Fundamentos Teoricos e Metodologicos Da Inclusao Ped Online - pdf0

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2010

Fundamentos Tericos e
Metodolgicos da Incluso
Autores
Bertha de Borja Reis do Valle
Cristina Maria Carvalho Delou
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira
Fernando Gouva
Henriete C. Sousa e Mello
Ida Beatriz Mazzillo
Mrcia Souto Maior Mouro S
Suely Pereira da Silva Rosa
Rosa, Suely Pereira da Silva etal.
Fundamentos tericos e metodolgicos da incluso. Curitiba:
IESDE Brasil S.A., 2010.
178 p.
ISBN 85-89008-72-X
1. Administrao da educao. 2. Gesto escolar. I. Valle, Bertha
de Borja Reis do. II. Delou, Cristina Maria Carvalho. III. Oliveira,
Eloiza da Silva Gomes de. IV. Gouva, Fernando. V. Mello, Henriete
C. Sousa e. VI. Mazzillo, Ida Beatriz. VII. S, Mrcia Souto Maior
Mouro. VIII. Rosa, Suely Pereira da Silva. IX. Ttulo.
CDD 379
R788
Todos os direitos reservados
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 Batel
80730-200 Curitiba PR
www.iesde.com.br
2003 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos
direitos autorais.
Sumrio
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio brasileiro:
contextualizao do problema .................................................................................................7
A formao de professores e a Educao Inclusiva ..............................................................15
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica .............................................................23
A importncia da inclusoeducacional e seu modelo de atendimento ......................................................23
Realidade da incluso ...............................................................................................................................25
Professores acham que no h problemas na incluso .............................................................................25
Problemas estruturais ................................................................................................................................26
Problemas causados pelaspeculiaridades dos alunos ................................................................................27
Argumentos a favor ou no da incluso ...................................................................................................28
Concluso .................................................................................................................................................29
Necessidadeseducativas especiais:ainda um dilema para o professor? ................................33
O que so as necessidades educativas especiais? .....................................................................................33
Conversando sobre as principais defcincias causadoras de necessidades educativas especiais ............35
Altas habilidades/ superdotao:mitos e desafos I ............................................................43
Os mitos ....................................................................................................................................................43
Altas habilidades/ superdotao:mitos e desafos II ..........................................................51
Os desafos ................................................................................................................................................55
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafo a ser superado pela Educao Inclusiva .............................................................59
O fazer pedaggico: ajustes e adaptaes que viabilizam o processo de avaliao .................................59
O que os professores que possuem alunos portadores de paralisia cerebral
includos em sua classe pensam a respeito da avaliao desse aluno .......................................................61
Professores que disseram realizar avaliaes sem difculdades ...............................................................62
Professores que disseram necessitar do apoio do professor itinerante para realizar as avaliaes ..........64
Professores que disseram ter difculdade em realizar a avaliao ............................................................65
Algumas consideraes ............................................................................................................................66
Trabalhando com o aluno portador de defcincia mental ....................................................69
Identifcando o nosso aluno ......................................................................................................................69
O trabalho pedaggico ..............................................................................................................................71
Distrbios de conduta ...........................................................................................................75
Distrbios de conduta... afnal, o que isso? ............................................................................................75
Critrios de defnio dos distrbios de conduta ......................................................................................77
Hiperatividade ...........................................................................................................................................78
Autismo .....................................................................................................................................................82
O atendimento da escola s condutas tpicas ou distrbios de conduta ....................................................83
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva ...................................................................87
Discusso e prticas de incluso ...............................................................................................................88
O currculo ................................................................................................................................................89
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso ........................................................................95
Algumas refexes sobre o processo de excluso na escola .....................................................................95
Trs documentos internacionais importantes ............................................................................................96
A Poltica Nacional de Educao Especial ...............................................................................................97
Integrao X incluso ...............................................................................................................................98
Como facilitar a incluso? ........................................................................................................................99
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas I .........................................................103
Descortinando a realidade .......................................................................................................................104
O trabalho pedaggico ............................................................................................................................105
Concluindo ..............................................................................................................................................107
O trabalho pedaggicoem turmas multisseriadas II .........................................................109
Construindo o trabalho pedaggico .......................................................................................................109
O trabalho diversifcado ..........................................................................................................................111
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I ......................................115
O tecnicismo: a lgica do mercado acionada .........................................................................................116
Tecnicismo e didtica: a chegada da efcincia ao processo de ensino-aprendizagem .......................118
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao II .....................................123
Conservao do tecnicismo ou crtica do reprodutivismo?
A Didtica na encruzilhada: da neutralidade negao de si mesma .....................................................123
A Didtica em questo:redimensionando a efcincia-
qualidade e multidimensionando o processo ensino-aprendizagem .......................................................124
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III ....................................129
Neotecnicismo: a lgica do mercado (re)acionada ................................................................................129
Pedagogia da Qualidade Total (o neotecnicismo): pacto, receita ou profsso de f? ............................131
Pacto .......................................................................................................................................................131
Receita ....................................................................................................................................................132
Profsso de f .........................................................................................................................................132
Da pedagogia da qualidade total pedagogia de qualidade para todos ..................................................134
Incluso social e as polticas de ao afrmativa .................................................................137
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil .................................................................................137
A Declarao de Salamanca ....................................................................................................................138
A avaliao da educao no Brasil .........................................................................................................139
Polticas de ao afrmativa: a questo das cotas nas universidades ......................................................140
A Educao pelos Fundos:do subsdio literrio ao Fundode Valorizao do Magistrio ...147
O Fundo da educao colonial e imperial: subsdio literrio ..........................................................147
A Constituio de 1934 e o primeiro Fundo educacional da Repblica .............................................149
A Lei 9.424/96 e o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorizao do Magistrio ...............................................................................................................151
Concluso ...............................................................................................................................................152
A prtica educativa: um dos caminhos para a incluso .......................................................155
A incluso ...............................................................................................................................................155
Construindo um caminho ........................................................................................................................156
A prtica pedaggica ...............................................................................................................................157
Concluindo ..............................................................................................................................................159
Escola inclusiva: as crianas agradecem .............................................................................161
Formao dos professores .......................................................................................................................162
Projeto Poltico Pedaggico ....................................................................................................................164
Concluindo ..............................................................................................................................................165
Concluindo ..........................................................................................................................169
Referncias ..........................................................................................................................171
A Educao Especial
e a Educao Inclusiva
no cenrio brasileiro:
contextualizao do problema
D
iscutir as questes da Educao Especial e da Educao Inclusiva no cenrio brasileiro atual
tarefa complexa, mas necessria, tendo-se em vista as inmeras vertentes que a temtica vem
assumindo nos diferentes contextos em que o problema tratado e at mesmo nos contextos
em que no tratado.
Em primeiro lugar, vou conceituar a Educao Especial como sendo a modalidade de educao
escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de neces-
sidades especiais (LDB 9.394/96, cap. V, art. 58). Por que optei por conceituar a Educao Especial
conforme trata a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB)? Porque considero a nova
LDB, que j conta nove anos em 2005, no que tange Educao Especial, uma legislao de vanguar-
da e contraditria porque, ao mesmo tempo em que ela assegura direitos pleiteados aos alunos com
necessidades educacionais especiais, em tempos de defesa das prticas inclusivas, cria a possibilidade
da incluso desses alunos, preferencialmente na rede regular de ensino, ela mantm a possibilidade
do atendimento segregacionista se o processo pedaggico assim o recomendar. Antes que qualquer
sentimento de oposio ou resistncia se cristalize em relao postura da legislao educacional
brasileira, necessrio compreender o contexto em que vivemos e sua diversidade.
Analisarei o conceito de Educao Especial, abordando trs aspectos, a saber.
uma modalidade de educao escolar.
oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino.
oferecida para educandos portadores de necessidades especiais.
Tendo em vista a complexidade da questo, vou comear a anlise pelo item trs educandos
com necessidades educacionais especiais. Quem so os alunos com necessidades educacionais es-
peciais? O Parecer 17/2001 do Conselho Nacional de Educao (BRASIL, 2001) instituiu as Diretri-
zes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica e defniu como alunos com necessidades
educativas especiais aqueles que apresentam, durante o processo ensino-aprendizagem:
I) difculdades acentuadas de aprendizagem ou limitaes no processo de desenvolvimento que
difcultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas no vinculadas a uma causa orgnica especfca;
b) aquelas relacionadas a condies, disfunes, limitaes ou defcincias.
II) difculdades de comunicao e sinalizao diferenciadas dos de mais alunos, demandando a
utilizao de linguagens e cdigos aplicveis;
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
III) altas habilidades/superdotao, grande facilidade de aprendizagem
dominando rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (Art. 5.,
Resoluo 2/2001 do CNE/CEB/MEC).
Ento, considera-se alunos com necessidades educacionais especiais aqueles
que manifestam comportamentos particulares que impeam os encaminhamentos
rotineiros das prticas pedaggicas em sala de aula, pois necessrio que o pro-
fessor faa ajustamentos curriculares, sem os quais eles no conseguiro realizar
as aprendizagens ao nvel de suas capacidades e potencialidades.
So alunos que se diferenciam por seus ritmos de aprendizagem, sejam mais
lentos ou mais acelerados. Apresentam difculdades de aprendizagem, que ne-
nhum mdico, psiclogo ou fonoaudilogo conseguiu identifcar qualquer causa
orgnica ou relacionada s caractersticas orgnicas como as sndromes, leses
neurolgicas por falta de oxigenao pr, peri ou ps-natal. So alunos que neces-
sitam de sinais e cdigos apropriados para se comunicar (linguagem de sinais) ou
para ler e escrever (Braille). Enfm, so pessoas que em situao de aprendizagem
escolar necessitam de adaptaes nas condies materiais de ensino, pois sem
elas a permanncia na escola no ter qualquer signifcado, j que no podero
compartilhar os resultados de suas aprendizagens.
At agora, aqui, no foram utilizadas qualquer uma das denominaes uti-
lizadas pela literatura especializada em Educao Especial, anteriormente: De-
fcincia Mental (DM), Defcincia Fsica (DF), Defcincia Auditiva (DA), De-
fcincia Visual (DV), Defcincia Mltiplas (DM), Superdotao (SD). Isso no
signifca dizer que elas esto desatualizadas, que elas caram em desuso ou que
sejam preconceituosas. Fonseca (1995) afrmou que, do ponto de vista terico, a
ideia fundamental da defnio e da classifcao em Educao Especial deve ter
em considerao que se classifcam comportamentos, e no crianas (FONSECA,
1995, p. 26).
Se fosse possvel defnir ou classifcar comportamentos humanos com ca-
rter exclusivamente diagnstico e/ou didtico-pedaggico sem prejuzo para o
indivduo, talvez no houvesse maiores difculdades. O problema que a clas-
sifcao traz junto a si o impacto da rotulao na subjetividade do indivduo e,
consequentemente, na subjetividade da sociedade. O indivduo passa a se ver e a
ser visto a partir de um rtulo, perdendo-se de vista tudo o que se relacione ao
seu referencial sociocultural, riqueza de sua subjetividade, de seus valores, de
sua individualidade, de sua particularidade, acabando por se tornar um excludo
social por se diferenciar dos demais membros da sociedade.
Outro motivo pelo qual aquelas denominaes no foram utilizadas refere-se
ao fato delas no serem sufcientes para expressar toda a amplitude do alunado da
Educao Especial. Com a nova denominao necessidades educacionais espe-
ciais, pretende-se abarcar um grupo maior de caractersticas comportamentais,
antes j consideradas como necessidades educacionais especiais, como o trans-
torno do dfcit de ateno por hiperatividade e/ou impulsividade, os diferentes
quadros neurticos-psicticos, como os diferentes tipos de autismo, e, principal-
mente, os quadros de difculdade de aprendizagem como a dislexia, a disgrafa, a
discalculia, que formam grandes grupos de fracasso escolar.
8
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
A utilizao de denominaes particulares do alunado da Educao Espe-
cial, regra geral, tem servido para marcar espaos tericos, mas ao mesmo tempo
de excluso, pois sistematicamente os autores da rea tm limitado o conceito de
necessidades educacionais especiais a um de seus grupos, como o das defcin-
cias. Este um problema terico-prtico que refete a formao fragmentada dos
professores de Educao Especial.
Dessa maneira, h que se tomar cuidado para que no se continue a re-
produzir o que se passa agora, que a produo de conhecimento com uma
pretensa inteno generalista, que, por trs, retrata a excluso e a fragmentao
da formao, por atribuir signifcado de defcincia expresso necessidades edu-
cacionais especiais, que muito mais ampla, por retratar a diversidade do alunado
da Educao Especial.
O segundo aspecto deste texto se refere Educao Especial que ofere-
cida, preferencialmente, na rede regular de ensino. Essa afrmao parece bvia,
mas em Educao Especial no era assim que acontecia. Desde a Constituio
de 1988, fcou estabelecido que o Estado tinha dever com a Educao mediante a
garantia de sete itens. Entre esses sete itens, fcou estabelecido que o atendimento
educacional especializado aos portadores de defcincia deveria ser, preferencial-
mente, na rede regular de ensino (Constituio Brasileira, Art. 8., III). Quando da
promulgao da Lei 9.394/96, constatou-se que o legislador aperfeioou esse arti-
go, atualizando-o aos termos da dcada de 1990, confrmando o dever do Estado
com relao oferta da educao pblica, garantindo o atendimento educacional
especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencial-
mente na rede regular de ensino (Lei 9.394/96, Ttulo III, Art. 4., III).
Durante muitos anos, o que havia de aprendizado escolar para alunos com
necessidades educacionais especiais era muito particular. Os alunos cegos e surdos,
regra geral, eram encaminhados para escolas especializadas em alunos com esse
tipo de defcincia; nenhum constrangimento social era criado se por acaso alguma
famlia procurasse uma escola regular de ensino para matricular seu flho cego e/ou
surdo e fosse orientada a procurar uma escola especializada.
O mesmo acontecia com os alunos com defcincia mental, que at pode-
riam ser matriculados em classe especial de uma escola pblica, mas o seu destino
era sempre o abandono e a descrena em suas capacidades de aprendizagem. Os
seus professores eram, quase sempre, os j prximos de se aposentarem, que fca-
vam ali distraindo alunos que, aparentemente, no tinham muita necessidade de
estimulao, pois no eram capazes de aprender.
Outra situao comum era a de serem matriculados em Apaes e Pestallo-
zzis para atendimentos clnicos, em ofcinas e na escolaridade. A diferena que
a escolaridade, nessas instituies, tambm era tratada de modo secundrio, o que
acarretou, a no escolarizao, a no terminalidade e a no certifcao escolar.
Os autistas no estavam na escola. So crianas que no se relacionam e,
em sua maioria, estavam internados em hospitais psiquitricos ou em escolas es-
peciais em total isolamento social. Os defcientes fsicos, excepcionalmente, eram
matriculados em escola regulares desde que houvesse acesso fsico para os seus
deslocamentos. Os superdotados sempre estiveram matriculados em escolas regu-
9
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
lares e recebiam apelidos de CDF, nerds, e outros. A escola nunca atuou para
diminuir os efeitos desses esteretipos.
Com a introduo do Construtivismo de Emlia Ferrero no Brasil, a partir
da dcada de 1980, muitas experincias escolares foram desenvolvidas em alunos
com defcincia mental e surdos, regra geral os que mais demonstravam difcul-
dades em ler e escrever corretamente a lngua portuguesa. Estudos realizados
com defcientes mentais por Ferreira (1992), Moussatch (1997), Mantoan (1988;
2003), entre outros, foram largamente divulgados nos anos 1980 e 1990, assim
como estudos com surdos foram realizados por Couto (1985), Fernandes (1990),
entre outros, e deram um grande impulso na produo de conhecimentos, assim
como foram responsveis pelo rompimento de barreiras tericas importantes para
a aprendizagem destes e sobre estes sujeitos.
At a promulgao da Lei 9.394/96, mesmo tendo a Constituio Brasileira
(1988) estabelecido que o atendimento educacional especializado aos portadores
de defcincia deveria ser preferencialmente na rede regular de ensino, ou seja, a
escola deve ser o ambiente em que esses alunos devem ser escolarizados, isso no
estava assegurado, pois as instituies especializadas no tinham uma organiza-
o que se assemelhasse estrutura organizacional das escolas regulares.
Somente aps a promulgao da Lei 9.394/96 que instituies como a
Apae se preocuparam em transformar seus regulamentos e prticas institucionais,
a fm de se adequarem nova legislao. A Federao Nacional das Apaes criou
o projeto Apae Educadora
1
, que tem como proposta a sistematizao de aes pe-
daggicas e estratgicas que possibilitem o desenvolvimento integral e facilitem a
incluso gradativa, contnua e planejada de alunos com necessidades educacionais
especiais, priorizando, assim, um processo escolar que se inicia no perodo da
Educao Infantil, que estimula o desenvolvimento humano desde os primeiros
meses de vida.
O que se pode concluir desse aspecto que a nova Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educao Nacional trouxe a ns, educadores, a evidncia da fragilidade
de nossa formao, pois temos tido algumas difculdades em aceitar, por dife-
rentes motivos, a matrcula e a permanncia desses alunos em nossas escolas
comuns, pblicas ou particulares.
Por fm, o terceiro item o que abre o conceito de Educao Especial, afr-
mando ser esse tipo de educao uma modalidade de educao escolar. Com essa
afrmao, confrma-se que lugar de aprender na escola. Esse lugar privilegiado
da sociedade que conta com profssionais formados para ensinar, que tem e trans-
mite cultura, que ocupa lugar central nas sociedades modernas.
A escola tem se mostrado uma instituio social mpar no projeto de moder-
nidade. Embora no sendo nica, ela tem ocupado posio central na sociedade,
assumindo uma centralidade que a tem levado no ao exerccio de funes subor-
dinadas em relao a outras instituies, mas ao exerccio de manter relaes de
reciprocidade com as outras instituies sociais, participando da formao dos
novos valores da sociedade. A partir de uma cultura que muito prpria de cada
unidade escolar, a escola tem sido responsvel por contribuir para a criao de
outro tipo de homem. Um homem novo para uma sociedade moderna. Uma socie-
1
Caso voc tenha possi-
bilidade, acesse o site
<www.apaemc.org.br/ape-
duc.htm>.
10
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
dade em que a passagem pela escola torna-se uma das marcas de todo e qualquer
indivduo, acabando por tornar-se parte constituinte de sua identidade.
Educao Especial como modalidade de educao escolar signifca um tipo
de educao que se d na escola. Pode parecer banal falar isso, mas preciso re-
lembrar que antes da Lei 9.394/96 no existia esse tipo de atendimento.
Educao Especial, como modalidade de educao escolar, considerada
como um conjunto de recursos educacionais e de estratgias de apoio que estejam
disposio de todos os alunos, oferecendo diferentes alternativas de atendimen-
to (BRASIL/SEESP/MEC, 1996). Esse conjunto pode facilitar no s aos alunos
identifcados com necessidades educacionais especiais, mas a todos os alunos que
se sentirem favorecidos por currculos, mtodos, recursos educativos e organi-
zaes especfcas para atender s suas necessidades (LDB 9.394/96, art. 59, I),
assim como mtodos, tcnicas e recursos desenvolvidos com a fnalidade de favo-
recer o acesso ao conhecimento.
A Educao Especial como modalidade de educao escolar perpassa
transversalmente todos os nveis de ensino, desde a Educao Infantil ao Ensino
Superior (BRASIL/SEESP/MEC, 1996). Isso signifca que tanto os alunos da
Educao Infantil como os alunos universitrios tm direito ao que assegura a
legislao atual. Por exemplo, se uma criana da Educao Infantil tem direito
aos currculos adaptados a fm de que ela acesse as aprendizagens ao nvel de seu
desenvolvimento, alunos universitrios com difculdades na escrita, com histrico
de dislexia ou com paralisia cerebral, passam a ter direito ao uso de computador
pessoal para fns de trabalho e avaliao escolar, sem o qual no conseguiro su-
perar as barreiras da lngua escrita na academia.
Se por um lado essa possibilidade pode soar estranha, pois os outros alunos
no teriam essa possibilidade, permitir o uso de computadores pessoais do tipo
laptop seria a forma de garantir a integrao escolar e social do aluno com ne-
cessidades educacionais especiais no meio universitrio, certamente, prejudicado
pela defasagem incomum identifcada.
Um trabalho de incluso levado s ltimas consequncias no deixaria
apenas os alunos com necessidades educacionais especiais fazerem uso de seus
computadores pessoais, mas possibilitaria que todos os alunos tivessem a mesma
oportunidade, favorecendo a igualdade de direitos. Com certeza, esse seria um
ensino voltado para o sucesso, para a construo da cidadania e muito menos vol-
tado para a competio que tanto marca a sociedade da excluso.
A Educao Inclusiva caracteriza-se como uma poltica de justia social
que alcana alunos com necessidades educacionais especiais, tomando-se aqui
o conceito mais amplo, que o da Declarao de Salamanca (BRASIL, 1994a,
p. 17-18):
O princpio fundamental dessa Linha de Ao de que as escolas devem acolher todas as
crianas, independentemente de suas condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais,
lingusticas ou outras. Devem acolher crianas com defcincia e crianas bem dotadas
2
,
crianas que vivem nas ruas e que trabalham, crianas de populaes distantes ou nma-
des, crianas de minorias lingusticas, tnicas ou culturais e crianas de outros grupos ou
zonas desfavorecidas ou marginalizados.
2
Observa-se que o texto
original, em espanhol,
emprega a expresso sobre-
dotados, que quer dizer su-
perdotados.
11
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
No conjunto das aes desenvolvidas e que tm como consequncia a Edu-
cao Inclusiva, pode-se constatar dois movimentos nascidos historicamente de
maneiras distintas. A Educao Inclusiva, que vem sendo divulgada por meio da
Educao Especial, teve sua origem nos Estados Unidos, quando da Lei Pblica
94.142, de 1975, resultado dos movimentos sociais de pais de alunos com def-
cincia que reivindicavam acesso de seus flhos com necessidades educacionais
especiais s escolas de qualidade (STAINBACK; STAINBACK, 1999).
Enquanto esse movimento crescia na Amrica do Norte, ao mesmo tempo
o movimento que reconhecia a diversidade e o multiculturalismo como essncias
humanas comeou a tomar forma e ganhar fora na Europa em decorrncia das
mudanas geopolticas ocorridas nos ltimos 40 anos do sculo XX. Uma das
consequncias desse ltimo movimento foi, em 1990, o Congresso de Educao
para Todos, em Jontiem, na Tailndia, que tinha como propsito a erradicao
do analfabetismo e a universalizao do ensino fundamental tornarem-se objeti-
vos e compromissos ofciais do poder pblico, perante a comunidade internacio-
nal (BRASIL, 2000, p. 2). Nascia um movimento de incluso mundial.
Desse compromisso, foi natural que profssionais se mobilizassem a fm de
promover o objetivo da educao para todos, examinando as mudanas fundamen-
tais de poltica necessrias para desenvolver a abordagem da Educao Inclusiva,
nomeadamente, capacitando as escolas para atender todas as crianas, sobretudo
as que tm necessidades educativas especiais (BRASIL, 1994a, p. 5).
Ento, contando com a presena de 92 representantes governamentais e 25 de
organizaes internacionais, realizou-se em 1994, na cidade de Barcelona, Espanha,
a Conferncia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade.
Suas concluses foram registradas na Declarao de Salamanca e Enquadramento da
Ao, na rea das necessidades educativas especiais que defniram novas concepes de
necessidades educacionais especiais, e as diretrizes para a ao a nvel nacional: poltica
e organizao, fatores escolares, recrutamento e treino do pessoal docente, servios ex-
ternos de apoio, reas prioritrias, perspectivas comunitrias, recursos necessrios, e as
diretrizes de ao a nvel regional e internacional (BRASIL, 1994a, p. 15).
No Brasil, existem muitas controvrsias quanto lgica de implantao da
Educao Inclusiva nas escolas de ensino pblico e particular. Uma diversidade
social contraditria que tem evidenciado desinformao, preconceitos e a pro-
duo de novos tipos de excluso. Na verdade, o que a nova legislao brasileira
prope uma educao especial com nfase na incluso, dando margem para
que os sujeitos com necessidades educacionais especiais possam escolher entre
serem encaminhados escola regular ou s instituies especializadas, agora com
a oferta de escolarizao, conforme suas necessidades e desejo.
A Educao Inclusiva uma prtica inovadora que est enfatizando a qua-
lidade de ensino para todos os alunos, exigindo que a escola se modernize e que
os professores aperfeioem suas prticas pedaggicas. um novo paradigma que
desafa o cotidiano escolar brasileiro. So barreiras a serem superadas por todos:
profssionais da educao, comunidade, pais e alunos. E ns ainda precisamos
aprender mais sobre a diversidade humana, a fm de compreender os modos dife-
renciados de cada ser humano ser, sentir, agir e pensar.
12
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
1. Existe em sua cidade a discusso sobre a incluso, no ensino regular, de crianas portadoras de
necessidades especiais de aprendizagem? Comente com seus colegas e depois registre as con-
cluses.
2. Anote os questionamentos que esta aula lhe trouxe e converse com seus colegas sobre eles.
13
A Educao Especial e a Educao Inclusiva no cenrio
brasileiro: contextualizao do problema
14
A formao de professores
e a Educao Inclusiva
A
s sociedades modernas delegaram escola as importantes tarefas de transmitir cultura, produ-
zir conhecimento e formar valores morais e ticos, no incio, consideradas tarefas da famlia,
agora passando a ser compartilhada. Durante muito tempo, a escola foi lugar de formao
das elites sociais. Com a democratizao da educao e aumento do acesso das classes populares
escolarizao, a escola mostrou no conseguir cumprir sua misso e grandes massas de alunos com
histrico de fracasso escolar so produzidas ano a ano.
Ao mesmo tempo, grandes mudanas geopolticas ocorreram pelo mundo e, cada vez mais,
passou-se a exigir da escola funes que ela no estava preparada para exercer, j que a formao
dos profssionais que nela trabalham tem-se caracterizado como histrica e regulada por legislao
a servio de polticas nem sempre inteiramente nacionais e voltadas para as reais necessidades da
Nao. Dessa forma, parecem fcar mais claros alguns aspectos da formao de professores, como o
aligeiramento das formaes que no qualifcam e, ao mesmo tempo, rapidamente desqualifcam o
profssional para a sua funo.
No diferente o que ocorre com a formao de professores em Educao Especial. Durante
dcadas, a formao de professores para a Educao Especial foi feita separadamente da formao
geral de professores. O grande exemplo disso foram os cursos adicionais ao antigo Curso Normal, que
formaram Especialistas em Educao Especial ao nvel do Ensino Mdio. Alguns cursos Normais e
de graduao em Psicologia e de Pedagogia tiveram a disciplina Psicologia dos Excepcionais como
optativa, o que mostra que nem todos os alunos cursaram essas disciplinas por opo. Mesmo para
os futuros professores, essas disciplinas mostraram-se insufcientes para a formao necessria ou
pretendida como ideal, dada a amplitude do ementrio.
A Psicologia dos Excepcionais, rea de conhecimento oriunda da Psicologia, tinha como emen-
trio a explicitao dos perfs mdico-psicolgicos dos excepcionais, as metodologias didticas, as
tcnicas e recursos pedaggicos entendidos como essenciais para a aprendizagem daqueles alunos de
perfs diferenciados e diversifcados.
Era propsito dessas disciplinas mostrar que o aluno com defcincia mental possua caracters-
ticas cognitivas e socioafetivas bastante diferenciadas das caractersticas do aluno com superdotao
que, por sua vez, se diferenciava dos alunos surdos, cegos, paralisados, multidefcientes, com trans-
tornos neurolgicos, psicolgicos e/ou psiquitricos. Para cada tipo de aluno havia propostas peda-
ggicas especfcas, de acordo com suas caractersticas. Por exemplo, entendia-se que a defcincia
mental deveria ser trabalhada com modelos pedaggicos diversos, baseados no condicionamento
operante ou em anlise de tarefas e, regra geral, esses alunos no conseguiam uma terminalidade es-
colar. Enquanto isso, pensava-se que os alunos superdotados deveriam ser trabalhados com modelos
voltados para a criatividade, a pesquisa e a produo de ideias, podendo terminar os seus cursos em
menor tempo de escolarizao.
A escolarizao baseava-se no modelo clnico. Tinha como premissa bsica o diagnstico e,
sem ele, entendia-se no poder fazer muito enquanto no se conhecesse o aluno. O planejamento pe-
daggico, baseado em viso tecnicista, tinha que estar baseado no conhecimento prvio do alunado e
tinha que estar pautado no domnio de tcnicas pedaggicas de mudana de comportamento.
A formao de professores e a Educao Inclusiva
O tempo mostrou que, mesmo quando o professor tinha conhecimento do
diagnstico, muitas vezes no obtinha sucesso em relao ao avano escolar dos
alunos porque sua prtica era regulada por concepes de desenvolvimento hu-
mano, voltadas para a prontido e a recompensa. Se o aluno no estava pronto, o
professor no poderia avanar com os contedos. Ele tinha que esperar o aluno
estar preparado para realizar as aprendizagens prprias sua etapa do desenvol-
vimento. Mas se este fosse superdotado, o professor tinha um grande problema
em sala de aula, pois como avanar os contedos se havia alunos com atraso no
desenvolvimento escolar?
Nesse momento histrico, era inimaginvel que esses alunos pudessem com-
partilhar os mesmos espaos pedaggicos. Os conhecimentos no se interligavam.
O conhecimento era uma aquisio individual e cada um tinha que dar conta dele
em nvel de excelncia. Como nem todos os alunos se enquadravam no perfl de-
fnido da turma, a sada foi a criao das primeiras classes especiais para alunos
que no aprendiam e as salas de recursos para os que aprendiam mais rpido. Ao
mesmo tempo, na sala de aula comum, os alunos que se destacavam por avanar
no ritmo de desenvolvimento escolar nas chamadas turmas normais tinham que
se conformar e se enquadrar massifcao e ao empobrecimento radical do en-
sino (DELOU, 2001).
Essa situao mostra condies fragmentadas de trabalho escolar, envolven-
do tipos diferenciados de alunos e espaos pedaggicos no mbito escolar. Uma
fragmentao que fora constatada tanto nas prticas pedaggicas do cotidiano
escolar como na formao de professores, tornando-se visvel no s no aspecto
de se fazer por fora do curso regular e obrigatrio a todos os futuros professores,
como por tratar o alunado excepcional por excluso. Embora desde a Lei 4.024
os tipos de alunos excepcionais j tivessem sido anotados, os tipos de alunos
estudados dependiam da formao ou da preferncia dos professores por uma
determinada rea.
O que se pretende dizer que era comum que os futuros professores estu-
dassem em Psicologia dos Excepcionais apenas os contedos relacionados def-
cincia mental, e no sobre todos os grupos que constituam o alunado em foco: os
defcientes, os superdotados e os alunos com problemas de conduta.
At a dcada de 1970, o pouco que fora feito estava sob a gide da flan-
tropia e dependia da boa vontade das instituies escolares. Os alunos cegos e os
surdos estudavam em escolas especializadas como o Instituto Benjamim Constant
e o Instituto Nacional de Educao de Surdos, ambos situados na cidade do Rio de
Janeiro, o que favorecia o recebimento de alunos oriundos de vrios estados bra-
sileiros na modalidade de ensino residencial. Os defcientes mentais, regra geral,
estavam em instituies como as Apaes e as Pestallozzis. Os defcientes fsicos
tambm estavam em instituies especializadas, mas, aos poucos, foram sendo re-
cebidos nas escolas por no apresentarem dfcit cognitivo. Os alunos com graves
problemas emocionais difcilmente chegavam s escolas e os alunos com proble-
mas menos graves poderiam, at, ser considerados como portadores de problemas
de conduta. Os superdotados, regra geral, no eram identifcados por diagnstico,
mas, equivocadamente, por representaes carregadas de mitos, o que acabava
por difcultar o seu atendimento. Na maioria dos casos, estavam matriculados nas
16
A formao de professores e a Educao Inclusiva
escolas regulares, nas quais pensava-se que j tinham nascido privilegiados e
no precisavam muito mais do que as prticas escolares oferecidas a todos, j que
os que tinham problemas de aprendizagem preocupavam muito mais aos profes-
sores, embora no conseguissem ajud-los efetivamente.
Quem se interessava pelos alunos excepcionais? Professores que tivessem
alguma experincia direta com eles e que conhecessem bem de perto as difculda-
des encontradas para escolariz-los ou, ento, professores idealistas. Certamente
era um grupo minoritrio de professores, mas que foi responsvel por construir
uma histria de mudanas no pas.
Alguns professores se interessaram por estudar, se especializando e partin-
do para a realizao de mestrados e doutorados fora do Brasil, porque esses ainda
no existiam por aqui. Foram professores que participaram do convnio MEC/
Usaid, assinado em 1966, entre o Brasil e os Estados Unidos. Segundo Romanelli
(1983), a educao era vista como fator estratgico de poltica desenvolvimentis-
ta e instrumento de conteno de confitos sociais para eliminar os obstculos
que impediam o crescimento econmico. Dessa forma, os convnios assinados
referiam-se formao de recursos voltados para o capitalismo dependente e
implantao de nova estrutura acadmica e de organizao administrativa, visan-
do a uma maior efcincia e produtividade das instituies de ensino superior.
Na rea da educao dos excepcionais, que passou a ser denominada de
Educao Especial quando da criao do Centro Nacional de Educao Especial
(Cenesp), do Ministrio da Educao (MEC), em 1974, alm de vrios professores
terem realizado seus cursos de ps-graduao nos Estados Unidos, pelo convnio
mencionado, tambm foram trazidos vrios especialistas americanos ao Brasil, a
fm de divulgar suas flosofas, prticas pedaggicas, o que em suma representava
um modelo econmico de dependncia internacional no mbito da Educao Es-
pecial, apesar da aparente cooperao internacional.
Mas os especialistas brasileiros sempre estiveram em lugar privilegiado.
Foram infuenciados tanto pelo conhecimento produzido nos Estados Unidos
como pelo conhecimento produzido na Europa, por nossa prpria histria de co-
lonizao. A participao dos especialistas brasileiros nos eventos internacionais,
onde eram divulgadas as prticas desenvolvidas e os avanos sociais conquistados
em pases como a Inglaterra, Noruega, Itlia, entre outros, fez-nos desenvolver
uma Poltica Nacional de Educao Especial, na dcada de 1971, ancorada na le-
gislao ps-64, a Lei 5.692/71, de modo a nos colocar par e par com os avanos
internacionais em relao aos princpios norteadores da Educao Especial.
Durante a dcada de 1970, foi criado o curso de mestrado em Educao
Especial na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela nova lei foram cria-
das a habilitao em Educao Especial nos cursos de Pedagogia e a licenciatura
em Educao Especial. Cada especialista se concentra em uma rea apenas, pois
cada curso se dedica a aprofundar os conhecimentos acerca de um tipo de aluno
da Educao Especial.
Todavia, a globalizao trouxe novas confguraes s prticas de formao
profssional. A insero das tecnologias da informao no campo educacional, as
polticas educacionais pautadas em competncias e habilidades, a implementao
17
A formao de professores e a Educao Inclusiva
legislativa das polticas pedaggicas inclusivas acabaram por criar uma demanda
social para a qual a escola ainda no se encontrava preparada e uma nova concepo
acerca dos alunos, hoje, denominados com necessidades educacionais especiais. As
escolas tambm no tinham condies fsicas de acesso para alunos sem autono-
mia, assim como no tinham condies materiais para realizar a incluso digital e a
incluso escolar para todos os alunos. Nem os professores tinham formao pedag-
gica para escolarizarem alunos com tamanha diversidade biopsicossociocultural.
Se entendermos que os alunos com necessidades educacionais especiais no
eram mais apenas os alunos com defcincia, com distrbios de conduta e super-
dotados, mas, tambm, os alunos com problemas graves de aprendizagem, os ne-
gros, os excludos sociais, as minorias tnicas, compreenderemos as difculdades
que as escolas vm encontrando para cumprir a legislao.
No tendo familiaridade com esse alunado, a primeira interpretao foi de
que tinham que ser matriculados de qualquer jeito nas escolas e entregues aos pro-
fessores, que deveriam ser capazes de escolariz-los, pois, afnal, eram profssio-
nais da Educao. Ainda com a mentalidade de que qualquer professor consegue
educar qualquer aluno, pois todos os alunos so humanos e no se diferenciam,
imaginou-se que os professores seriam capazes de escolarizar alunos com perfs
bastante diferenciados. Chegou-se a ter conhecimentos de professores que tinham
em turmas de 48 alunos, um aluno com defcincia mental, um aluno surdo, um
aluno cego, um aluno autista e um aluno com defcincia fsica.
A realidade que cada um desses alunos exige do professor prticas peda-
ggicas e tempos de relao interpessoal diferenciados, j que cada um deles tem
uma demanda particular em termos de metodologia de ensino e de aprendizagem
que exige do professor uma ateno especial. Ento, no causa estranhamento
a reao de alguns professores em relao incluso destes alunos nas escolas
regulares.
Se compararmos a situao dos pais de crianas com necessidades educa-
cionais especiais com a situao dos professores, talvez entendamos a complexa
situao em que vivem as escolas, hoje. Segundo Sommers, os pais passam pelos
sentimentos de luto, negao, busca de ajuda, superproteo e aceitao, e nem
todos conseguem vivenciar todos estes sentimentos. Existem pais que saem de
casa porque consideram que as mes que foram responsveis pela gerao de
uma criana com m-formao congnita.
Quando um professor sem formao especial para lidar com alunos com
necessidades educacionais especiais recebe um aluno em sua sala de aula nessas
condies, regra geral, o recebe sob presso social e sofre com seus sentimentos
de impotncia e desamparo, que, em ltima anlise, retratam o luto de Sommers,
pois o professor no pode dizer que no atender aquele aluno.
Hoje, a escola no pode deixar de matricular o aluno com necessidades edu-
cacionais especiais, sob acusao de prtica de preconceito. Nem todas as leis
tm sido cumpridas na sociedade brasileira, mas as contra o preconceito tm sido
implacveis. E o professor com medo, no tendo ou no sabendo a quem recor-
rer, chega a pedir demisso da escola. Nesses casos, o professor tem que exigir
18
A formao de professores e a Educao Inclusiva
o servio de apoio especializado garantido na LDB e na Resoluo do Conselho
Nacional de Educao (LDB 9.394/96, art. 58 1.; Resoluo CNE/CEB 2/2001,
Pargrafo nico do art. 1., art. 8. , IV, V e art. 13).
Se, com a nova legislao, o professor passa a ter novas obrigaes profs-
sionais, os governos tambm tm suas responsabilidades que no podem ser ne-
gligenciadas. preciso sempre lembr-las e cobr-las. Mas, talvez, uma das prin-
cipais obrigaes dos governos federal, estadual e municipal a capacitao de
professores para o trabalho educacional com alunos com necessidades educacio-
nais especiais. Essa capacitao est prevista no artigo 59 da LDB, com base nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Docentes da Educao In-
fantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em nvel mdio, na modalidade
Normal, e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Professores
da Educao Bsica, em nvel superior, curso de licenciatura de graduao plena
(Resoluo CNE/CEB 2/2001, art. 18). Nesse artigo foram estabelecidos dois tipos
de professores para atuarem com alunos que apresentam necessidades educacio-
nais especiais, em Educao Especial, na Educao Bsica:
1. Professores capacitados so os que atuam em classe comum e comprovam sua for-
mao em nvel mdio ou superior, pela incluso de contedos sobre Educao Especial
adequadas ao desenvolvimento de competncias e valores para:
I- perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educao inclusiva;
II- fexibilizar a ao pedaggica nas diferentes reas de conhecimento de modo adequado
s necessidades especiais de aprendizagem;
III- avaliar continuamente a efccia do processo educativo para o atendimento de neces-
sidades educacionais especiais;
IV- atuar em equipe, inclusive com professores especializados em Educao Especial.
2. Professores especializados em Educao Especial so os que desenvolveram compe-
tncias para identifcar as necessidades educacionais especiais para defnir, implementar,
liderar e apoiar a implementao de estratgias de fexibilizao, adaptao curricular,
procedimentos didticos pedaggicos e prticas alternativas, adequados ao atendimento
das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas
prticas que so necessrias para promover a incluso dos alunos com necessidades edu-
cacionais especiais.
3. Os professores especializados em Educao Especial devero comprovar:
I- formao em cursos de licenciatura em Educao Especial ou em uma de suas reas,
preferencialmente de modo concomitante e associado licenciatura para Educao Infan-
til ou para os anos iniciais do Ensino Fundamental;
II- complementao de estudos ou ps-graduao em reas especfcas da Educao Es-
pecial, posterior licenciatura nas diferentes reas de conhecimento, para atuao nos
anos fnais do Ensino Fundamental e no Ensino Mdio.
4. Cabe Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios oferecerem oportuni-
dades de formao continuada para os professores que j esto no exerccio do magistrio,
inclusive em nvel de especializao. (Resoluo CNE/CEB 2/2001, Art. 18, 1., 2, 3.
e 4.)
Como se v, essa no uma obrigao apenas dos professores, em particu-
lar. Quem fez a reforma educacional foi o Governo Federal. Somos uma Repblica
Federativa; portanto, as responsabilidades so compartilhadas. Ento, cabe aos
sistemas de ensino correspondentes responderem pela capacitao dos professores
19
A formao de professores e a Educao Inclusiva
que esto em sala de aula antes de lhes enviar alunos com necessidades educacio-
nais especiais.
A histria desses alunos de excluso e preconceito. No podemos com-
pactuar com a reproduo desses modelos sociais dentro das escolas. A escola
espao de educao, de formao de valores, de carter, de cidados. A formao
de uma sociedade democrtica e justa depende de ns.
Solidarizarmo-nos com os professores que se sentem oprimidos com as mu-
danas sociais em processo no basta. preciso mais, e o mais que falta tarefa
que depende do empenho das instncias responsveis pela formao de professo-
res. Professores que sero capazes no s de educar crianas com necessidades
educacionais especiais como de formar novos professores com essa capacidade e
com o desejo de se especializar nessa rea.
Enfm, fnalizando essas refexes sobre a formao de professores, conclui-
-se que vivemos um momento histrico, resultado da relao entre nosso ideal
profssional e o desejo de acertar, constrangidos por uma legislao que impe
uma mudana de hbitos e valores sem um preparo real, prvio, da comunidade
docente, para essa mudana.
Se a resposta social tem sido a resistncia, entender essa resposta funda-
mental para que no se reproduza o histrico de excluso. Se os professores resis-
tem s ordens subordinantes, s relaes de autoridade, de poder e de dominao,
entender essa resposta entender a violncia simblica que est sendo pratica-
da com os professores, e violncia simblica, na perspectiva de Pierre Bourdieu
(apud GUTIERREZ, 2000), signifca
[...] a imposio de uma maneira de ver as coisas como convm aos dominantes, que a ma-
neira de ver as coisas dos que obtm benefcios com a situao e que se impem como uma
espcie de cumplicidade do dominado, no no sentido de cmplice racional ou explcito,
mas cumplicidade corprea, fundada no desconhecimento dos mecanismos que a sustentam.
Entender essa contradio no signifca negar os direitos que as pessoas
com necessidades educacionais especiais adquiriram na Constituio de 1988 e
que so legtimos. Mas declarar que, como seres humanos, os professores pre-
cisam de tempo para conhecer e entender a situao singular em que vivem as
pessoas com necessidades educacionais especiais, para tirar maior proveito de sua
nova qualifcao.
Uma qualifcao generalista, como se deseja para os professores da Educao
Bsica, mas especializada como se revela necessria para lidar com a singularidade
humana. Generalista para cumprir o princpio da incluso ou especialista, que acaba
por estimular a prtica de excluso. Generalista, considerando de forma superfcial
o todo, ou especialista, aprofundando o conhecimento e tomando a parte pelo todo.
Enfm, uma formao que parece inevitvel, mas que a sociedade ainda retarda.
20
A formao de professores e a Educao Inclusiva
1. Comente com seus colegas sua experincia com alunos portadores de necessidades educacio-
nais especiais. Troquem informaes. Elas sero teis para o seu trabalho. Registre o que achar
interessante.
2. A aula de hoje apresentou alguns suportes que podero ser utilizados por voc em caso de ne-
cessidade. Voc os conhecia? Converse com seus colegas a respeito dessas possibilidades.
21
A formao de professores e a Educao Inclusiva
3. Levante os questionamentos que esta aula lhe trouxe e discuta-os com seus colegas.
22
Incluso escolar:
dissonncias entre teoria e prtica
A
relevncia do tema incluso escolar no se limita apenas populao dos portadores de neces-
sidades educacionais especiais. A incluso educacional no somente um fator que envolve
essas pessoas, mas, tambm, as famlias, os professores e a comunidade, na medida em que
visa construir uma sociedade mais justa e consequentemente mais humana.
A convivncia com a comunidade como um todo visa ampliar as oportunidades de trocas so-
ciais, permitindo uma viso bem mais ntida do mundo. Quanto mais cedo for dada a oportunidade
de familiaridade com grupos diferentes, melhores e mais rpidos se faro os processos de integrao.
Dessa maneira, o sentimento de mtua ajuda far-se- quase que naturalmente e num tempo surpreen-
dentemente mais rpido, fazendo do ambiente escolar o principal veculo para o surgimento do ver-
dadeiro esprito de solidariedade, da socializao e dos alicerces dos princpios de cidadania. Como
todo ser humano, a possibilidade de acesso ao conhecimento da cultura universal contribuir para que
suas habilidades e aptides sejam desenvolvidas.
O princpio da incluso um processo educacional que busca atender a criana portadora de
defcincia na escola ou na classe de ensino regular. Para que isso acontea, fundamental o suporte
dos servios da rea de Educao Especial por meio de seus profssionais. A incluso um processo
inacabado que ainda precisa ser frequentemente revisado.
Na certeza de que a pesquisa emprica de cunho qualitativo um instrumento valioso para essa
reviso, resolvemos analisar algumas falas de professores; os mesmos expem opinies sobre esse
modelo que nos direciona a uma educao que deve ou deveria valorizar a diversidade das mani-
festaes humanas.
A importncia da incluso
educacional e seu modelo de atendimento
Entre os diversos motivos relevantes da incluso educacional da pessoa portadora de defcin-
cia, destacam-se os princpios de justia e igualdade, pois todos tm direito oportunidade de acesso
educao, nas mesmas condies. A observncia desse preceito proporcionar, aos defcientes fsi-
cos, uma participao social integrada aos demais membros de sua comunidade.
A Educao Inclusiva tem sua histria infuenciada por dois marcos importantes. O primeiro
se deu em maro de 1990, quando foi realizada em Jomtien, na Tailndia, a Conferncia Mundial
de Educao para Todos, com a proposta da Cepal/Unesco: educao e conhecimento, em que o
objetivo foi examinar o encaminhamento e enfrentamento da excluso escolar. O segundo, como j
se viu, se deu no ano de 1994, na ocasio em que se realizou uma conferncia na Espanha, em Sala-
manca, na qual foi elaborada a Declarao de Salamanca, sobre as necessidades educativas especiais:
acesso e qualidade. Tal documento enfatiza, entre outras questes, o desenvolvimento de uma orien-
tao escolar inclusiva.
