10 Tinka Reichmann Frases Celebres Do Fausto Desafio para A Traducao

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Reichmann, T.

Frases clebres do Fausto: um desafio para a traduo

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Frases clebres do Fausto: um desafio para a traduo


Tinka Reichmann 1

Abstract: The topic of this paper is to analyse the relation between dicta and translation. I will therefore discuss the origin and the main aspects of the German expression geflgelte Worte. Afterwards I will present Portuguese translations of some quotations of Goethes Faust in order to illustrate their structural and semantic complexity and therefore the special challenge for translation. At the end I will show that those quotations are a frequent rhetorical means of newspapers and advertising and briefly comment possibilities of translation. Keywords: Faust, Goethe, quotation, dictum, translation Resumo: Neste trabalho pretendo analisar a relao entre frases clebres e a traduo. Inicialmente discutirei a origem e as particularidades do termo Geflgelte Worte em alemo. A seguir apresentarei tradues para o portugus de frases clebres muito conhecidas do Fausto de Goethe, a fim de ilustrar a complexidade estrutural e semntica das mesmas e, conseqentemente, o especial desafio que elas representam para a traduo. Ao final, mostrarei que frases clebres alteradas so um recurso estilstico freqente da linguagem jornalstica e publicitria e tecerei alguns breves comentrios sobre como lidar com este fenmeno na traduo. Palavras-chave: Fausto, Goethe, frase clebre, sentena notvel, citao, traduo Zusammenfassung: In diesem Aufsatz wird der Zusammenhang zwischen geflgelten Worten und bersetzung beleuchtet und die Besonderheiten der geflgelten Worte erlutert. Anschlieend werden einige portugiesische bersetzungen bekannter geflgelter Worte aus Goethes Faust herangezogen, um deren strukturelle und semantische Vielfalt und daher auch die besondere Herausforderung an die bersetzung zu illustrieren. Zum Schluss wird dargestellt, dass abgenderte geflgelte Worte ein gelufiges Stilmittel der Journalismus- und Werbesprache sind und kurz aufgezeigt, welche bersetzerischen Lsungen hierfr gefunden werden knnen. Stichwrter: Faust, Goethe, geflgelte Worte, bersetzung

1 Introduo
J o ttulo deste artigo permite-nos adentrar diretamente ao cerne do tema, pois ele engloba a problemtica de encontrar uma traduo satisfatria do termo geflgelte Worte em portugus. Para tanto, faz-se necessrio primeiramente descrever este termo, que designa um tipo muito especfico de fraseologia na lingstica alem. Trata-se originariamente de expresses e citaes de origem bblica, literria ou histrica
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Professora Doutora da rea de Alemo/FFLCH/ Universidade So Paulo. E-Mail: [email protected]

