovao ou adeso. De acordo com o artigo 2., n.1 CVDT:
A expresso reserva designa uma declarao unilateral, qualquer que seja o seu
teor ou a sua designao, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um
tratado ou a ele adere, declarao pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurdico de certas
disposies do tratado na sua aplicao a este Estado.
2. Ao lado das reservas propriamente ditas, a prtica contempornea v proliferar
as declaraes interpretativas, que, em princpio, tm por objeto, no excluir ou limitar a
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aplicao de uma disposio, mas somente esclarecer o seu sentido. Se a distino entre
reservas e declaraes interpretativas parece clara em abstrato, -o muito menos in concreto.
Os Estados, com efeito, tm tendncia a ter das segundas uma conceo bastante ampla e a
redigi-las de maneira to ambgua que o sentido da Conveno pode ser largamente falseado;
em certos casos existe um meio cmodo (mas juridicamente inaceitvel) de contornar as regras
limitando ou evitando as reservas. Quando um declarao interpretativa se analisa de facto com
uma reserva, possvel restabelecer esta qualificao.
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mais amplo aceitao tcita das reservas: a ausncia de objees no prazo relativamente curto
de um ano deve ser interpretada como uma aceitao (artigo 20., n.5 CVDT). Correlativamente,
os autores da Conveno de Viena, empenharam-se em reduzir o alcance das objees s
reservas. A objeo no pode ser presumida, tem de ser sempre formalmente expressa, mas
pode emanar de um Estado simplesmente signatrio. E para que a objeo tenha por efeito
impedir a entrada em vigor do Tratado entre os dois Estados interessados, necessrio que o
Estado que emite a objeo tenha manifestado claramente a sua inteno de que seja assim
(artigo 20., n.4 CVDT). A prtica arbitral confirma esta vontade de limitar os casos em que o
conjunto da relao convencional seria posto em causa pela combinao de uma reserva e de
uma objeo a esta. Evidentemente, a existncia de reservas no modifica em nada o jogo do
Tratado entre os Estados que o aceitaram integralmente. Entre os Estados reservatrios e os
que aceitaram as reservas, as regras do Tratado so modificadas na medida requerida pelas
reservas. Entre os Estados reservatrios e os que formulam objees reserva, sem no entanto
se oporem entrada em vigor do Tratado entre eles, o Tratado aplica-se com exceo das
disposies sobre as quais incide a reserva. O ideal evidentemente, encontrar o mais
rapidamente possvel uma aplicao integral do Tratado; por isso, basta um ato unilateral de
abandono para que desapaream reservas e objees s reservas; esta retirada pode ocorrer
em qualquer momento.
3. Instituio do Depositrio
Regime Jurdico:
1. Escolha dos depositrios: Regra geral, o Estado, em cujo territrio se desenrolam
as negociaes ou se rene a Conferncia de elaborao, designado como depositrio, mas
nada impede que se proceda a outra escolha. Em particular, quando o Tratado concludo sob
os auspcios de uma organizao internacional ou negociado no seu mbito, a institucionalizao
completa-se muitas vezes pela designao como depositrio da Organizao ou do chefe do
Secretariado. A prtica dos depositrios mltiplos desenvolveu-se igualmente principalmente
pela influncia de dois fatores:
- Por um lado, em certos casos, o critrio geogrfico no se mostrou satisfatrio
porque levava a privilegiar um negociador enquanto outros teriam podido desempenhar um
papel igualmente importante.
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toca sua incidncia nas Regies, em funo das particularidades destas e tendo em vista a
relevncia de que se revestem para esses territrios. Convenhamos que esta definio, pela sua
vacuidade, pouco ajuda o intrprete a encontrar uma resposta pergunta colocada. Da nossa
parte, entendemos que o transcrito artigo 22., n.1, alnea s) CRP e os preceitos similares dos
Estatutos Poltico-Administrativos das Regies Autnomas englobam, sem dvida, as Convenes
Internacionais que tenham por objeto:
a) As matrias a que se referem os artigos 75. do Estatuto dos Aores
e 57. do Estatuto da Madeira;
b) As matrias a que e referem os artigos 74. do Estatuto dos Aores e
56. do Estatuto da Madeira quando os protocolos de colaborao
permanente entre Estado e a respetiva Regio, a previstos, se
extraia que elas, em cada caso, dizem diretamente respeito Regio
em causa;
c) De entre as matrias arroladas nas outras alneas doo citado artigo
229., n.1, CRP aquelas que, pela sua natureza digam respeito a
cada Regio, se no s duas simultaneamente: estaro nesse caso os
Tratados sobre dilogo e cooperao inter-regional, a que se refere
a alnea t) desse preceito.
Questo duvidosa a de saber se naquele artigo 229., n.1, alnea s), CRP e nos
preceitos similares dos Estatutos no cabem tambm as matrias de interesse especfico para
cada Regio, elencadas, a ttulo exemplificativo, nos artigos 33. do Estatuto dos Aores e 30. do
Estatuto da Madeira. A favor de uma resposta afirmativa militam dois argumentos: o transcrito
do trecho da Comisso Constitucional; e o facto de as matrias de interesse especfico serem,
por maioria de razo, matrias que dizem diretamente respeito s Regies Autnomas. S que,
se assim fosse, estar-se-ia a conceder s Regies Autnomas um quase ilimitado poder de
participao na negociao internacional, que no parece ter estado pelo menos no esprito do
legislador constituinte. A participao das Regies Autnomas nas negociaes de Tratados
Internacionais, quando deva ter lugar, revestir a forma de representao efetiva na delegao
portuguesa que negociar o Tratado respetivo, assim como nas respetivas comisses de execuo
e fiscalizao o que estabelecem os artigos 76. do Estatuto dos Aores e 58. do Estatuto da
Madeira.
Assinatura: Redigido o texto chega-se ao momento em que este assinado pelos
plenipotencirios. A assinatura do Tratado produz efeitos jurdicos diferentes conforme se trate
de um Tratado Solene ou de um Acordo em Forma Simplificada. No Tratado Solene a assinatura
no significa ainda a vinculao do Estado ao Tratado, mas nem por isso deixa de gerar uma
multiplicidade de efeitos jurdicos, dos quais cabe assinalar os seguintes:
a) Exprime o acordo formal dos plenipotencirios quanto ao texto do
Tratado;
b) Produz para o Estado signatrio o direito de ratificar o Tratado;
c) Faz surgir o dever para os Estados signatrios de se absterem de
aes ou omisses que privem o Tratado do seu objeto ou do seu fim.
Trata-se, no fundo, de um imperativo do princpio da boa f e
encontra-se consagrado no artigo 18. CVDT;
d) Autentica o texto, que fica definitivamente fixado, conforme dispe
o artigo 10., alnea b) CVDT;
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que nada impede que a Constituio portuguesa imponha, aps a assinatura, a aprovao do
acordo, dado que o Direito Constitucional de cada Estado livre de prescrever o regime que
entender para a Concluso dos Tratados Internacionais. Mas, em face do artigo 12., n1 CVDT,
caso Portugal no ressalve expressamente no acordo que s se vincular a ele depois da sua
aprovao pelo rgo nacional competente, de harmonia com a sua Constituio, ficar vinculado
ao acordo no plano internacional pela sua mera assinatura, no obstante o acordo s passe a
vigorar na ordem interna aps a sua aprovao ou, porventura, at nunca venha a vigorar na
ordem interna por a aprovao no se ter dado ou por acordo ter sido declarado inconstitucional.
E isto assim porque o artigo 27. CVDT dispe que nenhum Estado pode invocar as disposies
do seu Direito Interno para se eximir ao cumprimento do Tratado ao qual livremente se vinculou
na cena internacional. Se a assinatura compete sempre ao Governo, a aprovao cabe, ao
princpio, ao Governo, mas este, se assim o entender, pode submeter os acordos aprovao da
Assembleia da Repblica (artigo 200., n.1, alnea c), 1.a parte e in fine). Excetuam-se os
acordos concludos sobre matria de competncia reservada da Assembleia da Repblica que
tm de ser necessariamente aprovados por este rgo (artigo 164., alnea j), 1. parte).
Velamos, a concluir, alguns outros traos do regime constitucional dos Acordos
em forma simplificada:
- O Presidente da Repblica intervm neles atravs da assinatura dos
Decretos de aprovao do Governo ou das Resolues de aprovao da AR (artigos 137., 2.
parte, e 200., n.2), enquanto que intervm nos tratados mediante retificao;
- O Presidente da Repblica nunca pode opor-se vinculao do Estado
Portugus a um acordo, porque tem sempre de assinar o decreto de Governo (artigos 137, alnea
b) in fine, e 200., n.2), ou a resoluo da Assembleia da Repblica (Artigos 137., alnea b), 2.
parte) que o aprova (mas pode opor-se vinculao a um Tratado no ratificando);
- Os Acordos esto sujeitos, tais como os Tratados fiscalizao
preventiva da constitucionalidade, mas, em caso de pronncia pela inconstitucionalidade pelo
Tribunal Constitucional, o Presidente da Repblica nunca pode assinar o decreto ou a resoluo
que aprova o Acordo (Artigo 279., n. 1 e 2) e, por conseguinte, ele no vigorar na ordem
interna, mesmo se vincular Portugal na esfera internacional, o que, nos termos acima expostos,
acontecer em princpio (ao contrrio do que sucede com o Tratado, que ainda pode vir a ser
ratificado no caso de a Assembleia da Repblica o aprovar por maioria de 2/3 dos deputados
presentes (Artigo 279., n.4)).
- Professor Jorge Miranda16:
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b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
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17
Morais, Carlos Blanco; Curso de Direito Constitucional, 2. edio; Coimbra Editores; Coimbra,
outubro de 2012; pp. 128 - 138
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2. - Regularidade do Consentimento
A- Irregularidades Formais
Problema das Ratificaes imperfeitas: A regularidade do consentimento aprecia-se
primeiramente segundo um ponto de vista formal: deve exprimir-se no respeito das formas
legais e, tratando-se da expresso do consentimento em vincular-se por um Tratado, no respeito
das disposies Constitucionais. Logo, pe-se a questo de saber-se em que medida o
desrespeito das prescries Constitucionais afeta a validade do compromisso do Estado no
plano internacional. o que e chama o problema das Ratificaes Imperfeitas: em que medida
o no cumprimento de formalidades constitucionalmente requeridas ou a expresso do
consentimento do Estado em vincular-se por uma autoridade incompetente exercem uma
influncia sobre a validade internacional do Tratado? Poder o autor da ratificao imperfeita
invoc-la e podero as partes valer-se dela como causa de nulidade do Tratado? As regras
Constitucionais em causa so regras formais relativas competncia para concluir os Tratados
e ao seu processo de exerccio, e no regras de fundo. A contradio material entre a
Constituio de o Tratado suscita, sobretudo, dificuldades de ordem interna. O problema das
ratificaes imperfeitas comporta ainda outro aspeto interno: qual ser a atitude das
autoridades estaduais encarregadas da aplicao do Tratado na Ordem interna,
designadamente a dos juzes, perante o desrespeito de regras Constitucionais?
Doutrina:
1. Uma abordagem sistemtica do problema torna a sua soluo dependente da
conceo geral das relaes entre o Direito Internacional e o Direito Interno:
a) Partidrio do dualismo, Anzilotti exclui qualquer influncia do Direito Interno,
mesmo que fosse o Direito Constitucional, sobre a validade dos atos jurdicos internacionais. Em
sua opinio, o Tratado concludo com a violao das formas constitucionais deve permanecer
vlido luz da ordem internacional. A determinao das consequncias dessa violao uma
questo exclusivamente interna. O envio das cartas de ratificao equivale declarao de
vontade do Estado de se empenhar, a qual no afetada pela maneira como se realiza a
formao dessa vontade na ordem interna. Acrescenta que o Estado que ignorou as suas
prprias regras Constitucionais cometeu uma falta; plenamente responsvel pela situao
criada pela ratificao imperfeita de que o autor, no seria mal visto invocar a sua prpria falta
para se desvincular do seu compromisso. Admitir, nestas condies, a invalidade do Tratado
seria injusto pois esta soluo equivaleria a fazer com que as outras partes sofressem as
consequncias de uma falta que no cometeram.
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b) Georges Scelle considera, pelo contrrio, de acordo com a sua teoria monista,
que as prescries constitucionais tm valor jurdico pleno na Ordem Internacional. A sua
violao leva a uma irregularidade internacional que deve ser internacionalmente sancionada.
No caso sujeito, os constituintes nacionais exercem, pelo processo do desdobramento funcional,
uma competncia internacional com o fim de completar o processo internacional de
concluso dos Tratados. Assim, as regras Constitucionais neste domnio so, pela sua natureza
como pelo seu objeto, regras internacionais estabelecidas por um processo no convencional.
Acrescenta que , todavia, necessrio distinguir, no Direito Constitucional Interno, entre regras
de validade e regras de execuo; s as primeiras tem incidncia sobre a validade internacional
do Tratado.
2. Outros autores recusam-se a relacionar o problema com o conflito terico entre
monistas e dualistas. Preferem uma abordagem emprica.
a) Basdevant distingue a violao manifesta de uma disposio constitucional
notoriamente conhecida e a violao duvidosa de uma regra regida em termos
insuficientemente explcitos. favorvel invalidao na primeira hiptese, pois o respeito pela
Soberania de um Estado estrangeiro exige que sejam tomados em considerao os limites
claramente fixados pela sua Constituio ao poder dos seus representantes. Em compensao,
em todos os outros casos, quando o Chefe de um Estado ratifica um Tratado, atesta, na mesma
ocasio, que todos os rgos estatais competentes aceitaram realmente que o Tratado se torne
definitivo, e por isso deve ser acreditado. De outra forma, para provar que o Chefe de Estado
violou uma qualquer regra constitucional, seria preciso que as outras partes a interpretassem,
o que lhes est vedado pelo princpio da no ingerncia nos assuntos internos.
b) Alguns partidrios da validade das ratificaes imperfeitas invocaram,
igualmente, a necessidade de salvaguardar a segurana das relaes jurdicas internacionais.
Aos seus olhos, a invalidao s seria concebvel se as regras Constitucionais dos Estados
contratantes fossem conhecidas por todos. De outro modo, em qualquer momento, um acordo
estaria ameaado de nulidade se somente um Estado, que deseje anular o seu compromisso,
alegue a inobservncia de uma formalidade que s ele conhece e interpreta. Efetivamente, o
motivo do vcio de forma Constitucional pode, por vezes, aparecer como um puro pretexto
invocado por Estados para de desvincularem dos seus compromissos.
A doutrina baseada na distino entre as prescries constitucionais notrias e as
que o no so constitui uma tentativa de conciliao aceitvel entre as duas teses extremas
provenientes da confrontao monismo-dualismo. A aplicao do monismo integral pode
provocar srias dificuldades, pois praticamente impossvel determinar com exatido as
competncias Constitucionais dos governos estatais. Contudo, quais os critrios que esto na
base da distino entre as prescries notrias e as outras? No seria necessrio recorrer mais
uma vez s interpretaes nacionais feitas pelos representantes do Estado em causa? Por outras
palavras, qualquer soluo que no resulte a invalidao de princpio de um Tratado
irregularmente ratificado, beneficia inevitavelmente o Estado autor da irregularidade.
Direito Positivo:
1. As incertezas da prtica anterior Conveno de Viena. So raros os diferentes
Estados tendo diretamente origem em ratificaes imperfeitas. Segundo alguns precedentes
antigos relativos a Tratados bilaterais, as partes em causa adotaram posies nitidamente
favorveis tese da no validade.
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B Irregularidades Substanciais
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I Erro e Dolo
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II Coao
Coao exercida sobre o representante do Estado: A Histria das Relaes entre Estados
oferece alguns exemplos clebres:
- Em 1526, Francisco I, enquanto era prisioneiro de Carlos V, foi obrigado a assinar
o Tratado de Madrid, cedendo-lhe toda a Borgonha; mas aps a sua libertao, recusou executlo, invocando a violncia exercida contra a sua pessoa.
- Em 1905, os japoneses que ocupavam Seul obrigaram os negociadores coreanos a
assinar o Tratado de protetorado. Em 1945, despeito da sua aplicao efetiva durante um longo
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perodo, a nulidade desse Tratado foi reconhecida aps a derrota japonesa e a Coreia voltou a
ser um Estado independente.
Ressalta destes precedentes que a coao se exercia at sobre personagens
colocadas no topo da hierarquia das autoridades estatais e que era difcil, nessas condies,
separ-los inteiramente dos Estados que representavam ou encarnavam. O artigo 51. CVDT
proclama em termos categricos a nulidade dos Tratados concludos pela violncia exercida
sobre os representantes.
A expresso do consentimento de um Estado em obrigar-se por um Tratado,
obtida pela coao exercida sobre o seu representante por meio de atos ou ameaas dirigidas
contra ele, desprovida de qualquer efeito jurdico.
Ressalta das discusses que precederam a adoo deste texto que a coao,
considerada neste caso concreto, deve ser compreendida num sentido muito lato, englobando
no s as violncias fsicas ou ameaas de violncias contra a pessoa do representantes, mas
tambm todos os atos suscetveis de atingir a sua carreira, como revelao de factos de carter
privado ou ainda ameaas dirigidas contra a sua famlia. O carter destes atos de coao o
emprego da expresso dirigidas contra ele tendem a deixar bem claro, no esprito dos autores
da disposio, que o representante encarado como indivduo e no como rgo do Estado.
Espera-se, com isto, evitar qualquer confuso entre o prprio Estado e o seu representante.
Coao exercida sobre o Estado: Mais frequente, o problema da coao exercida sobre o
prprio Estado ainda mais grave e mais complexo. Tradicionalmente relacionava-se com o uso
da fora; continua a ser necessrio encar-lo nestes termos, mas convm tambm questionarse sobre o efeito da coao constituda pela presso econmica e poltica, sem uso da fora
armada.
1. Uso da fora Os dados do problema sofreram uma transformao radical com
a consagrao do princpio da proibio do emprego da fora nas relaes internacionais.
a) Autorizando o uso da fora, o Direito Internacional Clssico no podia recusar
a validade dos referidos Tratados que devia considerar consequncias normais de uma
atividade lcita22.
b) Contudo, o Direito positivo evoluiu consideravelmente neste domnio. Desde
1919 o Pacto da Sociedade das Naes criou as primeiras limitaes substanciais ao direito de
os Estados recorrerem fora. Atualmente a Carta das Naes Unidas (artigo 3., n.2) formula,
em termos gerais, a regra da proibio do recurso ameaa ou ao uso da fora por violao dos
seus princpios e margem do casos por ela permitidos. De acordo com estes novos princpios,
a soluo clssica da validade dos Tratados impostos pela violncia teve de ser profundamente
reajustada. Doravante aplicar-se- unicamente os Tratados concludos na sequncia de um uso
licito da fora. Em contrapartida, sero nulos os que forem impostos a um qualquer Estado por
meio de uma coao material proibida.
c) Codificando este estado de direito, o artigo 52. CVDT dispe:
22
G. Scelle encontrou nesta soluo, aprovada pelos prprios voluntaristas, a prova incontestvel de
que a fora obrigatria do Direito Internacional se funda em algo mais do que a vontade dos Estados.
Renunciando a uma explicao jurdica.
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nulo todo o Tratado cuja concluso tenha ido obtida pela ameaa ou
pelo emprego da fora em violao dos princpios de Direito Internacional contidos na Carta das
Naes Unidas.
Esta nulidade concebe-se de uma maneira to rigorosa como a que
resulta da coao exercida sobre a pessoa de um representante do Estado. Ao visar os
princpios de Direito Internacional na Carta este texto levanta um problema de aplicao no
tempo da regra que suscita. Incorporados na Carta, estes princpios preexistem
necessariamente a ela.
2. O problema suscitados pelo emprego da presso econmica e poltica
particularmente delicado. Quando da Conferncia de Viena sobre o Direito dos Tratados, a
questo da assimilao da coao econmica e poltica coao armada foi levantada pelos
Estados do Terceiro Mundo. Julgando demasiado vago o conceito de presso econmica e
poltica, em lugar de redigir uma disposio expressa, a incluir no dispositivo da Conveno, a
Conferncia contentou-se em incorporar no seu ato final dois textos a este propsito:
- uma declarao condenando solenemente qualquer coao militar, poltica ou
econmica quando da concluso dos Tratados e uma Resoluo pedindo ao Secretrio-Geral
da Organizao das Naes Unidas que dirigisse aquela declarao a todos os Estados membros,
aos Estados participantes, bem como aos rgos principais das Naes Unidas. Se nos
colocarmos num plano geral, a dificuldade resulta das incertezas atuais relativas definio do
limiar do ilcito neste domnio. No h dvida de que a utilizao macia da coao no armada
por um Estado, tendo em vista obter de um outro Estado a utilizao macia da coao no
armada por um Estado, tendo em vista obter de um outro Estado a concluso de um Tratado,
viciaria este de nulidade. Pelo contrrio, no poderamos assimilar qualquer presso a uma
coao ilcita ou basearmo-nos na simples desigualdade entre os Estados contratantes para da
deduzir a nulidade do Tratado: isto seria pr de novo em causa as relaes de fora donde nasa
o Direito Internacional e, definitivamente, negar a sua prpria existncia. Mas entre estes dois
extremos podem apresentar-se mltiplas situaes; na falta de regras claras que permitam
qualifica-las no Direito Internacional Positivo, prefervel orientarmo-nos noutras direes que
no as fornecidas pela teoria da validade dos Tratados, alis bastante incertas: , de resto,
permitido aos Estados invocar outros argumentos, alm do emprego da coao, para pr em
causa os Tratados que no tenham sido concludos com base na igualdade soberana das partes:
- teoria do abuso de direito;
- alterao fundamental das circunstncias;
- incompatibilidade com o jus cogens.
