MERLEN, Sebastião - Teorias Sociologicas. Aula Introdutória. 2020
MERLEN, Sebastião - Teorias Sociologicas. Aula Introdutória. 2020
MERLEN, Sebastião - Teorias Sociologicas. Aula Introdutória. 2020
Aula introdutória1
Sebastião Merlen2
1. Considerações iniciais
estas variam ao ritmo das orientações epistemológicas dos seus proponentes [Deshaies, 1997;
Freixo, 2012].
4 Eis aí algumas principais características atribuídas ao conhecimento científico pelas diversas
em todos pelo menos na maioria das classificações. Uma classificação muito utilizada é a de
Jean Piaget: ciências lógico-matemáticas; ciências físicas; ciências biológicas e ciências
psicossociológicas [Deshaies, 1997]. Existe um um sistema de classificação genérico que agrupa
as ciências em quatro categorias: (i) ciências matemáticas; (ii) ciências naturais; (iii) ciências
sociais e humanas e (iv) ciências aplicadas [Freixo, 2012].
2. Teoria: O que é e para que serve?
3
com que lidam. Estas teorias podem ser, teorias sociais (num sentido amplo) e
teorias sociológicas (num sentido restrito).
7 Giddens [2003: xviii] alerta que “a expressão „teoria social‟ não é uma expressão que tenha
alguma precisão, mas, apesar de tudo, é muito útil”.
8 É comum fazer uma distinção entre abordagens teóricas e teorias propriamente ditas.
4
tipo) dos fenómenos sociais e/ou sociológicos: propõe-se explicar como o
mundo social funciona; fornece modos de ver, de analisar e de interpretar os
fenómenos sociais e/ou sociológicos [Dillon, 2014].
Numa outra acepção, tal como foi dito anteriormente, a expressão
“teoria sociológica” refere-se a uma subdisciplina ou ramo da sociologia que se
dedicada ao estudo da estrutura conceitual e da história das explicações ou
interpretações sociológicas da realidade social [Giddens, 2003; Outhwaite,
2017].
Tanto as teorias sociais quanto as teorias sociológicas propõem o que
Howard Becker [2009] chama de “relatos sobre a sociedade”, “representações
da sociedade” ou “representações do social”. No entender de Becker [2009:
18], uma “representação da sociedade” é “algo que alguém nos conta sobre
algum aspecto da vida social”. Trata-se de uma definição que abrange um
grande território no interior do qual podemos encontrar os relatos sobre a
sociedade feita por leigos, no curso da vida diária; os relatos sobre a sociedade
feitos por cientista sociais, com base na erudição científica; os relatos sobre a
sociedade presentes nos contos, nos romances, nos filmes, nas peças teatrais,
nas músicas e outras formas de arte9.
Note-se, portanto, que as ciências sociais não têm monopólio do
conhecimento sobre o social10. Existem outras maneiras de representar o
social, para além das utilizadas pelos cientistas sociais [Becker, 2009]. O
estudo sistemático da sociedade é uma empreitada relativamente recente: data
do fim do século XVIII e início do século XIX [Dortier, 2009; Giddens, 2013].
Contudo, antes dessa época, a história da humanidade já havia registado várias
pessoas que reflectiram a respeito da sociedade e de vários aspectos inerentes
ao mundo social. Dissertar sobre a história das teorias sociológicas e da
Ely Chinoy [2012: 24], diz o seguinte: “os sociólogos não deveriam ignorar esses mananciais de
penetração e compreensão nem desprezar as peças de Shakespeare, os ensaios de Montaigne, a
obra de romancistas, dramaturgos, críticos literários, filósofos e teólogos”. Todavia, adverte que
“a ciência social não pode satisfazer-se com a penetração literária ou a reflexão filosófica”, pois,
“as conclusões verificadas e comprovadas a que se esforça por chegar o cientista social diferem
acentuadamente das especulações de filósofos e teólogos, dos comentários de observadores
ponderados da cena humana e das impressões de escritos inventivos”.
10 Para o caso da sociologia, pode-se dizer que os sociólogos podem até ter o monopólio da
“imaginação sociológica” [Mills, 1969], mas não têm monopólio do “imaginário social” [Taylor,
2010].
5
sociologia em geral implica proceder a um recuo histórico em busca das
pessoas que pensaram o social antes de existir a sociologia e cujas reflexões,
actualmente, integram o património científico da sociologia. Trataremos disto
no ponto a seguir.