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
Alm de contribuir para a socializao de alunos portadores de necessida-
des educacionais especiais, a Educao Inclusiva favorece um melhor desenvol-
vimento fsico e psquico dos mesmos, benefciando tambm os demais alunos
que aprendem a adquirir atitudes de respeito e compreenso pelas diferenas;
todos os alunos saem ganhando ao receberem uma metodologia de ensino indi-
vidualizada e disporem de maiores recursos. Na Educao Inclusiva sero tam-
bm obedecidos os princpios de igualdade de viver socialmente com direitos,
privilgios e deveres iguais; participao ativa na interao social e observncia
a direitos e deveres institudos pela sociedade. exigida uma maior competncia
profssional, projetos educacionais bem elaborados, currculos adaptados s ne-
cessidades dos alunos, surgindo, consequentemente, uma gama maior de possibi-
lidades de recursos educacionais.
Esse novo paradigma educacional procura fazer com que todos os alunos
portadores de defcincia, independentemente do comprometimento, tenham
acesso educao de qualidade, prioritariamente, na rede regular de ensino, pro-
curando a melhor forma de desenvolver suas capacidades.
Norteiam a Educao Inclusiva os seguintes objetivos:
atender portadores de defcincia em escolas prximas de suas residncias;
ampliar o acesso desses alunos nas classes comuns;
fornecer capacitao aos professores propiciando um atendimento de
qualidade;
favorecer uma aprendizagem na qual as crianas possam adquirir conhe-
cimentos juntas, porm, tendo objetivos e processos diferentes;
desenvolver no professor a capacidade de usar formas criativas com alunos
portadores de defcincias, a fm de que a aprendizagem se concretize.
O modelo da incluso procura romper com crenas cristalizadas pelo para-
digma que o antecedeu: o da integrao, que era baseado em um modelo mdico,
onde a defcincia deveria ser superada para que o aluno chegasse o mais perto
possvel do parmetro normal, vendo os distrbios e as difculdades como dis-
funes, anomalias e patologias. Esse tipo de viso tinha preceitos que, durante
muito tempo, segregaram as diferenas, norteando-se pelo princpio da normali-
zao, que privilegiava aqueles alunos que estivessem preparados para se inserir
no ensino regular, ou seja, a tese defendida era a de que quanto mais prximo da
normalidade, mais apto o aluno est para frequentar o ensino regular.
Portanto, a incluso busca derrubar esse tipo de viso, defendendo a ideia
de que o ensino se constri na pluralidade e na certeza de que os alunos no so,
em qualquer circunstncia, capazes de construrem sozinhos seu conhecimento
de mundo. O processo de aprendizagem se funde na interao, a partir da qual
desenvolve uma forma humana e signifcativa de perceber o meio.
Contudo, por meio de pesquisa realizada em escolas que receberam alunos
com paralisia cerebral, constata-se que apesar do processo de incluso se encon-
trar presente na escola, ainda existem profssionais que no acreditam nesse pro-
cesso, por motivos diferentes, preferindo, muitas vezes, no se comprometer com
24
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
o trabalho de incluso, at porque acreditam que o atendimento, em separado, o
melhor caminho, mantendo-se a viso de ensino segregado.
Realidade da incluso
Apesar de garantida na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional,
em 1996, a flosofa da incluso no se consolidou na forma desejada. preciso,
antes de qualquer ponto, que os professores se adaptem a esse novo processo,
entendendo que h necessidade de um novo olhar para os portadores de neces-
sidades educacionais especiais. importante que sejam revistos os conceitos e
preconceitos existentes, para que seja possvel a elaborao de um trabalho edu-
cativo de qualidade.
Com essa perspectiva, fomos ouvir os profssionais de trs escolas muni-
cipais do Rio de Janeiro, localizadas num bairro da zona norte da cidade, que
receberam alunos com paralisia cerebral.
Professores acham que no
h problemas na incluso
Para muitos professores, a incluso vista como uma prtica positiva,
tanto para o aluno portador de paralisia cerebral quanto para os outros alunos.
Esses professores nos relataram que no existe nenhuma interferncia negativa
desse aluno no desenrolar de suas aulas. Logo abaixo, destacam-se duas falas,
cada uma de um professor diferente, que se referem solidariedade e aceitao
da turma com esse aluno.
No, no acho que interfra no, porque os alunos, eles so muito solidrios
com este tipo de aluno. Os colegas mesmos procuram ajudar muito. No interfere
no, de maneira nenhuma.
No interfere em nada, nada. Pelo contrrio, ele faz parte da turma. Eles
so extremamente bem aceitos e a turma brinca muito com eles e eles respondem,
interagem numa boa.
A solidariedade e a aceitao so valores importantes na relao humana.
importante que a escola incentive esse sentimento solidrio, pois, dessa forma,
estar contribuindo para uma sociedade melhor, com igualdade e justia para to-
dos. A presena do aluno portador de paralisia cerebral favorece a oportunidade
de gerar, em sala de aula, esse tipo de postura diante da vida.
No entanto, ainda h muitos professores que dizem existir problemas na
incluso desses alunos, enfatizando-se dois tipos de problemas: os estruturais
e os causados pelas peculiaridades dos alunos. Verifcamos, tambm, que to-
dos os entrevistados nunca haviam trabalhado nenhum tema referente a pessoas
portadoras de defcincia em sala de aula, evidenciando-se, com isso, a falta de
naturalidade para tratar da questo. Esse um fato que deve nos preocupar, na
25
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
medida em que causa prejuzo no s incluso, mas no que no falado e fca
no domnio do juzo consensual.
A grande questo que a anlise do material coletado nos trouxe, diz respeito
falta de entendimento do processo de incluso e do desconhecimento de prticas
que atendam a esse novo paradigma educacional.
Problemas estruturais
A impresso que nos foi dada diante das falas relativas aos problemas estrutu-
rais que as mesmas tm sido incorporadas mais como justifcativa para o no fazer
e no se empenhar na busca da excelncia do processo de incluso escolar desses
alunos, do que propriamente ser um problema a ser resolvido. Uma das falas aponta
a durao do tempo de aula como curta para dar um bom atendimento a esses alu-
nos: Sinceramente no, porque a gente no tem tempo, 40 minutos na sala, mal d
para voc dar aula, quanto mais para ter esse atendimento individualizado.
verdade que 40 minutos de aula tempo insufciente para se conhecer
uma turma, no entanto, ao receber um grupo de crianas, com o qual vai traba-
lhar, o professor necessita conhec-los. Uma outra questo quanto ao aproveita-
mento desse tempo, se h na classe uma criana que necessita de um prazo maior
para a execuo de sua tarefa, inegvel que o planejamento de seu trabalho ne-
cessita dar conta desse aluno, dentro do limite estabelecido como tempo de aula.
Entretanto, algumas simples adaptaes podem ser implementadas para agilizar
processos nos quais esses alunos teriam difculdades. O uso de papel carbono e
uma folha parte em um caderno de outro aluno, tirar fotocpia desse caderno, o
uso de gravador e a preparao pelo professor de textos explicativos so procedi-
mentos simples que podem facilitar a vida escolar desse educando, diminuindo a
preocupao do professor com as necessidades especiais dos alunos portadores de
paralisia cerebral durante as aulas. Isso ir minimizar o tempo gasto com cpias
ou anotaes realizadas tanto pelo aluno com difculdades motoras, quanto as
feitas pelo professor no intuito de auxiliar esse aluno.
O tamanho das turmas foi outro problema apontado pelos professores. Com as
turmas grandes como a gente tem, eu acho complicado sim, eu acho complicado.
Realmente, quando a turma numerosa, o trabalho docente fca comprome-
tido em qualquer situao regular e, mais ainda, com alunos includos. Mas esse
problema no afeta somente os alunos portadores de paralisia cerebral; ele afeta
todos aqueles que venham a possuir alguma difculdade que exija uma ateno
maior do professor. Por isso, reforamos o que j foi dito: a importncia funda-
mental de se conhecer o grupo com o qual se vai trabalhar!
O modelo da incluso convida os professores a terem um olhar para cada
aluno, para poderem conceder direitos iguais a todos, como nos lembra Stainback
e Stainback (1999, p. 29).
26
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
Se realmente desejamos uma sociedade justa e igualitria, em que todas as
pessoas tenham valor igual e direitos iguais, precisamos reavaliar a maneira como
operamos em nossas escolas, para proporcionar aos alunos com defcincias as opor-
tunidades e as habilidades para participar da nova sociedade que est surgindo.
O processo de mudanas operacionais nas escolas s ir ocorrer na medida em
que essas instituies reconheam sua responsabilidade com todos os alunos, evitan-
do haver preferncias ou discriminaes, dando ao professor melhores condies de
trabalho e uma remunerao que evite a necessidade de se trabalhar em mais de uma
escola. Alis, tivemos esse fato comentado por um dos professores entrevistados:
Eu tenho seis turmas nesta escola, no trabalho s aqui, mal tenho condio. Isso
muito bonito, mas se tivesse condio para trabalhar com um grupo de pessoas, a
com certeza quem me conhece saberia que eu ia buscar todos os recursos possveis e
imaginrios para ajudar.
Estamos solidrios com esse professor que nos aponta as condies inspi-
tas de seu dia a dia profssional. Porm, a busca de informao est relacionada
com o interesse; logo, a falta de tempo pode atrapalhar, mas no impeditiva para
se buscar conhecimentos, de vez que ser ele o alimentador de nossa prtica. O
professor precisa estar ligado a novas ideias, novas descobertas, novas situaes,
tanto internas quanto externas escola em que leciona. A falta de tempo no pode
ser uma justifcativa para uma inrcia intelectual, sustentada pela ideia de que se
ele tivesse condies seria diferente.
Problemas causados pelas
peculiaridades dos alunos
Algumas falas apresentadas sinalizam para a existncia de problemas rela-
cionados s peculiaridades desses alunos, principalmente no que diz respeito ao
desenvolvimento do trabalho programado. Vejamos:
Claro, interfere. Ele, praticamente, difculta a dinmica, ele cessa, a gente no pode aplicar
a dinmica, tem que fazer uma derivao. A gente tem que fazer uma improvisao. Mas
nunca boa essa improvisao, porque o prprio meio, os prprios alunos, que no so
portadores de defcincia, discriminam.
Interfere no momento em que voc tem que diminuir o nmero de trabalhos de grupo, por-
que quando voc est dando aula normal no quadro, giz, livros didticos, a acompanhante
consegue passar a aula para a aluna, mas quando o trabalho um trabalho de criao de
grupo, quer dizer no esta aluna que est criando nada. Ela simplesmente est sentada,
dentro de um grupo, mas no est tendo possibilidade de criar, porque se for criar quem
vai criar ser a acompanhante da aluna.
As falas apresentam conceitos preconceituosos que no justifcam a interfe-
rncia desses alunos na turma. Primeiramente, adequar uma dinmica turma
sempre necessrio, considerando-se a prpria composio do grupo de alunos, in-
dependentemente de se ter ou no alunos portadores de necessidades educacionais
especiais; em segundo lugar, no expressar-se convencionalmente no signifca
impossibilidade de criao. O que ambas as falas indicam a viso tradicional de
comportamento humano.
27
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
Reconhecer difculdades salutar, porque nos propicia a busca de alternati-
vas que visam super-las. Mostrar aos demais alunos que existem outras formas
de comunicao estabelecer um clima de respeito s individualidades e cami-
nhar rumo incluso.
Argumentos a favor ou no da incluso
Durante as entrevistas tambm surgiram posicionamentos quanto crena no
paradigma da incluso, nas quais uns destacaram argumentos a favor e outros se
mostraram reticentes. Comearemos pelas falas que indicam argumentos favorveis
incluso e depois passaremos a anlise daquelas desfavorveis mesma.
Na socializao, na hora em que ele faz amigos, onde o colega v que existe
outra pessoa diferente e que to importante quanto ele.
Eu acho muito importante em termos de socializao, em termos do se
sentir: eu sou diferente, mas posso ser igual...
Eu acho que ele fca superfeliz, porque ele participa da mesma forma que
os outros, ele tem amizades, ele tem uma vida normal igual aos outros alunos.
Eu acho importante, pois permite a uma criana dessas, que antigamente
fcava isolada, ter um maior contato com outras crianas, crianas que no so
como ela, que no tm a defcincia que ela tem.
Destacamos nessas falas a total falta de conhecimento sobre os princpios da
incluso e os procedimentos a serem adotados para sua implementao. Esses depoi-
mentos, recheados de forte preconceito, visualizam a possibilidade de existncia de
uma homogeneidade em uma sociedade marcada por diversidades tnicas, culturais e
sociais. Por esse motivo, falam de triagem seleo de iguais e criticam a incluso,
culpabilizando a escola por receber todos que a procuram, passando a ideia de que
a heterogeneidade a grande vil do fracasso escolar. A fora de seu argumento
vem por meio da utilizao de termos pejorativos aleijado para indicar crianas
com defcincias e animais para os demais como responsveis pelo insucesso na
escola, esquecendo-se de que o grave problema se encontra nas prticas pedag-
gicas adotadas.
Um ltimo argumento que acreditamos ser urgente o seu repensar encontra-
-se no contedo do prximo depoimento: Ainda no, acho que ainda no tem esse
comprometimento no. Por mais apoio que as pessoas da Coordenadoria, venham
e orientem a gente, muito pouco.
Podemos observar aqui que a falta de apoio ao professor acarreta pouca
crena na implementao da incluso, fcando estes educadores dependentes do
trabalho do professor itinerante.
28
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
Para que se realize a incluso escolar efetiva desses alunos necessrio que
haja troca de informaes entre a famlia do aluno, a escola e a comunidade, como
nos prope Carvalho (1998, p. 193):
A operacionalidade da incluso de qualquer aluno no espao escolar deve resultar de re-
laes dialgicas envolvendo famlia, escola e comunidade, entre modo que cada escola
ressignifque as diferenas individuais, bem como reexamine sua prtica pedaggica.
Acreditamos que, por meio de um dilogo mais efetivo entre todos aqueles
que fazem parte da rotina desse aluno, dentro e fora da escola, e inclusive com o
prprio aluno, pois ningum melhor do que ele para saber do que necessita, que
iremos construir uma escola inclusiva e democrtica.
As demais falas so lamentveis, se comparadas aos objetivos que fun-
damentam a Declarao de Salamanca, que ganhou destaque justamente por se
constituir em um avano considervel, sendo capaz de indicar aos governos as
metas de trabalho, que devem dar um amplo nvel de prioridade poltica e fnan-
ceira a fm de aprimorar seus sistemas educacionais com objetivo de incluir todas
as crianas sem excluir nenhuma diferena ou difculdades individuais.
Reconhecemos que j existem vrias instituies de ensino superior que ofe-
recem formao de professores com enfoque na educao inclusiva, tanto nos cur-
sos de graduao quanto nos cursos de ps-graduao. Porm, de fundamental
importncia que haja trabalho de capacitao para os professores que j esto na
rede regular de ensino, vivenciando ou prestes a vivenciar a experincia de ter um
aluno portador de necessidades educacionais especiais inserido em sua classe.
Concluso
No se pode perder de vista que estamos inseridos em uma lgica de mo-
delo econmico neoliberal que surgiu como uma forma de reestruturao
do capitalismo, tornando-se cada vez mais difcil a manuteno do Estado
de Bem-Estar Social. Instalou-se uma poltica de mercado, na qual o Estado
Mnimo se caracteriza pela interveno do Estado, de acordo, apenas, com o
interesse daqueles que tm o domnio do capital. Assim, as polticas sociais
tm se subordinado lgica do mercado.
Esse modelo econmico vem difcultando mais ainda s pessoas portado-
ras de defcincia e s demais minorias o acesso aos direitos de igualdade de
condies. Se fssemos nos guiar pela lgica intrnseca desse modelo poltico,
no haveria motivos para investir na educao de uma pessoa, que tida, mui-
tas vezes, como improdutiva. Assim, tal lgica estimuladora da propagao
de um estigma para com essa pessoa e revela um imaginrio social carregado
de preconceitos.
29
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
A falta dessa urgncia em se realizar uma incluso de qualidade, dando
nfase a uma efcaz capacitao, baseada nas afrmaes das potencialidades,
que variam de acordo com as peculiaridades de cada aluno, mas que certamen-
te todos as possuem, pode nos levar a compactuar com a lgica neoliberalista.
Esse modelo poltico-econmico pode nos levar a uma descrena ideolgica
ou a uma total falta de ideologia.
Nesse sentido, se no houver empenho em fazer valer os preceitos que
nortearam a Declarao de Salamanca, estaremos deixando que, como vimos
nesse trabalho, os depoimentos contra o processo de incluso, quer por des-
crenas, quer por falta de conhecimento, interfram nas aes profssionais,
impedindo um direito que no passado ou era negado ou eleito queles que
estivessem o mais perto possvel da norma, mas, principalmente, no prprio
destino desses alunos que j esto includos em escolas de ensino regular.
Cabe-nos registrar a ntida dicotomia entre teoria e prtica, contida nas
falas dos profssionais que deram seus depoimentos sobre o processo de inclu-
so, considerando que essas turmas j contam com a presena de alunos por-
tadores de necessidades educacionais especiais. E, por suposto, essa diviso
to demarcada apresenta conseqncias expressivas no processo de incluso,
apontando para o fato de que no realizado de maneira minimamente arti-
culada, nem segue uma orientao mais uniforme. Ele se faz (ou deixa de ser
feito) de acordo com a percepo de cada professor a respeito de seu aluno.
Esse desequilbrio entre teoria e prtica nos leva a crer que para a efetivao
de uma mudana de conscincia dos profssionais ser preciso validar todo esse
constructo terico por meio de uma incluso efcaz. Fica evidente que o processo
de formao dos profssionais de ensino precisa urgentemente ser avaliado, bem
como capacitar aqueles que j se encontram na fora de trabalho tarefa de on-
tem!
Finalizando, urge uma discusso sria quanto aos princpios norteadores
da educao inclusiva, bem como a implementao de polticas que visem ul-
trapassar o ceticismo que tomou conta da educao nos ltimos anos.
A aula de hoje nos traz as diferentes vises que circulam no campo edu-
cacional a respeito do processo de incluso dos portadores de necessidades
educacionais especiais, apontando, inclusive, para a dissonncia entre teoria
e prtica.
30
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
1. Levante os conceitos embutidos nas falas dos professores que fzeram parte da pesquisa, a favor
do processo de incluso, e discuta com seus colegas.
2. Voc j teve a oportunidade de trabalhar com um aluno portador de paralisia cerebral? Conte
para seu grupo sua experincia. Depois registre-a.
31
Incluso escolar: dissonncias entre teoria e prtica
3. Os questionamentos e as dvidas provocadas por este texto precisam ser anotados e discutidos
com os seus colegas.
32
Necessidades
educativas especiais:
ainda um dilema para o professor?
H
oje vamos conversar sobre as necessidades educativas especiais (NEE) e as
suas caractersticas.
Todos ns, professores, sabemos da perplexidade e da preocupao que sen-
timos ao lidar, na sala de aula, com a diversidade de caractersticas de comporta-
mento e de aprendizagem. Em relao aos que aprendem no ritmo que esperado,
e que se comportam de acordo com as expectativas, no h problema. Existem
alunos, no entanto, que no apresentam o rendimento escolar dos demais, ou que
tm atitudes consideradas anormais.
Sabemos, tambm, da difculdade que temos at mesmo por defcincias
na nossa formao em atender a esses alunos, faz-los aprender e promover a
sua interao com o grupo.
Vendo essa situao pela tica dos alunos, constatamos que todos ns
gostamos de nos sentir especiais para algum, no sentido de sermos nicos,
queridos ou preferidos. muito diferente, no entanto, de nos sentirmos diferen-
tes, estranhos ou inferiores
1
.
O que so as necessidades
educativas especiais?
Existe uma polmica quanto ao uso do termo necessidades educativas.
Alguns autores, como Mazzota (1999), propem a substituio do termo grifado
por educacionais. Este mais adequado, segundo ele, dos pontos de vista semn-
tico e psicolgico, j que esses alunos tm necessidades educacionais como os
demais, e no a necessidade de uma abordagem educativa de suplncia ou de um
tratamento de anormalidades, por serem diferentes dos demais alunos.
Independentemente de qualquer questo polmica, o uso do termo neces-
sidades educativas especiais erradicou o uso de determinadas expresses antes
utilizadas defcientes, excepcionais, subnormais, superdotados, infradotados,
incapacitados, entre outras deslocando o foco do aluno como responsvel pela
diversidade e direcionando-o para as respostas educacionais que eles demandam.
Atualmente, quando falamos de necessidades educativas especiais (NEE)
inclumos nesse conceito diversas categorias, inclusive a das altas habilidades (an-
teriormente chamadas de superdotao) e a dislexia
2
.
1
Sobre isso vale citar o
belo trabalho de Bauman
(1999), que fala do processo de
estranhamento criado pelas
sociedades. Isso faz comque
todos os que diferemda nor-
ma estabelecida sintam-se es-
tranhos e sejamrejeitados, ex-
cludos ou at mesmo banidos
do convvio social pleno.
2
Essa foi assim defnida por
Fonseca (1985, p. 210): A
dislexia compreende a difcul-
dade na aprendizagemda lei-
tura, independentemente de
instruo convencional, ade-
quada inteligncia e opor tu-
nidade sociocultural. De pen de,
portanto, funda men tal men te
de difculdades cog niti vas que
so frequente mente de origem
constitucional.
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Diante de tudo o que vimos at agora e conforme o que a legislao defne, podemos incluir, no
elenco das NEE, por exemplo, pessoas:
com condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais e sensoriais diferenciadas;
com defcincia e bem dotadas;
trabalhadoras ou que vivem nas ruas;
de populaes distantes ou nmades;
componentes de minorias lingusticas, tnicas ou culturais;
de grupos desfavorecidos ou marginalizados.
Observe o quadro a seguir. Ele explicita mais detalhadamente as necessidades educativas espe-
ciais, caracterizando-as.
Situaes que
defnem NEE
Principais caractersticas
Defcincia mental O funcionamento intelectual geral situa-se signifcativamente
abaixo da mdia, comprometendo duas ou mais reas da
conduta adaptativa ou da capacidade para responder, de
forma adequada, s demandas da sociedade.
Defcincia fsica
sensorial visual
H reduo ou perda total da capacidade de ver com o melhor
olho e, mesmo aps a melhor correo tica, manifesta-se
como cegueira ou viso reduzida (subnormal).
Defcincia fsica
sensorial auditiva
H perda total ou parcial, congnita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala por
intermdio do ouvido e manifesta-se como surdez leve (moderada) ou como surdez severa
(profunda).
Defcincia fsica motora Constitui-se em uma variedade de condies que afetam as pessoas comprometendo-lhes
a mobilidade, a coordenao motora geral ou a fala, em virtude de leses neurolgicas,
neuromusculares e ortopdicas, ou malformaes congnitas ou adquiridas,
amputados, poliomielite, entre outras.
Paralisia cerebral Alteraes signifcativas do tnus muscular.
Defcincia mltipla Ocorre a asssociao, na mesmoa pessoa, de duas ou mais defcincias (mental/auditiva/
fsica), com comprometimentos que determinam atrasos no desenvolvimento global e na
capacidade de adaptao.
Condutas tpicas de sndromes
e quadros psicolgicos,
neurolgicos ou psiquitricos
Englobam manifestaes tpicas de portadores de sndromes (como o autismo, por exemplo)
e quadros psicolgicos, neurolgicos ou psiquitricos (como as psicoses), que acarretam
atrasos no desenvolvimento e prejuzos no relacionamento social, em grau que requeira
atendimento educacional especializado.
Altas habilidades Permitem ao indivduo aprender com facilidade, dominar
rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes. Esse
grupo formado por indivduos que apresentam desempenho
muito acima da mdia e uma potencialidade muito elevada
em aspectos isolados ou combinados.
34
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Podemos concluir, portanto, que alunos portadores de necessidades educativas
especiais so aqueles que apresentam demandas no domnio das aprendizagens curri-
culares escolares, que so de alguma forma diferentes das dos demais alunos. Isso traz
a necessidade de adaptaes curriculares e de recursos pedaggicos especfcos.
Conversando sobre as principais
defcincias causadoras de necessidades
educativas especiais
Como j vimos, so vrios os tipos de defcincias e eles podem ocasionar
maior ou menor grau de difculdade para a aprendizagem e para a vida cotidiana.
Isso tambm vai depender, claro, de quanto a sociedade estar preparada para a
convivncia com os diversos tipos de diversidade.
Algumas defcincias so resultantes de m-formao pr-natal (congnita);
muitas so decorrentes do uso de drogas, fumo ou de determinados remdios
durante a gravidez, ou de determinadas doenas maternas. Tambm fatores pe-
rinatais (durante partos traumticos) e acidentes ocorridos no ps-parto podem
acarretar tais defcincias.
fundamental que o professor conhea essas defcincias e algumas al-
ternativas para minimizar os seus efeitos sobre a aprendizagem dos alunos. Para
isso vamos apresentar agora, de forma resumida, algumas defcincias que geram
necessidades educativas especiais.
Defcincia fsica (DF)
De acordo com os Parmetros Curriculares Nacionais: adaptaes cur-
riculares
3
(p. 25), considera-se defcincia fsica uma variedade de condies que
afetam o indivduo em termos de mobilidade, de coordenao motora geral ou de fala,
como decorrncia de leses neurolgicas, neuromusculares e ortopdicas, ou, ainda,
de m-formaes congnitas ou adquiridas.
Existem cinco categorias de defcincia fsica:
Monoplegia paralisia em apenas um membro do corpo.
Hemiplegia paralisia total das funes de um dos lados do corpo.
Paraplegia paralisia da cintura para baixo, comprometendo as funes
das pernas.
Tetraplegia paralisia do pescoo para baixo, comprometendo as fun-
es dos braos e das pernas.
Amputaes quando h falta total ou parcial de um ou mais mem-
bros do corpo.
Outra forma de categorizar as defcincias fsicas :
Defcincia fsica motora paraplegia, tetraplegia, hemiplegia, amputa-
es, sequela de plio (paralisia infantil), deformaes congnitas (tali-
domida) ou genticas (distrofa muscular).
3
Disponvel em:
<www. mec. gov. br/
seesp/adap.shtm>.
35
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Defcincia fsica sensorial defciente visual (DV) e defciente auditivo
(DA).
Como a defcincia fsica altera a aparncia fsica das pessoas, altera tam-
bm a autoestima. Para sanar esse problema utiliza-se, com frequncia, a inter-
veno psicolgica ou teraputica.
As crianas com defcincias fsicas podem apresentar difculdades ou
ausncia de movimentos. Isso pode at mesmo impedir a ida escola, criando a
demanda de atendimento pedaggico especializado em casa, pelo professor itine-
rante. Geralmente, no entanto, essas crianas so capazes de frequentar a escola
e apresentam um rendimento compatvel com as expectativas. Para que isso seja
possvel, necessrio que as escolas se adaptem para receb-las e essa criana
precisa ser encorajada a enfrentar os desafos impostos pela limitao fsica.
A escola inclusiva dever adaptar-se para acolher os alunos com defcincia
fsica. Para isso, a Secretaria de Educao Fundamental e a Secretaria de Educa-
o Especial, por meio de uma ao conjunta, produziram um material didtico-
-pedaggico, Adaptaes Curriculares (j citado), que faz parte dos Parmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e que sugere diversos recursos para alunos com
defcincia fsica, ocorrendo, dessa forma, a verdadeira acessibilidade
4
.
Defcincia visual (DV)
A defcincia visual abrange dois tipos de educandos:
Portadores de cegueira reduo da acuidade visual central, desde ce-
gueira total (nenhuma percepo de luz) at acuidade visual menor que
20/400P (ou seja, 0,05) ou reduo do campo visual ao limite inferior a
10% (em um ou em ambos os olhos).
Portadores de viso subnormal ou reduzida acuidade visual central
maior que 20/400P at 20/70P (ou seja, 0,3).
Muitas vezes, a identifcao precoce da viso subnormal tardia, o que
difculta o atendimento educacional adequado da criana. A deteco de uma de-
fcincia visual precisa ser confrmada por exames oftalmolgicos, realizados em
hospitais, clnicas ou setores especializados.
Apresentamos, a seguir, alguns dos sintomas comuns dessa defcincia, que
podem ser percebidos pelo professor no cotidiano da escola.
Irritao crnica dos olhos, plpebras avermelhadas.
Nuseas, viso enevoada ou dupla, aps a leitura.
Pestanejamento contnuo, principalmente durante a leitura.
Hbito de esfregar os olhos, franzir ou contrair o rosto ao ftar objetos
distantes.
Inquietao, irritabilidade ou nervosismo depois de um trabalho visual
mais atento ou prolongado.
4
O termo acessibilidade
diz respeito no apenas
eliminao de barreiras ar-
quitetnicas, mas tambm ao
acesso rede de informaes,
de comunicao e de acesso
fsico, equipamentos, progra-
mas adequados e apresenta-
o da informao em mo-
dalidades alternativas como
textos emBraille e gravados.
36
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Inclinao da cabea para um lado, durante a leitura.
Excesso de cautela ao andar e correr, tropeos sem causa aparente.
Forte desateno durante os trabalhos que necessitem de leitura a distn-
cia.
Capacidade de leitura por perodo curto (em relao ao que se espera da
faixa de idade).
Ler segurando o texto muito perto ou muito distante do rosto, ou em po-
sio incomum, ou ainda fechar ou tampar um dos olhos.
O atendimento s defcincias visuais depende de alguns fatores, como
o tipo e o grau da defcincia, a idade em que o aluno fez o seu ingresso no
sistema educacional, o nvel ou a modalidade de ensino, a disponibilidade de
recursos educativos da comunidade e a prpria condio econmica, social ou
cultural do educando.
importante que o professor conhea, tambm, o sistema Braille
5
de leitura
e escrita, que se constitui de pontos em alto-relevo combinados, para portadores
de DV.
Defcincia auditiva (DA)
A defcincia auditiva signifca uma perda total ou parcial, congnita ou
adquirida, da audio e pode manifestar-se como surdez leve/moderada (perda de
at 70 decibis) e surdez severa profunda (perda acima de 70 decibis). Podemos
dizer que a surdez consiste na perda, maior ou menor, da percepo normal dos
sons. Existem vrios tipos de portadores de defcincia auditiva, de acordo com os
diferentes graus da perda da audio e do local do ouvido em que est o problema,
mas a pessoa s considerada defciente auditiva se for diagnosticada perda nos
dois ouvidos.
A reduo ou perda total da audio pode ser provocada por causas como
traumas mecnicos (perfurao por objetos introduzidos no ouvido, acidentes de
trnsito, doenas etc.), pela exposio a barulho excessivo ou por doenas cong-
nitas ou adquiridas.
Como causas adquiridas podemos citar: corpos estranhos, otites, tampes
de cera, perfuraes timpnicas, obstruo da trompa de Eustquio, envelheci-
mento a partir de 50 anos, traumatismos, intoxicaes (ureia, colesterol, cido
rico etc.), doenas infecciosas (febre, sflis, caxumba, sarampo), distrbios glan-
dulares, defcincia de vitamina D.
Da mesma forma que no estudo da DV, apresentaremos alguns sintomas
comuns defcincia auditiva e que podem ser verifcados pelo professor.
A criana demora a falar e as primeiras palavras aparecem tarde, por
volta de 3 a 4 anos.
No atendimento ao ser chamada em voz normal.
5
O mtodo foi criado por
Louis Braille (1809-1852),
professor francs cego. A escrita
podeser realizadacomdois tipos
deequipamentos: manualmente,
cominstrumentos chamados re-
glete e puno; ou com a mqui-
na de datilografa especial para a
linguagemBraille.
37
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Apresentao de excesso de comunicao gestual.
Hbito de virar a cabea para ouvir melhor.
Apresentao de tom de voz extremamente alto ou baixo.
Direo constante do olhar para os lbios de quem fala, e no para os
olhos.
Troca ou omisso de fonemas na fala e na escrita.
Como dissemos no incio, existem duas modalidades de surdez, que voc
vai ver a seguir:
Surdez parcial
Portador de surdez leve apresenta perda auditiva de at 40 decibis e
no percebe todos os fonemas da palavra da mesma forma. A voz fraca
ou distante no ouvida. Esse aluno comumente considerado desaten-
to, porque solicita, frequentemente a repetio daquilo que lhe falam.
Essa perda auditiva no impede a aquisio normal da linguagem, mas
poder acarretar problemas na articulao das palavras ou difculdade na
leitura e/ou na escrita.
Portador de surdez moderada apresenta perda auditiva entre 40 e 60 deci-
bis, limites que se encontram no nvel da percepo da palavra, sendo
necessrio que a voz tenha uma certa intensidade para que seja conve-
nientemente percebida. O atraso na aquisio da linguagem e as altera-
es articulatrias provocam, em alguns casos, maiores problemas lin-
gusticos. Esse aluno tem maior difculdade de discriminao auditiva
em ambientes ruidosos; identifca as palavras mais signifcativas, mas
tem difculdade em compreender certos termos ou frases gramaticais
mais complexas.
Surdez severa
Portador de surdez severa apresenta perda auditiva entre 70 e 90 de-
cibis. Esse tipo de perda vai permitir que o aluno identifque alguns
rudos familiares e poder perceber apenas a voz forte. Pode chegar at
os quatro ou cinco anos sem aprender a falar. A compreenso verbal vai
depender, em grande parte, da aptido para utilizar a percepo visual e
para observar o contexto das situaes.
Portador de surdez profunda apresenta perda auditiva superior a 90 de-
cibis. A gravidade dessa perda tal que o indivduo fca privado das in-
formaes auditivas necessrias para perceber e identifcar a voz huma-
na, impedindo-o de adquirir a linguagem oral. Um beb que nasce surdo
balbucia como um de audio normal, mas suas emisses comeam a
desaparecer medida que no tem acesso estimulao auditiva exter na,
fator de mxima importncia para a aquisio da linguagem oral.
38
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Na rea da defcincia auditiva, as alternativas de atendimento esto intima-
mente relacionadas s condies individuais do educando. O grau da perda auditi-
va e do comprometimento lingustico, a poca em que ocorreu a surdez e a idade
em que ele comeou a ser atendido pela Educao Especial so fatores que iro
determinar importantes diferenas em relao ao tipo de atendimento que dever
ser prescrito para o educando. Quanto maior for a perda auditiva, maiores sero
os problemas lingusticos e maior ser o tempo em que o aluno precisar receber
atendimento especializado.
Devero ser adotadas diferentes formas de ensino e adaptaes de acesso ao
currculo, caracterizados pela utilizao de linguagem e cdigos aplicveis, asse-
gurando os recursos humanos para atendimento e os contedos que os educandos
necessitam, para que no sejam excludos do ensino regular. Um aluno com surdez
moderada pode ser benefciado com a utilizao de prteses otofnicas
6
.
Ateno, professor! Torna-se importante, para a sua formao profssional,
o conhecimento da Lngua Brasileira de Sinais (Libras)
7
, para trabalhar com alu-
nos portadores de defcincia auditiva.
Defcincia mental (DM)
A Associao Americana de Defcincia Mental (AAMD) diz que essa de-
fcincia
[...] caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral signifcativamente
abaixo da mdia, oriundo do perodo de desenvolvimento, concomitante com limitaes
associadas a duas ou mais reas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivduo
em responder adequadamente s demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comu-
nicao, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na famlia e comunidade,
independncia na locomoo, sade e segurana, desempenho escolar, lazer e trabalho.
(1994, p. 15)
Na defcincia mental, observa-se uma limitao da capacidade de aprendi-
zagem do indivduo e de suas habilidades relativas vida diria.
Inteligncia prtica: refere-se habilidade de se manter e de se sus-
tentar como uma pessoa independente, nas atividades ordinrias da vida
diria. Inclui habilidades sensrio-motoras, de autocuidado e segurana,
de desempenho na comunidade e na vida acadmica, de trabalho, de la-
zer e de autonomia.
Inteligncia social: refere-se habilidade para compreender as expecta-
tivas sociais e o comportamento de outras pessoas e ao comportamento
adequado em situaes sociais.
Inteligncia conceitual: refere-se s capacidades fundamentais da inte-
ligncia, envolvendo suas dimenses abstratas.
As pessoas com defcincia mental apresentam diferentes nveis de com-
prometimento, porque no so afetadas da mesma forma. Assim, no se deve
enquadrar essas pessoas em categorias que tm como referncia apenas os com-
portamentos esperados para determinada faixa etria.
6
Para que a pessoa com
de fcincia auditiva pos sa
perceber os sons e desenvol-
ver a funo auditiva usa-se
equipamentos de amplifca-
o sonora individual, port-
til, denominados de prtese
otof ni ca ou aparelho de am-
plifcao sonora individual
(AASI), composto de micro-
fone, receptor, amplifcador
e molde de adaptao indi-
vidual. Existemdois tipos de
aparelhos de prtese mais uti-
lizados pelas crianas: apare-
lho de caixa, que pode ser
usado emumbolso da roupa,
e aparelho retroauricular, que
usado atrs da orelha.
7
Lngua Brasileira de Si-
nais, utilizada pelos por-
tadores de defcincias audi-
tivas, a partir da combinao
do movimento das mos com
umdeterminado formato em
um determinado lugar, po-
dendo este lugar ser uma par-
te do corpo ou umespao em
frente ao corpo.
39
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
A compreenso e o atendimento da pessoa com defcincia mental exigem
o estabelecimento de referenciais que levem em conta a interao entre as pessoas
e todo tipo de apoio necessrio para melhorar-lhes a capacidade funcional. Entre
esses referenciais incluem-se o conceito de comportamento adaptativo e o enfoque
multidimensional na identifcao e diagnstico da defcincia mental. Isso mui-
to importante, pois preciso considerar quatro dimenses: a funo intelectual e
as habilidades adaptativas, a funo psicolgico-emocional, as funes fsica e
etiolgica e o contexto ambiental.
importante no esquecer que o nvel de desenvolvimento a ser alcanado
no depende apenas do grau de comprometimento, mas de outros fatores, como: a
histria de vida, o apoio da famlia e as oportunidades e experincias vivenciadas
pela pessoa.
Defcincias mltiplas
Em alguns casos encontramos a associao, no mesmo indivduo, de duas
ou mais defcincias primrias (fsica, visual, auditiva ou mental), com compro-
metimentos que causam atrasos no desenvolvimento, na aprendizagem e na ca-
pacidade administrativa. Isso gera necessidades educativas especiais de desen-
volvimento de habilidades (ou competncias) bsicas de autonomia, social e de
comunicao. Normalmente, esses alunos necessitam, depois de identifcados e
avaliados pela escola, de atendimento educacional especfco adequado.
Paralisia cerebral
Trata-se de uma leso de alguma parte do crebro, ocorrida antes, durante
ou aps o parto, geralmente provocada pela falta de oxigenao das clulas cere-
brais. Pode ser de trs tipos: espasticidade, atetose e ataxia
8
.
Por ser uma defcincia fsica bastante complexa, requer um atendimento
criana desde beb. Essa criana deve, no entanto, como as demais, frequentar a
escola regular (esta deve oferecer condies adequadas e favorecedoras quanto
incluso desse aluno).
Segundo a Organizao Mundial de Sade (OMS), o nmero de defcientes
superior a 16 milhes, assim distribudos:
(
O
M
S
,

1
9
9
6
)
Defcincia Tipo predominante
Mental 5,0
Fsica 2,0
Auditiva 1,5
Visual 0,5
Mltipla 1,0
Aqui encerramos esta aula. Esperamos que ela possa t-los auxiliado a com-
preender melhor o conceito de necessidades educativas especiais, assim como a
conhecer algumas das principais defcincias que as acarretam.
A nossa expectativa no torn-los peritos em diagnstico, mas lembr-los
da importncia do atendimento diversidade e da preveno, por meio de inter-
venes realizadas precocemente.
8
A espasticidade se carac-
teriza pela rigidez ou ten-
so muscular; a atetose, por
movimentos involuntrios; a
ataxia, pela precariedade do
equilbrio.
40
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
Dessa forma, uma boa parcela das defcincias no ser cristalizada no terrvel espectro
das difculdades crnicas de aprendizagem, to frequentes nas nossas escolas. Esse processo
o maior responsvel pelo desencanto e pela frustrao, que leva os alunos evaso e punio
signifcada pela violncia simblica da excluso.
1. Em seu ambiente de trabalho existem crianas portadoras de necessidades educacionais inseri-
das em turmas regulares? Comente a sua experincia e depois registre-a aqui.
41
Necessidades educativas especiais: ainda um dilema para o professor?
2. Ficou clara para voc a caracterizao apresentada pelo texto? Destaque alguma que faz parte
da sua experincia e discuta com seus colegas.
42
Altas habilidades/
superdotao:
mitos e desafios I
Os mitos
D
issertar sobre os mitos e desafos que envolvem a rea de conhecimento das altas habili-
dades/superdotao, rea da Educao Especial que se dedica a estudar, orientar e projetar
processos de caracterizao de perfl, atendimento pedaggico e familiar, ajustamento so-
cial e profssional, tarefa que ainda se faz necessria, tendo em vista a cultura acumulada sobre a
questo e os modos de produo de conhecimento datados do fnal do sculo XIX e incio do XX,
que levaram ao cometimento de graves equvocos em relao a esses sujeitos, acabando por produ-
zir a sua excluso pedaggica e social.
Analisando-se mais amplamente a questo das altas habilidades/superdotao, podemos cons-
tatar que a flosofa ocidental se ocupou de explicar a natureza do conhecimento humano a partir das
ideias de Plato. Contestadas por Aristteles, podemos perceber que durante os dois milnios seguin-
tes perpetuou-se a busca de respostas para as indagaes platonianas, agora no mais na metafsica,
mas na complexa articulao entre teoria e prtica.
No percurso de criao dos argumentos para explicar se o conhecimento tinha origem em bases
preexistentes prpria experincia humana, ou se essas bases iam se constituindo a partir das ex-
perincias humanas estabelecidas com o meio, o debate foi se perpetuando at os primeiros anos do
sculo XX, fcando consagrado como o debate entre inato e adquirido.
Por meio da dialtica expressa mais tarde, como inato e cultural, foram constitudas prticas so-
ciais que acabaram sendo levadas s escolas, podendo ser reconhecidas como formadoras de opinio
e de conscincias, cujas consequncias constituram as prprias prticas escolares. nesse contexto
de argumentao que se inserem as questes relacionadas s altas habilidades/superdotao. A partir
de uma concepo inata do conhecimento, estabeleceu-se o debate que tem se esforado em buscar
esclarecer a natureza desse conhecimento. um debate sobre a inteligncia humana, a sua origem, a
sua constituio.
Para entendermos os mitos que foram construdos ao longo dos sculos, preciso comear pela
anlise etimolgica dos termos presentes na rea, lembrando-nos de que os sentidos desses termos
foram se constituindo na dinmica da vida social de povos com histrias e culturas distantes.
No contexto latino, formou-se a concepo de que o dote era os bens que a mulher levava ao
casar-se e aquele que possua o dote era dotado. No contexto grego, formou-se a ideia de talento, que
tambm tinha seu correspondente latino, nome dado moeda da antiguidade grega e romana e aquele
que possua talento era talentoso. Tanto os substantivos como os adjetivos assumiram signifcados
fgurativos relacionados inteligncia humana, e dotes e talentos passaram a representar aquilo que
os indivduos evidenciavam por sua inteligncia. O dote passou a referir-se ao dom natural e o talento
assumiu o sentido de aptido natural para certas coisas ou de uma habilidade adquirida.
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
A ideia de talento mostrou-se mais ampla que a ideia do dote, pois enquanto
a ideia do dote s inclua o dom natural, na concepo de talento estavam includas
a concepo do dom natural ou aptido natural e a habilidade adquirida que o
resultado do exerccio da prtica. Do mesmo modo, atribuiu-se a algumas pessoas a
designao de gnio, palavra de origem latina, que simbolizava o esprito que regia
o destino de cada um, que era responsvel por desencadear determinados fatos.
Essa concepo desencadearia na ideia de tendncia, inclinao, ou a propenso
de cada pessoa, quilo que determinaria as suas habilidades, que as faria mais espertas
e astutas. uma palavra que tambm tem sua origem etimolgica grega, tanto no sen-
tido prprio como no sentido fgurado, na ideia de gerar, dar luz, causar, originar.
Nos sculos XVIII e XIX j tinham sido criados argumentos que, aplica-
dos s questes da inteligncia, davam conta de ampliar essa discusso em que
se pensava que a tese inatista, inicial, j poderia ser superada por uma anttese.
Foi quando, j no sculo XX, surgiram os defensores da ideia de que o indivduo
no nascia com sua inteligncia pronta e que ela se constituiria somente a partir
de seu nascimento. Entre eles estavam os ambientalistas, que atriburam ao meio
a responsabilidade de agir sobre o indivduo e, no processo de condicionamentos,
operar sobre a mente humana. S a partir da segunda metade do sculo XX, o
mundo ocidental conheceu uma nova tese, a tese scio-histrica ou sociocultural,
que tinha como propsito superar as ideias inatistas de formao da inteligncia,
entendendo que a cultura, com seus cdigos e instrumentos, que seria a media-
dora no processo de formao da mente humana.
A observao do resultado do debate inicial sobre a origem da inteligncia,
em que se confgurou uma disputa entre causas inatas e causas adquiridas, reali-
zado na sociedade, mas, ao mesmo tempo, j sendo introduzido na escola e dando
incio s prticas classifcatrias e hierarquizantes, fez surgir termos criados para
designar o grupo de alunos que representava a ideia dos indivduos que j nasciam
inteligentes e que, na escola, destacavam-se sobremaneira dos demais alunos por
seu brilhantismo e mritos.
Diferentes palavras utilizadas para designar esses alunos foram criadas no
mbito da Psicometria, da Psicologia e da Educao. Na lngua portuguesa, as
palavras superdotado e superdotao passaram a representar a ideia dos alunos
que demonstravam saberes para alm dos conhecimentos trabalhados na escola,
passando-se pela fase em que se acreditou que esses saberes teriam que abranger
todas as reas do conhecimento e pela fase em que esses saberes poderiam ser
especializados em reas especfcas de conhecimento.
Mais tarde, quando foram acrescentadas ao debate as teses da teoria socio-
cultural, observou-se uma grande preocupao em negar a existncia da super-
dotao. J que ningum nascia sabendo nada, como que poderia algum ser
superdotado? Surgiu, ento, a necessidade de repensar o termo e quando aparece
nos EUA e na Inglaterra a expresso high ability.
No Brasil, de modo equivocado, essa expresso foi traduzida como sendo
alta habilidade. A nova expresso, contraditoriamente, parece que vem sendo
melhor aceita nos meios onde, em outros tempos, foram observadas crticas
44
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
mais severas. Para efeitos da nova legislao, hoje so utilizados os termos
superdotados (LDB) e altas habilidades/superdotao (Resoluo CNE/CEB
2/2001), observando-se que ainda so utilizados no Brasil os termos bem-dotados
e talentosos.
Por trs de todas essas mudanas esto profundas e complexas transforma-
es polticas, econmicas, geogrfcas, reguladas por novas concepes ideol-
gicas observadas em todas as sociedades, das mais antigas s mais atuais, con-
siderando-se, inclusive, as ocorridas nas ltimas dcadas do sculo XX. Nesse
momento, em que ocorrem graves transformaes ideolgicas, reconhece-se a
diversidade humana como ponto central das polticas sociais mais democrticas
para a construo de sociedades mais justas e cidads.
Nesse sentido, crescente o interesse sobre o assunto altas habilidades/su-
perdotao, deixando evidentes os mitos e as ideias errneas que as sociedades
ainda tm sobre o assunto. Por isso sempre bom lembr-los, refetir sobre os
seus signifcados, compreendendo que os mitos e as ideias errneas, regra geral,
acabam por ser responsabilizados por barreiras sociais e resistncias culturais,
que refetem os preconceitos, que constroem os instrumentos de excluso social.
