Interacionismo Simbólico
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Virgnia Donizete de Carvalho Universidade Federal de Alfenas Livia de Oliveira Borges Universidade Federal de Minas Gerais Denise Pereira do Rgo Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Artigo
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Resumo: O estudo aborda a perspectiva terica denominada interacionismo simblico, com o objetivo de resgatar suas origens, consolidao, pressupostos centrais e contribuies ao campo da Psicologia social. Com base em reviso de literatura, so examinadas algumas concepes de pensadores reconhecidos como precursores dessa corrente, com destaque para o trabalho de George Mead. Os marcos iniciais da estruturao do movimento interacionista simblico (cujo nome e principais pressupostos foram estabelecidos por Herbert Blumer) e as diferentes possibilidades de operacionalizao do conceito, representadas pelas divergncias conceituais e metodolgicas das Escolas de Chicago e Iowa, constituem os pontos centrais da discusso. No intuito de identificar os principais desdobramentos oriundos das concepes interacionistas, so brevemente expostas as abordagens de estudiosos como Strauss, Shibutani, Berger e Luckmann, e Stryker. Por fim, com base na reviso empreendida, que permitiu identificar diferentes pontos de vista acerca da abordagem interacionista simblica, conclui-se que sua evoluo e fortalecimento ao longo do tempo contriburam para que pudesse se sustentar como uma perspectiva terica com amplas possibilidades de aplicao nos estudos da vida social. Palavras-chave: Interacionismo simblico. Pressupostos tericos. Perspectivas metodolgicas. Estudos em Psicologia social. Abstract: The current study addresses the theoretical perspective named symbolic interactionism, aiming at the description of its roots, consolidation, main assumptions and contributions to the field of social psychology. Using literature review, conceptions of some scholars known as pioneers to that approach are examined, emphasizing the work of George Mead. The initial landmarks of the symbolic interactionism movements consolidation (whose name and main assumptions were established by Herbert Blumer) and the different possibilities to work on that concept, represented by the methodological and conceptual divergences between the Chicago and Iowa Schools, constitute the major points of focus. Approaches from scholars like Strauss, Shibutani, Berger and Luckmann, and Stryker are shortly discussed for the purpose of identifying the main developments derived from the interactionist conceptions. Lastly, based on this review, which provided distinct points of view regarding the symbolic interactionism approach, we conclude that its evolution and strengthening along the time have contributed to its permanence as a theoretical perspective with broad applicability in social life studies. Keywords: Symbolic interactionism. Theoretical assumptions. Methodological perspectives. Social psychology studies. Resumen: El estudio aborda la perspectiva terica denominada interaccionismo simblico, con el objetivo de rescatar sus orgenes, consolidacin, supuestos centrales y contribuciones al campo de la Psicologa social. Con base en revisin de literatura, son examinadas algunas concepciones de pensadores reconocidos como precursores de esa corriente, con destaque para el trabajo de George Mead. Los marcos iniciales de la estructuracin del movimiento interaccionista simblico (cuyo nombre y principales supuestos fueron establecidos por Herbert Blumer) y las diferentes posibilidades de operacionalizacin del concepto, representadas por las divergencias de conceptos y metodolgicas de las Escuelas de Chicago e Iowa, constituyen los puntos centrales de la discusin. En el designio de identificar los principales desdoblamientos oriundos de las concepciones interaccionistas, son brevemente expuestos los abordajes de estudiosos como Strauss, Shibutani, Berger y Luckmann, y Stryker. Por fin, con base en la revisin emprendida, que permiti identificar diferentes puntos de vista acerca del abordaje interaccionista simblico, se concluye que su evolucin y fortalecimiento a lo largo del tiempo aportaron para que pudiese sostenerse como una perspectiva terica con amplias posibilidades de aplicacin en los estudios de la vida social. Palabras clave: Interaccionismo simblico. Supuestos tericos. Perspectivas metodolgicas. Estudios en Psicologa social.
Os problemas sociais decorrentes da industrializao e da urbanizao do incio do sculo XX constituram o contexto que serviu como uma das fontes de estmulo aos estudiosos da Psicologia social da poca para desenvolver uma perspectiva terica distinta, voltada para o estudo sistemtico do comportamento social
humano. Essa perspectiva, posteriormente denominada interacionismo simblico, segue fundamentando o referido campo de conhecimento. Dentre os antecedentes intelectuais do interacionismo simblico, de acordo com Benzies e Allen (2001), esto algumas
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concepes dos moralistas escoceses do sculo XVIII e dos idealistas alemes do sculo XIX. Os moralistas, ao expandirem as noes de Eu e Mim, proporcionaram as bases para a evoluo do pensamento interacionista, no que se refere aos conceitos de Mente e Self como produtos sociais. Os idealistas alemes, por sua vez, influenciaram na compreenso de que as pessoas constroem seu mundo com base nas prprias percepes sobre o mesmo. De um modo geral, pode-se dizer que o interacionismo simblico constitui uma perspectiva terica que possibilita a compreenso do modo como os indivduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais interagem e como tal processo de interpretao conduz o comportamento individual em situaes especficas. Autores como Kanter (1972) e Hall (1987) argumentam que essa uma perspectiva til e importante no estudo da vida social, e que ela oferece um ponto de vista humanstico, no qual se percebe as pessoas como capazes de utilizar seu raciocnio e seu poder de simbolizao para interpretar e adaptar-se flexivelmente s circunstncias, dependendo de como elas mesmas venham a definir a situao. Por esse motivo, considera-se que o interacionismo simblico , potencialmente, uma das abordagens mais adequadas para analisar processos de socializao e ressocializao e tambm para o estudo de mobilizao de mudanas de opinies, comportamentos, expectativas e exigncias sociais. Reconhecendo a importncia dessa abordagem para o campo de estudos da Psicologia social, o presente trabalho tem o intuito de discutir o surgimento, a consolidao e os pressupostos centrais da perspectiva interacionista simblica, revisando as concepes tericas dos estudiosos que mais contriburam para o seu desenvolvimento. Na sequncia, so identificadas as principais
vantagens e limitaes em termos de alcance e aplicao dessa abordagem e, por fim, so apresentadas, brevemente, algumas abordagens desenvolvidas com base na obra de tericos interacionistas, as quais buscaram explorar a temtica, agregando novos aspectos e pontos de vista.