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conhecidas por uma grande parte dos falantes nativos e que foram incorporadas lngua alem como fraseologias independentes. O termo foi cunhado pela coletnea mais conhecida de citaes alems, publicada por Georg BCHMANN em 1864. Geflgelte Worte, palavras aladas, 2 o termo usado na Odissia e na Ilada de Homero (nas tradues alems de Friedrich Leopold Graf zu Stolberg e de Johann Heinrich Vo) para designar palavras que voam rapidamente, como se tivessem asas, da boca do falante ao ouvido do interlocutor. 3 Bchmann considerou que essa expresso de Homero seria adequada para designar citaes corriqueiras e conhecidas e, portanto, complementaria bem o ttulo da coletnea de citaes que estava por editar (HOFMANN 2007: VIII). 4 importante notar que a coletnea Bchmann no reunia apenas citaes de autores conceituados propriamente ditas, mas sim aquelas que so usadas com sentido figurado e independentemente do seu contexto original. Segundo o autor, seriam expresses de autoria conhecida que so usadas de forma corriqueira, maneira de provrbios. 5 Hoje em dia, porm, entendem-se por geflgelte Worte adgios, frases feitas, expresses ou nomes, em qualquer idioma, que sejam conhecidos por grande parte dos falantes de uma nao e cuja origem histrica ou literria seja comprovada. Isso tambm engloba publicaes, ttulos de livros, msicas ou filmes, slogans publicitrios ou citaes de personalidades da atualidade, sempre e quando os falantes tiverem uma noo de autoria dessas expresses (cf. HOFMANN 2007: VIII, BURGER 1998: 45 e GARSKY 2008: 109). Neste conjunto so consideradas tambm palavras individuais (FLEISCHER et al. 2001: 111), como por exemplo Gretchenfrage. 6 As Geflgelte Worte, portanto, esto situadas entre citaes propriamente ditas e fraseologias (WIENEN no prelo e FLEISCHER et al. 2001: 111).
Na traduo da Ilada em portugus feita por Carlos Alberto Nunes, So Paulo, Ediouro, s. d. Homer wollte damit nur den unsichtbaren, eiligen Weg des gesprochenen Wortes zum Ohr des Hrenden bildhaft werden lassen. (RUST/HAUPT 1961: X). Os mesmos autores comentam que beschwingte Worte poderia haver sido uma melhor traduo para essa expresso (ibid.). 4 Ttulo original completo: Geflgelte Worte. Der Citatenschatz des Deutschen Volks (HOFMANN 2007: VII). 5 Geflgelte Worte nenne ich solche Worte, welche, von nachweisbaren Verfassern ausgegangen, allgemein bekannt geworden sind und allgemein wie Sprichwrter angewendet werden (BCHMANN 1874 apud RUST/HAUPT 1961: XI) 6 Mit diesem Ausdruck bezeichnet man eine unangenehme, oft peinliche und zugleich fr eine bestimmte Entscheidung wesentliche Frage in einer schwierigen Situation. Es kann auch die Frage nach jemandes Religion oder politischer berzeugung gemeint sein. (...) [Die Frage] wird meist in der leicht abgewandelten Form Wie hltst dus mit der Religion? zitiert, um auf ein wesentliches, entscheidendes, oft heikles Problem hinzuweisen und jemanden zu einer klaren Stellungnahme in der betreffenden Sache aufzufordern. (DUDEN 1993: 187-188). Termo traduzido como pergunta crucial, pergunta decisiva no Dicionrio Porto Editora (1985).
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As expresses geralmente apresentam alguma caracterstica marcante no plano lingstico (conciso, rima, ritmo etc.) ou no plano do contedo (por exemplo, por formular algum pensamento original ou alguma verdade universal ou uma filosofia, semelhante a um aforismo). Tais expresses apresentam uma relao intrnseca com a cultura de uma sociedade e com o momento histrico, tanto que, por exemplo, os editores do Grande Bchmann (nome dado atualizao da obra original) de 1961 decidiram remover citaes e provrbios de cunho nacional-socialista (RUST/HAUPT 1961: VII). Vale ressaltar ainda que o uso de citaes e de frases clebres era particularmente freqente no sculo XIX quando do processo de construo da identidade cultural aps a fundao do Imprio Alemo. Frases clebres eram ainda citadas muitas vezes com o fim de simular uma formao clssica inexistente naquele que as usava (SELBMANN 2005: 19-21 e HOFMANN 2007: VIII). Atualmente, tais expresses so usadas com muita freqncia como recurso retrico na mdia e na publicidade, incluindo no raro referncias a citaes e ttulos de obras e filmes atuais. Curiosamente, at o prprio nome Bchmann acabou se tornando uma metonmia para designar uma pessoa que cita com freqncia (ein wandelnder Bchmann em analogia a ein wandelndes Lexikon [um dicionrio ambulante]) e inspirou ttulos de outras obras como Der rote Bchmann, Unbeflgelte Worte, zugleich Ergnzungen zum Bchmann, Der feldgraue Bchmann, Wo der Bchmann aufhrt (BCHMANN 2007: 455-456). Um outro aspecto curioso das geflgelte Worte so suas transformaes e influncias recprocas. A frase clebre do Fausto Im Anfang war die Tat encontra a sua inspirao na frase bblica Im Anfang war das Wort (BCHMANN 2007: 52) e a frase clebre de Bismarck Was kannst du armer Teufel geben uma alterao da tambm frase clebre do Fausto Was willst du armer Teufel geben? (BCHMANN 2007: 132). Aps a descrio acima, nota-se que a expresso geflgelte Worte dificilmente encontra uma equivalncia plena nas categorias de fraseologias da lingstica portuguesa: frases feitas, ditados, dizeres, anexins, provrbios, adgios, expresses idiomticas, citaes, sentenas todas encerram conotaes e fenmenos lingsticos um pouco diferentes (cf. RNAI 1987: 27 e RNAI 1986: VIII-IX). Segundo a primeira definio de Bchmann, a expresso geflgelte Worte poderia talvez ser traduzida

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como sentenas notveis ou como frases clebres. Porm, nenhuma dessas expresses englobam necessariamente as noes de metfora, expresso idiomtica e/ou citao de obras ou personalidades da atualidade, contidas no conceito de geflgelte Worte. Para ilustrar o complexo desafio que a questo das geflgelte Worte representa ao tradutor, analisaremos exemplarmente usando a ocasio tambm para fazer nossa pequena homenagem ao bicentenrio da publicao do primeiro Fausto de Goethe algumas frases clebres desta obra magna da literatura alem. Chamaremos a ateno para a complexidade estrutural e semntica de tais frases e as dificuldades de traduo que elas apresentam, bem como para a variedade do uso retrico dessas frases na atual linguagem publicitria e miditica na Alemanha. Antes disso, porm, recapitularemos primeiramente alguns aspectos relevantes para uma devida contextualizao da traduo das obras de Goethe, aps o que trataremos dos exemplos concretos das frases clebres e de sua traduo.

2 Tradues de obras de Goethe


A traduo exerce um papel fundamental na recepo de obras em outras culturas e no intercmbio entre as literaturas. Goethe inclusive considerava que a traduo podia dar nova vida a uma obra, depois que esta foi de certa forma desgastada na sua lngua original, levando a uma verdadeira metamorfose da obra. Fez tal comentrio em relao s tradues de Hermann e Dorotia em latim e do Fausto em francs, na traduo de Nerval (BERMAN 1995: 106-107). O contato entre as culturas considerado um enriquecimento. Goethe v, por exemplo, no contato com a cultura francesa (considerada antagnica alem) do incio do sc. XIX uma possibilidade de cada cultura procurar na outra aquilo que lhe falta e que lhe oposto. Desta maneira, os alemes poderiam aprender com o rigor formal dos franceses e a influncia alem poderia levar os franceses a se libertarem das regras estreitas do classicismo francs (BERMAN 1995: 101). Diante disso, ser til uma breve apresentao das primeiras tradues de obras de Goethe em ingls e francs, bem como do percurso das tradues do Fausto em portugus, das quais tiraremos os exemplos para anlise.