Os mitos aqui descritos foram pesquisados por Alencar (1986) e Winner (1998) e
representam as principais barreiras ao trabalho com alunos com altas habilidades/
superdotao.
Superdotao, sinnimo de genialidade
Sempre que falamos em superdotao, vem nossa mente a imagem do
gnio. Aquela pessoa que resolve qualquer tipo de problema, domina muitos as-
suntos. Precoce, usa culos com lentes muito grossas, franzino, poucos amigos
e est sempre s voltas com livros, frmulas ou questes flosfcas. Em geral,
do gnero masculino.
Compreensvel, mas no verdadeiro. Esse pensamento remonta ao orculo
grego que revelou ser Scrates o mais sbio dos homens de sua poca. Alm disso,
toda a histria de excluso da mulher na vida social e acadmica explica porque os
grandes flsofos, msicos, pintores, poetas, lderes etc. eram homens.
O interesse inicial pelos estudos cientfcos sobre inteligncia foram feitos na
segunda metade do sculo XIX, investigando-se as caractersticas do gnio e seus
antecedentes. Galton foi o primeiro a registrar num estudo descritivo os resultados
de uma investigao que pretendia provar que a inteligncia era herdada. Por meio
do levantamento de nomes de homens eminentes, presentes em livros biogrf-
cos, nas mais diversas esferas sociais, partindo de juzes, estadistas, comandan-
tes militares, escritores, artistas e proeminentes matemticos da Universidade de
Cambridge (GARDNER, 1998, p. 56), Galton elaborou a rvore genealgica de
cada um e verifcou que seus flhos tambm tinham sido eminentes, acabando por
concluir que se esses flhos tivessem sido criados em outros ambientes, eles teriam
igualmente atingido a eminncia. Os resultados desses estudos foram registrados
no clebre Hereditary Genius: an inquiry into its laws and consequences, de 1869.
Esse mesmo autor sugeriu que o termo s fosse aplicado queles que deram con-
tribuies originais e de valor sociedade.
45
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
Vygotsky (apud DELOU; BUENO, 2001) defniu genialidade, como sendo
o grau superior de talento que se manifesta em elevada criatividade, tendo extra-
ordinrio signifcado histrico para a vida da sociedade.
As pesquisas em Psicometria do incio do sculo XX foram responsveis
pela construo de um conhecimento sobre inteligncia perpetuando, durante d-
cadas, concepes diferenciadas (inteligncia unitria e fatorial; inata e adquirida;
endgena e exgena), que foram aos poucos mostrando que a capacidade cognitiva
humana se diferenciava em nveis. Sobre isso, Vygotsky (apud DELOU; BUENO,
2001) tambm se expressou, dizendo que a genialidade distingue-se do talento,
principalmente pelo nvel e caractersticas da sua obra: os gnios constituem-se
em pioneiros de uma nova poca histrica em seu campo.
No histrico da educao dos superdotados realizado por Alencar (1986),
constata-se o registro das prticas soviticas realizadas com sujeitos que revelas-
sem destaques nas reas da Matemtica (Clubes) e Bal (Bolshoi). Mas foi sob a
chancela americana que esse tema despertou o interesse no Brasil e da expresso
americana gifted children que se chegou expresso superdotao.
O objetivo da expresso superdotao foi marcar a diferena dos gnios,
raros e histricos, daqueles sujeitos humanos que se caracterizam por um alto
desempenho em diversas reas do saber, do fazer e/ou do saber-fazer, mas que
talvez no chegassem a se caracterizar como iniciadores de uma nova era da hu-
manidade. Distinguindo-se, tambm, superdotao de talento, j que talento um
conceito mais amplo, mais afeito s artes que acolhe as pessoas com defcincia
mental e que danam, representam, pintam, muito bem, a superdotao est mais
relacionada ao acadmico e ao cognitivo.
Dessa maneira, quando se fala em genialidade, estamos falando de um con-
ceito que representa um certo tipo de sujeito humano diferenciado, do sujeito co-
mumente chamado de superdotado, bem-dotado, de altas habilidades, ou talentoso,
pois em cada um deles esto representados nveis diferenciados de desempenho.
Boa dotao intelectual condio sufciente para alta produtividade na vida
comum, em nossa sociedade, encontrarmos educadores que consideram que o
superdotado capaz de, sozinho, superar todos os obstculos que a vida oferece, no
sendo, assim, necessrio observar um ambiente particular para o seu desenvolvimen-
to, uma vez que este ser capaz de escolher e criar seu prprio ambiente.
Entretanto, experincias com superdotados demonstram que eles tambm
tm necessidades educacionais especiais, que precisam ser atendidas por profs-
sionais especializados e professores com boa formao, a fm de que seu potencial
se desenvolva plenamente, at um limite que ningum sabe qual .
Muitos so os preconceitos que ainda resistem em nossa sociedade e que fa-
zem do sujeito com caractersticas de superdotao mais um na lista dos excludos
sociais. Se a sociedade no capaz de oferecer condies escolares e sociais ade-
quadas aos sujeitos que apresentam caractersticas cognitivas singulares, capaci-
dade de liderana, de planejamento estratgico, como imagina que na vida adulta
estes sujeitos podero saber desempenhar papis que no venham a contrariar os
padres morais dessa sociedade?
46
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
Muitas vezes, so sujeitos de tima capacidade refexiva e de complexa ca-
pacidade prtica, porm no so capazes de resolver problemas simples da vida
diria. So sujeitos que tm uma excepcional capacidade de organizao mental,
e, no entanto, no so capazes de administrar uma agenda de papel.
O estudo longitudinal mais longo feito com superdotados foi o realizado pe-
los discpulos de Lewis Terman (1877-1956), que avaliaram uma amostra formada
pelos mesmos sujeitos da pesquisa inicial, agora contando entre 70 e 80 anos.
Nesses estudos mais recentes, verifcou-se que eles no foram notavelmente mais
produtivos e bem-sucedidos na vida adulta do que se tivessem sido escolhidos
aleatoriamente dentro da classe social e econmica de onde vieram, independen-
temente dos altos Q.I.s (HOLAHAN; SEARS, 1995 apud FREEMAN; GUEN-
THER, 2000).
Trost (1993) fez uma reviso dos estudos sobre previses e constatou que
menos da metade do que se considera excelncia na vida adulta pode ser as-
sociada infncia dos sujeitos. Sua tese de que a excelncia est associada
dedicao individual quando existe a aptido de alto nvel. (BLOOM, 1985;
CSIKSZENTMIHALYI; SAWYER, 1996; ALENCAR, 1998 apud FREEMAN;
GUENTHER, 2000).
Outros estudos realizados nos Estados Unidos e na Alemanha por Whi-
te (1992), Perleth e Heller (1994), Arnold e Subotnik (1994), Rebzzulli (1995),
Hany (1996), Milgram e Hong (1997) tambm apontam para adultos pouco pro-
dutivos em relao a um tipo de expectativa criada em funo de altos desem-
penhos infantis. Todavia, Freeman e Guenther (2000, p. 29) alertam para o fato
de que essas crianas foram selecionadas em virtude de resultados obtidos em
testes de Q.I.s atendidos conforme os conhecimentos acumulados at ento. Essas
autoras acreditam que por vivermos tempos de acmulo de conhecimentos muito
maior, o futuro da educao para os mais capazes tem passado por grandes mu-
danas e revises que, certamente, traro resultados melhores para mais crianas.
(FREEMAN; GUENTHER, 2000).
Mudanas tm sido observadas nas prticas avaliativas e nas prticas de
atendimento pedaggico. Quem sabe mudanas nos objetivos e nas metodologias
das prprias pesquisas realizadas no poderiam revelar outros resultados?
No se deve informar ao estudante de suas habilidades superiores
A explicao que se d para este ponto de vista que esse conhecimento
poderia causar danos ao aluno, por deix-lo convencido, o que difcultaria, assim,
seu relacionamento com os outros colegas. Pelo que temos visto, no dia a dia dos
atendimentos a alunos com altas habilidades/superdotao esta uma ideia equi-
vocada. Quando um aluno toma conhecimento de suas reais capacidades, tanto
pode haver da parte dele o desejo crescente em se aperfeioar, em se aprimorar,
como tambm pode no demonstrar qualquer mudana em suas expectativas.
O aluno que vaidoso de seus feitos no fca mais porque fca sabendo que
superdotado. Todavia, os que tm baixa autoestima, quando apoiados em terapia,
ou em trabalhos pedaggicos, regra geral, melhoram seu autoconhecimento e, por
conseguinte, sua autoestima.
47
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
E o problema de revelar para um aluno que ele tem altas habilidades/super-
dotao est na dependncia que se tem da escola, de professores bem informados,
bem qualifcados, de ambientes escolares bem equipados, capazes de propiciar os
desafos que a descoberta produz, pois no adianta avaliar um aluno para saber
se ele superdotado ou no e no ter condies de fazer nada por ele, do ponto
de vista educacional. Falar para o aluno identifcado sobre o seu perfl s poder
ajud-lo a se autoconhecer e a se valorizar. Para quem tem baixa autoestima, essa
atitude teraputica.
No se deve comunicar famlia que um de seus membros superdotado
Para que a famlia no crie expectativas sobre o desempenho do superdota-
do, passando a exigir alm de suas possibilidades. Essa ideia precisa ser ressigni-
fcada, uma vez que no s o sujeito superdotado, mas tambm sua famlia precisa
ser informada sobre essa superdotao.
Sabe-se que as condies ambientais so fundamentais para o desenvolvi-
mento do potencial humano. Cabe no s escola, mas famlia criar as condi-
es adequadas ao desenvolvimento das potencialidades de seus membros.
A criana superdotada apresentar necessariamente
um bom rendimento na escola
Muitos educadores consideram que, pelo fato do aluno ser superdotado, ele
vai naturalmente aprender mais rpido e facilmente, no apresentando difculda-
des e, assim, apresentar rendimento superior. A experincia brasileira j demons-
tra que isso no verdade. comum encontrarmos uma defasagem entre o que o
aluno capaz de fazer e o que ele demonstra conhecer.
Muitos so os fatores que contribuem para que isso ocorra. E a sada talvez
seja realmente se dispor a conhecer o potencial de cada aluno, no s por meio de
notas escolares ou pelo timo comportamento que o aluno possua. Mas preci-
so prestar ateno, pois a Resoluo CNE/CEB 2/2001 retorna com um conceito
escolar de aluno com altas habilidades/superdotao restrito grande facilidade
de aprendizagem (art. 5., III), levando-os ao domnio rpido de conceitos, proce-
dimentos e atitudes.
48
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
A aula de hoje nos apresentou alguns aspectos relacionados aos mitos convencionados quanto
aos alunos portadores de altas habilidades/superdotao.
1. Analise, junto com seus colegas, as crenas concebidas sobre os portadores de superdotao.
Registre as concluses.
2. Anote os aspectos que contriburam para o seu entendimento quanto aos procedimentos que
devero ser observados no trabalho com alunos portadores de altas habilidades/superdotao.
49
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios I
3. Levante os questionamentos que esse texto provocou em voc, anote e discuta com seus cole-
gas.
50
Altas habilidades/
superdotao:
mitos e desafios II
N
esta aula veremos como outros mitos se estabeleceram em nossa sociedade, em razo de con-
ceitos equivocados quanto superdotao.
Os testes de inteligncia no so adaptados nossa realidade e, por isso, so de pouca uti-
lidade para a identifcao de superdotados
Essa uma concepo baseada na crtica radical da avaliao psicolgica, que defende que os
testes devem ser abolidos. Concebe os testes psicolgicos como produtos de uma viso de homem, so-
ciedade e conhecimento tecnicista, logo, inadequada. Por consequncia, os testes psicolgicos seriam
instrumentos derivados dessa viso e teriam o objetivo de conferir foro cientfco e justifcativa aos
processos de marginalizao e excluso social. A soluo para o problema da marginalizao e para
a excluso, vista como produzida pelos testes, seria seu abandono e, particularmente, o abandono das
tarefas padronizadas, partindo-se para mtodos mais abertos de avaliao.
Essa crtica radical se deve ao fato de, durante a maior parte do sculo XX, o Brasil ter sido
tanto produtor como consumidor de testes psicolgicos. Testes construdos em tempos e culturas di-
ferenciados dos atuais. Testes traduzidos no Brasil sem o embasamento terico devido e comerciali-
zados, durante muito tempo, sem qualquer tratamento cientfco de atualizao. Alm disso, conceitos
limitados de inteligncia geraram prticas limitadas de avaliao psicomtrica, considerando-se a
multidimensionalidade cognitiva que as teorias trazem hoje.
Em relao aos testes estrangeiros, verdade que muitos deles no eram validados para a di-
versifcada realidade brasileira. Alm disso, eram reduzidssimas as pesquisas sobre a validao e a
preciso desses instrumentos. Mas necessrio considerar que mesmo assim os testes foram impor-
tantes para realizar um certo tipo de avaliao, nas reas as quais eles se propunham a avaliar, e que
cabe ao especialista utilizar outros recursos que auxiliem numa avaliao mais precisa.
Dessa maneira, uma nova atitude crtico-refexiva, fundamentada terica e cientifcamente, vem
sendo construda, acompanhando os avanos nos modelos de teoria e medida e o desenvolvimento
de instrumentos e procedimentos de avaliao. Os testes psicolgicos so um dos instrumentos per-
tinentes avaliao psicolgica e o perito na rea o psiclogo, que precisa se valer de instrumentos
adequados, entre eles os testes psicolgicos, para tomar decises baseadas em normas objetivas, e no
no subjetivismo pericial do profssional.
claro que os instrumentos possuem uma srie de limitaes inerentes sua condio de tc-
nica. Por isso mesmo, a competncia dos profssionais, condicionada qualidade da sua formao,
possibilitar uma compreenso mais ampla e contextualizada do processo de avaliao no qual ele
est inserido, permitindo uma interpretao mais adequada dos resultados.
Em relao superdotao preciso observar as anotaes de Freeman e Guenther (2000) so-
bre os testes de inteligncia. Elas apontam o Stanford-Binet e o WISC como sendo os testes mais co-
nhecidos para a avaliao da inteligncia. Todavia, existem as Matrizes Progressivas de Raven que
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
vm sendo amplamente citadas nos estudos mais recentes. De qualquer forma,
mesmo a incluso das matrizes no invalida a observao daquelas pesquisado-
ras sobre os testes.
Os trs testes avaliam a inteligncia de formas diferentes tanto em termos de
valores numricos fnais como em contedo. O Stanford-Binet e o WISC medem
o Q.I., que um valor numrico calculado, usando-se a frmula IM/IC X 100. O
Raven avalia o percentual cognitivo, isto , em que proporo percentual o sujeito
avaliado se encontra em relao aos seus pares da mesma idade. Em relao ao
contedo desses testes, Freeman e Guenther (2000) observam que a nfase maior
do Stanford-Binet na rea verbal, enquanto que o WISC enfatiza a matemtica.
Vale observar que o Raven um teste no verbal e seus contedos so repre-
sentados por fguras geomtricas em diferentes formas e combinaes, exigindo
operaes de raciocnio lgico-abstrato, desde crianas em idade pr-escolar at
a idade adulta.
Nos dois primeiros casos, os testes so defnitivamente infuenciados pelo
que a criana aprende (FREEMAN; GUENTHER, 2000, p. 36). Estudos devem
ser realizados para pesquisar os fatores que infuenciam para os altos resultados
obtidos por crianas em idade pr-escolar na Escala Especial do Raven. Teori-
camente, essas crianas no teriam a reversibilidade do pensamento para operar
quantidades e elas o fazem com sucesso absoluto.
Mas o mais complexo em relao aos testes de inteligncia para superdota-
dos o efeito teto, isto , mesmo os valores mais elevados so ainda baixos para
distinguir satisfatoriamente entre os poucos por cento que se colocam no topo da
escala (FREEMAN; GUENTHER, p. 35).
Todo superdotado tem um pouco de loucura
Essa crena est baseada na nossa incredulidade e na nossa impossibilidade de
compreender a defasagem que h entre a sua capacidade de pensar, de resolver pro-
blemas, de antecipar acontecimentos e os modos de pensar de sua poca, acabando
por consider-los loucos. Vejamos o caso de Galileu. Sua grande capacidade flos-
fca e cientfca no eram compatveis com a poca em que vivia. Se no tivesse se
mudado para Pdua, certamente teria sido queimado na fogueira por discordar das
ideias aristotlicas, das ideias convencionais e por ser irnico com seus opositores.
Quando o superdotado no encontra condies adequadas no ambiente em
que vive, no sendo compreendido pela famlia ou pelos colegas, pode desenvol-
ver problemas de ordem emocional. So comuns a tendncia ao isolamento e as
difculdades de relacionamento social. Entretanto, isso no sufciente para ser
caracterizado como loucura, que um quadro mrbido que demanda providncias
especfcas. Essa ideia antiga e inadequada.
Superdotao caso raro. Poucos so aqueles
que podem ser considerados superdotados
Essa uma ideia muito comum na sociedade e fruto de diferentes esteretipos
encontrados sobre o assunto; entretanto, dependendo do rigor dos critrios adotados
na seleo desses indivduos, poderemos encontrar variao na incidncia de super-
52
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
dotao. So encontrados ndices de 1 a 3% (RUICKSHANK; JOHNSON, 1974;
NOVAES, 1979; GIBELLO, 1986) e 10 a 15% de indivduos superiores em cada
grupo (CRUICKSHANK; JOHNSON, 1974; NOVAES, 1979).
Seja qual for o critrio adotado, em se tratando de sociedade brasileira, no
podemos ignorar esses dados. Se possvel encontrar superdotados em todas as
classes sociais e etnias, e o Brasil conta, atualmente, com 170 milhes de habitan-
tes, esse no qualquer nmero ou um nmero para ser ignorado. Se imaginarmos
um nmero de superdotados, mesmo que com a taxa mnima de 1%, estamos
falando de 1 milho e 700 mil superdotados espalhados pelo Brasil, em todas as
classes sociais, de todas as etnias, sem qualquer atendimento educacional ao nvel
de suas capacidades, visando o mximo de suas potencialidades, voltados para a
construo de sua cidadania.
As classes mais abastadas suprem por si mesmas as necessidades educa-
cionais e culturais de seus flhos, porm o mesmo no acontece com as classes
mdia e popular, que vm a cada dia perdendo poder aquisitivo e menos podem
despender com educao e cultura, deixando esse encargo para a escola, que no
est preparada para trabalhar com esses alunos.
A histria tem mostrado que o talento no identifcado, no atendido, des-
perdiado pela sociedade pode reverter em prejuzos para a prpria sociedade.
Seja no crime organizado, seja por aes de prejuzo social, seja no crime poltico.
Temos visto grandes inteligncias, grandes lideranas com traos de inventivida-
de acentuados agindo contra a sociedade brasileira.
J existem dados importantes sobre questes de gnero e superdotao.
Algumas diferenas so encontradas entre o desempenho superior de homens
e mulheres. Algumas dessas diferenas so explicadas em termos de condies
ambientais e dos valores predominantes na sociedade, como demonstra o estudo
de Terman, que teve vrias publicaes no decorrer dos anos. Mas no podemos
esquecer os anos em que a mulher foi excluda da vida escolar, da cultura e da
produo do trabalho.
Talvez, por esse motivo, hoje, a maior incidncia de procura de ajuda
tanto da escola como da famlia ainda seja para os meninos que se rebelam com
mais frequncia que as meninas que so educadas de modo a terem bom com-
portamento. Todavia, a histria da humanidade j tem revelado grandes mulhe-
res: Marie Curie, Chiquinha Gonzaga, Golda Meir, Indira Gandhi ou Margareth
Thatcher, mesmo pensando e agindo de modos muito diferentes, conseguiram
romper as barreiras da conformao aos modelos de submisso a que as mulhe-
res foram submetidas durante milnios. Se pelas relaes interpessoais que as
sociedades se transformam, ento no se pode ignorar as mulheres superdotadas
no reconhecidas socialmente.
O atendimento a alunos superdotados gera elitismo social
Outro fator que impede o atendimento a alunos superdotados fca por conta
do medo do elitismo social, associado ao fracasso e excluso escolar da popu-
lao mais pobre. Na rea da Educao Especial, a urgncia no atendimento dos
alunos que apresentavam defcincias nas dcadas de 1970, 1980 e 1990, deman-
53
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
dando cada vez mais recursos e assistncia especializada, fez com que a rea
dos superdotados fcasse desprovida de recursos, esvaziando-se de experincias
estimuladoras que motivassem o desenvolvimento de programas tanto de enrique-
cimento como de acelerao ou de agrupamentos especiais.
A concepo de que o atendimento aos alunos superdotados seria uma de-
ciso antidemocrtica, uma vez que todos teriam direito ao atendimento educa-
cional, , tambm, uma ideia falsa e a educao para todos veio ajudar a acabar
com essa concepo. Antidemocrtico no oportunizar que todos tenham aten-
dimento ao nvel de suas possibilidades. Se justo que novas metodologias sejam
criadas, a fm de atender aos alunos fracassados e excludos, ou ainda para atender
aos portadores de defcincias, justo, tambm, que aqueles que apresentem po-
tencialidades e caractersticas de alta inteligncia, altas habilidades, sejam atendi-
dos de acordo com suas caractersticas e necessidades.
No raro, escutamos que esses alunos so capazes de se virarem sozinhos na
escola porque tm o que mais falta nos demais alunos. O tempo tratou de mostrar
que essa forma de pensar equivocada e que por no receberem a ateno escolar
que todo aluno necessita, o aluno de altas habilidades/superdotado, muitas vezes,
fracassa na escola. Um fracasso diferente daqueles que estamos acostumados a
ver, por ser um fracasso mediado pela conformao e pelo enquadramento aos
padres escolares estabelecidos, fora do seu nvel de desenvolvimento real.
Foi realizado um estudo de doutoramento (DELOU; BUENO, 2001), com o
objetivo de identifcar e analisar as formas pelas quais a escola lidou com alunos
que foram considerados superdotados e encaminhados para atendimento educa-
cional em salas de recursos, com vistas a compreender como as trajetrias esco-
lares desses alunos foram constitudas, j que o diagnstico feito no fora clnico.
Os alunos receberam atendimento especializado em escolas pblicas e, a princ-
pio, no havia por que imaginar que a trajetria escolar desses alunos no seria
outra que no a do sucesso escolar, j que eles foram considerados superdotados
por seu alto desempenho.
A contradio observada entre a histria de formao dos alunos e as suas
potencialidades pode ser explicada por Bourdieu e Passeron, que entendem que o
insucesso escolar afrmou-se como um fenmeno massivo e socialmente seletivo,
revelando uma escola reprodutora das desigualdades sociais em vez de, como era
esperado, as corrigir (BOURDIEU; PASSERON, 1977 apud CANRIO, 1994,
p. 101).
Mas a escola tem se mostrado uma instituio social mpar no projeto de
modernidade. Embora no sendo nica, ela tem ocupado posio central na so-
ciedade, assumindo uma centralidade que tem levado no ao exerccio de funes
subordinadas em relao a outras instituies, mas ao exerccio de manuteno
das relaes de reciprocidade com as outras instituies sociais, participando da
formao de novos valores da sociedade (BERNSTEIN, 1996).
Ao estudar a relao contempornea entre a educao e a produo por meio
de um modelo terico que localiza a educao como responsvel pelo discurso
pedaggico, Bernstein acabou explicando as regras que organizam a produo,
54
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
distribuem o discurso, a sua recontextualizao e a sua reproduo na prtica,
ou seja, acabou por criar uma teoria que pretende explicar as regras que regu-
lam as prticas pedaggicas. Para esse socilogo da educao, a escola o lugar
onde so realizadas prticas pedaggicas produtoras de cdigos de controle sobre
histrias escolares que no esto assentadas em concreto ou em areia movedia
(BERNSTEIN, 1996, p. 19).
Com a pesquisa realizada, descobrimos que as histrias escolares dos alu-
nos entrevistados foram construdas com base e a partir dos cdigos dinmicos de
conformao voluntria e enquadramentos produzidos nas prticas pedaggicas,
que se concretizaram nas relaes sociais escolares e foram determinadas pelos
discursos construdos e que estabelecem as regras discursivas que regulam e
legitimam a forma de comunicao (BERNSTEIN, 1996, p. 41 apud DELOU,
2001) entre professores- -professores, professores-alunos e alunos-alunos.
A partir de uma cultura que muito prpria a cada unidade, podemos
enten der que cada escola tem sido responsvel por estimular ou desperdiar ta-
lentos que nela chegam. No caso das escolas pblicas pesquisadas, o que se cons-
tatou foi o desperdcio do talento escolar nas classes populares. Embora a escola
pblica propiciasse atendimento especializado em sala de recursos para alunos
superdotados, esse atendimento no impediu que os alunos fossem submetidos
aos cdigos de enquadramento e conformao praticados pela escola no seu coti-
diano escolar. A insatisfao demonstrada com o alto rendimento escolar, porque
este acabava produzindo represlias por parte dos colegas, no foi resolvida com
o encaminhamento dos alunos s salas de recursos e nem tampouco encorajou-os
a manterem seus rendimentos nos patamares iniciais, que justifcaram os enca-
minhamentos a essas salas.
Se Vygotsky (1987) descobriu a zona de desenvolvimento proximal e com
ela a importncia do nvel de desenvolvimento real dos alunos e a sua importncia
para as aprendizagens, ento os alunos superdotados devem ser atendidos edu-
cacionalmente de acordo com o nvel de desenvolvimento real que possuem. Se
assim procedermos com todos, independentemente de classe social ou de etnia,
como estaremos produzindo elitismo social? Se estivermos dando oportunidades
a todos, de que elitismo se est falando?
Essas so as ideias equivocadas apontadas pela literatura especializada, fru-
to de pesquisas e estudos que precisam ser mais divulgados, discutidos e esclare-
cidos, principalmente nos meios acadmicos, nos quais se encontram grande parte
das resistncias de atendimento educacional ao superdotado.
Os desafos
O sculo XXI comeou e os desafos esto postos: os novos contornos geo-
polticos, a globalizao, a justia social, o multiculturalismo, a incluso dos ex-
cludos. Do mesmo modo esto postos os desafos com a educao dos superdo-
tados. Enfrentar os mitos descritos anteriormente enfrentar as resistncias que
retardaram o atendimento aos alunos superdotados na sociedade brasileira.
55
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
Embora, desde a dcada de 1970, o MEC viesse incentivando a formao de
professores e o atendimento educacional nas diversas redes de ensino estadual e
municipal por meio de encontros, seminrios e cursos, a verdade que a ressonn-
cia no foi muito alta. Os alunos superdotados fcaram merc dos esteretipos
sociais que alimentamos revelia dos estudos j realizados no Brasil. A excluso
que os alunos superdotados vivenciaram e ainda vivenciam uma excluso di-
ferenciada, pois quando falamos de excluso pensamos logo em algum ou algo
que esteja fora e, contraditoriamente, esses alunos sempre estiveram dentro das
escolas, matriculados nas escolas, sendo escolarizados, mas sem qualquer ateno
particular ao seu nvel de desenvolvimento real.
Ao lado da diminuio do rendimento escolar, os alunos alteraram seu pa-
dro de comportamento, naqueles quesitos que a escola sinalizava como sendo
encontrados nos bons alunos, como ter os cadernos em dia, copiar as tarefas,
acompanhar as aprendizagens conforme o ritmo escolar, no antecipando apren-
dizagens e no atrapalhando o professor.
Embora as escolas que encaminhavam alunos para as salas de recursos
para superdotados, porque apresentavam alto desempenho escolar, dessem si-
nais de comear a trabalhar com uma concepo de inteligncia diferenciada
da original, considerada unitria e fxa, uma vez que vrios alunos foram en-
caminhados para as salas de recursos com a indicao de motivos outros que
no apenas o do desempenho acadmico, contraditoriamente, essa mesma es-
cola demonstrou desconsiderar os talentos levantados no mbito da educao
escolar, na medida em que, no dia a dia da sala de aula regular, parecia no
permitir que eles se manifestassem, deixando que essa manifestao ocorresse
apenas nas salas de recursos.
Apesar de termos maior conscincia a respeito do peso que o meio cultural
exerce sobre o xito escolar (PERRENOUD, 1999), o relato dos alunos deu conta
de que eles estudaram num contexto em que no era possvel que aqueles talentos
efetivamente fossem expressados fora da sala de recursos. No era possvel com-
partilhar o enriquecimento escolar com a sala de aula regular.
As trajetrias escolares dos alunos estudados foram fortemente infuencia-
das por uma lgica de desempenho escolar, resultante no s de caractersticas
individuais, singulares, reconhecidas pela escola e evidenciadas nas entrevistas,
mas, tambm, por uma lgica de desempenho escolar resultante de prticas pe-
daggicas, cotidianas, desenvolvidas na escola pblica de massas, brasileira, de
modo formal, fragmentado e descontextualizado, por meio de cdigos de en-
quadramento que levavam os alunos, com muito maior potencial, a cumprirem
apenas as formalidades para serem aprovados na escola, porque na realidade a
escola, embora reconhecesse o alto desempenho dos alunos, no os valorizava,
buscando mecanismos de conformao aos padres de desempenho praticados,
em geral.
Mas se a escola pblica, instituio social de importncia central na orga-
nizao dos conhecimentos produzidos pela sociedade, ignorar os talentos evi-
denciados por seus alunos, regra geral, oriundos das classes populares, se ela no
56
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
encontrar condies de trabalho com as individualidades, no conseguir organizar
prticas pedaggicas voltadas para a diversidade no aprender, no garantir ambientes
escolares enriquecidos e estimulantes para esses e todos os seus alunos marcados pelo
estigma da excluso, certamente manteremos nossos alunos cada vez mais distantes
do processo de construo de uma sociedade democrtica e cidad.
Inclusive os mais capazes, pois as prticas que reafrmam as injustias
sociais atingiram a parte dos alunos entrevistados. Apenas 50% (n=5) tiveram
condies de continuar seus estudos de nvel superior, enquanto a outra parte,
por ter que contribuir com a sua prpria subsistncia e a de seus familiares, no
tiveram acesso continuado ao nvel superior e encontravam-se conformados de
que se um dia o fzessem, teriam que faz-lo via universidades particulares, ex-
pressando uma certeza da impossibilidade de se submeterem com sucesso s
universidades pblicas.
Se os alunos vo para a escola para aprender e ns, que recebemos alunos
com diferentes nveis de desenvolvimento real, no nos encontramos preparados
e/ou disponveis para lidar com a diversidade humana e com os seus talentos,
como conseguiremos superar as excluses praticadas? Como contribuiremos para
a construo de uma sociedade mais justa e democrtica?
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9.394/96) se
mostra muito mais avanada que a prpria sociedade em que vivemos, pois a lei
de ensino recomenda aes socioeducativas que so verdadeiros desafos para a
sociedade. Nela esto possibilidades de organizao escolar em sries anuais,
perodos semestrais, ciclos, alternncia regular de perodos de estudos, grupos
no seriados, com base na idade, na competncia e em outros critrios, ou por for-
ma diversa de organizao, sempre que o interesse do processo de aprendizagem
assim o recomendar (art. 23). E quando que ele no recomenda?
A matrcula no mais est condicionada idade apenas, pois independe de
escolarizao anterior, mediante avaliao feita pela escola, que defna o grau de
desenvolvimento e experincia do candidato e permita sua inscrio na srie ou
etapa adequada, conforme regulamentao do respectivo sistema de ensino (art.
24, II, c).
O mesmo deve ser considerado em relao acomodao das turmas que
podero ser organizadas em classes, ou turmas, com alunos de sries distintas,
com nveis equivalentes de adiantamento na matria, para o ensino de lnguas
estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares (art. 24, IV), e a possi-
bilidade de avano nos cursos e nas sries mediante verifcao do aprendizado
(art. 24, V, c).
No Captulo V, especfco da Educao Especial, so assegurados aos alunos
com necessidades educacionais especiais: currculos, mtodos, recursos educativos
e organizaes especfcas para atender s suas necessidades (art. 59, I); acelera-
o para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados (art.
59, II); professores com especializao adequada em nvel mdio ou superior para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular, capacitados
para a integrao desses educandos nas classes comuns (art. 59, III); educao es-
57
Altas habilidades/superdotao: mitos e desafios II
pecial para o trabalho, visando sua efetiva integrao na vida em sociedade, bem como para aqueles
que apresentam uma habilidade superior nas reas artstica, intelectual ou psicomotora (art. 59, IV).
Os desafos esto lanados, explcitos, tm amparo legal. O que est faltando? Esse dever de
casa ainda est por ser feito pela sociedade brasileira.
A aula de hoje nos trouxe uma srie de informaes sobre como ultrapassar os mitos criados a
respeito dos alunos portadores de altas habilidades/superdotao.
1. Analise, junto com seus colegas, como viabilizar os procedimentos apresentados em uma escola
de ensino regular. Depois, registre suas concluses.
2. Aproveite esta oportunidade e troque informaes e experincias que tm apresentado resulta-
do satisfatrio com esse tipo de alunado.
3. Levante seus questionamentos acerca da aula de hoje e faa um debate com seus colegas.
58
A avaliao de
alunos portadores
de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
A
paralisia cerebral (PC) pode ser defnida como uma defcincia motora causada por uma leso
no crebro, tendo como consequncia um problema irreversvel, no progressivo, que altera
a coordenao motora, o equilbrio e/ou a fala, retarda ou impossibilita o desenvolvimento
normal da criana, podendo vir ou no acompanhado de defcincia mental ou sensorial.
Apesar da paralisia cerebral ser caracterizada por uma disfuno motora, comum que venha
acompanhada por outros distrbios associados funo cerebral, que podem ser defcincia cogniti-
va, visual, auditiva, lingustica, sensitiva cortical, de ateno, vigilncia e comportamento. Tambm
frequente a presena da epilepsia, assim como disfunes gastrintestinais e de crescimento.
A presena de dispraxias e agnosia interfere nas tarefas que exigem habilidades de expresso
oral ou simplesmente facial. Em crianas que foram acometidas por uma forma de paralisia cere-
bral relativamente branda, em que os distrbios so referentes a leses na parte mais alta do crtex,
pode-se apresentar difculdade na realizao de atividades da vida diria, como o ato de se vestir ou
amarrar os cadaros dos sapatos.
Uma parte das crianas com paralisia cerebral apresentam defcincia mental, porm existem
tambm as que tm a inteligncia preservada, e em ambos os casos necessrio que a criana seja
avaliada constantemente, mediante uma abordagem multidimensional em que se combinem resulta-
dos de testes de competncia em observao, critrio e padro.
Devido diversidade dos quadros clnicos da paralisia cerebral, torna-se difcil especifcar
quais necessidades educativas especiais ter esse aluno e tal difculdade se acentuar no processo de
avaliao de sua aprendizagem.
A difculdade de avaliao desses alunos, devido s suas caractersticas peculiares, frequente-
mente se torna um problema do qual os professores do ensino regular, como os que entrevistamos em
uma pesquisa que realizamos em trs escolas municipais do Rio de Janeiro, preferem passar adiante,
deixando, muitas vezes, a cargo de professores itinerantes.
O fazer pedaggico: ajustes e adaptaes
que viabilizam o processo de avaliao
Primeiramente, vlido mencionar a importncia do trabalho educacional ser assessorado por
professores especializados em educao especial e, quando necessrio, por profssionais da rea de
reabilitao como fonoaudilogos, fsioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psiclogos e outros.
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
Tambm devemos destacar que as aes educativas para esses alunos devem
estimul-los a utilizar suas reais possibilidades para conhecer o mundo por meio
de interaes com o meio, garantindo a essas crianas, como s demais, o desen-
volvimento da totalidade de seus potenciais.
Finalmente, a utilizao de recursos ergonmicos (adaptaes do meio fsi-
co) possibilita posturas corporais adequadas, facilitando o acesso aos mobilirios
e dependncias da escola; auxilia nas funes que exigem coordenao motora e
na comunicao, tornando-se, em muitos casos, fundamentais para a realizao
de um bom trabalho pedaggico.
Um dos recursos de adaptao de fnalidade comunicativa so os sistemas
aumentativos e alternativos de comunicao, que constituem todos os mecanismos
de expresso que diferem da palavra articulada. Quando o aluno com paralisia ce-
rebral apresenta problemas motores acentuados, que impossibilitam a realizao
de gestos manuais, comum a utilizao de sistemas assistidos ou com ajuda.
Esses sistemas so escolhidos individualmente de acordo com as necessidades de
cada um, levando-se em conta, tambm, o desenvolvimento cognitivo at ento
alcanado. Eles se caracterizam por trs elementos: o conjunto de smbolos, as
formas de representar a realidade e as regras formacionais e combinatrias, que
resultam num sistema expressivo e mecanismo fsico, que por meio de um auxlio
tcnico capaz de transmitir mensagens.
As mensagens podem ser transmitidas por intermdio de voz sintetizada,
smbolos grfcos que so representados por fguras, letras ou textos, disponibi-
lizadas em pranchas portteis de comunicao. Essas pranchas podem oferecer
recursos no eletrnicos, sendo encontradas em formato de quadros confeccio-
nados domesticamente com materiais simples. Tambm podem ser utilizados co-
municadores pessoais que usam uma tecnologia mais sofsticada do que a das
pranchas portteis, porm menos complexa do que os computadores pessoais. So
compostos por teclado, visor de cristal lquido, possuindo alguns uma impressora
e apresentando tamanho pequeno, semelhantes a uma calculadora.
Finalmente, existem os computadores pessoais que cada vez mais tm me-
lhorado os avanos nos Sistemas Aumentativos e Alternativos de Comunicao,
apresentando altas potncias, recursos fexveis e de fcil adaptao individual. A
ttulo de exemplo, encontramos o teclado expandido que pode tornar o aluno com
difculdades motoras acentuadas capaz de utilizar o computador, desenvolvendo
sua capacidade de manter e introduzir, na memria, uma quantidade grande de
informaes ou at descart-las com facilidade, permitindo, ainda, a possibilidade
de uso de fala sintetizada e outros elementos que podem favorecer amplamente
ganhos nas habilidades comunicativas desses alunos.
Os comunicadores com componentes de Sistemas Aumentativos e Alterna-
tivos de Comunicao combinados ampliam qualitativamente e quantitativamente
a interao de seus usurios com o meio. Vrios recursos podem ser combinados
para possibilitar a interao desses alunos, tanto na sala de aula quanto nos demais
ambientes, por meio de uma comunicao efciente com pessoas com as quais se
relacionam. Dependendo da situao, do lugar ou da ocasio, ser utilizado o re-
60
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
curso que for mais adequado. Alguns desses alunos tambm podem se comunicar
por meio de gestos ou expresses faciais.
Existe uma grande variedade de tcnicas para que o aluno selecione e trans-
mita esses smbolos que, resumidamente, podem ser apresentadas em cinco gru-
pos: sistemas que so baseados em elementos bastante representativos, tais como
miniaturas, fotografas ou desenhos fotogrfcos; sistemas baseados em pictogra-
mas; sistemas que utilizam combinaes de smbolos pictogrfcos, ideogrfcos
e arbitrrios; sistema baseado na ortografa tradicional, que se utiliza de letras,
slabas ou palavras; e linguagem codifcada.
Outros instrumentos tambm podem ser utilizados com o objetivo de faci-
litar ou de substituir a comunicao escrita, como o uso de gravadores portteis
que, alm de registrarem uma aula em udio, possibilitam a realizao de exerc-
cio ou avaliao, no qual o aluno que possui difculdades para escrever, mas con-
segue se comunicar verbalmente, poder gravar suas respostas em ftas cassete,
substituindo o registro grfco. A mquina de escrever eltrica e o computador
tambm podem ter grande utilidade, j que possibilitam, em alguns casos, a rea-
lizao de trabalhos escritos. Em particular, o computador pode possibilitar a cria-
o de desenhos e a busca de informaes por meio da internet. Tanto a mquina
de escrever eltrica quanto o computador podem exigir adaptaes que vo va-
riar de acordo com as necessidades dos alunos, a fm de favorecer o uso destes
equipamentos. Outros tipos de materiais como lpis, canetas e cadernos tambm
podem ser adaptados para facilitar a escrita dos alunos que tem, mesmo que com
difculdade, capacidade para a escrita manual.
O uso desses instrumentos veio facilitar tanto a vida escolar quanto a vida
pessoal desses alunos. Porm, quando a motricidade se encontra afetada, cabe ao
educador verifcar como esses alunos utilizam seus corpos para executar determi-
nadas funes, como se organizam em sala de aula ou, at, quando h possibili-
dades, como relatam suas experincias, para, assim, atender da melhor maneira
possvel suas necessidades educativas especiais.
Acreditamos que essa gama de opes que apresentamos, de recursos ou
adaptaes que possibilitam tanto a permanncia do aluno no ambiente fsico da
escola quanto a sua expresso oral e escrita, poderia estar contribuindo para fa-
cilitar a avaliao, minimizando as difculdades encontradas pelos professores no
processo de incluso do aluno portador de paralisia cerebral no ensino regular.
O que os professores que possuem
alunos portadores de paralisia cerebral
includos em sua classe pensam a respeito
da avaliao desse aluno
Reconhecemos que os professores de alunos portadores de paralisia
cerebral possam encontrar difculdades para realizar avaliaes, no s pelo
61
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
despreparo quanto ao trabalho com essa clientela como pelo uso de prtica pe-
daggica no condizente com o processo de aquisio do conhecimento. De-
vido ao grau do comprometimento motor que esses alunos, s vezes, apresentam,
poder ser necessria uma adaptao no processo de avaliao, bem como
dever se fazer adaptaes nos recursos metodolgicos utilizados no decorrer
do processo ensino-aprendizagem.
Ainda, nos dias atuais, encontramos muitos professores que se utilizam ape-
nas de provas e testes escritos para avaliao discente. Tal postura, alm de excluir
a possibilidade de avaliar alunos portadores de cuidados especiais com mais pro-
priedade, verifca um descuido real quanto construo do conhecimento.
Dessa forma, a avaliao desses alunos foi um dos aspectos salientados em
nossas entrevistas, nas quais encontramos trs tipos de colocaes: professores
que disseram realizar avaliaes sem difculdades, professores que disseram ne-
cessitar do apoio do professor itinerante para realizar as avaliaes e professores
que disseram ter difculdade em realizar as avaliaes.
Professores que disseram
realizar avaliaes sem difculdades
Os professores que expuseram tal posicionamento demonstraram possuir,
para esses alunos, uma forma diferenciada de avaliao; porm, no mencionaram
difculdades em realiz-la.
Pudemos observar que alguns de nossos entrevistados realizam uma ava-
liao baseada em princpios construtivistas, embora suas falas no sejam exata-
mente a expresso restrita do que essa posio pedaggica prope. Tais princpios
foram expostos mediante colocaes como:
Olha, a minha avaliao para esses alunos, ela tem que ser feita de forma diferente. Ento,
mais a atuao dele dentro da sala de aula, se ele participa, se ele faz os trabalhos, porque
eles tm condies de fazer, de uma forma mais lenta, mas tm. Se ele faz o trabalho e se
ele atinge o objetivo, e a minha avaliao, entendeu, no precisa de prova, de teste, para
avali-lo. mais no dia a dia.
A fala desse professor nos permite entender que a avaliao do referido alu-
no se processa durante a aprendizagem, mediante sua participao e realizao de
trabalhos, porm no fca claro se leva em considerao o caminho que o aluno
percorre para atingir o objetivo fnal, ou seja, a aprendizagem, fato este defendido
pela posio construtivista.
A abstinncia de provas ou testes na avaliao de alunos, mesmo usada com
sabedoria, no seria apenas benfca para os estudantes portadores de paralisia
cerebral, mas para todos os alunos. Em provas ou testes, os alunos se limitam a apre-
sentar um resultado obtido em um dado momento, deixando de ser analisado todo o
processo de construo do conhecimento para a obteno daquele resultado.
62
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
Em sua abordagem, esse profssional justifca sua forma de avaliar, afrman-
do que os alunos portadores de paralisia cerebral possuem condies de realizar
trabalhos de forma mais lenta, porm atingindo os objetivos propostos. Sendo
assim, tal forma de avaliar considera-se parte do pressuposto de que esse aluno
capaz de aprender, como os outros integrantes de sua turma.
Tambm encontramos falas que enfatizam a avaliao desses alunos,
alm da participao, a integrao e a fora de vontade para realizar tarefas,
conforme expresso:
lgico que a avaliao diferente dos outros alunos, mas no existe difculdade. Eu
os avalio de uma outra maneira, eu vejo eles com uma outra viso e procuro avaliar eles
de uma outra maneira. De uma maneira geral, eu acho que eles tm, assim, muita fora
de vontade de realizar as tarefas. Eu observo a integrao deles, a participao, porque de
uma certa maneira eles participam tambm.
Apesar desse professor explicitar que realiza a avaliao desses alunos da
forma que considera como geral, enfatizando os aspectos que citamos acima, em
nenhum momento enfocada a avaliao da realizao dessas tarefas, ou seja, da
aprendizagem. Deve-se ter o cuidado de no se reproduzir um discurso baseado
apenas em aspectos que sensibilizam os professores, j que no caso desses alunos
deve caber ao professor no s a crena, como a preocupao com o desenvolvi-
mento da aprendizagem.
Outros professores disseram, ainda, que elaboram para seu aluno portador
de paralisia cerebral provas de mltipla escolha. Entretanto, demonstraram no
saber se essa era uma forma efcaz. Nos passaram essa ideia mediante as seguintes
colocaes:
Eu tinha que fazer uma avaliao diferente dos colegas para ela. Talvez at porque eu no
recebi uma informao, assim, como avaliar, ela era nica na sala de aula, ento eu tive
uma avaliao diferente, geralmente fazia uma prova de mltipla escolha e perguntava
para ela, tinha que ler a prova para ela, para ajud-la e ela ia dizendo sim ou no, conforme
ela achava que a resposta estava certa ou errada.
Eu no tenho difculdade no, porque ele se expressa oralmente, com difculdade, mas
ele se expressa e quando a gente faz uma avaliao mais adequada a ele, para marcar
um X, ele responde numa boa. A gente tem condio de avaliar o quanto ele aprendeu.
A elaborao de uma prova de mltipla escolha pode ser uma alternativa ef-
caz para professores que tm necessidade de utilizar, prioritariamente, provas ou
testes escritos como instrumentos de avaliao. Cabe ressaltar que, de acordo com
os outros professores acima mencionados, esse tipo de avaliao pode ser substi-
tudo por um acompanhamento dirio, observando a participao desses alunos
na realizao de trabalhos em grupo, nas realizaes de tarefas individuais e no
envolvimento nos debates e discusses em sala de aula.
Podemos focar tambm a necessidade que esse aluno tem em no se sentir
benefciado ou valorizado, ao perceber que existe um tipo de avaliao padroniza-
da para a turma e que ele no avaliado de forma diferente. nesse sentido que
a prova de mltipla escolha tem o seu valor, para mostrar-lhe o quanto aprendeu
e o quanto capaz, fazendo-o sentir-se integrado ao nvel de aprendizagem da
turma.
63
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
Professores que disseram necessitar
do apoio do professor itinerante
para realizar as avaliaes
Quase todos os professores aludiram valor presena do professor itine-
rante, tanto na sala de aula, auxiliando os alunos portadores de paralisia cerebral,
como conversando com os professores sobre a forma de proceder com esses alu-
nos. Esse grupo de professores mencionou a importncia do professor itinerante,
especifcamente, no processo de avaliao desses alunos, na medida em que o
mesmo um profssional especializado para trabalhar com alunos portadores de
necessidades educacionais especiais, includos em classes regulares e com seus
respectivos professores. So competncias do professor itinerante: atender s ne-
cessidades educacionais desses alunos, orientar, informar e supervisionar os tra-
balhos que os educadores desenvolvem com os alunos includos em sala de aula,
do ensino regular.
