A Revolta Dos Males

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A Revolta dos Mals em 1853

Joo Jos Reis

A Revolta dos Mals em 1853 - Joo Jos Reis

A REVOLTA DOS MALS EM 1835


Joo Jos Reis Universidade Federal da Bahia

Na madrugada de 25 de janeiro de 1835, um domingo, aconteceu em Salvador ma revolta de escravos africanos. O movimento de 1835 conhecido como Revolta dos Mals, por serem assim chamados os negros muulmanos que o organizaram. A expresso mal vem de imal, que na lngua iorub significa muulmano. Portanto os mals eram especificamente os muulmanos de lngua iorub, conhecidos como nags na Bahia. Outros grupos, at mais islamizados como os hausss, tambm participaram, porm contribuindo com muito menor nmero de rebeldes. A revolta envolveu cerca de 600 homens, o que parece pouco, mas esse nmero equivale a 24 mil pessoas nos dias de hoje. Os rebeldes tinham planejado o levante para acontecer nas primeiras horas da manh do dia 25, mas foram denunciados. Uma patrulha chegou a uma casa na ladeira da Praa onde estava reunido um grupo de rebeldes. Ao tentar forar a porta para entrarem, os soldados foram surpreendidos com a repentina sada de cerca de sessenta guerreiros africanos. Uma pequena batalha aconteceu na ladeira da Praa, e em seguida os rebeldes se dirigiram Cmara Municipal, que funcionava no mesmo local onde funciona ainda hoje. A Cmara foi atacada porque em seu subsolo existia uma priso onde se encontrava preso um dos lderes mals mais estimados, o idoso Pacifico Licutan, cujo nome muulmano era Bilal. Este escravo no estava preso por rebeldia, mas porque seu senhor tinha dvidas vencidas e seus bens, inclusive Licutan, foram confiscados para irem a leilo em benefcio dos credores. O ataque priso no foi bem sucedido. O grupo foi surpreendido no fogo cruzado entre os carcereiros e a guarda do palcio do governo, localizado na mesma praa. Da este primeiro grupo de rebeldes saiu pelas ruas da cidade aos gritos, tentando acordar os escravos da cidade para se unirem a eles. Dirigiram-se Vitria onde havia um outro grupo numeroso de mals que eram escravos dos negociantes estrangeiros ali residentes. Aps se unirem nas imediaes do Campo Grande, os rebeldes atravessaram em frente ao Forte de So Pedro sob fogo cerrado dos soldados, indo dar nas Mercs, de onde retornaram para o centro da cidade. Aqui atacaram um posto policial ao lado do Mosteiro de So Bento, outro na atual Rua Joana Anglica (imediaes do Colgio Central), lutaram tambm no Terreiro de Jesus e outras partes da cidade. Em seguida desceram o Pelourinho, seguiram pela Ladeira do Taboo e foram dar na Cidade Baixa. Daqui tentaram seguir na direo do Cabrito, onde tinham marcado encontro com escravos de engenho. Mas foram barrados no guartel da cavalaria em gua de Meninos. Neste local se deu a ltima batalha do levante, sendo os mals massacrados. Alguns que tentaram fugir a nado terminaram se afogando. A revolta deixou a cidade em polvorosa durante algumas horas, tendo sido vencida com a morte de mais de 70 rebeldes e uns dez oponentes. Mas o medo de que um novo levante pudesse acontecer se instalou durante muitos anos entre os seus habitantes
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livres. Um medo que, alis, se difundiu pelas demais provncias do Imprio do Brasil. Em quase todas elas, principalmente na capital do pas, o Rio de Janeiro, os jornais publicaram notcias sobre o acontecido na Bahia e as autoridades submeteram a populao africana a uma vigilncia cuidadosa e muitas vezes a uma represso abusiva. Salvador tinha na poca da revolta em torno de 65.500 habitantes, dos quais cerca de 40 por cento eram escravos. Entre a populao no-escrava a maioria era tambm formada por africanos e seus descentes, chamados na poca de crioulos quando eram negros nascidos no Brasil, alm dos mestios de branco e negro, chamados de pardos, mulatos e cabras. Juntando os negros e mestios escravos e livres, os afro-descendentes representavam 78 por cento da populao. Os brancos no passavam de 22 por cento. Entre os escravos, a grande maioria (63 por cento) era nascida na frica, chegando a 80 por cento na regio dos engenhos de acar, o Recncavo. Esses escravos eram trazidos de diversos portos da costa africana. Um grande nmero vinha de Luanda, Benguela, Cabinda, mas na