PRTICAS AGROECOLGICAS EM SISTEMAS AGROFLORESTAIS SO COMPATVEIS COM A REALIDADE DA AGRICULTURA FAMILIAR?

Eloina Nery & Mariella Uzda Engenheira agrnoma, pesquisadora autnoma, mestre em agrofloresta. [email protected], 2 Pesquisadora, EMBRAPA Agrobiologia. Rodovia BR 465, km 7. Seropdica/ RJ (BR), CEP: 23890-000. [email protected]

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RESUMO O estudo foi realizado em duas comunidades de agricultores familiares, Dandara e Marimbondo em Camamu, na Mata Atlntica da Bahia. Avaliaram-se sistemas agroflorestais introduzidos e difundidos por uma organizao no-governamental, denominados rea de manejo que apresentaram alta diversidade de espcies, mdia de 43 plantas perenes nos plantios em reas abertas e uma densidade de 1.965 plantas/ha, considerada mdia. A adoo de prticas agroecolgicas nesses sistemas foi baixa, com diferena entre as duas comunidades. As prticas com menor adoo foram a no utilizao do fogo, introduo/manuteno de plantas ajudantes e adubao orgnica, que esto relacionadas com grande demanda de mo-de-obra. No entanto, os agricultores demonstraram uma nova relao com a terra e com o modo de produzir. Palavras-chave: adoo de prtica agroecolgica, agroecologia, agricultura familiar 1. INTRODUO Este estudo um dos componentes do projeto Sistemas Agroflorestais no Baixo Sul da Bahia: potencial ecolgico e econmico para a conservao da Mata Atlntica, implementado pela Sociedade de Estudos dos Ecossistemas e Desenvolvimento Sustentvel (SEEDS) e financiado pelo Fundo de Parceria para os Ecossistemas Crticos (CEPF) no ano de 2005. O projeto avaliou sistemas agroflorestais convencionais, orgnicos certificados e agroecolgico em quatro comunidades da regio. Este estudo se restringiu a duas comunidades em Camamu: Dandara, assentamento do INCRA de sete anos de existncia e com 65 famlias, das quais 11 participaram desse projeto; possuam Sistemas Agroflorestais (SAFs) agroecolgicos (rea de manejo), cacau como nico produto comercial; mas com interesse e investimento na diversificao. Na outra comunidade, Marimbondo, ocupao sem regularizao fundiria com mais de 20 anos; participaram cinco famlias que possuam SAFs agroqumicos e agroecolgicos e os principais produtos comerciais eram mandioca, cacau e pimenta-do-reino. As famlias dessas duas comunidades eram assessoradas pelo Servio de Assessoria s Organizaes Populares Rurais (SASOP), que introduziu e incentivou a adoo de prticas agroecolgicas em um sistema denominado rea de manejo, desenvolvido a partir das experincias de Ernst Gtsch em sua propriedade na mesma regio e do Centro de Desenvolvimento Agroecolgico Sabi em Pernambuco. O objetivo desse estudo foi avaliar se as prticas introduzidas foram realmente incorporadas nos diversos sistemas produtivos familiares ou se permaneceram restritas rea demonstrativa, ou rea de manejo ou como alguns agricultores se referiam rea do sasop. Adoo agroflorestal o uso continuado de novas combinaes de rvores / cultivos / pastagem / animais e prticas de manejo em sistemas agroflorestais, onde se podem distinguir trs nveis: 1. Disposio para provar e estabelecer na roa a nova prtica ou tecnologia 2. Disposio para manter e manejar o novo sistema 3. Extenso do novo sistema a outras partes da roa (ou propriedade) ou o restabelecimento depois da colheita, aceitando a tecnologia como parte do seu sistema de produo (Scherr e Muller 1991) A taxa de adoo se mede normalmente como o nmero de indivduos que adotam uma nova idia em um perodo especfico (Rogers 1991). Nesse caso, famlias. O processo de adoo tem trs componentes essenciais: caractersticas da tecnologia, do adotador potencial e do processo de comunicao (Raintree 1989). As adaptaes fazem parte do processo de adoo e normalmente uma regra, mais que uma exceo. A capacidade dos agricultores de adaptarem uma tecnologia s suas condies, diminuindo os riscos, a demanda por mo de obra, gerando renda e aumentando a eficcia uma importante razo para a adoo (Fujisaka, 1989; Scherr e Muller 1991; Wiersum 1994).