Como dissemos acima, os integrantes desse grupo contam sempre com o
apoio de professores itinerantes para realizar a avaliao dos alunos portadores de
paralisia cerebral, sendo que, em alguns casos, se sentem incapazes de realizar qual-
quer tipo de avaliao, como foi o caso de um professor que exps essa situao:
Eu no fao avaliao dela, no tem como fazer uma avaliao dela. Quem avalia
uma pessoa que vem exclusivamente para fazer avaliao de todas as disciplinas. Eu
j estive conversando com esta pessoa que vem fazer essa avaliao, que faz o acom-
panhamento dela. Ns tentamos chegar a alguma concluso, mas no conseguimos
chegar concluso nenhuma.
Esse professor nos pareceu muito infexvel quando afrma no ter condi-
es de avaliar sua aluna, assim como indica desconhecer os procedimentos ade-
quados a um processo avaliativo. J vimos, no decorrer de nossa exposio, que a
avaliao um processo que deve ser realizado diariamente, por meio de obser-
vaes realizadas pelo professor, durante o decorrer de todas as aulas. Ao dizer
que no realiza nenhum tipo de avaliao, esse professor, alm de transferir sua
responsabilidade para o professor itinerante, se exclui de qualquer participao,
esquecendo-se de que competncia do docente desenvolver e avaliar os procedi-
mentos didticos. Cabe ao itinerante auxiliar o professor e no executar cotidia-
namente as tarefas pedaggicas.
Tal excluso no processo de avaliao tambm foi justifcada pela falta de
concluso sobre o comportamento pedaggico da aluna em questo. possvel
um profssional no perceber os avanos de seu aluno?
Acreditamos que a discusso sobre um tema ainda to polmico a ava-
liao nunca deve ser esgotado, pois seus aspectos abrangem no apenas como
avaliar corretamente um determinado aluno que possui necessidades especfcas,
mas todos os alunos.
Ideia semelhante se evidenciou na fala de um outro professor, que tambm
aponta para a difculdade de avaliar: h (difculdade) na hora que o itinerante no
est junto. Quando ela est, no h difculdade, pois ela quem faz essa ponte.
64
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
Esse professor diz necessitar da presena do professor itinerante para fazer a pon-
te entre a aprendizagem e a avaliao da turma em geral, e a aprendizagem e
a avaliao desses alunos. Essa situao nos faz pensar sobre duas questes: a
insegurana do profssional em desenvolver o seu trabalho com essas crianas e,
consequentemente, em avali-las. Consideramos que, quanto mais o professor de
turma estiver sensibilizado e com informaes sufcientes a respeito do potencial
dos alunos portadores de paralisia cerebral, mais autnomo ele se sentir para
realizar a avaliao deles, optando pela melhor maneira que for indicada por sua
prtica pedaggica.
Ns encontramos tambm um outro regente de turma que relatou no haver
difculdades quanto avaliao de sua aluna, j que, segundo ele, a professora iti-
nerante era quem realizava a prova: no, porque a pessoa que fazia a prova para
ela, fazia fcil de corrigir. Quando ela fazia a prova, vinha a professora itinerante
e era ela que fazia a prova, ela perguntava menina, que dizia sim ou no. No
houve difculdade no.
Novamente mencionada, aqui, por esse professor, a importncia do pro-
fessor itinerante para realizar a avaliao de sua aluna, deixando tambm de citar
outras formas de avaliao alm da prova. Explicita a forma como a prova apli-
cada aluna, demonstrando ter conhecimento desse processo.
Como vimos, o papel do professor itinerante, apesar de importante para
a avaliao do aluno portador de necessidades educacionais especiais, em al-
guns casos acaba eximindo o docente de sua responsabilidade com a turma
e com o desempenho desse tipo de alunado, considerando que h um profs-
sional para atender os chamados casos difceis. para esse tipo de problema
que nos alerta Mantoan (2003): Esse servio igualmente refora a ideia de que
os problemas de aprendizagem so sempre do aluno e que o especialista poder se
incumbir de remov-los, com adequao e efcincia.
necessrio, portanto, que as prticas e os conhecimentos dos docentes pos-
sam evoluir, a fm de que sejam capazes de buscar solues para seus problemas.
Professores que disseram ter
difculdade em realizar a avaliao
Os professores integrantes desse grupo mencionaram possuir difculdades
para realizar a avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral, apresentando
diferentes justifcativas. Esses professores, alm de demonstrarem desconheci-
mento quanto ao potencial desses alunos, deixam claro seu despreparo para lidar
com essa questo.
Apesar da afrmao de existncia de difculdade para avaliar os alunos
portadores de paralisia cerebral, no se percebe nenhuma preocupao em buscar
alternativas para san-las. Dizendo que no avalia esse aluno, procura ocultar sua
responsabilidade com o processo de aprendizagem e avaliao, promovendo dis-
criminao por meio de fnjo que no vejo, bem como culpabiliza a escola pela
65
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
incluso do aluno em turma regular.
Todas as difculdades. Primeiro, que eu no conheo o tipo de doena, no sei o que fao
para ele, como que eu vou avaliar esse aluno. No, o que estou fazendo o seguinte: eu
fnjo que no vejo, entendeu, esse aluno, eu aprovo ele, sem avaliar. J que o colgio botou
ele aqui, e diz que eu tenho que avali-lo, ento eu vou aprovando. Mas eu no medi esse
aluno, eu no tenho como medir.
O preconceito faz com que seja negado ao portador de paralisia cerebral o
direito de aprender como todo e qualquer aluno. Fingir que aprova, dispensando
preocupao com o ato de ensinar, enganar o aluno, bem como negar possibili-
dades de avanos pedaggicos, provocando lacunas irreparveis.
O paradigma da incluso nos prope a superao desse discurso que, durante
muito tempo, fez com que muitos alunos portadores de paralisia cerebral e de outras
defcincias fcassem impedidos de frequentar as escolas de ensino regular. Essa vi-
so fruto de uma representao que ainda hoje perdura, na qual o aluno portador
de necessidades educacionais especiais visto como um problema a ser resolvido
exclusivamente pela educao especial, fazendo com que vrios alunos capazes de se
integrar escola regular fquem restritos a ambientes segregados do convvio com os
demais estudantes, como nos lembra Fonseca (1995, p. 210): No passado, a Educa-
o Especial e toda a sua superestrutura apontava o dedo de acusao para a criana
defciente. No futuro, provavelmente, teremos de apontar para o sistema de ensino.
Esse autor se refere questo central da insero do aluno portador de def-
cincia no ensino regular. A obrigatoriedade da incluso de alunos portadores de
defcincias em escolas, juntamente com os demais alunos, j est fazendo com
que todo o sistema de ensino se responsabilize por esses educandos, no sendo
esta uma responsabilidade apenas da Educao Especial. A aceitao desses alu-
nos pelo professor e o seu empenho para realizar um bom trabalho so alicerces
fundamentais na construo de uma escola inclusiva.
Difculdades existiro sempre, considerando a diversidade do grupo que se
apresenta turma, porm dever do professor buscar formas de suplant-las,
preciso que as difculdades sejam entendidas como desafos e nunca como impos-
sibilidades.
Algumas consideraes
Talvez nos caiba, nesse momento, indagar se esses professores sabem usar
sua ao-refexo sobre seu prprio fazer pedaggico, para, assim, adapt-lo no
somente s possibilidades desses alunos, mas s peculiaridades de cada um dos
demais alunos. Por que ser que apesar de existirem diversos recursos facilita-
dores para avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral, ainda existe, por
parte dos professores, tanta difculdade para avali-los?
Uma boa avaliao pressupe um conhecimento tanto das capacidades do
aluno quanto da crena da importncia da incluso. Acreditamos ser necessrio,
alm dos urgentes incentivos governamentais, um maior compromisso dos profes-
sores com a incluso de todos os alunos portadores de necessidades educacionais
66
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
especiais, j que, como pudemos observar, existem professores que conseguem dimensionar o quanto
sua postura em sala de aula pode interferir na vida desses alunos.
A condio de muitos professores em ainda estarem presos a processos de avaliao tradicio-
nais, como testes e provas, contribui para que no se sintam capazes de criar outras formas de avalia-
o para esses alunos. A prtica da observao diria ainda um sonho distante. preciso que haja
maior investimento na formao profssional, na prpria formao acadmica.
A Declarao de Salamanca (BRASIL, 1994a, p. 11), o documento de origem e referncia para
a Educao Inclusiva, na parte onde trata de seus apelos para todos os governos, relaciona entre suas
recomendaes um tpico a respeito dessa questo: assegurar que, num contexto de mudana sis-
temtica, os programas de formao do professorado, tanto inicial como contnuo, estejam voltados
para atender as necessidades educativas especiais nas escolas integradoras.
Partindo dessa proposio, podemos verifcar que tal mudana ainda carece de estar mais pre-
sente em iniciativas que visem formao continuada dos professores, oferecendo a esses educadores
novas formas de pensar diversos aspectos da educao, a fm de atender s peculiaridades individuais
de cada aluno, e entre tais aspectos acreditamos que esto a avaliao tanto de alunos portadores de
paralisia cerebral quanto de alunos que apresentem outras especifcidades. Esse ponto merece desta-
que devido sua relevncia para o xito da incluso escolar de alunos que apresentem necessidades
educacionais especiais.
Mitos e preconceitos ainda rondam nossa prtica escolar. A aula de hoje mostra que, mesmo
com paralisia cerebral, uma criana capaz de um desenvolvimento completo, se respeitadas as pe-
culiaridades existentes entre sua capacidade e formulao do currculo.
1. Registre as possibilidades de recursos disponveis para a aprendizagem desses alunos e comente
com seus colegas.
67
A avaliao de alunos portadores de paralisia cerebral:
um desafio a ser superado pela Educao Inclusiva
2. Discuta com seus colegas as possibilidades reais de incluso em turmas regulares de alunos
portadores de paralisia cerebral. Registre as concluses a que chegaram.
3. Anote os questionamentos e as dvidas produzidas por esse texto e faa a discusso com
seus colegas.
68
Trabalhando com o aluno
portador de deficincia mental
A
Educao Especial uma modalidade de ensino destinada s pessoas portadoras de defcin-
cia, de condutas tpicas e de altas habilidades, considerada pela Constituio Brasileira como
parte inseparvel do direito educao.
conceituada como processo de desenvolvimento global das potencialidades de pessoas porta-
doras de defcincias, condutas tpicas ou de altas habilidades, abrangendo os diferentes nveis e graus
do sistema de ensino. Fundamenta-se em referenciais tericos e prticos, compatveis com as necessi-
dades do seu alunado. O processo deve ser integral, fuindo desde a estimulao essencial at os graus
superiores de ensino, e sua tarefa prioritria ampliar os nveis de competncia tcnica, eliminando
o preconceito que atinge o seu alunado.
De acordo com a Poltica Nacional de Educao Especial (BRASIL, 1994b), so considerados
alunos portadores de necessidades educativas especiais aqueles que, por apresentarem necessi dades
prprias e diferentes dos demais alunos, requerem recursos pedaggicos e metodologias educa-
cionais especfcas.
Dentro desses entendimentos, vamos abordar, na aula de hoje, quem o aluno portador de def-
cincia mental e os procedimentos favorveis ao seu desempenho escolar.
Identifcando o nosso aluno
Tem havido numerosas tentativas com o objetivo de defnir a defcincia mental. Muitas re-
as entre elas, a Medicina, a Psicologia, o Servio Social e a Educao vm se preocupando com
crianas e adultos defcientes mentais, e cada uma delas faz a sua anlise a partir de seus prprios
referenciais tericos. Como a cincia no parada, as defnies no so estticas, e tendem a ser
modifcadas e aperfeioadas, na medida em que mais experincias e evidncias tornam-se possveis.
Em tentativas recentes de se defnir a defcincia mental, a nfase mudou signifcativamente de
uma condio que existe somente no indivduo, para uma que apresenta uma interao do mesmo com
um ambiente em particular. A defcincia mental, atualmente adotada, foi proposta pela Associao
Americana de Defcincia Mental (AAMR) e consta na Poltica Nacional de Educao Especial do
Ministrio de Educao e Cultura (BRASIL, 1994b), a saber:
[...] funcionamento intelectual geral signifcativamente abaixo da mdia, oriundo do perodo de desenvolvimento,
concomitante com limitaes associadas a duas ou mais reas da conduta adaptativa ou da capacidade do indi-
vduo em responder adequadamente s demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicao, cuidados
especiais, habilidades sociais, desempenho na famlia e comunidade, independncia de locomoo, sade e segu-
rana, desempenho escolar, lazer e trabalho.
A Secretaria de Educao Especial do Ministrio de Educao (MEC) adota essa defnio para
efeito de diagnstico e caracterizao dos portadores de defcincia mental. Ou seja, considera como
portadora de defcincia mental aquela cujo escore em teste de inteligncia seja inferior aos obtidos
por 97 a 98% das pessoas da mesma idade; que no satisfaa padres de independncia e responsabi-
lidade esperados do grupo etrio e cultural (isto , aprenda habilidades acadmicas bsicas e participe
de atividades apropriadas ao grupo social.
Trabalhando com o aluno portador de deficincia mental
A idade de incio da defcincia dever situar-se antes dos dezoito (18) anos,
ou seja, aparecer durante o curso de seu desenvolvimento. Problemas de natureza
semelhante em adultos seriam provavelmente classifcados como doena mental e
no defcincia mental.
Nenhuma defnio, por mais abrangente que seja, tem grande valor, a me-
nos que seus conceitos abstratos possam ser traduzidos em alguma forma prtica.
Tradicionalmente, a dimenso de subnormalidade intelectual determinada pelo
desempenho nos testes de inteligncia.
As crianas defcientes mentais so acentuadamente mais lentas do que seus
companheiros da mesma idade para usar a memria com efccia, associar e clas-
sifcar informaes, raciocinar e fazer julgamentos adequados.
Os alunos cujos escores caem entre um Q.I. de 85 e um Q.I. de 70, so fre-
quentemente chamados de subnormais, intelectualmente limtrofes. Geralmente,
encontram-se no limite inferior de uma classe tpica, mas so capazes de um de-
sempenho mdio, se receberem um programa educacional adequado. Os alunos
cujos escores caem entre um Q.I. de 55 e um Q.I. de 70 so chamados defcientes
mentais educveis, se a adaptao social tambm for baixa. Alunos cujos escores
caem num Q.I. abaixo de 55, mas que so capazes de responder ao teste, so con-
siderados defcientes mentais treinveis.
Embora no se acredite incontestavelmente nesses testes de inteligncia,
eles ainda so fontes de consulta de especialistas de educao e de sade, para
predizer quem poder alcanar os objetivos acadmicos. Nesse sentido, segundo
critrios educacionais, podemos entender melhor no s quem o aluno portador
de defcincia mental, mas como ser importante reconhecer que comportamentos
podero ser alcanados por eles.
Vejamos as defnies que facilitaro a identifcao necessria escolha de
procedimentos pedaggicos pertinentes.
Defcientes mentais educveis: so aqueles que, devido ao seu desen-
volvimento subnormal, so incapazes de se benefciar sufcientemente
do programa escolar regular, mas capazes de desenvolvimento em outras
reas. Durante os primeiros anos de vida, em muitos ambientes, o def-
ciente mental educvel geralmente no reconhecido como tal. A maior
parte do tempo a defcincia no evidente, pois no possvel medir a
criana, durante a primeira infncia, pelo contedo educacional.
Defcientes mentais treinveis: referem-se s pessoas que apresen-
tam difculdades em aprender habilidades acadmicas a qualquer nvel
funcional, desenvolver independncia total em nvel adulto e alcanar
adequao vocacional sufciente para, em nvel adulto, sustentar-se sem
superviso ou ajuda. A pessoa treinvel capaz de ter capacidade para
cuidar de si prpria, de se proteger de perigos comuns, ajustamento so-
cial, entre outras coisas.
Defcientes mentais graves e profundos: muitas crianas com defcin-
cias graves tm defcincias mltiplas que, muitas vezes, interferem nos
procedimentos de instruo normais. Por exemplo, alm de ser portador
70
Trabalhando com o aluno portador de deficincia mental
de defcincia mental, a criana pode ter paralisia cerebral ou perda audi-
tiva. O objetivo do treinamento de uma criana to gravemente defciente
limita-se ao estabelecimento de algum nvel de adaptao social em um
ambiente controlado.
Por isso, preciso ter bastante clareza quanto ao conhecimento do aluno em
questo, a fm de tornar o seu cotidiano escolar um espao que lhe permita ser
sujeito de sua prpria aprendizagem.
O trabalho pedaggico
Os primeiros anos de vida so muito importantes para que a criana possa
satisfazer suas necessidades de afeto e aceitao, assim como de realizao e
autoestima, por serem decisivos na determinao dos ajustamentos posteriores.
Essa necessidade bsica para todos os indivduos torna-se mais forte em se tra-
tando de criana que apresente qualquer defcincia, a fm de torn-lo mais segu-
ro e confante para estabelecer a relao com o mundo. A escola deve trabalhar
junto com a famlia, para que, numa troca mtua, possam oferecer a adequao
das atividades necessrias ao desenvolvimento da criana. importante que a
criana sinta-se tambm segura na escola, cabendo ao professor uma postura de
orientador da atividade a ser desenvolvida.
Muitos estudiosos tm demonstrado que essas crianas e adolescentes com
retardo mental so capazes de construrem seu prprio conhecimento, embora no
consigam atingir o estgio hipottico dedutvel da inteligncia. So capazes de
avanar at o estgio operatrio concreto.
A importncia do papel do professor fundamental para que se estabele-
a a confana e a autoestima que o levar a desenvolver a proposta de ensino
com satisfao.
As propostas de trabalho devem representar um desafo ao seu pensamento,
com o objetivo de proporcionar o alcance da autonomia moral, social e intelec-
tual. As atividades devem favorecer a estruturao ou coordenao das prprias
aes dos alunos, considerando que so capazes de criar, de criticar, de descobrir
e de reinventar o conhecimento a partir de uma inter-relao com o meio. Ser
preciso, ainda, envolv-lo pessoalmente na atividade que poder ser individual,
coletiva ou em grupo, de acordo com a que melhor oportunizar a troca de pontos
de vista, j que tambm estar sendo trabalhada a cooperao entre eles.
Um trabalho educacional com crianas portadoras de defcincia mental
deve privilegiar atividades espontneas que permitiro ao professor observar os
processos que o levaram a construir suas respostas. mais importante entender
como ela aprende, como elabora o pensamento, do que com o resultado da respos-
ta, ou seja, se responde corretamente ou no.
Considerando-se que a motivao no um dado racional, mas resultado de
diversos fatores ligados prpria vida da classe, importante que a sala de aula
seja um espao acolhedor, proporcionando situaes estimulantes, que faam
71
Trabalhando com o aluno portador de deficincia mental
as crianas agirem segundo suas possibilidades, de forma que as atividades pro-
postas tenham realmente signifcado em suas vidas, permitindo-lhes construir suas
prprias convices.
Recomenda-se, portanto, que essa sala, para oferecer um ambiente rico
em desafos, conforme nos aponta a professora Vera Lucia Goffredo (2001):
ser preciso uma grande variedade de material pedaggico, lembrando que os
materiais do mundo so mais estimuladores do que os que se fabrica, muito bom
o uso de sucata.
H ainda uma preocupao com a metragem da sala, recomendada pela
professora em questo:
Para que as crianas manipulem tais materiais de forma bem livre, imprescindvel que
o espao tenha uma metragem que possibilite uma boa circulao dos alunos na sala, que
possam coexistir atividades individuais e de grupos; a existncia de armrios, estantes,
materiais de sucata, muitos jogos, tintas, pincis, lpis, gravuras, embalagens variadas,
contas de luz, gs etc. isso porque a organizao desse espao deve refetir os pressupostos
em que se baseia essa prtica educacional. (GOFFREDO, 2001)
Essa proposta refora a ideia de que por meio dos estmulos que se propicia
o interesse da criana pela atividade. importante, porm, que o professor tenha o
cuidado de no deix-lo se fxar em apenas uma atividade, rotinizando sua ao, j
que ele estar evitando que lhe tragam mais difculdades. H necessidade de faz-lo
experimentar as diferentes possibilidades, como forma de desenvolver suas habili-
dades. O fundamental, portanto, na ao pedaggica, que ela seja problematizadora,
desafando permanentemente o aluno a desenvolver suas potencialidades.
Uma outra questo que se apresenta, dada a nossa discusso sobre a inclu-
so, de que todos os alunos precisam vivenciar a escola em toda a sua totalidade.
Que a sala de aula um espao privilegiado para se efetivar o processo educativo,
no se discute, porm, preciso que haja participao desses alunos no cotidiano
da escola. Para tanto, a elaborao do Projeto Poltico Pedaggico de suma im-
portncia, j que ele assume o papel de referencial na construo das atividades
condutoras do processo educacional, permitindo sua elaborao conjunta e um
despertar de interesse para as aes propostas.
Finalizando nossa conversa de hoje, devemos nos lembrar do que Paulo
Freire nos ensinou: o caminho para a construo do conhecimento, de certo, no
pode ser trilhado por um viajante solitrio, portanto, o professor e seus alunos
devem caminhar juntos nessa estrada.
Conhecer bem sua clientela, por meio de um diagnstico de turma que lhe
permita a elaborao de um plano que ajude seus alunos a adquirirem os conte-
dos de leitura e escrita, de fundamental importncia. Para tanto, h necessidade
de que o professor assuma uma posio de orientador, de facilitador da aprendiza-
gem, criando estratgias que envolvam sistematicamente os alunos.
Sabemos que nossas crianas com defcincia mental necessitaro caminhar
com passos diferentes dos que nos acostumamos a ver, porm nada nos permite
afrmar que elas nunca aprendero. Descobrir novas formas de ao e de com-
preenso sobre o processo de aprendizagem s ser possvel no cotidiano do ato
pedaggico.
72
Trabalhando com o aluno portador de deficincia mental
Nesta aula voc teve a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o aluno portador de
defcincia mental e alguns procedimentos de ao que facilitam o desenvolvimento do processo
ensino-aprendizagem.
1. Voc percebeu que as limitaes ambientais podem infuenciar o agravamento do quadro de
defcincia mental? Comente com seus colegas sobre essa questo e registre as concluses.
2. Riqueza de material e problematizao da proposta so dois aspectos de fundamental importn-
cia para o desenvolvimento do trabalho pedaggico com as crianas portadoras de necessidades
educativas especiais. Voc conhece ou j trabalhou com crianas com essa defcincia? Conte
sua experincia para seus colegas.
73
Trabalhando com o aluno portador de deficincia mental
3. Levante as dvidas e os questionamentos que o texto produziu em voc, anote e discuta com o
seu grupo.
74
Distrbios de conduta
Distrbios de conduta... afnal, o que isso?
O
nosso assunto de hoje so os distrbios de conduta, to frequentes na
escola e no cotidiano profssional do professor.
As expresses: tem problemas de conduta ou isso um distrbio de com-
portamento so, hoje, bastante ouvidas em diversos contextos vinculados popu-
lao infantil. Mas, qual realmente o signifcado dessas expresses? Quais so
os critrios ou sinais utilizados para tomar a deciso de colar essa etiqueta em
certas manifestaes problemticas da criana? As respostas para essas perguntas
nos remetem descrio de problemas muito diferentes, tanto com respeito ao seu
contedo quanto importncia de suas consequncias para o desenvolvimento da
criana, incluindo o escolar.
Essa confusa diversidade no corresponde exclusivamente a uma divulgao
incompleta do termo, refetindo, na verdade, uma situao real de indefnio e
de carncias na delimitao do mesmo. A reviso de literatura sobre o tema pode
provocar no leitor uma forte sensao de caos e a tentao de renunciar ao apro-
fundamento e sistematizao da informao. Se, por um momento, se pensa sobre
o porqu dessa situao, possvel encontrar motivos claros que a justifcam. Entre
eles, pode-se apontar a amplitude do signifcado da noo de conduta ou compor-
tamento, alm de uma maior difculdade na distino entre o normal e o patolgico
que, ao situar-se em um mbito evolutivo, exacerba-se.
Em primeiro lugar, a identifcao de comportamento ou conduta, conside-
rando apenas a manifestao externa, levaria a se considerar, como distrbio de
comportamento, qualquer tipo de perturbao que acarrete uma manifestao ob-
servvel de conduta. Isso signifcaria, na realidade, toda a psicopatologia
1
infantil.
De fato, certos autores incluem sob essa denominao todas as perturbaes infan-
tis, exceto as grandes sndromes como a psicose, alteraes neurticas etc. (AJU-
RIAGUERRA, 1977; AJURIAGUERRA; MARCELI, 1987; SNCHEZ MOISO,
1978). Partir de tal conceito de distrbio de conduta implica considerar, sob esse
rtulo, um bom nmero de subgrupos de distrbios; e como exemplo podemos
citar a classifcao apresentada por Snchez Moiso (1978), que inclui 12 tipos de
distrbios, defnidos por sua vinculao com diversas funes da conduta: alimen-
tao, sono, linguagem, afetividade e outros. Essa proposio to ampla pouco
frutfera como abordagem ao tema, j que sua heterogeneidade interna no permite
abordar um estudo global das consequncias e da interveno dos distrbios de
comportamento, tendo que ser realizado de forma especfca para cada subgrupo
ou distrbio concreto.
Dessa maneira, o conceito de distrbio de comportamento perde seu signifca-
do, fcando limitado a uma funo, fundamentalmente, denominativa e taxonmica
2
.
Servindo apenas para fns classifcatrios, leva rotulao dos alunos e ao reforo
de preconceitos, to prejudicial ao processo ensino-aprendizagem.
1
O termo Psicopatologia
de origem grega; psykh
signifca alma e patologia,
implica morbidade, doena.
2
A palavra refere-se
Taxonomia, cincia que
elabora as leis de classifca-
o. Assume umcarter ana-
ltico-descritivo, que inclui a
identifcao e nomenclatura.
Restringe-se aos princpios
que regem um sistema de
classifcao.
Distrbios de conduta
Em segundo lugar, a clssica polmica da localizao do limite entre o nor-
mal e o patolgico torna-se mais acirrada, ao ser aplicada a esse tipo de problema
da populao infantil e adolescente. Isso ocorre essencialmente por dois motivos:
pela inevitvel relativizao do conceito de patologia, ao situar-se em um contexto
evolutivo, e pela referncia social envolvida na identifcao do distrbio.
A necessria relativizao do patolgico justifca-se, porque as manifesta-
es condutuais que constituem sintomas desses distrbios no so em si pato-
lgicas, sendo, de fato, condutas adequadas e com importante valor adaptativo,
em determinados momentos do desenvolvimento. Assim, por exemplo, no de-
senvolvimento normal, por volta do segundo ou terceiro ano de vida, observam-
-se perodos em que a criana ope-se, de forma mais ou menos sistemtica,
s exigncias do adulto, chegando at mesmo a utilizar condutas agressivas.
Pois bem, essas aes no devem ser interpretadas como um sintoma negativo,
podendo ser simplesmente expresso das tentativas da criana em se tornar um
indivduo independente.
Na realidade, certas manifestaes podem comear a ser consideradas como
problemas em virtude, entre outros aspectos, de sua persistncia, alm dos mo-
mentos em que cumpriram uma funo adaptativa. Essa ideia de patologia no in-
trnseca aceita pela maioria dos autores. Desse modo, mostraremos como exem-
plo a caracterizao apresentada por Herbert (1978, p. 33):
O problema do diagnstico reside no fato de que no existe uma distino clara entre as
caractersticas das crianas anormais e as das que no so [...] os problemas de conduta,
os indcios de anormalidade patolgica so, em geral, exageros, dfcits ou combinaes
desvantajosas de modelos de conduta que so comuns a todas as crianas.
Esse fato nos remete presena ainda forte, no momento do diagnstico
pedaggico, de um olhar clnico, herana que a educao traz, talvez por inveja
do poder que acarreta, do diagnstico feito pelos mdicos.
Vale a pena pensar, com cuidado, no que alerta Moyses (2001, p. 168), ao
estudar as crianas que no aprendem na escola (processo que chama de institu-
cionalizao invisvel):
E continuamos, ainda hoje, com um modelo de pensamento mdico em que o diagnosticar
implica uma operao mental classifcatria prvia e, por outro lado, constitui subsdio
para a classifcao de doenas. Sob o que nos aparenta uma grande distncia percorrida
desde o incio do sculo XIX, revela-se apenas o aparelhamento tecnolgico do olhar, que
pode ver melhor e mais fundo, porm diminuindo ainda mais o campo de viso que j
exclua o doente.
O outro aspecto apontado, ao se discutir a difculdade de delimitao do
distrbio e, portanto, de seu diagnstico, a referncia social envolvida em sua
identifcao. Esta includa na defnio do distrbio de conduta, como concei-
tuado por alguns autores. Por exemplo, o DSM (1980) defne-o como: padro
persistente e repetitivo de conduta, em que se destaca a violao dos direitos fun-
damentais dos demais.
Tal conceito traz embutida a ideia de conduta dissocial, agressiva ou desa-
fante. Tal comportamento deve admitir grandes violaes das expectativas sociais
prprias idade da criana, ou seja, deve haver mais do que as travessuras infantis
76
Distrbios de conduta
ou a rebeldia do adolescente e se trata de um padro duradouro de com portamento
(seis meses ou mais).
Esse modelo de diagnstico se baseia na presena de condutas como
manifestaes excessivas de agressividade; crueldade com relao a outras
pessoas ou a animais; destruio dos bens de outras pessoas; condutas incen-
dirias; roubos; mentiras repetidas; cabular aulas e fugir de casa; crises de
birra e de desobedincia anormalmente frequentes e graves. Considera que a
presena de manifestaes ntidas de um dos grupos de conduta precedentes
sufciente para o diagnstico, mas atos dissociais isolados no bastam para
estabelecer diagnsticos.
Um tipo de conceituao como esse, levado ao seu extremo, implicaria con-
siderar como distrbios todos os atos ou omisses da criana que sejam anormais
ou incmodos para seu ambiente social.
Preferimos considerar, para a conceituao que vocs esto construindo,
a defnio de condutas tpicas apresentada pelos Parmetros Curriculares Na-
cionais: adaptaes curriculares (BRASIL, 1998, p. 25): Manifestaes de
comportamento tpicas de portadores de sndromes e quadros psicolgicos, neu-
rolgicos ou psiquitricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e preju-
zos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educa cional
especializado.
Critrios de defnio
dos distrbios de conduta
Ao revisar o contedo das defnies e classifcaes sobre distrbios da
conduta, constata-se que existem diversas facetas que, de forma mais ou menos
explcita, e com diferente peso para uns ou outros autores, permitem a caracteri-
zao desses distrbios.
Uma, j comentada anteriormente, e que a mais generalizada, ressalta a
referncia social como critrio para a identifcao e a defnio do distrbio.
Isso pressupe a sua considerao como padres de conduta estveis que im-
plicam a violao ou no aquisio das regras ou normas que regulam os inter-
cmbios sociais, e que deveriam ter sido adquiridas de acordo com a idade do
indivduo. Outra faceta ou trao envolve sua considerao como manifestao
externa de um distrbio mais global da criana, seja de personalidade ou de sua
relao com o ambiente.
Esses traos aparecem explcita ou implicitamente na defnio ou so uti-
lizados pelos diferentes autores para a seleo e organizao dos diversos distr-
bios reunidos sob um rtulo comum, seja este o de distrbios de comportamento,
distrbios de conduta ou perturbaes da conduta.
Essa diversidade de critrios, aliada maior ou menor amplitude do con-
ceito de distrbio utilizado, d origem a uma grande variedade na seleo dos dis-
trbios especfcos, bem como na denominao dos mesmos. No entanto, parece
existir uma certa concordncia, na maioria dos autores, em incluir os distrbios
77
Distrbios de conduta
da conduta social, especialmente a conduta agressiva, bem como as manifestaes
condutuais associadas hiperatividade.
Chegando a esse ponto e, para prosseguir no tema, parece necessrio resumir e
integrar essa informao, ainda que isso envolva uma certa tomada de posio. Para
isso, podemos identifcar como distrbios de comportamento: certas condutas que
afetam a relao do indivduo com seu meio ambiente e interferem negativamente
em seu desenvolvimento; que constituem sintomas, mas no se organizam em for-
ma de sndrome, ocorrendo de forma isolada ou em combinaes muito limitadas;
que no so em si patolgicas, sendo que o carter patolgico advm do exagero,
dfcit ou sua persistncia alm das idades em que podem desempenhar um papel
adaptativo; que so estveis e, como aponta o CID-10
3
da Organizao Mundial de
Sade, mais resistentes interveno que os distrbios situacionais transitrios,
mas menos que a psicose, neurose e outros distrbios profundos.
Desse modo, para poder identifcar quando uma criana apresenta esse
tipo de distrbio e requer uma ateno especial, seja familiar ou educacional,
necessrio:
conhecer o desenvolvimento normal da criana, tendo muito presente a
grande variabilidade comportamental existente, fruto da interao de nu-
merosos fatores (idade, sexo, fatores genticos, contexto familiar e social
etc.);
reconhecer a existncia de padres condutuais que tm carter transitrio
e no envolvem uma evoluo psicopatolgica;
avaliar at que ponto as alteraes condutuais esto interferindo ou
difcultando a aquisio ou desenvolvimento de certas capacidades e
habilidades cognitivas e sociais da criana, bem como a ligao das
consequncias desses distrbios no meio em que se desenvolve. Tudo
isso faz com que se tenha cautela no momento de se estabelecer o diag-
nstico, entendendo este no como uma mera atribuio de rtulos,
seno como um processo de conhecimento das potencialidades e neces-
sidades especiais da criana.
Existem diversas condutas tpicas, com as quais o professor pode se defrontar
no cotidiano do seu trabalho, e que causam difculdades de aprendizagem, com
todas as consequncias que bem conhecemos: a esquizofrenia, a sndrome desafa-
dora e de oposio, a sndrome de Rett, os transtornos do humor, entre outras.
Escolhemos duas, as mais conhecidas, para abordar na nossa aula de hoje: a
hiperatividade (ou TDAH) e o autismo.
Hiperatividade
Vejamos o depoimento da professora X, sobre o aluno que mais lhe causa
preocupao no momento:
Ele no pra um momento, poucas coisas lhe despertam a ateno. Senta e levanta todo o
tempo, se agita, pula, se sacode... Comea as atividades e no termina, parece que perde
3
Classifcao dos Trans-
tornos Mentais, 10.ed.
78
Distrbios de conduta
o interesse mal a comea. Perturba os colegas, impede que eles participem da aula. No
entanto, no agressivo nem mal-educado comigo, parece que ele est o tempo todo li-
gado na tomada.
Essas crianas parecem sempre estar em movimento, no conseguem fcar
paradas, ainda que as outras pessoas as pressionem nesse sentido, e exeram uma
fora enorme nessa direo. So os pais que mais sofrem com o comportamento
inquieto dessas crianas, so eles que vivem o maior stress nessa situao. Se de
um lado esto os professores, os familiares e a sociedade de modo geral, exigin-
do um comportamento mais calmo e sereno dos seus flhos, do outro lado est
a criana, resistente a todas as tentativas de mudana de atitude. Como se essa
situao j no fosse sufciente, muitas vezes, os pais ainda tm que arcar com
outros problemas como os prejuzos acarretados por danos causados a terceiros
pelos flhos.
Talvez o maior problema que ocorre em relao ao transtorno de dfcit
de ateno/hiperatividade (TDAH) como hoje conhecido est no fato de
que o conhecimento sobre este seja muito pequeno entre a populao leiga e at
mesmo nas reas mdica e psicolgica. Muitas das pessoas com TDAH passam a
vida inteira sendo acusadas injustamente de mal-educadas, preguiosas, loucas,
desequilibradas, temperamentais, quando, na verdade, so portadoras de uma sn-
drome, que, simplesmente, as faz agir de maneira impulsiva, desatenta e, s vezes,
at mesmo catica. Demorou para que esse transtorno fosse reconhecido como
um problema neuropsicolgico, e ainda persiste a controvrsia sobre se realmente
pode ser reconhecido como um transtorno por si prprio.
De qualquer forma, um dos distrbios de comportamento mais frequentes
na Educao Infantil e nas primeiras sries do Ensino Fundamental. Caracteriza-
se por um nvel de atividade motora excessiva e crnica, dfcit de ateno e falta
de autocontrole. Inicialmente foi defnido como um distrbio neurolgico, vin-
culado a uma leso cerebral (disfuno cerebral mnima). As difculdades para
objetivar a existncia dessa leso provocaram uma mudana importante na con-
ceituao do distrbio.
Assim, nos anos 1960 surgiu a necessidade de defni-lo a partir de uma pers-
pectiva mais funcional, dando nfase caracterizao da hiperatividade como
sndrome condutual, considerando a atividade motora excessiva como o sintoma
primordial.
Na dcada de 1980 e, como resultado de diversas investigaes, so ressal-
tados os aspectos cognitivos na defnio da sndrome, principalmente o dfcit
de ateno e a falta de autocontrole ou impulsividade. Considera-se, alm disso,
que a atividade motora excessiva o resultado do alcance reduzido da ateno da
criana e da mudana contnua de objetivos e metas a que submetida.
Principais caractersticas:
1.) Dfcit de ateno
Para a melhor compreenso do alcance dos distrbios da ateno vinculados
hiperatividade, pode ser til a referncia ao desenvolvimento normal do controle
da ateno, no qual podemos distinguir vrias fases (VEJA, 1988).
79
Distrbios de conduta
At os dois anos de idade, a ateno controlada e dirigida por determi-
nadas confguraes de estmulos, no existindo controle voluntrio por parte da
criana. Entre dois e cinco anos, surge o controle voluntrio da ateno. A criana
j consegue concentrar-se, de forma seletiva, em alguns aspectos da estimulao
externa, mas a sua ateno ainda dominada pelas caractersticas mais centrais e
salientes dos estmulos; por isso que, de certa forma, continua sendo dirigida
para o exterior.
A partir dos seis anos, ocorre uma mudana notvel. O controle da aten-
o passa a ser interno. A criana j capaz de desenvolver estratgias para
atender, seletivamente, os estmulos que ela considera relevantes para a soluo
de determinados problemas, sejam eles ou no os aspectos mais centrais da es-
timulao externa.
Os resultados de estudos experimentais, realizados com indivduos hipe-
rativos, demonstram que esses processos encontram-se alterados. Por um lado,
pode-se afrmar que essas crianas apresentam difculdades para concentrar sua
ateno durante perodos contnuos de tempo. Por outro lado, o processo de evo-
luo no chega a ser controlado por estratgias internas, que ajudariam a criana
a se concentrar, de forma seletiva, nos aspectos pertinentes para a soluo efcaz
dos problemas; ao contrrio, o processo de ateno continua sendo dirigido es-
timulao externa.
Essas difculdades intensifcam-se nas situaes grupais, j que elas exigem
ateno mais sustentada e seletiva, para poder manejar a grande quantidade de
informao que gerada.
2.) Atividade motora excessiva
A atividade motora que caracteriza as crianas hiperativas e que deu nome
ao distrbio manifesta-se por meio de uma atividade corporal excessiva e desor-
ganizada que, com frequncia, no tem um objetivo concreto. exatamente essa
ausncia de fnalidade que permite diferenci-la da grande atividade, observada
no desenvolvimento normal da criana em certas situaes.
Juntamente com essa atividade motora desmesurada que faz com que
se considere a criana como uma zona mvel de desastre (HERBERT, 1983)
costumam surgir difculdades em nvel de motricidade grossa (por exemplo,
difculdades de coordenao visiomanual), observando-se, com certa frequncia,
movimentos involuntrios dos dedos (sincinesias) que interferem na realizao de
certas tarefas.
3.) Impulsividade ou falta de controle
O comportamento de toda criana inicialmente controlado pelos adul-
tos, seguindo certas normas que, frequentemente, vo contra seus desejos; tais
normas, externas e impostas, acabam sendo internalizadas no decorrer do seu
desenvolvimento, de forma que o controle externo d lugar ao autocontrole.
Esse processo encontra-se alterado nas crianas hiperativas, de forma que a
80
Distrbios de conduta
conduta impulsiva constitui um dos aspectos mais relevantes do distrbio,
observando-se uma tendncia satisfao imediata de seus desejos e pouca
tolerncia frustrao.
A evoluo do distrbio hiperativo
As manifestaes de conduta do distrbio hiperativo variam com a idade ou
o nvel de desenvolvimento da criana. Na chamada idade pr-escolar, costumam
aparecer os sintomas j citados. Alm disso, em alguns casos, podem ocorrer, em
idades anteriores, numerosas e srias alteraes comportamentais, tais como pro-
blemas na alimentao e sono, inquietao excessiva e episdios de negativismo e
birra. Na idade escolar, persiste a sintomatologia primria e comea a manifestar-
-se uma srie de perturbaes secundrias que afetam, sobretudo, as relaes in-
terpessoais e a aprendizagem escolar.
O surgimento desse distrbio pressupe, desde o seu incio, interaes pro-
blemticas no ambiente familiar. Os pais sentem-se impotentes diante da ativi-
dade exagerada da criana e as suas condutas opositoras. O temor em relao s
possveis consequncias negativas do comportamento da criana pode levar ao
isolamento social da prpria famlia, agravando ainda mais o distrbio.
Por outro lado, as interaes com os iguais so reduzidas, dado que as pr-
prias caractersticas da criana hiperativa (impulsividade e agressividade) tendem
a provocar a rejeio dos outros. Carecem, portanto, do tipo de experincia que
proporcionam essas interaes, e que so de vital importncia para o desenvolvi-
mento social do indivduo. O isolamento e rejeio social trazem para a criana,
alm do mais, consequncias negativas sobre a valorizao de si mesma.
No que se refere aprendizagem escolar, podemos dizer que a hiperativi dade
interfere de forma negativa no processo educativo da criana. Como j dissemos,
as difculdades de ateno e a falta de autocontrole, que caracterizam esse distr-
bio, intensifcam-se em situaes de grupo, difcultando ainda mais a percepo
dos estmulos relevantes e a estruturao e execuo adequada das tarefas. Esse
quadro de fracasso contnuo promove uma desvinculao cada vez maior da crian-
a hiperativa em seu processo de aprendizagem, a no ser que encontre no sistema
educacional resposta adequada s suas necessidades especiais.
Na adolescncia, as alteraes secundrias exacerbam-se, aparecendo, fre-
quentemente, condutas antissociais, ao passo que o nvel de autoestima do indiv-
duo especialmente afetado.
O tratamento dessa conduta tpica
Tratamento psicofarmacolgico
O tratamento psicofarmacolgico feito com o uso de estimulantes como
a dextroanfetamina (dexedrina) e do metilfenidato (ritalina). Os mecanismos de
ao dessas substncias ainda so desconhecidos, mas alguns autores acreditam
que funcionam porque essas pessoas tm uma subestimulao do Sistema Ner-
voso Central. Outros acham que o efeito desses estimulantes devido alterao
81
Distrbios de conduta
nos mecanismos dos neurotransmissores como serotonina, dopamina ou norepi-
nefrina, o que coincide com algumas hipteses sobre as causas, conforme j foi
relatado nesse texto.
Psicoterapia
Alm do tratamento farmacolgico, essencial que o distrbio hiperativo
seja tratado tambm com psicoterapia. Isso deve ser feito porque ao longo da vida,
especialmente antes de se ter feito o diagnstico, as pessoas com esse problema
sofrem muito. No so raros casos de crianas que sentem-se isoladas, so exclu
das pelos colegas, so taxadas de burras ou incompetentes por pais e professo-
res, so acusadas de serem mal-educadas por todos sua volta.
Muitos adolescentes e adultos entram em depresso por no conseguirem
dar conta do que a sociedade exige deles, por esquecerem de coisas importantes,
por serem incapazes de terminar as tarefas j iniciadas e por terem difculdades
em manter relacionamentos com outras pessoas. Todos esses casos acabam levan-
do ao desespero, ansiedade e depresso, que podem levar s drogas ou at ao
suicdio, em casos mais graves.
Algumas difculdades psicolgicas
de crianas e adultos com TDAH
As crianas frequentemente se isolam, j que so discriminadas pelos co-
legas. Instala-se muitas vezes, como j dissemos, a depresso e a baixa de auto-
estima, j que difcil agradarem aos pais e professores. Correlatos so a averso
escola e as atitudes agressivas.
Destacamos a importncia da ao conjunta, desenvolvida pela famlia, a
escola e o grupo de colegas da criana, sob a coordenao do terapeuta desta. Isso
inclui o suporte social e a informao, minimizando o preconceito existente.
Com os adultos as coisas no so muito diferentes, apenas agregado o
tempo maior de sofrimento psquico, agravando e aprofundando a situao. So
comuns as difculdades nos relacionamentos afetivos e no ambiente profssional.
Isso traz, muitas vezes, o desemprego e as decorrentes difculdades fnanceiras.
Da mesma forma que com as crianas, o apoio psicoterpico, associado ao trata-
mento mdico, fundamental.
Autismo
Segundo a Classifcao dos Transtornos Mentais, da Organizao Mundial
de Sade, o autismo se constitui em
Transtorno global do desenvolvimento caracterizado por a) um desenvolvimento anor-
mal ou alterado, manifestado antes da idade de trs anos; e b) apresentando uma per-
turbao caracterstica do funcionamento em cada um dos trs domnios seguintes:
interaes sociais, comunicao, comportamento focalizado e repetitivo. Alm disso,
o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestaes inespec-
fcas, por exemplo, fobias, perturbaes de sono ou da alimentao, crises de birra ou
agressividade (autoagressividade).
82
Distrbios de conduta
O autismo surge cedo, na primeira infncia, difcultando intensamente a
comunicao da criana. Bem caractersticos so os chamados comportamentos
ritualsticos ou obsesso por uniformidade caracterizando uma insistncia
estereotipada na mesmice ou rotina alm do isolamento absoluto e da ausncia
ou deformaes da linguagem.
Esses comportamentos podem surgir sob a forma da manipulao de um
objeto por horas, sempre da mesma maneira (girando objetos, por exemplo), ou
de movimentos corporais repetidos, sempre da mesma forma, por longo tempo
(balanar o corpo, por exemplo). No estabelece interao com o outro, mostra-
se distante, no fxa o olhar no interlocutor, mesmo que este insista ou toque na
criana. As pessoas dizem que o autista olha atravs delas, para um ponto fxo
alm, como se no estivessem ali.
Duas leituras interessantes so encontradas em Dibs, em busca de si mesmo
(OAKLANDER, 1964), bela narrativa da psicoterapia de uma criana incorreta-
mente diagnosticada como autista, e A Fortaleza Vazia (BETTELHEIM, 1987),
livro referencial sobre o assunto.
Foi Kanner
4
, um psiquiatra austraco, quem descreveu, pela primeira vez,
essa conduta tpica em crianas. Nessa descrio pontuam caractersticas como:
o surgimento precoce, logo no incio da primeira infncia, o isolamento autsti-
co; a falta do sorriso e de outras reaes de interao social; o desenvolvimento
atpico da linguagem; a estereotipia na relao e no manuseio com determinados
objetos do meio; e a ausncia de distrbios fsicos ou neurolgicos, com a gravi-
dade que justifcasse tal sintomatologia.
