Raimundo Lulio - O Livro Das B
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Raimundo Lúlio
Instituto Raimundo Lúlio
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ÍNDICE
Prefácio
Esteve Jaulent
Introdução
Capítulo I
Da Eleição do Rei
Capítulo II
Do Conselho do Rei
Capítulo III
Da Traição Que Da. Raposa Armou Contra o Rei
Capítulo IV
De Como Da. Raposa se Tornou Porteira da Câmara Real
Capítulo V
Dos Mensageiros Que o Leão Enviou ao Reino dos Homens
Capítulo VI
Do Combate do Leopardo e da Onça
Capítulo VII
Da Morte de Da. Raposa
Notas
Raimundo Lúlio
Capítulo I
DA ELEIÇÃO DO REI
Capítulo II
DO CONSELHO DO REI
Capítulo III
DA TRAIÇÃO QUE DA. RAPOSA ARMOU CONTRA O REI
Muito se aborreceram Da. Raposa e seus companheiros por não
serem incluídos no conselho real. Desse momento em diante, concebeu ela em
seu ânimo a traição, desejando a morte do rei. Estas foram suas palavras ao
Elefante:
- A partir de agora haverá grande inimizade entre os animais
carnívoros e os herbívoros, pois o rei e seus conselheiros comem carne e vós
não tendes no Conselho nenhum animal da mesma natureza que a vossa e que
defenda os vossos interesses.
A resposta do Elefante foi que esperava da Serpente e do Galo que
defendessem seus direitos na corte do rei, por serem herbívoros. Retrucou
Da. Raposa contando que aconteceu de existir num país certo cristão que
tinha um sarraceno [6] em quem confiava cegamente e ao qual concedia
muitos favores. Por lhe ser contrário pela crença, o sarraceno não podia
estimá-lo: antes matutava a cada dia como matá-lo.
[7]
E acrescentou:
- Assim também, senhor Elefante, de linhagem diferente da vossa e
de vossos companheiros são a Serpente e o Galo que, embora não comam
carne, nem por isso deles podeis fiar-vos, devendo antes ter por certo que
estarão de acordo com tudo o que seja a vós todos prejudicial.
Preocupadíssimo com as palavras de Da. Raposa, pôs-se o Elefante a
refletir longamente nos males que lhe podiam advir e a seus companheiros da
eleição do rei e seus conselheiros. Entrementes, falou-lhe Da. Raposa que
não tivesse medo deles, e que se lhe aprouvesse ser rei, ela agiria de modo a
que isso ocorresse. O Elefante, porém, receou que Da. Raposa o traísse, pois,
segundo a natureza, devia ela preferir os animais carnívoros aos herbívoros.
Disse-lhe por isso ele:
- Aconteceu em certo país de um milhafre sair carregando uma
ratazana. Um eremita pediu a Deus fizesse a ratazana cair em seu colo. Em
resposta a suas preces Deus o atendeu e ele lhe rogou que transformasse a
ratazana numa linda donzela. Deus acatou-lhe novamente as orações e fez da
ratazana uma bela jovem.
- Filha, disse o eremita à jovem, queres o sol por marido?
- Não, senhor, pois as nuvens tolhem sua claridade.
Perguntou-lhe o eremita se queria a lua por marido; ela respondeu
que a lua não tinha claridade própria, mas a recebia do sol.
- Queres então, minha bela filha, as nuvens por marido?
Ela respondeu que não, porque o vento as carregava para onde
queria. Não quis também o vento por marido porque as montanhas impediam
seu movimento; nem quis as montanhas porque a estas os ratos roíam; nem
tampouco ao homem aceitou por marido porque matava os ratos. Pediu ela
afinal ao eremita que rogasse a Deus a tornasse em rata como era e lhe
desse um belo rato por marido.
Escutando esse exemplo, compreendeu Da. Raposa que o Elefante
suspeitava dela e temeu que a denunciasse. Teria de bom grado dito ao
Javali que fosse rei, da mesma forma que propusera ao Elefante. Mas, para
evitar que muitos soubessem de sua intenção, quis cuidar a todo preço que o
Elefante se tornasse rei. E assim falou:
- Em certo país um cavaleiro teve um lindo filho de uma mulher que
veio a falecer. O cavaleiro tomou outra mulher que odiava muito o garoto,
por outro lado extremosamente amado do pai. Ao completar o jovem vinte
anos, procurou a mulher um meio de levar o marido a expulsar o filho de sua
casa. Mentiu ao marido, dizendo que o jovem quisera abusar dela. O
cavaleiro, que tanto amava a mulher, acreditou imediatamente em tudo e
expulsou o filho de casa, ordenando-lhe não mais surgisse a sua frente.
Tomou-se de extrema cólera o jovem contra o pai, que sem razão o banira e
privara de todos os favores.
[8]
Serviu o exemplo para consolar em parte ao Elefante, que ficou na
esperança de tornar-se rei, como lhe dizia Da. Raposa. Perguntou-lhe, no
entanto, como haveria ela de fazer para que o rei morresse e ele viesse a
ser rei, sendo o Leão tão forte e rodeado de tão sábio Conselho, enquanto
ela era animal de pequeno porte e de apoucadíssima força. Respondeu-lhe
Da. Raposa com este exemplo:
- Deu-se num país que todos os animais concordaram em oferecer
diariamente um animal ao leão para que não se desse ao trabalho de caçar.