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qual se derivaram as interpretaes que deram origem ao interacionismo simblico. Nessa linha de raciocnio, destaca-se a influncia da filosofia do pragmatismo sobre os estudiosos da Escola de Chicago, a qual teve incio com os trabalhos de Dewey e Mead, especialmente no que se refere interpretao dos processos e operaes psquicas, segundo sua eficcia para a soluo dos problemas encontrados pelas pessoas no curso de sua conduta. Nas palavras de Joas (1999), Cooley foi o primeiro a proclamar a necessidade de um pragmatismo social ou sociolgico e o primeiro a desenvolver uma teoria do eu e sua dependncia de grupos primrios (p. 138). Entretanto, a soluo do problema de se chegar a uma anlise pragmtica de situaes de interao social e autorreflexo individual foi creditada a Mead, por ter focado a ao interpessoal, indicando que o modo de ao de um indivduo suscita reaes de seu parceiro, tornando-se condio para a continuidade de suas prprias aes. Sabendo-se que o pragmatismo foi um dos produtos das ideias evolucionistas britnicas (lvaro & Garrido, 2003) e que Mead, no terreno filosfico, era um pragmatista (Morris, 1982; Portugal, 2006), torna-se perceptvel que, em alguns aspectos, as ideias de Darwin tenham tido impacto sobre o pensamento de Mead. observvel tambm a ateno que dedicou s elaboraes de Wundt e s concepes behavioristas. Entretanto, fato inegvel que, em suas discusses, sempre reconhecia as limitaes de cada uma das correntes de pensamento citadas, apresentando crticas s mesmas; assim, discutia a incapacidade do pragmatismo de explicar as origens do indivduo como ser social, a explicao de Cooley sobre a natureza social do ser humano a partir de processos subjetivos, a aceitao de Wundt em relao ao fenmeno da mente humana sem se preocupar com sua emergncia e a
pretenso reducionista do behaviorismo de explicar o comportamento humano atravs do esquema E-R (estmulo-resposta) (Blanco, 1998). Apesar de Mead ser reconhecido como um behaviorista social, Farr (1998) salienta que sua perspectiva de anlise difere radicalmente do behaviorismo de Watson, de F. H. Allport e de Skinner, principalmente devido ao fato de Mead tratar a linguagem como um fenmeno inerentemente social. Mead reconhece que o ato possui tanto uma fase interna quanto externa. Para ele, a questo surge no modo como essas duas fases se relacionam, portanto, critica Wundt por considerar a mente em sua psicologia fisiolgica, e Watson, por abandon-la em seu behaviorismo. Para Farr, ambas as perspectivas so parciais, e no h nada de inerentemente social em nenhuma delas. O que Mead fez foi mostrar como elas poderiam se relacionar (p. 80). Essas consideraes esto claras em sua obra, como possvel constatar neste trecho em que esclarece, em termos de behaviorismo, qual o ngulo de seu enfoque:
O ato, e no o trajeto, o dado fundamental na psicologia social e na psicologia individual, quando so concebidas na forma condutista, e tem por sua vez uma fase interna e outra externa, um aspecto interior e outro exterior... nosso ngulo de enfoque condutista, mas diferentemente do condutismo watsoniano, reconhece as partes do ato que no aparecem na observao externa e acentua o ato do indivduo humano em sua situao social natural. (Mead, 1934/1982, p. 55)
Conforme se observa, no entendimento de Mead (1934/1982), a compreenso da conduta incontestavelmente diferenciada de Watson. Ele argumenta detalhadamente em sua obra que certas partes do ato se convertem em um estmulo para que o
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outro indivduo se adapte a tais reaes, e essa adaptao se converte, por sua vez, em estmulo para que o primeiro modifique seu ato e inicie outro ato distinto. Po r t a n t o , a d e s c r i o d e M e a d d o comportamento humano tem como dado principal o ato social, em termos no s de comportamento externo observvel mas tambm de atividade encoberta do ato. Enquanto Watson reduz o comportamento humano aos mesmos mecanismos encontrados no nvel infra-humano, em que a dimenso social vista como mera influncia externa sobre o indivduo, insistindo no estudo estritamente cientfico do comportamento aparente, Mead permite uma instintiva investigao abrangente de aspectos do comportamento, ausente na perspectiva de Watson (Haguette, 1995). Essa descrio do comportamento feita por Mead foi denominada behaviorismo social por Morris, um filsofo que editou a transcrio do curso em Psicologia social oferecido por Mead na Universidade de Chicago (Farr, 1998). O termo behaviorismo social consta, inclusive, no subttulo da obra editada por Morris, a saber: Mind, Self and Society: from the Standpoint of a Social Behaviorist. Com respeito a esse fato, Gillespie (2005) levanta a seguinte questo: quem est escrevendo quando o texto diz nosso behaviorismo um behaviorismo social? Esse nosso se refere a Mead e aos estudantes a quem ele se dirigia, ou a Morris e o seu Mead? (p. 21). Farr (1998) entende que a interpretao de Mead como um behaviorista social soa pouco til e at mesmo falsa, pois Mead era um pragmtico, e no um positivista. Classificar Mead como um behaviorista social prestar pouca ateno em sua relao com Watson e subestimar seriamente o significado de suas relaes com Wundt e, de maneira mais ampla, com o idealismo alemo (p. 111). Com respeito a tais relaes, observam-se em vrios pontos de sua obra menes