O tratamento dessa conduta tpica mais complicado que a do TDAH, des-
crito anteriormente, mas utiliza-se medicao, psicoterapia (embora esta seja dif-
cultada pelos distrbios comunicacionais) e a orientao famlia e escola, para
lidarem melhor com essas crianas.
O atendimento da escola
s condutas tpicas ou distrbios de conduta
Embora no exista um modelo de currculo ideal, aplicvel a todas as con-
dutas tpicas, podemos destacar algumas caractersticas curriculares, presentes
no cotidiano da escola, que podem facilitar a incluso dos alunos portadores de
distrbios de conduta.
Buscar o desenvolvimento da ateno do aluno para as atividades, explo-
rando o atendimento s suas motivaes.
Aprimorar o clima favorecedor da estabilidade emocional dos alunos.
Estimular ao mximo as interaes dos alunos com o meio externo.
Mapear as competncias desejveis, a serem desenvolvidas com os alu-
nos portadores de condutas tpicas.
Evitar as atividades muito complexas, que levem a muitas tentativas para
a sua execuo, pois o erro causa geralmente acentuada frustrao nesse
tipo de aluno.
4
O autismo tambm cha-
mado, por esse motivo,
Sndrome de Kanner.
83
Distrbios de conduta
Desenvolver as atividades com instrues simples, curtas e claras, pois a ateno dispersa
difculta a memorizao das mesmas.
Para concluir a nossa aula, fca uma ltima palavra, de ateno aos distrbios de conduta ou
condutas tpicas, pois esses facilmente se confundem com problemas disciplinares. No podem, no
entanto, receber tratamento punitivo que s contribui para agrav-los.
Carr e Punzo (apud NUNES, 1999, p. 26) afrmam, sobre essa difculdade de diferenciar indis-
ciplina e distrbios de conduta:
[...] as queixas de indisciplina costumam estar associadas aos distrbios de conduta ou a qualquer outra excepcio-
nalidade, incluem a falta de ateno, difculdades de o aluno manter-se envolvido nas tarefas e complet-las em
tempo previsto, agressividade, escassas habilidades pr-sociais e para trabalhar independentemente.
Concluindo, voltamos a destacar a importncia de uma prtica compreensiva e acolhedora da
escola o que no signifca ser excessivamente tolerante ou abrir mo dos limites necessrios edu-
cao em relao s condutas tpicas. Discriminar, castigar e rotular, em nada ajudaro esses alunos,
normalmente inseguros, frgeis e assustados com as repercusses dos seus comportamentos.
A importncia da atuao do professor pode ser percebida claramente, por exemplo, quando
Rohde e Mattos et al. (2003, p. 217) estudam alunos com TDAH. O que dizem os autores aplica-se a
todos os distrbios de conduta:
A presena de professores compreensivos e que dominem o conhecimento a respeito do transtorno, a disponibi-
lidade de sistemas de apoio e a oportunidade para se engajar em atividades que conduzem ao sucesso na sala de
aula so imprescindveis para que um aluno com TDAH possa desenvolver todo o seu potencial.
A aula de hoje nos trouxe informaes valiosas que nos permitiro compreender melhor uma
criana que apresenta um distrbio de conduta, bem como lidar com ela.
1. Voc tem alguma experincia em lidar com alunos portadores de distrbio de conduta? Rena
seus colegas e passe a sua experincia.
2. Em uma escola inclusiva, que atender a todos, por meio de um ensino de qualidade, impor-
tante que os professores tenham habilidade e desenvolvam uma prtica pedaggica consciente.
Liste fatores facilitadores dessa prtica e discuta com seus colegas.
84
Distrbios de conduta
3. Registre os questionamentos e as dvidas provocadas pelo texto e depois discuta com seus colegas.
85
Distrbios de conduta
86
Adaptaes curriculares
na Educao Inclusiva
Q
uando uma criana nasce com uma defcincia comea para ela e sua famlia uma longa
histria de difculdades. No apenas a defcincia que torna difcil a sua existncia, mas a
atitude das pessoas e da sociedade diante de sua condio. Ser portador de defcincia nunca
foi fcil, nem aceitvel, com base nos padres de normalidade estabelecidos pelo contexto socio-
cultural. Outrora, os portadores de defcincia eram vistos de formas antagnicas: sacrifcados, como
um mal a ser evitado; privilegiados como detentores de poderes; perseguidos e evitados; protegidos e
isolados, como insanos e indefesos.
Aos poucos, estamos evoluindo. A defcincia comea a perder a sua natureza maniquesta e ser
entendida como uma condio humana. Ultimamente, os mitos comeam a ser derrubados. Os porta-
dores de defcincia comeam a acreditar mais em si mesmos e a lutar em causa prpria. Do respeito
s diferenas, passou-se ao direito de t-las.
O cuidado e a educao do defciente vm mudando, gradativamente, das grandes instituies
para as classes especializadas e para a atual flosofa de integrar as crianas defcientes sociedade,
tanto quanto possvel. Porm, mais importante do que respeitar as diferenas, tem sido encontrar as
afnidades e as similaridades entre valores, expectativas, desejos, gostos e convices tambm to
comuns entre os seres humanos.
A contextualizao histrica da realidade brasileira acentua um descompasso entre educao
formal e a educao especial. O descompasso ainda maior entre a teoria e a prtica, entre o discurso
ofcial e a realidade.
A educao especial, no Brasil, integra-se ao movimento de expanso e democratizao do
sistema de ensino e no carter democrtico de nossa escola. No entanto, a natureza e a qualidade do
atendimento dispensada aos alunos, na escola pblica ou privada, no nos autorizam a aceit-la, pura
e simplesmente, como democrtica, de vez que os ndices de reprovao, repetncia e excluso so to
alarmantes que conspiram contra qualquer pretensa atitude democrtica.
Julgamos que pouco adianta uma legislao que favorea a integrao do portador de defcincia,
se no forem criados os mecanismos para p-la em prtica. A Associao Nacional dos Docentes do
Ensino Superior (Andes) estabeleceu, como lema emblemtico de todas as suas campanhas, a luta por
um ensino pblico, gratuito, democrtico, laico e de qualidade para todos, e em todos os nveis. pre-
ciso que todos os cidados aprendam a lutar por seus direitos de cidadania, entre eles, o mais sagrado
direito educao com padres unitrios de qualidade.
Para se concretizar essa mudana, necessrio que educadores de todos os perfs, alunos, as-
sociaes de pais, instituies educativas de assistncia criana portadora de defcincia e cidados
em geral, se unam na luta pelo direito a uma escola de qualidade para todos. Isso no perseguir
utopias, perseguir um direito fundamental de cidadania. O ideal a ser alcanado passa a ser a adoo
de maneiras de ensinar que se adaptem s diversidades do alunado, no contexto de uma educao para
todos. Passa a ser, tambm, a criao e experimentao de situaes que favoream o desenvolvimen-
to afetivo, cognitivo, social e perceptivo-motor dos alunos.
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
A aceitao sobre a possibilidade de se conseguir progresso signifcativo dos
portadores de defcincia em geral, quanto ao processo de escolarizao relativa
diversidade do alunado, no sistema de educao fundamental e integrado, deve
comear a partir da conscientizao da escola sobre as difculdades experimenta-
das por alguns alunos, como resultantes do modo como se ministra o ensino e se
avalia o desempenho, expresso nos resultados da aprendizagem e das propostas
curriculares que lhes so subjacentes.
Se a nova Lei de Diretrizes e Bases encoraja, para muitos portadores de
defcincia, o treinamento ocupacional e o encaminhamento da criana para o
mercado de trabalho, convm no esquecer que o xito da integrao social dos
portadores de defcincia depende do xito de sua integrao escolar.
Tudo isso justifca o empenho do governo, os esforos de educadores e a luta
da sociedade pela incluso escolar do portador de defcincia e por uma educao
de qualidade para todos.
Discusso e prticas de incluso
O termo integrao, muito utilizado na Educao Especial, principalmen-
te a partir da dcada de 1970, tem sido visto de diferentes maneiras pelos profs-
sionais, desde a preparao dos mesmos para uma possvel insero at a incluso
plena dos defcientes na sociedade.
Baseando-se no conceito de classifcao, segundo Jean Piaget, percebe-
mos que o conjunto das pessoas portadoras de defcincia est incluso no con-
junto de pessoas; porm, na prtica, h diferentes posturas, oriundas de vrias in-
funcias (sociais, polticas, culturais e psicolgicas), contrrias a esse fato natural
e espontneo.
Ao proporcionarmos o processo de incluso, importante favorecermos a
integridade do indivduo, considerada no sentido etimolgico, do latim integritat,
que signifca personalidade sem fragmentao. Esse cuidado deve ocorrer des-
de os primeiros anos de vida, quando o beb e a criana interagem com o meio,
considerando-se sua maneira prpria, diferente, de entrar em contato com o mun-
do, respeitando-se suas possibilidades e limites.
Consideramos que os direitos das pessoas portadoras de defcincias no
devem estar ligados ao grau ou tipo de defcincia, de modo a garantir direitos
aos mais prximos da normalidade e neg-los aos mais severamente comprome-
ti dos biologicamente.
A simples insero em sala de aula regular no garante a integrao. ne-
cessrio um investimento consistente e permanente na formao dos educadores,
em relao ao ensino geral e s especialidades das defcincias.
A poltica de incluso escolar, diferente da poltica de integrao que colo-
cava o nus da adaptao no aluno, implica em todo um remanejamento e rees-
truturao da dinmica da escola para receber esses alunos especiais. Na escola
88
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
inclusiva h de se ter um planejamento individualizado para cada aluno, que
recebe, dentro de sua prpria classe, os recursos e o suporte psicoeducacional
necessrios para seu desenvolvimento. Ao invs de o aluno ir sala de recursos, a
sala de recursos e o suporte psicoeducacional necessrios que vo a ele, em sua
classe regular. Isso implica na presena de um profssional especializado acom-
panhando diretamente o aluno durante a aula e orientando o professor regular na
adaptao curricular e metodolgica.
Acreditamos que o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a
adio de princpios educacionais vlidos para todos os alunos resultaro natu-
ralmente na incluso escolar dos portadores de defcincia. Em consequncia, a
Educao Especial adquire uma nova signifcao. Torna-se uma modalidade de
ensino destinada no apenas a um grupo exclusivo de alunos o dos portadores
de defcincia mas uma modalidade de ensino especializada no aluno e dedicada
pesquisa e ao desenvolvimento de novas maneiras de se ensinar, adequadas
heterogeneidade dos aprendizes e compatveis com ideais democrticos de uma
educao para todos.
O currculo
Ponto-chave do cotidiano escolar. Mudar a escola mudar a viso sobre
o que nela se ensina; colocar a aprendizagem como eixo do trabalho escolar,
considerando que a escola existe para que todos aprendam. Nesse sentido, ser ne-
cessrio garantir um processo de incluso, no qual se respeite a questo do tempo
enquanto elemento bsico para a aquisio da aprendizagem, lembrando-nos de
que cada indivduo apresenta ritmos prprios na execuo de suas tarefas.
A Educao Inclusiva coloca como meta para a escola, o sucesso de todas
as crianas, independentemente do nvel de desempenho que cada sujeito seja ca-
paz de alcanar. O importante a qualidade sobre o que se ensina e um currculo
competente que deve ser elaborado a partir do conhecimento do alunado. Esse
conhecimento da turma, feito a partir de um diagnstico, possibilita ao professor
conhecer o nvel de possibilidades de seus alunos e, assim, organizar atividades
que favoream o seu desenvolvimento. Esse, na verdade, o grande desafo a ser
enfrentado pelas escolas regulares tradicionais, cujo paradigma condutista, e
baseado na transmisso dos conhecimentos (MANTOAN, 2003).
Adequar um currculo no signifca a retirada de conceitos bsicos a serem
trabalhados pela escola, mas de se buscar estratgias metodolgicas interativas
que favoream as respostas educacionais dos alunos.
No h previso, segundo nos alerta Mantoan (2003), quanto utilizao de
mtodos e tcnicas de ensino especfcas na incluso, mas os alunos aprendem
at o limite em que conseguem chegar. No h receita pronta para ser seguida.
Um trabalho pedaggico consciente exige a participao de todos na elaborao
de um Projeto Poltico Pedaggico que sirva de horizonte, por meio das metas que
sero propostas, a fm de que seja possvel se pensar em aes necessrias ao que
se quer atingir.
89
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
A seguir, a ttulo de facilitar o trabalho docente, sugerimos alguns recursos que
podem ser utilizados quanto a adequaes no atendimento de alunos portadores de ne-
cessidades educacionais, esclarecendo que estes devem estar previstos no planejamento
das atividades curriculares. Os recursos so meios auxiliares no desenvolvimento das
aes que precisam estar bem-defnidas no plano de trabalho do professor.
Para alunos com defcincia mental
Ambientes de sala de aula que favoream a aprendizagem (cantinhos
da arte, do teatro, da leitura etc.), Contribuindo para o trabalho diversif-
cado em grupos ou individual.
Desenvolvimento de habilidades adaptativas: sociais, de comunicao,
cuidado pessoal e autonomia.
Para alunos portadores de defcincia visual
Materiais desportivos adaptados: bola de guizo e outros.
Sistemas alternativos de comunicao: sistema Braille, cartazes com es-
crita ampliada.
Textos escritos, com ilustraes tteis (diversas texturas: lixa, algodo,
veludo), auxiliando a compreenso.
Posicionamento do aluno em sala de aula de modo a favorecer a escrita
do professor.
Disposio do mobilirio escolar favorecendo a locomoo em sala de
aula.
Explicaes verbais sobre o material visual apresentado em aula.
Adaptao de materiais escritos: tamanho das letras, relevo, softwares
educativos do tipo ampliado.
Uso de mquina de escrever Braille, bengala longa, livro falado etc.
Pranchas ou presilhas para no deslizar o papel, lupas, computador com
sintetizador de vozes.
Apoio fsico, verbal e instrucional para viabilizar a orientao e mobili-
dade do aluno cego.
Para alunos portadores de defcincia auditiva
Materiais e equipamentos especfcos: prteses auditivas, treinadores de
fala, tablados em madeira facilitando a transmisso do som e softwares
educativos especfcos.
90
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
Textos escritos acompanhados de outros tipos de linguagem: linguagem
gestual, lngua de sinais.
Sistema alternativo de comunicao adaptado s possibilidades do alu-
no: leitura orofacial, gestos e lngua de sinais.
Salas-ambientes para treinamento auditivo, de fala e de ritmo.
Posicionamento do aluno na sala de tal modo que possa acompanhar os
movimentos faciais do professor e colegas de classe.
Para alunos portadores de defcincia fsica
Sistemas aumentativos ou alternativos de comunicao adaptado s pos-
sibilidades do aluno impedido de falar: sistemas de smbolos (pictogrf-
cos, ideogrfcos e arbitrrios), tabuleiros de comunicao, sinalizadores
mecnicos.
Adaptao de elementos materiais: rampa, elevador, banheiros, ptio de
recreio, barras de apoio, alargamento de portas, mobilirio; materiais de
apoio (andador, coletes, abdutor de pernas, faixas restringidoras); mate-
riais de apoio pedaggico (tesouras, ponteiras, computadores).
Remoo de barreiras arquitetnicas.
Utilizao de pranchas de presilhas para no deslizar o papel, suporte
para lpis, presilha de braos, cobertura de teclados etc.
Textos escritos complementados com elementos de outras linguagens e
sistemas de comunicao.
Para alunos portadores de altas habilidades
Engajamento em atividades cooperativas e de pesquisa.
Materiais, equipamentos e mobilirios que facilitem os trabalhos educa-
tivos.
Ambientes enriquecedores para o desenvolvimento dos contedos curri-
culares: laboratrios, biblioteca e outros espaos.
Materiais escritos que estimulem a criatividade: lminas, murais e grfcos.
Alm dos recursos listados, que como j dissemos, no so soluo de
aprendizagem, mas indicativos de formas para a conduo da ao planejada,
preciso que se pense:
nas estratgias de ensino e aprendizagem, bem como na avaliao e nas
atividades que levem em conta as difculdades dos alunos portadores de
defcincias, eliminando atividades que no sejam possveis de serem
cumpridas por parte do aluno;
91
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
nas adaptaes, dentro da programao regular, dos objetivos, conte-
dos e critrios de avaliao, sempre que necessrio. Para essa defnio,
deve-se fazer uma avaliao psicopedaggica, cujo objetivo investigar
os nveis de competncia atual do aluno, bem como verifcar que fatores
esto, ou no esto, facilitando o seu desenvolvimento, para que se tome
decises que permitiro modifcaes ou ajustes, a fm de torn-lo mais
adequado a cada caso.
Devemos considerar, ainda, nas medidas de adaptaes curriculares, uma
criteriosa avaliao dos alunos, considerando sua competncia acadmica, seu
contexto escolar e familiar e a participao da equipe tcnica e docente da escola
em que o aluno est inserido, inclusive com profssionais de apoio (fonoaudilogo,
psiclogo, mdico e outros).
As adaptaes curriculares so estratgias para promover maior efccia
educativa, a fm de contribuir, de forma mais coerente, com o sistema de incluso
e com o atual estado dos sistemas educacionais, que so, ainda, insufcientes para
atender os alunos das escolas regulares, especialmente os portadores de necessi-
dades especiais. As adaptaes curriculares se caracterizam pela procura de uma
maior fexibilidade e dinamismo do Projeto Poltico Pedaggico de cada institui-
o escolar e da formao de cada educador.
Finalizando nossa discusso, achamos importante registrarmos dois aspec-
tos que no podem ser esquecidos:
as adaptaes curriculares so procedimentos de modifcaes gradativas
no currculo geral da escola, cujos ajustes tm como objetivo a resposta
educativa individual, sem que se perca a viso do cenrio sociocultural
onde a escola se encontra inserida;
essas adaptaes curriculares precisam ser avaliadas periodicamente, en-
tendendo que elas servem para cumprir etapas do processo, e que, por-
tanto, no servem para sempre. A necessidade surgida hoje pode no ser
a de amanh.
Concluindo, queremos reafrmar a importncia do trabalho coletivo no co-
tidiano escolar.
O trabalho coletivo e diversifcado nas turmas e na escola como um todo compatvel
com a vocao da escola de formar geraes. nos bancos escolares que aprendemos
a viver entre os nossos pares, a dividir responsabilidades, repartir tarefas. O exerccio
dessas aes desenvolve a cooperao, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o
reconhecimento da diversidade dos talentos humanos e a valorizao do trabalho de cada
pessoa para a consecuo de metas comuns de um mesmo grupo. (MANTOAN, 2003)
Essa uma maneira de se estabelecer parcerias que fortaleam o nosso de-
sempenho profssional.
92
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
A aula de hoje propiciou discusses em torno de procedimentos e adequaes curriculares que
podem ser utilizados como recursos, que favorecem os princpios da educao inclusiva o xito de
todas as nossas crianas.
1. Observando a estrutura de nossas escolas corredores, ptio, local de merenda, localizao
das salas, disposio das carteiras e murais, entre outros voc acredita que as escolas esto
prontas para receber seus novos clientes? Discuta essa questo com seus colegas, pensando em
como podemos facilitar a manuteno dessas crianas na escola. Registre as concluses.
2. Liste as vantagens e desvantagens das adaptaes curriculares em relao aos contedos e ao
processo de avaliao, tanto para as turmas regulares como para os portadores de necessidades
educacionais especiais e faa uma discusso em seu grupo.
93
Adaptaes curriculares na Educao Inclusiva
3. Anote os questionamentos e as dvidas provocadas por esse tema e faa uma discusso com
seus colegas.
94
Atitudes e tcnicas
facilitadoras da incluso
V
amos hoje conversar sobre os alunos portadores de necessidades educativas especiais (NEE)
e sobre as melhores formas de fazer com que se sintam acolhidos pela escola e possam desen-
volver, da melhor maneira, a aprendizagem e o alcance da cidadania.
[...] alunos portadores de necessidades educativas especiais so aqueles que apresentam demandas, no domnio
das aprendizagens curriculares escolares, que so de alguma forma diferentes das dos demais alunos. Isso traz a
necessidade de adaptaes curriculares e de recursos pedaggicos especfcos.
exatamente a caracterizao dessas formas de atendimento s NEE, alm da focalizao do
conceito de incluso, o objetivo principal da nossa aula.
Ento, vamos l!
Algumas refexes
sobre o processo de excluso na escola
A primeira refexo est voltada para a necessidade da superao de uma viso, padronizada e
classifcatria, ainda bastante comum na sociedade atual. Ela cria um padro de normalidade e conde-
na todos que a ela fugirem pena da discriminao e, consequentemente, das prticas excludentes.
Claro que essa excluso pode ocorrer de formas mais duras e explcitas, mas tambm pode
assumir tonalidades mais suaves, embora no menos terrveis. Pode surgir, at mesmo, dissimulada
sob a forma da pena, da comiserao, que se manifestam verbalmente por meio de expresses como
coitado, ele tem um defeito, o ceguinho, entre outras. Os termos utilizados no grau diminuti-
vo no devem deixar margem a qualquer iluso: so o retrato da discriminao e do preconceito.
necessrio, portanto, educar a sociedade, principalmente em relao a dois aspectos:
o entendimento da diversidade existente entre os seres humanos, tratando o fato de forma
natural e aceitvel, em vez de discriminatria;
a concepo das diferenas de forma qualitativa (em vez de quantitativa), evitando o estabe-
lecimento de classifcaes e hierarquias.
Esses dois efeitos se fazem sentir agudamente na escola, seja sob a forma de tentativas de extin-
o das diferenas (qual o professor que nunca ouviu falar das famosas turmas homogneas?) e do
estabelecimento das classifcaes por nota ou por disciplina, herana da meritocracia tradicional.
Uma segunda refexo importante a de que no devemos confundir defcincia com doena.
Alunos portadores de defcincias, de altas habilidades ou das chamadas condutas tpicas (ou dis-
trbios de conduta) apresentam necessidades educativas especiais, mas no podem ser considerados
doentes ou incapazes para a aprendizagem.
necessrio entender que as defcincias geram necessidades educativas especiais, so diversida-
des que demandam recursos especfcos e respostas educacionais diferentes. Para o seu melhor entendi-
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
mento, basta estabelecer diferenas entre os conceitos de normalidade e de desvio,
de diferena e de desigualdade.
Sobre o uso dos termos diferena e desigualdade, Moyss (2001, p. 127),
afrma que h uma disputa entre poligenistas e monogenistas:
[...] demarca-se o uso dos termos diferena e desigualdade. Etnlogos sociais ou evo-
lucionistas sociais vinculados concepo unitria da humanidade, ao monogenismo,
afrmam que os homens seriam desiguais entre si, hierarquicamente desiguais em seu de-
senvolvimento global; a desigualdade pressupe a concepo humanista de uma unidade
humana, sendo as diversidades existentes entre os homens transitrias e superveis pelo
tempo e/ou pelo contato cultural. Darwinistas sociais, eugenistas, antroplogos, fliados
ao poligenismo entendendo a humanidade composta por raas/espcies diferentes, ontolo-
gicamente diferentes; as diferenas entre homens e povos seriam defnitivas, insuperveis,
porque geneticamente determinadas.
Esteban (1992, p. 79) situa o fulcro da questo discriminatria, que pesa
sobre os diferentes ritmos de aprendizagem escolar, na diferena que existe
entre acreditar que o aluno no sabe e acreditar que ele ainda no sabe.
Afrma a autora:
A palavra ainda traz o sentido de movimento, de vir a ser, e, sobretudo, traz implcita a
possibilidade de superar e de atingir um novo saber; ainda sintetiza, nesse caso, o espa-
o de desenvolvimento real da criana e as possibilidades que nela se anunciam.
Concluindo, voltamos a destacar o conceito de necessidades educati-
vas especiais, substituindo os de dfcit, retardo, defcincia e outros tantos,
que ainda perpassam o cotidiano escolar. Esse conceito se amplia como, por
exemplo, no estudo de Norwich (apud MITTLER, 2003, p. 33) que apresenta
trs tipos de necessidades:
as necessidades individuais emergem das caractersticas que so nicas
para a criana e diferentes para todas as outras;
as necessidades excepcionais emergem das caractersticas compartilha-
das por alguns (impedimentos visuais, altas habilidades musicais);
as necessidades comuns emergem a partir de caractersticas compartilha-
das por todos (as necessidades emocionais de pertencer e de se sentir na
relao).
Nesse quadro, as necessidades educativas especiais correspondem ao que ele
chama de necessidades excepcionais. Isso no faz desaparecerem, no entanto, os
dois outros tipos de necessidades (individuais e comuns), presentes em todos ns.
Trs documentos internacionais importantes
Vamos apresentar a vocs trs documentos de grande importncia para a
incluso de alunos portadores de necessidades educativas especiais. Neles, segun-
do Carvalho (1997), encontramos as bases poltico-flosfcas das prticas inclu-
sivas.
Declarao Universal dos Direitos Humanos
Adotada pela Organizao das Naes Unidas (ONU), em 1948, tem um
96
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
princpio fundamental: a garantia da educao para todos, indistintamen-
te, quaisquer que sejam as suas origens ou condio social.
Conveno sobre os Direitos da Criana
Datada de 20 de novembro de 1989, explicita os direitos dos portado-
res de necessidades educativas especiais, valorizados como indivduos e
como seres sociais. Garante-lhes, entre outras coisas, uma vida plena e
decente, cuidados especiais (sempre que possvel gratuitos), levando-os
mais ampla integrao social e ao desenvolvimento individual pleno.
Declarao de Salamanca
Documento resultante da Conferncia Mundial sobre Necessidades Es-
peciais (1994), proclama o direito fundamental de todas as crianas,
com as suas caractersticas peculiares, Educao. Afrma, tambm,
o direito das pessoas com necessidades educativas especiais escola
regular, que dever integr-las numa pedagogia adequada.
A Poltica Nacional de Educao Especial
A Poltica Nacional de Educao Especial (PNEE), elaborada pelo MEC
em 1994, est fundamentada em vrios documentos legais
1

e objetiva orientar o
processo global de educao das pessoas portadoras de NEE, criando condies
apropriadas ao desenvolvimento das suas potencialidades.
So os seguintes os princpios axiolgicos
2
da PNEE:
Princpio da normalizao (oferecimento, aos portadores de NEE, das
mesmas condies e oportunidades sociais, educacionais e profssionais
das demais pessoas).
Princpio da integrao (considerao dos valores democrticos da igual-
dade, da participao ativa e do respeito aos direitos e deveres huma-
nos).
Princpio da individualizao (valorizao das diferenas individuais).
Princpio sociolgico da interdependncia (considerao de outras prti-
cas nas reas social, mdica e psicolgica alm da educacional).
Princpio epistemolgico
3
da construo real (conciliar o que preciso
para atender s necessidades educativas especiais, com os meios dispo-
nveis).
Princpio da efetividade dos modelos de atendimento educacional (refe-
re-se qualidade das aes educativas desenvolvidas).
Princpio do ajuste econmico condio humana (valorizao da pes-
soa portadora de NEE, colocando a dimenso humana acima da relao
custo-benefcio das aes educativas).
Princpio da legitimidade (participao dos prprios portadores de NEE
na elaborao das citadas polticas).
1
Constituio Federal (1988),
Lei de Diretrizes e Bases
da Educao Nacional (1971),
Plano De ce nal de Educao
para Todos (1993), Estatuto
da Crian a e do Adolescente
(1990), por exemplo.
2
A axiologia constitui-se
como teoria dos valores
morais, abordando flosof-
camente as questes ticas e
a cultura.
3
Epistemologia signifca,
etimologicamente, discur-
so (logos) sobre a cincia
(episteme). Ao lado da epis-
temologia lgica e gentica
surge, mais recentemente, um
novo tipo de episte mo logia, a
epistemologia crtica, fruto
da refexo que os prprios
cientistas esto fazendo so-
bre a cincia emsi mesma,
sobre os pressupostos, os
resultados, a utilizao, o lu-
gar, o alcance, os limites da
atividade cientfca.
97
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
Integrao X incluso
Todos sabem que os alunos portadores de necessidades educativas especiais
so atendidos pela Educao Especial
4
. Chegamos, a partir disso, a um dos con-
ceitos mais importantes da aula de hoje: a diferena entre integrao e incluso.
Vamos comear com a integrao: incorporao fsica e social de pessoas
que esto isoladas ou segregadas das demais, tornando-as parte da sociedade. O
atendimento despe-se do carter de assistncia; ao invs de teraputico, torna-se
educativo, enfatizando-se as potencialidades, em vez das incapacidades, e a def-
cincia perde a condio de doena.
Este quadro, adaptado, de Canziani (1993, p. 23), mostra algumas mudanas
que acompanham a mudana de enfoque.
Abordagem Viso anterior Viso atual
Focalizao na patologia na integrao
Defcincia vista como doena necessidade especial
Indivduo chamado de excepcional/defciente pessoa portadora
de defcincia
Orientao teraputica educativa
Inveno sobre as incapacidades as potencialidades
Cliente paciente sujeito do processo
Relao
cliente-profssional
tratamento acesso aos
recursos disponveis
Atendimento assistencialista garantia de direitos
Relao
indivduo-profssional
dependncia emancipao
Vamos ver agora mais duas defnies de integrao? A primeira nos apre-
sentada por Mazotta (1999, p. 13): A integrao a busca da participao das
pessoas que se encontram em situaes segregadas para situaes ou ambientes
normais, sejam educacionais ou sociais.
A segunda est nas Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Edu-
cao Bsica (1994, p. 18):
Integrao um processo dinmico de participao das pessoas num contexto relacional,
legitimando sua interao nos grupos sociais. A integrao implica reciprocidade [...] no
ambiente escolar, refere-se ao processo de educar ensinar, no mesmo grupo, a criana
com e sem necessidades educativas especiais, durante uma parte ou totalidade de tempo
de permanncia na escola.
O conceito de integrao levou reestruturao da Educao Especial em
todo o mundo. No Brasil, infelizmente, as questes fcaram mais em nvel terico
(voltado para a produo cientfca dos estudiosos), que prtico.
No fnal dos anos 80, as tentativas de integrao estavam calcadas, funda-
mentalmente, em um princpio predominante: o mainstreaming
5
, que signifcava
levar os alunos para servios disponveis na comunidade. Esses servios eram em
classes regulares e/ou em aulas de Artes, Msica, Educao Fsica ou atividades
extracurriculares. Muitas foram as crticas a essa questo, principalmente a do
no pertencimento desses alunos a nenhum grupo e a de que signifcava, na reali-
dade, a mera colocao dos alunos portadores de NEE em vrias salas.
4
Defnida na Lei 9.394/96
(LDB) como: [...] a mo-
dalidade de educao escolar,
oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino,
para educandos portadores
de necessidades especiais e
que haver, quando necess-
rio, servios de apoio espe-
cializado, na escola regular,
para atender s peculiarida-
des da clientela de Educao
Especial, e que o atendimen-
to educacional ser feito em
classes, escolas ou servios
especiali zados, sempre que
em funo das condies
especfcas dos alunos, no
for possvel a sua integrao
nas classes comuns de ensino
regular.
5
Na Educao Especial da
dcada de 80 signifcava
levar alunos, com ou sem
necessidades educati vas es-
peciais, para os setores que
forneciam atendimento.
98
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
Na dcada de 1990, as crticas atingiram o mximo referindo-se ao fato de
que essas estratgias s integravam os alunos que estivessem preparados para
enfrentar diversos tipos de difculdades delas decorrentes.
Um segundo paradigma surgiu, ento, para agitar ainda mais o cenrio da Edu-
cao Especial. Trata-se da incluso, que no onerava apenas os portadores de ne-
cessidades educativas especiais, mas exigia um esforo de toda a sociedade, no
sentido da mudanas de atitudes, prticas menos discriminadoras e mudanas
fsicas, para acolher essas pessoas.
Da mesma forma que em relao ao paradigma anterior, vamos ver a defni-
o de incluso, segundo Mantoan (1988, p. 145):
Questiona no somente as polticas e a organizao da Educao Especial e regular, mas
tambm o conceito de mainstreaming. A noo de incluso institui a insero de uma
forma mais radical, completa e sistemtica. O vocbulo integrao abandonado, uma
vez que o objetivo incluir um aluno ou um grupo de alunos que j foram anteriormente
excludos; a meta primordial da incluso a de no deixar ningum no exterior do ensino
regular, desde o comeo. As escolas inclusivas propem um modo de se constituir o siste-
ma educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que estruturada em
virtude dessas necessidades. A incluso causa uma mudana de perspectiva educacional,
pois no se limita a ajudar somente os alunos que apresentam difculdades na escola, mas
apoia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na
corrente educativa geral.
No Brasil, existe a coexistncia de dois paradigmas: o da integrao e o da
incluso. O modelo de integrao demanda um sistema de servios, uma rede de
recursos centrada no indivduo, ao passo que o modelo de incluso requer um sis-
tema de suportes, uma rede de apoio, caracterizando uma interveno no prprio
sistema. Pelo que foi percebido, o modelo de integrao ainda o prevalecente,
mesmo que tenha recebido a nova denominao de incluso.
Como facilitar a incluso?
No existe uma srie de procedimentos-padro, como se constitussem uma
receita para essa facilitao. Preferimos, no entanto, levantar cinco aspectos,
os mesmos discutidos no Seminrio Educao Inclusiva no Brasil Diagnstico
Atual e Desafos para o Futuro
6
, e que passamos a discutir com vocs.
O estabelecimento de polticas pblicas que tenham como pressupostos,
entre outros:
maior clareza no referencial conceitual quanto s necessidades educa-
tivas especiais e defnio de quem o aluno com NEE, assim como
quanto incluso para todos que enfrentam difculdades de aprendi-
zagem;
defnio do conceito, do papel e do lugar da incluso na poltica p-
blica do estado ou municpio, com relao rede de ensino nos diver-
sos nveis escolares, da Educao Infantil Educao Superior;
maior clareza nas metas estabelecidas, prioridades e prazos dos pro-
gramas para promover a incluso e garantir o sucesso escolar de alunos
com necessidades educativas especiais em todas as escolas da rede.
6
Por iniciativa do Banco
Mundial, esse seminrio
aconteceu no Rio de Janei-
ro, emmaro de 2003, e foi
composto por 15 membros,
oriundos de sete estados (re-
gies Norte e Sudeste) e do
Distrito Federal.
99
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
A formao de recursos humanos capacitados para lidar com os alunos
portadores de necessidades educativas especiais. Essa formao inicial
e contnua deve ser de qualidade e focalizar aspectos como o que
aprendizagem e desenvolvimento, o que ensinar, qual o papel da esco-
la, alm das questes especfcas das necessidades educativas especiais e
do seu atendimento. Nesse sentido, deve ser voltada para a refexo sobre
as concepes que referenciam as prticas pedaggicas.
A qualidade da formao reside no movimento de desconstruo do
modelo educacional excludente e, consequentemente, na construo de
novos paradigmas que desafem a recriao do sentido de educar, pro-
vocando e consolidando prticas questionadoras e aliceradas no fazer
pensando traduzido, aqui, como prtica de pesquisa.
Os conhecimentos tericos, apesar de sua importncia e de sua relevn-
cia, so insufcientes quando confrontados com as exigncias do pro-
cesso ensino-aprendizagem. A formao de professores deve colocar
nfase na investigao e no questionamento suscitado pela articulao
entre a teoria e a prtica, cujo movimento ao-refexo traduz-se em
transforma es que avanam na direo de melhores formas de compre-
enso do fenmeno educacional e da busca de solues para os proble-
mas encontrados no cotidiano escolar, marcado pela imprevisibilidade,
pelo mltiplo, pelo plural.
O uso de tecnologia assistiva, pois o sucesso de alunos com necessida-
des educativas especiais pode fcar comprometido pela falta de recursos
e solues que os auxiliem na superao de difculdades funcionais no
ambiente da sala de aula e fora dele. Os recursos e as alternativas dispo-
nveis so considerados caros e pouco disponveis para todos. Por isso,
torna-se necessrio disseminar esse conhecimento e fomentar a produo
de tecnologia assistiva.
Ao buscar a resoluo de problemas funcionais, no dia a dia da escola,
mesmo sem o saber, o professor produz tecnologia assistiva. Por exem-
plo, ao engrossar o lpis para facilitar a preenso e a escrita, ou ao fxar
a folha de papel com uma fta adesiva, para que no deslize com a movi-
mentao involuntria do aluno ou, ainda, ao projetar um assento e um
encosto de cadeira que garanta estabilidade postural e favorea o uso
funcional das mos.
Assim, a tecnologia assistiva deve ser compreendida como a resoluo
de proble mas funcionais em uma perspectiva de desenvolvimento das po-
tencialidades humanas, valorizao de desejos, habilidades, expectativas
positivas e da qualidade de vida.
As diversas modalidades de tecnologia assistiva incluem recursos de comu-
nicao alternativa, de acessibilidade ao computador, de atividades de vida
diria, de orientao e mobilidade, de adequao postural, de adaptao
de veculos, rteses e prteses, entre outros. Isso inclui, tambm, embora
mais recentemente, a produo de softwares e equipamentos informti-
cos, especialmente no campo dos leitores de tela
7
.
7
Os softwares brasileiros
DOSVOX e Virtual Vi-
sion projetados para usu rios
cegos, so comer cializados ou
distribudos gratuitamente, por
meio de convnios e parcerias
cominstituies pblicas e pri-
vadas.
100
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
A consecuo da acessibilidade utilizando, entre outros recursos, o Dese-
nho Universal
8
. Ele deve ser aplicado, por exemplo, em rampas e banhei-
ros adaptados, nos transportes coletivos.
Quando um aluno, com necessidades educativas especiais, recebido no
ambiente de aprendizagem, com barreiras fsicas e sensoriais que impedem
o simples acesso sala ou leitura de um texto com autonomia, est ins-
taurado um poderoso fator de excluso social e no haver incluso de
fato, baseada unicamente na dedicao e boa vontade dos professores e
funcionrios, ainda que se desdobrem para que ela acontea. preciso
que a infraestrutura dos ambientes de ensino seja coerente com os prin-
cpios de incluso, e espelhe o respeito a esses alunos, por meio do cui-
dado com instalaes, tecnologia e equipamentos aptos a receb-los sem
restries, num ambiente atento s diferenas.
Quando analisamos a Educao Inclusiva pelo enfoque da acessibilidade,
estudamos prioritariamente as seguintes questes:
o entorno: o percurso do aluno escola, s ruas, o meio de transporte,
por exemplo;
o edifcio da escola;
a sala de aula e seu mobilirio;
o material didtico;
o equipamento de informtica;
as ajudas tcnicas necessrias.
A realizao das adaptaes curriculares necessrias, considerando-se
aqui duas modalidades necessrias para a incluso de alunos com ne-
cessidades especiais, em classes regulares: as adaptaes de acesso ao
currculo (eliminao de barreiras arquitetnicas e metodolgicas) e as
adaptaes pedaggicas (ou curriculares, propriamente ditas).
Para atender diversidade, h a necessidade de adaptaes do currcu-
lo regular, envolvendo modifcaes organizativas, nos objetivos e con-
tedos, nas metodologias e na organizao didtica, na temporalidade e
na flosofa e estratgias de avaliao, permitindo o atendimento s neces-
sidades educativas de todos, em relao construo do conhecimento.
Terminamos nossa aula trazendo um pensamento de Vygotsky (1989, p. 6),
que tambm estudou o tema das necessidades educativas especiais:
[...] do mesmo modo que a criana em cada etapa do desenvolvimento, em cada fase sua,
representa uma peculiaridade qualitativa, uma estrutura especfca do organismo e da
personalidade, a criana com defcincia representa um tipo peculiar, qualitativamente
distinto de desenvolvimento.
Nossa responsabilidade profssional passa pelo respeito que tenhamos pelos
limites e possibilidades de desenvolvimento de cada aluno, trazendo cena os
recursos necessrios para que esse processo ocorra.
8
O Desenho Universal visa
atender a maior gama
possvel de pessoas, plane-
jando espaos e dimenses
apropriados para interao,
alcance e uso de produtos em
geral, independentemente do
tamanho, postura ou mobili-
dade do usurio; reconhece e
respeita a diversidade fsica e
sensorial entre as pessoas e
as modifcaes pelas quais
passa o nosso corpo, da in-
fncia velhice.
101
Atitudes e tcnicas facilitadoras da incluso
importante, ao se organizar uma escola inclusiva, pensar em atitudes e tcnicas que efetiva-
mente promovam a permanncia do aluno na escola princpio fundamental desse novo paradigma
educacional.
1. Em sua turma h alunos portadores de necessidades educacionais especiais? Converse com seus
colegas sobre as prticas de incluso que so desenvolvidas e registre os resultados.
2. Voc percebeu a distino entre integrao e incluso. possvel coexistirem as duas concep-
es dentro dos pressupostos da Educao Inclusiva? Discuta essa questo com seus colegas.
3. Os questionamentos e as dvidas surgidas com a leitura desse texto devem ser anotadas e dis-
cutidas em grupo.
102
O trabalho pedaggico em
turmas multisseriadas I
F
icha de chamada. Crianas pequenas, maiores, quase adolescentes se agrupam em uma lista
de nomes e no espao de uma sala, em busca de um grande sonho: aprender a ler e a escrever.
Constituem-se em uma classe que varia em idade de 7 a 13 anos e que se dividem entre o
aprendizado das primeiras letras e as demais sries do incio do Ensino Fundamental.
Historicamente, essas escolas multisseriadas conhecidas por atender em uma nica sala de
aula sries diferenciadas, so encontradas principalmente nas pequenas cidades da zona rural, em
todas as regies do pas, atingindo grandes propores na regio Nordeste, conforme quadro abaixo.
Ensino Fundamental (1. Grau/Ensino Regular) n. de Escolas e Turmas Multisseriadas
por Unidade Geogrfca 2002
(
M
E
C
/
I
N
E
P
)
Unidade geogrfca Localizao N. de escolas N. de turmas
Regio Norte
Urbana
173
262
Rural
17 135
21 977
Regio Nordeste
Urbana
2 258
3 807
Rural
46 199
62 538
Regio Sudeste
Urbana
1 396
2 348
Rural
9 684
14 560
Regio Sul
Urbana
269
426
Rural
6 484
8 627
Regio Centro-Oeste
Urbana
228
401
Rural
2 131
3 187
Esses dados nos revelam que grande parte das escolas/turmas multisseriadas encontra-se em lo-
cais em que a pobreza grande, sendo de responsabilidade municipal quase a sua totalidade 92,4%
cabendo ao estado 6,1% e Unio 1,9% das escolas existentes hoje no pas. Nmeros alarmantes,
dadas as condies de funcionamento dessas escolas/turmas.
As escolas multisseriadas so consideradas como escolas de segunda categoria, esquecidas
pelo poder pblico, que no lhe destina nenhuma alternativa de melhoria, como so apontadas em
algumas pesquisas sobre o assunto, e vistas como um mal sem remdio.
Em pleno sculo XXI, quando o mundo discute a necessidade dos governos se empenharem
com o objetivo de erradicar o analfabetismo, universalizar o Ensino Fundamental e construir uma
escola inclusiva, que garanta acesso a todos, mediante um ensino democrtico e de qualidade, na qual
cada indivduo seja capaz de se realizar enquanto cidado, ainda encontramos escolas que, longe de
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas I
atingir a democratizao da escola bsica, concorrem para promover um profundo
distanciamento entre os discursos necessrios incluso e a realidade das escolas
pblicas multisseriadas.
No h registros ofciais quanto formao do professorado e quantidade
de alunos matriculados, sendo os dados existentes nessas reas frutos de pesqui-
sas de alguns profssionais empenhados em buscar alternativas para a melhoria
das condies dessas escolas.
Descortinando a realidade
A escola multisseriada apresenta inmeras difculdades que vo desde a sua
localizao, quase sempre em local de difcil acesso, em que a criana precisa
percorrer alguns quilmetros de distncia para chegar at ela, at a falta de condi-
es de estrutura fsica e pedaggica. Normalmente, essas escolas constituem-se
de apenas uma sala, pequena, que, dependendo do local, mal consegue abrigar os
seus alunos. Localizadas, conforme j explicitado em quadro prprio, em regies
pobres, no possuem o mnimo de conforto para a realizao de um trabalho que
exige ateno e disponibilidade de recursos pedaggicos que possam atender
multiplicidade de conhecimentos que ali se concentram.
Alm desses problemas de ordem fsica, ainda precisamos entender que de-
pendendo do horrio de seu funcionamento, a caminhada, muitas vezes, sob sol
forte, faz com que as crianas j cheguem sala cansadas e desanimadas. H
ainda que se considerar que o profssional que ali se encontra nem sempre possui
formao acadmica adequada para o desenvolvimento de seu trabalho, como
necessita acumular diferentes papis, para dar funcionalidade sua escola. Por-
que, na verdade, a escola passa a ser da professora, eximindo-se o poder pblico
de assisti-la com propriedade. Alm de ser responsvel pela prtica pedaggica, a
professora necessita, em algumas situaes, cuidar da limpeza e at da merenda,
conforme a quantidade de crianas atendidas.
Esse descaso mostrado no trabalho publicado pela professora Maria Da-
masceno (2002), na Revista Pedaggica da Universidade Federal de Mato Gros-
so, quando da pesquisa em escolas rurais localizadas no Nordeste, ao apresentar a
fala de uma professora assentada:
[...] faltam muitas coisas para os professores aqui ensinar, falta material, falta giz, a lousa
no presta, cadeira no tem, ainda hoje falei com o secretrio. Ele falou que eu no me
preocupasse no, mas h um ano que eu ensino aqui, ele toda vez que eu vou l a gente
vai ajeit, a continua tudo do mesmo jeito.
Segundo dados do Ministrio da Educao, oito milhes de estudantes
brasileiros, quase a populao de Portugal, frequentam o Ensino Fundamental
e Mdio, no campo, no qual 354 316 professores do aulas em 110 627 turmas.
Dados estes, relativos s escolas funcionando em acampamentos rurais, em que
as precariedades tornam-se mais acentuadas. O prprio relatrio menciona que
esses alunos estudam em mdia trs anos, chegando a 33% a taxa de analfabetis-
mo nesse agrupamento. Isso signifca que o quantitativo de crianas matriculadas
104
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas I
no expressa nem a qualidade do ensino e nem a manuteno dessas crianas na
escola, considerando que trs anos de escolarizao tempo insufciente para se
consolidar um ensino que o torne apto a uma vida cidad.
A par de toda essa falta de estrutura, precisamos conhecer quem o alunado
que constitui essa classe multisseriada. So crianas portadoras de necessidades
educacionais especiais, conforme defne a Declarao de Salamanca, que passam
por carncias de toda a ordem, alm de constiturem mo de obra barata na lavou-
ra. So crianas pertencentes a grupos sociais que encontram-se desassistidos so-
cialmente, e, portanto, prioridade assumida pelo governo, diante da comunidade
internacional, quando da realizao do Congresso de Salamanca, Espanha, 1994,
cujo documento fnal explicita os grupos que precisam ser imediatamente atendi-
dos: deveriam incluir crianas defcientes e superdotadas, crianas de rua e que tra-
balham, crianas de origem remota ou de populao nmade, crianas pertencentes a
minorias lingusticas, tnicas ou culturais, e crianas de outros grupos desavantajados
ou marginalizados (BRASIL, 1994a).
Sem necessidade de justifcar o que se encontra explcito crianas que
trabalham, crianas que pertencem a grupos marginalizados ; excludos da vida
em sociedade e da vida pblica.