2. METODOLOGIA O projeto, incluindo este estudo, foi realizado dentro de uma perspectiva etnoecolgica, com o intuito de compreender as prticas e razes dos agricultores, ao mesmo tempo de valorizar todo seu cabedal de conhecimentos calcados em observaes e experincias. As ferramentas metodolgicas utilizadas foram visitas em campo, dilogos com grupos pequenos, oficinas com o grupo completo, e entrevistas. Para as anlises biofsicas foram montadas parcelas, que variaram de tamanho e que procuravam alcanar quase a totalidade da rea de manejo. Na identificao e contagem das plantas componentes dos SAFs participaram no mnimo duas pessoas. Tanto esta avaliao como o estabelecimento das parcelas foram realizadas com o (a) agricultor(a) responsvel. Para a anlise de adoo foi utilizado um questionrio que foi respondido no campo, a partir das observaes dos sistemas agroflorestais e da implementao das prticas agroecolgicas na rea de manejo (denominado SAF 1) e em outro sistema da propriedade (SAF 2), Seguindo a proposio de Scherr e Muller (1991). A definio das prticas foi feita a partir do documento do SASOP Difuso de princpios e prticas agroflorestais no Baixo Sul da Bahia, discutido com membros desta organizao, at se chegar ao formato final depois das observaes de campo. Cada prtica foi avaliada como 0 (no realizada) e 1,0 (realizada). Ao final fez-se a mdia de incorporao de cada prtica, a mdia geral das prticas e a adoo de cada famlia. 3. RESULTADOS E REFLEXO 3.1. rea de manejo: o sistema agroflorestal em questo rea de manejo um sistema baseado na sucesso ecolgica, com implementao de prticas agroecolgicas (tabela 3). Pressupe a no utilizao de fogo e de agroqumicos. A retirada da vegetao nativa parcial, h plantio de espcies agrcolas comerciais, para consumo, especialmente frutferas, alm de florestais, plantas condimentares, leguminosas e as plantas ajudantes que auxiliam no controle de pragas, especialmente formigas, na melhoria do solo e para a produo de biomassa (tabelas 1 e 2). Parte das mudas plantadas foram doadas aos agricultores, mas tambm produzidas localmente e adquiridas. Houve ainda o plantio atravs de sementes ou caroos, principalmente para seringueira, cacau e cupuau. Segundo depoimento de moradora de Dandara: O SASOP chegou na regio em 1996. Em 1997 eu fui para Pernambuco fazer viagem de intercmbio. Eu morava na Pimenteira e l eu conheci o processo do manejo. Quando eu cheguei aqui eu decidi experimentar. Todo mundo falava que era loucura, que era trabalho de preguioso. Em Dandara, o processo teve incio em 1999 e foi estabelecido tanto em reas de regenerao (capoeira) como em cacauais velhos. A proposta do SASOP era o estabelecimento de reas experimentais, que foram aqui avaliadas, para posterior implementao das prticas agroecolgicas em outros sistemas produtivos das famlias. O maior 2 tamanho da rea de manejo encontrada mediu 2600 m .
Tabela 1. Classificao e densidade (plantas/ha) de plantio nos sistemas rea de manejo de agricultores das comunidades Dandara e Marimbondo

Classificao dos Cultivos Fruteiras Hortalias e Condimentares Venda e consumo* Venda** Florestais Regenerao natural Plantas perenes/ha Plantas-no-perenes/ha rea da parcela (m2)

Plantio em reas abertas 1 2 3 335 657 888 46 986 904 235 329 120 600 600 944 43 48 112 571 48 1282 2200 2064 58 1029 952 2600 700 1250