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2.1 Tradues francesas de obras de Goethe


A influncia de Goethe na Frana comeou com vrias tradues do Werther. Entre 1776 e 1797, a obra foi traduzida quinze vezes e tornou-se a leitura preferida de toda uma gerao. Em 1800, foi lanada a traduo francesa de Hermann e Dorotia em prosa de Bitaub. Dois anos mais tarde saram duas tradues de Wilhelm Meister, em 1810 Afinidades eletivas e 1823 Poesia e Verdade. Mme. de Stal publicou comentrios e alguns extratos do Fausto em 1813 e Frderic-Albert Stapfer publicou as obras dramticas de J. W. Goethe (4 volumes, 1821-1825) contendo Gtz von Berlichingen, Egmont, Ifignia na Turida, Torquato Tasso e Fausto. Paralelamente traduo de Stapfer, Sainte-Aulaire tambm lanou sua traduo do Fausto, porm considerada inferior de Stapfer. 7 O prprio Goethe acabou dando mais valor traduo do Fausto de Grard de Nerval de 1828: Disse a Eckermann em 1830 que j no queria mais ler o Fausto em alemo e que na traduo francesa tudo lhe parecia novamente cheio de vida, novo e inteligente (HOFFMEISTER 1984: 94).

2.2 Tradues inglesas de obras de Goethe


A influncia de Goethe na Inglaterra sucedeu parcialmente atravs das verses francesas. A obra de Mme. de Stal De lAllemagne (1813) foi publicada em ingls no mesmo ano e teve grande repercusso na Inglaterra. A primeira traduo de uma obra de Goethe para o ingls (Werther) foi feita a partir da verso francesa em 1779, depois seguiram outras tradues diretamente a partir do alemo: Werther (1786), Os irmos (1792), Ifignia na Turida (1793), Clavigo (1798), Gtz von Berlichingen (1799), Hermann e Dorotia (1801). Outras obras s foram traduzidas vinte ou trinta anos mais tarde, como uma traduo parcial do primeiro Fausto em 1823 e uma traduo completa do Fausto em prosa em 1833, Poesia e Verdade em 1823 (novamente a partir do francs), Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister em 1824 etc. (HOFFMEISTER 1984: 56).

2.3 Tradues portuguesas do Fausto


O portugus Agostinho DOrnellas foi o primeiro tradutor do Fausto para o
Der erste bersetzer, Sainte-Aulaire, der noch mit klassizistischer Befangenheit an den Faust herangegangen war und manche Szene unterdrckt hatte, wurde bald von Albert Stapfer ausgestochen, der sich getreu an das Original gehalten und lyrische Einlagen in franzsische Verse verwandelt hatte. Goethe hat die Gte dieser bersetzung mehrfach anerkannt (...) (HOFFMEISTER 1984: 82).
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portugus: em 1867 traduziu a primeira e em 1873 a segunda parte do Fausto (MAZZARI 2007: 18). Sua traduo gerou muita polmica e foi revisada em 1953 por Paulo Quintela (HOUAISS 2002: 19). 8 Desde a traduo do Fausto de DOrnellas, iniciou-se, tambm em Portugal, a recepo de Goethe. Seguiu-lhe Antnio Feliciano de Castilho, tambm portugus, que verteu o primeiro Fausto em 1872 (em verso) para o portugus, provavelmente baseando-se em verses francesas. No Brasil, Gustavo Barroso (pseudnimo: Joo do Norte) verteu em prosa um texto do Fausto em 1920. Seguiu-se em 1964 a traduo de Antenor Nascentes e Jos Jlio de Sousa, em prosa e verso. Em 1968, Slvio Meira publicou uma traduo da primeira parte, com o compromisso de publicar a segunda parte. Jenny Klabin Segall, esposa do famoso pintor Lasar Segall, traduziu a primeira parte em 1943 e a segunda parte at o ano em que morreu, em 1967 (cf. HOUAISS 2002; 18-19). A mais nova traduo do Fausto de Joo Barrento (Portugal) data de 1999. 9

2.4 Fausto e a traduo


A complexidade do ato tradutrio tematizada pelo prprio Fausto no clebre monlogo da traduo, reproduzido a seguir, quando o personagem se prope verter o Evangelho de S. Joo para o alemo.