Como em todo grupo que se organiza, as turmas multisseriadas se com-
pem de crianas com diferentes desejos, expectativas e anseios, fazendo emergir
a questo das diferenas, considerando-se idades diversas e escolaridade diferen-
ciada, estabelecendo a necessidade de serem atendidas em um contexto pedag-
gico que privilegie a sua forma de aprender e de atender s exigncias escolares,
assim como de serem respeitadas em suas impossibilidades e apreciadas enquanto
indivduos que criam e provocam mudanas na realidade, apesar das circunstn-
cias vividas.
O trabalho pedaggico
Diante de um quadro complexo e bastante prejudicado pelas condies pre-
crias em que se processa o trabalho pedaggico, ainda contamos com profssio-
nais sem formao adequada ao desenvolvimento de uma ao efetiva, conforme
nos relata a professora Maria Damasceno (2002): das 10 (dez) professoras obser-
vadas, a maioria possui to somente a 4. srie do 1. grau, algumas estudaram at
a 8. srie e apenas uma professora possui a titulao exigida para o magistrio, ou
seja, o curso normal [sic].
O planejamento do trabalho normalmente feito com orientao de pro-
fssionais das Secretarias de Educao, por meio dos supervisores, que os rene,
em determinados perodos, para que seja feito o planejamento de ensino a ser
desenvolvido nas escolas/turmas multisseriadas. No se tem notcia de um plane-
jamento integrado, com trabalhos diversifcados, em se tratando da especifcidade
dessas turmas que atendem alunos de 1. a 4. sries. Embora haja encontros des-
tinados ao planejamento das turmas, no h a preocupao em adequ-lo s reais
necessidades locais, j que, segundo depoimento de um aluno, o plano retirado
de livros didticos colocados disposio para esse fm.
105
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas I
[...] l (sede do municpio) a gente se rene, as professora tudim, a a gente vai pesquisar
nos livros e fazer todo mundo junto pra sair uma coisa s. Cada um l planeja uma srie.
A, a gente acha difcil fazer este planejamento, porque a gente no tem tempo. Tambm
s um dia. A a gente no tem tempo de copiar a 4. srie.
Com a dissociao entre o pensar e o fazer e tendo que improvisar muitas
vezes pela falta de material no local de trabalho, evidencia-se uma desarticulao
entre esse planejamento e a prtica pedaggica cotidiana, assim como o que a
escola tradicional determina como necessrio para a aprendizagem e a realidade
vivida, tornando os contedos sem interesse para a grande maioria dos alunos,
justifcando, inclusive, o tempo de permanncia deles na escola.
Essa dissociao expressa uma viso tradicional de educao, na qual no
h preocupao com o meio social ou com as exigncias que ele dever atender,
esquecendo-se, inclusive, que esse planejamento serve para atender uma especif-
cidade as turmas multisseriadas em que a professora realiza um trabalho para
vrias sries simultaneamente.
Porm, no somente a defcincia do ensino que provoca a evaso.
Outros fatores tambm contribuem de forma efetiva para o afastamento da
escola: a necessidade do trabalho infantil, a falta de condies da famlia para
suprir necessidades de roupa e calado para frequentarem a escola e a falta
da merenda escolar. inegvel que para o sustento da famlia o trabalho de
todos de importncia capital, tornando-se prioridade, assim, na vida de cada
criana o trabalho na lavoura.
A distncia entre o que a escola ensina e o que seria necessrio para con-
tribuir na realizao do trabalho local, faz com que aquela no seja vista pelos
responsveis como importante para a vida da criana; pelo contrrio, muitas ve-
zes atrapalha, em virtude de desfalcar uma pessoa dos trabalhos programados. A
criana que mora em zona rural uma criana trabalhadora, com responsabili-
dades a serem executadas. Desse modo, no h convencimento se no houver, de
fato, contribuio para a vida diria dos indivduos.
preciso que comecemos a falar sobre essas coisas, importante bus-
carmos conhecimento de como se tem processado esse ensino; necessrio
cobrarmos sistematicamente dos governos sua responsabilidade com as esco-
las/turmas multisseriadas. Um trabalho que no considere o meio social em
que a criana encontra-se inserida e despreze a riqueza de conhecimentos que cir-
culam na comunidade no produz uma interao entre a escola e sua comunidade,
fazendo com que ela seja vista com desinteresse, j que no responde aos anseios
da sociedade local.
O desafo atual do professor trabalhar em funo de empreender aes que
visem diminuir a distncia entre o que a escola oferece e o que o aluno tem inte-
resse para sua vida cotidiana. Romper a barreira que impede que nossos alunos e
comunidade reconheam a importncia do papel da escola, enquanto contribuin-
te, para a melhoria da qualidade da vida social , tambm, fundamental.
106
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas I
Concluindo
Finalizando nossa aula, cabem algumas consideraes que nos parecem im-
portantes nesse contexto rural. A ausncia de uma viso poltica pelo conjunto
de professores que atuam nessas escolas tem impedido de tornar as aulas mais
produtivas, pois no campo h sempre muitas curiosidades que podem ser moti-
vadoras para as aulas. As escolas em assentamento rural, marcadas pelas lutas
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tambm podem produzir
situaes de aprendizagem e tornar o contedo a ser trabalhado mais prximo
do alunado.
Mesmo as professoras que percebem a necessidade de levar em conta o
contexto social sentem-se em situao de confito, uma vez que seu salrio pago
pela prefeitura, obrigando-a a cumprir as determinaes da mesma. a ausncia
da conscientizao poltica que as impede de desenvolver um trabalho mais crti-
co e independente.
Urge que os governos assumam uma poltica de atendimento aos profes-
sores que trabalham nas escolas/turmas multisseriadas, a fm de capacit-los en-
quanto profssionais conscientes de seu papel e capazes de produzir um trabalho
de qualidade, bem como suprir as unidades escolares com material necessrio ao
desenvolvimento do trabalho pedaggico.
Por outro lado, importante que o profssional da educao se reconhea
como artfce do saber, cujo objetivo seja mediar o processo educativo por meio da
construo, transmisso e reconstruo do conhecimento, a fm de produzir um
trabalho que d conta da diversidade escolar, seja em turmas da mesma srie ou
multisseriadas, ambas heterogneas quanto composio do alunado, base fami-
liar, crenas e valores.
Por fm, Perrenoud (2000) nos adverte para os mritos e riscos das pedago-
gias diferenciadas que tm sido adotadas por alguns sistemas educacionais sobre
a diviso das classes por ciclos de progresso e de acelerao.
Seria um perigo viver a diferenciao como uma maneira de quebrar, de romper toda di-
nmica coletiva, ou de individualizar como um modo de respeitar as diferenas e de ne-
las encerrar as pessoas. Eu, eu no respeito as diferenas, isso digo francamente, eu as
considero, o que totalmente diferente. Quer dizer que, se algum no sabe como chegar
ao pensamento abstrato, portanto, s lhe forneo o concreto. Eu considero as diferenas,
isto , levo em conta o nvel em que ele est, mas vou ajud-lo a progredir.
Em nossas turmas heterogneas em ritmos e aprendizagens anteriores, res-
peitar as diferenas propor objetivos motivadores para os pequenos progressos
individuais e grupais, excluindo de forma contundente a passividade e a repetio
infndvel dos mesmos temas que em nada acrescentam e no facilitam a perma-
nncia do aluno na escola.
A aula de hoje nos ajudou a conhecer as escolas/turmas multisseriadas que
atendem milhes de crianas, por meio de um ensino, ainda, defcitrio.
107
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas I
1. Voc tem conhecimento de escola/turma multisseriada em sua cidade? Converse com seus cole-
gas sobre a estrutura e a dinmica de funcionamento dessas escolas. Registre as experincias.
2. Em uma turma multisseriada, que aspectos so importantes para o planejamento de ensino?
Faa sua refexo e converse com seus colegas.
3. Os questionamentos e as dvidas provocadas por esse texto devem ser anotados e discutidos
com seus colegas.
108
O trabalho pedaggico
em turmas multisseriadas II
M
ais de dez anos se passaram da realizao da Conferncia Mundial sobre Educao para
Todos (1990), cujo objetivo foi discutir a importncia da educao bsica para o indivduo,
assim expresso no documento fnal: o objetivo ltimo da Declarao Mundial sobre Edu-
cao para Todos satisfazer as necessidades bsicas da aprendizagem de todas as crianas, jovens
e adultos.
Ainda hoje encontramos professores sem a mnima formao desejada, alunos desencorajados
para a escola, estrutura precria e ausncia de material bsico e necessrio para a realizao das tare-
fas pedaggicas. At quando vamos assistir a cenas como estas?
Enquanto isso, nos locais em que se encontram as escolas/turmas multisseriadas, professores e
alunos precisam construir um caminho que permita a eles tornarem-se produtores de conhecimento,
por meio da reelaborao do saber, mediatizado pela prtica pedaggica na qual o saber terico uni-
versal se articular ao saber construdo pelo homem do campo. Ser preciso ultrapassar a crena de
que os conhecimentos esto prontos, que o homem no capaz de mudar nada e que tudo depende
dos governantes ou, quem sabe, de Deus?
Refetir, buscar alternativas, organizar aes so caminhos que nos levam a acreditar que
possvel a construo de uma nova concepo, na qual o saber fragmentado, devidamente articulado,
contribua para a superao do senso comum e nos permita atingir a conscincia crtica.
Construindo o trabalho pedaggico
Trabalhar com alunos em nveis muito diferenciados de conhecimento deixa a todos ns, profes-
sores, inseguros e ansiosos para coloc-los em um molde homogneo, como se fosse possvel. A he-
terogeneidade um fator indiscutvel na formao de classes uni ou multisseriadas e, bem aproveitada,
pode se tornar uma importante alavanca no processo de construo do conhecimento. Para tirar proveito
pedaggico dela, precisamos conhecer bem o nosso alunado, sua origem e difculdades, para propor
atividades que eles realizem sozinhos ou com o auxlio dos prprios colegas.
Aprender como ensinar, em uma mesma classe, alunos de diferentes nveis de informao e co-
nhecimento deve ser entendido como tarefa fundamental nos dias de hoje, onde crescem, diariamente,
as diferenas econmicas, sociais e culturais.
Porm, inegvel que desenvolver atividades multisseriadas em uma escola que no apre-
senta recursos favorveis sua realizao uma tarefa bastante rdua que, muitas vezes, acaba
contribuindo para um ensino defciente, como defciente se torna o trabalho do professor, que, em
muitos casos, no apresenta uma formao mnima para a funo e que acaba se utilizando de aes
espontneas para a execuo do seu trabalho, como expressa o depoimento a seguir.
Enquanto eu estou ensinando os de alfabetizao, os de 1. ano, se eu no inventar uma coisa para eles fcarem
fazendo, um desenho pra eles fcar pintando, que eu sempre costumo fazer isso pra eles no fcar de folga, fcar
brincando. Quando eu t ensinando os de 1. ano, a eu divido no quadro, passo dever pros de 1. ano, a fcam
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas II
copiando; a vou passar pro 2.. A os de alfabetizao tem que fcar brincando mesmo, que
eu num vou botar um dever... Eles terminam de fazer o trabalho bem ligeiro: a vo brincar
acabou-se. A quando eu termino de fazer o dever do 2., e do 1., a j vou ensinar a lio
dos da Alfabetizao tudinho. Depois volto, vou ensinar os do 1. ano. Depois volto vou
ensinar os do 2.. (DAMASCENO, 2002, p. 4)
Esse depoimento nos leva a refetir quanto aos aspectos da estrutura pedag-
gica exigida pela prpria multisseriao atendimento diversifcado e simultneo
a diferentes sries fazendo com que o professor tenha a habilidade necessria
para esse fm, conforme o exemplo acima. Apesar de utilizar satisfatoriamente
o artifcio que separa alunos e quadro de giz por grupo de srie (conhecimento),
para facilitar sua ao, evidencia-se uma desarticulao entre o planejamento e
a ao, referendada pelo tempo destinado s tarefas, o ir e vir de um grupo para
outro, sem que se perceba um planejamento integrado entre eles, como forma de
garantir a aprendizagem nos grupos. No bastasse o corre-corre para atender aos
diferentes grupos, a professora ainda precisa inventar algo para ocupar um ou
outro grupo que no est recebendo sua ateno direta.
Sabemos que no fcil trabalhar com multisseriao, na medida em que
vrios grupos necessitam de ateno, simultaneamente, e mais difcil se torna,
considerando-se as situaes precrias e sem recursos materiais para esse fm.
na verdade uma luta contra o empobrecimento do currculo e ao mesmo tempo
de anunciar a incoerncia entre um discurso que prega a universalizao, mas
que, na prtica, no d conta da qualidade, que prega a incluso, mas provoca a
excluso. Cabe a ns citar o falecido compositor Renato Russo e perguntar que
pas este?
Que pas este que fala em qualidade e incluso, mas os governos no
do conta de garantir a mnima estrutura para o funcionamento das escolas mul-
tisseriadas? Como falar em superar as disparidades educacionais se no h in-
vestimento nas escolas/turmas multisseriadas? No entanto, preciso trabalhar
grupos diferentes! E para isso, ser necessrio o uso de uma metodologia que
facilite a prtica docente, a fm de dar um mnimo de organicidade s questes
a serem trabalhadas.
A criana aprende coisas diferentes o tempo todo, o conhecimento se modi-
fca de acordo com a experincia de cada um; assim, o trabalho em grupo assume
uma perspectiva vivel de ao, porque propicia uma integrao entre os partici-
pantes da turma.
importante que o professor assuma uma nova postura diante do currculo,
trazendo para a escola a experincia de seus alunos, que j vivenciam o mundo do
trabalho. Sabemos ser difcil, principalmente pelas condies adversas formao
defcitria e nenhum recurso para trabalhar. Com isso, os professores que atuam
nas turmas multisseriadas acabam utilizando uma prtica pedaggica totalmente
dissociada da realidade local, considerando que os planejamentos so elaborados
a partir de livros didticos que trabalham com a realidade urbana.
Apesar de no receberem orientao nesse sentido, duas falas de professoras
nos demonstram essa preocupao, embora tambm manifestem implicitamente a
certeza de que fazem o que possvel:
110
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas II
[...] a gente passa contedos para eles de acordo com o que eu aprendi. Meu nvel de
instruo pouco, eu s tenho a 4. srie e eu acho e quero que eles aprendam o que eu
aprendi [...].
Eu acho que o trabalho tudo comeando da escola, a escola j um trabalho para eles. A,
tem deles que trabalham em casa, mas a escola no um divertimento, um trabalho. Eu
acho que eles aprende essas coisas colocando na prtica.[...]. (DAMASCENO, 2000, p. 4)
No h como negar o esforo desprendido para a execuo da prtica pe-
daggica, porm nem sempre com resultados satisfatrios, mesmo quando perce-
bemos a preocupao expressa no segundo depoimento. Isso nos leva a perceber
que j h o entendimento de que importante para a criana aprender na escola
contedos relacionados com a sua vida, com o mundo do trabalho.
A partir desses pressupostos, um dos recursos metodolgicos facilitadores
da multisseriao o trabalho diversifcado, cujo objetivo permitir que as crian-
as sejam valorizadas em seu desempenho, em qualquer rea cognitiva.
Essa orientao deveria vir dos grupos responsveis pelo acompanhamen-
to dessas escolas, no s quanto ao planejamento, mas principalmente quanto
orientao das questes de execuo. Talvez, se houvesse uma mudana no aten-
dimento s professoras, mais tempo destinado capacitao e elaborao das
propostas de trabalho, no haveria uma outra possibilidade para desenvolver a
prtica pedaggica nessas turmas?
O trabalho diversifcado
Um trabalho diversifcado e bem elaborado proporciona informaes, e se
devidamente organizadas e estruturadas, permitem a resoluo das tarefas quer
individualmente, quer coletivamente. Nesse sentido, preciso cuidar dos passos
necessrios ao seu desenvolvimento.
1.) Diagnstico: perceber o nvel de conhecimento em que se encontram os
alunos, quais as diferenas entre eles, independente da srie, que conhecimentos
dominam, como dominam e quais as expectativas para o prximo perodo letivo.
O que os aproximam e o que os diferenciam.
2.) Levantamento de questes norteadoras: a partir do diagnstico, al-
guns desafos se tornaro eminentes, e para que se tornem efetivos os aspectos
embasadores na formao, ser preciso responder a algumas questes:
Como desenvolver um trabalho produtivo, considerando a composio
da turma?
Como agrupar os alunos para que possam, sempre que possvel, aprender
uns com os outros?
Que critrios utilizar para que os agrupamentos sejam sempre produti-
vos?
O que fazer para garantir situaes didticas desafadoras?
111
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas II
3.) Levantamento das ideias essenciais para um trabalho diversifcado:
etapa essencialmente importante porque o levantamento de ideias desencadeia o
processo de construo do conhecimento, ajudando o aluno a desenvolver seus
nveis de compreenso e execuo.
Levar para a escola a diversidade textual.
Propor trabalhos de cooperao, por serem mais produtivos em turmas
de grandes diferenas entre alunos.
Estabelecer critrios para o trabalho diversifcado: agrupamento, ativida-
des propostas e possibilidade de interveno do professor.
Selecionar contedos apropriados em funo dos objetivos das ativida-
des.
Proporcionar situaes produtivas para reunir alunos com conhecimen-
tos diferentes.
O princpio de qualquer trabalho dessa natureza sempre muito difcil para
o professor. um momento de troca e refexo. Aos poucos, conseguiremos plane-
jar, buscando interaes possveis e desafadoras. No h proposta irrealizvel!
4.) Organizao didtica do trabalho: em funo da organizao tempo-
ral, preciso defnir:
momentos em que todos os alunos realizam a mesma proposta, individu-
almente ou em grupo;
momentos em que, diante de uma mesma proposta ou material, realizam
tarefas diferentes, individuais ou em grupo;
momentos de propostas diversifcadas em que os grupos tenham tarefas
diferentes em funo de suas necessidades especfcas de aprendizagem.
Observados os primeiros passos, a ttulo de facilitar a compreenso, apre-
sentamos algumas situaes que visam concretizar esses momentos de organiza-
o didtica em classe:
Situao em que todos realizam a mesma proposta
Produo coletiva de texto, na qual o professor o escriba, a partir de
situaes conhecidas por todos.
Produo individual por meio de textos curtos cujo objetivo
avaliar as possibilidades de escrita de cada um.
Situao em que, a partir de uma mesma proposta ou material, os
alunos realizam tarefas diferentes
Produo de textos: os mais adiantados redigem o texto, os demais
so produtores de ideias.
112
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas II
Utilizao de texto potico conhecido: os alunos alfabetizados se en-
carregam da redao, os no alfabetizados tm a tarefa de ordenar os
versos.
Preenchimento de palavras cruzadas: os alfabetizados se utilizam do
mtodo formal, os no alfabetizados preenchem consultando a relao
de palavras agrupadas por quantidade de letras.
Situaes diversifcadas
Nessa proposta, os alunos realizam tarefas diferentes em funo de suas
necessidades especfcas de aprendizagem. Para essa situao, os grupos
devem ser formados segundo o critrio de difculdades similares, a fm
de favorecer a interveno do professor, que, inclusive, poder utilizar
a monitoria, cujo recurso representa uma ajuda, bem como propicia a
aprendizagem de todos. O grande desafo do professor consiste em di-
fcultar atividades que no seriam desafadoras, por serem consideradas
fceis, e como criar condies para que as que so desafadoras, pelo
grau de difculdade, se tornem possveis de realizao.
A formao dos grupos, por meio do critrio de organizao didtica,
indica que a prioridade de interveno do professor sempre nos subgru-
pos de alunos com diversos nveis de aprendizagem.
Como podemos constatar, a heterogeneidade que tanto assusta o profes-
sorado, e que se constitui essncia nas turmas multisseriadas, acaba con-
tribuindo no s para a aprendizagem do contedo, como proporciona
convvio social, atitudes afrmativas de incluso do outro e disponibili-
dade para assumir responsabilidades em grupo.
No estamos tentando dizer que a tarefa de educar simples e fcil, prin-
cipalmente no contexto da multisseriao. Sabemos de sua difculdade, porm
precisamos encontrar alternativas de ao para que se produza um ensino de qua-
lidade, que satisfaa a clientela que chega nossa escola.
Outros recursos metodolgicos tambm devem ser utilizados no processo
ensino-aprendizagem. Nesta aula, demos nfase ao trabalho diversifcado, porque
acreditamos que esse recurso pode ser pensado imediatamente no s para a mul-
tisseriao, mas para qualquer turma seriada. Porm, ainda grande a rejeio
que esse recurso tem para uma grande parte do professorado, mas de imediata
funo para as turmas multisseriadas.
Reconhecemos que os caminhos da ao nem sempre so fceis, porm pre-
cisam ser trilhados com responsabilidade. Em nossas salas de aula sempre haver
uma coletividade diversifcada e o nosso papel facilitar, possibilitar que cada
criana possa fazer o seu trajeto pessoal.
113
O trabalho pedaggico em turmas multisseriadas II
A aula de hoje mostrou a importncia de se buscar formas de trabalho que benefciem o apren-
dizado de nossos alunos, considerando a diversidade que compe as turmas de ensino multisseriado,
e que no so to diferentes nas turmas de ensino seriado.
1. Em sua sala de aula, voc constata diferenas individuais entre seus alunos. Que aes voc
programa para atender essa diversidade? Converse com seus colegas a respeito desse assunto e
aproveite para refetir sobre sua prtica pedaggica.
2. Em sua escola h oportunidades regulares de organizar atividades de planejamento para as tur-
mas? Relate sua experincia e anote sugestes para levar a sua escola.
3. As dvidas e os questionamentos, produzidos por esse texto, devem ser anotados e discutidos
com seu grupo.
114
Pedagogia da Qualidade Total:
o neotecnicismo na educao I
O
tema de nossa aula de hoje tem provocado inmeras discusses e suscitado diversas anlises
sobre a sua gnese, seus pressupostos e suas possibilidades e limites frente ao processo de
ensino-aprendizagem.
A opo de analisar a Pedagogia da Qualidade Total apresentou-se como uma oportunidade
de refetir, tambm, sobre a infuncia das polticas neoliberais no processo de ensino-aprendizagem,
pois consideramos essa Pedagogia um brao neoliberal e conservador, com manifesta inteno de
intervir no campo educacional.
Analisando a Pedagogia da Qualidade Total, percebe-se como ela parte de pressupostos que
embasaram o tecnicismo dos anos 1960 e 1970, pois, mesmo em contextos histricos diferentes, am-
bos colocaram a educao a servio da lgica do mercado, em maior ou menor intensidade, por meio
de posies declaradas.
Assim, utilizando o contexto histrico que oportunizou o surgimento do tecnicismo, refetire-
mos sobre o posicionamento da Didtica e suas respostas ou silncios face a essa tendncia, e apro-
fundaremos os conceitos bsicos da Pedagogia da Qualidade Total defendida, por alguns profssionais
como sendo o neotecnicismo na educao. As inferncias sobre a Pedagogia da Qualidade Total tm
como base de sustentao as propostas de carter geral do neoliberalismo para a educao e a anlise
de algumas obras objetivam a difuso dessa pedagogia no Brasil.
Consideramos importante desvelar a nova roupagem que veste o tecnicismo e as implicaes
de suas novas propostas para o processo de ensino-aprendizagem, numa perspectiva que tenta en-
gendrar a hegemonia do mercado por meio de um discurso de e sobre qualidade, mas no aquela que
alimenta os nossos planos: a qualidade para todos.
Outro aspecto que nos levou a incluir esta discusso no presente mdulo Fundamentos Te-
ricos e Metodolgicos da Incluso diz respeito opo pedaggica feita pela escola. importante
que se tenham claros os objetivos da incluso escolar, cujo trabalho exige uma flosofa educacional
que entenda as diferenas, que se comprometa a proporcionar aes que oportunizem o crescimento
dos que possuem necessidades educativas especiais.
A discusso, hoje, no tem retorno! Nesse caminho, discutir a tendncia tradicional tecnicista,
em qualquer roupagem, considerar que pelos pressupostos adotados e analisados ao longo desse
texto e dos seguintes, no h um limite ao processo de incluso.
A tendncia pedaggica escolhida dever nos encaminhar para melhorarmos o atendimento
educacional de nossa escola, fazendo-nos capazes de entender a diversidade e propondo caminhos
possveis de serem trilhados, caminhos que levem a oportunizar o crescimento do indivduo, bem
como integr-lo ao grupo social a que pertence.
Nesse sentido, gostaramos que voc acompanhasse o nosso pensamento, o que nos levar a
buscar a realizao do sonho de vrias crianas que se encontram marginalizadas socialmente e ex-
cludas da escola e da cidadania.
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
O tecnicismo: a lgica do mercado acionada
Em 1930, o Brasil iniciou um processo na rea econmica que conhecemos
como substituio de importaes e que, na dcada de 1940, teve um fortaleci-
mento mediante a nova conjuntura internacional, decorrncia da Segunda Guerra
Mundial. Tal modelo inverteu o polo de deciso poltico-econmica, tornando
mais tnues os laos de dependncia do Brasil em relao ao mercado mundial.
Em outras palavras, se antes o desenvolvimento da economia agroexportadora dependia
do mercado mundial e, portanto, de decises que escapavam aos produtores internos,
essas decises passaram a ser tomadas internamente, quando o setor produtivo passou a
satisfazer a necessidade do mercado interno, produzindo bens de consumo que eram im-
portados. (FREITAG, 1986, p. 54)
Encerrada a guerra, os pases beligerantes que durante a mesma direciona-
ram a sua economia para a produo blica e reduziram drasticamente a expor-
tao de bens de consumo, rapidamente reassumiram o seu papel e trouxeram de
volta a dependncia brasileira em relao ao mercado internacional.
O perodo aps a Segunda Guerra, 1945, at o incio da dcada de 1960,
aparentemente num movimento inesperado, mas numa anlise acurada com-
pletamente afnado com a expanso do capitalismo no plano internacional, assis-
tiu continuidade do modelo de substituio de importaes numa perspectiva de
acelerao e complexifcao que, sustentada pelo modelo de Estado nacionalista-
-desenvolvimentista e apoiado pela unio da burguesia nacional e do operariado
na luta pela implantao e controle do processo de industrializao, no percebeu
o surgimento de um outro ator na trama econmica que ento se estabelecera: o
capital estrangeiro.
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), num refexo das consequn-
cias do fortalecimento do capital estrangeiro no plano poltico, fomentou o nacio-
nalismo e, no plano econmico, desnacionalizou o processo de industrializao.
A poltica governamental, mediante posies to antagnicas, acelerou a entrada
das grandes empresas internacionais no pas, visto que as indstrias de consumo
durvel, que faltavam para completar o processo de substituio de importaes,
requeriam um alto investimento para a sua implantao. Dessa forma, o capital
estrangeiro passou a dominar o panorama econmico brasileiro.
Assim, fndo o perodo fcil desse modelo de substituio, emergem as con-
tradies antes contornadas pelo denominador comum da meta da industrializa-
o mas que nesse momento, j consolidada, se mostraram irreconciliveis e
Assim, enquanto para a burguesia e para as classes mdias a industrializao era um
fm em si mesma, para o operariado e as foras de esquerda ela era apenas uma etapa.
Por isso, atingida a meta, enquanto a burguesia busca consolidar seu poder, as foras de
esquerda levantam nova bandeira: trata-se da nacionalizao das empresas estrangeiras,
controle de remessas de lucros, de dividendos e as reformas de base (reformas tributria,
fnanceira, agrria, educacional etc.). Tais objetivos eram uma decorrncia da ideolo-
gia poltica do nacionalismo desenvolvimentista que, entretanto, entra em confito com
o modelo econmico vigente. Da a alternativa: ajustar a ideologia poltica ao modelo
econmico ou vice-versa. A revoluo de 1964 resolveu o confito em termos da primeira
opo. (SAVIANI, 1991, p. 143)
116
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
A citao corporifca a complexidade do momento histrico vivido e per-
mite asseverar que a opo de ajustamento da ideologia poltica ao modelo econ-
mico no obstante graves desdobramentos em todos os campos trouxe srias
consequncias educao, colocando-a a servio dos interesses da economia e
subordinando-a lgica do mercado.
As reformas educacionais, por meio da legislao, foram acionadas, pois
o modelo de Estado tecnoburocrtico entendia que num sistema social harm-
nico, a escola funcio na como modeladora do comportamento humano, atravs
de tcnicas especfcas (LIBNEO, 1984, p. 28). Nesse contexto, a legislao
correspondia ofcializao das propostas, e esse arcabouo legal personifcava
a posio do Estado frente questo, no plano do discurso, sem, muitas vezes, se
materializar na prtica.
Tudo isso reformas, reorganizaes, nova estrutura do Ensino Superior
e do ensino de 1. e 2. graus no passou de um discurso sobre a educao;
silenciava-se o discurso da educao (SOARES, 1984, p. 356).
Assim, o silenciamento do discurso da educao aparece em Trigueiro
(1983) como a operao da substituio da ratio poltica pela ratio tcnica e a
oposio da ideia de efcincia de participao. A posio aventada oportuniza
a refexo de quo prximas da neutralidade se colocaram tais substituies e, por
conseguinte, o quanto supervalorizaram a contraposio dos binmios tcnica/
efcincia e poltica/participao.
O modelo tecnocrtico, ancorado na economia da educao, propiciou o
aparecimento do tecnocrata da educao economista atuando na educao e
fez com que muitos pedagogos passassem a pensar tecnocraticamente, e no tec-
nicamente. Vamos acompanhar atentamente o raciocnio desenvolvido por Horta
(1983) sobre a tecnocratizao do processo educacional:
A tecnocratizao da educao constitui um processo amplo e complexo. No se trata de
um processo interno ao sistema de ensino, preocupao tpica do tcnico em educao,
voltado para os problemas da administrao escolar e para o aperfeioamento dos cur-
rculos e mtodos de ensino. Ao se preocupar com a qualidade do ensino, o tecnocrata
visa garantir-lhe maior efccia e rentabilidade, medidas em funo da capacidade do
sistema de ensino em ajustar a formao de recursos humanos s necessidades econ-
micas do pas.
A qualidade, na viso tecnocrtica, passou a ser sinnimo de efcincia e de
rentabilidade no ajustamento da educao lgica do mercado, trazendo para o
campo educacional perspectivas que se coadunavam com o processo econmico
e que serviram como parmetro para o estabelecimento de semelhanas entre o
fazer pedaggico e o fazer das empresas, com destaque para as indstrias.
A educao, ao menos no planejamento, passou a ser vista como um inves-
timento e necessitava ser consumida por todos, pois, em ltima instncia, produ-
ziria lucro social e individual. Tivemos, assim, a teoria do capital humano (ori-
ginariamente proposta pelo economista Theodoro Schultz) que orientou, durante
as dcadas de 1960 e 1970, os discursos e os planejamentos governamentais no
Brasil.
117
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
Assim, explicitadas as bases histricas que propiciaram o surgimento da tendn-
cia liberal tecnicista (LIBNEO, 1984) aprofundaremos os seus pressupostos bsicos,
a sua infuncia na Didtica e, consequentemente, no processo ensino-aprendizagem.
Tecnicismo e didtica:
a chegada da efcincia ao processo
de ensino-aprendizagem
Muitas so as snteses que buscam organizar o pensamento pedaggico brasi-
leiro a fm de possibilitar uma refexo sobre essa produo intelectual, explicitando a
sua gnese, o seu contexto histrico e trabalhando na perspectiva de entender o pensa-
mento pedaggico brasileiro como uma obra de arte coletiva(GADOTTI, 1990).
Mesmo sabendo quo limitada e complexa toda classifcao ainda mais
quando remete ao campo das ideias pretendemos percorrer duas dessas snteses,
tendo como eixo central o posicionamento dado ao tecnicismo.
Saviani (1983) construiu um quadro terico no qual identifcou quatro gran-
des tendncias presentes na educao brasileira: humanismo tradicional (viso
essencialista do homem), humanismo moderno (viso existencialista do homem),
concepo analtica (viso tecnicista) e concepo dialtica (viso concreta e
histrica do homem). O autor, ao abordar a concepo analtica, no defniu uma
corrente flosfca aliada a essa tendncia, apenas registrou que inicialmente ela
foi marcada por uma viso positivista.
Libneo (1984) elaborou um quadro terico e classifcou em dois grupos as
tendncias pedaggicas: liberais (incluindo a tradicional, a renovada progres-
sivista, a renovada no diretiva e a tecnicista) e progressistas (incluindo a
libertadora, a libertria e a crtico-social dos contedos). O autor colocou
a tendncia tecnicista no rol das grandes tendncias liberais por entender que a
mesma subordina a educao sociedade, tendo como funo a preparao de
recursos humanos (mo de obra para a indstria).
Nas duas snteses percebe-se que o tecnicismo aparece como herdeiro de
uma viso positivista na educao e com um corolrio da subordinao da edu-
cao sociedade, leia-se sociedade capitalista. Faz-se necessrio, portanto, um
aprofundamento nas bases de sustentao do tecnicismo, seus imbricamentos
com o processo de ensino-aprendizagem e perceber as implicaes que este trou-
xe para o campo da didtica, pois
[...] a prtica escolar consiste na concretizao das condies que asseguram a realizao
do trabalho docente. Tais condies no se reduzem ao estritamente pedaggico j que
a escola cumpre funes que lhe so dadas pela sociedade concreta que, por sua vez,
apresenta-se como constituda por classes sociais com interesses antagnicos. A prtica
escolar tem atrs de si condicionantes sociopolticos que confguram diferentes concep-
es de homem e de sociedade e, consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel
da escola, aprendizagem, relaes professor-aluno, tcnicas pedaggicas etc. (LIBNEO,
1984, p. 19)
118
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
Acompanhando o esforo de Libneo no alargamento do quadro terico
proposto, entendo ser til estabelecer como se deu mediante o que nos apre-
senta o autor o entrelaamento do tecnicismo com o papel a ser exercido
pela escola, os contedos de ensino, os mtodos, o relacionamento professor-
-aluno, os pressupostos de aprendizagem e a infuncia da pedagogia tecnicista
na pr tica escolar.
O papel da escola, segundo a tendncia tecnicista, consiste em organizar, de
maneira efciente, a aquisio de habilidades, conhecimentos teis e necessrios
para a integrao (acrtica) no sistema social global. A escola seria o lcus da
manuteno da ordem social tambm poltica e econmica vigente. Numa
escola voltada para esses objetivos, a fm de alcanar a efcincia/produtividade/
qualidade (dentro da perspectiva tecnicista), os contedos de ensino so os que
podem ser observados/mensurados, oriundos da cincia objetiva e neutra que
elege como danosas e inefcientes todas as consideraes de carter subjetivo.
Assim, a efcincia fnalmente (na viso tecnicista) chega educao pe-
las mos dos objetivos instrucionais, pela instruo programada, pela tecnologia
educacional e tantos outros procedimentos metodolgicos que, em tese, torna-
riam a relao professor-aluno uma intransponvel e demarcada fronteira, em que
um transmite as informaes e o outro fxa as mesmas, em concordncia com os
pressupostos de aprendizagem que entendem o ensino como um condicionamento
alcanado via estmulo e resposta.
Mas, como teria o tecnicismo e seus pressupostos se manifestado na prti-
ca escolar? Teria ocupado posio hegemnica na prtica docente? As leis 5.540/68
e 5.692/71, que operam a implantao ofcial do tecnicismo como instrumento
de poltica governamental, teriam conseguido transformar valores proclamados
em valores reais? (TEIXEIRA, 1962).
A tese sustentada por Libneo, ao longo dos anos 1980, e reafrmada no
incio dos anos 1990, pode fornecer algumas pistas para essas indagaes, pois o
educador considera que
[...] a despeito da mquina ofcial, entretanto, no h indcios seguros de que os professores
da escola pblica tenham assimilado a pedagogia tecnicista, pelo menos, em termos de
iderio. A aplicao da metodologia tecnicista (planejamento, livros didticos programa-
dos, procedimentos de avaliao etc.) no confgura uma postura tecnicista do professor;
antes, o exerccio profssional continua mais para uma postura ecltica em torno de princ-
pios assentados nas pedagogias tradicional e renovada. (LIBNEO, 1984, p. 31-32)
Ainda sobre a mesma questo, sete anos aps, o autor infere que
[...] essa orientao acabou sendo imposta s escolas pelos organismos ofciais ao longo de
boa parte das ltimas dcadas, por ser compatvel com a orientao econmica, poltica
e ideolgica do regime militar ento vigente. Com isso, ainda hoje predomina nos cursos
de formao de professores o uso de manuais didticos de cunho tecnicista, de carter
meramente instrumental. (LIBNEO, 1991, p. 67-68)
Uma anlise apressada dessas duas citaes poderia conduzir a um alvio no
caso da primeira por considerar que a viso tecnicista e ofcial da educao no
119
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
conseguiu se consubstanciar como homognea na prtica dos professores e uma preocupao quan-
to segunda por afrmar que forte a predominncia tecnicista na didtica e nos cursos de formao
de professores. Entendo ser essa uma falsa dicotomia, porque ambas as citaes evidenciaram pontos
preocupantes. A primeira, por acenar com uma prtica ecltica que combina, muitas vezes, tendncias
e flosofas inconciliveis, trazendo um empobrecimento prtica pedaggica visto ser uma opo
descolada do conhecimento da teoria que embasa tais propostas. A segunda, por explicitar a infu-
ncia nos cursos de formao de professores exercida pela Didtica Instrumental que trabalha com o
pressuposto que visa o silenciar da dimenso poltica (CANDAU, 1983), ao exaltar a neutralidade
do tcnico numa prtica pedaggica em desarticulao com o contexto social.
A confrmao da infuncia do tecnicismo na formao de professores, por meio da Didti-
ca, sentida pelas diversas publicaes na rea que buscaram adequar os contedos de Didtica ao
estabelecido na legislao (Lei 5.692/71) e s perspectivas de um processo de ensino-aprendizagem
numa abordagem sistmica. Entre outros, destaco A Didtica na Reforma de Ensino (CASTELLO,
1974), Nova Didtica (OLIVEIRA, 1978) e Sumrio de Didtica Geral (MATTOS, 1977) que na
sua 15. edio prioriza a sua atualizao em relao Lei 5.692 como exemplos de adequao
legislao; Sistema de Material de Ensino-Aprendizagem um modelo de avaliao (RAMOS, 1979)
e Engenharia de Instruo (RAMOS, 1977) como modelos de utilizao do enfoque sistmico.
Iniciamos nesta aula a discusso sobre a possibilidade do tema qualidade total ser a volta da
concepo tecnicista com roupagem nova.
1. Que aspectos importantes voc destaca da aula de hoje? Apresente a seus colegas e troquem
experincias sobre a prtica pedaggica desenvolvida por vocs. Registre.
120
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
2. Os questionamentos e dvidas provocados aps a aula de hoje tambm devem ser discutidos
com seus colegas, a fm de sanar as dvidas.
121
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao I
122
Pedagogia da Qualidade Total:
o neotecnicismo na educao II
H
oje vamos analisar como a didtica reagiu s crticas relativas ao domnio tecnicista e como
os profssionais da rea se posicionaram frente s refexes apresentadas por outros profssio-
nais.
Conservao do tecnicismo ou crtica
do reprodutivismo? A Didtica na encruzilhada:
da neutralidade negao de si mesma
A dcada de 1970 assistiu realizao de diversos encontros que tinham como objetivo a dis-
cusso sobre o papel da Didtica no processo de ensino-aprendizagem. Entre eles, merece destaque o
I Encontro Nacional dos Professores de Didtica realizado em 1972, no qual os professores da disci-
plina propunham um reexame da rea, que tivesse como ponto de partida
[...] a necessidade de integrao dos professores de Didtica no processo de expanso e atualizao do ensino
brasileiro [...] necessidade de um novo professor cuja preparao didtica seja embasada em conhecimento cien-
tfco e vinculada s contingncias nacionais. (ENCONTRO ..., 1973, p. 153 apud OLIVEIRA, 1992, p. 66)
Ainda segundo Oliveira, o encontro props a realizao de pesquisas para uma defnio mais
precisa do campo e da terminologia utilizada pela Didtica, reiterou a prevalncia da fundamentao
psicolgica e afrmou a necessidade de diagnsticos locais e regionais envolvendo a populao esco-
lar, recursos humanos e o mercado de trabalho. Percebe-se que as preocupaes que nortearam o en-
contro eram refexos do contexto e do modelo de Estado brasileiro que passou a ver a educao como
um investimento (teoria do capital humano) e, consequentemente, como uma alavanca para o desen-
volvimento. Entendemos que as propostas levantadas pelo Encontro no minimizaram a importncia
do mesmo face premncia de uma reviso da Didtica, mas, sobretudo, marcaram os movimentos
iniciais de uma perspectiva crtica da Didtica que se mostraria promissora. Tal fato se confrmou nos
estudos da segunda metade da dcada de 1970 e incio da dcada de 1980 que, na percepo de Oli-
veira, questionaram a pseudoneutralidade da Didtica e os reducionismos psicolgicos, numa crtica
aos pressupostos do tecnicismo.
Quanto ao primeiro aspecto, critica-se a pretenso de neutralidade cientfca da Didtica em seus objetivos de
contribuir para a formao de educadores na e para a prtica pedaggica, que se sabe, no entanto, ideolgica e
contextualizada. Aponta-se a funcionalidade dessa assumida neutralidade na manuteno do contexto da socie-
dade brasileira, em que a Didtica se produz e a que ela serve. (OLIVEIRA, 1992, p. 68)
A postura de desvelar a pretensa neutralidade da Didtica aliada s refexes sobre a ideologia
subjacente prtica pedaggica e a necessidade de sua contextualizao fzeram coro aos estudos vol-
tados para a crtica da educao dominante e, em consequncia, a Didtica passou tambm a fazer o
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao II
discurso reprodutivista, ou seja, a apontar o seu contedo ideolgico, buscando sua
desmistifcao de certa forma relevante, porm relegando a segundo plano sua es-
pecifcidade (TRIGUEIRO, 1988, p. 36).
Assim, a opo escolhida trouxe uma radicalizao ao entendimento do pa-
pel da Didtica e ocasionou a sua contestao num processo que, ao exigir voz
dimenso poltica, passou a negar a possibilidade da dimenso tcnica, esvazian-
do novamente a prpria Didtica. Com isso,
[...] essa crtica teve um aspecto fortemente positivo: a denncia da falsa neutralidade do
tcnico e o desvelamento dos reais compromissos poltico-sociais das afrmaes aparen-
temente neutras, a afrmao da impossibilidade de uma prtica pedaggica que no seja
social e politicamente orientada, de uma forma implcita ou explcita. Mas junto com essa
postura de denncia e explicitao do compromisso com o status quo do tcnico aparente-
mente neutro, alguns autores chegaram negao da prpria dimenso tcnica da prtica
docente. (CANDAU, 1983, p. 21)
Fez-se necessria a refexo sobre essa guinada que teve o objetivo de def-
nir o que se entendia por efcincia, qualidade, racionalidade, organizao
e disciplina, ou seja, tempo de discutir a servio de quem tais pressupostos se-
riam utilizados, pois no dizer de Libneo (1984), tornar nossa prtica inefciente
pe em risco os seus prprios fns polticos.
Como evitar tal situao? De que forma desenvolver tal postura numa pers-
pectiva terica que apontasse para uma prtica consistente? Como evitar o silen-
ciamento do poltico ou a negao do tcnico? Como evitar que a sada
Didtica Instrumental correspondesse sada da prpria Didtica do processo
ensino-aprendizagem numa negao de suas possibilidades de lidar com o mesmo?
A Didtica em questo: redimensionando
a efcincia-qualidade e multidimensio-
nando o processo ensino-aprendizagem
O seminrio A Didtica em Questo, 1982, foi um marco quanto tentativa
de resposta tendncia tecnicista que dominava a disciplina e ensejava a existn-
cia de uma didtica acrtica e assptica que, intensamente utilizada nos cursos
de formao de professores, propunha a tcnica como frmula mgica e neutra a
partir da qual estaria garantida a efcincia do fazer pedaggico.
O objetivo central do seminrio foi promover uma reviso crtica da Di-
dtica nos eixos do ensino e da pesquisa e, por conseguinte, possibilitar que as
discusses propiciassem a elaborao de propostas que visassem a ampliao
quantitativa e qualitativa das oportunidades educacionais para a maioria da popu-
lao brasileira (CANDAU, 1983, p. 9).
O conjunto dos trabalhos apresentados no seminrio foi divulgado no livro
A Didtica em Questo, do qual, entre os diversos textos, destacaremos A Did-
124
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao II
tica e a formao de educadores da exaltao negao: a busca da relevncia,
de Vera Candau, e o Documento Final do Seminrio (produo coletiva dos par-
ticipantes).
Os textos analisam as vicissitudes sofridas pela Didtica, j apresentadas
neste trabalho, e traz como ponto de partida para a discusso a questo da multi-
dimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem que se torna a base para a
proposta de uma Didtica Fundamental:
Parto da afrmao da multidimensionalidade desse processo: O que pretendo dizer? Que
o processo de ensino-aprendizagem, para ser adequadamente compreendido, precisa ser
analisado de tal modo que articule consistentemente as dimenses humana, tcnica e po-
ltico-social. (CANDAU, 1983, p. 14)
A proposta da multidimensionalidade resgata, portanto, a complexidade do
processo de ensino-aprendizagem que no pode ser tratado com reducionismos de
carter humanista quando esse se torna o nico eixo do processo, e esquecendo-
se assim da subjetividade e da afetividade sempre inerentes ao mesmo; nem de
carter tcnico quando a efcincia e a qualidade do processo so centradas nos
procedimentos tcnicos, assumindo o papel condutor e executando o apagamento
ou o silenciamento do contexto histrico-poltico-econmico em que se do as
relaes sociais e, portanto, a prpria educao (tem-se como corolrio desse mo-
dus operandi o tecnicismo); nem to pouco de carter poltico-social quando as
dimenses humanas e tcnicas so desconsideradas por estarem impregnadas de
uma viso liberal que para ser combatida exige o acionamento de uma crtica ca-
paz de colocar no centro do processo a contextualizao poltico-social, mas que
acaba por suprimir, principalmente, a dimenso tcnica, como se tal dimenso
pudesse ser negada no processo de ensino-aprendizagem.
Assim, a articulao dessas dimenses, no numa superposio ou soma
ecltica (PALACIOS, 1979), mas num imbricamento que no supervalorize uma
delas, o esteio para a proposio de uma Didtica Fundamental.
Competncia tcnica e competncia poltica no so aspectos contrapostos. A prtica pe-
daggica, exatamente por ser poltica, exige a competncia tcnica. As dimenses pol-
tica, tcnica e humana da prtica pedaggica se exigem reciprocamente. Mas essa mtua
implicao no se d automtica e espontaneamente. necessrio que seja consciente-
mente trabalhada. Da a necessidade de uma Didtica Fundamental. A perspectiva funda-
mental da didtica assume a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem
e coloca a articulao das trs dimenses, tcnica, humana e poltica, no centro confgu-
rador de sua temtica. (CANDAU, 1983, p. 23)
A proposta contida na Didtica Fundamental traz, portanto, uma diferente
perspectiva de abordagem quanto tcnica, efcincia e qualidade, re-
colocando a importncia de tais conceitos, a partir da multidimensionalidade, e
rompendo com a lgica de que estes no poderiam ser (re)situados tendo em vista
serem eixos capitais da tendncia tecnicista. Lgica que propiciava o entendimen-
to que tcnica, efcincia e qualidade eram um privilgio e um patrimnio
adstrito aos propugnadores dessa tendncia. Dessa forma,
125
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao II
[...] necessrio afrmar o compromisso com a efcincia do ensino. Isso no signifca in-
terpretar a efcincia tal como o fazem as abordagens tecnolgica ou escolanovista. Trata-
se de rever o que entendemos por efcincia, perguntarmo-nos pela razo de ser e pelo
servio de que e de quem essa efcincia se situa. A busca de alternativas que viabilizem
o acesso ao saber escolar pela maioria da populao indispensvel. Ao mesmo tempo, o
prprio saber escolar deve ser objeto de uma reviso qualitativa. nessa perspectiva que
situamos o ensino efciente. (CANDAU, 1983, p. 127 fragmento do tema III do Docu-
mento fnal do Seminrio A Didtica em Questo.