3. Licitude do objeto
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Formao das normas imperativas: o artigo 53. CVDT limita-se a indicar que uma norma de
ius cogens uma norma aceite e reconhecida como tal pela comunidade internacional dos
Estados no seu conjunto. Estas indicaes so manifestamente insuficientes para permitirem
determinar se uma dada regra constitui ou no uma norma imperativa. Dever tratar-se de uma
norma costumeira ou de uma regra convencional? Segundo a Comisso de Direito Internacional,
uma e outra so concebveis. Mas esta opinio, que parece razovel, no partilhada por uma
parte da doutrina que estabelece de preferncia o processo costumeiro. Por outro lado, a noo
de comunidade de Estados no seu conjunto ambgua; se resulta tanto dos trabalhos
preparatrios como da prpria frmula fixada segundo a qual a unanimidade dos Estados no
exigida, o artigo 53. deixa sem resposta a questo do nmero e da qualidade dos Estados que
devem aceitar e reconhecer o carter imperativo de uma norma para que possamos t-la
como uma regra de ius cogens. Do mesmo modo, a redao do artigo 53. no resolve o
problema da existncia de normas imperativas regionais, que se imporiam entre Estados ligados
por solidariedades especiais. As dificuldades no respeitam somente ao presente. O artigo 53.
prev a possibilidade da modificao de uma norma imperativa em vigor por uma norma do
mesmo valor. De acordo com o artigo 64., novas normas imperativas podem nascer de futuro.
Nos nossos dias, esta conceo dinmica do ius cogens, lgica em si, , de resto, ditada pela
necessidade de uma adaptao contnua do direito s condies mutveis da coexistncia
pacfica e s aspiraes variadas dos novos Estados. Ora, a Conveno de Viena no institui em
parte alguma um processo especfico de elaborao das normas do ius cogens. Confrontamonos, assim, com o simples critrio material, sempre repleto de imprecises. A carncia bem
mais grave do que no caso da determinao das normas existentes, pois ser muito difcil
distinguir uma Conveno que viola o ius cogens daquela que o modifica.
23
Sentena de 31 de julho de 1989, R.G.D.I.P., 1990, p. 234 (Delimitao de fronteira martima GuinBissau/Senegal)
24
assim, a regra segundo a qual um Estado nascido de um processo de libertao nacional tem o
direito de aceitar ou no os Tratados que o Estado colonizador tiver concludo aps o processo ter sido
desencadeado no depende do ius cogens, mesmo estando logicamente ligada ao princpio do direito
dos povos disporem de si prprios, o qual apresenta um carter imperativo.
57
58
59
28
as diferentes ordens jurdicas internas aplicam dois tipos de nulidade em matria de contratos. A
nulidade absoluta sanciona as ilegalidades graves que afetam o interesse geral e perturbam a ordem
pblica. Caracteriza-se por alguns aspetos dominantes: qualquer pessoa interessada, terceiro ou
contratante, pode a ela recorrer, o juiz pode invoca-la de ofcio, ela suscetvel de confirmao e
mesmo, de acordo com algumas legislaes, no pode ser coberta pela prescrio.
29
Ver acrdo do Tribunal Internacional de Justia no caso da Sentena arbitral do Rei de Espanha, Rec.,
1960, p. 205, 209 e 213.
60
61
Carta? Sero, consequentemente, postos de novo em causa todos os Tratados de paz concludos
no quadro do Direito Internacional clssico? De facto, como vimos, somente esto em causa os
Tratados concludos posteriormente adoo da norma de proibio da guerra pelo Pacto de
Briand-Kellog de 1928 e da fora pela Carta das Naes Unidas de 1945. Dever-se- ainda ter em
conta que a nulidade do artigo 52., resultante da ilicitude de certas formas de coao, est
limitada no seu campo de aplicao: escapam-lhe os Tratados concludos na sequncia de um
conflito fundamentado na legtima defesa. O artigo 53., sobre os Tratados incompatveis com
o ius cogens, tambm redigido pela mesma mo sancionatria a fim de defender a ordem
pblica internacional. O carter absoluto destas trs nulidades decorre, diretamente do artigo
45. CVDT que as afasta de aplicao da regra de confirmao formalmente expressa ou tcita32.
2. - Processo de anulao
Sistema tradicional: em conformidade geral com o princpio geral dos direitos nacionais
segundo o qual ningum pode fazer-se justia a si mesmo, nenhuma parte num contrato ou num
Tratado viciado por uma irregularidade poderia proceder unilateralmente sua anulao. A
interveno de uma instncia competente deveria ser sempre necessria. No haveria nulidade
de pleno direito de um ato jurdico que implicasse a sua anulao automtica. Sustentou-se que
uma tal nulidade equivaleria sua inexistncia. Em direito interno, este princpio geral tem
permanentemente plena aplicao. Em Direito Internacional tambm, a despeito de algumas
opinies isoladas, favorveis nulidade de pleno direito de certos atos afetados por vcios muito
graves. Com exceo de modalidades especiais previstas num Tratado e aplicveis unicamente
a esse Tratado, todas as vezes que surge uma dificuldade nas relaes entre as partes
contratantes, esta resolvida de acordo com o mecanismo de direito comum de resoluo de
conflitos internacionais, que s pode ser posto em prtica com o consentimento mtuo dos
Estados interessados. Este consentimento pode ser expresso em clusulas especiais do Tratado
contestado ou dar lugar a um novo acordo. Atravs deste ltimo, os Estados em litigio podem
reconhecer a um terceiro rgo, designadamente um rbitro ou uma jurisdio internacional.
Este mecanismo consensual colide todavia com a aplicao de um outro princpio geral de
Direito Internacional, em virtude do qual, enquanto Estado soberano, cada parte aprecia sob a
sua nica responsabilidade as situaes que lhe digam respeito. Assim, o Estado detm a
possibilidade de tirar ele prprio as consequncias da irregularidade e de proclamar
unilateralmente a nulidade. Esta atitude traduz-se pela recusa de executar o Tratado. Chega-se
assim a uma espcie de automatismo de facto. Na sua opinio dissidente33:
o prprio estado que se julga lesado, ao rejeitar um ato jurdico viciado, em seu entender, de
nulidade. Trata-se evidentemente de uma deciso grave, qual s se deveria recorrer em casos
32
62
excecionais, mas por vezes inevitvel e reconhecida como tal pelo Direito Internacional
comum.34
1. A declarao de nulidade de acordo com o artigo 65. CVDT, a parte que invoca
um vicio do consentimento ou qualquer outro motivo admitido pela Conveno para contestar
a validade de um Tratado, deve notificar previamente por escrito s outras partes a sua
pretenso. Assim, s as partes no Tratado litigioso podem desencadear a ao de nulidade. A
soluo retida no porm uniforme. Resulta com efeito dos artigo 46., 48, 49. e 50. CVDT
que s o Estado cujo consentimento foi viciado pode invocar a nulidade do Tratado nas
hipteses de ratificao imperfeita, de erro, de dolo ou de corrupo do seu representante. Pelo
contrrio, a coao ou a contradio do Tratado com uma norma de ius cogens pode ser
invocada por qualquer Estado parte (nulidade absoluta). Podemos perguntar-nos se no ser
chocante esta limitao de invocar a nulidade s aos Estados parte do direito. Pelo menos nesta
ltima hiptese, no caso em que o tratado viole uma norma de ius cogens, no seria lgico
admitir uma ao popular, a possibilidade de uma ao por parte e todos os Estados? o que
parece deixar entender o Tribunal Internacional de Justia35: s os deveres de ius cogens de
origem consuetudinria conferem a todos os Estados qualidade para agir; quanto aos de origem
convencional a isso se ope o princpio do efeito relativo dos Tratados. Em que data dever ser
endereada a notificao? Foi em vo que, quando das deliberaes da Comisso de Direito
Internacional e mais tarde na Conferncia de Viena, certas delegaes reclamaram a fixao de
um prazo a contar do dia da descoberta dos factos constitutivos da causa da nulidade impugnada.
Esta pode ser invocada em qualquer momento. Os adversrios deste liberalismo consideram-no,
no sem razo, um fator de insegurana nas relaes convencionais. Se nenhuma objeo for
formulada no prazo de trs meses, o Estado autor da notificao pode declarar ele mesmo a
nulidade do Tratado em causa. Esta declarao deve figurar um instrumento comunicado s
outras partes (artigo 67. CVDT). Se o instrumento no for assinado pelo Chefe de Estado, Chefe
de Governo ou pelo Ministro dos Negcios Estrangeiros, o representante do Estado que faz a
comunicao pode ser convidado a apresentar os seus plenos poderes. Enquanto esta moratria
de trs meses no expirar, o Tratado litigioso deve continuar em vigor.
Segundo o Professor Reuter, so os prprios Estados que declaram a nulidade, na falta de uma
autoridade jusrisdicional.
35
Supracitado acrdo proferido no caso Barcelona Traction (Rec., 1970, p. 47)
diferendo a arbitragem. No sendo assim, segundo o artigo 66., alnea a), qualquer parte no
diferendo pode, mediante requerimento unilateral, levar o caso ao Tribunal Internacional de
Justia. Neste caso, a competncia do Tribunal obrigatria. Nos outros casos, as partes podem,
de acordo com o artigo 66., alnea b), recorrer ao processo indicado no anexo Conveno,
que abre uma nova brecha no sistema voluntarista clssico. Cria-se um mecanismo de
conciliao obrigatrio. Qualquer das partes pode pedir ao Secretrio geral das Naes Unidas
que submeta o diferendo a uma comisso de conciliao composta por cinco membros. O incio
da conciliao no tem, pois, lugar por iniciativa direta de uma parte. Espera-se que o Secretrio
Geral consiga, pela sua mediao, fazer aceitar uma soluo conciliadora. Em caso de insucesso
desta ltima tentativa, ser obrigado a submeter o caso comisso de conciliao, no possui o
poder de tomar decises obrigatrias como um rbitro ou um juiz36.
3. Efeitos da nulidade
O sistema foi transposto pelo artigo 66., n.2 da Conveno de Viena de 1986 em caso de diferendo
no qual uma Organizao Internacional parte; neste caso, no seguimento de processos complexos,
pode ser apresentada ao Tribunal Internacional de Justia, uma solicitao de parecer consultivo que
todas as partes no diferendo aceitam como definitivo.
64
artigo 64., o vcio do ato contemporneo da sua concluso. Mas, na prtica, no sendo o vcio
descoberto no prprio momento da entrada em vigor do Tratado, sendo este aparentemente
regular, j se encontra em execuo antes que a parte lesada esteja em condies de
desencadear o ato de anulao. Embora se no deva reconhecer qualquer situao adquirida
contra o direito, legtimo atenuar o rigor de uma sano retroativa de modo a reduzir as
perturbaes criadas pelo regresso situao anterior. O artigo 60., n.2, foi redigido com este
fim. Assim, os atos praticados de boa f, antes de a nulidade haver sido invocada, no so
afetados pela nulidade do tratado. Esta redao defeituosa pois, se o Tratado for nulo,
automaticamente ilcito, bem como todas as suas medidas de execuo. A boa f justifica uma
exceo retroatividade, mas no apaga a ilicitude. A disposio esclarece que, nos casos de
dolo (artigo 49.), de corrupo (artigo 50.) e de coao (artigo 51. e 52.), no concedido o
benefcio da boa f parte responsvel. A atenuao da retroatividade culmina com a regra
resultante do artigo 69., n.2, alnea a), segundo a qual, qualquer parte pode pedir o
restabelecimento do statu quo ante na medida do possvel. Perante esta disposio, podemos
perguntar se a exceo no fez desaparecer a regra ou se esta no se tornou exceo, pois, na
verdade, a aplicao da retroatividade, deixada inteira discrio da parte lesada, encontra-se
ainda subordinada, em cada caso, interpretao da expresso na medida do possvel, o que
no deixa de suscitar srias divergncias.
37
Se estas visarem determinadas clusulas, s relativamente a essas pode ser invocada Alm disso, para
que a separao seja obrigatria, devem reunir-se outras trs condies:
-as clusulas em questo devem ser separveis do resto do Tratado no que respeita sua
execuo;
- a aceitao das referidas clusulas no constituiu para a outra parte ou para as outras partes a
base essencial do seu consentimento em vincular-se pelo Tratado no seu conjunto;
- no injusto continuar a executar o que subsiste do Tratado.
A introduo destas precaues, cuidadosamente formuladas, prova que, aos olhos dos autores da
Conveno, a indivisibilidade continua a ser a regra e a divisibilidade a exceo. A terceira condio no
figurava no projeto da Comisso de Direito Internacional. Foi acrescentada pela Conferncia na
sequncia de uma emenda americana tendente a evitar que a separao produzisse uma rutura do
equilbrio em detrimento de uma das partes.
65
Efeitos da nulidade a respeito das partes: no caso em que a nulidade de um Tratado bilateral
for admitida, o Tratado no seu conjunto, ou as disposies que incorrem em nulidade, deixam
de ter efeito relativamente s partes nas condies descritas anteriormente. O problema
muito mais complexo no caso de um Tratado multilateral: a nulidade no produz
necessariamente os mesmo efeitos face ao Estado, cujo consentimento foi viciado, e s outras
partes. Em princpio, o Tratado permanece vlido nas relaes destas entre si, assim como refere
o artigo 69., n.4 CVDT. Contudo, esta regra, prevista expressamente para as irregularidades
que viciem o consentimento, no se aplica no caso de nulidade por violao de ius cogens que
afete objetivamente o Tratado, abstraindo da situao pessoal das partes. O artigo 71. CVDT,
relativo s consequncias da nulidade de um Tratado em conflito com uma norma imperativa
de Direito Internacional geral, no faz de resto qualquer distino entre Tratados bilaterais e
multilaterais.
66
Aplicao do Princpio da boa f: segundo o artigo 26. CVDT: Todo o tratado em vigor
vincula as partes e deve ser por elas executado de boa f. Ao propor esta redao, a Comisso
de Direito Internacional fez questo em sublinhar que enunciava o princpio fundamental do
Direito dos Tratados. A execuo de boa f e o respeito da regra pacta sunt servanda esto assim
intimamente ligados constituindo dois aspetos complementares de um mesmo princpio. O
principio eleva-se ao nvel de uma instituio reguladora do conjunto das relaes internacionais.
Ganha particular relevo no direito dos Tratados. De acordo com uma frmula geral da
Conveno de Viena (artigo 18.), executar de boa f significa: Abster-se dos atos que privem
um tratado do seu objeto ou do seu fim. Esta conceo talvez demasiado larga, por
conseguinte demasiado vaga, porque no caracteriza suficientemente a face oposta, que a m
f. A execuo de boa f deveria ser definida como a que exclui toda a tentativa de fraude
lei, toda a astcia, e exige positivamente fidelidade e lealdade aos compromissos assumidos.
Seja como for, uma definio forosamente abstrata; ela deve ser clarificada pela prtica. A
obrigao de executar uma Conveno tanto mais difcil de delimitar quanto mais as normas
convencionais forem ambguas. Mediante redaes apropriadas, as partes podem com efeito
reduzir o alcance dos seus compromissos, seja enunciando as suas obrigaes em termos
suficientemente vagos para poderem aproveitar essa ambiguidade no seu melhor interesse, seja
reservando-se a possibilidade de se desligarem dos seus compromissos em certas circunstncias.
Na primeira hiptese, os Estados podem em especial jogar com a distino entre obrigaes de
resultado e obrigaes de comportamento: as primeiras so mais constrangentes na medida em
que as partes devem alcanar um objetivo previamente fixado; as segundas so menos rigorosas:
elas impem somente s partes a adoo de certas atitudes. A oposio no , de resto, absoluta
38
A unidade orgnica do Estado e a sua soberania contribuem para simplificar a soluo dos problemas
de aplicao das Convenes: o Direito Internacional pode, muitas vezes, remeter para o Direito interno
do Estado, um direito, regra geral, simultaneamente coerente e estvel. A situao a priori menos
favorvel para as Organizaes Internacionais: a hierarquia interna dos seus rgos frequentemente
mal assegurada, e , sobretudo, os Estados membros das Organizaes Internacionais podem intervir na
execuo dos acordos concludos por estas.
67
e sobretudo uma Conveno pode enunciar em termos vagos os resultados a alcanar ou, pelo
contrrio, fixar com muita preciso o comportamento que devem seguir as partes. A Conveno
pode, por outro lado, prever uma faculdade de suspenso das obrigaes convencionais,
podendo a deciso resultar apenas da vontade do Estado interessado (clusulas de salvaguarda),
ou necessitar do acordo ou da autorizao das outras partes contratantes (clusulas
derrogatrias). O Direito Internacional da Economia constitui o domnio privilegiado, mas no
exclusivo, destas regulamentaes convencionais frouxas que tornam muitas vezes difcil e de
qualquer modo subjetiva a apreciao das infraes. Quaisquer que possam ser as incertezas
provenientes da redao da Conveno, as partes no podem deixar de respeitar as suas
disposies e a obrigao de execuo de boa f permanece. Mesmo que seja aparentemente
comparvel, o problema da execuo dos atos concertados no convencionais formula-se em
termos inteiramente diferentes: ele no depende do contedo da norma mas da natureza do
instrumento. No sendo este um ato jurdico, no obriga os seus autores a execut-lo qualquer
que seja a preciso da sua reao.
39
Comisso Europeia dos Direitos do Homem, caso De Becker, deciso 214/56 de 9 junho 1958
68
69
clssico ;
c) Garantia institucionalizada sobre uma base ad hoc43;
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71
A obrigao de tomar medidas: para ser aplicvel, uma Conveno deve conter disposies
suficientemente precisas e poder inscrever-se nas estruturas de acolhimento jurdicas ou
financeiras de Direito interno. A execuo da Conveno exige frequentemente que certas
decises tenham sido tomadas no plano nacional; o respeito da Conveno pelos Estados s
assegurado se eles tomarem efetivamente tais medidas (votao de crditos especiais, adoo
de leis ou de atos regulamentares, modificaes da legislao ou da regulamentao existentes).
O contedo desta obrigao depende do carter auto-executrio ou no da Conveno. Uma
Conveno ou uma disposio dela auto executria quando a sua aplicao no exige
medidas internas complementares. Resulta at desta definio que so inteis medidas
especiais preliminares execuo44. Pelo contrrio, as Convenes que no apresentarem um
carter auto executrio no so autossuficientes e os Estados partes devem tomar as medidas
internas necessrias sua execuo. Alguns instrumentos contm uma clusula que confirma
esta obrigao. O Tribunal Penal de Justia Internacional reconheceu como princpio bvio,
que um Estado que tenha validamente contrado compromissos internacionais seja obrigado a
introduzir na sua legislao as modificaes necessrias para assegurar a execuo dos
compromissos assumidos45. A fiscalizao do respeito desta obrigao efetua-se, regra geral, por
recurso responsabilidade internacional do Estado, o que supe que, no tomando as medidas
de aplicao necessrias, o Estado atentou contra os direitos garantidos pela Conveno aos
cidados estrangeiros. Se o compromisso da responsabilidade do Estado no oferece dvidas,
visto que ele no pode invocar as lacunas do seu Direito interno para fugir aos seus
compromissos convencionais (artigo 27. CVDT), este mecanismo deixa uma ampla margem de
44
Concretamente, o carter auto executrio de uma disposio convencional muitas vezes difcil de
determinar e pode ser objeto de apreciaes divergentes.
45
Parecer 21 fevereiro 1925 sobre a Permuta das populaes turcas e gregas.
72
poder discricionrio aos Estados; no possvel recorrer a ele em relao aos nacionais, salvo
exceo, e de qualquer modo muito difcil acion-lo. S os tribunais nacionais podem
contribuir para uma soluo mais eficaz, quer aceitando os recursos baseados na inobservncia
desta obrigao pelo poder regulamentar, quer fazendo prevalecer uma Conveno
internacional sobre o Direito interno apesar da insuficincia das medidas de aplicao: a sua
atitude ser, em parte, ditada pelo seu conceito da aplicao direta da referida Conveno46.
Tratados que interessam aos particulares: como sublinhou o Tribunal Penal de Justia
Internacional: O prprio objeto de um acordo internacional, na inteno das partes
contratantes, (pode) ser a adoo pelas partes, de regras determinadas, criando direitos e
obrigaes para os indivduos, e suscetveis de serem aplicadas pelos tribunais nacionais. Em
boa lgica, daqui deveria resultar que estas Convenes, se forem auto executrias , sero
diretamente aplicveis, isto , oponveis ao poder executivo, e que os particulares deles se
podero valer, perante o juiz nacional, mesmo que as suas normas no tenham sido
incorporadas na legislao nacional. Contudo, na prtica, as jurisdies nacionais mostram-se
hesitantes mesmo que, apesar de certas crticas doutrinais sobre a lentido do processo, a
tendncia geral nos pases ocidentais seja favorvel a uma presuno de aplicabilidade direta,
na medida necessria para assegurar a plena eficcia internacional e interna das Convenes.
Pode, todavia, parecer paradoxal que a posio dos Tribunais sobre este problema no coincida
com a distino entre monismo e dualismo e que os pases de tradio monista se mostrem, por
vezes, bastante restritivos.
A recusa, a demora ou a insuficincia das medidas de aplicao das Convenes e do Direito derivado
(diretrizes, decises, eventualmente mesmo regulamentos) constituem, pelo que diz respeito s
Comunidades Europeias, falta dos Estados, podendo ser sancionadas pelo Tribunal de Justia por iniciativa
da Comisso ou corrigidas na sequncia de presses da Comisso.