ao pensamento wundtiano, ainda que, conforme discutido anteriormente, sua posio seja divergente de Wundt no que tange emergncia da mente humana:
Wu n d t p r e s s u p e p e s s o a s c o m o antecedentes do processo social, a fim de explicar a comunicao dentro desse processo, enquanto que, pelo contrrio, h que se dar conta das pessoas em termos de processo social e em termos de comunicao... O corpo no um Eu, como tal, s se converte em pessoa quando h desenvolvimento de uma mente dentro do contexto da experincia social... A mente surge atravs da comunicao, por uma conversao de gestos em um processo social ou contexto de experincia e no a comunicao atravs da mente. (Mead, 1934/1982, p. 91)
Nessa linha de raciocnio, Mead afirma que a mente uma relao do organismo com a situao, que se realiza por meio de uma srie de smbolos. Quando um determinado gesto representa a ideia que h por trs de si e provoca essa ideia no outro indivduo, temse um smbolo significante. No momento em que tal gesto promove uma reao adequada do outro indivduo, tem-se um smbolo que responde a um significado na experincia do primeiro indivduo e que tambm evoca esse significado no segundo indivduo. Assim, a base do significado est presente na conduta social, em que emergem os smbolos significantes. S quando o indivduo se identifica com tais smbolos que se torna consciente o significado. Os processos mentais tm relao com esse significado das coisas, e a mentalidade reside na capacidade do organismo para indicar aquele elemento do ambiente que responde s suas reaes, a fim de poder controlar tais reaes de vrias maneiras. Nas palavras do prprio Mead, o controle possibilitado pela linguagem... e da linguagem emerge o campo da mente (p. 165). Conforme pontua Blanco, o que Mead queria demonstrar era que a ao de cada um s
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obteria seu sentido atravs da ao do outro. Durante o processo de qualquer ato social, os objetos do ambiente percebido se definem e se redefinem. De tal dinamismo consiste a interao simblica, a qual no se d por reao direta s aes e gestos do outro, mas mediante uma interpretao dessas aes ou gestos com base no significado que lhes atribudo. Para explicar esse processo de interao que envolve definio e redefinio de objetos do ambiente percebido, Mead introduz as noes de Self, Eu e Mim. A caracterstica da pessoa como objeto para si est representada pelo termo self (si mesmo), e esse self permite que o indivduo interaja socialmente consigo mesmo, da mesma forma que interage socialmente em relao a outras pessoas. Quando no s se escuta a si, mas tambm se responde... to realmente como se responde a outra pessoa, ento temos uma conduta em que os indivduos se convertem em objetos para si mesmos (Mead, 1934/1982, p. 171). Essa capacidade de refletir sobre si mesmo, que tambm permite o processo de se perceber e/ou sentir-se no papel do outro, habilita ao ser humano desenvolver o sentido de self social. De acordo com Jeon (2004), o self precisa ser entendido de forma situada na interao com o mundo social. A pessoa e o mundo no podem ser compreendidos de forma isolada, porque o self est sendo continuamente desenvolvido atravs da interao com outros seres humanos. Isso explica a natureza do self, que dinmica, e no fixa. Portanto, a sociedade representa o contexto dentro do qual o self surge e se desenvolve. Meltzer (1972 citado por Haguette, 1995) ao interpretar o pensamento de Mead, esclarece que o self representa um processo social no interior do indivduo que envolve duas fases analticas distintas: o Eu, que a tendncia impulsiva do indivduo, e o Mim, que representa o outro generalizado.
na forma do outro generalizado (Mead, 1934/1982) que os processos sociais influenciam a conduta dos indivduos envolvidos e que a comunidade exerce controle sobre o comportamento dos seus membros individuais. Quando as pessoas ficam fora dessa classe de expresso organizada, surge uma situao em que o controle est ausente. A reao do indivduo ao outro generalizado representa o Eu na experincia da pessoa. O pensamento seria o raciocnio do indivduo, uma conversao entre o que se denomina Eu e Mim. Nas palavras de Mead (1934/1982), possvel observar esse papel do Eu e do Mim em um processo de interao contnua.
O Mim um indivduo convencional, habitual. Est sempre presente. Tem que ter os hbitos, as reaes que todos tm, ao contrrio, o indivduo no poderia ser um membro da comunidade... A reao do Eu a uma atitude organizada transforma a mesma, e assim, ocorre certa proporo de adaptao e readaptao. Essa reao do Eu pode ser um processo que envolve uma degradao do estado social como uma integrao superior. (p. 222)
Acrescenta, ainda, que o progresso social humano implica o emprego, por parte dos indivduos, do seu mecanismo de conscincia de si, socialmente surgido, tanto para produzir as transformaes sociais progressivas como para o desenvolvimento de si mesmos ou de suas personalidades individuais como forma de se manter adaptativo a esse ritmo de reconstruo social. Considerando-se a obra de Mead, possvel observar, no entanto, que, embora original e coerente, ela apresenta algumas deficincias e incompletudes, em grande parte resultantes da forma como o autor elaborou seu pensamento e da no intencionalidade de publicao de seus escritos na poca (Haguette, 1995).
