Expressionismo - Parte 1
Expressionismo - Parte 1
Expressionismo - Parte 1
Julgado em sua totalidade, o expressionismo tem a ver com uma sensibilidade comum a pintores como Grnewald, Goya, ,EI Gre.fQ e Bdcklin; a escritores como Strindberg, Kafka, Beckett e Canetti; a msicos como Kurt Weill e Alban Ber ; a arquitetos como Gaud; a cineastas como Dreyer, Carn Wells e Fer eri., criao de formas deliberad~mente deformadas, o sacrifcio do discurso ao essencial, a captao de um mundo em frangalhos, a preocupao com a doena ea morte, a sublimao da loucura em contrastes e dlssonnclas! o gosto pelo inslito e a viso de um absurdo que tira para sempre a tranqilidade de viver sao caractersticas destes e de muitos outros autores que, nos diversos campos daarte, atingiram limites de expresso .
.c-omo_movimento esttico o ex ressionismo floresce na Alemanha, s vsperas da primeira guerra mundial desenvolvenCIo-se a e as vsperas (ia segunda, englobando autores indepen-d-ent-es-c-omu-KTmn e grupos como "O Cavaleiro Azul" e "A Ponte". Bernard Myers explica este fenmeno dentro do contexto histrico singular do pas: a disseminao das provncias, a ausncia de um sistema social eficaz, a falta de um patrocnio morirquico e o autoritarismo da sociedade prussiana,' cujos ideais eram a Obedincia, o Dever e a Ordem, geraram nos artistas mais sensveis reaes emocionais face ao mundo. As autoridades so contestadas at que, num manifesto de 1906, Kirchner afirma que a jovem gerao inteira, porque contm a semente do futuro, deve se armar para lutar contra a ordem estabe1ecida. Procurando se perder numa fora exterior transcendente, os expressionistas opem s potncias dominantes entidades abstratas com as quais se identificam: a Natureza, o Infinito, o Alm. A procura do irnaterial, do outro mundo e das antpodas 13
que se .escondem por trs das aparncias sustentada por um vigoroso sentimento religioso, levado s raias do misticismo. Os expressionistas adotam com entusiasmo as idias sobre a vida criativa de Bergson, considerando seu pensamento de que o homem cria cada vez que age em liberdade como o melhor antdoto contra todo pensamento totalitrio. Para Woninger, a subjetividade a base da arte e o elemento fundamental da criao a intuio. Seguindo este caminho, o expressionismo suprimir as formas institudas para atingir "as coisas ue esto or trs das coisas", em efuses selvagens, demonacas. - .- -. O precursor mais prximo do movimento o noruegus Edward Mnch: "Eu caminhava com dois amigos - o sol se ps, o cu tornou-se vermelho sangue - eu ressenti como que um sopro de melancolia. Parei, apoiei-me no muro, mortalmente fatigado; sobre a cidade e do fiorde, de um azul quase negro, planavam nuvens de sangue e lnguas de fogo; meus amigos continuaram seu caminho - eu fiquei no lugar, tremendo de angstia. Parecia-me escutar o grito imenso, infinito, da natureza". Reconhe-se nesta viso a origem de sua clebre gravura, na qual um homem, deformado pelo prprio grito, expressa em seu corpo uma angstia que envolve a paisagem enquanto ao fundo dois homens de fraque e cartola se afastam, indiferentes, corno se nada estivesse acontecendo. No entanto, como a comentar O Grito, Herman Bahr escreve: "Jamais se viu confundida nenhuma poca por tal espanto, por tal crepsculo de morte. Nunca havia reinado no mundo tal silncio de tumba. Jamais havia sido o homem mais insignificante nem teve nunca tanto medo. E agora se escuta o clamor da angstia: o homem pede a gritos sua alma, e o tempo todo se converte em um grito interminvel. Tambm a arte grita em plena obscuridade e pede ajuda, pede esprito. Isto o expressionismo." As poesias ento se compem de sucessivas exclamaes; grupos de literatos, pintores e gravuristas fundam movimentos com os nomes de 'Ecloso', 'Ao', 'Clamor'; seguindo o conselho de Werner Haftmann, os artistas tornam-se homens psiquicamente desequilibrados; por toda Alemanha testemunham-se arrebatamentos, derramamentos; em toda parte ressoam "incontrolveis gritos de dor". Para Walter Gropius o expressionismo uma revolta contra a Mquina e tudo o que ela representa de repressivo. Seus lderes consideram-se adolescentes apocalpticos, em rebelio contra o passado e contra todos os absurdos, especialmente o da guerra. Em 1917, Ludwig Rubiner pergunta: "Quem so nossos companheiros?" E responde: "Prostitutas, poetas, subproletdrios, 14