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Mich drngts, den Grundtext aufzuschlagen, Mit redlichem Gefhl einmal Das heilige Original In mein geliebtes Deutsch zu bertragen. Geschrieben steht: Im Anfang war das Wort! Hier stock ich schon! Wer hilft mir weiter fort? Ich kann das Wort so hoch unmglich schtzen, Ich mu es anders bersetzen, Wenn ich vom Geiste recht erleuchtet bin. Geschrieben steht: Im Anfang war der Sinn. Bedenke wohl die erste Zeile, Da deine Feder sich nicht bereile! Ist es der Sinn, der alles wirkt und schafft? Es sollte stehn: Im Anfang war die Kraft! Doch, auch indem ich dieses niederschreibe, Schon warnt mich was, da ich dabei nicht bleibe. Mir hilft der Geist! Auf einmal seh ich Rat Und schreibe getrost: Im Anfang war die Tat!

Almejo abrir o bsico texto E verter o sagrado Original, Com sentimento reverente e honesto Em meu amado idioma natal. Escrito est: Era no incio o Verbo! Comeo apenas, e j me exacerbo! Como hei de ao verbo dar to alto apreo? De outra interpretao careo; Se o esprito me deixa esclarecido, Escrito est: No incio era o Sentido! Pesa a linha inicial com calma plena, No se apressure a tua pena! o sentido ento, que tudo opera e cria? Dever opor! No incio era a Energia! Mas, j, enquanto assim o retifico, Diz-me algo que tampouco nisso fico. Do esprito me vale a direo, E escrevo em paz: Era no incio a Ao! (KLABIN SEGALL 1970: 68) Abrir o arquitexto uma tentao, Para, com sentir puro e leal,

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Mich drngts, den Grundtext aufzuschlagen, Mit redlichem Gefhl einmal

Veja-se o prefcio do tradutor DOrnellas (2008) com comentrios sobre a sua traduo. Veja-se tambm Mazzari (2007: 17-21) para mais comentrios sobre as tradues portuguesas do Fausto.

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Das heilige Original In mein geliebtes Deutsch zu bertragen. Geschrieben steht: Im Anfang war das Wort! Hier stock ich schon! Wer hilft mir weiter fort? Ich kann das Wort so hoch unmglich schtzen, Ich mu es anders bersetzen, Wenn ich vom Geiste recht erleuchtet bin. Geschrieben steht: Im Anfang war der Sinn. Bedenke wohl die erste Zeile, Da deine Feder sich nicht bereile! Ist es der Sinn, der alles wirkt und schafft? Es sollte stehn: Im Anfang war die Kraft! Doch, auch indem ich dieses niederschreibe, Schon warnt mich was, da ich dabei nicht bleibe. Mir hilft der Geist! Auf einmal seh ich Rat Und schreibe getrost: Im Anfang war die Tat!

Verter o sagrado original No meu to amado idioma alemo. Ao princpio era o Verbo! , o que est escrito Quem me ajuda? Logo aqui hesito! Tanto no vale o verbo. No, Outra vai ter de ser a traduo, Se bem me inspira o Esprito. Atento E leio: Ao princpio era o Pensamento. Esta linha tem de ser bem pensada, Para que a pena no corra apressada! o Pensamento que tudo move e cria? Certo : Ao princpio era a Energia! Mas agora que esta verso escrevi, Algo me avisa j para no parar a. Vale-me o Esprito, j vejo a soluo, E escrevo, confiante: Ao princpio era a Aco! (BARRENTO 2003: 84)

Estes versos representam as diferentes fases e os processos criativos do ato de traduzir descritos em KUMAUL (2007: 79): Prparation, Inkubation, Illumination e Evaluation. Tais fases no ocorrem numa seqncia linear, muito pelo contrrio: constituem uma progresso dinmica com antecipaces, ponderaes sobre as diferentes opes e alteraes de verses anteriores. Neste episdio Fausto faz uma interpretao nova de um trecho do texto sagrado e procura uma primeira traduo intuitiva que critica e descarta em seguida. Depois de vrias tentativas, elabora a sua verso final que acaba sendo uma alterao em relao ao original (KUMAUL 2007: 80). Tambm o tradutor Barrento se refere a este episdio do Fausto para descrever e fundamentar os princpios norteadores da sua traduo. Ele parte do princpio da tradutibilidade e acredita nas potencialidades da traduo em geral e da traduo de textos poticos em especial. Para Barrento, a traduo um ato carregado de boas intenes, porm com resultados sempre imprevisveis. Descreve a traduo como um processo de leitura rigorosa e de escrita aproximativa (BARRENTO 2003: 21), o que equivale a um ato de interpretao ativa. Tomando como exemplo a palavra verbo, Barrento afirma que a palavra potica nunca se reduz ao mero conceito cristalizado (ibid: 22) e ressalta que se traduzem palavras e discursos animados em determinados contextos temporais, locais e subjetivos. Ele considera que os quatro conceitos mencionados no monlogo (palavra, sentido, fora/energia e ao) so representativos para uma concepo da traduo como um ato criativo (ibid: 23). Tais reflexes so

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fundamentais para a anlise das diferentes tradues no prximo item. 10

3 Frases clebres do Fausto


Neste item sero apresentadas trs frases clebres do Fausto, muito presentes na lngua alem, a fim de se ilustrar a riqueza lingstica e semntica das mesmas. As diferentes tradues portuguesas permitem-nos estabelecer uma comparao em termos de micro-estrutura e comentar alguns aspectos da traduo. Importante notar que no se trata aqui de uma avaliao da qualidade da traduo, pois para tanto seria necessrio analisar os aspectos lingsticos e poticos na sua totalidade bem como os critrios de invariabilidade estabelecidos por cada tradutor.