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Conforme sabido, Mead nunca escreveu seu livro sobre Psicologia social. A obra Mind, Self and Society foi composta de notas de estudantes que o assistiram na ltima parte de sua carreira. As aulas e palestras que ministrava foram selecionadas e editadas postumamente sem muita preocupao quanto organizao, justificando-se, assim, as repeties e as ideias mal acabadas ou vagas. Dentre as crticas que so geralmente empreendidas, destacam-se, dentre outras: pouca preciso conceitual, ambiguidade em sua teoria pela impreciso do conceito de Eu (Lewis, 1979), no esclarecimento da identidade do outro, que fica sempre escondido na generalizao (Hughes, 1962, citado por Blanco, 1998), negligncia do por que da conduta, restringindo-se ao como, omisso quanto natureza (ou at existncia) do inconsciente ou subconsciente e dos mecanismos de ajustamento (Meltzer, 1972, citado por Haguette, 1995) e no referncia conexo que existe entre a pessoa e o sistema social, ainda que aponte os aspectos institucionais da sociedade (Blanco, 1998). Por outro lado, so muito reconhecidas as extensas contribuies tericas aportadas por esse autor. Gillespie (2005) enfatiza que poucos tericos foram to produtivos, mesmo postumamente, como Mead. Outra importante figura da Escola de Chicago, cujas ideias tambm exerceram influncia sobre a concepo interacionista simblica, foi W. I. Thomas, que se interessava por um modelo terico que enfatizasse a influncia da cultura no comportamento individual e coletivo. Insistia no carter cultural dos hbitos de comportamento e no aspecto coletivo at das iniciativas individuais. A cultura, no seu entender, abarcava toda uma diversidade de recursos comunitrios materiais, tcnicos e cognitivos. Seu estudo mais extenso, realizado em
parceria com Znaniecki, tratou dos imigrantes poloneses, e a publicao correspondente The Polish Peasant in Europe and America foi reconhecida como uma das obras paradigmticas da Escola de Chicago. De acordo com Joas (1999), o modelo terico apresentado nessa obra amplia a concepo pragmtica de ao em dois sentidos: primeiro, esta se torna mais concreta e, segundo, passa a incluir a ao coletiva. A concepo pragmtica de ao se torna mais concreta na medida em que a operao subjetiva de definir uma situao considerada com maior preciso. Normas de conduta aceitas so vistas como o resultado de definies de situaes previamente bemsucedidas. Conforme esclarecem Thomas e Znaniecki (1926/1984), o indivduo desenvolve esquemas gerais de situaes; a organizao de sua vida um conjunto de regras para situaes definidas... princpios morais, prescries legais, ritos religiosos, costumes sociais, etc., so exemplos de esquemas (p. 303). Ao lado do conceito de atitude, essas definies so formuladas em relao ao. D-se ateno ao papel social daquele que define as situaes. Fica claro que tais definies sempre contm um elemento de risco. No precisam, necessariamente, formar um sistema unitrio coeso ou explicar todas as situaes com a mesma preciso, at porque surgem continuamente situaes para as quais no bastam as definies j estabelecidas. Outro ponto de vista claro nessa obra que a desorganizao e a crise sempre possibilitam a reorganizao criativa. No entendimento de Thomas e Znaniecki, a estabilidade das instituies do grupo , simplesmente, o equilbrio dinmico de processos de desorganizao e reorganizao. Conforme pontua Joas (1999) a despeito de todos os problemas da relao entre teoria e pesquisa emprica bem como da complexidade da teoria e dos mtodos
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empregados, esses autores produziram uma obra notvel, que pode ser considerada um clssico. Importa, por fim, ressaltar que no ficam resumidas aqui todas as contribuies tericas que lanaram as razes para a constituio do interacionismo simblico. Entretanto, buscou-se destacar aquelas que foram mais relevantes.
participantes em um contexto particular (Jeon, 2004). Sustentando-se nos preceitos tericos de Mead, anteriormente expostos, Blumer (1969/1982) reafirma a noo de que o significado um produto social, uma criao que emana das atividades dos indivduos medida que estes interagem. Conforme esclarece em sua obra, a natureza do interacionismo simblico tem como base a anlise de trs premissas:
A primeira que o ser humano orienta seus atos em direo s coisas em funo do que estas significam para ele... A segunda que o significado dessas coisas surge como conseqncia da interao social que cada qual mantm com seu prximo. A terceira que os significados se manipulam e se modificam mediante um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao defrontar-se com as coisas que vai encontrando em seu caminho. (p. 2)
Ao fundar-se nessas premissas, a interao simblica levada a desenvolver um esquema analtico da sociedade humana e da conduta humana que envolve certas ideias bsicas relacionadas com a natureza dos seguintes temas: grupos humanos ou sociedades, interao social, objetos, o ser humano como ator, a ao humana e as interconexes entre as linhas de ao. Em uma viso de conjunto, essas ideias representam a forma como o interacionismo simblico v a sociedade humana e a conduta. O tema central abordado so os processos de interao social ao social caracterizada por uma orientao imediatamente recproca ao passo que o exame desses processos se baseia em um conceito especfico de interao que privilegia o carter simblico da ao social. O caso prototpico o das relaes sociais, em que a ao, em vez de adotar a forma de mera transferncia de regras fixas, definida nas relaes de forma recproca e conjuntamente