Com isso ele os deixava em paz. A cada dia os animais tiravam a sorte e o
sorteado entregava-se ao leão, que o devorava. Um dia a sorte recaiu sobre
uma lebre que, temerosa de morrer, retardou até o meio-dia a hora de ir ao
leão. Tomado de fome excessiva, irritou-se muito o leão com o enorme
atraso da lebre e lhe perguntou por que demorara tanto. Desculpando-se,
disse a lebre que havia perto dali um leão que se dizia rei daquele país e que
tentara apanhá-la. Furioso, e cuidando fosse verdade o que ouvia, pediu que
ela lhe mostrasse o leão. Saindo à frente do leão que a seguia, a lebre
chegou a uma grande reserva de água que formava uma bacia rodeada de
altos muros por todos os lados. Aproximando-se da água, as sombras da
lebre e do leão surgiram na superfície. Disse ela então:
- Senhor, eis na água o leão que deseja comer uma lebre!
Julgando o leão que sua sombra fosse outro leão, pulou dentro
d'água e atracou-se em combate com ele: acabou morrendo na água, graças à
astúcia da lebre.
Tendo ouvido o exemplo, o Elefante contou, por sua vez, este outro
a Da. Raposa:
- Certo rei tinha dois jovens que cuidavam de sua pessoa. Estando
um dia em seu trono diante de grande número de altos barões e cavaleiros,
um dos jovens sentado na sua frente viu uma pulga no manto de seda branca
que o rei usava. Pediu-lhe o jovem licença para aproximar-se, a fim de
apanhar a pulga.
Deu o rei licença ao jovem de aproximar-se e pegar a pulga. Quis vê-la
o rei e, mostrando-a aos cavaleiros, disse que era de espantar que um animal
tão pequeno ousasse aproximar-se do rei. E mandou fossem dados cem
besantes [9] ao jovem. Invejoso de seu companheiro, o outro jovem pôs no
dia seguinte um grande piolho no manto do rei, a quem repetiu as mesmas
palavras do companheiro.
O jovem mostrou o piolho ao rei que, esquivando-se bruscamente, disse
que ele merecia a morte por não lhe ter protegido as vestes contra os
piolhos; e ordenou que lhe aplicassem cem golpes de açoite.
Compreendeu Da. Raposa que o Elefante tinha medo de tornar-se
rei [10] e, perplexa de que em pessoa tão imensa como ele pudesse caber
tanto medo, disse:
- Conta-se que a Serpente, valendo-se de Eva que não passava de
simples mulher, fez recair a ira de Deus sobre Adão e todos os seus
descendentes. Ora, se a Serpente, com a ajuda de Eva, armou tamanha
maldade, bem se pode esperar que eu, com minha inteligência e manha,
consiga fazer que o rei seja vítima da ira de seu povo.
No momento em que Da. Raposa lhe contou o exemplo de Eva, o
Elefante decidiu trair o rei e disse a ela que tão logo desse morte ao rei, de
bom grado tomaria o lugar dele. Respondeu-lhe Da. Raposa que agiria para
que o rei morresse. Então o Elefante lhe prometeu presentes valiosos e
grandes honras, se conseguisse fazê-lo rei.
Capítulo IV
DE COMO DA. RAPOSA SE TORNOU PORTEIRA DA CÂMARA REAL
Capítulo V
DOS MENSAGEIROS QUE O LEÃO ENVIOU AO REI DOS HOMENS
Capítulo VI
DO COMBATE DO LEOPARDO E DA ONÇA
NOTAS
[2] - A Ordem dos Apóstolos foi fundada em 1260 por Guerau Segarelli.
Posteriormente, devido a diversos erros doutrinais, desvirtuou-se, evoluiu para
um quietismo imoral e, finalmente, o Papa Honório IV a condenou em 11 de
março de 1286. Por isso, devemos atribuir a primeira redação do Livro das
Bestas a um tempo anterior a essa data. Em obras posteriores, Lúlio censurará
asperamente a Ordem dos Apóstolos.
[3] - No Livro das Bestas, Lúlio emprega o termo francês renart, ou ranart,
para designar a raposa, apesar de que no catalão da época já se dispunha do
termo volp, derivado do latim vulpe. Estranhamente, Lúlio usará esse termo
sempre no feminino, quando no francês é masculino. Em diversas ocasiões,
sem deixar de antepor o designativo feminino. Na (Dona) a Renart, Lúlio
acompanhará esta palavra de adjetivos no masculino. Haveria alguma
intencionalidade nisso? Acreditamos que sim, pois quase nada escapava ao
espírito observador de Lúlio, que escrevia tudo com um propósito bem
determinado.
[4] - A Raposa comete dois enganos: primeiro, é contra o que o Boi e seus
companheiros querem - que o Cavalo seja o rei - por julgar mal a intenção do
Boi; segundo, para defender o seu interesse - que o rei seja o Leão - usa em
favor de si mesma argumentos religiosos, que nessa ocasião ficavam fora de
lugar.
Além disso, o argumento é falacioso, pois se Deus quis que o homem
fosse servido pelos animais, não foi porque o homem se alimentasse deles.
[8] - O exemplo deu a entender ao Elefante que, uma vez morto o rei, os
conselheiros carnívoros expulsariam da corte real todos os animais herbívoros.
Daí a conveniência de o Elefante tornar-se rei.
[11] - Lúlio, com este exemplo, diz-nos que no coração do oprimido nasce
sempre uma ira, saudável e boa, toda vez que os poderosos agem injustamente
e com crueldade. Este sentimento de ira aguça o engenho de tal sorte que, não
poucas vezes, o pequeno, apesar de sua debilidade, chega a vencer o grande.
(Veja-se
Fermín de Urmeneta, "Ägustinismo y Lulismo" Augustinus, V, 1960, p.
548.)
[13] - No Livro dos Mil Provérbios, Lúlio dirá que "a verdade não teme; a
mentira ou falsidade não são corajosas".
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Novembro 2000
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Esteve Jaulent
INTRODUÇÃO