O Fenómeno Da Agencificação
O Fenómeno Da Agencificação
O Fenómeno Da Agencificação
Agências
Governamentais
Abordagem Global e Análise de Casos de
Estudo
Luís Carlos Medeiros de Oliveira
01‐01‐2010
1
Introdução
O “New Public Management”, enquanto corrente de comportamentos que tem
influenciado a forma de actuação e organização das administrações estaduais, tem sido
um dos principais, e talvez mais eficazes, inimigos das administrações moldadas
segundo os padrões tradicionais que conhecemos, de influência marcadamente europeia-
continental.
A adopção de novos modelos de gestão tem sido a resposta à pressão feita pela
influência das correntes económicas actuais que defendem um abrandamento na taxa de
crescimento dos gastos públicos, bem como no descrédito em relação às organizações
públicas e pelas expectativas dos cidadãos em relação à qualidade dos serviços
públicos.1
3
WETTENHALL, Roger (2005) “Agencies and Non-Departamental Public Bodies” Public Management
Review 7 (4) : 615-635
No princípio era o ministério, …
4
Por razões de comodidade, e dado que Nova Gestão Pública e New Public Management têm o mesmo
âmbito conceptual, usaremos, doravante a sigla NPM para referir-nos a tais conceitos,
indiferenciadamente.
A criação de agências veio corresponder a um esforço de agilização e
aproximação entre administração e administrados, ao atribuir a novas entidades
jurídicas a autonomia e liberdade necessárias para actuar em determinados sectores de
intervenção Estadual, tendo sido um fenómeno cuja evolução tem assumido contornos
diferenciados de sistema para sistema, consoante as necessidades e bases jurídico-
constitucionais de cada Estado.
5
in CHRISTENSEN, Tom 2008 “Financial accountability & management in governments, public
services, and charities” 24 (1) : 15 -30
A execução de tarefas de interesse público a nível nacional de forma permanente
inclui no seu campo diferentes tipos de autonomia, que podemos encarar sob vários
pontos de vista.
Para os efeitos deste trabalho, e na análise que posteriormente faremos aos casos
de estudo propostos, a autonomia a que mais nos referiremos será aquela a que
corresponde à independência funcional, uma vez que tendo em conta a noção mais lata
que utilizámos, a que correspondem no modelo português uma diversidade de
instituições. Quanto às outras variantes da independência, exemplos da sua aplicação
serão oportunamente apresentados na análise aos casos de estudo que realizaremos
adiante.
6
Itálicos nossos.
7
MOREIRA, Vital et MAÇÃS, Maria Fernanda dos Santos: Autoridades reguladoras independentes :
estudo e projecto de Lei-Quadro . Coimbra Editora, 2003 pág. 28
8
ARAÚJO, Joaquim Filipe op. cit. na pág.1, página 4
Portuguesa do Ambiente), até às entidades reguladoras independentes, como a
Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.
Há estudos que nos mostram que em Inglaterra, por exemplo, instituições como
o British Museum escaparam ao movimento de centralização governamental operado
em meados do século XIX, sendo que esta prática não seria, portanto, estranha aos
nossos “ancestrais”. 9 Na verdade, pode até possivelmente concluir-se que a criação de
agências pode nem ter cessado, mas que o fenómeno apenas passou a ser estimulado a
partir de meados dos anos 90 do século passado.10
As agências têm assim um papel cada vez mais preponderante nos horizontes
actuais das administrações de influência europeia – continental, sendo cada vez mais um
exemplo de aproximação entre este modelo de administração e o modelo anglo -
saxónico.
9
WETTENHALL, Roger (2005), op. cit. pág. 2, página 11
10
WETTENHALL, Roger (2005), op. cit. pág. 2, página 11
11
MOREIRA, Vital et MAÇÃS, Maria Fernanda dos Santos, op. cit na pág. 4, página 22
Estes pressupostos assentam na ideia essencial de que o Estado não poderia
desempenhar dois papéis no mesmo sector, o papel de intervenção, enquanto detentor de
unidades concorrentes com as pertencentes ao sector privado, e o papel de regulação,
permitindo assim um abuso da sua posição em detrimento da iniciativa privada,
“tolhendo” assim as perspectivas de desenvolvimento dos empreendedores privados.
Os poderes que são atribuídos às agências variam de acordo com o seu objecto,
e podem consistir apenas em meros poderes de emissão de pareceres, numa função
consultiva, até poderes de fiscalização, obtenção de informações ou disposição de
regras, sendo ainda responsáveis, por vezes, de sancionar comportamentos
desconformes às regras por elas estabelecidas, ou de decidir diferendos e litígios entre
entidades que ela própria vigia. O poder sancionatório das agências administrativas é
uma prerrogativa que o Estado lhes atribui claramente com o intuito de lhes permitir,
tendo em conta o seu específico conhecimento da área que regulam, efectuar o melhor
controlo desse mesmo sector, atribuindo também às mesmas uma credibilidade e
imagem de autoridade perante os entes regulados que os possa coergir a aceitar a sua
vigilância.