colecionadores de objeto f-e~_:J casais enlaados, loucos desempregados, lamb, mas da doena do so mulheres da terra. Ns desprezados. Somos aq trabalho, aqueles que reei Ral." Desprezando a po . por um levante mundial~----"mundo. O expressionismo " ''C:::::l_ Instaurar uma fraternidade :=':::::;:::::;;ii.J. o que prope Lothar Sc mz:lher compreendeu que p _ a Isto renuncia. Um outro s(ff;:,_c:::;;;.;;:.:a.1I z:m cristo e recusa batizar s Imprensa a soldo da socied. pnmeiros passos do homem em seguida os atos decisivos P'C..;~.l:;:;;;::tI" esqu~ce em sua pessoa. Afast extenormente, do mundo antis, de, f~n:flia, Estado, Igreja, a , condio da liberdade no , chegou para todos. Todos aqz mundo antigo um Calvrio So,,!os de novo responsveis pe antigo e do. nascimento do no} agora que nasce o Homem o
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colecionadores de objetos perdidos, ladres ocasionais, ociosos, casais enlaados, loucos de Deus, bbados.fumantes inveterados, desempregados, lambes, vagabundos, inventores, crticos, vtimas da doena do sono, biltres. E, por momentos, todas as mulheres da terra. Ns somos os rejeitados, os restolhos, os desprezados. Somos aqueles que so sem trabalho, inaptos ao trabalho, aqueles que recusam o trabalho. Ns somos a Santa Ral." Desprezando a poltica, o romancista Franz Werfel clama por um levante mundial da amizade contra a devastao do mundo. O expressionismo tenta, como medida prtica e imediata, instaurar uma fraternidade universal atravs da Grande Recusa. o que prope Lothar Schreyer, num manifesto de 1919: "Uma mulher compreendeu que para nada lhe serve usar seus encantos e a isto renuncia. Um outro sabe que a Igreja no faz de ningum um cristo e recusa batizar seu filho. Um outro v os malefcios da imprensa a soldo da sociedade e se abstm de l-Ia. Tais so os primeiros passos do homem que se afasta do mundo antigo. Vm em seguida os atos decisivos pelos quais ele o rejeita, o aniquila e o esquece em sua pessoa. Afastar-se radicalmente, interiormente e exteriormente, do mundo antigo e de suas instituies - sociedade, famlia, Estado, Igreja, arte, cincia, moral e cultura - a condio da liberdade no mundo novo. A hora das decises chegou para todos. Todos aqueles que compreenderam que o mundo antigo um Calvrio devem tomar suas responsabilidades. Somos de novo responsveis pelo destino do mundo: da morte do antigo e do. nascimento do novo. agora que tudo se decide. agora que nasce o Homem Novo."
A matana ocorrida na primeira guerra mundial-proporcionou aos expressionistas a mais material das vises do horror e a continuao da vida sob a mesma realidade lhes traz a certeza de que uma nova matana vai se processar. Procurando demonstrar pela deformao da matria que possvel modelar livremente a sociedade, os artistas expressionistas transformam, nas palavras I de Schdnberg, a Repblica de Weimar num "laboratrio do fim ,/ do mundo". >
Como outros movimentos estticos de vanguarda deflagrados na Europa entre-guerras, ~pre~sionisQ1Q ...!~ve _a ~a representao cinematogrfica gus:-.l!W.IlS-QDside~rante. Antes e lscufif vahdade desta representao, cabe entend-Ia em suas caractersticas prprias: 15
A DEFORMAO O .expressionismo no cr em psicologia. Como escreveu Louis Delluc, a arte expressionista sacrifica a massa dos detalhes expresso-tipo. Esta expresso ou detalhe-tipo engordado e deformado em detrimento do resto, para impressionar o espectador seduzido pelo monte de coisas inteis a mostrar. Ele busca provocar a emoo imediata por grandes efeitos decorativos, rtmicos e dinmicos. Sua inspirao vem do teatro de Max Reinhardt,que se notabilizou pela estilizao dos cenrios, pela dramatizao da atmosfera, pela movimentao de massas no palco, pelo arranjo coral dos coadjuvantes e pela iluminao: no 'Deutsches Theater', foi o primeiro a realizar