poca da revolta de 1835 a grande maioria era embarcada nos portos do golfo do Benim (portos de Ajud, Porto Novo, Badagri, Lagos). Foram alguns desses ltimos grupos os mais diretamente ligados revolta. Eles podiam ser de diversas origens, segundo a lngua que falavam: iorub, hauss, fon, mahi, nupes, bornus etc. Na Bahia a maioria desses escravos era conhecida por nomes diferentes daqueles que tinham na frica: os de lngua iorub chamavam-se nags, os fon e mahi eram conhecidos como jejes, os nupes como tapas. Em 1835 a grande maioria dos escravos da Bahia nascidos na frica era realmente de lngua iorub, cerca de 30 por cento. Eram como nags. Muitos deles professavam a religio muulmana, embora a maioria dos nags fosse de fato adepta do candombl dos orixs. A cidade de Salvador tinha uma economia baseada na escravido, que girava em torno da cana-de-acar produzida na regio denominada de Recncavo, terras que circundam a Baa de Todos os Santos. Ali tambm se plantava o fumo, que era exportado para a Europa e para a frica. Na frica o fumo era utilizado na compra de escravos. No Recncavo, os escravos eram empregados em todo tipo de atividade rural, no apenas no setor aucareiro e fumageiro. Eles tambm labutavam na criao de gado e no cultivo da mandioca. A farinha de mandioca j era naquela poca um item fundamental da dieta de ricos e pobres, senhores e escravos. Como o fumo, a farinha estava tambm ligada ao trfico, pois constitua um dos principais alimentos a bordo dos navios negreiros. Da mesma forma, os escravos eram utilizados nas vilas e cidades, sobretudo na capital, onde se ocupavam no trabalho domstico, nos diversos ofcios (pedreiro, sapateiro, ferreiro), nas atividades do mar (marinheiro, remador, canoeiro, pescador). Eles lavravam a terra em pequenas plantaes existentes na periferia da cidade, trabalhavam em variados tipos de construo pblica e privada, vendiam uma grande variedade de pequenas mercadorias, principalmente comida pronta, verduras, peixe, carne. E eram empregados no transporte de volumes grandes e pequenos, como caixas de acar, barris de cachaa, mercadorias importadas, gua de gasto e potvel, dejetos humanos, balaios de compras e at cartas eram levadas ao correio por escravos. Eles tambm transportavam pessoas nas cadeiras de arruar, talvez a mais tpica atividade dos escravos nas ruas de Salvador.
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Uma cadeira de arruar do sculo XIX. Museu de Arte da Bahia. As ocupaes dos presos por suspeita de participao na revolta de 1835 refletem a variedade de atividades desempenhadas pelos escravos urbanos. Havia entre eles lavradores, remadores, domsticos, pedreiros, sapateiros, alfaiates, ferreiros, armeiros, barbeiros, vendedores ambulantes, carregadores de cadeira, entre outras atividades. A grande maioria dos rebeldes se empregava em ocupaes tipicamente urbanas. Foram pouqussimos os ocupados na lavoura, por exemplo. Um ou outro tinha vindo do Recncavo para participar do levante em Salvador. Na escravido urbana os cativos gozavam de maior independncia do que na escravido rural, e isso facilitou muito a organizao do movimento de 1835. Em geral, os escravos percorriam por toda a cidade trabalhando para seus prprios senhores ou, principalmente, contratados por terceiros para servios eventuais. Muitos escravos sequer moravam na casa senhorial. Chamados negros ou negras de ganho, e tambm de ganhadores ou ganhadeiras, esses homens e mulheres escravizados contratavam com seus senhores entregar certa quantia diria ou semanal de dinheiro, e tudo que ultrapassasse esta quantia podiam embolsar. O escravo que trabalhasse muito e poupasse muito podia aps cerca de nove longos anos comprar sua liberdade, e muitos assim o fizeram. Alguns chegavam se tornar prsperos homens de negcio, que era a ocupao mais comum dos que prosperavam. Muitos africanos, depois de libertos da escravido, tornavam-se eles prprios senhores de escravos. Calcula-se em cerca de 7 por cento a proporo dos africanos libertos na populao de Salvador na poca da revolta dos mals. Eles representariam em torno de 25 por cento da populao africana na cidade. Africanos escravos e libertos com freqncia trabalhavam e viviam juntos, desempenhando as mesmas tarefas, morando nas mesmas casas. No trabalho de rua organizavam5

