KISHIMOTO, T.M. Cultura Lúdica Como Parte Da Cultura Da Infância
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"Cultura ldica como parte da cultura da infncia"
Cultura ldica como parte da cultura da infncia A cultura algo peculiar, relativo s
atividades humanas, produes, formas de expresso, comportamentos e instituies sociais
gerados, processados e formatados por um tempo particular (Mouritzen, 1998). A cultura
construda sobre a infncia, emerge forte desde o sculo passado incluindo adultos e
crianas. Crianas vivem com adultos e partilham da cultura. Suas atividades e redes de
comunicao, so todas culturas infantis no sentido amplo de cultura. Entre as diversidades da
cultura infantil, destacam-se a esttica, as formas de expresso simblica, que a cultura do
brincar. A cultura infantil do brincar diferencia-se de outros tipos de cultura da criana (Mouritzen
1998): 1 Cultura produzida para crianas por adultos, como literatura infantil, drama, msica,
TV. vdeo, jogos de computador, brinquedos, doces e propagandas nas formas de produes
culturais, de melhor qualidade, e na indstria cultural para criana. 2 Cultura com crianas,
onde adultos e crianas, juntos, fazem uso de vrios recursos e tecnologias culturais, e 3
Cultura infantil, a cultura, ldica, que a criana produz com seus pares, como jogos, contos,
msicas, rimas, movimentos e sons. A cultura infantil est relacionada com os diversos
conceitos de infncia construdos pela sociedade em diferentes espaos e tempos:
possibilidade; vir-a-ser, algo incompleto, malevel; inferior; que no merece considerao
(Becchi, 1998); dependente da famlia, da me(Cambi, 1999) e, desde o sculo XVIII, o brincar
(Brougre, 1995). A cultura do brincar no existe em forma fixa, como um produto, mas como
um processo situado. Para se iniciar o brincar, a criana precisa de certas habilidades: um saber
e um estoque de expresses. O brincar requer um espao cultural supra-individual. Brincar no
to simples como se pensa. Muitas formas expressivas requerem anos de prtica diria, como
as msicas acompanhadas de palmas que florescem na cultura de meninas de 6 a 10 anos.
H aspectos de gnero, classe social e etnia na cultura do brincar. Meninos e meninas tm
diferentes tradies, lugares e atividades de brincar, que so construdas pelas culturas locais. A
eqidade de gnero, entre meninos e meninas desejvel para que se possa usufruir de todas
as modalidades do brincar, sem discriminao. Jogos em diferentes culturas tm somente
alguns modos em comum. A cultura do brincar local e global. Crianas brincam em qualquer
lugar e brincam diferentemente em todo lugar. No entanto, a rede de comunicao oral ampla
e rpida. Uma forma de brincadeira divulga-se rapidamente, como ondas, em redes, mas
provm de um background comum, passando por diferentes meios, em crculos orais
surpreendentemente eficientes. A experincia vivida pelos brincantes permanece como
substncia social da memria que costura e pontua ( Bosi, 1994) os espaos ldicos.