11 Inicialmente, Comte baptizou como “física social” o ramo do conhecimento que estava a
propor. Posteriormente, como consequência da utilização do termo “física social” por um dos
seus rivais intelectuais (Adolphe de Quetelet), Comte mudou o nome da ciência que propunha:
passou a ser designada como “sociologia” [Cuin & Gresle, 1995; Aron, 2002; Lallement, 2008].
12 É comum atribuir-se o surgimento da sociologia às consequências da encruzilhada de três
revoluções: (i) económica (Revolução Industrial); (ii) política (Revolução Francesa) e (iii)
intelectual (o êxito do racionalismo e da ciência) [Quintaneiro et al., 2003; Molénat, 2011].
6
A respeito deste assunto, Pierre-Jean Simon [1995: 29] assevera que
“já se pode descobrir […] nas obras que nos chegaram de autores que se diziam
ou a quem se chamava filósofos, juristas, historiadores ou escritores […] uma
tentativa de análise dos factos sociais que prefigura aquilo que virá a ser a
abordagem sociológica” e que “toda uma parte da sociologia actual é
constituída pela herança desta tradição pré-sociológica” [Simon, 1995: 29].
Pode-se dizer, portanto, que é nesta “tradição pré-sociológica” onde,
geralmente, são encontrados os chamados “precursores da sociologia”13 (e
consequentemente, “precursores das teorias sociológicas”). A expressão
“precursores da sociologia” é utilizada para se referir aos autores (ou autoras,
caso existam), geralmente, encontrados na pré- e na proto-história da
sociologia cujas contribuições (teóricas e/ou metodológicas) prepararam ou
anunciaram com antecipação a área de conhecimento que, desde 1839, se
chama “sociologia”. Os precursores da sociologia são “sociólogos in fieri”14: as
suas reflexões sobre o social prefiguraram15 o que se tornou conhecido como
“sociologia” [Simon, 1994; Lallement, 2008; Paiva, 2014].
Procurar precursores da sociologia é uma prática isenta de consensos,
dentre os historiadores da sociologia [Ferrari, 1983; Cuin & Gresle, 1995;
Lallement, 2008]. Uns vêem precursores nos filósofos da Grécia Antiga
[McCarthy, 2003]. Outros, nos políticos do Renascimento [Gurvitch, 1977].
Outros ainda, somente nos juristas, economistas, historiadores, escritores e
pensadores sociais do Século das Luzes [Ritzer, 2008].
Tendo em mente a proposta de definição apresentada acima e os
períodos históricos da sociologia, pode-se distinguir os precursores
encontrados na pré-história da sociologia dos encontrados na proto-história
da sociologia [Simon, 1995; Kajibanga, 2003].
Na pré-história da sociologia, enquadram-se, a título de exemplo,
Platão (427-347[?] a.C), Aristóteles (384-322[?] a.C), Santo Agostinho (354-
430), São Tomás de Aquino (1225-1274), Ibn Khaldun (1332-1406), Nicolau
Maquiavel (1469-1527), Thomas Morus (1478-1535), Thomas Campanella
(1568-1639); Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Baruch
Spinoza (1632-1677). Por sua vez, na proto-história da sociologia, são sonantes,
dentre outros, os nomes de Charles de Montesquieu (1689-1755), Voltaire
(1694-1778), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Adam Ferguson (1723-1816)
e Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1852), Thomas Malthus (1766-1834).
Estes autores estão a ser aqui tomados como precursores e não como
fundadores da sociologia. A geração de fundadores ou pioneiros da sociologia é
marcada por Auguste Comte (1798-1857), Herbert Spencer (1820-1903), Karl
13 Esta postura não é consensual, entre os historiadores da sociologia. Existe uma polémica
distinção entre “precursores” e “fundadores” da sociologia, bem como a respeito da periodização
da história da sociologia. Estas problemáticas serão tratadas ao longo das próximas aulas.
14 Outros nomes comummente utilizados para designar os precursores (e evitar anacronismos)
16 “In 1960, classical/contemporary classes made sense: pre-Parsons fi t the former and Parsons
and beyond fi t the latter. Today, what constitutes contemporary? Post 1970? 1990? 2000s and
beyond? What constitutes classical? Pre-1960? Pre-1980?” [Abrutyn, 2016: 3].
17 Quando “modernos” e “contemporâneos” são usados como sinónimos, a periodização da
história da sociologia propriamente dita tende a ser dual, i.e, em dois períodos: clássico e
contemporâneo/moderno. Neste caso, o período contemporâneo (ou moderno) sai de 1920 aos
nossos dias [Johnson, 2008; Elliot, 2009].