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se em associaes chamadas cantos de trabalho, nos quais se reuniam principalmente os da mesma etnia chefiados por um capito encarregado de acertar os servios desempenhados pelo grupo. Assim associados enfrentavam o trabalho dirio e desenvolviam laos de amizade e solidariedade que constantemente se desdobravam em aes polticas. Esses grupos de trabalho foram essenciais na mobilizao dos africanos para a revolta em 1835 e em outras ocasies. Enquanto esperavam por servio nas esquinas onde se reuniam, os africanos iam formulando e aperfeioando suas idias de liberdade e de ataque escravido na Bahia. Infelizmente no sabemos detalhes do que planejavam fazer os rebeldes depois de vitoriosos. H indcios de que no tinham planos amigveis para as pessoas nascidas no Brasil, fossem estas brancas, negras ou mestias. Umas seriam mortas, outras escravizadas pelos vitoriosos mals. Isso refletia as tenses existentes no seio da populao escrava entre aqueles nascidos na frica e aqueles nascidos no Brasil. Que fique bem claro: os negros nascidos no Brasil, e por isso chamados crioulos, no participaram da revolta, que foi feita exclusivamente por africanos. Por isso, se o levante tivesse sido um sucesso, a Bahia mal seria uma nao controlada pelos africanos, tendo frente os muulmanos. Talvez a Bahia se transformasse num pas islmico ortodoxo, talvez num pas onde as outras religies predominantes entre os africanos e crioulos (o candombl e o catolicismo) fossem toleradas. De toda maneira a revolta no foi um levante sem direo, um simples ato de desespero, mas sim um movimento poltico, no sentido de que tomar o governo constitua um dos principais objetivos dos rebeldes. Apesar de apoiados por africanos no-muulmanos, que tambm entraram na luta, os mals foram os responsveis por planejar e mobilizar os rebeldes. Suas reunies feitas nas casas de libertos, nas senzalas urbanas, nos cantos de trabalho misturavam conspirao, rezas e aulas em que se exercitavam a recitao, a memorizao e a escrita de passagens do Coro, o livro sagrado do islamismo. O prprio levante foi marcado para acontecer no final do ms sagrado do Ramad, o ms do jejum dos muulmanos. Os mals foram para as ruas guerrear usando um abad branco, espcie de camisolo tipicamente muulmano, alm de tambm carregar em volta do pescoo e nos bolsos amuletos protetores, que eram cpias em papel de rezas e passagens do Coro dobradas e enfiadas em bolsinhas de couro ou pano. Esses amuletos eram confeccionados por mestres muulmanos, muitos deles lderes da revolta, que teriam dado a seus seguidores suas bnos e a certeza da vitria. Cientes de que constituam minoria na comunidade africana da Bahia, composta de escravos e libertos de diferentes grupos tnicos e religiosos, os mals no hesitaram em convidar escravos no-muulmanos para o levante. Neste sentido, a identidade e a solidariedade tnicas constituram um outro fator de mobilizao a entrar em jogo. De fato identidade tnica e religiosa foi muito importante para deslanchar o movimento. A maioria dos muulmanos que viviam na Bahia em 1835 era nag. Apesar de na frica, e mesmo no Brasil, outros grupos, como os hausss, serem mais islamizados do que os nags, coube a estes o predomnio no movimento de 1835. Os nags islamizados no s constituram a maioria dos combatentes, como a maioria dos lderes. Mais de 80 por cento dos rus escravos em 1835 eram nags, sendo eles apenas 30 por cento dos africanos de
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Salvador; dos sete lderes identificados, pelo menos cinco eram nags. Eram nags os seguintes lderes: os escravos Ahuna, Pacifico Licutan, Sule ou Nicob, Dassalu ou Damalu e Gustard. Tambm nag era o liberto Manoel Calafate. Os outros eram o escravo tapa Lus Sanim e o liberto hauss Elesbo do Carmo ou Dandar, que negociava com fumo. Vistos enquanto grupo tnico os nags eram na sua maioria no-muulmanos, e sim devotos dos orixs, embora fizessem incurses no campo muulmano. Por exemplo usavam os famosos amuletos mals, considerados de grande poder protetor, e provavelmente recorriam a adivinhos mals, entre outras prticas. Ou seja, naquela fronteira em que as duas religies se encontrava, os nags como um todo, mals e filhos de orix, tambm se encontravam. E se encontravam como entidade tnica, como pessoas que falavam a mesma lngua, tinham histrias comuns, em muitos casos haviam obedecido aos mesmos reis africanos. Essas convergncias facilitaram a mobilizao em 1835 para alm das colunas muulmanas.