3.1 Da steh ich nun, ich armer Tor


Vejamos algumas tradues dos famosos versos Da steh ich nun, ich armer Tor! / Und bin so klug als wie zuvor, ditos por Fausto na cena Nacht, em que o personagem reconhece os limites da sua cincia e alimenta o desejo do saber. O incio do verso inclusive faz lembrar a frase de suposta autoria de Lutero Hier stehe ich! Ich kann nicht anders. (BCHMANN 2007: 424)

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Hab nun, ach, die Philosophei, Medizin und Juristerei, Und leider auch die Theologie Durchaus studiert mit heier Mh. Da steh ich nun, ich armer Tor, Und bin so klug, als wie zuvor.

Filosofia, Leis e Medicina, Teologia 't, com pena o digo, Tudo, tudo estudei com vivo empenho! E eis-me aqui agora, pobre tolo, To sbio como dantes! Ao cabo de escrutar coo mais ansioso estudo filosofia, e foro, e medicina, e tudo at a teologia... encontro-me qual dantes; em nada me risquei do rol dos ignorantes. - Tenho estudado at agora, ah! Filosofia, Jurisprudncia, Medicina e por desgraa tambm Teologia, profundamente e com ardente esfro. Pobre louco, continuo na mesma! E sou to sbio como dantes; Estudei com ardor tanta Filosofia, Direito e Medicina, E infelizmente at muita Teologia, E tudo investiguei com esfro e desciplina E assim me encontro, eu, qual pobre tolo, agora, To sbio e culto quanto acaso fra outrora! Ai de mim! da filosofia,

(DORNELLAS 2008: 33)

(CASTILHO 1948: 27)

(NASCENTES 1964: 17)

(MEIRA 1968: 31)

(KLABIN

Veja-se tambm AZENHA (2006 : 53-56) sobre os modos de traduzir que Goethe descreveu nas Notas ao div.

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SEGALL 1970: 23)

Medicina, jurisprudncia, E, msero eu! da teologia, O estudo fiz, com mxima insistncia. Pobre simplrio, aqui estou E sbio como dantes sou! Aqui estou eu: Filosofia, Medicina e Jurisprudncia, E para meu mal at Teologia Estudei a fundo, com pacincia. E reconheo, pobre diabo, Que sei o mesmo, ao fim e ao cabo!

(BARRENTO 2003: 50)

Quanto forma, nenhuma das tradues acima oferece a conciso do octasslabo de Goethe, que tornam o verso particularmente marcante no alemo. A rima foi reproduzida por Castilho, Meira, Klabin Segall e Barrento. Ressalte-se, porm, a traduo de Barrento, que com o seu decasslabo imita muito bem o ritmo do original.

3.2 Zwei Seelen wohnen, ach! in meiner Brust


Esta frase clebre do Fausto, que demonstra a sua luta interior entre a busca do prazer e a virtude divina, foi traduzida em portugus das seguintes formas:

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Du bist dir nur des einen Triebs bewut; O lerne nie den andern kennen! Zwei Seelen wohnen, ach! in meiner Brust, Die eine will sich von der andern trennen; Die eine hlt, in derber Liebeslust, Sich an die Welt mit klammernden Organen; Die andre hebt gewaltsam sich vom Dunst Zu den Gefilden hoher Ahnen.

S duma aspirao tens conscincia; Oh, no queiras jamais sentir a outra! Duas almas habitam no meu peito, Uma da outra separar-se anseiam: Uma com rgos materiais se aferra Amorosa e ardente ao mundo fsico; Outra quer insofrida remontar-se De sua excelsa origem s alturas. Falas assim porque s tens uma aflio, No procures jamais as outras desvendar! No meu corpo h duas almas em competio, Anseia cada qual da outra se apartar. Uma rude me arrasta aos prazeres da terra E se apega a ste mundo, anseios redobrados; Aspira vida eterna a seus antepassados. Tiveste conscincia de um impulso, apenas, oh! nunca aprendas a conhecer o outro! Duas almas, ai de mim!, moram em meu peito, uma quer apartar-se da outra; uma prende-se ao mundo em violento prazer de amor, com rgos que seguram como garras; a outra ala-se fortemente do p para as moradas dos velhos antepassados. Sim. Por enquanto no aspiras a mais. Conheces uma

(DORNELLAS 2008: 56)

(CASTILHO 1948: 60)

(NASCENTES 1964: 39)

(MEIRA 1968: 72 )

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das duas sedes dalma; o cu te livre de sentires a outra. Albergo dentro dois espritos, dois; forcejam ambos por se fugir: - um deles, voluptuoso, abraa a terra; os rgos o segundam; o arraigam nela; - o outro, desdenhando este mundo, este p, se evade em busca das regies que nossos pais habitam. Apenas tens conscincia de um anseio; A conhecer o outro, oh, nunca aprendas! Vivem-me duas almas, ah! no seio, Querem trilhar em tudo opostas sendas; Uma se agarra, com sensual enleio rgos de ferro, ao mundo e matria; A outra, soltando fra o trreo freio, De nobres manes busca a plaga etrea. No conheces mais que uma aspirao, Da outra melhor nada saber! Duas almas tenho em meu corao, Uma da outra a querer-se separar: Uma apega-se, em paixo rasteira, Com todos os seus rgos matria; A outra quer erguer-se da poeira E subir ao reino da sua origem etrea.