8
por teóricos do tempo actual ou que vivem/viveram na mesma época em que se
narra a história das teorias ou em que se estudam as teorias. Por assim dizer, é
nosso “contemporâneo”, o autor (vivo ou falecido recentemente) que teoriza na
nossa época ou numa época próxima à nossa.
As teorias sociológicas contemporâneas (ou modernas, se preferirem)
constroem-se sobre as bases sociológicas deixadas pelos “clássicos”18, numa
relação de ruptura e continuidade, marcada por certa hostilidade para com os
teóricos clássicos [Wallace & Wolf, 1995; Turner, 1999]. Existe um debate
actual em torno do estatuto e da relevância das teorias sociológicas clássicas e
das tentativas de construção de novas teorias [Giddens, 2013].
Dentre os teóricos do período clássico da sociologia (de 1839 a 1920),
destacam-se: Auguste Comte (1798-1857), Karl Marx (1818-1883), Herbert
Spencer (1820-1903), Émile Durkheim (1858-1917), Vilfredo Pareto (1848-
1923), Georg Simmel (1858-1918), Ferdinand Tonnies (1855-1936) e Max
Weber (1864-1920) [Ritzer, 2008].
Dentre os teóricos do período moderno da sociologia (de 1920 a
1980), destacam-se: Alfred Schütz (1899-1959), Talcott Parsons (1902-1979),
Robert K. Merton (1910-2003), Harold Garfinkel (1917-2011), Erving Goffman
(1922-1982) e Howard Becker (n. 1928), etc.
Dentre os teóricos do período contemporâneo da sociologia (de 1990
aos dias actuais), destacam-se: Edgar Morin (n. 1921), Alain Touraine (n.
1925), Zygmunt Bauman (1925-2017), Niklas Luhmann (1927-1998), Jürgen
Habermas (n. 1929), Pierre Bourdieu (1930-2002), Anthony Giddens (n.
1938), Ulrich Beck (1944-2015), Jeffrey Alexander (n. 1947), Raymond Boudon
(1934-2013), Manuel Castells (n. 1942), Michel Maffesoli (n. 1944), etc.
19 Neste sentido, pode-se dizer que a sociologia não é uma “ciência normal” (no sentido
khuniano do termo), pois, não obedece a um único paradigma [Boudon, 1995; Khun, 2009].
Esta característica, pode fazer dela, na concepção khuniana, uma ciência na fase pré-
paradigmática. Na verdade, há um debate sobre a natureza multiparadigmática da sociologia.
Há quem designa por “o mito da ciência multiparadigmática” [Noguera, 2010].
20 Sobre este assunto, um livro importante e pioneiro, do ponto de vista da sistematização da
21 Em Turner [2014], a sua proposta de classificação é alargada para doze principais tradições ou
correntes teóricas: (i) teorizações funcionalistas; (ii) teorizações do conflito; (iii) teorizações
ecológicas; (iv) teorizações da troca; (v) teorizações simbólico-interaccionistas; (vi) teorizações
dramatúrgicas; (vii) teorizações estruturalistas; (viii) teorizações culturalistas; (ix) teorizações
críticas sobre modernidade e pós-modernidade; (x) teorizações dos modelos de evolução
social; e (xii) teorizações evolucionistas inspiradas pela biologia.
22 Isto é um assunto controverso e representa um dos vários painéis do debate contemporâneo
23 Por exemplo, Carlos Eduardo Sell e Josias de Paula Jr. [2016: 9-10] alertam que “o nível
„micro‟ e „macro‟ não devem ser confundidos com as expressões „microssociologia‟ ou
„macrossociologia‟, pois o primeiro par conceitual nos aponta para unidades de análise,
enquanto o segundo [aponta para] focos de análise”; “uma teoria microssociológica não implica
a negação do nível macro, dado que o que a caracteriza é apenas seu interesse analítico, mesmo
raciocínio se aplica para as teorias macrossociológicas”. Existem níveis intermediários: o nível
meso, por exemplo.
12
globais, como fazer macrossociologia descurando a microssociologia” [Rocher,
2012: 15]. Ou, nos dizeres de Giddens [2013: 26-27], “a macro-análise é
essencial para se poder compreender a base institucional da vida quotidiana” e,
por sua vez, os estudos microssociológicos “são necessários para entendermos
padroes institucionais mais amplos”.
Pequenas actividades da vida quotidiana (o que e como comer, o que
assistir, o que e como vestir, onde estudar, onde trabalhar, etc.) são
determinadas por padrões institucionais mais amplos e, por sua vez, estas
actividades reproduzem estes padrões. É a nível da meso-análise que “é
possível verificar a influência e os efeitos tanto dos fenómenos micro como dos
fenómenos macro” [Giddens, 2013: 27].