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proposta e estabelecida. Assim, as relaes sociais so vistas como algo aberto e subordinado ao reconhecimento contnuo por parte dos membros da comunidade, e no como algo estabelecido de uma vez por todas (Joas, 1999). Outro aspecto da interao humana que Blumer destaca que os que participam dela se veem obrigados a inibir tendncias dirigidas ao. As inclinaes, impulsos, desejos e sentimentos podem ser refreados em razo daquele que se considera e do modo como se julga ou interpreta. A presena do outro e os atos que desenvolve se convertem em outras tantas oportunidades para orientar o ato prprio, constituindo, desse modo, os acontecimentos da experincia que impulsionam o indivduo, enquanto este orienta sua ao ao reconsiderar sua conduta. Quanto forma de operacionalizao desses conceitos, Blumer (1969/1982) critica a metodologia convencional por utilizar meios de estabelecer a validade emprica de certos estudos por meio de esquemas que ele julga inadequados para captar o carter especfico do objeto de estudo: Muitos procedimentos, como os que sublinham a necessidade do emprego de tcnicas estatsticas e quantitativas, so inadequados, pois abordam um aspecto limitado do ato completo da investigao cientfica ignorando outros, como as premissas, os conceitos, etc. (p. 20) Dessa forma, ele prope uma posio metodolgica para o interacionismo simblico, na qual defende a noo de que, para compreender o mundo, necessrio analis-lo em termos das aes e interaes de seus participantes. Para a cincia emprica, a realidade s existe no mundo emprico, no qual se devem busc-la e verific-la (Blumer, 1969/1982, p. 16). Como esclarece Jeon (2004), a concepo de Blumer de que o pesquisador deve ser capaz de interagir ativamente com as pessoas
que esto sendo pesquisadas e de ver as coisas do seu ponto de vista e no seu contexto natural. Por conseguinte, quando adota a abordagem interacionista, o pesquisador precisa estar ativamente engajado no mundo em estudo e empreender uma anlise de suas partes fundamentais, por meio das tcnicas de explorao e inspeo, que so explicitadas respectivamente por Blumer, conforme se segue:
O estudo exploratrio o meio... para conseguir um conhecimento extenso e profundo da esfera da vida social e de desenvolver e acentuar a sua investigao... Por seu carter reflexivo, no est sujeito a nenhum conjunto de tcnicas em particular, pode recorrer observao direta, entrevistar pessoas, obter informaes sobre a vida real, utilizar cartas e dirios, consultar documentos pblicos e organizar discusses de grupo. A finalidade da investigao exploratria traar um quadro em estudo, to completo e preciso quanto permitem as condies vigentes. (p. 29) A inspeo consiste em examinar o elemento analtico dado, considerando-o de diferentes ngulos, estabelecendo diversas perguntas e examinando novamente luz das mesmas; em outras palavras, um exame detido e profundo... A explorao e a inspeo representam a descrio e a anlise e correspondem ao que se denomina investigao naturalista, um processo destinado a abordar o mundo emprico em seu carter natural e contnuo, em lugar de se limitar a uma simulao do mesmo, uma abstrao ou a sua substituio por uma imagem pr-estabelecida. (p. 33)
Conforme salienta Coulon (1995 citado por Trezza, 2002), o interacionismo simblico trouxe, pela primeira vez s cincias sociais, um lugar terico para o sujeito social como intrprete do mundo, pondo em prtica, com isso, mtodos de pesquisa que privilegiam o ponto de vista desses sujeitos. O objetivo do emprego dessas abordagens elucidar os significados que os prprios sujeitos pem em prtica para construir seu mundo social.
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Como foi possvel perceber nesta breve explanao, Blumer apresenta e discute os mais importantes aspectos da interao simblica. De acordo com Haguette (1995), ele tenta ser fiel ao pensamento de Mead, abordando, sobretudo, a natureza da interao simblica, da sociedade e da vida em grupo, dos objetos, da ao humana e da ao conjunta. Entretanto, alguns autores consideram as noes de Blumer uma interpretao errada de Mead, ao passo que outros alegam que as ideias centrais do interacionismo simblico demonstram mais similaridade com as de outros pensadores do pragmatismo do que com as de Mead. Nessa vertente, em um artigo publicado na revista The Sociological Quaterly no ano 1976, Lewis empreende a seguinte argumentao:
busca refutar os argumentos apresentados por Lewis, Blumer afirma que havia trabalhado diretamente com Mead por vrios anos como seu pesquisador assistente, e que havia sido indicado pelo prprio Mead para substitu-lo como professor do seu curso de Psicologia social avanada, quando este teve que interromper suas atividades. Da a afirmao: estou certo de que ele no teria feito isso se tivesse qualquer dvida de que eu poderia e apresentaria o contedo do curso como ele estava acostumado a apresent-lo (p. 286). Outras crticas, como a de McPhail e Rexroat (1979), dirigem-se mais ao que eles denominaram divergentes perspectivas metodolgicas entre Mead e Blumer. A investigao naturalstica de Blumer no satisfaz a perspectiva metodolgica de Mead e nem facilita o exame de suas noes tericas (p. 449). Esses autores esclarecem, por meio da discusso de um estudo ilustrativo, que muitos problemas da metodologia naturalstica proposta por Blumer podem ser evitados quando se reconhecem os diferentes domnios de significado para o investigador e o investigado, ao reduzir a extenso do comportamento a ser examinado e aumentar o controle do comportamento do investigador com respeito ao objeto de exame. Joas, por sua vez, descreve a Psicologia social de Blumer como construda por meio de uma apropriao fragmentria do trabalho de Mead. E ainda, no entendimento de Farr, as diferenas entre Mead e Blumer dificultam acreditar que este ltimo tenha alcanado uma perfeita compreenso do significado da obra do primeiro.