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74
Direito Interno; eno se trata nem de redundncias, nem de clusulas de receo semiplena,
mas sim de afloramentos naturais do princpio da receo plena;
- so os mesmos rgos Parlamento e o Governo que tm competncia de
aprovao de Convenes Internacionais, pelo que no se justificaria por nenhuma razo de
equilbrio do sistema poltico a exigncia de dois atos sucessivos de qualquer desses rgos
sobre a mesma matria;
- mas, por outra banda, a competncia de aprovao dos tratados e acordos
internacionais distinta e no totalmente coincidente com a competncia legislativa, e
manifesta-se em atos tpicos diferenciados quanto Assembleia da Repblica, a resoluo
(artigo 166., n.5) e, quanto ao Governo, o decreto, o decreto simples, e no o decreto-lei (por
fora do artigo 197., n.2);
- da fiscalizao da constitucionalidade igualmente se distingue entre atos
legislativos e tratados.
Ainda a respeito do artigo 8., n.2, observe-se que: a aluso do artigo em questo, a
Convenes regularmente ratificadas ou aprovadas tem de ser conjugada com o artigo 277.,
n.2; no preceito abrangem-se os acordos sob a forma de troca de notas, porque entre ns esto
sujeitos a aprovao; a expresso enquanto vincularem internacionalmente o Estado
portugus significa que vigncia na Ordem interna depende da vigncia na Ordem
internacional (as normas internacionais s vigoram no nosso ordenamento jurdico depois de
comearem a vigorar no ordenamento internacional e cessam de aqui vigorar ou sofrem
modificaes, na medida em que tal acontea a nvel internacional); em contrapartida, a
eventual no vigncia de qualquer tratado na ordem interna por preterio dos requisitos
constitucionais no impede a vinculao a esse tratado na ordem internacional. Quanto s
normas emanadas dos rgos competentes de Organizaes Internacionais de que Portugal seja
parte e que vigoram diretamente na Ordem interna, por tal se encontrar estabelecido nos
respetivos tratados constitutivos (artigo 8., n.3), nenhuma dvida se suscita sobre a natureza
do fenmeno com receo automtica no seu grau mximo. Dispensa-se no s qualquer
interposio legislativa como qualquer aprovao ou ratificao a nvel interno equivalente
dos tratados (e to pouco pode dar-se fiscalizao preventiva). Mas deveria exigir-se sempre a
publicao no jornal oficial portugus. Pensado em 1982 na perspetiva da integrao de Portugal
nas Comunidades Europeias e da consequente receo do Direito Comunitrio, nunca esgotou
a o seu mbito vital. Como bem se sabe, h decises normativas imediatamente aplicveis das
mais diversas Organizaes Internacionais entre as quais as resolues do Conselho de
Segurana das Naes Unidas. O artigo 8. omisso relativamente a tratados celebrados por
Organizaes Internacionais de que Portugal seja membro. obvio, porm, que eles no podem
deixar de ser aplicados enquanto tais imediatamente na ordem interna, embora no por fora
do n. 2 (que pressupe tratados aprovados pelo Estado portugus), mas por extenso do n.3.
O n.4 depois de, no primeiro segmento, repetir o que j consta dos n. 2 e 3 vem estabelecer
que as disposies dos tratados que regem a Unio Europeia e as normas emanadas das suas
instituies so aplicveis na ordem interna nos termos definidos pelo Direito da Unio.
Devolve-se, pois, aparentemente, para o Direito da Unio (que, por o artigo 7., n.6, falar em
convencionar, s pode ser o Direito Primrio) um deciso que deveria pertencer Constituio.
Afigura-se, no entanto, de encarar uma interpretao conforme ao princpio da independncia
nacional, o primeiro dos limites materiais de reviso constitucional (artigo 28.), de modo a
garantir a soberania constituinte do Estado portugus; o contrrio equivaleria degradao do
seu estatuto jurdico, aproximando-o do de um Estado federado. Isso, porque se trata, quanto
75
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Morais, Carlos Blanco; Justia Constitucional, Tomo I, 2 edio; Coimbra Editores, Coimbra; outubro
2006
Existem, ainda assim, sistemas de fiscalizao em que o controlo se exerce, no sobre todo o tipo de
normas, mas, sobre as que so emitidas ao abrigo de uma funo jurdico-pblica primria, em nome de
uma maior exigncia no posicionamento da essencialidade do objeto normativo controlado (caso dos
E.U.A, Itlia e Frana). Outros sistemas restringem a fiscalizao abstrata e concreta de
constitucionalidade atos normativos primrios, mas alargam o objeto do recurso direto de
constitucionalidade a normas e atos jurdico-pblicos no legislativos (caso da Alemanha, Espanha e
ustria).
50
Importa tambm referir que o sistema brasileiro institudo pela Constituio de 1988 alarga, tal como
sucede com o portugus, o objeto do controlo.
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precludir - (latim praecludo, -ere, fechar diante de algum, obstruir, impedir) verbo intransitivo
"precludir", in Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/DLPO/precludir.
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No primeiro caso, se um diploma legal tiver sido aprovado por um rgo sem competncia para tal,
em relao a toda a matria que constitui o respetivo objeto, estamos perante uma
inconstitucionalidade total de um diploma. Se, ao invs, o rgo apenas exorbitou os seus limites
competenciais em relao s matrias abrangidas por alguns preceitos, falar-se- em
inconstitucionalidade parcial do diploma. No segundo caso, se o objetivo da fiscalizao constitucional
recair sobre um preceito de um diploma, o mesmo preceito contiver um s comando normativo e este
ltimo for inconstitucional, seremos confrontados com a inconstitucionalidade total do preceito. Se ao
invs o preceito se desdobrar em vrias normas e apenas algumas destas forem inconstitucionais
estaremos perante a inconstitucionalidade parcial do preceito.
54
A preterio de formalidades essenciais na gnese de uma lei afetam a totalidade de um diploma.
material necessria com uma norma principal que seja julgada inconstitucional. Nestes termos
a Justia Constitucional, no caso exposto, tendo constatado o carter injustificado de uma
divisibilidade do ato, deveria declarar a sua inconstitucionalidade.
- os subtipos horizontal e vertical da inconstitucionalidade parcial:
observmos que a inconstitucionalidade parcial pode aferir-se em razo de um diploma ou de
um preceito. Circunscrevamo-nos a esta segunda hiptese. Por vezes, um preceito composto
por diversos comandos normativos autnomos, e apenas um deles inconstitucional. A
ablao55 textual desse segmento normativo autnomo e o aproveitamento quantitativo das
restantes normas do preceito permite-nos falar em inconstitucionalidade parcial de tipo
horizontal. Mas existem situaes em que um preceito pode vir a conter, por fora de uma
operao interpretativa, diversos comandos normativos hipotticos e alternativos, podendo ser
declarada a inconstitucionalidade de um deles, sem afetar os restantes, bem como o texto do
preceito de onde se extraem. Ora este tipo de inconstitucionalidade que fere um dos sentidos
prescritivos de uma norma, sem que implique uma ablao da declarao textual, designa-se
por inconstitucionalidade parcial de tipo vertical.
- fundamentos da reduo do ato inconstitucional: um dos fundamentos
basilares da admissibilidade da figura da inconstitucionalidade parcial radica no princpio da
conservao dos atos normativos. Este, por razes presas economia do processo produtivo
dos atos jurdico-pblicos, racionalidade no aproveitamento da parcela s dos mesmos atos e
de respeito pela subsistncia da componente das decises jurdico-pblicas que se mostre
conforme Constituio (reflexo do corolrio do favor legis), predica uma opo pela
divisibilidade de um ato inquinado por inconstitucionalidade e pela redutibilidade da mesma
inconstitucionalidade ao seu segmento que se encontre viciado. A opo redutiva da
inconstitucionalidade luz do citado corolrio torna-se possvel a partir do momento em que a
fiscalizao sucessiva da constitucionalidade tem por objeto, de acordo com a alnea a) do artigo
281. da CRP, no preceitos ou diplomas normativos, mas sim as normas que integrem os
preceitos desses diplomas.
- critrio do momento da incompatibilidade: inconstitucionalidade
originria e superveniente: a inconstitucionalidade originria implica que um ato jurdicopblico colida desde o momento da sua formao com o parmetro constitucional. Assim, no
plano cronolgico, o parmetro constitucional preexistente ao ato que a ele desconforme. A
inconstitucionalidade superveniente tem lugar quando um ato originariamente conforme a
Constituio entre posteriormente em confronto com uma norma constitucional, editada
sucessivamente ao momento do incio de vigncia do mesmo ato. Neste quadro patolgico que
surge sobretudo nos quadros de coliso do Direito ordinrio com as leis de reviso constitucional,
o parmetro constitucional cronologicamente ulterior em vigncia, ao ato inconstitucional que
lhe deva observncia.
- introduo aos respetivos regime:
a)
observaes
gerais:
o
regime
jurdico
das
inconstitucionalidades originrias e superveniente encontra-se no artigo 282. CRP, e a sua
abordagem ser feita ulteriormente, a propsito da nulidade dos atos inconstitucionais e dos
55
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Noo: de acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, o valor do ato inconstitucional reside
fundamentalmente no efeito essencial da inconstitucionalidade. Se a conformidade dos
pressupostos e elementos do ato com a Constituio predica o valor positivo do mesmo e a sua
virtual perfeio jurdica para, como ato existente e vlido, produzir os efeito que lhe
correspondem, j o valor negativo, ou desvalor, implica que um ato, em razo da sua
desconformidade com a Constituio, se pode ver inibido de produzir a totalidade das suas
consequncias jurdicas tpicas. Podemos, assim, definir desvalor do ato inconstitucional como
a depreciao, mais ou menos intensa, sofrida por um ato desconforme com a Constituio,
suscetvel de obstar produo dos efeitos jurdicos que ordinria e tipicamente lhe
corresponderiam.
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conjunto de conceitos muito prximos, as que dele se distinguem, pese o facto de haver alguma
doutrina e jurisprudncia que os assimila, no todo ou em parte. Assim, enquanto o vcio do ato
a deformidade de que o mesmo padece em razo da coliso dos seus pressupostos ou
elementos com uma norma parmetro qual se encontra vinculado, a sua relao de desvalor
reporta-se natureza da norma parmetro que, sendo violada, se mostra suscetvel de
fundamentar a depreciao jurdica do ato que a ela desconforme. Pode-se, neste ltimo caso,
falar em ilegalidade, quando essa norma-parmetro ofendida uma lei com valor reforado e
em inconstitucionalidade, quando a mesma assume o status jurdico de princpio ou regra
constitucional. Por outro lado, no universo da relao de desvalor de inconstitucionalidade, que
a que presentemente ocupa a nossa ateno, enquanto o valor negativo se reconduz
depreciao genrica do ato suscetvel de inibir a produo dos seus efeitos, a sano constitui
no contexto da mesma depreciao, o tipo concreto de reao assumida pelo ordenamento
jurdico contra atos inconstitucionais, e que se traduz na eliminao, ou na paralisia total ou
parcial, dos seus efeitos jurdicos. A sano pois, a forma assumida, no plano repressivo, por
um determinado valor negativo. Importa precisar que a posio aqui defendida admite que num
dado valor negativo possam coexistir diversos tipos de sanes, como reaes concretas e
diversas do ordenamento contra normas inconstitucionais. Distintamente, para outra doutrina,
no existe distino virtual entre desvalor e sano (sendo o segundo consumido pelo primeiro).
Tipologia dos valores negativos: na ordem jurdica portuguesa, haver a considerar valores
negativos de carter principal, ou prprio, que so precisamente aqueles que, por resultarem
da ocorrncia de vcios nos pressupostos e elementos essenciais do ato inconstitucional,
implicam necessariamente a aplicao de sanes que eliminam os efeitos jurdicos do mesmo
ato. o caso da inexistncia jurdica e da invalidade. Contudo haver igualmente a assinalar a
existncia de valores negativos de natureza acessria, ou imprpria, que se caracterizam por
uma depreciao nominal do ato inconstitucional. Trata-se daqueles casos em que os atos, pelo
facto de os respetivos vcios no assumirem carter grave ou relevante, no so referidos por
qualquer sano, podendo continuar a produzir os seus efeitos jurdicos. Trata-se do caso da
irregularidade.
1. A inexistncia jurdica:
Noo: a inexistncia jurdica consiste na total inaptido de um ato aparente
para produzir os efeitos jurdicos correspondentes a um ato jurdico tpico, pelo facto de carecer
dos mais elementares requisitos de identificao constitucional. Trata-se da modalidade de
desvalor mais grave prevista no ordenamento, dado que pressupe, tambm, em razo da maior
seriedade do vcio, uma improdutividade absoluta de efeitos, sendo o ato inexistente tratado
em termos sancionatrios (dentro da reserva do possvel), como se nunca houvera sido
praticado. Para certos autores (Gomes Canotilho), o ato inexistente, no pode ser considerado
um no ato. Ele consiste num ato, embora totalmente improdutivo, j que assume a natureza
de uma aparncia de ato, pese o facto de no poder gerar nenhuns efeitos prprios da sua
natureza. Outros (Marcelo Rebelo de Sousa) consideram a inexistncia como uma ausncia de
ato, ou porque ocorre uma omisso de conduta, ou porque o ato meramente aparente, j que
lhe faltam os dados mnimos de identificao constitucional. Pela nossa parte, temos que uma
deciso jurdico-pblica deformada, qual faltem os seus requisitos elementares ou mnimos de
identificao, sempre um ato, embora aparente. que, uma lei publicada que carea de
promulgao no pode ser considerada um no ato, j que consiste faticamente numa
conduta reconduzida aos poderes pblicos que gera transitoriamente efeitos idnticos aos que
correspondem um ato tpico, os quais se mostram aptos a afetar comportamentos de pessoas e
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instituies. Assim sendo, a eliminao total desses efeitos pode ser declarada pelos rgos de
Justia Constitucional, declarao que alis um prius da responsabilizao dos Estados por
leses deles decorrentes, j que o mesmo Estado civilmente responsvel, nos termos do artigo
22. CRP, pela prtica de atos aparentes de que resulte a violao de direitos, liberdades e
garantias ou prejuzo para outrem. Ora a responsabilidade por um ato aparente leva a que o
mesmo seja tratado como tal, e no como uma ausncia de ato. Os efeitos processuais e os
danos colaterais gerados pelo pretenso ato levam-nos, pois, a considerar ser uma fico, talvez
pouco til, o entendimento mais radical que defende que o mesmo seja irremediavelmente
tratado como se nunca tivesse existido. Pelo exposto, o valor negativo da inexistncia reconduzse, fundamentalmente, sano traduzida no imperativo de eliminao rigorosa de todos os
efeitos que faticamente o ato aparente tenha gerado, o qual implica que, dentro da reserva
possvel, se proceda a uma reconstituio completa da situao existente ao momento anterior
prtica do mesmo. A ideia de reserva do possvel presa ao conceito de putatividade , alis,
um limite extremo ao corolrio-regra de que o ato aparente est impreterivelmente condenado
a no produzir efeito algum.
Fundamentos da inexistncia jurdica:
a) Conceo ampla: para certas construes doutrinrias, a
inexistncia ocorre quando se omite os atributos mnimos de
identificabilidade formal ou material, exigidos constitucionalmente
a um ato. A autonomia do desvalor da inexistncia por preterio
dos requisitos mnimos de forma foi aceite pela doutrina (Marcello
Caetano), embora sem grande entusiasmo, durante a vigncia da
Constituio de 1933. Contudo, deve-se a Miguel Galvo Teles o
alargamento dos pressupostos do mesmo valor, no s ao campo
orgnico (defeito de juno e autoria), mas igualmente ao universo
material, mormente em caso de violao de direitos individuais que
no se encontrassem suspensos por medidas excecionais. A
construo exposta recebeu o respaldo de Jos Gomes Canotilho
que, na vigncia da Constituio de 1976, considerou que a
inexistncia no se reduziria aos casos expressamente previstos na
Constituio, alargando-se a outros vcios formais ou orgnicos
qualificados, bem assim como a vcios materiais respeitantes a
contrastes manifestos e graves com as normas declarativas de
direitos fundamentais. Marcelo Rebelo de Sousa que
originariamente exclua este alargamento material dos
fundamentos da inexistncia alterou a sua posio no sentido da
referida extenso. Segundo este autor, certos vcios materiais
podem prejudicar a identificao do ato, tais como a incoerncia
interna (suscetvel de o tornar incompreensvel) e a total
desconformidade do ato com a Constituio material. A clusula de
limites materiais de reviso identificaria a componente essencial e
intangvel da Constituio material, conformando-se como
inexistentes os atos que esvaziassem o ncleo dos valores a
protegidos. De entre os exemplos enumerados, o autor refere o dos
direitos fundamentais cujo ncleo essencial seria insuscetvel de ser
comprimido ou suprimido, sob pena de inexistncia do ato,
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2. A invalidade:
Noo: podemos definir invalidade de um ato inconstitucional como a sua
inaptido para produzir a totalidade das consequncias jurdicas que tipicamente lhe
corresponderiam se o mesmo se mostrasse conforme a Constituio.
a) Atributos da invalidade no Direito portugus:
a. Um valor negativo que predica a sano de atos
inconstitucionais existentes e publicados: a invalidade recai
necessariamente sobre atos juridicamente existentes. Isto,
porque os mesmos atos, pese os vcios de que padecem,
devem reunir os requisitos constitucionais necessrios para
a sua identificabilidade e imputao vontade funcional de
um rgo. Estamos, assim, perante um desvalor orientado
para a represso de condutas inconstitucionais suscetveis
de identificao como atos jurdicos-pblicos tpicos. A
fiscalizao preventiva da constitucionalidade (artigos 278.
e 279. CRP), pelo facto de se exercer sobre atos jurdicos
em perodo anterior sua promulgao, ratificao ou
assinatura, exerce-se sobre atos em projeto, que ainda no
ganharam existncia jurdica como condutas tpicas do
poder poltico. Da que, em caso de pronncia pela
inconstitucionalidade, seguida de veto no superado, a
sano do diploma inconstitucional no seja a invalidade,
mas sim a precluso da sua existncia jurdica. Na ordem
constitucional portuguesa, o controlo jurisdicional do ato
inconstitucional invlido implica que este se encontre
plenamente introduzido na ordem jurdica, ou seja, deve ser
um ato que, para l de existente, deve, igualmente,
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Sanes da invalidade:
a) Anotao complementar: a problemtica da qualificao das
sanes do ato inconstitucional invlido no Direito Constitucional e
no Direito Administrativo: a problemtica da qualificao e
denominao das sanes da norma inconstitucional constitui uma
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Santamaria Pastor, La Nulidad de Pleno Derecho de Los atos Administrativos. Contribuicin a una
Teoria de la Ineficcia en el Derecho Publico, Madrid, 1975.
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3. A irregularidade:
Conceito: a irregularidade na ordem constitucional portuguesa um valor
negativo imprprio, porque se traduz numa reao referencial do ordenamento que, no s
restringe a atos inconstitucionais que enfermem de vcios orgnicos e formais de carter no
essencial, mas que tambm se encontra desprovida de efeitos sancionatrios que impeam os
mesmos atos de produzir consequncias jurdicas. A existirem sanes, estas assumem carter
reflexo, no se repercutindo-se sobre o ato mas sim, em tese, sobre os seus autores, a nvel de
responsabilidade poltica ou disciplinar.
Fundamento e regime jurdico:
a) Abrangncia do instituto: a Constituio da Repblica no acolhe
explicitamente a figura da irregularidade para uma pluralidade de
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b) Pressupostos da irregularidade:
a. Vcio orgnico e formal que no fira pressupostos ou
elementos essenciais do ato: de acordo com o artigo 277.,
n.2 os vcios que predicam a irregularidade do tratados
devidamente ratificados so vcios orgnicos e formais.
Daqui deriva que uma norma materialmente
inconstitucional no pode ser julgada irregular, o que
parece implicar uma opo clara do ordenamento por uma
sano das inconstitucionalidades materiais em sede de
invalidade. A inconstitucionalidade material nem to
objetificvel e preclusiva da identificabilidade da norma que
dela enferma que possa justificar a inexistncia, nem to
pouco relevante que possa continuar no ordenamento a
produzir os seus efeitos, mediante um status de mera
irregularidade. Determina o mesmo preceito constitucional
que os vcios orgnico e formais no podem afetar
disposies fundamentais. Trata-se, deste modo, de
deformidades de menor gravidade, devendo a respetiva
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ser um terceiro Estado para se tornar um Estado parte, noutras hipteses pem-se
problemas mais embaraantes. De um modo geral, um Estado que garante a execuo
de um Tratado no qual ele no parte, ser verdadeiramente um terceiro Estado? A
distino revela-se particularmente mal adaptada ao desenvolvimento da prtica
convencional das Organizaes Internacionais: os Estados membros de uma organizao
sero terceiros ou partes nos Tratados concludos por ela? No dever reconhecer-se
que estes Tratados so, pelo menos, oponveis aos Estados membros da organizao,
mesmo quando estes no so formalmente partes neles? Na verdade, se esta hiptese
tende a multiplicar-se, ela no totalmente indita; e o Direito internacional clssico
teve de conciliar um princpio o do efeito relativo dos Tratados e as suas excees.
Fundamento e significao:
1. Na doutrina nem uma s voz se eleva contra o princpio em sim, mas, para
explica-lo, duas teses principais se encontram em presena. Segundo a teoria voluntarista, a
relatividade dos Tratados incontestvel porque se baseia simultaneamente na soberania, na
independncia, na igualdade dos Estados e na natureza contratual do Tratado. Ela no mais
do que a transposio, para o Direito dos Tratados, da regra tradicional da relatividade dos
contratos. G. Scelle prope outra explicao, chegando ao mesmo resultado prtico. Na sua
opinio, o tratado no um contrato entre as partes, mas a sua lei comum; todavia, esta lei s
se aplica sociedade internacional por elas concluda, excluindo os Estados estranhos essa
sociedade. Para mais, agindo nessa qualidade, os governantes estatais no possuem qualquer
poder, conferido por Tratado ou por qualquer outro modo, de dispor quer da competncia, quer
dos direitos de terceiros. S esta explicao objetivista compatvel com certas excees ao
princpio. Os conceitos de soberania e de igualdade, enquanto fundamentos da regra da
relatividade, devem evidentemente postergar-se no que respeita aos Tratados concludos pelas
organizaes internacionais. No h, porm, razo para aceitar uma exceo regra no caso
destes Tratados: as organizaes so sujeitos de Direito Internacional e, a este ttulo, esto
subordinadas ao consensualismo convencional.