A criação destas entidades implica, muitas vezes, que competências de que eram
titulares órgãos de soberania fiquem confiadas a novos centros de poder e também que
haja novas concentrações de competências relativas a diversas funções de um Estado
numa mesma entidade. Assim sendo, cumpre verificar a admissibilidade e o valor das
funções regulamentares e jurisdicionais que as agências podem ter.
Uma resposta possível a esta situação é aquela que nos diz que as agências,
enquanto entidades vinculadas a um princípio da especialidade, consubstanciam um
fenómeno de separação orgânico-sectorial dos poderes, configurando o princípio
constitucional da separação de poderes não numa perspectiva clássica mas numa óptica
que centra a separação nas funções desempenhadas pelas agências, independentemente
da função de Estado a que se reportam as competências necessárias para atingir os
objectivos confiados às agências. Assim sendo, não se colocaria a situação de estas
entidades se transformarem numa forma de exercício de poder sem um contra-poder de
controlo, já que elas próprias funcionam como uma forma de controlo da acção do
próprio executivo.
12
MOREIRA, Vital et MAÇÃS, Maria Fernanda dos Santos, op. cit na pág. 4, página 22
No entanto, cumpre também tecer algumas considerações sobre os poderes
regulamentar e jurisdicional, em concreto, destas instituições.
No caso português houve mesmo quem referisse que se tratava até de uma
possibilidade de retracção do poder do Presidente da República, uma vez que a sua
função de fiscalização do Governo fica impedido de chamar este órgão a responder
pelas decisões tomadas pelas autoridades administrativas destacadas. Ainda que este
regime esteja sujeito a algumas oscilações por influência de factores de ordem política.
13
CARDOSO, José Lucas. Autoridades Administrativas Independentes e Constituição. Coimbra Editora,
2002, páginas 478 a 495 e 528 a 535
naquilo que se pode considerar como um fenómeno de miscigenação entre a perspectiva
europeia e a anglo-saxónica, acabam por impor soluções sem primeiro criar estruturas
adequadas. Não é, pois, consensual nem poderá ser, no horizonte jurídico – doutrinal
português uma qualificação bem delineada destas entidades perante a “máquina”
administrativa e a organização constitucional, mas vemo-nos, no entanto, “forçados” a
viver com este “companheiro estranho”, do qual não conhecemos muito mas que
aceitamos como parte integrante da estrutura do Estado português.
Assim sendo, propomos uma breve análise a três diferentes entidades ligadas
ao Estado que mostram bem a tendência que a criação de unidades com relativa
autonomia tem assumido nos últimos tempos: Estradas de Portugal, S.A.; o instituto de
conservação da natureza, I.P. (e a relação com a recentemente criada Agência
Portuguesa do Ambiente e a Agência Europeia do Ambiente); e a Entidade Reguladora
do Sector Energético (ERSE).
Estradas de Portugal, S.A. (EP)
Merece ainda relevo o texto do número 1 do artigo 23º dos estatutos, na medida
em que se refere que a contabilidade da EP deve “corresponder às necessidades da
gestão empresarial corrente”, de forma a permitir um controlo de resultados eficaz por
parte do governo, garantindo assim também completa autonomia no campo de acção da
EP, S.A.
Assim sendo, importa mencionar que a criação da APA surge num movimento
de concentração e reestruturação de organismos dentro do ministério do Ambiente,
nomeadamente da fusão entre o Instituto do Ambiente e o Instituto de Resíduos.
Efectivamente, a lei atribui à APA poderes quer para emitir regulamentos quer
para fiscalizar actuações dos participantes no mercado. O artigo 2º, número 2, alínea b)
qualifica-a como tal entidade e atribui-lhe as missões de assegurar e acompanhar a
implementação de uma estratégia nacional para os resíduos.
14
VIEIRA DE ANDRADE, Sumários das Lições de Direito Administrativo I, pág. 5, disponível em:
https://woc.uc.pt/fduc/class/getmaterial.do?idclass=142&idyear=6
15
Vide arts. 8º/1, alíneas a), e), e 9º, alíneas a) e b), e 11º, número 1, do Decreto-Lei n.º 97/2002 de 12 de
Abril.
Quanto à questão da independência e autonomia reforçada, podemos começar
por referir que os administradores da ERSE são independentes no exercício das suas
funções, estando apenas sujeitos às disposições legais que lhe sejam especificamente
aplicáveis, o que lhes atribui, à partida, um elevado grau de autonomia funcional no
exercício das suas funções (artigo 30º dos Estatutos). O funcionamento colegial do
conselho de administração garante ainda que a pluralidade de propostas possa ser
admitida e discutida, e promove uma racionalização crítica das decisões, ao permitir a
sua discussão e votação (artigo 32º).
No entanto, esta independência não tem estado livre de polémicas. Basta para
isso recordar a situação ocorrida em 2007 quando o governo “atropelou” a decisão da
ERSE de aumento de tarifas no sistema eléctrico público de baixa tensão, o que suscitou
alguma incerteza sobre se realmente é concedida uma liberdade de actuação a esta
entidade que, no seio do universo das agências portuguesas representa, como já
dissemos, um precedente no âmbito da criação de unidades independentes com poderes
administrativos.
Conclusão
Bibliografia