Alguns nomes sonantes da teorização microssociológica são: Max
Weber (teorização sobre a ação social); George Herbert Mead e Herbert
Blumer (interacionismo simbólico); Erving Goffman (dramaturgia social),
Harold Garfinkel (etnometodologia), Alfred Schutz (fenomenologia social).
Alguns nomes sonantes da teorização macrossociológica são: Karl
Marx, Émile Durkheim, Talcott Parsons (estruturo-funcionalismo) e Niklas
Luhmann (teoria dos sistemas).
Nas décadas de 1980 e 1990, o que estava em voga era a formulação de
teorias que se esforçam para integrar o nível microssocial e o nível
macrossocial. Estas iniciativas ficaram conhecidas como “novo movimento
teórico” [Alexander, 1987], como “novas sociologias” [Corcuff, 2001] ou,
simplesmente, como “movimento de síntese” [Domingues, 2008].
Trata-se de um movimento de síntese teórica, representado por uma
geração de sociólogos que, pretendiam “resolver” e “transcender” as
dicotomias clássicas (sobretudo as dicotomias micro-macro e agência-
estrutura) que permeiam as teorias sociológicas e a teoria social, em geral.
Embora envolvidos em desacordos fundamentais, estas abordagens
possuem pressupostos em relação aos quais todas estão de acordo: a micro e a
macroteoria são igualmente insatisfatórias; ação e estrutura precisam ser
agora, articuladas [Alexander, 1987: 5]. Daí a ênfase sobre a necessidade
“resolver” e “transcender” as dicotomias clássicas e superar a fragmentação
teórica e dos níveis de análise do social que se acentuara nas décadas
anteriores: individualismo metodológico vs. holismo metodológico;
imperialismo do sujeito vs. imperialismo do objecto do social; autonomia do
actor vs. autonomia do social [Alexander, 1987; Corcuff, 2001; Domingues,
2008].
O individualismo metodológico é uma abordagem que confere
prioridade explicativa ao nível micro em detrimento do nível macro; por sua
vez, o holismo metodológico faz o inverso, isto é, prioriza o nível macro na
determinação dos fenómenos sociais, em detrimento do nível micro [Sell &
Paula Jr., 2016]. Em outras palavras, enquanto o holismo “afirma a
anterioridade lógica e ontológica da totalidade social sobre as suas partes
constitutivas”, o individualismo “parte de indivíduos supostos separados,
independentes, autónomos […] e pretende reconstituir a totalidade social nesta
base” [Dupuy, 2001: 36].
13
Com relação a estas duas tendências metodológicas, Gert Albert
[2016] aponta quatro posições sociológicas (ou metodológicas): (i)
individualismo metodológico radical; (ii) individualismo metodológico
moderado; (iii) holismo metodológico radical e (iv) holismo metodológico
moderado.
Por sua vez, Wolfgang Schluchter [2016: 26], entre o individualismo
metodológico e o holismo metodológico, propõe o “relacionismo
metodológico”: um modelo com o qual “nos distanciamos do individualismo
metodológico radical sem recair, por outro lado, na armadilha do holismo
metodológico”.
As principais características das abordagens que integram este
“movimento teórico” confinam-se em três categorias de tentativas: (i) as
tentativas de integração micro-macro (ii) as tentativas de integração
agência-estrutura e (iii) as tentativas de síntese teórica, propriamente dita
[Alexander, 1987; Elisa, 1987; Turner, 2006; Ritzer, 2010].
As duas primeiras categorias de tentativas começaram nas décadas de
1970 e 1980, tendo continuado na década de 1990 [Turner, 2006; Ritzer,
2010]. Segundo George Ritzer [2010], trata-se de duas tentativas paralelas, em
curso em duas tradições sociológicas diferentes: a norte-americana e a
europeia.
Na tradição sociológica norte-americana, eram frequentes as
tentativas de integração micro-macro das teorias e/ou níveis de análise
sociológica: o paradigma da sociologia integrada de George Ritzer, a
sociologia multidimensional de Jeffrey Alexander e a microfundação da
macrossociologia de Randall Collins, são três exemplos destas tentativas. Por
sua vez, na tradição sociológica europeia, estavam em curso as tentativas de
integração agência-estrutura: a teoria da estruturação de Anthony Giddens, a
perspectiva morfogenética de Margareth Archer, o realismo crítico de Roy
Bhaskar, a teoria da acção comunicativa de Jürgen Habermas e teoria da
prática de Pierre Bourdieu, são alguns exemplos sonantes [Turner, 2006;
Domingues, 2008; Ritzer, 2010].