128
Tcnica do acordo colateral: tirando as consequncias lgicas do artigo 34. CVDT, o artigo
35. CVDT dispe:
Uma obrigao nasce para um terceiro Estado de uma disposio de um Tratado,
se as partes nesse Tratado entenderem criar a obrigao por meio dessa disposio e se o
terceiro Estado aceitar expressamente por escrito essa obrigao.
Resulta deste artigo que a obrigao visada no se impe ao terceiro Estado em virtude do
Tratado inicial em que no parte, mas em virtude de um acordo entre ele, por um lado, e o
grupo dos Estados partes no Tratado inicial, pelo outro. Este acordo em que o terceiro Estado
parte, reconhecido pela Comisso de Direito Internacional como sendo a base jurdica da
obrigao que incumbe doravante a esse Estado, designa-se acordo colateral. Durante os
trabalhos preparatrios, a Comisso de Direito Internacional insistiu firmemente sobre a
impossibilidade para um Tratado criar obrigaes a cargo de terceiros Estados, princpio que ela
considerava como um dos basties da independncia e da igualdade dos Estados. Este restrito
voluntarismo igualmente reforado pelo artigo 37., n.1 CVDT, segundo o qual:
Nos casos em que uma obrigao tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo
com o artigo 35., essa obrigao s pode ser modificada ou revogada atravs do consentimento
das partes no tratado e do terceiro Estado, a menos que se estabelea terem convencionado
diversamente.
Poucos precedentes ilustram estras regras de tal mo a situao que elas visam excecional. De
resto, no final de um debate confuso, um aditamento ao artigo 74. da Conveno veio
esclarecer que as suas disposies no prejudicam nenhuma questo que possa surgir em
relao criao de obrigaes e direitos de Estados membros de uma organizao
internacional em virtude de um tratado de que essa organizao seja parte.
Clusulas da nao mais favorecida: suponhamos que dois Estados, o Estado A e o Estado B
concluem entre si um Tratado sobre tarifas aduaneiras aplicveis aos produtos importados,
provenientes dos respetivos territrios. No Tratado A-B inserida uma clusula segundo a qual,
129
com ou sem condies, com ou sem reciprocidade, um deles beneficiar de qualquer tarifa mais
favorvel que o outro poderia ulteriormente conceder, noutro Tratado, a um terceiro Estado C.
Consequentemente, se este Tratado A-C, mediante o qual A (Estado concedente) concede a C
vantagens superiores s que inicialmente reconheceu a B no Tratado A-B, for efetivamente
concludo, B (Estado beneficirio) beneficiar automaticamente destas novas vantagens, sendolhe aplicado o Tratado A-C, se bem que seja Estado terceiro, isto em virtude da clusula contida
no tratamento primitivo A-B e na qual j consentira. Assim, por esta clusula chamada
clusula de nao mais favorecida que os Tratados podem criar direitos a favor de Estados
terceiros no respeito pela soberania e sem que seja violada a conceo contratualista. o que
exprime o artigo 5. do projeto de artigos adotado sobre este assunto pela Comisso de Direito
Internacional, em 1978:
O tratamento da nao mais favorecida o tratamento concedido pelo Estado
concedente ao Estado beneficirio () no menos favorvel do que o tratamento pelo Estado
concedente a um terceiro
Segundo o Tribunal Internacional de Justia, para que a clusula produza efeitos, necessrio
que os dois Tratados incidam sobre a mesma matria. Estes princpios so confirmados pelo
projeto de artigos da Comisso de Direito Internacional, sobre a clusula da nao mais
favorecida. So, alm disso, resolvidas certas dificuldades polticas encontradas na prtica: ora
de maneira explcita, ora de maneira implcita, o projeto consagra uma interpretao bastante
liberal da clusula. Na prtica, os Estados recorreram clusula bastante cedo, antes do
aparecimento dos tratados multilaterais com vista, precisamente, a estenderem o campo de
aplicao das regras bilaterais. Prevista, primeiro nos Tratados econmicos e depois noutros
Tratados, tais como as convenes de estabelecimentos e as relativas aso privilgios e
imunidades consulares, aquela clusula desempenhava assim o papel de um processo de
unificao do Direito. O Tribunal Internacional de Justia reconhece que ela permite
estabelecer e manter permanentemente a igualdade fundamental e se discriminaes entre
todos os pases interessados. Nos nossos dias, apesar da multiplicao dos Tratados
multilaterais, esta prtica mantm-se e com o mesmo objetivo, porque, em numerosos casos,
as matrias supracitadas continuam a ser reguladas por meio de acordos bilaterais. A
experincia prova, contudo, que a utilizao da nao mais favorecida s concebvel nas
relaes entre Estados previamente unidos por qualquer solidariedade particular. Da resultam
srias dificuldades para a sua aplicao quando est includa num Tratado multilateral aberto. A
heterogeneidade crescente das relaes comerciais internacionais devidas multiplicao das
zonas preferenciais (designadamente unies aduaneiras) e dos pases independentes em vias de
desenvolvimento, obriga a encarar uma verdadeira exploso da clusula da nao mais
favorecida.
130
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aos terceiros Estados sem o seu consentimento, foroso admitir que o voluntarismo e
o interestadualismo so vivamente atacados. O jurista j no pode seno verificar a
passagem ao superestadualismo, mesmo que seja apenas implcito, emprico e
fragmentrio. S esta explicao conforme natureza das coisas. Hoje como ontem,
um grupo mais ou menos vasto de Estados est em condies, em nome do interesse
geral da comunidade internacional, de estabelecer, por via convencional, regras de que
ningum negar o valor universal. Numa sociedade pouco organizada e dominada por
alguns grandes Estados, este fenmeno correspondia abertamente a um Governo
internacional de facto de tipo oligrquico. Na sociedade internacional atual, em que
difcil opor-se lei do nmero e em que os arepagos universais (conferncias,
organizaes internacionais) usam processos quase legislativos, o mesmo resultado
ser procurado, de modo hipcrita ou sincero, em nome da comunidade internacional:
a tcnica dos acordos abertos quase totalidade dos Estados fornece um aparato
jurdico a um consenso efetivamente quase universal ou vontade das grandes
potncias. O fenmeno no se limita edio de normas respeitantes s relaes
interestatais. Podemos observ-lo igualmente no funcionamento das Organizaes
Internacionais: frequente encontrar, nos seus estatutos, clusulas de reviso ou de
emenda cuja entrada em vigor exige a unanimidade dos Estados membros (artigos 108.
e 109. da Carta da O.N.U.). Os Estados minoritrios s podem escolher entre aceitar ou
deixar a organizao. A nica diferena em relao hiptese geral que aqui a exceo
ao princpio da relatividade dos Tratados inconsituticionalizada e antecipadamente
aceite por todos os Estados membros; mas difcil falar de um consentimento dos
Estados minoritrios sorte que lhes est reservada. Seria mais exato considerar que se
presume que o grupo maioritrio traduz a vontade da comunidade internacional. O
problema pe-se da mesma maneira no que respeita s resolues das organizaes
internacionais. Afirmar a existncia de um poder internacional de Direito no deixa de
ter os seus perigos para as soberanias nacionais, na ausncia de um acordo sobre os
critrios de maioria ou de quase unanimidade que permitiriam considerar oponvel erga
omnes um regime convencional. Vimos que a Conveno de Viena no resolvera este
problema o que diz respeito s normas de ius cogens de origem convencional.
Relativamente s disposies da Carta das Naes Unidas, parece mais prudente deduzir
a sua obrigatoriedade em relao aos Estados no membros, pois elas tornaram-se hoje
normas consuetudinrias.
Campo de aplicao e alcance dos Tratados:
1. Criao de situaes objetivas: tal foi durante muito tempo o objeto
essencial dos atos concertados cujo respeito pelo conjunto dos Estados as grandes
potncias tentaram obter. Como lembrava a comisso de juristas consultada pelo
Conselho da Sociedade das Naes a propsito das Ilhas Aaland: As Potncias
procuraram, com efeito, em numerosos casos desde 1815 e designadamente quando da
concluso do Tratado de Paris estabelecer um verdadeiro direito objetivo, verdadeiros
estatutos polticos cujos efeitos se fazem sentir mesmo fora do crculo das partes
contratantes. Estavam em causa, a maior parte das vezes, regimes de neutralizao, de
desmilitarizao e de livre navegao das vias fluviais ou martimas de interesse
132
3.
133
Noo de interpretao: o destino natural de uma regra de direito ser aplicada s relaes
sociais para as quais foi estabelecida. Como no podem prever antecipadamente todas as
situaes concretas que forem submetidas ao seu poder, os autores desta regra devero
proceder mediante disposies gerais. Em consequncia, a formulao de qualquer norma
jurdica realiza-se, necessariamente, por diversos graus, atravs da abstrao e da
conceptualizao. Se este mtodo se impe e oferece, para mais, garantias srias contra as
discriminaes, mesmo involuntrias, cria em contrapartida uma tarefa suplementar para os
que esto encarregados da funo de aplicao do direito. Com efeito, em virtude da
generalidade dos seus termos, raro que uma regra de direito possa ser aplicada
automaticamente a um caso concreto. Para ter a certeza de que ela se aplica, e em que medida,
a esse caso concreto, necessrio, a maior parte das vezes, esforarmo-nos por dissipar
previamente as incertezas e ambiguidades que ela encerra de maneira quase inevitvel em
virtude daquela generalidade, a fim de lhe restituir o seu verdadeiro significado. Tal a tarefa
da interpretao: consiste em evidenciar o sentido exato e o contedo da regra de direito
aplicvel numa determinada situao. Assim definida e delimitada, a interpretao da regra de
direito ou de qualquer texto com fora obrigatria uma operao que tem de ser realizada
tanto na ordem internacional como na ordem interna. Porm, aplicam-se certas regras
especficas ordem internacional. Impe-se responder a duas questes: quem pode interpretar?
E como interpretar?
A Interpretao autntica
Interpretao unilateral: em virtude da sua soberania, cada Estado tem o direito de indicar o
sentido que d aos tratados em que parte, pelo que lhe diz respeito.
a) Na vida internacional corrente, os Estados so levados a dar numerosas
interpretaes pela via diplomtica. A propsito de cada problema concreto que
surge por ocasio da aplicao de qualquer tratado, os representantes de cada
parte do a conhecer a maneira como interpretam as suas disposies. Mas o
Estado pode tambm dar conhecimento da interpretao do Tratado ou de
algumas das suas disposies, independentemente de qualquer dificuldade de
aplicao que tente assim prevenir, dando a conhecer previamente a sua posio,
quer durante a prpria negociao, quer no momento em que exprime o seu
consentimento em estar vinculado;
b) Alm disso, as autoridades nacionais so frequentemente levadas a interpretar os
Tratados em que o Estado parte, quando surgem dificuldades de aplicao no
a esfera internacional, mas na ordem interna. Ento o problema pe-se
principalmente perante o juiz interno. Todavia, segundo uma prtica
internacional observada na maior parte dos Estados, as jurisdies nacionais
abstm-se de interpretar elas prprias diretamente e solicitam um parecer oficial
ao Ministro dos Negcios Estrangeiros. Em princpio, elas no esto vinculadas
por este parecer: como habitualmente se conformam com ele, denunciou-se no
s a sua timidez, mas tambm a sua docilidade em relao ao poder executivo.
Na realidade j o dissemos esta atitude reservada dos tribunais internos
baseia-se no desejo de no obstruir a ao externa do Estado.
Podemos duvidar do carter verdadeiramente autentico da interpretao unilateral:
emanando de uma s parte, no pode ser considerada como dada por aquele que
tem o poder de modificar a regra no oponvel aos outros Estados partes. Ela no
se reveste por isso de menor importncia prtica. Por um lado com efeito, em
conformidade com o princpio da boa f, a interpretao de instrumentos jurdicos
dada pelas prprias partes, se no concludente para determinar o seu sentido, goza
contudo de um grande valor probatrio quando esta interpretao contm o
reconhecimento por uma das partes das suas obrigaes em virtude deste
instrumento61. Por outro lado, pelo seu silncio, at mesmo pela expresso do seu
acordo, as outras partes podem aceitar a interpretao assim apresentada; nesta
hiptese, a interpretao unilateral vai ao encontro da interpretao coletiva e
adquire um carter autntico indiscutvel.
Interpretao coletiva:
1. A interpretao realmente autntica a que corresponde a um acordo efetuado
entre todos os Estados partes do tratado. Este acordo reveste vrias formas.
61
T.I.J., parecer consultivo de 11 julho 1950, Estatuto Internacional do Sudoeste Africano, Rec.., 1950, p.
135-136)
135
B Interpretao no autentica
Interpretao por um juiz internacional: para evitar as dificuldades que podem suscitar a
interpretao pelas partes, a competncia de interpretao pode ser transferida expressamente
para o juiz internacional (ou para o rbitro) por uma clusula do Tratado. Em caso de silncio
deste, aquela competncia integra-se normalmente, tal como na ordem interna, na sua misso
geral de dizer o direito. Designadamente no que diz respeito ao Tribunal Internacional de
Justia, o artigo 36. do seu Estatuto dispe que ele competente para conhecer todos os
diferendos de ordem jurdica relativos interpretao de um Tratado.
136
2. - Mtodos de Interpretao
137
inegvel. Deve ento dar-se prioridade aos elementos que melhor refletem esta vontade.
Existe, seguramente, um certo artificio simplificador por parte da Conveno de Viena ao
reduzir unidade a regra geral de interpretao dos Tratados. No deixa de ser a da
interpretao de Boa F, formulada pelo artigo 31., n. 1 CVDT. Este princpio fundamental est
na origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os Tratados e em funo
desta exigncia fundamental que deve efetuar-se a escolha entre os diferentes mtodos.
138
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matria que a doutrina centralizou as suas reflexes. Nenhuma das solues propostas pelos
autores parece, alis, inteiramente satisfatria: assentando em pressupostos doutrinais
dogmticos, enquadram-se mal na realidade. A primeira abordagem, subjetiva, termina num
impasse; a segunda, objetiva, peca por excesso de abstrao.
142
que elaboram o sistema de regra mais completo com a construo de uma verdadeira hierarquia
dos tratados. Esta construo sedutoramente racional menoscaba um importante parmetro, a
soberania do Estado e, sendo assim, corresponde apenas parcialmente prtica internacional
alis, muitas vezes confusa e cheia de elementos contraditrios que a Conveno de Viena
sistematizou por meio de algumas frmulas acessveis. As regras formuladas a ttulo principal
no artigo 30. - mas tambm nos artigos 41., 53., 60., 64. etc. no podiam, contudo, refletir
a totalidade das variadas solues desta prtica. No essencial, apenas afloram os problemas de
responsabilidade que a inexecuo dos tratados irredutveis com base no Direito dos tratados
inevitavelmente pe. A grande dificuldade da matria reside na necessidade de combinar o
princpio da autonomia da vontade dos sujeitos de Direito Internacional com o do efeito relativo
dos tratados, o que levanta na verdade dois problemas distintos: o da compatibilidade entre
normas sucessivas, ngulo sob o qual a questo em geral considerada, e o da oponibilidade de
uma norma vinculando um dado Estado a um segundo Estado, que concluiu com o primeiro um
tratado contendo uma disposio incompatvel com esta norma.
143
a existncia de mecanismos preventivos eficazes, que evitam que ocorra tal problema, constitui
uma soluo verdadeiramente satisfatria.
Princpios de soluo em caso de silncio das partes: sem resolver todos os problemas, as
disposies expressas adotadas pelas partes facilitam a sua soluo. Isto porm a exceo e,
no caso mais frequente do silncio do tratado, necessrio procurar fora deste os princpios
aplicveis. A este respeito convm distinguir, conforme o artigo 30. CVDT, a hiptese dos
tratados sucessivos com identidade de partes, da hiptese em que os tratados incompatveis
so concludos entre partes diferentes.
144
145
T.I.J. , parecer de 28 maio 1951, Reservas Conveno sobre o genocdio, Rec, 1951, p. 21)
Rec. 1970, p. 32
146
B Problema da oponibilidade
147
66
Tribunal Internacional de Justia, Acrdo de 20 julho 1989, Ellettronica Sicula, Rec., 1989, p. 51, ver
tambm p. 74.
148
67
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150
69
T.J.C.E., 15 julho 1964, caso 6/64, Costa c. E.N.E.L., Rec. 1964, p. 1141.
151
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ainda mais vasta do que aquela que se encontra prevista no modelo francs que lhe serviu de
fonte cognitiva.
Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3. edio; Principia editores; Cascais, pp 156 a 174
Normas convencionais e normas legislativas: a fora jurdica (ou o valor ou a eficcia) das normas
de Direito Internacional recebidas na Ordem interna frente fora jurdica (ou ao valor ou eficcia) das
normas de produo interna pode ser a priori concebida numa das seguintes posies:
72
154
73
Como identificar cabalmente num peido determinado, a norma costumeira violadora da Lei
Fundamental, de acordo com o artigo 51., n.1 LTC, se a mesma reveste uma natureza puramente
material, e no assume uma forma escrita? Sendo teoricamente possvel, no parece simples antever tal
cenrio. J na fiscalizao concreta, seria concebvel representar um regulamento independente,
fundado numa lei que definisse a competncia objetiva e subjetiva para a sua emisso, mas cujo
contedo consistisse na concretizao de uma regra consuetudinria. Aplicado o regulamento a um caso
singular atravs de uma deciso judicial, poderia a sua inconstitucionalidade ser suscitada, bem como a
do costume normativo que se assumiu como seu parmetro material, fundamentando uma
consequente interposio de recurso. E a haver trs ou mais regulamentos inconstitucionais com
idntico fundamento, no repugnaria que, por iniciativa do Ministrio Pblico ou dos Juzes do Tribunal
Constitucional, fosse convocado o instituto do artigo 82. da LTC, e declarada a inconstitucionalidade
com fora obrigatria geral do regulamento, bem como do costume que se conformava como seu
parmetro.
74
Artigo 249.
Para o desempenho das suas atribuies e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu em
conjunto como Conselho, o Conselho e a Comisso adotam regulamentos e diretivas, tomam decises e
formulam recomendaes ou pareceres.
155
redao e renumerao que lhe foi dada pelo Tratado de Nice) so os regulamentos
comunitrios, as normas em sentido material que gozam de aplicabilidade direta na ordem
interna dos Estados-membros, bem como de uma prevalncia normativa ou de um primado
sobre Direito interno (efeito direto em juzo, e eventualmente, tambm na rbita da atividade
constitutiva da Administrao). Trata-se de normas que no admitem a sua corporizao em
regras internas, ou a sua complementao por estas, salvo se os mesmo o autorizarem. J no
que concerne as diretivas comunitrias, estas consistem, de acordo com o referido artigo 249.
TCE, em atos normativos incompletos que vinculam os Estados-Membros quanto a obrigaes
de resultado, mas que concedem aos mesmos Estados a forma e os meios de preencherem estes
ltimos. Daqui resulta que as diretivas no tm aplicabilidade direta, produzindo os seus efeitos
atravs da sua transposio num ato normativo de Direito Interno. Na ordem constitucional
portuguesa, de acordo com o artigo 112., n. 8 CRP, as diretivas so transportas por lei, decretolei e decreto-legislativo regional, pelo que o controlo da constitucionalidade no incide
diretamente sobre a diretiva, mas sobre o ato legislativo que a transponha;
a. Posio favorvel supra constitucionalidade do Direito Comunitrio:
embora a doutrina jusconstitucionalista maioritria defenda a
supremacia da Constituio sobre o Direito Comunitrio derivado (Jorge
Miranda, Gomes Canotilho e Maria Lusa Duarte), o facto que esta tese
confronta-se com uma posio diferente expressa por uma maioria de
autores juscomunitaristas, bem como a jurisprudncia do Tribunal de
Justia das Comunidades (TJC). Defende, na verdade, o TJC a supremacia
de todo o Direito Comunitrio, institucional e derivado, sobre o Direito
interno dos Estados-membros, nele incluindo o Direito Constitucional.
Nessa linha argumentativa, diversos juspublicistas portugueses (Andr
Gonalves Pereira e Fausto de Quadros) 75 esgrimem uma ordem
justificativa em favor da supra constitucionalidade do Direito
Comunitrio derivado, centrado na premissa de que todo o Direito
Comunitrio deve prevalecer sobre todo o Direito Estadual, premissa
que se reconduz, sumariamente, s linhas de fora que se passa a
mencionar:
i. O primado do Direito Comunitrio sobre o estadual seria uma
exigncia existencial: se em caso de antinomia normativa
uma norma constitucional pudesse prevalecer sobre uma
norma comunitria, seria a ordem jurdica comum dos Estadosmembros que ficaria comprometida. Sem acatamento do
Direito Comunitrio no haveria uniformidade e sem esta no
haveria integrao, deixando de haver Direito Comunitrio.
Assim, o primado teria de ser absoluto e incondicional, sob pena
de no haver primado e de deixar de haver Direito Comunitrio.
O regulamento tem carcter geral. obrigatrio em todos os seus elementos e diretamente aplicvel em
todos os Estados-Membros.
A diretiva vincula o Estado-Membro destinatrio quanto ao resultado a alcanar, deixando, no entanto,
s instncias nacionais a competncia quanto forma e aos meios.
A deciso obrigatria em todos os seus elementos para os destinatrios que designar.
As recomendaes e os pareceres no so vinculativos
75
Pereira, Andr Gonalves; Quadros, Fausto, Manual de Direito Internacional Pblico, Coimbra, 1995, p
124 e seg. (a complementar com a opinio do manual)
156
Artigo 10.
Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento
das obrigaes decorrentes do presente Tratado ou resultantes de atos das instituies da Comunidade.
Os Estados-Membros facilitam Comunidade o cumprimento da sua misso.
Os Estados-Membros abstmse de tomar quaisquer medidas suscetveis de prem perigo a realizao
dos objetivos do presente Tratado.
157
158
facto de as prprias Constituies poderem decidir autolimitarse, aceitando que sobre elas prevalea o Direito Comunitrio,
originrio ou derivado. Trata-se de uma opo individual de
cada Estado-membro, e no foi essa, contudo, a opo do
decisor constitucional portugus. Vejamos, agora o segundo
sentido de existencialismo do Direito Comunitrio, o qual
parece corresponder, mais estreitamente, ao pensamento da
ilustre doutrina que aqui se critica. Trata-se da tese segundo a
qual o respeito pelo Direito Comunitrio condio da sua
subsistncia e, por conseguinte, da subsistncia da prpria
comunidade. No possvel concordar. No , em primeiro
lugar, a inobservncia (mesmo que reiterada) das normas de
um ramo de Direito que postula o seu desaparecimento: o
Direito Penal diariamente ofendido e nem por isso a sua
existncia fica comprometida. Para sancionar o seu
incumprimento existem os tribunais. O mesmo se diga do
Direito Internacional Convencional. Todas as violaes
consecutivas do Direito Internacional Pblico, com particular
relevo para a Carta das Naes Unidas, jamais puseram em
causa, quer a subsistncia (e o recente fortalecimento desse
Direito) quer a perenidade daquela organizao. Por maioria de
razo estas consideraes valem para a Comunidade Europeia
que dispe de um Tribunal Superior de Justia que, com maior
efetividade do que outros tribunais internacionais,
responsabiliza e sanciona os Estados infratores. Deste modo,
nos termos do TCE, a inobservncia do Direito Comunitrio por
Direito interno tem como consequncia a responsabilizao
jurisdicional dos Estados e uma consecutiva e grave
inobservncia dos tratados constitutivos pode mesmo gerar a
suspenso dos seus direitos, incluindo o de voto. E os casos em
que Tribunais Constitucionais mediram foras com o TJC, e
reafirmaram o primado do Direito Constitucional sobre o
Direito Comunitrio no universo dos direitos fundamentais, em
nada beliscaram a existncia deste ltimo Direito, levando
mesmo a episdios recuos da jurisprudncia consequncialista
do Tribunal de Justia das Comunidades. Cai, assim, por falta de
demonstrao, a tese do primado desse Direito sobre as
Constituies dos Estados-Membros, como pressuposto da sua
existncia;
ii. No decorre dos Tratados constitutivos a supra
constitucionalidade do Direito Comunitrio: to pouco
impressiona o argumento segundo o qual o primado de todas
as normas de Direito Comunitrio sobre todas as normas de
Direito Interno (incluindo as normas constitucionais) decorreria
dos artigos 10. e 249. do TCE, pelo que no seria necessrio
os Estados consagrarem-no nas respetivas Constituies para
que o mesmo se pudesse impor nas mesmas ordens estaduais,
por fora da vinculao destas ao mesmo Tratado. Tal como
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167
b)
Regime dos acordos internacionais: existe uma interpretao
tradicional formulada no sentido de que, para alm dos acordos
internacionais aprovados pelo Governo, tambm aqueles que
tenham sido aprovados pela Assembleia da Repblica e vetados na
sequncia de uma pronncia por inconstitucionalidade, no seriam
suscetveis de confirmao parlamentar, em razo do texto
constitucional o no admitir (artigo 279., n.2). Aduz-se, para o
efeito, um argumento literal nos termos do qual o referido preceito
constitucional se reporta a decretos para promulgao e assinatura,
sendo certo que os acordos aprovados pela Assembleia da Repblica
no revestem a forma de decreto, mas sim de resoluo. No parece
pacfica semelhante interpretao do preceito constitucional.
Vejamos porqu:
1. No existe, volvidas sucessivas e discutveis revises da
Constituio de 1976, uma diferena substancial de relevo
entre tratado e acordo internacional, mas, essencialmente,
uma distino orgnica, pois a Assembleia da Repblica aprova
indistintamente tratados e acordos nas matrias da sua
competncia, salvo os domnios restritos de reserva de tratado
previstos na segunda parte da alnea i) do artigo 161. CRP; e o
Governo aprova apenas acordos internacionais. E,
especialmente no tempo presente, essa diferenciao ainda se
esbate com maior intensidade, a partir do momento em que se
sedimenta uma corrente doutrinria que defende que o
Presidente da Repblica pode recusar a assinatura dos acordos
internacionais. Na realidade, a tese segundo a qual o Presidente
da Repblica ratificaria livremente Tratados e assinaria
livremente acordos internacionais constituiu durante anos, sem
qualquer amparo convincente no ordenamento positivo,
expresso de um hipottico costume que teria traado um
elemento orgnico-formal fundamental de distino entre as
duas classes de convenes. Verifica-se, contudo, no plano
lgico-sistemtico, que a Constituio omissa quanto ao
hipottico poder presidencial de recusa de assinatura (tal como
sucede com o de recusa de ratificao) o que faz repousar a
elucidao desta querela num trabalho puramente
interpretativo. Ora, no pode proceder uma interpretao feita
ao disposto no n.2 do artigo 8. CRP, da qual decorra que os
acordos possam, volvida a sua aprovao, ser enviados para
publicao como ato perfeito, no caso de o Presidente da
Repblica denegar a assinatura. Isto porque o artigo 137. CRP
fulmina com inexistncia jurdica qualquer dos atos previstos na
alnea b) do artigo 134. aos quais falte a assinatura, figurando
expressamente entre os mesmos, os acordos internacionais.
Tratar-se-ia, mesmo, de uma inexistncia reforada pois essa
assinatura presidencial careceria de ser referendada, de acordo
com o n. 1 do artigo 140. cominado com o n.2 do preceito a
168
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d)
e)
No que diz respeito aos acordos internacionais, se o Tribunal se pronunciar pela sua
inconstitucionalidade:
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Natureza Jurdica: o processo de fiscalizao sucessiva consiste num tipo de controlo abstrato
de validade de normas exercido por via direta ou principal, e que tem por finalidade essencial,
a eliminao das normas jurdicas j publicadas que sejam julgadas inconstitucionais ou ilegais,
bem como de efeitos que as mesmas hajam produzido no passado. Atentemos nas componentes
integrativas desta caracterizao.
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prev no artigo 3. do artigo 281. CRP que, no caso de a mesma norma vir a ser julgada
inconstitucional em trs casos concretos se torna possvel desencadear, mediante iniciativa dos
juzes do Tribunal Constitucional ou do Ministrio Pblico, o seu controlo abstrato sucessivo, de
forma a que possa ser removida do ordenamento. Um sistema centrado num controlo concreto
difuso que no possua mecanismos de purga abstrata do ato inconstitucional do ordenamento
desafiaria os princpios bsicos de economia processual e as exigncias mais elementares da
segurana jurdica. Isto, porque permitira sem justificao cabal a subsistncia na ordem interna,
de uma norma j julgada invlida no caso concreto e a multiplicao intil de futuros processos
com o mesmo objeto. Os sistemas concentrados europeus solucionaram o problema
imprimindo fora obrigatria geral deciso de inconstitucionalidade proferida em fiscalizao
concreta.
Pressupostos subjetivos:
1. Competncia para o exerccio da atividade de fiscalizao: o exerccio do
controlo abstrato sucessivo da validade constitucional das normas e da legalidade das leis e de
regulamentos que violem certas leis constitui uma reserva exclusiva de competncia do Tribunal
Constitucional. Este Tribunal , efetivamente, o nico rgo competente para apreciar e
declarar, com fora obrigatria geral, a inconstitucionalidade das normas jurdico-polticas com
eficcia externa que violem a Constituio da Repblica, assim como a ilegalidade das leis e de
determinados regulamentos que conflituem com os estatutos Poltico-Administrativos das
Regies Autnomas (n.1 do artigo 223., conjugado com o 281. CRP).
2. Legitimidade processual ativa: o n.2 do artigo 281. CRP enumera os sujeitos
de natureza jurdico-pblica (rgos e titulares de rgos) dotados de legitimidade ativa para
peticionarem a fiscalizao abstrata sucessiva.
i) Legitimidade geral: a legitimidade geral consiste no poder funcional em que
se encontram investidos certos sujeitos de natureza pblica para suscitarem ao Tribunal
Constitucional a fiscalizao da constitucionalidade de quaisquer normas, assim como
legalidade de quaisquer disposies legislativas que desrespeitem leis com valor reforado. Os
sujeitos peticionantes so, de acordo com as alneas a) a f) do n.2 do artigo 281. CRP:
- O Presidente da Repblica: a legitimidade justifica-se luz da sua
funo moderadora, inerente ao semipresidencialismo portugus, a qual implica a
possibilidade de requerer a apreciao da validade das normas j existentes no ordenamento,
sempre que sobre as mesmas o mesmo rgo tenha dvidas de constitucionalidade. A
circunstncia de o mesmo rgo dispor, simultaneamente, de legitimidade ativa para iniciar um
processo de fiscalizao preventiva levou a que os requerimentos apresentados pelo Chefe de
Estado, no mbito da fiscalizao abstrata sucessiva, tenham sido, at ao ano de 2010,
muitssimo escassos, j que o Presidente parece decididamente ter dado a sua preferncia ao
primeiro processo de controlo, dado o seu poder obstaculizante do processo normativo;
- O Presidente da Assembleia da Repblica: assume um relevo
puramente institucional, atenta a vontade do legislador constitucional em fazer figurar os
174
175
de questionar normas editadas durante o pontificado de uma anterior maioria. Finalmente, far
ainda sentido que os deputados da bancada maioritria ou de qualquer outro grupo possam
impugnar atos normativos oriundos das regies autnomas.
ii) Legitimidade especial: trata-se da faculdade reconhecida a diversos sujeitos
para promoverem o controlo da constitucionalidade e legalidade de atos normativos, no
respeito de certos pressupostos ou exigncias. Daqui decorre que os mesmos sujeitos:
- s possam impugnar a constitucionalidade de normas e a legalidade de
leis, quando se verifiquem certos pressupostos objetivos, como o da leso de direitos regionais
constantes da Constituio, ou da ofensa a determinados parmetros normativos, como a
violao do estatuto por ato legislativo (artigo 281., n.2, alnea g) CRP);
- ou s possam impugnar qualquer categoria de ato quando se reunirem
certos requisitos de facto e de direito, como o caso da repetio do julgado em trs casos
concretos (artigo 281., n.3 CRP)).
Encontramo-nos, assim, perante uma legitimidade ativa limitada que o
Tribunal Constitucional escrutina rigorosamente78, seja em razo dos pressupostos objetivos,
seja em razo do parmetro ofendido.
a) Legitimidade ativa no mbito regional: relembremos o que o texto
constitucional dispe a este respeito:
a. Representantes da Repblica: atento o disposto na alnea g)
do n. 2 do artigo 282. CRP, o Representante da Repblica,
pode requerer a fiscalizao da constitucionalidade de
normas que violem os direitos das regies e o controlo da
legalidade de normas do Estado e das Regies com
fundamento na violao dos estatutos polticoadministrativos. Sendo assim defendidos os pressupostos
subjetivos
e
objetivos
deste
sindicato
de
constitucionalidade e legalidade e atenta a leitura
textualista que dele feita pelo Tribunal Constitucional
quando aprecia a legitimidade ativa inerente a pedidos de
impugnao de normas ao abrigo deste preceito por parte
dos rgos e titulares dos rgos regionais, considera-se
que o Representante da Repblica se encontra limitado ao
mbito da inconstitucionalidade e ilegalidade que pode
requerer. Importa pois, em tese, que o pedido de
fiscalizao se encontre fundamentado nos pressupostos
especficos atrs mencionados, sob pena de indeferimento
liminar, justificado em falta de legitimidade do rgo
requerente (artigo 52., n.1 LTC). Isto, no obsta a que o
preceito se encontre manifestamente mal concebido, tendo
as sucessivas revises constitucionais contribudo para a
sua gradual degradao teleolgica. Em primeiro lugar, a
alnea g) do n. 2 do artigo 281. CRP configura, no plano
textual, os mesmos pressupostos e objeto de impugnao
78
Acrdo n. 491/2004
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Pressupostos objetivos:
1. Parmetro de controlo: de acordo com o n.1 do artigo 281. CRP, a fiscalizao
abstrata sucessiva prope-se aferir a conformidade de atos normativos com o parmetro
constitucional (alnea a)) e de atos legislativos e alguns regulamentos com leis de valor reforado
(alneas b), c) e d)). No que respeita a esta categoria de leis, a alnea b) do n.1 do artigo 281.
reporta-se a atos legislativos com valor reforado na sua generalidade, enquanto as alneas c) e
d) concernem a uma categoria especfica de lei reforada (o Estatuto).
2. Objeto de controlo:
a) Consideraes gerais: da anlise feita norma e ao parmetro de controlo
possvel retirar que a fiscalizao abstrata sucessiva tem por objeto, em
geral, a apreciao de normas e, em especial, o controlo de atos legislativos
confrontados com leis de natureza qualificada. Pode, assim, assinalar-se
uma homologia de objeto com outro processo de fiscalizao sucessiva, que
o processo de controlo concreto. O ordenamento portugus procede,
assim, ao controlo e represso de normas afetadas por dois tipos de
relao desvalor:
a. o primeiro e mais relevante o da fiscalizao
constitucionalidade de normas jurdico-pblicas;
da
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182
Admite-se que a referida exigncia possa ser menos rigorosa no caso de os promotores do controlo
abstrato serem titulares de rgos de soberania, nomeadamente o Presidente da Repblica, por razes
de considerao institucional.
183
Subseco III Introduo aos tipos e aos efeitos das decises do Tribunal
Constitucional em processo de fiscalizao abstrata sucessiva da constitucionalidade e
legalidade
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Oramento de Estado para o ano seguinte pela Assembleia da Repblica) tambm o ser na base
de pressupostos de ordem anloga, tambm eles centrados num contexto de vazio oramental.
Embora a repristinao seja automtica no seria de menos que numa situao dessa natureza
o Tribunal Constitucional aludisse e fundamentasse a referida revivescncia. Do mesmo modo
nada parece impedir a revivescncia de uma lei-medida, se a norma declarada inconstitucional
assumir uma natureza e um objeto idnticos, ou se uma norma geral que tenha sido julgada
inconstitucional tiver sido precedida por uma pluralidade de leis-medida, cuja soma cura, total,
ou parcialmente seu mbito e objeto. Ressalva-se, eventualmente, o caso de leis puramente
singulares cujo objeto se tenha j esgotado numa dada situao jurdica concreta, no fazendo
qualquer sentido a sua revivescncia. Havendo aqui a considerar uma situao anloga
precluso da repristinao da generalidade das normas caducas ao tempo do julgamento da
inconstitucionalidade (sobretudo, em relao s que no sejam prorrogveis) e das lei de
autorizao legislativa j utilizadas, caducadas ou cujo limite temporal se tenha esgotado.
b) Regime da invalidade superveniente:
na inconstitucionalidade
superveniente, releva a apreciao de vcios materiais, j que, em termos de
vcios de forma e de competncia, vigora o princpio tempus regit actum.
Nestes termos, a norma parmetro que se destaca para a apreciao da
constitucionalidade a que estiver em vigor no momento em que se
procede ao controlo. O que fiscalizao de constitucionalidade interessa
saber se a norma, quando foi criada, observou as regras constitucionais de
competncia e forma, e no, se se verificarem mutaes constitucionais de
ordem competencial ou formal depois da referida criao. Estas ltimas, a
terem ocorrido, apenas podem condicionar a produo de normas futuras,
sendo inservveis, luz do princpio tempus regit actum, para aferir a
validade de normas que vigoravam antes de ocorrer a reviso constitucional
que introduziu as referidas alteraes de alcance orgnico ou formal. De
acordo com o artigo 282., n.2 CRP, os efeitos repressivos da declarao de
inconstitucionalidade ou ilegalidade limitam a sua eficcia retroativa at ao
momento da entrada em vigor da norma constitucional ou legal que
constitui parmetro da fiscalizao. Tais efeitos so qualificados, por vezes,
como integrativos de um regime misto, situado entre a eficcia ex tunc e ex
nunc. Compreende-se a lgica deste regime luz das regras sobre a vigncia
das normas e dos princpios da segurana jurdica e da proporcionalidade: o
ato normativo que objeto de fiscalizao plenamente vlido no
momento em que editado, j que se mostra conforme com as disposies
constitucionais ou com a legislao reforada a que deve observncia. A
invalidade surge a partir do momento em que ocorrem alteraes nessas
normas de referncia, das quais resulte uma distonia com as normas de
direito comum anteriormente emitidas e ainda vigentes (vide, todavia, o
carter diacrnico dos efeitos relativos da nulidade inerentes declarao,
sobre a norma). Assim sendo, os efeitos da declarao de
constitucionalidade nunca deveriam atingir os contratos celebrados e os
atos praticados no respeito ou em execuo da norma declarada
inconstitucional durante o perodo em que a mesma era plenamente valida,
ou seja, antes da supervenincia de normas paramtricas que com ela
entraram em coliso. Semelhante eliminao careceria de fundamento
material, pois teria por objeto atos vlidos e afrontaria inadmissivelmente:
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Larez recorda a este propsito que () de entre os fatores que do motivo a uma reviso e, com isso,
frequentemente, a uma modificao da interpretao anterior, cabe a uma importncia proeminente
alterao da situao normativa. Situaes fticas com que o legislador se deparou num dado
momento e aos quais respondeu atravs de regulao legislativa, variaram com o tempo e as
circunstncias, em termos que nem sempre podem ser previstos pelo legislador. Contudo () nem toda
a modificao de relaes acarreta por si s, de imediato, uma alterao do contedo da norma. Existe a
princpio, ao invs, uma relao de tenso que s impele a uma soluo por via de uma interpretao
modificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito quando a insuficincia do entendimento
anterior da lei passou a ser evidente. Em consequncia Os tribunais podem abandonar a sua
interpretao anterior porque se convenceram que era incorreta, que assentava em falsas suposies ou
em concluses no suficientemente seguras. Mas ao tomar em considerao o fator temporal, pode
tambm resultar que uma interpretao que antes era correta agora no o seja. O momento em que a
anterior orientao interpretativa da jurisprudncia ter deixado de ser correta no simples de
213
determinar, em razo do carter contnuo das alteraes experimentadas pelo respetivo objeto, o que
conduz a momentos de incerteza quando, em tempos intermdios de transio podem resultar coo
aceitveis duas interpretaes distintas (a originria e a que procura adaptar a norma e a situao ao
tempo). No final, a escolha caber por ser feita em relao soluo hermenutica mais conforme com
a Constituio, na sua projeo para as situaes do presente.
81
Assim, no campo estrito desses mesmos direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional espanhol
enunciou standards de constitucionalidade para as alteraes de jurisprudncia, de forma a que estas
ltimas no afrontem essas posies jurdicas ativas, a saber:
- Necessidade de motivao (que traduza, implcita ou explicitamente o sentido da alterao e
justifique cabalmente os respetivos fundamentos);
- Ausncia de arbtrio (interdio de alteraes pretextuosas que gerem efeitos bruscos,
desigualitrios, desproporcionados, ou injustificadamente onerosos pra os direitos das pessoas);
- Carter geral (ausncia de critrios geradores de uma alterao que derivem da resoluo de
um caso singular).
214
215
Noo:
1. Terminologia Modificao, emenda, reviso: a parte IV da Conveno de Viena
intitulada Emenda e modificao dos tratados. Seguindo a Comisso de Direito Internacional,
ela afastou deliberadamente o termo reviso, em virtude da conotao poltica que este
termo assumira no perodo entre as duas guerras em ligao com o artigo 19. do Pacto da
S.d.N.. Na realidade, encontra-se frequentemente o termos reviso na prtica
contempornea, sem que qualquer significado articular lhe seja atribudo. Ele designa muitas
vezes (mas nem sempre) uma modificao geral interessando o conjunto das disposies do
tratado, por oposio emenda, que visa uma modificao parcial. A Carta das Naes Unidas,
que adota esta distino, instituiu dois processos separados, um para as emendas s suas
disposies e outro para a sua reviso (artigos 108. e 109.). Por outro lado, ao adotar o termo
modificao, a Conveno de Viena, seguindo tambm aqui a Comisso de Direito
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216
Internacional, serve-se dele unicamente para designar uma modalidade particular de mudana,
aplicada ao tratado multilateral (artigo 41.). Esta iniciativa lana uma nova confuso na
terminologia tradicional, segundo a qual o termo modificao um termo genrico
englobando ao mesmo tempo a emenda parcial e a reviso geral. Sem seguir a Comisso de
Direito Internacional e a Conveno de Viena, considera-se na presente seco que os trs
termos modificao, emenda e reviso so juridicamente equivalentes, o que admite por
exemplo o artigo 236. do Tratado de Roma C.E.
Modificao pela via do acordo expresso: a regra processual de base que enuncia o artigo
39. CVDT a seguinte:
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Resulta deste texto que, antes de dirigir aos membros o convite previsto, a Assembleia devia verificar
previamente se os tratados em causa se tornaram inaplicveis, o que equivaleria praticamente
constatao de uma alterao das circunstncias.
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Processo de modificao por um acordo aberto a todas as partes: trata-se muitas vezes
de um processo complexo compreendendo vrias etapas.