Embora a maioria dos interacionistas simblicos identifique George H. Mead, acima de todos os outros, como sendo seu progenitor filosfico, existem srias discrepncias entre a posio metodolgica do interacionismo simblico e a filosofia da cincia de Mead. Em alguns aspectos, o interacionismo simblico demonstra mais similaridade com os aspectos do pragmatismo de William James e John Dewey. (Lewis, 1976, p. 347)
Blumer responde, por sua vez, com uma rplica publicada no mesmo peridico, no ano 1977, declarando que tal artigo falseava grosseiramente a sua viso e a de Mead. Nessa rplica, discute cada um dos argumentos apresentados por Lewis, enfatizando que os estudantes graduados em sociologia na Universidade de Chicago na dcada de 1920 tiveram acesso direto viso de Mead de uma forma que no tiveram de Dewey, o qual havia deixado Chicago aproximadamente duas dcadas antes (Blumer, 1977, p. 285). Alm de vrios outros pontos, nos quais
Mead props uma filosofia completa da ao; Blumer estava mais interessado na interpretao da ao do que na ao em si mesma... Mead era um darwinista convicto; Blumer no o era. Mead, por formao, era filsofo, e abordou muitos dos problemas, se no quase todos, sobre os quais os filsofos de sua gerao caracteristicamente se debruavam. Blumer, por sua formao, era um socilogo com grande interesse
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tambm na metodologia das cincias sociais e no comportamento coletivo. (Farr, 1998, p. 157)
Em certo ponto de sua crtica, Farr (1998) afirma que a expresso interacionismo simblico tem ao menos a virtude de expressar com preciso o significado central da linguagem na Psicologia social de Mead (p. 155)
Em certo ponto de sua crtica, Farr (1998) afirma que a expresso interacionismo simblico tem ao menos a virtude de expressar com preciso o significado central da linguagem na Psicologia social de Mead (p. 155). Ainda de acordo com esse autor, fica claro, a partir do corpo completo das obras de Blumer, na metodologia, sua oposio vigorosa ao positivismo. Essa uma das razes pelas quais Farr acredita que os socilogos de Chicago compreenderam mal a crtica de Mead a Watson, e tomam Blumer como um expositor fiel da Psicologia social de Mead. Por fim, busca deixar claro que o interacionismo simblico deve ser entendido como uma forma sociolgica da Psicologia social iniciada em Chicago por Blumer e baseada em sua interpretao de Mead. E destaca que, na poca atual, o interacionismo simblico ainda uma tradio vigorosa e verstil da Psicologia social dentro da sociologia americana (p. 160). Com respeito s concepes tericas que formam a corrente interacionista simblica, tambm so tecidas algumas crticas, embora, conforme Blanco, a avaliao do interacionismo simblico no seja fcil, principalmente por se tratar de um marco intermetaparadigmtico. De acordo com Joas (1999), as crticas apontam principalmente a limitao do interacionismo simblico a fenmenos de imediaticidade interpessoal. Entretanto, apontam tambm que ignora questes de poder e dominao (p. 130). Atribui-selhe a viso de que o complexo das relaes macrossociais no ultrapassa o horizonte da sociabilidade mundana assim como de uma total ignorncia do domnio social sobre a natureza ou o fato de que as condies sociais possam tornar-se autnomas em relao aos atos daqueles que participam da ao social.
As acusaes relativas minimizao da estrutura social tm implicaes ideolgicas que, na viso crtica sociolgica, esto relacionadas subvalorizao da estratificao assim como da distribuio desigual de riqueza e poder (Meltzer, Petras, & Reynolds, 1975, citados por Blanco, 1998). Para esses autores, o interacionismo simblico seria uma teoria individualista, liberal e conservadora. Por outro lado, na compreenso de Blanco, o correto conceder a essa teoria o que ela realmente e assume: uma teoria microssocial, com todas as suas limitaes e vantagens. Conforme reconhece tambm Joas, embora muitas das crticas na verdade se apliquem, pelo menos em parte, proposta de Blumer e aos seus seguidores, sua justificativa soa duvidosa quando se considera o montante da obra terica e emprica produzida por essa linha de pesquisa. Em ltima instncia, o fato que parte das crticas dirigidas ao interacionismo simblico so certas, medida que essa abordagem entendida a partir do enfoque de uma teoria sociolgica geral; entretanto, perdem grande parte de seu fundamento se o seu enfoque se restringe ao objeto da Psicologia social.
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interacionismo clssico ou interacionismo da Escola de Chicago. A Escola de Iowa, por outro lado, desenvolveu-se sob a orientao de Kuhn, que, fortemente influenciado pelo positivismo lgico, defendia uma abordagem mais estruturada para o interacionismo simblico (Benzies & Allen, 2001). A divergncia fundamental entre essas duas escolas de pensamento se situa no campo metodolgico. Enquanto Blumer insistia na necessidade de uma metodologia distinta no estudo do homem, Kuhn enfatizava a comunalidade do mtodo em todas as disciplinas cientficas. Como lembra Haguette (1995), trata-se da interminvel oposio entre os pontos de vista humanstico e cientfico (p. 45). Kuhn acreditava na possibilidade de transformar os conceitos interacionistas em variveis empregadas para testar proposies empricas. Os mtodos de coleta na Escola de Iowa incluam desenhos quase experimentais, anlises estatsticas, abordagens etnometodolgicas, questionrios, escalas, testes e procedimentos de laboratrio (Benzies & Allen, 2001). Blumer, por sua vez, fazia objeo a esse tipo de operacionalizao por acreditar que a realidade social no poderia ser percebida por meio de tais procedimentos. Assim, os seguidores da Escola de Chicago tendem a preferir abordagens fenomenolgicas, observao participante e conceitos sensibilizantes todos ligados a uma lgica de descoberta. Em contraste, os seguidores da Escola de Iowa preferem abordagens operacionais e conceitos definitivos todos ligados a uma lgica de verificao (Reynolds & Meltzer, 1973). Outra diferena de abordagem entre as duas escolas a questo que envolve a natureza do comportamento humano em termos de liberdade ou determinao (Haguette, 1995). Reconhecendo a tendncia impulsiva e espontnea do Eu que inicia o