(KLABIN SEGALL 1970: 48)

BARRENTO (2003: 78)

No plano mtrico, nenhuma das tradues reproduz o decasslabo de Goethe. Quanto aos demais aspectos, a nfase expressa pela interjeio ach! reproduzida por Nascentes e Klabin Segall, tambm atravs de uma interjeio, e por Meira, que recorre repetio da palavra dois. Castilho tenta expressar a gravidade desta luta interior atravs do termo competio, enquanto a verso de Barrento perde um pouco da expressividade do original.

3.3 Schall und Rauch


Outra frase clebre famosa a metfora com que Fausto responde a pergunta de Margarida sobre a religio:

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Ich habe keinen Namen Dafr! Gefhl ist alles; Name ist Schall und Rauch, Umnebelnd Himmelsglut.

Nome no acho, o sentimento tudo; O nome rumor vo, o nome fumo Que o brilho dos cus cobre e ofusca!

(DORNELLAS 2008: 150)

Eu nenhum. De o gozar me contento. Nome fumo em que a luz se reveste; e eu no quero um tal fogo celeste encobrir aos teus olhos e aos meus.

CASTILHO (1948: 229)

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NASCENTES (1964: 39)

No tenho nome algum para isso. Sentimento tudo; nome rudo e fumaa, que enevoa o brilho celeste.

Eu no dou nome algum, No encontro nenhum. Assim! o sentimento tudo para mim. O nome apenas som, esvai-se em seus vapres, A encobrir-nos do olhar o cu com seus fulgores! No tenho nome para tal! O sentimento tudo; Nome vapor e som, Nublando ardor celeste Para isso no tenho nome Algum! O sentimento tudo! Nome rumor e fumo Que tolda o brilho dos cus

MEIRA (1968: 191 )

KLABIN SEGALL (1970: 162)

BARRENTO (2003: 78)

A aliterao do original com a vogal tnica a (Name ist Schall und Rauch) pode ser imitada no portugus atravs da repetio da vogal tnica o, o que realizado desta forma por DOrnellas, Meira, Klabin Segall e Barrento: O nome apenas som, esvai-se em seus vapres; Nome vapor e som; Nome rumor e fumo. Mas somente as tradues de Klabin Segall e Barrento apresentam a mesma forma concisa do original.

4 Traduo das frases clebres


A literatura sobre frases clebres em alemo vasta, mas no poder ser tratada exaustivamente neste trabalho. Preferimos mencionar aqueles que tratam de fraseologias e frases clebres alteradas, como GARSKI (2008), que enumera uma grande quantidade de exemplos da lngua da mdia alem atual, como por exemplo Der mit dem Wort tanzt (em referncia ao filme Der mit dem Wolf tanzt [Dana com lobos]) ou Wir sind dann mal weg (em referncia ao ttulo do bestseller Ich bin dann mal weg de Hape Kerkeling), sendo que o jogo de palavras s entendido se for relacionado ao ttulo ou citao original (GARSKI 2008: 105-107). H pouco material sobre a traduo de frases clebres (ou frases clebres modificadas). Ressaltamos os ensaios de WIENEN (2007) e WIENEN (no prelo) que estudam este tema para o par lingstico alemo-francs. 11 Os trabalhos da lingstica

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Agradeo colega Ursula Wienen pelos impulsos e pelas discusses acerca deste tema.

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contrastiva e da tradutologia geralmente se referem a metforas (p. ex. KOLLER 2004: 254-258, SCHFFNER 2005) ou fraseologias (p. ex. DORNBUSCH 1989, CAMARGO 1991, ETTINGER/NUNES 2006, SCHEMANN/DIAS-SCHEMANN 1980, ALBRECHT 2005: 118-120 e KOLLER 2007) e podem ser parcialmente aplicadas traduo de frases clebres devido sua metaforicidade e sua semelhana com fraseologias. Em relao s fraseologias, ALBRECHT (2005: 118) ressalta o fato de se tratar de sintagmas pr-existentes, cujo significado deve ser traduzido como um todo, seja com uma fraseologia ou outro recurso lingstico (metfora, parfrase etc.), sem se recorrer a uma traduo literal. Os jogos de palavras com fraseologias tambm representam um recurso estilstico freqente, como, por exemplo, em contextos que permitem uma leitura tanto conotativa como denotativa: Zwanzig Jahre war ich mit dem langweiligen Kerl verheiratet, und jeden Abend sa er im Lehnstuhl vor der Glotze. Da hab ich ihn eben sitzen lassen (ibid: 119). O mesmo acontece com frases clebres que so usadas, com ou sem alteraes, como locues idiomticas. As alteraes permitem introduzir um aspecto novo, muitas vezes jocoso ou irnico, ao mesmo tempo que mantm a aluso forma e ao significado originais (cf. WIENEN no prelo). Neste contexto, Albrecht ressalta ainda a dificuldade de reconhecer certas locues ou citaes alteradas em textos e a importncia de pesquisar o teor exato do original quando feita uma traduo para o idioma da citao original: Nichts ist peinlicher als eine unbeholfene Rckbersetzung eines Zitats, eines geflgelten Wortes in die Sprache, aus der es stammt. (ibid: 71). ALBRECHT (2005: 118-120) e KOLLER (2007) comentam dificuldades e solues possveis da traduo de fraseologias no seu respectivo contexto. Em termos metodolgicos, poder-se-ia supor que, no processo de traduo, podemos lidar com as frases clebres tal como lidamos com citaes. Neste caso, recorrer-se-ia, como geralmente se faz, a tradues j existentes das obras. Mas as frases clebres representam um especial desafio para a traduo. A comear pelo fato de que existem vrias tradues diferentes s quais recorrer. Quais critrios aplicaramos ento para decidir qual traduo usar? Independentemente do valor de cada uma dessas tradues como um todo, as tradues dos trechos que acabaram se tornando frases clebres podem ter chegado a resultados mais ou menos adequados segundo certos critrios lingsticos, como, por exemplo, conciso, idiomaticidade, ritmo, rima, figura de linguagem etc. Outro aspecto a ser levado em conta que a frase clebre original