Definir o brincar no tarefa fcil. Wittgenstein (1975), Henriot (1989), Brougre (1995) e
Kishimoto (1996) mostram a polissemia deste conceito, que varia conforme concepes e usos
de cada cultura. Da mesma forma, classificar jogos tarefa complexa. Talvez por essa razo a
falta de uma classificao do folclore brasileiro registrada por Melo (1979). A classificao de
Caillois (1958) mostra a dificuldade que emerge na contraposio de opostos: Agon
(competio), Alea ( sorte), Mimicry (simulacro) e Ilinx (vertigem) apresentam dimenses que se
organizam em plos antagnicos vistos como Paidia e Ludus. O entendimento ateniense de
Paidia, como Ilinx, vertigem, uso do corpo para o prazer, expresso, diverso, fantasia e
improvisao o oposto de Ludus, entendido como a escola em que se aprende a representar,
onde se fazem clculos, combinaes, onde se experimentam jogos regrados e competies. O
embate no jogo tem longa data, desde a liberdade da Paidia ateniense e o controle do Ludus
. Desde tempos remotos a tradio preserva a brincadeira tradicional, que inclui a popular,
mas nem toda brincadeira popular tradicional. A literatura folclrica totalmente popular, mas a
produo popular que permanece na contemporaneidade no folclrica. pela antigidade,
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persistncia, anonimato e oralidade que se caracterizam as brincadeiras da tradio infantil
(Humbert, 1983; Kishimoto, 1993). a memria coletiva, annima e contnua que preserva o
popular e garante sua sobrevivncia. A brincadeira tradicional resulta de prticas antigas de
construo de brinquedos com materiais naturais e de uso domstico, trechos de poemas, que
acompanham brincadeiras de pular corda, movimentar pernas, ps e mos ou jogar pedrinhas,
de personagens da Histria que a simpatia popular divulgou, de partes de canes, que, pela
memria coletiva, descaracterizam-se, recebendo elementos da cultura local, que fundamental
para sua preservao. O parentesco entre as brincadeiras resulta em variantes que podem
trazer as cores locais, algum modismo verbal, um hbito, uma frase, denunciando, no espao,
uma regio e, no tempo, uma poca, como diz Medeiros (1958, p. 34). brincando que se
aprende o brincar. jogando que se aprendem as regras do jogo. Enquanto o popular
caracteriza-se pela geografia, diversidade espacial, que influencia a forma de objetos, materiais
e artesanato, o tradicional, pela temporalidade, incluindo partes de canes, poemas, contos,
prticas em desuso de adultos, que se tornam continua e persistentemente objetos do brincar
infantil. O esprito do brincar visvel desde os antigos gregos e em muitas culturas tribais.
Contemplar os deuses brincando, constri a viso de que o brincar faz parte da vida divina
assim como os embates em que se envolvem. O esprito do brincar pode enfatizar dualidades,
como o conflito e a paz, a ordem e a desordem, a racionalidade e a irracionalidade e a
espontaneidade e o controle. O esprito do brincar que predomina no Brasil do incio do sculo
XX, descrito por Gilberto Freire, revela preconceitos de gnero e o poder do grupo hegemnico,
no brincar de meninos brancos, de ser dono de engenho de acar, de sinhs, pelas meninas,
como amas. H registros da violncia do sistema escravocrata como reproduo de valores nas
competies de pipas com uso de vidros e cerol e outros similares nas brincadeiras de beliscar
. Mas essa forma de anlise contradiz o brincar que sempre uma situao imaginria em que
se constroem significaes que no se relacionam diretamente com a realidade externa
(Kishimoto, 1993). O estatuto do imaginrio liga-se mais ao poder do brincante de criar
realidades mentais e no a realidades externas, vividas pela comunidade. Brincar de ser
mocinho ou bandido no torna ningum mocinho ou bandido. Da mesma forma, brincar de ser
mdico ou piloto, no define a profisso do futuro brincante. O modo de vida das
populaes, fruto da industrializao, do avano tecnolgico e das cincias e ocupao urbana,
modificam o espao e o tempo do brincar. J no se pode imaginar a agitao do brincar, em
espaos pblicos, integrando crianas de idades diversas com adultos, como se v na tela de
Bruegel (1560). As crianas saem da rua, ocupam espaos nas casas, dispem de brinquedos
e o brincar e os brinquedos viram coisas de criana. Essa a nova viso que a sociedade
constri a partir do sculo XVIII. O brincar, confinado e supervisionado, visa eliminao de
elementos indesejveis. Historicamente, o brincar, pouco importante no incio, torna-se idealizado
como conduta de criana, crescentemente controlado por instituies, como escolas, esporte,
brinquedos e TV. As teorias do brincar se basearam na disjuno criana adulto. Sutton-Smith
(1986) alerta para o controle do brincar, ao longo da histria, seu uso para outros fins, como o
religioso, pedaggico e poltico, viso que nega a possibilidade de o brincar enfrentar o poder.