As tentativas de integração micro-macro e de integração agência-
estrutura originaram uma terceira categoria de integração que é a síntese
teórica. Este movimento consistia em sintetizar tendências teóricas divergentes
e, por outro lado, trazer à Sociologia, abordagens de outras ciências. Por
exemplo: a sociobiologia (que tem bases na Biologia); a teoria das escolhas
racionais (que tem bases na Economia) e a teoria dos sistemas (que tem bases
nas ciências exactas) [Turner, 2006; Ritzer, 2008].
As abordagens que integram este “novo movimento teórico” estão
cientes dos perigos que o reducionismo de cada uma das polaridades
conceptuais representa. Daí procurarem fugir dos “turbilhões de Caríbdis” sem
cair nos “escolhos de Cila”, e vice-versa [Oliveira, 2011]. São abordagens com
tendências relacionistas e antireducionistas [Albert, 2016; Schluchter, 2016].
Integram a “terceira sociologia”, proposta por Viktor Vanberg [Schluchter,
2016].
Outra característica importante das abordagens que integram o “novo
14
movimento teórico” é a forma como lidam com os problemas centrais das
teorias sociais e sociológicas, bem como com as antinomias clássicas do social.
Vamos dedicar o ponto a seguir a estes problemas centrais e antinomias
clássicas.
24 No entender de Giddens [2003: xviii], a teoria social “envolve a análise de questões que
repercutem na filosofia, mas não é primordialmente um esforço filosófico”; alerta que “as
ciências sociais estarão perdidas se não forem diretamente relacionadas com problemas
filosóficos por aqueles que as praticam”, entretanto, realça que “pedir aos cientistas sociais que
estejam atentos para as questões filosóficas não é o mesmo que lançar a ciência social nos braços
daqueles que poderiam pretender ser ela inerentemente mais especulativa do que empírica”.
15
desejos inconscientes (não-racionais) [Alexander, 1987].
O problema da ordem remete-nos à problemática a respeito de como a
ordem social é produzida. Despontam-se duas posições: (i) a colectivista e (ii)
a individualista. Para as posições colectivistas, a ordem social impõe-se aos
indivíduos como um fato estabelecido fora deles (p. ex., os padrões sociais
preexistem a qualquer ato individual específico) [Alexander, 1987]. Por sua
vez, as posições individualistas admitem a existência de estruturas extra-
individuais e de padrões inteligíveis na sociedade, contudo, insistem, que são o
resultado da negociação individual. Trata-se de posições que acreditam que “as
estruturas são não só „portadas‟ pelos indivíduos, mas na realidade produzidas
pelos portadores no curso de suas interações individuais”; daí preconizarem
que “os indivíduos podem alterar os fundamentos da ordem a cada momento
sucessivo no tempo histórico” [Alexander, 1987].
O problema da mudança remete-nos à problemática a respeito de
como a mudança social se processa, de quais são os factores de mudança.
Existem várias teorias sobre a mudança social. Algumas enfatizam um único
factor de mudança; outras enfatizam vários factores. Algumas enfatizam
factores materiais (económicos, técnico-científicos, etc.); outras enfatizam
factores simbólicos (cultura, religião, etc.). Algumas enfatizam factores
endógenos (conflitos raciais, de género e intergeracionais, luta de classes, etc.);
outras enfatizam factores exógenos (guerras, descobertas científicas,
aculturação, etc.) [Rocher, 1989].
Cada teoria adopta uma posição em relação aos pressupostos de cada
um desses problemas (da acção, da ordem e da mudança). As permutações
lógicas entre os pressupostos de cada um desses problemas formam as
tradições fundamentais da sociologia: “formam os eixos mais importantes em
torno dos quais se desenvolve o discurso da ciência social” [Alexander, 1987].
Estas abordagens de síntese pressupõem “um movimento pendular
que detecta e que oscila do colectivo ao individual, do macro ao micro, do
racional ao afetivo – e vice-versa” [Schwartzman, 1987: 31]. E ao procederem
de tal modo, propõem soluções para os dilemas teóricas. Vamos dedicar o
ponto a seguir aos dilemas teóricos da sociologia contemporânea.
--«»--
Bibliografia
ABRUTYN, Seth
2016: «Introduction», in Seth Abrutyn (Ed.), Handbook of Contemporary
Sociological Theory, Cham, Switzerland: Springer International Publishing,
pp. 1-15.