Africano Nag, que pode ser identificado pelas marcas tnicas no rosto.
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Os nags vinham de uma parte especfica da frica, qual seja a regio sudeste da atual Nigria e a parte leste da atual Repblica do Benin. Eram de diversos reinos espalhados por esse territrio, como Oi, Queto, Egba, Yagba, Ijex, Ijebu, If entre outros. Esses reinos durante muito tempo viveram sob a gide do reino de Oi, embora numa espcie de federao imperial. Na poca do levante de 1835 essa federao dominada por Oi estava em franca desintegrao em funo de lutas intestinas generalizadas. Os mals especificamente tiveram sua origem principalmente em Ilorin, que era uma dependncia do reino de Oi que se rebelou sob a liderana de Afonj. Este homem se aliou aos muulmanos hausss, fulanis e iorubs contra o alafin, que era o ttulo do rei de Oi. Essas guerras foram responsveis pela transformao de milhares dos habitantes locais em prisioneiros, que eram vendidos como escravos aos traficantes do litoral, e da exportados para a Bahia. Embora a grande maioria dos interrogados em 1835 respondesse que era apenas nag, alguns fizeram questo de ser mais precisos, indicando tambm o local especfico de onde vinham. O carregador de cadeira Joaquim de Mattos, por exemplo, respondeu ser de nao Nag Gex, quer dizer de origem Ijex, um grupo tnico do leste do territrio iorub. Joaquim havia se alforriado h pelo menos sete anos e portanto deveria estar na Bahia h cerca de nove anos no mnimo. A liberta Edum disse ser de nao nag-b e um outro africano interrogado disse ser ela apenas B, significando ser oriunda de Egba ou Yagba. O liberto Lobo Machado foi bem claro: era de nao Nag-Eb, ou seja de Egba. Francisco, cerca de 25 anos de idade, escravo domstico e comprador, que vivia em Salvador h cerca de 6 anos, era Yaba, ou, segundo suas prprias palavras, Nag-Ab. E o escravo Jos se disse nag jabu, provavelmente natural de Ijebu. A expresso nag remetia frica descoberta no Brasil, pois s aqui eles se tornariam conhecidos por aquela expresso, enquanto Ijebu, Egba, Yagba, Oyo, Ijex (ou Ilesha) representavam a frica deixada do lado de l do Atlntico. O escravo nag Antnio, domstico e carregador de cadeira, resumiu bem a questo quando afirmou: ainda que todos so Nags, cada um tem sua terra.

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Ao deporem sobre o grau de envolvimento com o islamismo, muitos interrogados se reportaram a suas experincias africanas. Alguns disseram abertamente que haviam recebido instruo islmica na frica, possivelmente em escolas cornicas ou madrasas. O nag Pedro, ao ser perguntado sobre um livro e vrios manuscritos em rabe encontrados em seu poder, respondeu: o livro continha rezas de sua terra e os papis vrias doutrinas cuja linguagem e sua cincia ele sabia antes de vir de sua terra. Pompeo da Silva, nag forro, com cerca de 30 anos de idade, perguntado se ele sabia ou entendia das letras arbicas que usavam os Nags, disse, que tendo aprendido em sua terra pequenino que agora quase nada se lembrava. Antnio, escravo Hauss, pescador, disse que sabia escrever em rabe, mas s escrevia oraes segundo o cisma de sua terra. Ou seja, no escrevia coisas subversivas, polticas, s oraes. Acrescentou que quando pequeno em sua terra andava na escola.