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muito mais difundida na cultura-fonte do que a frase clebre traduzida na cultura-alvo. Na cultura de partida a referncia a tais frases muito mais evidente do que na cultura de chegada. Alm disso, as frases clebres geralmente apresentam um nvel metafrico nem sempre presente nas tradues. Um critrio para avaliar at que ponto uma citao conhecida na outra cultura seria a consulta de coletneas de citaes que contenham citaes estrangeiras no caso do portugus, mencione-se como por exemplo o dicionrio de RNAI (1986). Esta obra apresenta 126 citaes de Goethe, das quais 28 do Fausto, todas baseadas na traduo de Klabin Segall. O autor selecionou as citaes segundo o critrio da freqncia: Um dicionrio de citaes visa, antes de mais nada, a reproduzir, em seu texto exato, frases freqentemente citadas (RNAI 1986: VIII). Porm, muitas sentenas do Fausto escolhidas por Rnai no so aquelas que foram incorporadas fraseologia alem. Partimos da hiptese de que Rnai escolheu as citaes prioritariamente pelo seu contedo, enquanto um dos critrios de seleo de Bchmann foi justamente uma forma lingstica marcante, seja pelo ritmo, pela rima, pela brevidade ou pela originalidade, o que nem sempre foi ou pde ser reproduzido da mesma forma na traduo. Vejamos alguns exemplos do emprego de frases clebres em ttulos de textos da atualidade alem. O primeiro o ttulo de uma resenha publicada no jornal FAZ sobre o livro Mandelkern de Lea Singer: Da steh ich nun, ich armes Gr. 12 O ttulo faz referncia protagonista do livro, a neurloga Grace Edler, que uma figura fustica feminina e est no seu laboratrio dois dias antes do Natal planejando suicidar-se. Algumas adaptaes possveis das tradues seriam: (01) (02) (03) (04) (05) (06) E eis-me aqui agora, pobre tola (DOrnellas) Encontro-me qual dantes; (Castilho, sem adaptao) Pobre louca, continuo na mesma! (Nascentes) E assim me encontro, eu, qual pobre tola, agora (Meira) Pobre simplria, aqui estou (Klabin Segall) E reconheo, pobre diabo (Barrento, sem adaptao) A substituio da palavra Tor por Gr produz o efeito jocoso deste ttulo, que apesar disto continua sendo reconhecvel como a citao original do Fausto. As tradues de Castilho e Barrento no permitem uma adaptao semelhante, enquanto que as de DOrnellas, Nascentes, Meira e Klabin Segall permitem a alterao do gnero

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Texto de Sabine Doering. Frankfurter Allgemeine Zeitung / Sonntagszeitung de 19/5/2008, p.34.

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(louca, tola, simplria) e assim imitar o efeito do original. O segundo exemplo o ttulo de um artigo sobre o 80 aniversrio do escritor e tradutor judeu Georges-Arthur Goldschmidt: Zwei Seelen wohnen, ach! in seiner Brust. 13 O ttulo alude ao fato de que Goldschmitdt, que foi salvo da perseguio nazista por ter sido mandado pelos seus pais para o sul da Frana, teria afinidade com ambas as culturas, a alem e a francesa. Vejamos algumas adaptaes possveis do ttulo do artigo:

(07) (08) (09) (10) (11) (12)