ato, o qual termina em forma de Mim, os seguidores da Escola de Chicago atribuem uma dimenso imprevisvel e indeterminada ao comportamento (Reynolds & Meltzer, 1973). A perspectiva da Escola de Iowa, ao contrrio, sustenta que o comportamento est determinado pelas definies do ator, particularmente por seu self, j que consideram que o Eu no decisivo na interao (Blanco, 1998). Outro ponto de divergncia, que uma extenso do raciocnio anterior, diz respeito ao aspecto mais amplo da concepo do self e da sociedade (Haguette, 1995). Enquanto para Blumer prevalece uma concepo, tanto do self como da sociedade, mais dinmica e orientada para o processo, continuamente renegociada em interao com outros, por outro lado, Kuhn entende que ambos representam estruturas cujos padres so estveis e previsveis (Benzies & Allen, 2001). Por fim, quanto aos nveis da interao humana, a Escola de Chicago admite tanto a interao simblica quanto a interao no simblica. Esta ltima seria representada pela conversao de gestos, um nvel no qual os humanos respondem um ao outro sem a interveno da interpretao e dos significados. Mas a Escola de Iowa desconsidera esse aspecto do comportamento humano quase inteiramente, tratando apenas dos aspectos cognitivos e no afetivos do comportamento humano (Reynolds & Meltzer, 1973). Buscando convergncias entre essas duas escolas de pensamento, as afirmaes seguintes integram a essncia do interacionismo simblico: o mais caracterstico e singular do comportamento humano que interage mediante comunicaes simblicas, que requerem a definio da situao em que se atua, assim como atuar assumindo e tendo em conta os comportamentos que so esperados pelos demais naquela situao. Os significados das aes podem ser mantidos,
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modificados ou dados pelos atores, os quais so, assim, criadores ativos da vida social. Tudo isso estrutura na pessoa um self ou mediador entre esta e a organizao social (Blanco, 1998).
significado, o papel, a pessoa e o grupo como unidades funcionais. Partiu de vrios princpios, merecendo maior destaque os seguintes:
a) a natureza humana e a ordem social so produtos da comunicao; b) a direo adotada pela conduta de uma pessoa vai se construindo atravs de transaes e de um modo interdependente; c) a personalidade se desenvolve e se reafirma em interao com os demais: a identidade, o status, os papis e o autoconceito so conceitoschave; d) a cultura de um grupo constitui um modelo da conduta apropriada, surgido na comunicao e que vai reforando o adaptar-se conjuntamente s condies de vida. (Blanco, 1998, p. 300)
Berger e Luckmann, por sua vez, em The Social Construction of Reality, se propem a refletir sobre a maneira como o mundo social chega a ter um significado para os atores. Nesse intuito, voltam-se para uma discusso da sociedade em termos de realidade objetiva e subjetiva. A realidade objetiva, na concepo dos autores, se expressa na forma de processos de institucionalizao e legitimao, enquanto a realidade subjetiva se constri por meio de processos de interiorizao. Nas palavras desses autores:
Sendo a sociedade uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, qualquer adequada compreenso terica relativa a ela deve abranger ambos esses aspectos... Tais aspectos recebem correto reconhecimento se a sociedade for entendida em termos de um processo dialtico em curso, composto de trs momentos: exteriorizao, objetivao e interiorizao... Esses momentos no devem ser pensados como ocorrendo em uma seqncia temporal, mas de forma simultnea... Estar em sociedade significa participar da dialtica da sociedade. (Berger & Luckmann, 1976/1985, p. 173)
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ao momento de interiorizao, pois, na compreenso dos autores, somente depois de ter realizado algum grau de interiorizao que o indivduo se torna membro da sociedade. Tal interiorizao, conforme Berger e Luckmann (1976/1985), ocorre atravs de um processo de socializao, que pode ser definido como a ampla e consistente introduo de um indivduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor desta, e que se compe de duas fases: a socializao primria e a socializao secundria. A socializao primria a primeira socializao que o indivduo experimenta na infncia, e em virtude da qual se torna membro da sociedade. A socializao secundria qualquer processo subsequente que introduz um indivduo j socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade. Destacam, ainda, que o fato de estar em sociedade acarreta um contnuo processo de modificao da realidade subjetiva, de modo que, ao atuar, as pessoas vo criando significado, e, como consequncia, vo criando o seu prprio mundo. Quando os referidos autores complementam tais ideias no livro intitulado Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido, aprofundando sobre o papel das instituies na construo de sentido na contemporaneidade, privilegiam mais claramente a dialtica entre aspectos estruturais da sociedade e aspectos subjetivos da vida cotidiana. Tal observao de suas contribuies pode ser ilustrada com trechos como:
Certamente deve-se procurar na constituio subjetiva do sentido a origem de todo acervo social do conhecimento, do reservatrio histrico do sentido, do qual se nutre a pessoa nascida numa determinada sociedade e numa poca certa. (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 18)
as bases exigidas para a formao da identidade pessoal com sentido constante? (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 31) A reserva total de sentido conservada e administrada por instituies sociais. (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 32) Por isso, a reserva existente de sentido no experimentada como imposta e prescrita autoritariamente, mas como oferta que foi formada pelo conjunto dos membros individuais da sociedade e que passvel de mudana. (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 70)
Por fim, a abordagem de Stryker trata, de acordo com lvaro et al. (2007), de mais uma tentativa de desenvolver uma teoria do interacionismo simblico estrutural que se estende questo da identidade. Na sua concepo, as relaes entre os papis esto determinadas por estruturas sociais mais amplas, nas quais se incluem as de classe e de poder. O comportamento das pessoas que participam dessas relaes est mediado pelas identidades pessoais prprias e pelas identidades dos demais. Stryker entende que as pessoas constroem um self, reflexo da sociedade e composto de mltiplas identidades, implicadas nos vrios conjuntos estruturados de relaes sociais. Essas diferentes identidades podem ser requisitadas em situaes distintas. Na tentativa de predizer qual identidade e comportamento sero escolhidos, a teoria sustenta que a escolha determinada em funo do compromisso com o papel, definido pela extenso e pela intensidade das relaes que implica. Argumenta, ainda, que isso pode ser medido por meio de comparao dos diferentes custos envolvidos em termos de relaes sociais importantes, podendo tais custos representar a perda do papel ou da posio que se ocupa.