Amuleto mal

O escravo nag Gaspar, preso com grande quantidade de escritos rabes, amuletos, um tessub (o rosrio mal) etc, disse ter sido ele autor dos escritos, e que aprendera o
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rabe em sua terra. Ele leu trechos do que havia escrito, embora alegasse no saber traduzir para o portugus. Observamos em todas essas declaraes as lembranas de uma educao muulmana na frica, s vezes lembranas de quando estes escravos eram ainda crianas. Isso acontecia mesmo no caso dos nags, que vinham de um lugar onde o islamismo era adotado por uma minoria, ao contrrio do pas hauss, onde a religio estava arraigada h tempos. Outras tradies islmicas tambm atravessaram o Atlntico, como o j mencionado uso do amuleto. O liberto Lobo Machado acima mencionado, quando preso, levava diversos amuletos protetores em volta do pescoo. Perguntado para que usava aquilo, disse ser para proteger contra o vento. Provavelmente referia-se ao j n ou anjonu, espcie de espin ritos mals. Outros interrogados responderam como ele que os amuletos eram para proteger do vento. Pela quantidade de amuletos apreendidos pela polcia em 1835, muita gente se protegia desta forma contra espritos malignos. O escravo hauss Antnio acima mencionado usava a educao muulmana recebida em sua terra para escrever amuletos, que vendia por bom preo equivalente ao jornal de um escravo de aluguel a africanos que tambm desejavam se proteger dessas foras espirituais que haviam acompanhado os africanos ao Novo Mundo. Tais informaes tm o valor de explicitar, atravs da fala dos interrogados, tradies aprendidas na frica e mantidas na Bahia. Estes depoimentos mostram com muita nitidez uma projeo da histria africana na histria brasileira. preciso esclarecer que nem todos os africanos muulmanos existentes na Bahia em 1835 participaram da revolta. As autoridades, porm, usaram a posse de papis mals como prova de rebeldia e por isso muitos inocentes foram presos e condenados. Os mals receberam diversos tipos de sentena. Foram elas: priso simples, priso com trabalho, aoite, morte e deportao para a frica. Esta ltima pena foi atribuda a muitos libertos presos como suspeitos mas contra os quais nenhuma prova definitiva foi encontrada. Mesmo assim, apesar de absolvidos, foram expulsos do pas. A pena de aoites variava de 300 at 1.200 chicotadas, que foram distribudas ao longo de vrios dias. O idoso Pacifico Licutan foi sentenciado a 1.200 chibatadas. Sabe-se de pelo menos um condenado que morreu em decorrncia desta pena de tortura, o escravo nag Narciso. A pena de morte, foi imposta, inicialmente a 16 acusados, mas posteriormente 12 deles conseguiram sua comutao. Quatro foram no final executados. Eram eles o liberto Jorge da Cruz Barbosa, cujo nome iorub era Ajahi, carregador de cal; Pedro, nag, carregador de cadeira, escravo de um negociante ingls; Gonalo e Joaquim, ambos escravos nags. Todos quatro foram executados por um peloto de fuzilamento no Campo da Plvora, no dia 14 de maio de 1835. E assim se findava um dos episdios mais empolgantes da resistncia escrava no Brasil.

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BIBLIOGRAFIA
Sobre a frica dos mals, ler Robin Law, The Oyo Empire, c. 1600-c. 1836: A We t s African Imperialism in the Era of the Atlantic Slave Trade, Oxford: Claredon, 1977; Paul Lovejoy, A escravido na frica, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2003, captulo 9; Pierre Verger, Fluxo e refluxo do trfico de escravos entre o golfo do Benim e a Bahia de Todos os Santos, Salvador, Corrupio, 1987; e Alberto da Costa e Silva, A manilha e o libambo, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2002, pp. 451-562. Sobre trabalho escravo urbano, alforria e africanos libertos na Bahia, leia Maria Ins C. de Oliveira, O liberto: seu mundo e os outros, Salvador, Corrupio, 1988; Joo Jos Reis, A greve negra de 1857 na Bahia, Revista USP, n 18 (1993), pp. 6-29; Stuart B. Schwartz, A Manumisso dos escravos no Brasil Colonial Bahia 1684-1745, Anais de Historia, n 6 (1974), pp. 71-114; Ktia M. de Queirs Mattoso, A propsito de cartas de alforria, Anais de Histria, n 4 (1972), pp. 23-52. Sobre a Revolta dos Mals especificamente, ler Joo Jos Reis, Rebelio escrava no Brasil: a histria do levante dos mals em 1835, So Paulo, Companhia das Letras, 2003; Dcio Freitas, Insurreies escravas, Porto Alegre, Movimento, 1976; e o livro de Pierre Verger, Fluxo e refluxo, captulo IX. Os depoimentos dos mals presos em 1835 se encontram nos inquritos policiais e processos judiciais depositados no Arquivo Pblico do Estado da Bahia. Esses documentos j foram publicados em diversos nmeros dos Anais do Arquivo do Estado da Bahia. Tambm esto sob a guarda do Arquivo o que sobrou dos documentos escritos em rabe.

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