4 418 143 920 24 143 1649 119 837

Plantio em cacauais 5 6 7 166 224 556 439 1200 185 1990 1025 369 1346 251 2282 758 425 1242 65 2288 306

*Consumo e venda: noz-moscada, canela, urucum, caf, pupunha, dend **Venda: cacau, seringa, pimenta-jamaica, cravo, guaran, cupuau Tabela 2. Nmeros de espcies diferentes nos sistemas rea de manejo de agricultores das comunidades Dandara e de Jone de Marimbondo

Classificao dos Cultivos Espcies de plantas perenes Espcies de plantas-no-perenes Total

Plantio em reas abertas 1 2 3 24 49 38 15 229 16 28 65 40

4 33 48 37

Plantio em cacauais 5 6 7 16 16 9 16 16 9

A densidade de plantio com mdia total de 1.965 plantas perenes/ha no elevada, considerando outros sistemas agroflorestais da regio. O que chama mais a ateno das reas de manejo a

diversidade dos seus componentes, especialmente o sistema 2, onde em rea de apenas 700 m foram encontradas 65 espcies diferentes de plantas. A diversidade de plantas em reas abertas bastante superior ao plantio em cacauais, com mdias de 43 para o primeiro e de 14 para o segundo. Outras diferenas para o plantio em cacauais a ausncia do plantio de espcies florestais e de hortalias e condimentares. 3.2. Adoo das prticas agroecolgicas nos sistemas agroflorestais
Tabela 3. Porcentagem de famlias (n = 11) que implementaram prticas agroecolgicas em SAFs nas comunidades Dandara e Marimbondo, Camamu, Bahia, 2005

Prticas agroecolgicas No queimar Capina seletiva com faco Capina seletiva com enxada Distribuio da vegetao roada sobre o solo Eliminao de alguns arbustos/rvores Introduo/manuteno de plantas ajudantes Plantio para produo de biomassa Plantio de leguminosas para adubao Instalao de viveiro familiar/grupal Coleta de sementes florestais Plantio de sementes/ mudas florestais Adubao orgnica Poda para produo de biomassa Compostagem Mdia geral de incorporao das prticas SAF 1 (dividido pelo n de prticas) Mdia geral de incorporao das prticas SAF 2

Dandara SAF 1* SAF 2** 100 27 64 45 9 9 82 45 45 27 73 27 27 27 9 9 45 36 27 73 27 36 9 9

Marimbondo SAF 1 SAF 2 17 17 33 33 83 33 17 17 67 17 17 17 17

33 33 17 17

17 17 17

Geral SAF 1 SAF 2 71 24 53 41 6 6 82 53 41 24 53 24 24 6 18 12 6 29 35 24 53 24 29 12 12 46 % 27 %

SAF 1*: rea de manejo, com prticas agroecolgicas estabelecidas com o apoio externo SAF 2**: Qualquer outro SAF da propriedade, onde a famlia executou as prticas por conta prpria

A realizao da prtica no SAF 2, por risco e iniciativa prpria demonstra a adoo da prtica agroecolgica. O ndice geral de 27% baixo, mas preciso considerar que a adoo na comunidade Dandara superior a do Marimbondo. As prticas de capina seletiva com enxada; plantio e poda de espcies para produo de biomassa; instalao de viveiro e realizao de compostagem foram as prticas com menor adoo. Em Dandara, algumas prticas foram executadas no SAF 1 e apresentaram reduo significativa no SAF 2 como a no utilizao do fogo, introduo/manuteno de plantas ajudantes e adubao orgnica. Segundo alguns agricultores a prtica de no queimar a prtica mais difcil do agroecolgico. Pra gente que nasceu e se criou derrubando, queimando e plantando, a gente acha estranho no poder derrubar e queimar. Esses depoimentos revelam tambm a dificuldade de se alterar uma prtica tradicional j consolida. O SAF 1 era experimental para as famlias, um deles explicou a ausncia das prticas em outro SAF: a partir daqui eu no fiz nenhum compromisso com a demonstrao. Aqui eu poderia jogar o adubo qumico ou qualquer outra coisa num padro diferente. Por outro lado as prticas de capina seletiva com faco e distribuio da vegetao roada sobre o solo apresentam alto ndice de adoo possivelmente porque se assemelham s aes j desenvolvidas pelos agricultores. A tabela 4 confirma a diferena de adoo entre as duas comunidades e entre as famlias.
Tabela 4. Porcentagem de incorporao de 14 prticas agroecolgicas por famlias em duas comunidades, Bahia, 2005