decoraes inteiramente constitudas por fachos de luz. decora , a ilumina -e o 'ogo dos atore so os meiQL mais eficazes a deforma -ao e, portito, os trs dados b~icos do cmema ex ressionista., Mas poucos so os diretores que os apresentam de forma "pura": em F.W. Murnau, por exemplo, a estilizao s intervm coordenada na apresentao dos personagens sobrenaturais, como o vampiro interpretado por Max Schreck, ou o Mefistfeles de Emil Jannings: so estes dois personagens que, de todo o elenco, surgem como "totalidades" expressionistas pelo efeito da estilizao do conjunto dos elementos acessrios a eles referentes - tal como ocorre em O Gabinete do Dr. Caligari (1919) de Ro bert Wiene, um dos poucos filmes inteiramente expressionistas: a o jogo dos atores est integrado decorao, que se integra maquilagem e ao vesturio, que se integram iluminao e decorao. Conrad Veidt e Werner Kraus seguem, em suas interpretaes, os ngulos agudos do cenrio, atravs de uma gesticulao desvairada e de uma mmica concentrada, reprimindo as articulaes intermedirias que tornam a representao "espontnea". Segundo Rudolf Kurtz, os atores expressionistas devem transformar a linguagem, o tom e o jogo gestual em materiais a servio de sua vontade figurativa. Atravs da conciso extrema e do anti-naturalismo, podem expressar, com o mnimo de movimento, o mximo de emo o, dando a impresso de autmatos imprevisfvis, que- aparecem e desaparecem repentinamente, esboando gestos que no se concluem ou apresentando-os sem transio. O pouco de realidade que neles resta tirado pelas roupas estilizadas: Caligari em seu uniforme de professor, Cesar numa malha preta, Jane de branco como as figuras imantadas ou numa tnica com raios em zig-zag, tornam-se "figuras de sonho, sem tempo nem realidade". Cada
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PAISAGEM
costume parece nascer dos arabescos dos cenrios, cujas linhas, quedas, ngulos e ondulaes correspondem ao processo interior dos personagens. As deformaes tm um fundamento psicolgico desde que esta uma histria contada por um louco, que v seus colegas de hospcio como protagonistas de crimes ordenados pelo prprio psiquiatra. E tambm tm um sentido de acusao poltica, a superioridade dos funcionrios pblicos sendo simbolizada por banquetas giratrias com degraus, nas quais eles ficam empoleirados, escrevendo em livros enormes. Este aspecto poltico era mais acentuado no roteiro original, escrito pelo poeta Hans Janowitz e pelo maior roteirista do cinema mudo alemo, Carl Mayer, inspirados num caso de estupro acontecido num jardim de Hamburgo por onde o poeta passava, no dia fatdico, acreditando ouvir o riso da vtima momentos antes de sua morte. Uma referncia transfigurada a este acontecimento a cena em que o estudante pergunta ao sonmbulo Csar, que faz adivinhaes na feira, quanto tempo tem para viver, ao que este responde: "At a aurora" - porque ele mesmo o matar naquela noite ... Carl Mayer, por seu lado, estava obcecado pelo psiquiatra militar que, durante a guerra, no cessava de colocar em questo sua sade mental. Os dois roteiristas decidem, atravs da metfora drJ psiquiatra louco, que hipnotiza um paciente para cometer crimes, . ~nunciar a onipotncia_do Estado na conscrio universal e n~ declarao de gue as: o Estado alemo no acabara de mandar ~ cidados matar outros homens nofront? E estes-no foram-para l, como sonmbulos? Sonmbulos no era o ttulo do romance pico de Herman Broch? O refinado Thomas Mann no afirmara, em 1914, que "a guerra uma purificao da cultura", fazendo seu personagem Hans Castorp de A Montanha Mgica partir alegre e saltitante para a guerra? A metfora de Caligari, contudo, no chegou verso final e a histria, modificada, absolveu o psiquiatra: o mundo no era um hospcio e louco era apenas o estudante que assim o imaginava. Apesar de tudo, o resultado permanece tremendo: "Jamais as retinas dos espectadores haviam sido feridas por tanta audcia plstica", escreveu Roman Gubrn; o termo "cali arismo" passou a ser usado para ~ mais radical expressionismo:-
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