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das Naes Unidas, pela exigncia de uma ratificao pelos cinco membros permanentes do
Conselho de Segurana (Artigo 108. e 109.); unanimidade de certas partes; remisso para as
regras relativas entrada em vigor do prprio tratado de base; etc. Estes princpios valem tanto
para os tratados ordinrios como para os atos constitutivos de organizaes internacionais. No
obstante estes comportam s vezes com frequncia, paralelamente a regras de reviso mais
solenes e apenas para certas disposies processos simplificados que no fazem intervir seno
os rgos da organizao.
221
Posio do problema: a modificao de um tratado uma operao que tem por fim substituir
as suas disposies, ou algumas dentre elas, por outras novas. ao mesmo tempo negativa e
construtiva pois o vazio criado em geral imediatamente preenchido. Pelo contrrio, a extino
de um tratado produz um efeito exclusivamente negativo: um tratado que incorre em extino
cessa a sua vigncia. De acordo com o artigo 70. CVDT, as partes esto libertas da obrigao
de continuar a executar um tratado extinto. Este cessa, pois, a sua vigncia e deixa de produzir
efeitos. Fica assim afetado quer como ato, quer como norma. O mesmo artigo 70. esclarece
que a extino:
no afeta nenhum direito, nenhuma obrigao, nem nenhuma situao jurdica das
Partes, criadas pela execuo do tratado antes da cessao da sua vigncia.
Este aspeto distingue igualmente a extino da suspenso. Nesta ltima hiptese, o
instrumento subsiste; somente as normas que contm cessam provisoriamente de produzir os
seus efeitos. Elas voltaro vida jurdica assim que cessar esta suspenso, uma vez que o tratado
subsiste. Neste sentido o artigo 72. CVDT, para sublinhar bem a persistncia do tratado,
esclarece no s que se trata da suspenso da sua aplicao, mas ainda que, por um lado, ela
no afeta as relaes jurdicas estabelecidas pelo tratado entre as partes, por outro, que
durante o perodo de suspenso, as partes devem abster-se de qualquer ato tendente a impedir
a reposio em vigor do tratado. No que respeita denncia, o instrumento e a norma
subsistem; somente se modifica o campo de aplicao do tratado. O termo recesso muitas
vezes empregado para designar a denncia por um Estado de uma conveno multilateral em
que ele parte, designadamente de um tratado constitutivo de organizao internacional. A
denncia (regular) de um tratado bilateral determina, evidentemente, a sua extino. Por mais
diversas que sejam estas noes, elas correspondem muitas vezes a preocupaes comparveis
e o seu regime jurdico aproxima-se. Em especial os mesmos factos, quer se trate da vontade
das partes, quer de circunstncias que lhe so exteriores, podem muitas vezes justificar
alternativamente a extino, a suspenso ou a denncia do tratado.
Observaes gerais: a extino expressamente visada pelo artigo 54. CVDT e a suspenso
pelo seu artigo 57. Certamente a melhor soluo que cada tratado contenha disposies
prevendo as modalidades da sua prpria extino ou suspenso. Nesse caso, basta aplicar tais
disposies e as contestaes, se as houver, incidem apenas sobre a sua interpretao. Todavia,
a redao dos artigos pertinentes da Conveno implica, por um lado, que a vontade das partes
possa ser implcita e, por outro, que possa exprimir-se em qualquer momento como o
determinam expressamente os artigos 54., alnea b) e 57., alnea b). Isso significa que a
extino, o recesso ou a suspenso podem estar previstos no prprio tratado ou ser decididos
ulteriormente de comum acordo pelas partes.
222
Clusulas expressas: um tratado pode ser concludo expressamente para uma durao
ilimitada. Numerosos tratados so concludos para uma durao indeterminada. Outros contm
clusulas expressas relativas sua extino, ao recesso dos Estados partes para a sua suspenso.
223
um Estado pode estar dispensado pelas outras partes de executar algumas das suas obrigaes
convencionais, no podem ser consideradas clusulas suspensivas se tiverem um efeito
definitivo. O artigo 57. CVDT que prev a hiptese de clusulas suspensivas relativamente
aplicao do tratado no seu conjunto, foi adotado no tanto para consagrar um costume
existente quanto para encorajar os Estados a preverem para o futuro disposies nesse sentido.
Clusulas implcitas:
1. Extino por execuo do tratado: os acordos mais estreitamente ligados ao que
designamos, por vezes, por tratados-contratos, como os que incidem sobre cesso territorial,
os que preveem um compromisso financeiro ou de uma entrega de mercadorias, etc., criam uma
obrigao concreta, estritamente delimitada que, uma vez executada, esgota os seus efeitos e
j no se renova. Apesar do silncio da Conveno de Viena e de algumas controvrsias
doutrinais, necessrio considerar que, segundo uma clusula implcita que se deduz da
natureza destes tratados, a sua execuo leva automaticamente sua extino.
224
Vontade expressa:
1. Extino expressa pela concluso de um tratado posterior: nos termos do artigo 54.,
alnea b) CVDT:
O termo da vigncia de um tratado, ou o recesso de um das partes, pode ter
lugar()
b) em qualquer momento, por consentimento de todas as partes, depois de
consultados os outros Estados contratantes;84
Por vezes, a ab-rogao constitui o nico objeto do tratado posterior. Com mais
frequncia, uma regulamentao parcial ou inteiramente nova vem substituir que foi formulada
pelo tratado anterior, ao mesmo tempo que o revoga expressamente
3. O artigo 54., alnea b) CVDT alinha o regime jurdico aplicvel ao recesso de uma
das partes pelo da extino do tratado: a denncia pode ocorrer a todo o momento com o
acordo unnime das partes.
Vontade tcita:
1. Extino implcita pela concluso de um tratado posterior: o artigo 54., alnea b)
no faz distino entre a ab-rogao expressa e a abrogao tcita. Esta tem lugar quando o
segundo tratado versa sobre a mesma matria que o primeiro, concludo entre as mesmas
partes e contm disposies a tal ponto incompatveis com este que impossvel aplicar os
dois tratados ao mesmo tempo ou se resultar do tratado posterior ou estiver por outro lado
estabelecido que, segundo a inteno das partes, a matria deve ser regulada por este tratado
(artigo 59., n.1). Neste caso, como no caso de ab-rogao expressa, as regras relativas s
normas sucessivas com identidade das partes so plenamente aplicveis e o tratado posterior
prevalece sobre o tratado anterior que cessa de existir sem que haja preocupao com a forma,
solene, simplificada ou mesmo verbal, dos dois acordos em causa.
2. Suspenso implcita em virtude do consentimento das partes: o artigo 59., n.2
CVDT dispe que:
O tratado precedente considerado apenas suspenso se resultar do tratado
posterior, ou se estiver por outra forma estabelecido que tal era a inteno das partes.
84
Esta ltima meno visa os Estados que exprimiram o seu consentimento em estarem vinculados pelo
tratado sem que este esteja ainda em vigor a seu respeito.
225
Tambm aqui, na prtica, o problema at agora s foi formulado por disposies convencionais
isoladas e no pelo conjunto de um tratado.
3. Recesso ou denncia por consentimento tcito entre todos os Estados em causa: o
artigo 54. CVDT no faz distino quanto s regras aplicveis a esta situao por um lado e
ab-rogao tcita por outro poderes.
226
Inexecuo faltosa: consiste na violao das disposies do tratado por uma ou vrias partes.
Na ordem interna, o juiz reconhece que uma parte no pode exigir que a outra execute um
cotrato que ela prpria no respeita. Esta atitude conforme ao princpio geral inadimplente
non est adimplendum que se aplica tambm na ordem internacional.
2. Regime jurdico:
a) As consequncias de uma violao substancial do tratado so determinadas
pelo artigo 60. CVDT.
a. Se se tratar de um tratado bilateral, a outra parte pode invocar esta
violao como motivo para pr fim ao tratado ou para o suspender.
Assim em a extino, nem a suspenso so automticas. A violao
estabelece apenas o direito de desencadear o processo institudo
pelos artigo 65. e seguintes. Uma interpretao restritiva do texto
poderia levar a excluir qualquer repdio unilateral do tratado
violado.
b. Se se tratar de um tratado multilateral, preveem-se duas formas de
ao, uma colativa, outra individual.
i. As outras partes, agindo por acordo unnime, so
autorizadas a suspender a aplicao do tratado na
totalidade ou em parte, ou a pr-lhe fim, quer nas relaes
entre elas e o Estado autor da violao, quer entre todas as
partes. Tambm aqui, no h qualquer automatismo.
Enquanto no se concordar na extino do tratado segundo
este processo, o tratado subsiste.
ii. A ao individual , ates de mais, a da parte especialmente
atingida pela violao. Ela pode invoca-la como motivo para
suspender (suspender somente) a aplicao do tratado nas
suas relaes com o Estado autor da violao. Qualquer
parte (que no seja o autor da violao), cuja situao em
relao ao tratado for radicalmente modificada pela
violao, pode igualmente invoca-la como motivo para
suspender, no que lhe diz respeito, a aplicao do tratado
(a Comisso de Direito Internacional pensava
designadamente nos tratados sobre o armamento).
b) O artigo 60. CVDT prev duas excees ao princpio que estabelece: a
extino ou a suspenso no pode afetar por um lado as disposies do
tratado que so concebidas para se aplicarem precisamente aos casos de
violao, e por outro, as disposies relativas proteo da pessoa
humana contidas nos tratados de natureza humanitria, designadamente as
disposies que excluem toda e qualquer forma de represlias sobre as
pessoas protegidas pelos referidos tratados.
Conflito armado internacional: se bem que o problema dos efeitos da guerra sobre os
tratados seja uma questo clssica em Direito Internacional largamente debatida na doutrina, a
Comisso de Direito Internacional no tinha redigido qualquer disposio sobre este ponto
quando dos trabalhos preparatrios da Conveno de Viena. Ela explicou este silncio no seu
relatrio: o exame dos efeitos da guerra sobre os tratados obrigaria a considerar todo o
problema da regulamentao do uso da fora pela Carta das Naes Unidas, o que teria por
resultado alargar consideravelmente o mbito dos trabalhos. Contudo, por iniciativa dos
delegados da ngria, da Polnia e da Suia, a Confernia de Viena adotou por unanimidade o
artigo 73. da Conveno, nos termos do qual as disposies no consideram resolvida
qualquer questo que possa surgir a propsito de um tratado em virtude () da abertura de
hostilidades entre Estados. Esta breve aluso tem, pelo menos, o mrito de lembrar que existe
227
228
Os exemplos citados pela Comisso de Direito Internacional visavam a submerso de uma ilha, a
secagem de um rio ou a destruio de uma barragem ou de uma instalao hidroeltrica indispensvel
execuo do tratado.
229
230
231
232
Seco I O Costume
233
como sustenta a doutrina clssica, que uma certa prtica se tenha desenvolvido antes que
possamos interrogar-nos sobre a existncia da opinio iuris e procurar a sua prova, ou poder-se ento afastar toda a anterioridade de um elemento em relao a outro? Enquanto
tradicionalmente se afirmava que o elemento psicolgico era o resultado da acumulao dos
precedentes, a prtica contempornea permite reconhecer na opinio iuris o ponto de partida
do processo costumeiro. : aos costumes sensatos do passado juntar-se-iam assim costumes
selvagens a partir de tendncias progressivamente cristalizadas. Esta indeterminao sobre
o encadeamento das etapas prova a flexibilidade deste modo de formao; ela no altera a sua
unidade. No menos verdade que o processo costumeiro difere em muitos aspetos do
processo convencional, o que explica certas hesitaes da doutrina voluntarista:
- a fonte costumeira no beneficia da expresso de uma vontade mas apoia-se sobre
a convico de que existe uma regra;
- ela no resulta de um ato jurdico mas de comportamentos provenientes dos
sujeitos de direito;
- o processo particularmente descentralizado, a sua cronologia menos clara do
que a do processo convencional ele prprio cada vez mais institucionalizado.
Estas interpretaes tcnicas so no entanto largamente compensadas pelo facto
de o processo costumeiro se apoiar nos imperativos da sociedade internacional, e de estes
ltimos lhe restiturem hoje em dia um papel que julgvamos ultrapassado.
Primeiro acaba por reconhecer um papel fundamental, seno mesmo exclusivo, ao elemento
psicolgico do costume, quando a reunio efetiva deste elemento com o elemento material
necessria para a formao de qualquer regra costumeira: os abusos a que tal mtodo poderia conduzir
parecem explicar a atitude muito reservada aos Estados do Tribunal a propsito do conceito de
tendncia costumeira, no caso da Plataforma continental Tunsia-Lbia (1982). Em segundo lugar, esta
teoria no pode explicar que os costumes gerais se imponham a todos os Estados, mesmo queles que
no tenham participado no processo de formao: a oposio a um costume geral j formado, em si no
produz efeito. No podendo negar a existncia de tais costumes gerais, a doutrina voluntarista sustenta
que a oponibilidade destas regras gerais aos Estados terceiros s possvel em virtude do
consentimento tcito destes ltimos. Raciocnio puramente fictcio, sobretudo quando pretende explicar
por que razo os novos Estados so imediatamente submetidos, desde o seu nascimento, ao conjunto
dos costumes gerais existentes. De facto, o acordo tcito no concebvel seno para costumes
bilaterais ou locais, aplicveis a um nmero restrito de Estados, cujo consentimento, pelo menos
234
1. - O processo consuetudinrio
Os comportamentos suscetveis de constituir precedentes: a formao do costume apoiase em toda a atuao dos sujeitos de Direito Internacional. Esta atuao pode corresponder a
atos jurdicos, internos ou internacionais, mas isto no uma necessidade. suficiente que a
atuao emane de sujeitos de Direito Internacional Estados, mas tambm organizaes
internacionais, tribunais internacionais, organizaes no governamentais, at certas pessoas
privadas. Por atuao uma terminologia habitual mas lamentvel que se refere naturalmente
a atos deve entender-se no s comportamentos positivos e negativos, mas tambm qualquer
expresso de uma opinio sobre a oportunidade ou a legalidade da atuao dos outros sujeitos
de Direito Internacional.
235
TJCE, 14 dezembro 1971, caso 7/71, Comission c. France, Rec. 1971, p. 1003; 3 feveriero 1976, caso
59/75, Ministre public c. Manghera, Rec. 1976
236
237
88
Acrdo 27 junho 1986, Atividades militares e paramilitares na Nicargua, 186, Rec., p. 98)
238
B O elemento psicolgico
239
notvel continuidade desde o dictum do Tribunal no caso Lotus. Respondendo tese do agente
governamental francs que invoca um facto de absteno, o Tribunal Penal de Justia
Internacional no considerou este como um precedente pertinente na medida em que no era
motivado, neste caso, pela conscincia de um dever de se abster 90 . De maneira mais
sistemtica ainda, o Tribunal Internacional de Justia exprime esta teoria nos termos seguintes:
Os Estados devem portanto ter a certeza de se conformar ao que equivale a uma
obrigao jurdica. No so suficientes nem a frequncia, nem mesmo o carter habitual dos
atos. Existem numerosos atos internacionais, no domnio do protocolo por exemplo, que so
realizados quase invariavelmente mas motivados por simples consideraes de cortesia, de
oportunidade ou de tradio e no pelo sentimento de uma obrigao jurdica91.
a autntica inverso da abordagem dos rbitros internacionais at meados do
sculo XIX. Todos os sujeitos de Direito podem contribuir para esta constituio da opinio iuris,
inclusive as pessoas privadas, segundo a sentena arbitral da Aminoil de 1982. Por definio, a
ponio iuris s pode resultar de uma expresso de vontade livremente consentida: no caso
Aminoil, as presses e coaes econmicas sofridas pelas sociedades petrolferas faro o rbitro
hesitar em tirar consequncias da atitude e do consentimento aparente destas sociedades com
o abandono da regra costumeira anterior.
90
91
240
2. - A prova do costume
A administrao da prova: num recurso contencioso, o nus da prova compete ao requerente,
pelo menos quando ele invoca uma regra costumeira regional ou local. Convm distinguir duas
sries de dificuldades: ser realmente necessrio aduzir a prova tanto da prtica material como
da opinio iuris? Para cada um destes elementos, qual o grau mnimo de pertinncia e de preciso
a alcanar?
1. Sobre o primeiro ponto, uma parte da doutrina exprime uma dvida quanto
necessidade de provar a opinio iuris. Admitindo embora que, nas condies histricas do
aparecimento das regras costumeiras, se torna muitas vezes difcil isolar a opinio iuris dos
prprios comportamentos, a jurisprudncia recusou-se a consagrar esta tese. Porm, preciso
reconhecer que, na administrao da prova da opinio iuris pelo juiz ou pelo rbitro, existe
frequentemente uma certa telescopagem das demonstraes relativas aos elementos
materiais e psicolgicos.
241
A noo de codificao:
1. Codificao e desenvolvimento progressivo do direito: o artigo 13. da Carta
das Naes Unidas confere Assembleia Geral mandato para promover estudos e fazer
recomendaes destinadas a incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional
e a sua codificao. O artigo 15. Estatuto da Comisso de Direito Internacional tenta precisar
a distino nos termos seguintes: no primeiro caso, tratando-se de preparar projetos de
convenes sobre sujeitos que no esto ainda regulamentadas pelo direito internacional ou
para os quais o direito no est ainda suficientemente desenvolvido na prtica estatal. A
codificao a formulao mais exata e a sistematizao das regras de direito internacional
nos domnios em que existem j uma prtica estatal consequente, precedentes e opinies
doutrinais. A codificao uma operao de converso de regras consuetudinrias num corpo
de regras escritas, sistematicamente agrupadas. O desenvolvimento do direito uma operao
de afirmao ou de consagrao de regras novas com base no Direito existente. A clareza da
distino apenas aparente. Na prtica, as duas operaes estaro muitas vezes intimamente
imbricadas, quanto mais no seja para reforar a coerncia lgica do corpo de regras inscritas
numa mesma conveno; ser contudo necessrio recorrer ao juiz para distinguir, no interior de
um texto de codificao, as regras costumeiras e as regras novas. O debate sobre estes dois
242
conceitos teria podido continuar a ser doutrinal. Porm tornou-se rapidamente poltico, o que
no surpreendente: a distino codificao desenvolvimento do Direito tem uma incidncia
direta sobre a oponibilidade das normas contidas nas convenes de codificao. De h quinze
anos a esta parte, desenvolvem-se cada vez mais tticas diplomticas ofensivas ou defensivas
sobre este assunto: assim, o recurso frmula da declarao para dar crdito ideia de que
as regras apresentadas num texto se inscrevem num processo consuetudinrio e se prestam
portanto, desde logo, codificao.
As tcnicas da codificao: somente devem ser tomadas em considerao aqui aquelas que
so aplicadas por sujeitos de Direito Internacional, competentes para estabelecer normas
internacionais. Os procedimentos variam em funo do quadro institucional em que se inscreve
243
244
modelo de regras cujo alcance jurdico depende dos comportamentos dos Estados para o
contedo do texto, atravs de resoluo: o processo de codificao acaba por ser um simples
modelo de regras cujo alcance jurdico depende dos comportamentos dos Estados. Ela prpria
pode tambm adotar este texto, aps emendas se o desejar, sob forma de uma conveno
qual os Estados sero convidados a aderir ou sob forma de resolues solenes. A maior parte
das vezes, a Assembleia decidir provocar a reunio de uma conferncia diplomtica
encarregada de adotar o texto da conveno de codificao.
3. - A aplicao do costume
245
246
247
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249
no contedo daquilo que atrs chammos Direito Constitucional Internacional. Da, alis, a
tendncia legtima para que os tratados codificadores se apliquem a todos os sujeitos do Direito
Internacional independentemente da sua adeso ao tratado.
250
deve ser rejeitada como explicao dos costumes gerais. Quando muito, poder valer em
relao a costumes locais, entre poucos, ou mesmo entre dois Estados, mas ento o seu valor
explicativo nenhum. Em resumo, ao rejeitar a explicao voluntarista do costume s cabe
reafirmar que o fundamento da obrigatoriedade do costume o mesmo fundamento da
obrigatoriedade do Direito Internacional em geral. E, se tivermos conseguido uma soluo
satisfatria para este problema, de que tratmos atrs, dela resultar tambm a explicao do
fundameno da obrigatoriedade do costume. Notemos finalmente que a frmula do artigo 38.
do Estatuto do Tribunal Internacional de Justia particularmente infeliz, j que parece
distinguir entre o costume, por um lado, e a norma jurdica, por outro, sendo aquele uma mera
prova da existncia desta. Ora a Teoria Geral do Direito no pe j em dvida que o costume,
interno ou internacional, no a prova de uma norma jurdica, mas o prprio modo de
formao da norma, que no existe independentemente do uso e da opinio iuris. Teria sido mais
uma razo a indicar aos autores daquele Estatuto a convivncia em definirem o costume como
fonte do direito Internacional.
Uma fonte direta e autnoma: retomando os termos do artigo 38-III do Estatuto do Tribunal
Penal de Justia Internacional, o artigo 38., n.1, alnea c, do Estatuto do Tribunal Internacional
de Justia dispe que o Tribunal aplica os princpios gerais de direito reconhecidos pelas naes
civilizadas.
251
252
Uma fonte primria e supletiva: para muitos autores, a utilidade do artigo 38., n.1, alnea
c), e o recurso aos princpios gerais de direito reduz-se a colmatar algumas lacunas do Direito
consuetudinrio e convencional ou a evitar os impasses de uma aparente lacuna jurdica. Estes
princpios constituiriam assim uma fonte no somente supletiva mas tambm subsidiria do
Direito Internacional. Segundo a opinio dominante, o artigo 38., n.1, alnea c), uma
consequncia necessria das limitaes da funo jurisdicional internacional. Diversamente do
juiz interno, que pode e deve decidir mesmo em caso de silncio da lei, o juiz internacional no
poderia faz-lo sem habilitao expressa dos sujeitos do Direito Internacional. Na ausncia de
uma resposta convencional ou consuetudinria ao litgio que lhe submetido, o juiz ou o rbitro
deveria pronunciar o non liquet, reconhecer que lhe impossvel cumprir a sua misso. O
recurso aos princpios gerais de Direito autoriz-lo a decidir, sem sair do Direito positivo. Para
outros autores, que recusam a ideia de lacunas do Direito porque se resolveriam numa
competncia discricionria dos Estados (princpio da independncia) o artigo 38., n.1, alnea
c), teria por funo reduzir o campo de aplicao desta competncia discricionria, para alm
do que oponvel aos Estados em causa com base nas regras convencionais ou consuetudinrias.