Reflexes finais
No intuito de empreender uma reviso geral acerca da perspectiva terica denominada interacionismo simblico, este artigo buscou resgatar as origens dessa abordagem bem
quais so as condies estruturais para um grau suficiente de coerncia nos reflexos intersubjetivos de modo que ocorram
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como suas contribuies tericas ao campo da Psicologia social e da Sociologia. Assim, na primeira parte, so discutidas algumas concepes de clssicos da Escola de Chicago, reconhecidos como precursores do interacionismo simblico, com destaque para o trabalho de George Mead, que, embora tenha sofrido algumas crticas, se apresenta como o seu principal inspirador. Em um segundo momento, so apontados os marcos iniciais da consolidao do movimento interacionista simblico, cujo nome e principais pressupostos foram estabelecidos por Herbert Blumer. E, no obstante o fato de alguns autores argumentarem que h divergncias entre as perspectivas tericas e metodolgicas de Blumer e Mead, pode-se entender que o interacionismo simblico foi estruturado por Blumer, com base na interpretao que ele faz acerca do pensamento de Mead. So ainda contrapostas as perspectivas conceituais e metodolgicas das Escolas de Chicago e Iowa, representadas respectivamente pelas obras de Blumer e Kuhn, e que tm grande importncia por figurarem como diferentes possibilidades de operacionalizao do conceito, a partir dos pontos de vista humanstico e cientfico. Por fim, so apresentadas as abordagens de estudiosos reconhecidos por terem desenvolvido novos enfoques relacionados s concepes interacionistas. Portanto, conforme observado no cerne destas discusses, cujas controvrsias apontadas tiveram o objetivo de insinuar um discurso crtico, o interacionismo simblico, em sua trajetria, tem constitudo objeto de reflexo de uma srie de estudiosos, seja pelo reconhecimento de suas possibilidades de aplicao, seja pela elucidao de suas limitaes. A despeito das crticas e de seu aspecto secundrio na Psicologia social por um longo perodo, juntamente a outras tendncias sociolgicas (lvaro & Garrido, 2003; Portugal, 2006), o interacionismo simblico evoluiu e se fortaleceu. Na compreenso de Blanco (1998), isso talvez se explique pelo fato de os pressupostos tericos defendidos pelos interacionistas simblicos conduzirem a ateno para uma temtica ampla, que gira ao redor de
um eixo duplo: os fenmenos da comunicao e da socializao e o comportamento coletivo, com aplicaes em campos to diferentes quanto os de sade mental, comportamento poltico, poder, Sociologia do direito e mudana cultural. Tal fortalecimento deve ser, contudo, compreendido tanto no contexto de sua evoluo conceitual e de abrangncia, como no que se refere a abarcar melhor a dialtica que articula aspectos estruturais da sociedade e a construo do sujeito singular quanto no contexto do desenvolvimento das cincias humanas, abandonando cada vez mais profundamente os preceitos originrios das influncias positivistas (lvaro & Garrido, 2003; Portugal, 2006). Dessa forma, o entendimento aqui que o interacionismo simblico se fortaleceu em um caminho que permite abordar os fenmenos, aplicando uma dialtica entre aspectos da estruturao social e a construo das individualidades, entre o geral e o particular, entre o cultural e o singular, entre sujeito e objeto, apreendendo as contradies da vida contempornea no contexto de sociedades plurais bem como refletindo sobre os fenmenos sociopsicolgicos sem ignorar o carter histrico dos mesmos. Em consequncia, entende-se que tal perspectiva, a despeito de suas razes americanas, escapa de uma focalizao individualista (nos termos discutidos por Farr, 1998), porque, alm das contribuies mais recentes, referidas na seo anterior, seus conceitos centrais, como o self e o Mim, no poderiam ser elaborados sem ter em conta uma dimenso societal e coletiva. Com base nessas consideraes, possvel defender a ideia de que o interacionismo simblico tem representado uma alternativa a um s tempo vivel e slida para aprofundar a compreenso da realidade, inclusive nas singularidades do mundo latino-americano, atendendo a necessidade de adotar caminhos que, segundo autores como Sandoval e Monteiro, conduzam construo de um conhecimento que focalize aplicaes prticas, mantenha o rigor terico e emprico, abra novos caminhos e seja centrado na mudana social. Nessas possibilidades residem as suas principais contribuies Psicologia social contempornea.
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Virgnia Donizete de Carvalho* Doutora em Psicologia Social. Professora do Departamento de Cincia e Economia, Universidade Federal de Alfenas, Campus de Varginha, Varginha, MG - Brasil. Livia de Oliveira Borges Doutora em Psicologia. Professora do Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG - Brasil. E-mail: [email protected] Denise Pereira do Rgo Doutora em Psicologia Social. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN - Brasil. E-mail: [email protected] *Endereo para envio de correspondncia: Av. Alfredo Braga de Carvalho, 303 Parque Industrial JK Varginha, MG - Brasil CEP: 37062-440. E-mail: [email protected]
Referncias
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