As caractersticas apontadas por Huizinga (1951), Caillois (1958 ) e Sutton-Smith (1986) como
tomada de deciso, ato voluntrio e poder do brincante esto ausentes. O conceito do brincar
como uma experincia tima, em profundidade, como um fluxo que o prprio sujeito controla,
quando entra e sai do brincar, que gera o envolvimento, caracterizado por uma atitude de
concentrao, foco, reao imediata, controle de suas aes, autoconfiana, energia, percepo
da durao alterada, parece coadunar-se com os novos tempos. O conceito de fluxo, de Mihahy
Cikszentmihayi (apud Brougre, 2005, p.99), por representar no s uma vivncia, mas uma
experincia otimizada, coloca o sujeito em nvel de envolvimento profundo, dando-lhe o
controle. Basta, para isso dispor de um acervo de brincadeiras, flexibilidade e comunicar-se.
esse novo esprito dos tempos que se quer criar. Sutton-Smith (1986) mostra que o brincar,
fruto de construo social, assume caracterstica principal de ser ato binrio, paradoxal, que
ope, por exemplo a liberdade e o controle, mas admite que importante deixar a criana
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expressar seus desejos e no control-la. Quando se decide compartilhar a cultura com outros,
aprendem-se e ensinam-se brincadeiras nas quais se utilizam habilidades, cooperao,
interao. A interao entre os brincantes de culturas distintas no pretende a apropriao e a
integrao das brincadeiras, com a perda das especificidades culturais. Divulgar variantes evita
prticas de dominao. Conhecer as diferentes formas de brincar e especificar as regras de uso
para cada cultura respeitar o outro, a cultura original. a interculturalidade (Kincheloe, 1999)
que se busca. A bola como objeto ldico desde tempos remotos mostra a diversidade de
usos e significaes que permanecem at os dias atuais. Rasmussen (2003) investiga as razes
da preferncia por esse brinquedo, examinando o movimento da bola, suas funes na mitologia
e contos de fadas para revelar seus mistrios. Na mitologia antiga, a bola aparece como smbolo
do poder dos deuses e controle sobre o homem e nos contos, como meio de aproximar
amantes. Nos tempos modernos, a forma de mover, subida e queda so smbolos da existncia
humana. O fascnio da bola tem a ver com sua forma redonda, o que levou Froebel (1897) a
eleg-la como o centro de sua teoria pedaggica. A bola tem o mgico poder de colocar o
corpo em movimento. Ao rolar, voar ou pular, uma imagem arquetpica do brincar
profundamente enraizado no corpo humano (Rasmussen, 2003). A ontologia do jogar
explicitada por Gadamer, em Wahrheitt und Methode (1965, apud Rasmussen, 2003, p. 157):
Todo jogador um ser jogado. O dinamismo com que o jogador se envolve com a bola cria um
processo cclico contnuo, que dificulta o posicionamento de ambos. O jogar, neste caso, tem
dois plos: o homem e a bola. No possvel diferenciar sujeito e objeto. Jogar sempre jogar
com algum ou com alguma coisa, que tambm joga com o jogador, diz Buytendjk (1922, p. 118,
apud Rasmussen, 2003, p. 158). Para Rasmussen ( 2003), na dialtica entre o mover e ser
movido est o fascnio e o mistrio da bola, razo pela qual a mitologia clssica considera a bola
brinquedo dos deuses. Para Rilke, no sculo XX, a bola, com seu movimento imprevisvel,
torna-se o smbolo do homem moderno na sociedade sem deuses. Nos tempos pr-
colombianos, no Mxico, deuses definiam a geometria da cidade, a agricultura e as oferendas
humanas. Nas terras ridas de Sinaloa, povos sedentrios dependiam das chuvas para as
plantaes. As semeaduras e colheitas eram presididas pelos calendrios e rituais rigorosos.