No deveria, alis, deduzir-se da tese precedente que os princpios gerais de Direito so
suscetveis de resolver todos os problemas suscitados pela ausncia de regras consuetudinrias
e convencionais. Nada na natureza destes princpios permite tal concluso. Que se trate de uma
fonte supletiva indiscutvel. O juiz internacional como os agentes estatais, invocam em
primeiro lugar, podendo-o, regras consuetudinrias e convencionais em apoio das suas
demonstraes. Esta era tambm a opinio do comit de Juristas encarregado de elaborar o
projeto do Estatuto do Tribunal Penal de Justia Internacional. Soluo razovel pois as regras
consuetudinrias e convencionais tm uma existncia mais fcil de estabelecer e um contedo
menos aleatrio. A ordem estabelecida pela enumerao do artigo 38. do Estatuto e portanto
uma ordem sucessiva de tomada em considerao. Tratar-se- ento de uma fonte subsidiria
ou secundria? Ser necessrio reconhecer uma hierarquia entre as fontes visadas no artigo
38.? Se numerosos autores sustentaram esta tese, foi porque tinham em mente a aplicao
dos princpios gerais de Direito pelo juiz ou pelo rbitro internacional com uma autorizao
convencional. Mas vimos mais atrs que esta viso estreita das coisas no corresponde
realidade: os tribunais internacionais aplicam sem hesitar os princpios gerais mesmo na
ausncia de uma habilitao o fenmeno evidente no que respeita ao Tribunal de Justia das
Comunidades Europeias, que no se contenta com as hipteses de responsabilidade contratual
evocadas pelo artigo 215. do Tratado de Roma na busca dos princpios gerais comuns aos
direitos dos Estados Membros, e os sujeitos de Direito Internacional invocam-nos fora de
qualquer contencioso. Em segundo lugar, admitir com Guggenheim que a introduo dos
princpios gerais de direito, como fonte particular de direito das gentes, tem uma razo jurdicopolitica. Trata-se de estender o poder do juiz internacional restringindo o poder discricionrio
dos sujeitos de Direito, poder baseado no princpio do Direito consuetudinrio que reconhece a
independncia dos Estados. Equivale a reconhecer a mesma eficcia tanto a um princpio geral
253
2. Se se pudesse admitir que, no quadro universal, a generalidade suficiente, serse-ia tentado a pensar que, tratando-se de relaes num crculo restrito de Estados, a
unanimidade tende a impor-se. Este raciocnio, apoiado na analogia com a jurisprudncia sobre
os costumes regionais, nem sempre se verificou.
b)
c)
d)
e)
f)
255
256
seno mesmo a referncia expressa ao artigo 38., n.2 do seu Estatuo. Segundo o Tribunal
Penal de Justia Internacional o poder de natureza absolutamente excecional que as partes lhe
concederiam de estabelecer um regulamento que abstrasse dos direitos reconhecidos por ele
e s envolvesse consideraes de pura oportunidade deveria resultar de um texto positivo e
claro que no se encontra no compromisso 94 . Mas adquirida esta base, o Tribunal parecia
admitir uma total liberdade de juzo sem referncia ao direito positivo e mesmo, na
circunstncia, contra a autoridade de caso julgado. Da mesma maneira, o Tribunal Internacional
de Justia admitiu o princpio de uma soluo ex aequo et bono no seu acrdo de 1966,
Sudoeste africado. A jurisprudncia recente do Tribunal parece confirmar as indicaes
anteriores: desde que a habilitao para decidir segundo a equidade no seja de uma evidncia
solar, o Tribunal abster-se- de proceder contra legem e mesmo de decidir praeter legem; se a
habilitao for indiscutvel, o Tribunal j no teria que aplicar estritamente regras jurdicas,
tendo por fim alcanar um regulamento adequado. Isto pode significar o exerccio de um certo
poder discricionrio e o recurso justia distributiva. A frmula adotada pelo Tribunal em
1982 mostra bem que aqui a equidade no uma fonte de direito, mas um sistema de referncia
de uma resoluo jurisdicional dos conflitos internacionais. Quando a equidade substitui o
Direito, no parece nada lgico considera-la uma fonte de Direito Internacional. No se tornar
ento difcil distinguir a equidade e a noo de composio conciliadora? Mesmo admitindo-se
que o poder de decidir ex aequo et bono no e confunde com a ideia de decidir
equitativamente, que vai mais alm, certo que a equidade procede diretamente da ideia
de justia, ao passo que a composio conciliadora pode fazer prevalecer consideraes de
convenincia e de oportunidade.
257
Justia confirmou este ponto de vista de maneira muito clara no caso da Plataforma Continental
do Mar do Norte: Qualquer que seja o raciocnio jurdico do juiz, as suas decises devem por
definio ser justas, portanto, nesse sentido, equitativas. Encontra-se outra ilustrao disso no
comentrio de um projeto de artigos da Comisso de Direito Internacional: De facto, o princpio
da equidade mais um fator de equilbrio, um elemento corretivo destinado a preservar o
carter racional do elo de ligao entre os bens mveis do Estado e o territrio. A equidade
permite interpretar da maneira mais judiciosa a noo de bens ligados atividade do Estado
predecessor em relao ao territrio e dar-lhe um sentido aceitvel. Dever chegar-se at
correo das regras de Direito quando a sua aplicao conduz a um resultado contrrio ao
sentimento de justia? Admitir que consideraes de equidade podem levar a afastar as regras
de Direito seria contrrio ao princpio elementar da segurana jurdica. Tais consideraes
podem certamente inspirar reivindicaes polticas que, por sua vez, podem estar na origem de
novas normas jurdicas, mas a equidade s pode substituir o Direito positivo se as partes em
litgio o consentirem.
258
meio de interpretao das outras regras de Direito. No seno uma fonte derivada, indireta,
segunda do Direito Internacional. A equidade pode intervir como princpio suplementar de
deciso nos casos em que o Direito positivo permanece silencioso. Esta soluo tem o mrito
de limita a subjetividade do juiz e do rbitro que s podem procurar a equidade nos limites
razoveis da regra geral e objetiva que aplicam.
259
Observaes gerais: ao lado dos atos concertados convencionais, cujo lugar notvel no Direito
Internacional contemporneo j foi sublinhado, a prtica e a jurisprudncia internacional
reconhecem a existncia de outras categorias de instrumentos jurdicos e a sua contribuio
para a formao do Direito Internacional. Atos jurdicos que se distinguem dos tratados seja pelo
seu carter unilateral, seja pela sua autonomia em relao ao Direito dos Tratados. Apesar da
sua diversidade formal, os atos aqui estudados tm uma caracterstica comum: trata-se sempre
de uma expresso de vontade num sujeito do Direito Internacional, tendente a criar efeitos de
Direito. Todavia, como so difceis de relacionar com fontes formais tradicionais de Direito
Internacional, visto a sua normatividade ser muitas contestada, estes instrumento esto no
centro de uma controvrsia sobre o seu verdadeiro papel na elaborao do Direito. Apesar de
todas estas ambiguidades, necessrio estud-los aqui na medida em que contestada a sua
integrao nas fontes do Direito Internacional. Convm igualmente manter a distino entre
atos unilaterais e atos concertados, pois a sua oponibilidade aos sujeitos de Direito pe-se em
termos diferentes, o que no pode deixar de influir no seu papel na elaborao do Direito
Internacional.
Definio de ato unilateral: por ato unilateral deve entender-se o ato imputvel a um nico
sujeito de Direito Internacional. O crescimento espetacular desta categoria de atos est
evidentemente relacionado com a multiplicao de sujeitos de Direito. Durante muito tempo
limitada aos atos unilaterais dos Estados, compreende agora a massa impressionante dos atos
provenientes de organizaes internacionais. Num mundo de coexistncia das soberanias
estatais, os atos das organizaes relanam a controvrsia sobre o alcance jurdico e a
oponibilidade dos atos unilaterais aos Estados. A propsito dos atos estatais, os raciocnios que
se apoiam no princpio da soberania, no podem ser pura e simplesmente transpostos para o
caso dos atos das organizaes internacionais: preciso ter em conta a competncia limitada
das organizaes e o facto de que estes atos atingem os Estados ora como membros da
organizao (atos autonormativos), ora como sujeitos autnomos (autos
heteronormativos); a oponibilidade dos atos unilaterais das organizaes depende de um jogo
de elementos mais complexos do que na hiptese dos atos unilaterais.
A Noo
Consagrao dos atos unilaterais estatais pelo Direito Internacional : embora o artigo
38. do Estatuto do Tribunal Internacional de Justia no lhe faa meno, a exist~encia de atos
260
pelos quais um Estado, agindo sozinho, exprime a sua vontade e que produzem efeitos em
Direito Internacional indiscutvel. Para que assim seja, necessrio como para qualquer
outro ato jurdico que sejam demonstradas a imputabilidade do ato a um Estado, atuando nos
limites da sua capacidade, e uma publicidade suficiente da vontade do Estado. No necessrio,
pelo contrrio, que se estabelea qualquer aceitao do compromisso unilateral pelos outros
sujeitos de Direito. Os tribunais internacionais no se detm na diversidade das manifestaes
desta vontade, visto que a inteno estatal ou pelo menos parece manifesta. Estes
admitem que os atos unilaterais podam emanar da autoridade legislativa ou do executivo,
dirigir-se aos Estados mas tambm opinio pblica nacional e tomar uma forma mais ou menos
solene.
2. regra esta categoria de atos unilaterais que uma classificao material mais
fecunda. Podemos distinguir em geral os principais tipos seguintes:
1. A notificao: sempre um ato-condio, na medida em que
condiciona a validade de outros atos. (Os Estados procedem a
numerosas notificaes sem terem sido solicitados por um tratado, nem
serem obrigados pelo Direito Consuetudinrio, mas com a preocupao
de acelerar a oponibilidade das suas reivindicaes aos outros Estados
delimitao dos espaos martimos por exemplo.);
2. O reconhecimento: ato pelo qual o Estado verifica a existncia de certos
factos (aparecimento de um Estado, efetividade de um governo) ou de
certos atos jurdicos (nacionalidade concedida a um indivduo por um
Estado, conveno concluda entre terceiros) e admite que lhe so
oponveis. Explcito ou implcito, sem dvida o mais importante e o
mais frequente dos atos unilaterais;
3. O protesto: constitui uma vertente negativa do reconhecimento; tratase de um ato pelo qual o Estado reserva os seus prprios direitos face
s reivindicaes de outro Estado ou contra uma regra em vias de
formao. Poder assim impedir que uma regra consuetudinria lhe seja
oponvel. Pelo contrrio, uma falta de protestos inequvoca equivale a
reconhecer os direitos dos outros Estados ou a validade de uma situao
originariamente contestvel;
4. A renncia: tem um significado diferente; no so os atos ou os direitos
dos outros Estados que esto em causa, mas os do Estado que renuncia.
Em conformidade com o princpio segundo o qual as limitaes
independncia no se presumem, as renncias devem ser expressas e
no se presumem;
5. Diversamente dos atos unilaterais precedentes, que incidem sobre
fatos ou atos existentes, a promessa (ou a garantia) d origem a novos
direitos em proveito de terceiros.
261
1. A competncia do Estado para realizar certos atos -lhe muitas vezes conferida
por um acordo no qual parte. Assim acontece na adeso ao tratado, na denncia ou no recesso
regulamentados, e nas reservas a este tratado. Da mesma maneira, por declarao unilateral
baseada no artigo 36. do Estatuto do Tribunal Internacional de Justia, os Estados podem
aceitar a jurisdio obrigatria do Tribunal. Esta aceitao permitir-lhes- solicitar
unilateralmente o Tribunal Internacional de Justia nos diferendos que os oponham a outros
Estados que tenham dado o mesmo acordo. Podem multiplicar-se os exemplos de tais
solicitaes. A combinao de um tratado e de um ou vrios atos unilaterais uma soluo
corrente. Ela contribuir para completar o compromisso convencional evitando consagrar,
abertamente, as discriminaes entre as partes. A convergncia do ato convencional e do ato
unilateral pode tambm visar a confirmao do carter objetivo e oponvel a todos do tratado
em causa: a declarao substitui neste caso a adeso formal. Alem disso o ato unilateral
prolongar os efeitos no tempo do ato convencional. um processo frequentemente utilizado
para os acordos de controlo dos armamentos estratgicos: este mtodo permite conciliar a
vontade dos Estados de s tomarem compromissos experimentais e a curto prazo, e a sua
preocupao de no criarem solues de continuidade quando a negociao do novo acordo se
arrasta muito. Um ato unilateral do Estado pode tambm dar existncia jurdica ao contedo
de um tratado que no est em vigor, ou porque j o deixou de estar, ou por no o estar ainda.
262
B Alcance Jurdico
263
Os atos autonormativos:
1. No h dvidas de que os Estados podem impor a si prprios obrigaes ou
exercer unilateralmente direitos nos limites admitidos pelo Direito Internacional geral. O
Tribunal Internacional de Justia afirmou-o sem ambiguidades no caso dos Ensaios nucleares:
sabido que declaraes revestindo a forma de atos unilaterais e relativas a situaes de
Direito ou de facto podem criar obrigaes jurdicas. Quando o autor da declarao pretende
vincular-se nestes termos, esta inteno confere sua tomada de posio o carter de um
compromisso jurdico, ficando doravante o Estado em causa obrigado a seguir uma linha de
conduta conforme sua declarao. Um compromisso desta natureza, expresso publicamente
e com a inteno de se vincular, tem um efeito obrigatrio, mesmo fora do quadro das
negociaes internacionais.
2. Se a jurisprudncia do Tribunal clara quanto ao princpio do efeito obrigatrio
do ato unilateral vlido, d lugar a incertezas quanto ao regime jurdico desse mesmo ato. Quais
so os princpios a aplicar para a interpretao do contedo do compromisso unilateral?
Segundo o Tribunal Internacional de Justia, no caso dos Ensaios nucleares, o alcance do
compromisso depende das circunstncias e dos termos utilizados. A interpretao da vontade
do Estado deve ser prudente, porque as limitaes independncia no se presumem. Um
dos aspetos mais delicados da questo saber se o compromisso irreversvel, se o Estado no
pode voltar atrs. No existem normas ou atos jurdicos perptuos, mas a transformao dos
atos jurdico internacionais est rodeada por certas garantias. Do mesmo modo, para os atos
unilaterais, necessrio admitir uma faculdade de arrependimento, mas o seu exerccio no
pode ser deixado ao livre arbtrio do Estado: reconhecer aos Estados o direito discricionrio de
se libertarem das obrigaes resultantes dos seus prprios compromissos, seria menosprezar os
direitos conseguidos pelos outros Estados atravs destes compromissos e violar gravemente a
segurana jurdica. Temos de admitir que um Estado s pode desligar-se das obrigaes
resultantes de atos unilaterais recorrendo aos processos habituais de resoluo pacfica de
conflitos. Em ltima anlise por-se- o problema da obrigao de negociar de boa f. Sustentouse durante muito tempo que as condies de validade e de licitude do ato estatal unilateral
apresentavam caractersticas inditas em relao s aplicveis aos tratados. Na realidade
existem numerosos aspetos comuns. O ato unilateral deve respeitar a hierarquia das normas,
quando ela existe (ius cogens, atos sucessivos com identidade de pates), assim como o princpio
de licitude do fim e do objeto do ato; tambm no deve incorrer em vcios de consentimento.
O que mais especfico nos tos unilaterais a tendncia contempornea para encobrir os
pretensos vcios destes pela sua compatibilidade comas resolues de organizaes
internacionais. O problema fica ento deslocado: conforme a adoo de tais resolues tenha
ou no modificado a hierarquia das normas em vigor, assim os atos unilaterais podero ser
julgados legtimos ou no. O problema merce ser posto mais para os atos heteronormativos do
que para os atos autonormativos.
264
tenha os mesmos efeitos em todos os seus elementos e em relao a todos os seus destinatrios,
o que no se verifica necessariamente. Alm disso, esta distino abstrai dos comportamentos
dos Estados, em especial da sua aceitao expressa da resoluo, que modifica os seus efeitos.
Existem numerosos exemplos de resolues aceites. As resolues adotadas nestas condies
j no so simples recomendaes, mas verdadeiros atos jurdicos, dando a organizao um
contedo vontade do Estado expressa previamente. As mesmas consideraes valem se o
requerente de um parecer consultivo estiver de acordo a priori em aceit-lo. Observar-se- que
a resoluo no coincide com a noo de ato unilateral no jurisdicional. Esta categoria de atos
mais ampla, compreende igualmente o conjunto dos atos adotados pelos rgos compostos
por agentes internacionais (Secretariados, Comisso Europeia). Para os atos dos rgos
jurisdicionais, a distino entre acrdo (ou sentena) e parecer consultivo comparvel
mutatis mutandis, existente entre deciso e recomendao. Se tivermos de deter-nos um
pouco mais nestas questes de terminologia, porque elas tm uma incidncia no alcance
jurdico dos atos unilaterais das organizaes.
A As Decises
Definio: no sentido tcnico, a deciso um ato unilateral com fora obrigatria geral, isto
, um ato emanado de uma manifestao de vontade de uma organizao, imputvel portanto
a esta, e que cria obrigaes a cargo do seu ou dos seus destinatrios. efetivamente um ato
jurdico internacional. Somente um ato de um rgo internacional que tem tais efeitos merece
esta qualificao. Ser, em princpio, o caso de uma deciso do Conselho de Segurana das
Naes Unidas adotada conforme o artigo 25. da Carta, pois o termo deciso aqui
entendido no seu sentido tcnico. Em contrapartida, o ato adotado em virtude de outras
disposies da Carta e qualificado como deciso, pode ser na realidade uma recomendao: o
termo deciso neste caso tomado no sentido corrente e visa um ato destinado a concluir
uma discusso ou uma deliberao. O Tribunal Internacional de Justia reconhece, a propsito
do artigo 18. da Carta, que elas compreendem com efeito certas recomendaes 95 da
Assembleia. Noutros casos, no ser admitida a hesitao. Segundo o artigo 189. do Tratado
instituindo a Comunidade Europeia:
Para o cumprimento da sua misso e nas condies previstas no presente Tratado,
o Parlamento Europeu conjuntamente com o Conselho, o Conselho e a Comisso deliberam
regulamentos e diretivas, tomam decises e formulam recomendaes ou pareceres.
O regulamento tem um alcance genrico. obrigatrio em todos os elementos e
diretamente aplicvel em qualquer Estado membro.
A diretiva vincula qualquer Estado membro destinatrio quanto aos resultados a
atingir, deixando embora s instncias a competncia simultaneamente quanto forma e aos
meios.
A deciso obrigatria em todos os seus elementos para os destinatrios que ela
designa.
95
265
266
importante no Direito das organizaes internacionais do que nas relaes interestatais. Dirige
em parte a aplicao do princpio da hierarquia das fontes, princpio que encontra melhor
aplicao num quadro institucionalizado. Assim, os agentes das Naes Unidas esto
submetidos a um Estatuto, estabelecido pela Assembleia Geral, e ao Regulamento emanado
em execuo do primeiro do Secretrio Geral da Organizao das Naes Unidas. A base da
pirmide normativa constituda por decises individuais de aplicao. Como tm efeito
obrigatrio para os rgos da organizao e para os Estados membros, as decises so adotadas
segundo processos muitas vezes complexos destinados a fazer respeitar certos equilbrios
polticos. A Carta das Naes fornece disso vrias ilustraes. O artigo 97. estabelece que o
Secretrio Geral nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendao do Conselho de
Segurana; os juzes do Tribunal Internacional de Justia so eleitos aps escrutnios separados
da Assembleia Geral e do Conselho de Segurana, por maioria absoluta de votos (artigo 4. a
12. do Estatuto anexo Carta). A admisso de um Estado nas Naes Unidas realiza-se atravs
de uma deciso da Assembleia Geral por recomendao do Conselho de Segurana (artigo 4.,
n.1 Carta). Da mesma maneira, no mbito das Comunidades Europeias, o Conselho de Ministros
s pode, em princpio, adotar um ato decisrio sob proposta da Comisso. A recomendao
do Conselho de Segurana, a proposta da Comisso, no so em si prprias atos criadores de
normas, mas como atos-condies no so desprovidos de efeitos jurdicos; a sua falta
constitui um vcio de processo suficiente para obter a anulao ou a inoponibilidade do ato
unilateral da organizao.