Dandara Famlias 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

SAF 1 79 21 79 57 93 29 36 21 14 50

SAF 2 50 7 64 36 50 36 21 7 7 7

Mdia 65 14 72 47 72 33 29 14 11 29

11 Mdia Marimbondo Famlias 12 13 14 15 16 17 Mdia Mdia geral

21 36 SAF 1 64 21 14 7 21 14 19 31

11

SAF 2 57 7 14 0 0 0 18

Mdia 61 14 14 4 11 7 25

4. RELAO DO TRABALHO COM A SUSTENTABILIDADE Apesar das prticas no terem sido adotadas em sua totalidade, o trabalho do SASOP rendeu frutos, especialmente no despertar da conscincia e na diminuio do uso do fogo, de defensivos e de fertilizantes qumicos. Antes eu acreditava muito no fogo, eu acreditava que as plantas s saiam no queimado, que o cacau s produzia com qumico, que as formigas s morriam com veneno. Esta a primeira experincia com o manejo agroecolgico e est dando certo. De tempo em tempo aparece uma lagarta. A a gente tira, corta, joga no cho, elas desaparecem. O adubo prejudica a sade da gente, a sade da planta. E com o tempo a planta vai diminuindo a produo. Os fazendeiros perderam a produo por causa disso da. Botava, botava adubo e quando no botava, arreava a produo. O remdio aqui faco e enxada. 5. CONCLUSES E LIES APRENDIDAS A adoo est diretamente relacionada a baixa utilizao de mo-de-obra. As prticas que demandam muito esforo sem que haja um ganho bastante superior so muito difceis de serem incorporadas, como demonstrado pelos agricultores: Mas s fao na rea do SASOP porque um servio danado. Manejo pra gente fazer s numa areazinha pequenininha. A partir de duas tarefas, a gente no d veno. Eu acho que este sistema funciona, mas s se a pessoa tiver s aquilo para fazer. L no Ernst eu vi que funciona, mas o servio dele aquele. Aqui, a gente tem outras coisas para fazer. um plantio, uma farinha.... As prticas desenvolvidas em uma realidade diferente da agricultura familiar, como o caso de Ernst, no podem ser transportadas e difundidas para os agricultores, correndo o risco do fracasso. Os tcnicos precisam entender que a agricultura familiar vive da produo agropecuria e os parcos recursos financeiros e de mo-de-obra so aplicados com parcimnia, diferentemente de centros de pesquisa e de pessoas que no dependem da terra para viver. A grande lio vem de um agricultor: O que faz a pessoa mudar a prpria experincia. 6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Fujisaka, S. 1993. A case of farmer adaptation and adoption of contour hedgerows for soil conservation. Experimental Agriculture 29: 97-105. Raintree, J. B. 1989. Factores que afectan la adopcin de innovaciones agroforestales por agricultores tradicionales. In Seminario Avances en la Investigacin Agroforestal (1989, Turrialba, Costa Rica). Memoria. Eds. J. W. Beer; H. W. Fassbender, J. Heuveldop. Turrialba, C.R. CATIE. P. 307-319 (Serie Tcnica. Informe Tcnico, no. 147). Scheer, S. J., Mller, E. U. 1991. Technology impact evaluating in agroforestry projects. Agroforestry Systems 13: 235-257 Wiersum, K. F. 1994. Farmer adoption of contour hedgerow intercropping, a case study from east Indonesia. Agroforestry Systems 27: 163-182.