ALATAS, Syed Farid,
2003: «Academic dependency and the global division of labour in the Social
Sciences», In Current Sociology, 51 (6), 599-613.
ALATAS, Syed Farid & SINHA, Vineeta
2017: Sociological Theory Beyond the Canon, London: Palgrave Macmillan.
ALBERT, Gert
2016: «Holismo metodológico moderado: Uma interpretação weberiana do modelo
macro-micro-macro», in Revista Política & Sociedade, vol. 15, n.º3 4,
Setembro/Dezembro, pp. 43-76.
ALEXANDER, Jeffrey C.
1987: «O novo movimento teórico», in Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 2,
n.º 4, Junho, pp. 5-28.
ALEXANDER, Jeffrey C.
2000: Las teorias sociológicas desde la Segunda Guerra Mundial,
Barcelona: Gedisa
ARON, Raymond
2002: As Etapas do Pensamento Sociológico, 6ª ed., São Paulo: Martins
Fontes.
BAERT, Patrick & SILVA, Filipe Carreira da
2014: «Introdução», in Patrick Baert & Filipe Carreira da Silva, Teoria
social contemporânea, Lisboa: Editora Mundos Sociais, pp. 1-10.
BECK, Ulrich
2010: «Prólogo», in Ramón Flecha et al., Teoría sociológica
contemporánea, Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, pp. 11-12.
BECKER, Howard S.
2009: Falando sobre a sociedade. Ensaios sobre as diferentes maneiras de
representar o social, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas
2013: A construção social da realidade, 35ª edição, Petrópolis: Vozes
BOUDON, Raymond
1995: «Introdução», in Raymond Boudon (Dir.), Tratado de sociologia, Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., pp. 11-25.
BOURDIEU, Pierre et al.
19
2010: Ofício de sociólogo. Metodologia da pesquisa na sociologia, 7ª ed.,
Petrópolis, RJ: Editora Vozes.
CHINOY, Ely
2012: «Ciência e sociologia», in Ely Chinoy, Sociedade. Um introdução à
sociologia, 22ª ed., São Paulo: Editora Cultrix, pp. 23-50.
COLLINS, Randall
2009: Quatro tradições sociológicas, Petrópolis, RJ: Editora Vozes.
CONNELL, Raywen
2011: «A iminente revolução na teoria social», in Revista Brasileira de
Ciências Sociais, vol. 27, nº 80, pp. 9-20.
1997: « Why is classical theory classical?», in The American Journal of
Sociology, Vol. 102, N.º 6, Maio, pp. 1511-1557.
CORCUFF, Philippe
2001: As novas sociologias: Construções da realidade social, 2ª ed., Sintra:
Editora Vral.
CUIN, Charles-Henry & GRESLE, François
1995: História da Sociologia, Lisboa: Dom Quixote.
DESHAIES, Bruno
1997: Metodologia de investigação em ciências humanas, Lisboa: Instituto
Piaget.
DILLON, Michele
2014: «Introduction: Welcome to sociological theory», in Michele Dillon, M
Introduction to Sociological Theory. Theorists, Concepts, and their
Applicability to the Twenty-First Century, 2nd ed., Oxford: Wiley Blackwell,
pp. 1-29.
DOMINGUES, José Maurício
2008: Teorias sociológicas do século XX, 3ª ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira.
DUPUY, Jean-Pierre
2001: «Primeira Parte: A autonomia do social e os limites do individualismo
metodológico», in Jean-Pierre Dupuy, Introdução à ciências sociais. Lógica
dos fenómenos sociais, Lisboa: Instituto Piaget, pp. 32-136.
ELLIOT, Anthony
2009: Contemporary Social Theory. An introduction, London: Routledge.
2003: Critical Visions. New Directions in Social Theory, Lanham,
Maryland: Rowman & Littlefield Publishers.
FERRARI, A. Trujillo
1983: Fundamentos de Sociologia, São Paulo: McGraw-Hill.
FERREIRA, António Casimiro
20
1995: «[Recensão crítica a] Randall Collins (1994), Four Sociological
Traditions», in Revista Critica de Ciencias Sociais, n.º 42, Maio, pp. 179-
184.
FERREIRA, J.M. Carvalho et al.
1995: Sociologia, Lisboa: McGraw-Hill.
FREIXO, Manuel João Vaz
2012: «O método científico», in Manuel João Vaz Freixo, Metodologia
científica: Fundamentos, métodos e técnicas, 4ª ed., Lisboa: Instituto
Piaget, pp. 83-181.
GIDDENS, Anthony
2017: Capitalismo e moderna teoria social, 8ª ed., Lisboa: Editorial
Presença.