267
execuo. Este dictum chama a ateno para certas particularidades do regime das decises
unilaterais da Organizao das Naes Unidas. A sua oponibilidade aos Estados destinatrios e
mesmo a sua validade esto condicionadas, em primeiro lugar, pela extenso das competncias
reconhecidas ao rgo que adota estas decises; depende tambm de uma eventual aceitao
dos Estados destinatrios. O poder de decidir, atribudo pela Carta ao Conselho de Segurana
no exerccio da sua funo de manuteno e de restabelecimento da paz, prenhe de
consequncias mais o seu uso foi, durante muito tempo, excecional. a primeira vez, na Histria
da humanidade, que um rgo poltico, escala universal, tem o direito de impor os seus pontos
de vista a Estados soberanos no domnio mais importante das relaes internacionais. Quando
exerce este poder de natureza executiva, surge de facto como uma autoridade pblica
internacional: o poder de deciso que o artigo 25. da Carta reconhece ao Conselho de
Segurana no se limita ao exerccio das competncias previstas pelo captulo VII da Carta, mas
a todas as medidas julgadas oportunas para a manuteno da paz. Embora a Assembleia Geral
no tenha, em princpio, competncia para adotar decises empenhativas para os Estados
membros. As organizaes podem tambm usar o seu poder regulamentar para adotar decises
de alcance geral que interessem os Estados. Um tal poder atentatrio para as soberanias
nacionais; no devemos, portanto, surpreender-nos se fica a maior parte das vezes encerrado
em limites estreitos e se aplica apenas a problemas tcnicos As instituies especializadas so
os seus principais beneficirios. Pode-se aproximar desta hiptese a competncia de auto
emenda da sua Carta de que dispem certas organizaes. A maior parte das vezes, a deciso
da organizao no ser, todavia, seno uma mera etapa, necessria mas no suficiente, para
obter a reviso do tratado constitutivo; portanto quando muito um ato-condio num
processo complexo de alterao de um tratado.
Sobre o conflito normas convencionais/decises das organizaes ver Extino e Suspenso dos
Tratados, Extino e Suspenso do Tratado pela vontade das partes, Vontade posterior das
partes, Vontade Tcita
96
268
costume novo, a deciso oponvel entre Estados membros da organizao, mas inoponvel nas
relaes com os Estados terceiros. Por consequncia, em termos de responsabilidade, o Estado
membro que aplica a deciso no pode ver a sua responsabilidade comprometida nas relaes
com outro Estado membro; ao passo que a sua responsabilidade estaria comprometida pela
mesma atitude nas suas relaes com um Estado no membro. A aplicao das sentenas dos
tribunais internacionais facilitada pelo princpio da autoridade do caso julgado. Mas, face m
vontade de um Estado, as tcnicas institucionalizadas correm o risco de ter uma eficcia limitada.
Na ordem jurdica interna, os tribunais nacionais mostram-se embaraados quando lhes
solicitado que apliquem decises das organizaes internacionais. sua jurisprudncia falta
coerncia. Com bastante frequncia os tribunais internos evitaro pronunciar-se diretamente
sobre o valor jurdico destes atos: sem negar abertamente o seu alcance obrigatrio, eles
encontraro subterfgios processuais para no terem de os toma em considerao. Os tribunais
nacionais mostram menos reserva quando as constituies locais incorporam os princpios das
convenes internacionais com base nas quais certas organizaes apoiam a sua prtica: assim
sucede com a jurisprudncia dos tribunais alemes e austracos em matria de direitos do
homem, que faz referncia s decises da Comisso e do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem.
B As Recomendaes
269
Carta das Naes Unidas, pressupe uma violao jurdica s soberanias nacionais; convm no
estender o seu campo de aplicao aos inconvenientes polticos de uma tomada de posio da
organizao. No obrigatrias de um ponto de vista jurdico, as recomendaes podem ser
politicamente muito coercivas. So inegveis meios de presso polticos. Com efeito, a oposio
de um Estado a uma recomendao sustentada por um grupo mais ou menos vasto de Estados,
obriga-o manter-se na defensiva, a explicar a sua posio sobretudo se o rgo internacional
procedeu a uma qualificao da situao - ocupao, ameaa para a paz, agresso - que
se impe a rgos subsidirios. Estas consideraes so particularmente prementes quando as
recomendaes so acompanhadas de meios de presso psicolgicos (solenidade da adoo,
formulao decalcada na dos tratados, etc.); ou se comportam um mecanismo de controlo
tendo por objeto permitir apreciar os progressos efetuados na aplicao dos princpios que
formulam ou salientar as insuficincias na sua aplicao. Nas Naes Unidas, tais processos so
frequentemente utilizados nos domnios dos direitos do homem, da descolonizao, do
desenvolvimento e do desarmamento. Em ltima instncia, acabam num mecanismo de
adaptao comparvel s conferncias de reviso dos tratados. Ao criar tais rgos de controlo,
a Assembleia Geral pode parecer contornar a proteo oferecida s soberanias nacionais pelo
artigo 2., n.2 Carta das Naes Unidas: os Estados membros no podem contestar a existncia
e os poderes reconhecidos estes rgos, exercendo a Assembleia uma competncia
estabelecida pela Carta. O Tribunal Internacional de Justia afastou a objeo baseada neste
alcance jurdico indireto das recomendaes nos termos seguintes:
As funes da Assembleia Geral para as quais pode criar rgos subsidirios
compreendem, por exemplo, os inquritos, a observao e o controlo, mas a maneira como estes
rgos subsidirios so utilizados depende do consentimento do Estado ou dos Estados
interessados97.
Por vezes, sustentou-se que uma recomendao era oponvel a um Estado tendo,
pelo seu voto, contribudo para a sua adoo, invocando o princpio da boa f. No est excludo
que o princpio encontre aplicao; mas a boa f no violada s pelo facto de um Estado no
aplicar uma recomendao que votou. Falando de recomendao, a Carta constitutiva da
organizao implica que o seu contedo no obrigatrio. Muito legitimamente, os Estados
regulam a sua conduta em funo desta considerao: frequentemente um Estado vota a favor
de uma recomendao porque tem conscincia que o seu voto no o empenha: sustentar o
contrrio conduziria a uma grave paralisia do funcionamento das organizaes internacionais.
97
270
O quadro jurdico pode, com efeito, tornar-se muito complexo. Os outros Estados
membros permanecem livres de no dar seguimento a esta recomendao, e no esto
vinculados seno pelas normas anteriormente aceites. O eventual conflito das regras antigas e
novas no pode ser resolvido nem em virtude do princpio da hierarquia das fontes vito que a
recomendao , por hiptese, vlida nem com base no princpio lex posterior, visto que a
norma mais recente no obrigatria. Mesmo o princpio da boa f de uma utilidade muito
limitada: inoponvel aos Estados que votaram contra a recomendao; quando muito proibir
a um Estado que votou a favor da recomendao que censure um outro Estado por aplica-la. A
consequncia essencial da adoo de uma recomendao ser portanto autorizar os Estados
que a respeitam a pr de parte a aplicao de uma norma anterior contanto que no violem os
direitos adquiridos pelos outros Estados. Os Estados que a recusem podero continuar a aplicar
a norma anterior. Esta situao concebvel, ainda que incmoda, quando se trata de princpios
que regem as relaes interestatais; mas constitui um verdadeiro impasse quando est em causa
271
98
Assim, a Assembleia Geral poderia, apoiando-se na resoluo 377 (V) denominada Acheson,
recomendar o recurso fora em condies no previstas na Carta. Como conciliar as obrigaes
preexistentes, definidas pela Carta, e as normas recomendadas? Na verdade, as recomendaes no
possuem qualquer fora obrigatria, mas neste caso somos colocados perante a hiptese em que um
Estado pe voluntariamente em aplicao a resoluo. Poder dizer-se que esta aplicao espontnea
irregular por entrar em conflito com obrigaes anteriores? Isso seria desencorajar as boas vontades e
comprometer a realizao dos objetivos da Carta. Se as resolues no possuem fora obrigatria, so,
no entanto, adotadas com o fim de serem executadas.
272
273
274
Fronteiras mal definidas: apesar desta unidade e de uma definio que no suscita incertezas
especiais, nem sempre fcil distinguir os atos concertados no convencionais das outras
categorias de instrumentos jurdicos internacionais. Nenhum problema se pe, a priori, na
distino dos atos concertados no convencionais e dos atos unilaterais dos Estados: uns so o
resultado de uma negociao e no t efeito obrigatrio, os outros emanam de um s sujeito
de Direito que eles assumem. Pela sua natureza, trata-se portanto de instrumentos claramente
distintos. Contudo, pode notar-se que, da mesma maneira que certos tratados se assemelham
a atos unilaterais coletivos face a terceiros, certos atos concertados no convencionais
pretendem produzir efeitos a respeito de terceiros. Pe-se o problema do efeito dos atos
concertados no convencionais a respeito de terceiros; podemos resolv-lo por analogia com as
regras relativas ao efeito dos tratados para os Estados terceiros. Mas sobretudo em relao as
resolues das organizaes internacionais por um lado, aos tratados por outro, que se pe o
problema da especificidade dos atos concertados no convencionais.
275
do que incidncia concreta, ao passo que o alcance jurdico dos atos concertados no
convencionais est muito prximo do das recomendaes das organizaes internacionais.
276
muito grande sobre os seus destinatrios (que so em geral os seus autores); basta pensar, a
este respeito, no papel que desempenharam e continuam a despenhar, por exemplo, o Ato final
do Congresso de Viena e a Declarao sobre a neutralidade perptua da Sua (1815). Esta
presso ainda acrescida quando o ato concertado prev processos especais de publicidade ou
de exame peridico. Tal era o caso do protocolo de encerramento da Conferncia de Ialta que
tinha previsto encontros peridicos dos Ministros dos Negcios Estrangeiros dos trs Estados
signatrios (Estados Unidos, Reino Unido e U.R.S.S.).
277
278
1. - A Doutrina
Definio: o termo doutrina tem duas acees ligadas entre si, das quais somente a segunda
aqui tomada em considerao. Designa-se por vezes a posio dos atores internacionais sobre
problemas polticos. neste primeiro sentido que se fala das doutrinas Monroe, Hallstein,
Brejnev. Pouco importa que estas doutrinas tenham implicaes ou um objeto jurdico
(reconhecimento, soberania): a sua razo de ser poltica e no pretendem exprimir o Direito
Internacional as, quando muito, uma poltica jurdica externa. Por doutrina, entende-se
tambm e o que visa o artigo 38. do Estatuto do Tribunal Internacional de Justia as
posies dos autores, das sociedades eruditas ou dos rgos chamados a formular opinies
jurdicas sem comprometer os sujeitos de Direito (Estado, organizao internacional) dos quais
derivam. Na prtica, o peso das opinies individuais varia de maneira sensvel conforme elas se
exprimem num quadro pedaggico, de livre discusso acadmica, ou se inserem num processo
internacional (diplomtico, normativo ou contencioso). Todavia, se a distino incontestvel,
os seus limites so por vezes difceis de precisar.
279
280
2. - A Jurisprudncia
Papel da jurisprudncia:
1. A referncia, no artigo 38. do Estatuto, funo da jurisprudncia como meio de
determinao do Direito, corresponde a uma realidade. A autoridade assim reconhecida
jurisprudncia internacional explica-se pelas garantias oferecidas pelo processo jurisdicional e a
prpria composio dos tribunais internacionais. Esta autoridade pode no entanto ser atenuada
quando dada uma certa publicidade aos desacordos entre juzes ou rbitros; a este respeito,
ma opinio individual pode ser to lamentvel como uma opinio dissidente. A opinio
individual a de um juiz que aceita o dispositivo de um acrdo mas no a sua exposio dos
motivos; este tipo de opinio permite-lhe, ao mesmo tempo, justificar o seu desacordo e dar a
conhecer os motivos sobre os quais pretende basear a sua aceitao do dispositivo. A opinio
dissidente a de um juiz minoritrio que indica no apenas a sua oposio ao dispositivo do
acrdo, mas tambm os motivos nos quais baseia a sua oposio. Em conformidade com a
prtica seguida pelos tribunais anglossaxnicos, so admitidas a formulao das opinies
individuais e dissidentes dos juzes do Tribunal Internacional de Justia: as primeiras pelo artigo
57. do Estatuto, as segundas pelo seu Regulamento.
281
evidente que qualquer deciso sobre a situao do Ato de 1928, pela qual o Tribunal
declararia que este ou j no uma conveno em vigor, poderia influenciar as relaes entre
outro Estados que no a Grcia e a Turquia99.
Com efeito, claro, que, se uma opinio do Tribunal se baseia em fatores objetivos, no
podem admitir-se pela sua parte concluses contraditrias. As exigncias de coerncia, de
continuidade, de segurana jurdica, so mais imperativas para a jurisprudncia do que para a
doutrina. na medida em que estas exigncias so respeitadas que a jurisprudncia previsvel
e tem portanto uma certa autoridade junto dos Estados. Alm disso, como vimoso acima,
necessrio reconhecer s jurisdies internacionais um papel na criao de normas gerais de
interpretao dos tratados, na aplicao da equidade, assim como na elaborao das regras
consuetudinrias. Todos estes argumentos no bastam para fazer da jurisprudncia uma fonte
de Direito Internacional. Somente os acrdos tm esta qualidade e ainda com uma
oponibilidade restrita aos Estados partes no contencioso.
99
282
As Relaes Internacionais100
1. - Organizaes Universais com competncias gerais
O precedente da Sociedade das Naes: as solues que sero conservadas pelos autores
da Carta das Naes Unidas, para a resoluo pacfica dos conflitos no poderiam ignorar as
lies da experincia da Sociedade das Naes. ainda hoje necessrio estudar o mecanismos
de entre-as-duas-guerras para compreender como se tentou corrigir as lacunas e as
insuficincias. Com efeito, se a Sociedade das Naes viu malograda a sua ambio principal,
evitar conflitos armados, a responsabilidade deste insucesso no pertence no essencial s
tcnicas de resoluo pacfica institudas pelo Pacto. A maior parte delas estavam aliceradas
em dados fundamentais que so sempre observados: coexistncia de Estados soberanos e
justaposio de Estados de desigual poder.
283
284
Exerccio de competncias:
1. As funes dos rgos competentes da O.N.U. so idnticas s dos rgos da
S.d.N.. Uns como outros exercem a sua misso pela via do inqurito, da mediao e da
conciliao.
285
3. Uma ltima diferena entre os dois sistemas de assinalar aqui, que se reporta
ao processo de deciso. O Pacto consagrava o princpio do voto por unanimidade. Porque lhe
atribuiu uma parte da responsabilidade do insucesso da S.d.N. os autores da Carta procuraram
um mecanismo mais complexo e mais flexvel. A regra da maioria imps-se no seio da
Assembleia Geral (maioria de dois teros, na matria); no Conselho de Segurana, uma maioria
igualmente reforada (9 votos sobre 15) deve ser conjugada com a unanimidade dos membros
permanentes.
I Conselho de Segurana
Prerrogativas do Conselho de Segurana: elas so justificadas pelo artigo 24., n.1 da Carta.
Se bem que o seu texto vise a manuteno da paz e no a resoluo de conflitos, poderemos
considerar tendo em vista a prtica, que estas duas misses so demasiado interdependentes
para no autorizarem uma interpretao lata do campo de aplicao do artigo 24.. Outras
disposies da Carta objetivam os meios e modalidades desta preeminncia, garantida
particularmente pela ausncia de subordinao hierrquica do Conselho Assembleia Geral e
pela aplicao na matria de limitaes de competncia da Assembleia em virtude dos artigos
11. e 12. (artigo 35., n.3). Na medida em que estas disposies digam respeito manuteno
da paz, elas podem igualmente ser aplicadas em matria de resoluo pacfica; pois o Conselho
de Segurana no dissocia os seus poderes a ttulo de uma ou de outras competncias ao
ponto de evitar fazer referncia nas suas resolues aos diferentes captulos que respeitam a
estas duas competncias teoricamente distintas, o captulo VI para a resoluo pacfica e o
captulo VII para a manuteno da paz.
Interpelao do Conselho:
286
287
Se bem que a sua competncia para criar estes rgos seja fixada por
uma disposio (artigo 29. da Carta) que pertence a uma seco do Captulo V intitulado
Processo, admitimos que se trate em geral de uma questo de fundo, submetida por esta
razo ao vetos dos membros permanentes do Conselho.
II Assembleia Geral
288
esperar pela famosa resoluo 277 (V) de novembro de 1950, Unio para a Manuteno da
Paz mas denominada frequentemente como resoluo Dean Acheson pelo nome do seu
promotor, o Secretrio de Estado americano da poca, para que a ultrapassagem da letra e do
espirito da Carta fosse realizada. Se bem que a sua constitucionalidade permanea muito
contestada, existe uma prtica suficiente para que possamos ver nela o fundamento de algumas
iniciativas da Assembleia em matria de resoluo de conflito. Certamente, em princpio para
que a resoluo seja posta em prtica necessrio pelo menos uma ameaa contra a paz. Mas
a Assembleia permite-se fazer dela uso sem necessidade de qualificar a situao que denuncia;
evitando designar os Estados implicados, ela contenta-se a recomendar medidas polticas
totalmente compatveis com a ideia da soluo pacfica de conflitos. Por outro lado, a
Assembleia nunca at aqui recomendou o emprego de medidas coletivas semelhante s
enumeradas no artigo 41. da Carta em matria de manuteno da paz. A concorrncia com o
Conselho permanece no quadro dos meios de resoluo pacfica.
2. Assim que ela recomenda aos Estados o recurso aos meios pacficos, para alm das
exortaes diretas, a Assembleia refora a sua presso utilizando os rgos existentes ou
criando novos rgos subsidirios, sobretudo para fins de inqurito.
289
I Uma Populao
101
290
Relaes entre Estados e populao: um Estado , antes de mais, uma coletividade humana.
No pode existir sem populao. O que a populao de um Estado? Existem critrios sobre a
sua composio?
291
II Um Territrio
Relaes entre o Estado e o Territrio: do mesmo modo que pode dizer-se no h Estado
sem populao, deve dizer-se no h Estado sem territrio. O princpio est firmemente
estabelecido pelo costume internacional. O Estado desaparece com a perda total do seu
territrio. O Direito Internacional interessa-se apenas pelas relaes entre certos dados
geogrficos e a soberania pelas quais se define o territrio estatal. A importncia concedida ao
territrio como elemento constitutivo do Estado permite reconhecer uma forte
interdependncia entre o territrio Estatal e os outros elementos constitutivos, populao e
governo. No necessrio que o territrio tenha uma dimenso importante para que possa
estabelecer-se um Estado. Conhecem-se micro-Estados desde sempre e a sua existncia no
contestada.
2. Territrio e Governo: o vnculo entre estas duas noes tambm necessrio, pois
no pode imaginar-se um Estado sem poder estvel. As condies modernas de exerccio do
poder poltico e administrativo exigem o domnio de um territrio, por muito reduzido que seja.
A posse de um territrio impe-se portanto como condio prvia para a existncia de um
governo. Inversamente, o territrio o espao no qual o Estado exerce o conjunto dos poderes
reconhecidos s entidades soberanas pelo Direito Internacional. Este lao muito forte
estabelecido entre a plenitude das funes governamentais e o territrio estatal obriga a
qualificar diversamente os espaos em que as autoridades do territrio estatal obriga a qualificar
diversamente os espaos em que as autoridades do Estado no exercem competncias plenas e
exclusivas: fala-se ento de zonas ou de espaos sob jurisdio doo Estado. necessrio mas
292
suficiente que o Governo disponha de um mnimo de base territorial para que exista Estado. Isso
pressupe antes de mais que a integridade territorial um princpio fundamental do Direito
Internacional contemporneo dado que s se admitiram as modificaes territoriais por meios
pacficos. (O princpio da integridade territorial, enunciado no artigo 2., n. 4, da Carta nas
Naes Unidas evocado em inmeros documentos internacionais). Podemos daqui deduzir
consequentemente que a qualidade de estado no se perde pelo simples facto da diminuio
do territrio. No s as modificaes de fronteiras permanecem possveis mas a identidade do
antigo Estado no atingida pelas flutuaes da sua consistncia geogrfica.
Natureza jurdica do territrio: as opinies dividem-se quanto melhor frmula jurdica que
permita consagrar a associao estreita do Estado e do territrio. Foram quatro as teorias
principais propostas pela doutrina, mas somente as duas ltimas so suscetveis de serem
consideradas hoje em dia:
1. No interesse do Estado, as duas primeiras teorias esforam-se por criar a unio mais
estreita possvel entre o Estado e o seu territrio:
a) teoria do territrio-sujeito: aproxima-se da conceo organicista do Estado, o
territrio considerado como uma componente prpria do Estado-pessoa. designado quer
como a qualidade do Estado, quer como o corpo do Estado, quer como um elemento da
natureza do Estado, quer como a essncia do Estado; aqui o Estado uma corporao
territorial. Uma tal valorizao jurdica do territrio, que o assimila a um titular de direitos e
obrigaes, inaceitvel. Ela favorece a multiplicao das fices jurdicas contestada pelo
Direito positivo. Logicamente, tem como consequncia que a identidade do Estado deve mudar
com cada mutao territorial. Acabamos de ver que isso no sucede;
b) teoria do territrio-objeto: um progresso doutrinal, pois dissocia o Estado
do seu territrio; mas para criar logo entre eles o lao mais ntimo, a relao de propriedade.
Presume-se que o Estado exera sobre o seu territrio um direito real semelhante ao que possui
um proprietrio sobre o que lhe pertence. Esta teoria remonta poca da monarquia absoluta,
em que prevalecia uma conceo patrimonial do estado (reunio de privilgios nas mo do
monarca). Apesar do desaparecimento da conceo patrimonial, a teoria que da resultaram no
caiu em desuso e conta ainda na poca contempornea, com numerosos partidrios. Na verdade,
a teoria do territrio-objeto est construda sobre uma ideia errnea do poder de Estado, poder
que se exerce diretamente sobre homens ou atividades e no sobre coisas.
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2. Ser necessrio que o territrio estatal seja contnuo? Embora o seja regra geral
sob reserva das possesses insulares , o Direito Internacional no o exige. As circunstncias
histricas favoreceram por vezes a manuteno de enclaves em territrios estrangeiros ou a
criao de Estados sem unidade geogrfica. O territrio de um Estado terceiro pode constituir
uma soluo de continuidade entre os elementos do territrio terrestre ou martimo de um
Estado.
3. A delimitao do territrio estatal certamente til para revenir conflitos entre
Estados limtrofes. No juridicamente necessria e muitas vezes realiza-se tardiamente. A falta
de delimitao ou o seu carter impreciso no constitui uma objeo ao reconhecimento da
existncia do Estado.
III Um Governo
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