Dessa forma, temos a tcnica, a efcincia e a qualidade contextualizadas
e a prtica pedaggica repensada a partir de um compromisso com a transforma-
o social.
Mas, as concepes e abordagens propostas para o ensino de Didtica esta-
riam hoje desatualizadas? A questo da oposio entre uma Didtica Fundamen-
tal e uma Didtica Instrumental seria uma questo vencida? Teria sentido, hoje,
passados tantos anos, ressignifcar tcnica, efcincia e qualidade?
A resposta a essas questes remete a uma anlise das condicionantes que
hoje norteiam o fazer pedaggico e impelem a levar em considerao que:
O atual contexto em que vivemos, confgurado pelo projeto neoliberal, favorece forte-
mente uma nova verso da perspectiva modernizadora e instrumental da educao e da
Didtica.
[...]
A mentalidade modernizadora impregna os projetos atuais de reforma poltico-social,
educacional e curricular, e refora a perspectiva instrumental em diferentes mbitos da
vida social, entre os quais o educacional.
[...]
A partir dessa busca fundamental se faz urgente reconstruir a perspectiva crtica em Di-
dtica, mbito em que se situa a proposta de Didtica Fundamental. Essa uma tarefa que
recobra hoje novo signifcado e relevncia poltico-pedaggica. (CANDAU, 1996, p. 6-7)
Consideramos a Didtica Fundamental, num momento de globalizao
que marcadamente desigual, uma resposta pertinente frente s questes tnicas,
multiculturais, de gnero e tantas outras que povoam este nosso tempo.
Assim, chegamos ao ponto central de nossa discusso: a crena de que a atua
lidade e pertinncia da Didtica Fundamental e das propostas encetadas pelo do-
cumento fnal do seminrio A Didtica em Questo, 1982, podem ser justifcadas,
j que naquele momento eram uma resposta ao tecnicismo e agora passados
alguns anos so respostas ao que consideramos neotecnicismo, brao do neoli-
beralismo na educao, batizado de Pedagogia da Qualidade Total.
Essas discusses precisam ser ampliadas, com mais participao do profes-
sorado, buscando entender como as novas roupagens fazem surgir velhas ideias,
j superadas teoricamente, considerando, ainda, que a questo da qualidade de
ensino para todos sempre foi uma bandeira de luta do professorado engajado na
busca de uma escola comprometida com a sua comunidade escolar.
126
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao II
Hoje privilegiamos o entendimento e os procedimentos da Didtica frente aos discursos sedu-
tores que embutem conceitos j superados teoricamente.
1. Voc j havia parado para pensar na possibilidade apresentada pelo texto? Continue elaborando
os aspectos que podero ou no confrmar a tese do texto e discuta com seus colegas. Registre
suas concluses.
2. Relacione os aspectos defendidos como qualidade pela Pedagogia da Qualidade Total e a quali-
dade proposta pelas correntes progressistas. Discuta com seus colegas esses aspectos.
127
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao II
3. Os questionamentos e as dvidas provocados pelo texto precisam ser anotados e discutidos
em grupo.
128
Pedagogia da Qualidade Total:
o neotecnicismo na educao III
N
esta aula, abordaremos uma comparao entre a proposta da Pedagogia da Qualidade Total e
a concepo tecnicista dentro de uma viso histrica, que nos permitir explicitar melhor o
contedo da atual proposta.
Neotecnicismo: a lgica do mercado (re)acionada
A Pedagogia da Qualidade Total, extenso da poltica neoliberal na educao, tem suas origens
nos Estados Unidos, em 1981, e refexo do conservadorismo que ganhou terreno na administrao
de Ronald Reagan.
A transformao do aluno em cliente, do diretor em gerente e do professor em gestor coloca a
educao a servio da lgica do mercado e, assim, produtividade, efcincia, competitividade,
qualidade e tcnica passam a ser postas como metas a serem alcanadas pela educao e sem as
quais torna-se impossvel salvar os sistemas educacionais da crise, pois os sistemas educacionais
contemporneos no enfrentam, sob a perspectiva noeliberal, uma crise de democratizao, mas uma
crise gerencial (SILVA; GENTILI, 1996, p. 17).
A Pedagogia da Qualidade Total, corroborando o exposto, tem relaes estreitas com a Gern-
cia de Qualidade Total, amplamente utilizada pelas empresas, denotando a sua subordinao aos dita-
mes do mercado. Cabe ainda aduzir que mesmo tendo suas origens nos Estados Unidos, a Pedagogia
da Qualidade Total, no nosso entender, poderia, sem maiores implicaes, ser chamada de Pedagogia
do Sol Nascente, tamanha a utilizao do modelo adotado nas empresas japonesas como exemplo de
produtividade e efcincia de gesto.
Mas aps essa breve anlise da gnese e dos pressupostos da Pedagogia da Qualidade Total, fca
uma pergunta: por que a proposio dessa nova proposta pedaggica como um Neotecnicismo?
A fm de responder essa questo pretendemos, tendo como sustentao o contexto histrico
brasileiro abordado na primeira parte dessa nossa discusso, estabelecer algumas comparaes que
podero clarifcar essa hiptese:
1. O Tecnicismo fez-se infuente num perodo marcado pela excluso poltica e pela arbitrarie-
dade (modelo de Estado militar-tecnoburocrtico) .
O Neotecnicismo aparece, tambm, num momento histrico de intensa opresso e desigual-
dade talvez mais sutil e menos evidente (modelo de Estado neoliberal-economicista).
2. O Tecnicismo serviu-se da Teoria do Capital Humano para introjetar a ideia de retorno eco-
nmico, via investimento em educao, to cara ao setor empresarial.
O Neotecnicismo utiliza a Teoria da Sociedade do Conhecimento (FRIGOTTO, 1997) que
, em sntese, a Teoria do Capital Humano revisitada num processo de rejuvenescimento,
termo que tomamos emprestado de Coragio (1992 apud FRIGOTTO, 1997, p. 41).
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
3. O Tecnicismo buscou atrelar o processo ensino-aprendizagem econo-
mia, acionando a lgica de mercado (internacional).
O Neotecnicismo busca atrelar o processo ensino-aprendizagem eco-
nomia, (re)acionando a lgica do mercado (neoliberal-global).
4. O Tecnicismo trouxe efcincia, produtividade, qualidade e tc-
nica como palavras centrais.
O Neotecnicismo reintroduziu essas mesmas palavras, porm associan-
do-as construo do Ser humano total (RAMOS, 1999), procurando
evidenciar um tecnicismo de face mais humanizante.
5. O Tecnicismo props a soluo dos problemas educacionais pela cincia
num processo de assepsia pedaggica, substituindo a participao pela
efcincia e a poltica pela tcnica inverso extremamente importante
para um modelo de Estado antidemocrtico.
O Neotecnicismo reaciona a efcincia unida qualidade num discurso
sedutor, no qual o correto gerenciamento conduz s solues para os
problemas da educao proposio coerente para um modelo de Estado
assentado na perspectiva neoliberal.
6. O Tecnicismo destacou o papel dos tecnocratas, dos economistas e dos
tcnicos na gesto do sistema educacional.
O Neotecnicismo destaca o papel do gerente (diretor), do gestor (pro-
fessor) e do cliente (aluno), colocando tambm em evidncia o fornece-
dor e o executor numa vertente acentuadamente tecnocrtica.
7. O Tecnicismo teve no arcabouo legal um importante instrumento para a
sua ofcializao como poltica governamental, principalmente as Leis
5.692/71 e 5.540/68 leis de reforma do ensino de 1. e 2. graus e do En-
sino Superior.
O Neotecnicismo tem, tambm, no arcabouo legal, uma base para a sua
tentativa de hegemonia no processo educacional. Cabe ressaltar, no en-
tanto, que o cipoal legislativo dos anos 1980/1990, em comparao com a
dcada de 1960, apresenta um carter parcial e fragmentrio(CUNHA,
1997), devido ao intenso fuxo de regulamentaes que tm como ponto
de partida a Lei 9.394/96 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
o Nacional.
Ambos propem reformas que nem sempre signifcam uma transfor mao
do quadro educacional. Portanto, um dos primeiros desafos que se colocam
quando nos defrontamos com o tema das reformas educativas desmistifcar o
seu necessrio carter de novidade e de avano (CANDAU, 1999, p. 32).
Aps essa comparao sobre a tese de que a Pedagogia da Qualidade Total
, no nosso entendimento, um Neotecnicismo pelos pressupostos que (re)aciona,
abordaremos como essa proposta pedaggica vem se materializando no Brasil.
A fm de explicitar, mesmo de forma sucinta, nosso ponto de vista sobre
esse assunto, fomos buscar apoio em dois livros de Cosete Ramos, Sala de Aula
130
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
de Qualidade Total (1995) e Pedagogia da Qualidade Total (1999), sendo que a
escolha desses se deu por dois motivos: a autora uma das maiores divulgadoras
dessa proposta no Brasil e, no passado, foi infuncia da tendncia tecnicista.
Pedagogia da Qualidade Total (o neotecni-
cismo): pacto, receita ou profsso de f?
A anlise, mesmo de maneira breve, dos livros de Cosete Ramos propiciam
o desvelamento das propostas da Pedagogia da Qualidade Total, possibilitando a
percepo da intrnseca relao dessa pedagogia com o tecnicismo, apresentando
uma nova roupagem com a qual esse se veste sob o signo da qualidade.
A fm de organizar essa anlise, utilizaremos exemplos retirados dos pr-
prios livros e que confrmam os eixos contidos no ttulo de nossas aulas e que
estamos discutindo: Pacto, Receita e Profsso de F. Aps as citaes, faremos
comentrios sobre os paradigmas acionados pela Pedagogia da Qualidade Total e
algumas observaes pertinentes bibliografa utilizada pela autora.
Pacto
Em Pedagogia da Qualidade Total
Apelo s minhas irms e irmos brasileiros.
Pacto da qualidade pela educao
Moo dos cidados brasileiros
[...]
imbudos dos valores da cidadania e,
[...]
conclamamos os cidados bem-intencionados deste pas para que
juntem-se a ns pelo resgate da educao no Brasil!
[...]
sugiro que este documento, com o conjunto de assinaturas, seja
enviado para o seguinte destino:
Presidente da Repblica do Brasil [...] ( p. 11)
O pacto da qualidade o momento em que a comunidade escolar expressa uma vontade
coletiva e decide fazer um acordo e uma aliana para construir um sonho (RAMOS,
1999, p. 16).
Em Sala de Aula de Qualidade Total
O professor David Langford, da Mount Edgecumbe High School, Sitka,
Alasca, relata que utilizava as primeiras semanas de aula para discutir e
negociar com seus estudantes de 2. grau o que uma experincia de Quali-
dade, a partir do que eles aprendiam de forma muito mais efetiva. Depois de
estabelecer, conjuntamente, o alvo, tanto docentes como discen tes devem
zelar pela Constncia de Propsitos (RAMOS, 1995, p. 89).
131
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
Receita
Em Pedagogia da Qualidade Total
No temos dvida que voc LEITOR ir concordar sobre a importncia de visuali-
zar a Escola como um sistema constitudo de inmeras atividades ou processos inter-
relacionados que precisam ser bem gerenciados (caracterizados, avaliados e melhora-
dos) a fm de que se possa, em termos globais, alcanar a Qualidade e a Produtividade
desejadas do servio educacional prestado pela Instituio. (RAMOS, 1999, p. 116)
Em Sala de Aula de Qualidade Total
Uma concluso
[...]
Somente substituindo os quatro paradigmas examinados, rompendo com os mitos que
a mantm acorrentada ao passado, possvel construir a Escola de Qualidade Total:
uma escola democrtica, uma escola solidria, uma escola de sucesso para todos e
uma escola focada no atendimento das necessidades, interesses e expectativas dos seus
clientes. (RAMOS, 1995, p. 70).
Profsso de f
Em Pedagogia da Qualidade Total
Exemplo (defnio de doutrina)
A Universidade de Stamford, no Alabama, Estados Unidos da Amrica, est
aplicando a Gesto de Qualidade Total.
[...]
Nesse documento apresentada a flosofa da Stamford University, que trans-
crevemos a seguir:
[...]
1. Queremos ser uma universidade da qual toda a comunidade universitria se orgu-
lhe:
[...]
2. Queremos ser honestos:
no exagerar na proclamao da nossa qualidade;
no faltar com a verdade;
pagar nossa contas, honrar nossos compromissos;
3. Queremos ter recursos:
[...]
4. Pretendemos ser melhores do que a mdia das instituies educacionais:
[...]
5. Queremos ser uma comunidade de amor:
[...]
6. Queremos manter um marketing agressivo [sic] da nossa universidade: [...]. (RA-
MOS, 1999, p. 19-20)
Em Sala de Aula de Qualidade Total
132
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
Uma concluso
[...]
Comeo eu, colocando a seguinte pergunta: o que voc pode fazer para melhorar a
Qualidade do Subsistema Sala de Aula que gerencia?
Agora sua vez de responder. Espero que voc responda o seguinte:
Posso melhorar o meu estilo de gesto! Posso melhorar as Relaes Pedaggicas que
mantenho com meus alunos! Posso melhorar as Estratgias de Aprendizagem e de
Ensino que desenvolvo! Posso melhorar os Esquemas de Avaliao da Aprendizagem
e do Ensino que utilizo! Afnal, a Qualidade comea comigo! A Qualidade est nas
minhas mos! (RAMOS, 1995, p. 168-169)
As citaes longas, porm necessrias, revelam no pacto um acordo que
paira acima de toda a conjuntura, como se tudo dependesse de um gesto de boa
vontade; na receita, a frmula mgica para a soluo de todos os problemas que
residem na gerncia como se a mesma fosse descolada de determinadas condicio-
nantes; e na profsso de f, um credo fundamentalista como nica possibilidade
de salvao para a educao. Os trs eixos esto imbricados na viso neoliberal
que prope um acordo entre os desiguais (para a manuteno da desigualdade),
pois se considera o detentor absoluto da qualidade e, portanto, detentor das chaves
para a resoluo dos problemas, crendo que suas propostas constituem a sntese
do que a humanidade precisa para ver novamente a luz.
O livro Pedagogia da Qualidade Total tem como objetivo explicitar as ba-
ses de sustentao da proposta (misso, catecismo ou flosofa) de qualidade total.
Trabalha com os conceitos gerais de operacionalizao da qualidade nos quais
aborda o modelo de gesto para a educao de excelncia; de paradigma de qua-
lidade total no qual recupera as noes (oriundas do tecnicismo) de sistema/
processo numa viso sistmica; de ferramentas de qualidade que sugere uma srie
de instrumentos e tcnicas para a soluo de problemas.
O processo de ensino-aprendizagem dentro da perspectiva de qualidade to-
tal o foco principal do livro Sala de Aula de Qualidade Total. A autora busca a
substituio de alguns paradigmas como Autoritarismo por Democracia (depen-
dendo de como se entende democracia), Competio por Cooperao (difcil de
acreditar numa proposta neoliberal), Fracasso por Sucesso (de quantos?) e Foco
na escola por foco no cliente (este, sim, declaradamente afnado com um projeto
educacional que se coloca a reboque do mercado); alm disso a autora aborda es-
tratgias, esquemas de avaliao e aprendizagem para a construo de uma escola
de qualidade.
Por fm, conforme j indicamos, comentaremos a bibliografa dos dois livros
estudados, por entender que as referncias utilizadas espelham a base terica que d
suporte proposta. A abordagem da bibliografa ter como foco a natureza das obras
utilizadas, ou seja, a que campo de conhecimento se dirigia.
O livro Pedagogia da Qualidade Total conta com um total de 48 (quarenta e
oito) itens nas referncias bibliogrfcas, entre livros, revistas, artigos, textos e docu-
mentos, sendo que 20 (vinte) deles so voltados para as reas de Economia e Adminis-
trao de Empresas. A mesma nfase atribuda a essas reas do conhecimento ocorre
na outra obra aqui analisada, Sala de aula de qualidada total, com 62 (sessenta e
133
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
dois) itens (livros, artigos e revistas); 13 (treze) esto dirigidos, preferencialmente,
Administrao de Empresas e Economia.
Quanto anlise, apenas superfcial da bibliografa, devido aos limites deste
trabalho, gostaramos de tecer um breve comentrio. fagrante a utilizao, nas
duas obras, de um considervel nmero de livros que em tese se destinam a reas
distintas da educao obras que analisam a qualidade nas empresas ,com um
destaque para as japonesas e de uma grande quantidade de literatura norte-
-americana, que o bero da Pedagogia da Qualidade Total.
Mas agora fca a seguinte questo: devemos negar a importncia da quali-
dade, tcnica e efcincia para o processo de ensino-aprendizagem porque fazem
parte do iderio tecnicista reapropriado pelo neotecnicismo?
Da Pedagogia da Qualidade Total
Pedagogia de Qualidade para todos
Entendemos que a qualidade, a efcincia e a tcnica no podem ser
abandonadas por qualquer educador que busque na sua postura e no seu fazer pe-
daggico uma transformao social. Tais elementos so imprescindveis a uma
educao que trabalhe para a igualdade num mundo onde ela exceo, e no a
regra.
Assim, urgente tecer uma base terica que seja o instrumento de combate
a um discurso sedutor, e muitas vezes difcil de refutar, que apresenta a quali-
dade, de forma monopolstica, como um patrimnio da Pedagogia da Qualidade
Total e que a recusamos por incompreenso, atraso ou inveja.
Pensamos que devemos deixar claro que queremos qualidade, tcnica e
efcincia, mas no essas que esto colocadas numa nova roupagem, no essas
que servem a uma lgica que no prioriza a igualdade no acesso educao. Por
isso, necessrio que explicitemos que desejamos qualidade como sinnimo de
igualdade; tcnica como meio, e no tecnocracia como fm; efcincia que seja
compromisso com a transformao social.
Assim, entendemos que vivemos num tempo em que mais que tudo neces-
sria a Didtica da Resistncia aos discursos sedutores e vazios, capa de pseu-
do-igualdade que encobre a continuidade do desigual, s propostas educacionais
que a consideram um processo isolado e descontextualizado e por isso solicitam
a neutralidade. necessrio resistncia e no ingenuidade, pois o mundo pode
ser um texto, mas alguns grupos parecem ser capazes de escrever suas sentenas
sobre nossas vidas com mais facilidade que outros (APPLE, 1987, p. 202).
Nos tempos modernos no h mais espao para buscarmos culpados para
uma ao inefciente, cada um de ns e cada grupo na escola responsvel pela
opo que direciona a prtica pedaggica! Ocupe seu espao e torne-se respons-
vel pelo seu trabalho.
134
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
Com essa aula, cremos que foram explicitadas as teses que indicam haver uma tentativa de reen-
trada da concepo tecnicista, agora chamada de neotecnicista, no processo educacional brasileiro.
1. Desenvolva uma nova discusso, fechando os pontos comparativos entre as tendncias explici-
tadas.
2. A escola inclusiva tambm prev um ensino de qualidade a todos. Como voc entende a dife-
rena entre as duas propostas? Discuta essa questo com seu grupo e escreva as suas concluses
abaixo.
135
Pedagogia da Qualidade Total: o neotecnicismo na educao III
3. Anote os questionamentos e as dvidas provocadas por esse texto e comente com seu grupo, em
busca de enriquecimento.
136
Incluso social e as
polticas de ao afirmativa
N
esta aula voc vai poder refetir sobre as condies desiguais que vo determinar os fatores
de excluso social de milhes de brasileiros. Veremos que a legislao brasileira no permite
nenhuma forma de discriminao ou preconceito. Em nvel internacional, a Declarao de
Salamanca preconiza uma educao inclusiva, que garanta a todos os portadores de qualquer tipo de
necessidade educativa especial o direito a uma escolarizao de qualidade.
A realidade de nossas cidades, porm, aponta para um alto ndice de habitantes em condies de
pobreza e desfavorecimento social. Isso tem gerado infndveis discusses sobre a necessidade urgen-
te de polticas de ao afrmativa, como o caso da reserva de vagas nas universidades pblicas.
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil
No Brasil, os anos 1980 foram marcados pelas intensas discusses sobre a cidadania e a volta do
pas s condies democrticas, que os longos anos da ditadura militar haviam usurpado. Nesse ce-
nrio, tivemos promulgada, em 5 de outubro de 1988, a nova Constituio, chamada de Constituio
Cidad pelo Deputado Ulysses Guimares, que foi o relator do projeto de lei que lhe deu origem.
A denominao de Constituio Cidad se deve aos avanos na rea social que a nossa Cons-
tituio apresenta em relao s outras que lhe antecederam. Em seu prembulo, assinado por todos
os Deputados e Senadores da poca, est escrito:
Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, plura-
lista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
soluo pacfca das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte Constituio da Repblica
Federativa do Brasil.
Em coerncia com esse prembulo, vemos que, em diferentes artigos, a igualdade e os direitos so-
ciais e individuais esto garantidos. A dignidade da pessoa humana um dos fundamentos inseridos logo
no primeiro artigo do texto legal. O artigo 3.
o
coloca como objetivos fundamentais de nossa Repbli-
ca:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidria;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminao.
Outros artigos da Constituio de 1988 reforam esses objetivos e reafrmam a prevalncia dos
direitos humanos, o repdio ao terrorismo e ao racismo, a liberdade de manifestao do pensamento
e a igualdade social. O artigo 5., especialmente, vai sintetizar essas determinaes legais, ao afrmar
que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza.
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
A Declarao de Salamanca
A Declarao de Salamanca foi o documento resultante da Conferncia
Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em Salamanca Es-
panha, de 7 a 10 de junho de 1994, promovida pela Unesco, da qual o Brasil foi
um dos signatrios. Nesse documento foram lanados os princpios fundamentais
da Educao Inclusiva.
Nessa Conferncia Mundial estavam representados 88 pases e 25 organiza-
es internacionais que, em assembleia, reafrmaram o compromisso para com a
Educao para Todos assinado na Conferncia de Jomtien, realizada em 1990
reconhecendo a necessidade e a urgncia do providenciamento de educao para
as crianas, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do
sistema regular de ensino.
As naes representadas no encontro de Salamanca atriburam alta priori-
dade poltica e fnanceira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no
sentido de se tornarem aptas a inclurem todas as crianas, independentemente
de suas diferenas ou difculdades individuais, declarando que todas as escolas
deveriam acomodar todas as crianas independentemente de suas condies f-
sicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingusticas ou outras, inclusive crianas
defcientes e superdotadas, crianas de rua e que trabalham, crianas de origem
remota ou de populao nmade, crianas pertencentes a minorias lingusticas,
tnicas ou culturais, e crianas de outros grupos marginalizados.
A Declarao de Salamanca reconhece em seu texto os diferentes desafos
aos sistemas escolares, o que no deve desestimul-los a buscar formas de educar
as crianas, os jovens e os adultos de forma bem-sucedida, incluindo aqueles que
possuam desvantagens severas, seja de ordem fsica, mental ou social. No campo
da educao, isso implica no desenvolvimento de estratgias que promovam a
equalizao de oportunidades.
As ltimas dcadas do sculo XX se caracterizaram, em termos sociais, pela
busca de tendncias polticas que promovessem a integrao, a participao e o
combate excluso. Incluso e participao so essenciais dignidade humana e
ao desfrutamento e exerccio dos direitos humanos (Declarao de Salamanca).
Um dos princpios fundamentais da escola inclusiva o de que todas as
crianas devem aprender juntas, sempre que possvel, independentemente de
quaisquer difculdades ou diferenas que elas possam ter. A escola deve reco-
nhecer e atender s necessidades diversas de seus alunos, comprometida com os
diferentes estilos e ritmos de aprendizagem. S assim haver a possibilidade de se
assegurar uma educao de qualidade a todos.
As propostas curriculares, os arranjos organizacionais, as estratgias de en-
sino, a utilizao de recursos e as parcerias com grupos da comunidade devero
promover a adequao e a continuidade das aes voltadas ao permanente apoio
s necessidades especiais encontradas na comunidade escolar.
Pelo que voc leu at agora, deve ter verifcado que, nesse contexto, os ges-
tores escolares tm uma responsabilidade especial a fm de promover atitudes
138
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
positivas por meio da comunidade escolar, organizando a cooperao entre pro-
fessores de classe e pessoal de apoio. Cada escola coletivamente responsvel
pelo sucesso ou fracasso de cada estudante, dividindo a responsabilidade pela
educao dos alunos que demandam ateno especial.
A avaliao da educao no Brasil
Nos ltimos anos, houve vrias mudanas no sistema educacional do Brasil,
entre elas a defnio das diretrizes e dos parmetros curriculares nacionais, sen-
do a maioria justifcada ou concebida com base em diagnsticos elaborados por
organismos internacionais, como o Banco Mundial.
Com relao avaliao, o Sistema Nacional de Avaliao da Escola B-
sica (Saeb), criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(Inep), do Ministrio da Educao, vem sendo realizado desde 1995, por meio de
ciclos de avaliao nacionais e tem levantado dados que revelam o diagns tico da
educao brasileira.
Em 2001, o Saeb avaliou, em todo o Brasil, o desempenho de alunos da 4.
e da 8. sries do Ensino Fundamental e da 3. srie do Ensino Mdio, em Lngua
Portuguesa e Matemtica. Como em outros anos, o Saeb utilizou, em 2001, dois
instrumentos: provas, para avaliar os conhecimentos, e questionrios, por meio
dos quais so coletadas informaes sobre os alunos, turmas, professores, direto-
res e suas escolas (BONFIM, 2003).
Os dados globais do Saeb mostraram um desempenho classifcado como
muito crtico, tanto em Lngua Portuguesa (59%) quanto em Matemtica (52,3%),
da populao escolarizada que participou dos testes. Trouxeram ainda indicaes
que apontam para algumas causas da excluso escolar, e, consequentemente, para
a no incluso social de milhes de crianas e jovens brasileiros:
Mais da metade dos estudantes que tiveram desempenho muito crtico moram
na regio Nordeste, onde se concentram 72% do total de municpios com
maior excluso social no Brasil e onde est a menor renda per capita do
pas.
Apenas 45,5% dos alunos matriculados em escolas pblicas tm acesso
biblioteca no prprio estabelecimento de ensino. No caso da escola
particular, esse percentual sobe para 86,6%.
A excluso digital mais intensa nas escolas pblicas. Apenas 6,4% de-
las tm acesso internet, enquanto que nas escolas particulares esse per-
centual de 50,6%.
Os alunos com desempenho muito crtico apresentam uma alta taxa de
distoro idade-srie: 58% deles esto acima da idade considerada ade-
quada para a 4. srie, que de 10 anos. Dos estudantes com desempenho
adequado, apenas 11% apresentam distoro idade/srie.
O percentual de alunos com desempenho muito crtico que trabalha
de 30%, enquanto que desempenho adequado, esse percentual cai para
apenas 4% (BONFIM, 2003).
139
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
Quando analisamos os dados obtidos nas pesquisas do Saeb, comprovamos
como a escola pblica brasileira tem concorrido para a excluso social. As escolas
com maiores ndices de reprovao e de abandono, portanto as menos produtivas,
so aquelas localizadas nas regies mais pobres, com um alto nmero de crianas
que j trabalham, com menos equipamentos e recursos didticos e com os profes-
sores menos preparados, concorrendo, assim, para o aumento da excluso social
de seus alunos.
Outra pesquisa realizada pelo Inep, em 2003 Mapa do analfabetismo no
Brasil , comprova o cenrio da excluso social em que nosso pas est mergu-
lhando. A taxa de analfabetismo absoluto, em 2001, era de 12,4% da populao
brasileira, sendo que desses, os maiores ndices esto entre os negros e pardos
(16,6%), os de renda familiar mais baixa (28,9%), os residentes nas reas rurais
(28,7%), e ainda os que se concentram nas cidades da regio Nordeste (24,3%).
Como voc pode concluir, o desempenho escolar dos alunos est associa-
do a diversos fatores. Com isso, possvel observar que, embora as pesquisas
apontem para uma relao direta de escolaridade e sucesso social, a escola bra-
sileira no tem contribudo para reduzir a excluso a que esto, a priori, subme-
tidos tantos brasileiros.
Polticas de ao afrmativa:
a questo das cotas nas universidades
Voc j ouviu falar ou j leu sobre ao afrmativa? Se sua resposta foi po-
sitiva, ento voc j sabe que ao afrmativa o conjunto de polticas pblicas e
privadas de combate a todas as formas de discriminao: de defcincias fsicas e
mentais, de raa, de gnero, de origem nacional, de religio e outras, que variam
de cultura para cultura.
A Constituio de 88, no artigo 5., qual j nos referimos, e que estabelece
os direitos e deveres individuais e coletivos, clara quando aborda a questo da
discriminao e do racismo. O inciso XLI afrma que a lei punir qualquer dis-
criminao atentatria dos direitos e liberdades fundamentais, e o inciso XLII
completa: a prtica do racismo constituir crime inafanvel e imprescritvel,
sujeito pena de recluso, nos termos da lei.
Entretanto, no basta a letra da lei para que as discriminaes no ocorram.
Elas tm carter cultural, muitas vezes se manifestando de forma inconsciente.
As aes afrmativas tm, alm do papel de combater essas atitudes, o dever de
promover o desenvolvimento da conscincia crtica para que a cidadania possa ser
exercida em toda a sua plenitude.
As aes afrmativas so bastante conhecidas nos Estados Unidos da Am-
rica, onde, pelo menos h 40 anos, elas so alvo de debates e de lutas polticas.
Vrias universidades americanas reservam vagas para as minorias negras, his-
pnicas e indgenas. O sistema de cotas no obrigatrio, e sim recomendvel.
140
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
L, os defensores da ao afrmativa consideram-se vitoriosos porque se criou
uma jurisprudncia e as universidades contrrias adoo dessas polticas, como
a da Califrnia e a de Washington, tero que rever suas diretrizes (MELLO,
2003, p. 68).
No Brasil, o assunto recente. O senador Jos Sarney apresentou um projeto
de lei que pretende instituir, em todo o pas, cotas nas universidades e nos concur-
sos pblicos, sendo que nestes os portadores de defcincias fsicas j tm garan-
tida uma parcela de vagas. A Secretaria Especial para a Promoo da Igualdade
Racial, por intermdio de sua ministra Matilde Ribeiro, tem promovido debates
e trocas de experincias entre os reitores das universidades pblicas dos estados
do Rio de Janeiro e da Bahia, que j implementaram o sistema de cotas, e os das
universidades de Braslia e Mato Grosso do Sul, que esto no mesmo processo de
implementao de reservas de vagas.
As polticas de ao afrmativa que tm sido alvo de mais reportagens
e debates so estas que reservam cotas de vagas nas universidades pblicas
aos negros, pardos e oriundos de escolas pblicas, como o caso da Universi-
dade do estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF), que desde o ano 2000, pioneiramente, implementaram essa
poltica de ao afrmativa, aps o sancionamento das leis que regem essa reserva
de vagas pelo Governo do Estado.
No caso das duas universidades pblicas do estado do Rio de Janeiro, a apre-
sentao de um primeiro projeto de lei, oriundo do Poder Executivo, reservando
50% das vagas do vestibular para cada curso aos oriundos de escolas pblicas,
gerou debates sobre o assunto. Aps vrias reunies de professores com a parti-
cipao da comunidade e deputados de diferentes partidos, a UERJ apresentou
um parecer substanciado, no qual eram apresentadas crticas ao projeto, baseadas
em critrios acadmicos e jurdicos, incluindo sugestes e alternativas possveis
para que os alunos da rede pblica de Ensino Fundamental e Mdio pudessem
apresentar melhores resultados no vestibular de todos os cursos, uma vez que, na
matrcula geral dos cursos, o total de oriundos da rede pblica matriculados na
UERJ j correspondia a 40,4% dos matriculados na Universidade.
Apesar disso, a Assembleia Legislativa do estado do Rio do Janeiro (Alerj)
aprovou o projeto por unanimidade e, em 28 de dezembro de 2000, o governador
sancionou a Lei 3.524, que dispunha sobre os critrios de seleo e admisso dos
alunos da rede pblica estadual nas universidades pblicas estaduais, sem incor-
porar as sugestes e crticas encaminhadas pela UERJ.
No ano seguinte, em 2001, uma outra lei, tambm sancionada pela Alerj,
determinou reserva de 40% das vagas de cada curso para estudantes autodecla-
rados negros ou pardos das universidades estaduais UERJ e UENF. Outra lei,
reservando 10% de vagas para defcientes fsicos, no chegou a ser implementada,
pois sua aprovao se deu aps o incio do processo de vestibular.
A reserva de vagas, para estudantes oriundos de escolas pblicas e para au-
todeclarados negros e pardos, foi implantada em 2003. A cota de 40% para negros
141
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
e pardos foi aplicada, primeiramente, dentro do percentual dos alunos oriundos
de escolas pblicas.
No incio deste ano, aps a realizao do primeiro vestibular utilizando esse sistema e
divulgados os resultados, a polmica foi instaurada em vrios nveis. A sobreposio das
leis ocasionou distores em alguns cursos, gerando uma reserva real de mais de 60%,
somadas as duas cotas. Sendo assim, embora as notas menores tenham sido obtidas por
candidatos oriundos de escolas pblicas, a reserva para negros e pardos tem motivado
maior debate. No mbito jurdico, essas questes se manifestaram por meio de mais de
uma centena de liminares contestandos o resultado do vestibular. (UERJ, 2003).
O Supremo Tribunal de Justia est em processo de anlise de constitu-
cionalidade das leis estaduais que estabeleceram o sistema de cotas, devido a
mais de 300 processos abertos contra esse regime.
Enquanto isso, a grande preocupao das duas universidades UERJ e
UENF com a permanncia dos alunos que ingressaram pelo sistema de cotas,
pois, oriundos em sua grande maioria de famlias de baixa renda, ser bastante
difcil para eles manterem-se na universidade, principalmente nos cursos que de-
mandam uma dedicao em horrio integral ou a aquisio de livros e materiais
de alto custo. A proposta de um Programa de Apoio ao Estudante para os que tm
renda familiar at cinco salrios mnimos, para uma ajuda de transporte, alimen-
tao e aquisio de material de estudo, ainda est dependendo de aprovao na
Assembleia Legislativa.
Uma outra lei, que, caso seja aprovada pelos deputados estaduais e sancio-
nada pela governadora do estado, substituir as atuais, tenta equilibrar os pro-
blemas causados pela precipitao das anteriores. Pela nova legislao, o sistema
de cotas reservar 20% das vagas de cada curso para os oriundos das escolas
pblicas, 20% para os autodeclarados negros e 5% para portadores de defcincia
e para as minorias tnicas. A incluso de autodeclarados pardos mostrou-se muito
polmica e de carter muito duvidoso.
Na verdade, o que se tenta, por meio das polticas de ao afrmativa
corrigir erros histricos e sociais enraizados na populao. Obviamente, no ser
somente implantando o sistema de cotas nas universidades que acabaremos com a
injustia social representada pelo racismo, pela intolerncia e pela marginalizao
de tantos brasileiros. O sistema de cotas nas universidades apenas um paliativo
para um problema social mais grave: a excluso da populao mais carente. Com
isso, acreditamos que se no forem feitos grandes investimentos em uma escola
bsica de qualidade, na qual a educao inclusiva seja o eixo condutor de todas as
prticas pedaggicas, poderemos estar concorrendo para a deteriorao da univer-
sidade pblica, como j ocorreu com a educao bsica.
O mito da democracia racial, de que no h racismo no Brasil, cai por terra
quando analisamos os dados do Instituto Brasileiro de Geografa e Estatstica
(IBGE) que aponta, entre outros dados, que dos 10% mais pobres do pas, 70%
so negros ou pardos.
O debate sobre as vagas nas universidades pblicas abriga apenas um patamar da questo
racial. O que a sociedade brasileira deve se perguntar como sanar essa doena instalada
142
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
na coluna vertebral do pas. O Brasil, o ltimo pas a abolir a escravido no mundo e o
segundo maior em populao negra (depois da Nigria), comea a colocar em prtica suas
polticas de incluso e a sociedade discute essa implementao. (MELLO, 2003, p.68)
Nesta aula voc teve a oportunidade de refetir sobre as injustias econ-
mico-sociais que levam milhes de brasileiros excluso da sociedade e sobre o
papel importante que a escola tem nesse processo de incluso de tantas crianas,
jovens e adultos que demandam por uma comunidade justa e democrtica que
aponte para um futuro de paz e desenvolvimento para toda a nao.
Leia a seguir a matria publicada no jornal americano The New York Ti-
mes, do dia 7 de abril de 2003, sob o ttulo Cotas raciais esquentam opinies em
pas multirracial, de autoria do jornalista Larry Rother.
RIO DE JANEIRO, Brasil O governo brasileiro, em resposta s exigncias de melhoria
das condies da populao negra, comeou a impor cotas raciais para o funcionalismo
pblico, contrataes e admisses nas universidades. Mas isso provocou um amargo
debate em um pas que tradicionalmente se orgulha de ser uma democracia racial har-
moniosa.
O campo de batalha inicial envolve duas universidades pblicas daqui, que aceitaram uma
classe de calouros composta de 40% de negros. Como nos Estados Unidos, estudantes
brancos que no foram admitidos, apesar de apresentarem melhores notas no vestibular,
contestaram a deciso das universidades na Justia. Eles argumentam que Ihes est sendo
negada a igualdade de acesso ao ensino garantida pela Constituio do Brasil de 1988.
Defensores de direitos civis deste pas de 175 milhes, que possui a maior populao
negra de qualquer pas fora da frica, previram que o debate aumentar ainda mais com
o amplo estatuto de igualdade racial que atualmente est tramitando no Congresso. Tal
projeto de lei, apoiado pelo governo de esquerda que assumiu o poder em 1. de janeiro,
tornar as cotas raciais obrigatrias em todos os nveis de governo, e as exigir at mesmo
na escolha de elenco para programas de televiso e comerciais.
Essa poltica absolutamente correta em termos flosfcos e ticos, disse o ministro da
Justia, Mrcio Thomaz Bastos, em uma coletiva de imprensa com reprteres estrangei-
ros, realizada aqui, nesta semana. Eu no tenho dvida disso. Afnal, este pas tem uma
enorme dvida devido injustia que foi a escravido.
Como subproduto do debate, os brasileiros tambm esto sendo forados a defnir quem
negro, um processo que consideram confuso e estranho. Mais de 300 termos so usados
para designar cor de pele desde de crioulo para pele escura at brancaro para pele
mais clara em um pas onde relacionamentos inter-raciais so a norma, e no a exceo.
Como resultado, categorias raciais nunca foram defnidas como foram em pases mais
segregados.
A admisso na faculdade no Brasil altamente competitiva, com mais candidatos do que
vagas disponveis, especialmente para as prestigiadas universidades pblicas, e se baseia
em um sistema onde o que vale a pontuao no vestibular. Dos 1,4 milhes de estudantes
aceitos em universidades no Brasil a cada ano, apenas 3% se identifcam como negros, e
apenas 18% vm de escolas pblicas, onde estudam a maioria dos negros brasileiros.
Devido disputa em torno das admisses na universidade, o Supremo Tribunal daqui
foi requisitado a julgar a constitucionalidade das cotas raciais, e ele indicou que o far
em breve. Como o prprio presidente do Supremo Tribunal Federal imps uma cota de
143
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
contratao para funcionrios no ano passado, defensores de direitos civis esto esperando uma deciso favor-
vel, que dizem que poder ter um impacto semelhante ao da deciso Brown versus Junta de Ensino nos Estados
Unidos, que colocou um fm segregao nas escolas pblicas.
Esse um momento histrico, e o Supremo tem uma oportunidade histrica de desfazer a terrvel injustia que
foi cometida em 1888, quando a escravido foi legalmente abolida, mas nenhum apoio governamental foi forne-
cido para os negros recm-libertados, disse Zulu Arajo, diretor da Fundao Palmares, uma agncia do governo
que cuida dos interesses dos negros brasileiros.
Alguns opositores das cotas raciais tambm argumentam que o racismo no uma caracterstica da sociedade
brasileira, e que as condies para os negros melhoraro medida que a pobreza for gradualmente eliminada.
Mas defensores de direitos civis apontam para estatsticas que mostram que os brancos brasileiros ganham mais,
vivem mais, recebem mais educao e so menos propensos a serem presos do que os cidados negros.
Isso no apenas um problema social, disse Jos Vicente, um advogado e socilogo em So Paulo que presidente
da Afrobras, um grupo de defesa dos negros. Ns temos que reconhecer que esta uma sociedade racista e que as
pessoas com pele escura tm sido sistematicamente excludas de espao nessa sociedade por mais de 400 anos.
Segundo o novo sistema de admisses no Ensino Superior adotado aqui, todos os candidatos que se declararem de
descendncia africana nos formulrios de admisso sero considerados negros e recebero tratamento preferen-
cial.
Entre os defensores das cotas, a simpatia do governo pela posio deles est estimulando um debate paralelo
sobre que percentual deve ser reservado aos negros. Segundo nmeros do censo, cerca de 45% dos brasileiros, ou
quase 79 milhes de pessoas, se consideram negros ou pardos, uma designao ampla, deliberadamente vaga,
que pode ser aplicada tanto para aqueles que possuem mistura de raas como para os de descendncia indgena.
O texto que voc acabou de ler trata de um assunto novo, que divide opinies. Para a organiza-
o de uma escola inclusiva, sero necessrias vrias discusses, no sentido de se buscar mecanismos
que efetivamente oportunizem a todos um ensino de qualidade.
1. Voc j conhecia o sistema de cotas? Discuta com os seus colegas essa estratgia que est
sendo utilizada no Rio de Janeiro e coloque as concluses abaixo.
144
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
2. Anote as questes que voc gostaria de ver contempladas como estratgias de incluso e apre-
sente a seus colegas.
3. Os questionamentos e as dvidas que o texto lhe produziram devem ser anotados e discutidos
com o seu grupo.
145
Incluso social e as polticas de ao afirmativa
146
A Educao pelos Fundos:
do subsdio literrio ao Fundo

de Valorizao do Magistrio
O
presente texto tem, mesmo de maneira introdutria, o objetivo de analisar polticas pblicas
de recursos fnanceiros voltados para a educao que permearam alguns momentos da his-
tria do nosso pas. A legislao, alvo central de nossa busca por permitir a utilizao dos
valores proclamados e valores reais para a anlise, mostrou-se bastante extensa. Porm, a limitao de
espao e tempo imps no s a delimitao do objeto a ser apresentado, bem como a difcil tarefa de
optar por legislaes mais marcantes que nos serviriam de sustentculo para a tentativa de deslindar
uma questo que considervamos fundamental: a criao formal de tais recursos se consubstanciou
numa prtica que efetivamente contribuiu para a melhoria da educao?
Assim, a misso de responder a pergunta anterior fez com que optssemos pela anlise dos
fundos criados, em diferentes momentos histricos, para o gerenciamento da educao. Tal opo nos
levou a analisar o Subsdio Literrio (1772), primeiro fundo criado pela Metrpole para o pagamento
de salrio dos professores da Colnia; a Constituio de 1934, a primeira a dar peso constitucional a
um fundo educacional, e, por fm, a Lei 9.424 de 1996 que cria o Fundo de Valorizao do Magistrio
no bojo de uma srie de reformas da Legislao Educacional.
O Fundo da educao colonial
e imperial: subsdio literrio
A anlise de Subsdio Literrio, ordenao real de 1772, impele, mesmo de forma sucinta, uma
digresso histrica aos fatos que pontuaram a Poltica de Educao no Brasil-Colnia e os seus
corolrios que marcaram profundamente todo processo educacional que estaria por vir.
A Companhia de Jesus, fundada em 1534, sendo um abrao armado com o evangelho, um
importante instrumento da Reforma Catlica do sculo XVI, que aporta em terras brasileiras em
1549. A chegada dos jesutas a pedra inaugural, das tantas que erguemos e no demos continuidade,
da histria da educao no Brasil.
Os jesutas, no obstante as crticas procedentes ao seu trabalho, foram praticamente durante
210 anos (1549-1759) os nicos educadores no Brasil, refexo da infuncia da Igreja Catlica na corte
portuguesa e, sobretudo, expresso da poltica traada para a Colnia com base na usurpao de ri-
quezas com pouco ou nenhum investimento.
A primeira metade do sculo XVII traduz o auge da obra jesutica no Brasil, no qual a Companhia
desfrutava de posio invejvel. O mesmo, porm, no acontecia na Europa. Os ataques aos jesutas
eram cada vez mais intensos e assinalavam o profundo descontentamento com os seus mtodos de
ensino e sua ingerncia nos negcios do Estado, tanto na rea poltica quanto na econmica. Pesava,
assim, a acusao de que a Companhia de Jesus estaria se desviando dos seus objetivos fundacionais,
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
acrescentando-se a esse fato o sentimento de profundo atraso intelectual de Portugal
frente s outras monarquias europeias, gerando o incio de uma crise econmica.
Em 1759, no reinado de D. Jos I, o Marqus de Pombal expulsa os jesutas
do reino e de todos os territrios de Portugal, iniciando o primeiro desmonte
educacional, entre tantos que iramos testemunhar. Mas, como preencher o espao
deixado pelos jesutas? O que fazer para superar a situao de estagnao educa-
cional? Como criar um novo sistema educacional para a Colnia?
A resposta a todas essas questes veio no Alvar de 28 de julho de 1759,
com a primeira de uma srie de medidas intervencionistas, incoerentes e fragmen-
trias de alma longa at os dias de hoje na Educao Brasileira. O Alvar insti-
tuiu as aulas de gramtica latina, de grego e de retrica, assim como criou o cargo
de Diretor de Estudos para a fscalizao do ensino, sendo o rgo sediado em
Portugal. Na verdade, a fscalizao s ocorreria nos idos de 1799, ou seja, 40 anos
depois, j no apagar das luzes (que luzes?) do sculo XVIII, nas terras em que
havia um povo que podia esperar.
O ano de 1772, 13 anos aps o Alvar de 1759, indcios apontam para o
despertar da Metrpole com relao situao educacional da Colnia. Desse
modo, criado o Subsdio Literrio, imposto que tinha como base de arrecadao
a taxao da venda de produtos como carne, bebidas e outros na Colnia. O valor
arrecadado teria como destino a manuteno do ensino primrio e mdio, incluin-
do os salrios dos professores. Essa defnio corrobora nossa posio de ter sido
o Subsdio Literrio, resguardadas algumas diferenas e por bvias semelhanas,
o primeiro Fundo dirigido, exclusivamente, educao nessas terras.
A desorganizao, as conhecidas difculdades de arrecadao, de fscalizao,
os testemunhos documentados sobre o caos educacional instalado e as correspondn-
cias trocadas entre a Metrpole e a Colnia nos permitem asseverar o fracasso desse
Fundo que gerou a primeira expectativa de melhora das condies educacionais,
mas que acabou destruindo os sonhos (eternos) de usurios e educadores.