2013: Sociologia, 9ª edição (rev. e act. Com Philip W. Sutton), Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
2003: «Introdução», in Anthony Giddens, A constituição da sociedade, 2ª
edição, São Paulo: Martins Fontes, pp. XIII-XLII.
1998: «Introdução», in Anthony Giddens, Política, Sociologia e Teoria
Social: Encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo, São
Paulo: Unesp, pp. 9-24.
GURVITCH, Georges
1977: «Breve esboço da história de Sociologia», in Georges Gurvitch (Dir.),
Tratado de Sociologia, São Paulo: Martins Fontes Editora, pp. 51-98.
HARRINGTON, Austin
2005: «Introduction: What is social theory?», in Austin Harrington (Ed.),
Modern Social Theory. An introduction, Oxford: Oxford University Press,
pp. 1-15.
HIER, Sean P.
2005: « Introduction: Themes and Theories in Contemporary Sociological
Thought», in Sean P. Hier (Ed.), Contemporary Sociological Thought:
Themes and Theories, Toronto: Canadian Scholars‟ Press Inc., pp. 1-3.
JOHNSON, Doyle Paul
2008: Contemporary sociological theory. An integrated multi-level
approach, New York: Springer.
KAJIBANGA, Víctor
2003: «Formação e desenvolvimento da sociologia clássica (1839-1920):
Elementos introdutórios ao estudo da História do Pensamento Sociológico»,
draft de uma conferência apresentada no quadro da disciplina História do
Pensamento Sociológico I, no Instituto Superior de Ciências da Educação
(ISCED) de Luanda.
KUHN, Thomas S.
21
2009: A estrutura das revoluções científicas, Lisboa: Guera e Paz, Editores
S.A.
LALLEMENT, Michel
2008: História das ideias sociológicas: Das origens a Max Weber, 3ª ed.,
Petrópolis: Editora Vozes.
LAYDER, Derek
2006: Understanding social theory, 2nd ed., London: Sage Publications.
LEVINE, Donald
1997: Visões da tradição sociológica, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
MCCARTHY, George E.
2003: Classical horizons. The origins of sociology in Ancient Greece, New
York: State University of New York Press.
MIGNOLO, Walter D.
2002: «The geopolitics of knowledge and colonial difference», in The South
Atlantic Quaterly, 101 (1), pp. 57-96.
MILLS, Charles Wright
1969: A imaginação sociológica, 2ª ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores.
NOGUERA, José A.
2010: «El mito de la sociología como „ciencia multiparadigmática‟», in
ISEGORÍA – Revista de Filosofía Moral y Política, n.º 42, Janeiro-Junho,
pp. 31-53.
OLIVEIRA, Nuno
2011: «Entre Cila e Caríbdis: O realismo social de Margaret Archer», in
Sociologia – Problemas e Práticas, n.º 65, pp. 119-139.
OUTHWAITE, William
2017: Teoria social. Um guia para entender a sociedade contemporânea,
Rio de Janeiro: Zahar.
PAIVA, Ana
2014: Pensamento sociológico. Uma introdução didática às teorias
clássicas, Lisboa: Pactor.
PIRES, Rui Pena
1999: «Uma teoria dos processos de integração», in Sociologia – Problemas
e Práticas, n.º 30, pp. 9-54.
QUINTANEIRO, Tânia et al.
2003: «Introdução», in Tânia Quintaneiro et al., Um toque de clássicos:
Marx, Durkheim e Weber, 2ª Ed., Belo Horizonte: Editora UFMG, pp. 1-26.
REED, Kate
2006: New Directions in Social Theory. Race, Gender and the Canon,
London: Sage Publications.
22
RITZER, George
2008: Sociological theory, 8th edition, New York: McGraw-Hill.
2001: «Metatheorizing in sociology», in George Ritzer, Explorations in
social theory. From metatheorizing to rationalization, London: SAGE
Publications, pp. 13-33.
RITZER, George & STEPNISKY, Jeffrey N.
2005: «Introduction», in George Ritzer (Ed.), Encyclopedia of social
theory, vol. II, California: SAGE Publications, pp. XXXI-XXXVI.
ROCHER, Guy
2012: Sociologia geral. A acção social, 7ª ed., Lisboa: Editorial Presença.
1989: Sociologia geral. Mudança social e acção histórica, 4ª ed., Lisboa:
Editorial Presença.
ROSADO, David Pascoal
2017: Elementos essenciais de sociologia geral, Lisboa: Gradiva.
ROYCE, Edward
2008: Classical Social Theory and Modern Society. Marx, Durkheim,
Weber, Lanham, Maryland: Rowman & Littlefield Publishers.