Duas almas habitam no seu peito (DOrnellas) No seu corpo h duas almas em competio (Castilho) Duas almas, ai dele!, moram em seu peito (Nascentes) Alberga dentro dois espritos, dois (Meira) Vivem-lhe duas almas, ah! no seio (Klabin Segall) Duas almas tem em seu corao (Barrento) Apesar de essa citao do Fausto no ser to conhecida no mundo lusfono (por

exemplo no consta no dicionrio de citaes de RNAI [1986]), todas as adaptaes acima evocam um estilo potico, reproduzindo pelo menos parcialmente o efeito do original. O ltimo exemplo um texto sobre a grande controvrsia provocada pela lei introduzida recentemente na Alemanha que probe fumar em restaurantes e bares. O ttulo de um artigo sobre esta discusso acirrada era: Alles nur Schall und Rauch? Das Rauchverbot sorgt fr Wirbel 14 . Neste caso, brinca-se com a dualidade dos sentidos: Rauch refere-se literalmente ao fumo sobre o qual versa o artigo e Schall und Rauch usado metaforicamente, no sentido de ser algo de pouca relevncia. Recorrendo s tradues acima mencionadas e na mesma seqncia, teramos as seguintes possibilidades: (13) (14) (15) (16) (17) (18)
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O nome rumor vo, o nome fumo? A proibio do fumo gera polmica. (DOrnellas) Nome fumo? A proibio do fumo gera polmica. (Castilho) Nome rudo e fumaa? A proibio do fumo gera polmica. (Nascentes) O nome apenas som, esvai-se em seus vapres? A proibio do fumo gera polmica. (Meira) S vapor e som? A proibio do fumo gera polmica. (Klabin Segall) S rumor e fumo? A proibio do fumo gera polmica. (Barrento)

Buchreport de 29/4/2008 (http://www.buchreport.de/). In: Revista Champus 6/2007, p. 26.

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As adaptaes baseadas nas tradues de DOrnellas e Meira so demasiado longas e pouco idiomticas. Alm disso, no caso de Meira perde-se a referncia ao fumo devido imagem usada do vapor, o que tambm o caso da traduo de Klabin Segall. J as tradues de Castilho, Nascentes e Barrento apresentam mais possibilidades de realizar uma adaptao desta frase clebre no contexto referido. A nica traduo que realmente permite estabelecer uma dualidade de significados semelhante ao original a de Barrento, porque alm de o fumo remeter diretamente ao tema do vcio, o rumor pode ser entendido como uma agitao passageira e portanto insignificante, gerando assim uma analogia com o significado metafrico de Schall und Rauch. Porm, sua traduo , dentre todas as aqui mencionadas, a mais recente e talvez por tal motivo ainda no tenha tido tempo de se fazer to conhecida no mundo lusfono atual.

5 Concluso
A traduo de frases clebres e suas variantes nos textos apresentam ao nosso ver um grau de dificuldade ainda maior do que a traduo de metforas, dado que no somente deve ser reproduzido o nvel metafrico, mas tambm a forma (rima, ritmo, etc.). Ser o trabalho de cada tradutor usar a sua competncia emptica (KOHLMAYER 2004: 11ss.) e seus conhecimentos lingsticos, culturais, formais e literrios para tentar encontrar uma soluo que produza efeitos semelhantes na cultura-alvo. Poder, por exemplo, recorrer a citaes totalmente diferentes da prpria cultura-alvo que expressem um contedo semelhante. Uma possibilidade para o pblico brasileiro seria substituir o primeiro exemplo (Da steh ich nun, ich armes Gr) por um verso do famoso poema do Carlos Drummond de Andrade No meio do caminho, com ou sem alteraes: No meio do caminho tinha uma pedra ou No meio do caminho dela tinha uma pedra. O intuito desta adaptao seria encontrar uma citao consagrada e reproduzir o efeito do reconhecimento de uma citao que contenha uma metfora prxima. Neste caso, a frase clebre alterada usada como recurso para demonstrar a falta de perspectivas para a soluo de um problema. Trata-se de estabelecer uma analogia com uma citao, conhecida pelo leitor brasileiro, a qual possa simbolizar um problema. Ao nosso ver, os exemplos comentados neste trabalho deixam claro que a traduo de textos com frases
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cllebres alteradas demanda muita criatividade por parte do tradutor, impelindo-o a um ato de recriao ou de formao de analogias que imite os efeitos do original. Ser apropriado concluir nossas consideraes com uma reflexo feita por Umberto Eco acerca das expresses texto-fonte e texto-alvo (ou analogamente cultura-fonte e cultura-alvo). O termo alvo transmite a idia de que existe s um alvo a ser atingido. Em relao a textos literrios o autor considera mais adequado falar de texto-fonte e texto-foz (no lugar de alvo) (termo sugerido por Federico Montanari) para expressar a abertura interpretao na traduo. Segundo ele, o termo foz remete a um campo semntico que permite refletir sobre as diferentes formas da foz. Haveria aquela que se transforma em um grande delta, que tem a fora de enriquecer o texto-fonte por lev-lo at um mar de intertextualidades. E haveria aquele tipo de foz cujo delta vai se separando em vrios canais individuais, que levam muito menos gua do que o rio original, mas que juntos acabam abrangendo uma rea grande (ECO 2006: 230-231). Essa metfora da foz usada por Eco capaz de ilustrar muito bem o impacto de uma traduo na cultura de chegada e a importncia do papel do tradutor nesse processo. De fato, o grande desafio que uma frase clebre, alterada ou no, impe ao tradutor justamente o de saber que tipo de foz ele deseja formar com sua traduo. 15

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Agradeo aos pareceristas e colega Beatriz Vasconcelos pelos valiosos comentrios acerca deste trabalho.
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