Pedia-se gua aos deuses e, para obt-la, os guerreiros empenhavam suas vidas no jogo, onde
os vencedores talvez fossem sacrificados. Seu sangue fertilizava o solo e o jogo ritual culminava
com o prmio aos eleitos (Uriarte, 1982). Jogar a bola, semelhana dos povos pr-
colombianos, conforme prticas milenares, com os braos, coxas, antebrao ou mo
caracterizam os diferentes pertencimentos culturais. Nas terras fronteirias de Beira Alta e
Trs-os-Montes, de nossos irmos portugueses, a pelota, do latim pilota ou pila, significa pla,
pequena bola. A origem da pelota remonta Idade Mdia e est relacionada com o jogo da pla
(jeu de paume) praticado na Frana, com duas variantes: pla comprida e curta. A comprida, de
origem rural, com razes no culto solar, era jogada ao ar livre. A bola era golpeada mo nua,
depois com raquete. A pla curta jogava-se em espaos cobertos, nas paredes, como na
Espanha, na regio basca, nas paredes das igrejas (Serra, Camera e Veiga, Pires, 1989). Os
jogos de bola eram praticados na Frana, em festividades da Igreja, desde o sculo V, e, na
Inglaterra, aps o sculo XII, no perodo carnavalesco, em batizados e casamentos. No final do
sculo XIV, comea na Frana a construo de salas para o jogo da pla. O jogo tradicional
participa da cultura popular pelo processo coletivo de criao e recriao, baseado na herana
acumulada. O jogo de bola exemplo desse dinamismo, comunicado de um grupo social a
outro. Despojado do sentido mtico-religioso do passado, responde necessidade coletiva da
recreao. A transmisso desse jogo entre as famlias e as crianas cria o processo de
resistncia da cultura popular, que se transforma em tradio. Muitos pases continuam a manter
essa tradio como na Noruega e Dinamarca, do uso do jogo da bola contra a parede: peg-la
com uma ou duas mos, bater palmas, deixar repicar no cho, passar por baixo da perna, ficar
de costas e jogar por cima da cabea, regras similares s prticas nos muros de igrejas .
Brincadeiras de acertar a bola em crianas do time adversrio, queimada, no Brasil,
kannonball/doedbold, na Noruega e Dinamarca, dodge ball, no Reino Unido, e dochiball, no
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Japo, so muito semelhantes, mostrando aspectos da universalidade dos jogos. O docciball
nada mais que a pronncia recriada de dodge-ball do Reino Unido. Toshiro Hanzawa (1980),
na obra History of Culture in Childrens Play Activities, menciona o dodge-ball como brincadeira
tpica do perodo de 1950 a 1970 no Japo. Segundo o folclorista japons Kunio Yanagida (in
Sato, Kobayashi, Nakamura, Ogawa,Tada, s/d/), as crianas no brincam exatamente da mesma
maneira que seus antepassados, porque modificam regras, para dar prazer, acomodar
participantes ou atender a objetivos do momento. A maioria das brincadeiras tradicionais
japoneses foram popularizadas na era Edo ( sculos XVII e XVIII). Algumas provm da era Nara
( sculos VIII a XIX a. C, e era Heian, sculos XIX a XI). O Janken ( tesoura, papel e pedra) o
exemplo mais claro de preservao: a frmula de seleo dos jogadores veio com a imigrao
japonesa no Brasil, em 1908. Muitas brincadeiras tradicionais que envolvem bater palmas,
janken, origmi fazem parte das brincadeiras familiares e da rotina de atividades nos jardins de
infncia japoneses, que tm como proposta o brincar livre (Kishimoto, 1997). A frmula de
seleo conhecida como Joquem P, embora originria do Japo, foi divulgada, no Projeto,
por um no nikei do nosso pas, o que mostra a forte penetrao da cultura japonesa, divulgada
por 1% de sua populao. A reconstruo, no processo da oralidade, visvel na diversidade de
registros : Joo quem ps, Jonquem P, Joquem P , Janquem P, nomes que definem o
pegador em jogos que envolvem aes de correr. A tradio da brincadeira de correr
Darumasan ga koronda incorporada na rotina dos jardins de infncia em Oginaka, para
crianas de 5 anos de idade, e o origmi, para as de 3 e 4 anos, aparece na programao em
1978. O calendrio de festas e eventos anuais estimula a preservao das brincadeiras
tradicionais. O origmi, desde tempos antigos, faz parte dos rituais xintostas e budistas como
oferenda e ornamentao, prtica que se prolonga at os dias atuais e muito comum nos jardins
de infncia froebelianos ( Early Childhood Education and Care in Japan, 1978). Dobrar o tsuru, a
dobradura mais representativa da cultura japonesa, fcil, quando se aprende desde pequeno a
dobrar papis. Muitas brincadeiras de movimento so acompanhadas de cantigas.