SCHLUCHTER, Wolfgang
2016: «A dualidade ação e estrutura: Esboços de um programa de pesquisa
weberiano», in Revista Política & Sociedade, vol. 15, n.º3 4,
Setembro/Dezembro, pp. 18-42.
SCHWARTZMAN, Simon
1987: «Paradigma e espaço das ciências sociais. Comentários ao artigo „O
novo movimento teórico‟ de J.C. Alexander», in Revista Brasileira de
Ciências Sociais, vol. 2, n.º 4, Junho, pp. 29-35.
SELL, Carlos Eduardo
2002: Sociologia clássica, 4ª ed., Itajaí: Editora UNIVALI.
SELL, Carlos Eduardo & PAULA JR., Josias de
2016: «Apresentação: A teoria sociológica e o debate micro-macro hoje», in
Política & Sociedade, vol. 15, n.º 34, Setembro/Dezembro, pp. 7-17.
SIMON, Pierre-Jean
1994: História da Sociologia, Porto: Rés.
SMELSER, Neil J.
1997: Problematics of Sociology: The Georg Simmel Lectures, 1995,
Berkeley: University of California Press.
TAYLOR, Charles
2010: «Que é um „imaginário social‟?», in Charles Taylor, Imaginários
sociais modernos, Lisboa: Edições Texto & Grafia, pp. 31-38.
TURNER, Bryan S.
23
1999: Classical Sociology, London: Sage.
TURNER, Jonathan H.
2014: Theoretical Sociology: A Concise Introduction to Twelve Sociological
Theories, London: Sage.
2006: « Sociological Theory Today», in Jonathan H. Turner (Ed.), Handbook
of sociological theory, New York: Springer, pp. 1-17.
VANDENBERGHE, Frédéric
2013: «Metateoria, teoria social e teoria sociológica», in Cadernos do
sociófilo, 3º caderno, pp. 15-48.
WALLACE, Ruth A. & WOLF, Alison
1995: Contemporary sociological theory: Continuing the classical
tradition, New Jersey: Prentice Hall.
ZHAO, Shanyang
2005: «Metatheory», in George Ritzer (Ed.), Encyclopedia of social theory,
London: Sage Publications, pp. 500-501.
24
Exercício
1. Discorra a respeito da noção de teoria, da sua utilidade e da sua natureza nas
ciências naturais e nas ciências sociais.
2. Com relação à teoria social e teoria sociológica: (a) estabeleça a distinção
entre ambas e (b) dê exemplos de teorias sociais e de teorias sociológicas.
3. Estabeleça as seguintes distinções: (a) problema social e problema
sociológico e (b) fenómeno social e fenómeno sociológico.
4. Diga o que entende por “antinomias clássicas das ciências sociais”, aponte
dez antinomias e disserte a respeito de cinco.
5. Com base em Bourdieu et al. [2010]: (a) pronuncie-se a respeito das noções
de “obstáculo epistemológico”, “ruptura epistemológica” e “vigilância
epistemológica” e (b) dê exemplo para cada caso.
6. Disserte a respeito do problema da objectividade nas ciências sociais.
7. Defina paradigma e, com base na noção de “ciência normal” proposta por
Thomas Khun, pronuncie-se a respeito facto de a sociologia ser uma “ciência
multiparadigmática”.
8. Aponte os níveis de análise do social e, com base em exemplos do seu
quotidiano, discuta a respeito de cada um deles.
9. Com base em Charles Wright Mills, disserte a respeito da “imaginação
sociológica” e dê exemplos a partir da sua experiência pessoal.
10. Disserte a respeito da noção de “imaginário social” e exemplifique.
11. À luz da noção de “representação do social” de Becker: (a) identifique um
“relato sobre o social” contido num filme (nacional ou internacional), numa
música (de autor nacional) e num romance ou conto (de autor nacional); e (b)
demonstre, para cada caso, que “relatos sobre o social” tais obras de arte
apresentam.
12. Com base em Giddens, defina dilemas teóricos, aponte-os e disserte a
respeito de dois deles.
Observações:
a. Este exercício deve ser resolvido em grupo (de quatro integrantes, no
máximo);
b. Primeiramente, cada integrante deverá resolver individualmente.
Posteriormente, o grupo vai elaborar a resposta conjunta, com base nas
respostas individuais.
c. O texto com as respostas do grupo e as respostas individuais deverão ser
enviados (em formato word), via e-mail, num período de um mês, a contar
a partir do dia em que esta aula foi ministrada.
25