A correspondncia trocada entre reis e vice-reis, em diferentes momentos,
explicita de forma clara a baixa arrecadao e a falta de controle sobre o Subs-
dio. Entre tantas correspondncias pesquisadas, duas merecem ser destacadas. A
primeira data de 23 de setembro de 1798 e solicitava o montante de arrecadao
do subsdio nos anos de 1796 e 1797 e o nmero de professores, bem como a im-
portncia devida a cada um, e a segunda correspondncia oriunda do vice-rei e
destinada ao rei, em 16 de abril de 1800, comunica a averiguao do rendimento
dos ltimos 20 anos do Subsdio Literrio a fm de encontrar o verdadeiro rendi-
mento em cada uma das Cmaras Provinciais.
As Aulas Rgias, frutos da arrecadao do Subsdio Literrio, s existiram nas
cidades e vilas mais importantes, mesmo assim de forma desorganizada, resul tando
numa m remunerao aos professores que eram pouco considerados pela sociedade
devido, em grande parte, sua pssima preparao para o trabalho educativo.
O advento do Imprio no eliminou a existncia do Subsdio Literrio, con-
forme atestado por um decreto de 26 de julho de 1827, que mandava suprir com as
148
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
rendas gerais o que faltasse no Subsdio Literrio para o pagamento de professores
das primeiras letras e gramtica latina.
Por fm, cabe destacar, quanto aos recursos fnanceiros, que a Lei de 15 de
outubro de 1827 (de onde emana o dia do mestre), elaborada por um parlamento
brasileiro, aponta para a criao de escolas de primeiras letras nas cidades e
vilas mais populosas, estabelecendo um currculo para essas escolas e fxa os or-
denados dos professores entre 200$000 (duzentos mil-ris) e 500$000 (quinhentos
mil-ris) salrios irrisrios que contriburam muito para o fracasso da referida
lei. Confrma esse fato o relatrio do Visconde de Maca, ento Ministro do Im-
prio, em 1848, que apontava entre quatro causas do fracasso da Instruo Pblica
o descontentamento do professorado, face falta de recompensa pecuniria suf-
ciente, como uma das mais signifcativas.
Mais uma vez, a educao sai pela porta do fundos na Colnia e no Im-
prio, mas ainda restava a esperana na Repblica, nos valores proclamados da
jovem Ptria e em Fundos que nos abrissem as portas da frente da Histria e que
colocassem a Nao no rol dos pases desenvolvidos.
Mas os acontecimentos nos reservariam surpresas, pois estvamos num pas
em que havia um povo que, ainda, podia esperar.
A Constituio de 1934 e o primeiro
Fundo educacional da Repblica
A Constituio de 1934, primeira gestada aps a Revoluo de 1930, pionei-
ra da Era Vargas a primeira que contempla em seus artigos a formao de um
Fundo para a educao.
Porm, antes de analisar os artigos constantes desse instrumento legal de-
vemos tecer comentrios sobre a Constituio de 1891 e a Reviso Constitu-
cional de 1926, tentando abordar as questes referentes a recursos fnanceiros
presentes nesses documentos.
A Constituio de 1891 teve um carter Liberal-Federativo j de Estado
Mnimo no contemplando qualquer recurso especfco para a educao. A ins-
truo pblica primria fcou sob a responsabilidade dos estados e municpios; o
ensino secundrio com os estados, havendo alguma possibilidade de ser mantido
pela Unio ou pela iniciativa privada; e o Ensino Superior a cargo da Unio. Evi-
dentemente, o peso maior dos recursos fnanceiros caberia aos estados e municpios
na rede de sustentao das escolas de primeiras letras, embora a nossa primeira
Constituio da Repblica propusesse a gratuidade educacional, mas no a obriga-
toriedade.
A Reviso Constitucional de 1926 legitimou a interveno do Estado nas
questes educacionais e deu origem a Comisso de Legislao Social da Cmara,
prova de um rompimento com a postura liberal da Constituio de 1891. Durante
as discusses dos constituintes para a elaborao dessa reviso surgiu a proposta,
149
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
no aprovada, de criao de um fundo nacional de educao. Proposta que seria
vitoriosa no trabalho constituinte da Carta de 1934.
A Revoluo de 1930, o Manifesto dos Pioneiros de 1932, a 5. Conferncia
Nacional da Associao Brasileira de Educao (ABE) de 1933 e todas as propos-
tas do ingresso do pas na modernidade foram o pano de fundo para a escritura da
Constituio de 1934. Entre os assuntos de destaque no processo de embate das
ideias constituintes, vale ressaltar a questo dos recursos fnanceiros e a aplicao
desses recursos na educao, sendo a Constituio de 1934 a pioneira em apre-
sentar percentuais de gastos pblicos com a educao (art. 156), alm de prover a
criao de Fundos Especiais de Educao (art. 157).
Os Fundos explicitados no pargrafo anterior eram compostos pelos patri-
mnios territoriais, pelas sobras de dotaes oramentrias, pelas doaes, pelas
percentagens sobre o produto de vendas de terras pblicas, taxas especiais e quais-
quer outros recursos fnanceiros constitudos na Unio, nos estados e nos munic-
pios e que s podiam ser aplicados em obras educativas determinadas em lei.
Porm, no tivemos o tempo necessrio para conhecer o sonho-real, con-
substanciado substantivado, pois o advento do Estado Novo ceifou a vida da Cons-
tituio de 1934, trs anos aps a sua promulgao.
A Carta de 1937 suspendeu os ndices oramentrios, mas a essncia das
verbas vinculadas para a educao fora to forte que a Poltica Educacional Esta-
donovista criou em 1942 o Fundo Nacional do Ensino Primrio que, inicialmente,
estabeleceu o comprometimento de recursos fnanceiros dos estados e municpios,
possibilitando aos mesmos obter a cooperao fnanceira da Unio, nos limites
dos recursos do Fundo. Porm, devido ao perfl autoritrio do regime, no co-
nhecemos com exatido os resultados obtidos por esse Fundo.
A Constituio de 1946, num perodo democrtico, recolocou no artigo 169
a questo dos ndices oramentrios para os gastos com a educao pela Unio,
estados e municpios, mas a Assembleia Constituinte no reiterou a criao de
Fundos Especiais para a educao por entender que tal normatizao deveria
constar de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, que s seria
aprovada em 1961.
A Lei 4.024 de 1961, a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional, trouxe em seu corpo a criao de Fundos de Ensino que, por fora do
arbtrio e do rolo compressor do Governo Militar de 1964, deixariam de constar
nos oramentos da Unio aps a aprovao da Constituio de 1967.
A nica verba especfca para educao teria sua origem na Lei 4.440 de
1964 que estabeleceu o Salrio-Educao (hoje, MP 1607-20 j na sua 19. reedi-
o). Tal verba, entretanto, viveria ao sabor do processo de arrecadao e da ine-
xistncia de ndices mnimos de aplicao e controle por parte da sociedade civil,
caracterstica marcante desse perodo.
Novamente, assistimos ao quase total perecimento da vinculao ora-
mentria e dos fundos educacionais, pois a Emenda Constitucional de 1969,
preservaria a vinculao apenas para os municpios (20% da receita tributria).
A vinculao geral, incluindo a Unio e os estados, foi reintegrada ao texto cons-
150
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
titucional somente em 1983 (Emenda Calmon). Mesmo assim, dois anos ainda
foram necessrios para a sua regulamentao, causando portanto, um pero do de
17 anos sem quaisquer exigncias mnimas para a utilizao de recursos fnan-
ceiros na educao nacional.
Dessa forma, foi necessrio vislumbrar dias e noites melhores num tempo
mais democrtico. Todavia, estvamos num pas em que havia um povo que, por
fora das baionetas, foi obrigado a esperar.
A Lei 9.424/96 e o Fundo de Manuteno
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorizao do Magistrio
Aps o trmino do regime, Guardio da Ordem, na gesto militar-tecno-
burocrata, assistimos ao processo de transio democrtica, para alguns tran-
sao democrtica, e o renascer das expectativas em todos os campos. Tempo da
luta pelas eleies diretas, da Constituinte como nascedouro de uma nova Cons-
tituio (Constituio Cidad) e da possibilidade de uma nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educao. Enfm, algumas metas foram alcanadas, mas nem sempre
solidifcadas, e para completar o quadro, parafraseando Marx e Engels, um espec-
tro rondava o mundo: o espectro do neoliberalismo.
Assim, assistimos aos resultados das primeiras eleies presidenciais dire-
tas e aos grupos de poder que se apresentavam para o jogo. Vimos os primeiros
golpes nos direitos contemplados na Constituio j bem menos cidad e percebe-
mos a educao, que pensamos, escrevemos e discutimos, ser ultrapassada, fora
das regras do jogo, por uma outra gestada em gabinetes.
A onda Neoliberal que, a partir de 1994, comeou de forma mais organi-
zada a desmontar o Estado teve como um dos seus maiores objetivos o ataque
legislao. Uma fria legiferante que, principalmente no campo educacional, fez
soar canhes da destruio contra os projetos populares, convocou todos os ope-
rrios para a (re)construo da nova ordem (trans)nacional.
O fnanciamento do Ensino Fundamental foi o principal alvo da poltica
educacional do governo federal, tendo o MEC trabalhado na elaborao da Emen-
da Constitucional 14, de 1996, que funcionou, tambm, como um dispositivo de
regulamentao dos artigos 74, 75 e 76 da Lei 9.394/96 e que introduziu, ainda, o
novo Fundo consubstanciado na Lei 9.424/96 que foi, posteriormente, regula-
mentado pelo decreto 2.264, de 27 de junho de 1997.
O Fundo de Valorizao do Magistrio, alardeado por muitos como a sal-
vao da Educao Nacional e da dignidade dos professores, gerou e vem ge-
rando grandes expectativas em relao sua aplicao. Porm, nesse momento,
consideramos qualquer anlise mais apurada sobre os resultados do Fundo
mesmo aps sete anos precipitada. Tal aspecto, todavia, no nos impede de
construir alguns questionamentos a respeito da estrutura do Fundo e sobre
outros recursos fnanceiros.
151
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
O custo-aluno de R$300,00 (trezentos reais), arbitrado para o ano de 1997, foi
correto com ndice inicial
1
? O piso salarial mnimo de R$300,00 para os professo-
res signifca o resgate da dignidade? O governo federal conseguir o mnimo de
controle em relao aos repasses do Fundo? Haver punio para as prefeituras
e estados que no utilizarem corretamente o Fundo? O Fundo de Estabilizao
Fiscal (FEF) continuar retendo recursos destinados educao? E os contratos
temporrios de trabalho no diminuiro a contribuio ao salrio-educao?
Concluso
O carter introdutrio, aventado no incio desta nossa aula, no pode ser um
impeditivo para que embora preliminarmente estabeleamos algumas conside-
raes a respeito do questionamento proposto.
A criao formal, via documentos legais, de recursos fnanceiros para a edu-
cao, principalmente num pas em que os governos sofrem de uma volpia legife-
rante, no signifcou uma melhoria efetiva da mesma.
Essa anlise revela um ponto, de certa forma j anunciado, e que conside-
ramos crucial: a simples existncia de uma lei ou proposio de um conjunto de
reformas e a exarao de seus valores ou objetivos proclamados no garantem a
sua implementao por serem momentos distintos. A diferenciao exige, assim,
a participao e a avaliao dos usurios, sendo esse um fato raro, por diversas
razes, na histria do nosso pas.
Cabe, ainda, ressaltar que em alguns momentos as vicissitudes pelas
quais passaram os recursos fnanceiros para a educao impossibilitaram um
tempo sufciente para a sua execuo e posterior avaliao do seu impacto na
prtica educacional.
A opo por estudar os Fundos da educao no signifcava a aposta na
soluo de todos os problemas via verbas sem considerar outros aspectos e, muito
menos, na crena de uma educao, que por si, produzisse mudanas radicais na
distribuio de renda tese celebrada pelos que forjaram ou reforaram, h algu-
mas dcadas, a Teoria do Capital Humano , ou numa escola nos moldes da fbrica
tese cara aos propagadores da qualidade total neoliberal.
Optamos por conhecer, por meio da histria dos Fundos, as tantas
oportunidades construdas e as tantas perdidas para a consecuo da educao
neste pas, restando as lembranas como o distante 15 de outubro de 1827 e
as esperanas. Pois, muito pouco adiantam boas ideias se no h recursos para
implement-las.
Assim, fundamental acreditarmos numa educao pela porta da frente,
que no exclua milhes de brasileiros em nome da Globalizao e do Progresso
Transnacional, pois assim, um dia, ao olharmos a educao pelos Fundos, quem
sabe vejamos to somente as verbas necessrias para a concretizao de um sonho
de um povo que deseja pertencer ao seu pas e no pretende mais esperar.
1
Os valores para 2002
foram arbitrados da se-
guinte forma: 1. a 4. sries
R$418,00 e 5. a 8. sries
R$38,00.
152
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
A aula de hoje, nos permitiu entender como se organizam os recursos destinados educao e
como nem sempre so aplicados com propriedade.
1. H controle das verbas destinadas educao em sua cidade por parte de sua comunidade escolar?
Comente com seu grupo a importncia desse controle e anote as informaes obtidas abaixo.
2. Estamos discutindo a Educao Inclusiva, onde recursos sero importantes. Converse com seus
colegas sobre como vocs podem se organizar para participar dessas discusses e contribuir
para a melhoria da valorizao do professorado.
153
A Educao pelos Fundos: do subsdio literrio ao Fundo de Valorizao do Magistrio
3. Levante os questionamentos e as dvidas que o texto provocou, anote e discuta com seus cole-
gas.
154
A prtica educativa:
um dos caminhos para a incluso
C
om a meta da universalizao do ensino nos fns dos 1980, chegavam escola novos concei-
tos, novos personagens, novas crenas, novas tradies. A escola fcou sem saber como dar
conta de tantas novidades! Em muitas situaes, passou a ignorar esse novo contingente que
chegava. A verdade era que a escola e seus profssionais no sabiam lidar com sua nova clientela.
Ancorada em concepes que acreditavam ser papel da escola em socializar e transmitir os
conhecimentos acumulados pela humanidade, a partir de um caminho cultural igual para todos, pri-
vilegiando o esforo individual, no percebeu que esse caminho no encontrava eco na vida de seus
estudantes. Os planejamentos, motores da prtica pedaggica, estabeleciam conhecimentos e valores
que precisavam ser passados como verdades inquestionveis, fazendo com que seus contedos se
encontrassem separados da experincia do aluno e da realidade social.
O resultado desse processo explode com os crescentes ndices de reteno nas sries e com as
elevadas taxas de evaso escolar, que resultaram na necessidade de se buscar a causa do fracasso
escolar. Todos os aspectos externos e internos prtica pedaggica foram apontados a pobreza, a
carncia, a subnutrio, a famlia, os meios, os mtodos e at os chamados especialistas em educao
(supervisores e orientadores educacionais) porm, no se discutia a questo fundamental a con-
cepo que dava origem aos trabalhos educacionais.
E, assim, comeam as discusses sobre a escola, sua organizao, sua estrutura, seu currculo e,
consequentemente, sobre a prtica pedaggica. Tarefa essa que jamais foi fcil, pois discutir signifca
perceber que a formao profssional se encontra eivada de concepes tradicionais, que marcaram
a histrica educacional, fazendo com que as prticas pedaggicas adotadas no mais se adaptem s
necessidades imediatas da populao brasileira.
Fazer a discusso signifca, tambm, reconhecer que a escola se encontra vazia de contedo
poltico-epistemolgico que oriente esse novo cenrio educacional, e o que se conclui que somente
por meio da discusso coletiva da escola ser possvel se encontrar alternativas viveis para os impas-
ses dessa diante das expectativas de sua comunidade escolar.
A incluso
A partir de 1994, com a Declarao de Salamanca, resultado da Conferncia Mundial sobre Ne-
cessidades Educativas Especiais: Qualidade e Acesso, solidifcam-se as metas do Congresso Mundial
de Educao para Todos, realizado em 1990, na Tailndia, que previa a erradicao do analfabetismo
e a universalizao do Ensino Fundamental, acrescentando-se, na Espanha, os princpios norteadores
da Educao Inclusiva.
Todos esses movimentos, de direito cidado, trouxeram para a escola um novo contingente de
personagens que tambm no encontraram uma escola preparada para receb-los.
A prtica educativa: um dos caminhos para a incluso
Se por um lado a Educao Inclusiva enfatiza a qualidade de ensino para todos,
por outro a escola precisa urgentemente se reorganizar para dar conta da multiplicida-
de de questes inerentes ao trabalho educacional. Somente a partir de uma profunda
reviso da prtica pedaggica docente que ser possvel ultrapassar os preconceitos
que acabam gerando a excluso. O desafo seguir adiante e entender que o desen-
volvimento humano se estabelece, desde o nascimento, na relao com outras pes-
soas, e, portanto, se constitui em tarefa conjunta e recproca que ocorre em qualquer
circunstncia em que as formas de relaes sociais e o uso de signos se encontrem
presentes.
Utilizando-nos da perspectiva dialtica, perceberemos que cada ato ou pa-
pel assumido pelo indivduo s ser compreendido dentro de uma determinada
situao, o que se verifca a partir da totalidade como ao indissocivel. Essa
postura nos leva a entender que ser pelo confronto de ideias e posies que se
pode perceber a situao como um todo e, assim, construir alternativas possveis
de signifcao e ressignifcao para o grupo.
Ser na perspectiva desse caminhar que os contedos escolares passaro a ser
apreendidos de forma historicizada e na relao com outros conceitos, possibilitan-
do a interveno na prtica dos alunos e, consequentemente, guiar suas aes.
Construindo um caminho
Diante das metas anteriormente apresentadas e que trazem para a escola no-
vos personagens que se constituem em sua clientela que precisamos pensar em
como atender os diferentes interesses, a partir de uma ao cotidiana.
importante salientar que cada aluno faz parte de um grupo social e que
cada grupo regulamentado por usos, costumes, tradies e regras que precisam
ser observados pelos profssionais que iro trabalhar com eles. Mais do que nunca
ser necessria a elaborao de um Projeto Poltico Pedaggico que d conta das
necessidades locais, articulando os diversos setores da escola com vistas susten-
tao de um plano pedaggico coerente com o compromisso de contribuir para a
construo do processo de conscincia e formao da cidadania, entendido como
exerccio pleno e democrtico de seus direitos e deveres.
O princpio da Educao Inclusiva exige intensifcao na formao de re-
cursos humanos, garantia de recursos fnanceiros e servios de apoio pedaggicos
especializados para assegurar o desenvolvimento dos alunos.
A formao e a capacitao dos profssionais docentes ponto fundamental
para o ensino que atende diferentes especifcidades educativas especiais e que,
para sua efetivao, necessitam de profssionais comprometidos e competentes na
sua ao pedaggica.
A Educao Inclusiva a garantia de acesso contnuo ao espao da escola
por todos, levando a sociedade a criar relaes de acolhimento diversidade hu-
mana e aceitao das diferenas individuais, representando um esforo coletivo
na equiparao de oportunidades de desenvolvimento, conforme registra a Decla-
rao de Salamanca:
156
A prtica educativa: um dos caminhos para a incluso
O princpio fundamental da escola inclusiva o de que todas as crianas deveriam apren-
der juntas, independentemente de quaisquer difculdades ou diferenas que possam ter. As
escolas inclusivas devem reconhecer e responder s diversas necessidades de seus alunos,
acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma
educao de qualidade a todos atravs de currculo apropriado, modifcaes organiza-
cionais, estratgias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade. (BRASIL,
1994a, p. 61)
Diante desse compromisso, preciso que o trabalho de Educao Inclusiva
v sendo implantado gradualmente, para que tanto a Educao Especial quanto o
ensino regular possam ir se adequando a essa nova realidade, construindo polti-
cas, prticas institucionais e pedaggicas que garantam a qualidade de ensino no
s para os alunos portadores de necessidades educacionais especiais, como para
todo o alunado do ensino regular.
Percebendo, ainda, a necessidade de apoio pedaggico especfco para os
alunos que apresentam defcincias, a Declarao de Salamanca tambm d conta
dessa questo: Dentro das escolas inclusivas, as crianas com necessidades educa-
cionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra para o que possam precisar,
para que se lhes assegure uma educao efetiva (BRASIL, 1994a, p. 61).
A escola necessita, portanto, adequar-se ao aluno, providenciando meios e
recursos que garantam efetivamente a sua aprendizagem, entendendo ser funo
dela essa garantia.
Essa viso nos leva a avaliar o que nos parece seguro e certo, evitando as
verdades estabelecidas, alm de nossos preconceitos, para que busquemos investir
em um modo ousado de organizar nossa escola, conforme nos recomendou Paulo
Freire (1995): Precisamos contribuir para criar a escola que aventura que mar-
ca, que no tem medo do risco, por isso recusa o imobilismo. A escola em que se
pensa, em que se atua, em que se fala, em que se ama, se adivinha, a escola que
apaixonadamente diz sim vida.
essa concepo de escola, enquanto espao social, que precisa ser criada,
e nela que precisam estar presentes a ousadia, a criatividade, os sonhos e as di-
ferentes falas, ou seja, preciso criar uma escola que acredita nas possibilidades
de seus alunos.
A prtica pedaggica
Em nossa aula de hoje estamos vendo como a educao vem sendo subme-
tida a novos parmetros e como necessria a reviso de nossas prticas pedag-
gicas no redimensionamento de nossas aes.
Dado pluralismo cultural de nosso alunado, faz-se importante a busca de res-
postas que atendam s necessidades individuais e grupais dessa nova clientela. A
importncia de um currculo que busque tornar os contedos vivos e de interesse do
grupo fundamental, pois o processo educacional precisa estar de acordo com os
alunos concretos, e no para uma viso abstrata, na qual uns podem se desenvolver
e outros no. preciso pensar em um processo que desenvolva a capacidade crtica
e de construo de signifcado, sem perder de vista o ponto de chegada.
157
A prtica educativa: um dos caminhos para a incluso
Um currculo para todos requer a capacidade de apresentar adaptaes aos
que dela necessitarem, porque preciso lembrar que alguns levaro mais tempo
do que outros na execuo das tarefas pedaggicas, o que no signifca que dei-
xaro de alcanar o objetivo fnal proposto pela escola. tempo de conhecermos
outros caminhos, que estaro sendo construdos nesse processo, s vezes mais
longo, porm com chegada em uma determinada produo.
Haver situaes, porm, em que se recomenda as adequaes curriculares,
como forma de atender s especifcidades de alunos com necessidades educativas
especiais, a fm de favorecer a incluso. Essas adequaes devem ser fruto de
avaliaes sistemticas para que possam indicar que modifcaes e ajustes so
necessrios a cada caso. Esse um procedimento gradativo no currculo geral,
que tem por fnalidade encontrar um caminho para uma resposta educativa indi-
vidual, e por ser de atendimento individual signifca que no para sempre, pois
um aluno que hoje necessita dessa adaptao ou de um servio de apoio pode
prescindir dele no ano seguinte. Nesse sentido, uma adaptao curricular dever
ser planejada para um ano letivo, com acompanhamento permanente e avaliaes
sistemticas que indicaro a manuteno ou alterao da mesma.
O trabalho pedaggico em uma Escola Inclusiva deve partir de uma avalia-
o que indique o caminho j percorrido por nossos alunos, apesar dos compro-
metimentos que apresentam, para que as propostas a serem elaboradas sirvam de
horizonte a ser atingido, indicando, ainda, as metas seguintes.
O termo necessidades educativas especiais nos leva a refetir sobre sua im-
portncia no contexto educacional. O que signifca um aluno ser portador dessas
necessidades? Sero, apenas, os que apresentam certas defcincias? Ou sero
todos aqueles que apresentam difculdades maiores que os restantes dos alunos
de sua idade, para cumprir o que o currculo prev? Quer nos parecer que todos
os alunos, que necessitam de um tempo maior ou de caminhos alternativos para
aprender, devem ser considerados como portadores de necessidades educativas
especiais. A escola deve estar atenta a essa questo.
Diante desses novos posicionamentos educacionais inevitvel o aperfei-
oamento das prticas docentes, redefnindo novas alternativas que favoream a
todos os alunos, o que implica na atualizao e desenvolvimento de conceitos em
aplicaes educacionais compatveis com esse grande desafo.
O quadro de diversidade, que se apresenta, exige que a escola apresente
respostas diferentes, considerando que ela quem pode responder necessi-
dade educativa de seus alunos. Nesse sentido, preciso mudar a escola e o
ensino nela ministrado.
Na viso inclusiva, ser tambm necessria a reviso do papel da avaliao,
no cabendo mais o carter classifcatrio, atravs de notas, provas, que dever ser
substitudo por diagnsticos contnuos e qualitativos, visando depurar o ensino e
torn-lo cada vez mais adequado e efciente aprendizagem de todos os alunos.
A escola inclusiva, aberta a todos, ser o grande desafo da educao duran-
te os prximos anos.
158
A prtica educativa: um dos caminhos para a incluso
Concluindo
Sabemos que no tarefa de fcil execuo, porm necessrio que a escola pare para discutir
urgentemente essa e outras questes, j que a inefccia de sua ao tem lhe garantido severas crticas
quanto ao seu fazer pedaggico.
Urge um pensamento crtico por parte dos profssionais da educao quanto funo da escola,
j que no mais possvel escamotear a servio de quem se encontram as posturas educacionais ado-
tadas. A escola precisa assumir seu compromisso poltico junto sua comunidade. Portanto, pensar
criticamente a escola, ter conscincia de que ela o espao da socializao do conhecimento, consi-
derado como um processo de construo permanente da humanidade, que se d por meio das relaes
do homem com a natureza e com outros homens. reconhec-la enquanto instituio socialmente
produtiva, onde as geraes que nela interagem constroem conhecimentos ao longo das experincias
cotidianas.
Caminhar em direo s mudanas necessrias partir para a anlise crtica da estrutura atual
dos sistemas de ensino e da prpria escola. Porm, seria muito importante, nesse momento em que um
novo paradigma educacional se estabelece, que houvesse um repensar sobre a estrutura universitria,
formadora dos profssionais docentes e no docentes, que acabam promovendo a individualizao e a
desarticulao do currculo.
O primeiro passo est dado! A legislao brasileira j deu conta de garantir a Educao Inclu-
siva. E voc j se considera tambm includo nessa grande tarefa?
A sua prtica pedaggica um dos caminhos para o xito de qualquer proposta educacional,
porque mais importante do que prever a incluso manter o aluno na escola. Por isso, evite o uso de
procedimentos que no se relacionam com as expectativas de vida de sua comunidade, pois acabam
trazendo desnimo em nossos alunos, como causam frustraes no campo profssional.
Lembre-se: a proposta de escola inclusiva para todos! Para voc tambm!
1. Voc acabou de ver como os paradigmas levam reconstruo de nosso pensamento pedaggico.
Em sua escola j se trabalha com a Educao Inclusiva?
159
A prtica educativa: um dos caminhos para a incluso
2. Levante os aspectos que mais lhe chamaram a ateno e discuta com seus colegas, buscando
caminhos e/ou solues.
3. Os questionamentos e as dvidas sobre o texto devem ser anotados e discutidos com seus cole-
gas.
160
Escola inclusiva:
as crianas agradecem
A
dcada de 1990 foi rica no estabelecimento de metas sociais para a educao, trazendo cena
os excludos, os menos favorecidos, os portadores de defcincias, os analfabetos, os evadidos
e tantos outros que, por alguma razo, no mais frequentavam a escola ou nunca tinham tido
acesso a ela.
A realizao do Congresso Mundial de Educao para Todos, em 1990, na Tailndia, contribuiu
para que fossem criadas duas metas de importncia capital para uma sociedade democrtica a erra-
dicao do analfabetismo e a universalizao do Ensino Fundamental, comprometendo-se as Naes
que dele participaram, como o Brasil, a promover aes que visassem erradicao do analfabetismo
em um prazo de 10 anos.
Com a realizao da Conferncia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: acesso
e qualidade, realizada em 1994, na Espanha, nasce a Declarao de Salamanca, que representa os
princpios, a poltica e a prtica em Educao Especial. Reforando as metas do Congresso da
Tailndia, a Conferncia assume o compromisso com a incluso, por reconhecer que incluso e
participao so essenciais dignidade humana e ao desfrutamento e exerccio dos direitos huma-
nos (BRASIL, 1994a).
No h como negar a importncia social das metas estabelecidas, na medida em que explicitam
o direito de todos educao, exigindo, com isso, o ajustamento dos sistemas escolares no sentido de
rever paradigmas e melhorar o ensino oferecido.
As trs metas hoje colocadas favorecem a valorizao da escola, reconhecendo ser ela um espa-
o privilegiado para a construo de uma sociedade democrtica, apontando no s para a qualidade
de ensino, como para a possibilidade de contribuir para as modifcaes de atitudes discriminatrias,
j que na escola inclusiva, com a presena das diversidades sociais e culturais, ho de se criar meca-
nismos que minimizem as barreiras elitistas presentes hoje na sociedade.
Essa proposta anuncia que a funo da escola buscar condies para que todos os alunos desen-
volvam suas capacidades para o exerccio da cidadania, entendendo que o termo necessidades educa-
cionais especiais se refere a todas aquelas crianas ou jovens cujas necessidades educacionais espe-
ciais se originam em funo de defcincias ou difculdades de aprendizagem (BRASIL, 1994a).
No entanto, dadas as difculdades em implementar as propostas anunciadas, a Unesco chama
para uma reunio os ministros da educao da Amrica Latina e do Caribe para a realizao da VII
Sesso do Comit Intergovernamental Regional do Projeto Principal para a Educao, em maro de
2001, em Cochabamba, na Bolvia, que originou um documento que reafrma a importncia de se
consubstanciar as metas de universalizao do Ensino Fundamental e a erradicao do analfabetismo,
ampliando o prazo de execuo para 2015.
No Frum Mundial de Dacar, em abril de 2000, foram levantados alguns aspectos de relevn-
cia para o cumprimento das metas estabelecidas, passando a ser conhecida como seis metas para a
educao para todos, adotadas pela Unesco como bandeiras de sua ao e que preveem:
Escola inclusiva: as crianas agradecem
1. expandir e melhorar a educao e cuidados com a infncia, em particular para as
crianas em situao de vulnerabilidade;
2. assegurar para todas as crianas, especialmente meninas, em circunstncias e pro-
venientes de minorias tnicas, o acesso a uma educao primria universal de qua-
lidade;
3. assegurar que as necessidades bsicas de aprendizagem dos jovens sejam satisfei-
tas de modo equitativo, por meio de acesso a programas de aprendizagem apropria-
dos;
4. atingir, at 2015, 50% de melhoria nos nveis de alfabetizao de adultos, em particu-
lar mulheres, em conjuno com acesso equitativo educao bsica e continua da;
5. eliminar, at 2005, as disparidades de gnero na educao primria e secundria e
atingir, at 2015, a igualdade de gnero no acesso educao bsica de qualidade;
6. melhorar todos os aspectos relacionados com a qualidade da educao, de modo a
atingir resultados reconhecveis e mensurveis para todos, em particular na alfabe-
tizao e nas habilidades. (UNESCO, 2003)
As propostas que visam tornar a educao como um dos caminhos capazes
de promover a melhoria da realidade social brasileira tem recebido apoio direto da
UNESCO, no sentido de fornecer ao governo cooperao para o desenvolvimento
de aes direcionadas ao aprimoramento e democratizao da educao em todos
os seus aspectos.
Nesse sentido, duas questes so de fundamental importncia para o xito
da escola inclusiva: a formao dos professores e a proposta poltico-pedaggica
da escola, considerando que sem o conhecimento bsico sobre as diversidades
culturais e sociais desses novos personagens que chegam escola e sem uma pro-
posta pedaggica defnida no h como se manter as crianas na escola.
A poltica de acesso muito mais fcil de ser exercida do que a poltica de
manuteno das crianas na escola, mesmo por um perodo considerado mnimo
necessrio para a aquisio de uma escolarizao bem-sucedida. A proposta de
incluso tem como pressuposto o sucesso de cada criana, por meio da utilizao
de uma pedagogia centrada no aluno, a fm de que se possam ultrapassar as dif-
culdades apresentadas, mesmo com as que possuem desvantagens severas.
Essas questes aqui apontadas indicam a necessidade de uma poltica edu-
cacional que inclua efetivamente a todos, mas principalmente que os mantenha na
escola por um perodo necessrio sua escolarizao.
Formao dos professores
Essa preocupao tambm se encontra contemplada e reforada no docu-
mento fnal de Cochabamba, que em seu artigo 3. fala da insubstitui bilidade do
professor com vista a assegurar um aprendizado de qualidade na sala de aula,
indicando, ainda, a necessidade de se repensar a formao dos professores, con-
forme expresso no documento:
A funo e a formao docente necessitam ser repensadas com um enfoque sistmico que
integre a formao inicial com a continuada, a participao efetiva em projetos de aperfei-
oamento, a criao de grupos de trabalho docente nos centros educacionais e a pesquisa
numa interao permanente. (UNESCO, 2001)
162
Escola inclusiva: as crianas agradecem
No Brasil, esse tema vem sendo discutido sistematicamente nos encontros de
professores desde a dcada de 1980, tendo como referenciais o carter poltico da
prtica pedaggica e o compromisso do educador com as classes populares. Os
debates, nesses primeiros anos, enfatizavam a formao tcnica que envolvesse
tanto o conhecimento especfco de determinado campo quanto o conhecimento
pedaggico, porm, sem desconsiderar a questo poltica do futuro professor.
A preocupao com o fracasso escolar alimentou, ainda, nessa dcada, os
debates quanto aos fatores intraescolares responsveis pela baixa qualidade do
ensino, apontando para o fato de que as escolas precisavam estar organizadas
de forma a neutralizar, o mais que possvel, esses determinantes externos e que,
atravs da competncia tcnica, o professor teria condies de assumir seu com-
promisso poltico.
Essas discusses ocuparam o cenrio educacional durante uma dcada,
sem que houvesse avanos signifcativos no campo terico e na implementao
de aes concretas. Hoje, as discusses continuam centradas na defasagem en-
tre a preparao oferecida pelas escolas/instituies formadoras e a realidade da
atividade prtica futura. inegvel a inadequao desses cursos na preparao
competente de profssionais para o exerccio de suas atividades.
Ser preciso vencer as presses institucionais que difcultam as mudanas,
como ser necessrio que os cursos se voltem para desenvolver o futuro profs-
sional quanto habilidade de identifcar e equacionar os problemas da prtica pe-
daggica. Ser preciso, ainda, que esses cursos, quanto prtica, aliem a teoria
realidade a ser vivenciada. Caso contrrio, continuaremos formando profssionais
com viso completamente desconectada da realidade do cotidiano escolar.
As instncias formadoras dos profssionais da educao escola normal , as
licenciaturas especfcas e as licenciaturas em pedagogia se encontram desarticuladas,
cada uma isolada em seu castelo, apesar de haver proposta de uma base comum
nacional, tida como diretriz norteadora das respectivas grades curriculares, aprova-
da em encontros nacionais promovidos pela Anfope. A formao fragmentada do
professor tem contribudo para uma srie de difculdades na escola, principalmente
na articulao do trabalho pedaggico coletivo e interdisciplinar. Se a formao
acaba apostando na individualizao e na fragmentao do currculo, como querer
que o profssional entenda o trabalho interdisciplinar necessrio escola?
Os professores reagem inicialmente ao trabalho da escola, que se encontra
organizada coletivamente, desprezando a possibilidade de uma educao con-
tinuada em servio, por meio de encontros sistemticos para esse fm, porque
entendem que sua formao em instituies acadmicas j lhe permitiu adquirir
conhecimentos sufcientes para desenvolver seu trabalho profssional. Com isso,
no reconhecem a escola enquanto espao de formulao e reformulao da
prtica pedaggica. O insucesso de seu trabalho, evidenciado pelas altas taxas
de repetncia, muitas vezes no s lhe traz desconforto, como busca entend-
-las como algo externo sua prtica. Tem sido habitual nos cursos de formao
inicial e na educao continuada a separao entre teoria e prtica, ocasionando
uma fragmentao de contedo e de prtica, essencialmente sensvel no fazer
pedaggico da escola.
163
Escola inclusiva: as crianas agradecem
Diante do novo paradigma educacional, que traz novos personagens para a
escola, com uma riqueza de saberes a serem desvelados, muito importante que a
formao dos futuros profssionais d conta de estratgias e alternativas capazes de
instrumentaliz-los para o desenvolvimento de um trabalho profssional competente.
Sabemos, por outro lado, que paralela competncia, a prtica do professor muitas
vezes limitada em relao rotina da escola. Da a necessidade de se sedimentar
conhecimentos que facilitaro o desempenho profssional, em consonncia com o
plano pedaggico coletivo da escola. Plano esse que precisa dar conta das diversi-
dades existentes hoje, considerando que a Escola Inclusiva aposta em um currculo
centrado no aluno, como forma de ajud-lo a superar suas difculdades.
Projeto Poltico Pedaggico
Muito se tem falado e poucas escolas conseguem elaborar o seu Projeto
Poltico Pedaggico, considerando que o conceito e as observaes tcnicas no
foram, ainda, devidamente absorvidas pelo professorado. Ainda encontramos pla-
nos didticos, planos de unidade, planos de disciplinas com nomeao de Projeto
Poltico Pedaggico.
Nesse momento em que se discute a escola inclusiva, urgente que se organi-
ze a escola em prol deste projeto, a fm de buscar a sustentao poltica e pedaggica
das aes que sero desenvolvidas na consecuo de implantar a escola inclusiva.
O Projeto Poltico Pedaggico um planejamento coletivo, com a partici-
pao de todos os envolvidos no processo educacional docentes, funcionrios,
alunos e seus pais, com vista a torn-lo compatvel com os anseios da comunidade
escolar. No possvel pensar em um planejamento que no esteja em acordo com
as aspiraes dos alunos e de sua comunidade. Esse projeto , portanto, o eixo de
sustentao da escola.
Para se elaborar o Projeto Poltico Pedaggico importante que se pense na
realidade global do homem e da sociedade, principalmente a respeito da realidade
do grupo e da instituio que ele integra. Diagnosticar a demanda, isto , verifcar
quantos so os alunos, onde esto e porque alguns no frequentam a escola, um
passo importante para o projeto. No ser possvel a elaborao de um currculo
que refita o meio social e cultural em que se insere, sem que a escola conhea os
seus alunos.
A integrao entre as reas do conhecimento e a concepo transversal das
novas propostas de organizao curricular consideram as disciplinas como meios,
e no fns em si mesmas, e partem do respeito realidade do aluno, de suas expe-
rincias de vida cotidiana, para chegar sistematizao do saber.
Nesse sentido, cresce a importncia de se conhecer a realidade socioeco-
nmico-poltica geral e a realidade do grupo, para que se possam defnir aes
que efetivamente contribuam para a melhoria do homem e da sociedade. A partir
desse conhecimento, prope-se um modelo de ao do grupo para realizar os fns
que se quer alcanar, estabelecendo um modelo de metodologia capaz de realizar
o conjunto de aes propostas pelo grupo.
164
Escola inclusiva: as crianas agradecem
Defnidos os primeiros passos os referenciais flosfcos e o diagnstico
de sua realidade e de seu alunado chegado o momento de se pensar na progra-
mao, ou seja, nas propostas de ao, que devero contemplar as necessidades
apontadas pelo diagnstico.
Como ltimo aspecto, feita a avaliao ao trmino dos perodos previstos
e comea-se a verifcar a concretizao ou as falhas existentes na programao.
nesse momento que se verifcam quais aes foram executadas, que atividades fo-
ram realizadas, se as propostas estavam de acordo com as necessidades do grupo
e se elas promoveram vivncias previstas, bem como se ajudaram na construo
de uma prtica transformadora.
Respondidas as questes, parte-se para a anlise dos resultados e com ela se
colocam as novas necessidades para o perodo seguinte.
Entendendo que a escola o espao social que rene profssionais distin-
tos e recebe uma clientela igualmente distinta, guarda, em si, singularidades que
lhes so prprias, impedindo que o projeto elaborado por uma determinada escola
possa ser utilizado em outra escola. O Projeto Poltico Pedaggico elaborado
para aten der uma determinada clientela, e no outra. Foi pensado por um grupo
de profs sionais e sua comunidade, com vista a dar conta de uma determinada
peculiaridade, e no outra; portanto, ele de exclusividade da comunidade que o
elaborou.
Essa nova proposta traz consigo a necessidade de revisar os papis desem-
penhados pelos diretores e coordenadores, no sentido de superarem o teor contro-
lador e burocrtico de suas funes, pelo trabalho de apoio ao professor e a toda
comunidade escolar. Lembrem-se de que esse trabalho exige o desenvolver de
um esforo coletivo que promove maior autonomia pedaggica, administrativa e
fnanceira escola.
Concluindo
A Educao Inclusiva pea-chave para que o Brasil d conta de sua
responsabilidade junto aos organismos internacionais quanto s metas do Con-
gresso Mundial da Tailndia, como para as contidas na Declarao de Salaman-
ca. Muito se h de fazer para que tenhamos xito na concretizao desse novo
paradigma educacional.
No resta dvida de que o sculo XXI ser rico em debates sobre questes
que possam assegurar a implantao e o desenvolvimento da Educao Inclusiva,
numa perspectiva de que se d ao longo da vida, e que tenha qualidade e princi-
palmente melhore nossa capacidade de vivermos juntos.
Alm das reformas das instituies sociais enquanto tarefa tcnica, a De-
clarao de Salamanca afrma que ela depende, acima de tudo, de convices,
compromisso e disposio dos indivduos que compem a sociedade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional j indica o compromisso
brasileiro com a escola inclusiva, em que garante a matrcula de todos os alunos
165
Escola inclusiva: as crianas agradecem
em escolas pblicas ou privadas. No entanto, no basta a lei. Ser preciso dar con-
ta de viabiliz-la, j que mudar a escola uma tarefa bastante complexa, na qual
apresentam-se vrias frentes de ao, tais como a qualidade da aprendizagem, o
tempo mnimo de escolarizao, a manuteno do aluno na escola, os cursos de
formao, e tantas outras a listar. Nesse sentido, cabe um alerta aos governos, que
no devem se descuidar da valorizao do profssional da educao, que respon-
svel pela tarefa fundamental da escola a aprendizagem qualitativa de seus alu-
nos. H necessidade de se repensar planos de cargos e salrios, concursos pblicos
que deem conta da necessidade funcional e concursos de remoo. A Declarao
de Cochabamba reconhece que alm das tarefas tcnicas e pedaggicas, essa tam-
bm de relevncia, a ponto de constar no prprio documento fnal.
Precisamos considerar com urgncia todos os outros temas que afetam a capacidade dos
professores de realizar suas tarefas em condies de trabalho apropriadas, que abram
oportunidades para o crescimento profssional contnuo: remunerao adequada, desen-
volvimento profssional, aprendizado ao longo da carreira, avaliao do rendimento e res-
ponsabilidade pelos resultados no aprendizado dos estudantes. (2001, item 3.)
Priorizar a qualidade do ensino regular um desafo que precisa ser assumi-
do por todos os profssionais, entendendo que a educao, por si s, no consegui-
r eliminar a pobreza, mas que ela representa a base para o desenvolvimento pes-
soal, tornando-se determinante na melhoria signifcativa da igualdade de acesso
s oportunidades de uma melhor qualidade de vida. (UNESCO, 2001, item 4.)
Como j vimos, embora a nossa Lei de Diretrizes e Bases aponte para a uni-
versalizao do Ensino Fundamental, no estamos perto de encontrarmos escolas
prontas para receber o novo contingente de alunos previsto pela incluso. Segundo
dados do ltimo censo escolar, o Brasil possui, cadastradas, 374 129 (trezentos
e setenta e quatro mil, cento e vinte nove) crianas portadoras de necessidades
educacionais especiais, exigindo, portanto, uma ateno muito especial quanto ao
processo de incluso.
H de se considerar, ainda, que apesar dos esforos governamentais em ga-
rantir o acesso matrcula a todos os que estiverem em condies de frequent-la,
isso no torna garantida a universalizao do Ensino Fundamental, j que persis-
tem as altas taxas de repetncia e de evaso escolar. Isso signifca que nem todas
as crianas completam a educao bsica, no adquirindo, portanto, uma escola-
rizao que lhes permita acesso ao mundo do trabalho.
Apostar na Educao Inclusiva acreditar que seremos capazes de contri-
buir para uma transformao social, que trate efetivamente a todos dentro dos
princpios da igualdade, da solidariedade e da convivncia respeitosa entre os
indivduos. Acreditar no processo de incluso viabilizar a possibilidade de se
buscar alternativas de permanncia do aluno na escola, respeitando seu ritmo de
aprendizagem e elevando sua autoestima. banir em defnitivo o hbito de ex-
cluir, que tanto tem empobrecido a sociedade brasileira. reconhecer que somos
diferentes, mas que devemos ter as mesmas oportunidades de acesso a uma vida
melhor. permitir que cada indivduo possa entender como se do as relaes de
poder na sociedade e possam exercer seu papel cidado, enquanto contribuintes,
na construo de uma nao solidria. Nossas crianas agradecem!
166
Escola inclusiva: as crianas agradecem
Em nossa aula de hoje voc teve a oportunidade de conhecer o histrico do processo de inclu-
so, bem como as etapas que precisaro ser revistas em nosso cotidiano escolar.
1. Em sua escola o processo de discusso j comeou?
2. Voc conhece alguma escola que j est recebendo os novos alunos? Busque junto a seus cole-
gas quem j est experimentando esse processo de incluso e registre a seguir.
167
Escola inclusiva: as crianas agradecem
3. Anote os pontos que mais se destacaram em sua leitura e discuta junto com seus colegas.
168
Concluindo
Prezados colegas,
Chegamos ao fm de mais uma etapa de nossa vida acadmica, esperando que os textos
que compuseram os estudos relativos aos Fundamentos Tericos e Metodolgicos da Educao
Inclusiva/Educao Especial possam ter provocado discusses necessrias ao fortalecimento de
seu trabalho profssional.
A crena de que possvel mudar nos tem levado a buscar alternativas viveis para uma ao
consciente de nossa responsabilidade formar geraes futuras para esta nao. Nesse sentido, por
termos em nossas mos o gerenciamento, a produo e a ao do ato pedaggico, se faz necessrio
entender que a contribuio para as mudanas na educao brasileira, depende de ns, essencialmente
de ns. Lembram-se da cano de Ivan Lins e Vitor Martins sobre esse tema? Aproveitem a opor-
tunidade para cantarem esta msica, cuja letra nos incentiva a avanar, nos instiga a construir um
mundo melhor e que acredita em nosso trabalho como ponte entre o sonho e a esperana de um novo
horizonte!
No deixe de fazer a sua parte!
Suely Pereira da Silva Rosa
Depende de ns
Quem j foi ou ainda criana
Que acredita ou tem esperana
Quem faz tudo para um mundo melhor
Depende de ns
Que o circo esteja armado
Que o palhao esteja engraado
Que o riso esteja no ar
Sem que a gente precise sonhar
Que os ventos cantem nos galhos
Que as fores bebam o orvalho
Que o sol descortine mais as manhs
Depende de ns
Se esse mundo ainda tem jeito
Apesar do que o homem tem feito
Se a vida sobreviver
Que os ventos cantem nos galhos
Que as fores bebam o orvalho
Que o sol descortine mais as manhs
Depende de ns
Quem j foi ou ainda criana
Que acredita ou tem esperana
Quem faz tudo para um mundo melhor
Depende de ns
Depende de ns
Depende de ns
de ns, de ns, de ns.
Concluindo
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