Darumasan ga koronda (Japo) utiliza a parlenda do Daruma, monge indiano, o fundador do
Zen-Budismo, que veio da China em 520 a.C (Baten,1995). Nos tempos atuais, o boneco
Daruma, com um dos olhos sem pintura, presenteado a quem quer uma graa e, quando a
consegue, deve pintar o outro olho. Entre as brincadeiras divulgadas pelo Brasil encontra-se o
jogo pr-histrico conhecido como cinco marias, trs marias, jogo do osso, onente, bato, arris,
telhos, chocos ncara, etc. Na Antigidade, os reis o praticavam com pepitas de ouro, pedras
preciosas, marfim ou mbar. As cinco marias, no Cariri, regio nordestina do pas, so
chamadas de jogo do xibiu. Os tentos com que as meninas jogam no so pedrinhas, como em
Fortaleza e outros lugares, mas de coco de macaba, palmeira da regio. O fruto, com casca
dura e quebradia, recoberto de polpa amarela, cheirosa e pegajosa, de sabor muito
apreciado pela meninada. Quando a macaba seca ao sol ou quando ruminada e expelida pelo
gado, forma o xibiu, que serve para os bilros das almofadas de rendas e como tento. Conforme a
quantidade dos tentos que se pegam na mo empalmada ou outras manobras com a mo, as
denominaes variam: bota-mo ( todos os tentos), pinga ( pegar todos, um a um); ouvinho
(curvar a mo antes de jogar), paia ( curvar a mo e passar o tento); chuveiro ( juntar os 12 tentos
na mo), dedinho ( pedras entre os dedos da mo (Figueiredo Filho, 1966). O brincar com xibiu
mostra o vigor da cultura caririrense. Brincar com pedra ou saquinhos recheados com feijo,
arroz ou pedrinhas acompanhado de versinhos prtica de vrios pases. Crianas, filhos de
imigrantes japoneses, brincavam de saquinhos, acompanhadas de cantigas infantis. No Brasil, a
cantiga Escravos de J, variante do Distrito Federal (Castro, 1958), acompanha o passar da
pedrinha, ao ritmo da parlenda. Variaes de partes da cantiga evidenciam aspectos da cultura
local. Nota-se a circularidade das experincias ldicas, fruto da hibridao de culturas, na
similaridade dos jogos de movimentos, em que os participantes se colocam em fila, como o
brobrobrille, brincado na Noruega e Dinamarca, conhecido no Brasil como bomboquinha.
Denominaes locais marcam a especificidade, mas a universalidade continua presente nas
regras do brincar. A literatura oral abrange uma diversidade de produes literrias para os
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que ainda no lem, desde histria, canto popular e tradicional, danas de roda, ronda e jogos
infantis, cantigas de embalar, entre outras. As cantigas de roda tm verses diferentes, conforme
as regies ou locais. Fui Espanha, utilizada pelos jovens brasileiros, incorpora versos de
outras cantigas. Corre, corre, cavaleiro, Vai na casa do el-rei Vai buscar o meu
chapu Que eu vim e l deixei. (Alvarenga, 1946, p.126) O castelo pegou fogo So
Francisco deu sinal Acode, acode, acode A bandeira nacional. (Alvarenga, (1946,
p.127): A prtica de substituir versos, palavras ou frases aparece na cantiga Atirei o pau
no gato, em que o berro se transforma no miado do gato ( Castro, 1958, p. 11), em Fortaleza.
Brincar de rodar o pio, prtica antiga e universal, aparece nas pinturas de vasos gregos de 2500
anos. No Brasil ,tal prtica ocorre em todos os Estados. Em muitas localidades joga-se o
pio, acompanhado de pequenos versos. Quando a fieira d um n e o pio fica prisioneiro no
prprio cordo, surge o amarra o bode ou mata-cobra. A prtica do racha com o pio
comum em vrias partes do Brasil. No Pio Nica-do-Racha, as nicadas so as bicadas. H
pies feito de brejava, porongos ou cabaas, na tribo Taulipango. No incio do sculo XX, eram
feitos de tatami redondo e oco com um furo em um dos lados. Em ngulo reto, a bola
atravessada com um pauzinho duro e vermelho, fixado com cera preta (Kishimoto, 1992). A
cantiga Twinkle, twinkle, little star, baseada em poema das irms Jane e Ann Taylor, 1806 , de
Colchester, Inglaterra, um poema antigo que faz parte do repertrio das crianas inglesas. Em
Alice no pas das maravilhas, de Lewis Carroll (1865), o personagem Chapeleiro, parodiando
a primeira estrofe do poema, substitui Pisca , pisca, estrelinha, por Pisca, pisca, morcego,
um jogo de palavras, to ao gosto das crianas. A pardia parece ter relao com fato ocorrido
na universidade, de um morcego voador de brinquedo que saiu voando e caiu na bandeja de
ch, o que reitera o ato ldico como situado no contexto (Carroll,2002, p. 71,72). Frre
Jacques, cantada em vrios pases, conforme informante da Frana, datada do sculo XVII,
evoca a preguia dos monges, que despertam ao soar dos sinos. O nome Jacques vem dos
religiosos jacobinos que davam suporte aos peregrinos. Na Inglaterra, Brother John e, na
Colmbia, Seor Jacob. A substituio dos personagens locais que d identidade cultural
brincadeira. Esse poder tpico dos brincantes de fazer modificaes e criar verses desenvolve a
atitude ldica, a experincia profunda de tomar deciso e fazer valer suas intenes. Outras
brincadeiras interativas entre a me e a criana pequena envolvem movimentos de dedos e
mos, acompanhados de cantigas, como Litte Peter Edderkop, que encanta as crianas
dinamarquesas .Aranhas que sobem pelas paredes ou pelo corpo das crianas,
acompanhadas pela cantiga A Dona Aranha, fazem parte do repertrio brasileiro semelhana
de Incy Wincy Spider, na Noruega. A poesia e o jogo destinam-se a estabelecer formas de
imaginao e de expresso, por meio de palavras e gestos, evidenciando a tenso da emoo
expressa em atos comunicativos ( Huizinga, 1951). A antigidade dessa modalidade de
brincar atestada por Susan Blow (1897), divulgadora das brincadeiras interativas dos tempos
froebelianos, do sculo XIX , que mostra como os versos cantados acompanhavam os
movimentos ritmados das crianas e suas mes, bastante similares s descritas pelos jovens do
Projeto. Entre as brincadeiras conhecidas universalmente, a amarelinha tem inmeras
variantes, conhecidas no Brasil como mar, sapata, avio, academia, macaca, na Dinamarca,
hinke, na Frana, marelle e, na Gr-Bretanha, hopscotc, uma forma do antigo jogo romano dos
odres, em que os jogadores, untados com azeite, saltam, num p s, sobre sacos feitos de pele
do bode. Brincadeiras de movimentos, como corrida, pular corda, pular o elstico, fazer fila,
brincar com pernas, ps e mos, pega-pega, esconde-esconde, comuns em todas as partes do
mundo, carregam elementos simblicos. O esconde-esconde tem associaes simblicas com
Dionsio, o menino deus. Conhecido no Brasil, como picol, manja, manjar, mancha, pilha e
moamb, sua regra bsica a perseguio: um pegador e outros devem correr ou esconder-se
para no ser pegos. O confronto, tpico deste jogo, leva a imaginao infantil a buscar
personagens em sua cultura: na Inglaterra, a perseguio de animais, como baleias e golfinhos,
na Dinamarca, a disputa entre mulheres casadas e vivas. No Brasil, nos tempos da escravido,
a brincadeira Capito do Mato agarra a negra ou Nego fugido configura o jogo de
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perseguio. Hoje, as crianas brincam com personagens do mundo fantstico ou de traficante e
polcia ( Kishimoto, 1993). Ainda h variaes em que o pegador indica uma cor para ser
procurada, como elefante colorido, no Brasil, e Strega comanda colore, na Itlia. Os
jogadores geralmente desconhecem o motivo que, no passado, originou o jogo. No obstante,
persiste a recordao de como jogar, baseado na vida cotidiana, memria coletiva que se torna
individual. Ao conservar uma tradio, cria-se a possibilidade de projetar o jogo para o futuro.
Muitos povos mantm suas tradies pela oralidade. Os relatos, mitos, lendas, contos e crnicas
no escritas constituem a memria histrica de coletividades humanas e a substncia social da
memria de cada brincante ( Bosi, 2003). A perenidade das brincadeiras similar narrativa
que tece o fio da memria e da vida, de gerao em gerao, como a dos galos que tecem as
manhs de Joo Cabral de Melo Neto, o nascimento do neto que tece o fio das brincadeiras da
infncia de Portinari, dos tempos de Brodsqui, dos pies, pipas, pula-sela. difcil explicar
como as brincadeiras foram tecidas e tornaram-se tradicionais, devido ausncia de
documentao, mas a tessitura, continua oferecendo aos jovens e s crianas a oportunidade de
dar seqncia ao processo, tecendo o brincar, como Rapumzel fez com suas tranas. Se os
contos de fada criam os primeiros narradores, a cultura infantil de annimos brincantes perpetua
a cultura ldica. Essa tarefa requer elementos, como mitos, rituais religiosos, romances, contos
e prticas diversas, abandonadas por adultos, que se transformam em expresses ldicas, mas
que s se tornam fato social pelo contato entre brincantes (Brougre , 1995). O contar e o
brincar so da esfera da pacincia e da preguia. Lafarge (2000) reivindica o direito preguia
e bordadeiras mineiras representam a cultura ldica, bordando pacientemente os pontos que
fazem a trama do brincar. O tempo do brincar outro, no se olha o tempo passar. Numa
sociedade em que tempo dinheiro, o tempo da narrativa e do brincar o no-tempo, que
envolve o cio ( Puig, Trilha, 2004). Como no fio da histria, a cultura ldica faz a tessitura
com a imaginao, caracterstica universal do brincar. O ldico s existe, quando brincantes
assumem significados simblicos em situaes comunicativas. Para Bateson (1998), isso
jogo, o sinal para a entrada no mundo imaginrio. Com qualquer coisa, elementos da
natureza, restos da construo, complementa Benjamin (1985). Hoje, reivindica-se o brincar
como direito de toda criana, sem limitaes de etnia, classe social ou gnero, pois o brincar no
tem sexo, no tem hierarquia social nem barreiras culturais. Quando crianas e jovens divulgam
suas formas de brincar , comunicam-se e divertem-se, ampliam sua cultura e contribuem para
tecer o fio dessa cadeia, prtica que gera um registro da memria, que, pela transmisso da
oralidade , projeta o jogo para o futuro. Referncias Bibliogrficas ALVARENGA,
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Palavras-Chave Cultura , Criana, Ldica
Autor Tizuko Morchida Kishimoto