C LASSLS SOCIAIS

.vtovio ergio .tfreao Cvivarae.

Central para os estudos de estrutura, organizaao e estratiica-
ao social, o conceito de classes sociais` emerge com a nascente
academia brasileira. Lm 1942, Donald Pierson caracteriza o Brasil
como uma sociedade multirracial de classes`, ou de grupos sociais
abertos -ao contrario de sociedade de castas, que sao grupos echa-
dos, ou de estados`, grupos mais comunais que societarios ,Pierson
1942, 1945,. Lstas distinoes, introduzidas por 1onnies ,1966, e
\eber ,1968,, oram posteriormente reelaboradas pela sociologia
americana c popularizadas em manuais de sociologia.
Nos anos 40, a reista ociotogia, editada pela Lscola de Socio-
logia e Poltica de Sao Paulo, seriu de eculo para o primeiro
debate terico sobre classes sociais, na nascente sociologia brasilei-
ra ,Pierson 1945, 1948, Pinto 1946, lernandes 1948, \illems 1948,.
De um modo geral, o debate opos, de um lado, aqueles que,
como Pierson e \illems, iam as classes` como meros estratos
sociais, dotados de conscincia e sociabilidade prprias1 e, de ou-
J. Seguindo as orientaes traadas nos estudos de Yankee City por Lloyd
Warner. Ver Gordon (J9S0).
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E DC C
tro lado, aqueles que, como Pinto e lernandes, iam as classes
como estruturas sociais que condicionaam as aoes coletias nas
sociedades capitalistas. Para os primeiros, classe social` era um
conceito aplicael a qualquer sociedade humana, um simples sino-
nimo para camada social`, distinguindo-se apenas de outros tipos
de estratos pelo grau de mobilidade ou solidariedade que proporci-
onaa.2 Para os segundos, as economias ocidentais capitalistas te-
riam se encarregado de destruir as sociedades de castas e de esta-
dos, anteriormente existentes, de tal modo que a sociedade de
classes passou a condicionar a sociabilidade prpria a modernida-
de e ao capitalismo ocidentais.
Lm jogo, estaam mais que as concepoes de duas tradi-
oes disciplinares -a antropologia rer.v. a sociologia -ou meto-
dolgicas -os estudos de comunidade rer.v. os estudos histri-
co-estruturais. 1rataa-se de deinir o objeto mesmo da relexao
sociolgica no Brasil. No dizer de llorestan, a sociologia tinha
como objeto undamental, o conhecimento da origem, da estru-
tura e da dinamica de sociedades de classes` ,lernandes, 1948:
93,. No Brasil, o ob;eto da sociologia seria, pois, undamental-
mente, o desenolimento de uma sociedade capitalista entre ns,
ou -o que em dar no mesmo -o desenolimento de uma
sociedade de classes ou, simplesmente, o ae.evrotrivevto.
O debate entre estas duas ormas de compreender e utilizar
o conceito de classes sociais ,como conceito descritio, por um
lado, ou como conceito explicatio, por outro, entra os anos 60
com o claro predomnio daqueles que consideram a avati.e ae
cta..e central para a explicaao sociolgica . A avati.e ae cta..e um
estilo de explicaao sociolgica que se undamenta no princpio
de que a estrutura social e sua reproduao dependem, undamen-
2. Podemos subdividir esta corrente cm duas: havia os que prescindiam de
problematizar as classes, e havia os que buscavam, em seus trabalhos de
campo, compreender a organizao social atraves da estratificao em clas-
ses das comunidades estudadas (Cndido, J947, Willems, J948a).
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tal mente, da aao das classes. 1al esdlo de azer sociologia con-
siste, basicamente, em interpretar e explicar um enomeno social
qualquer a partir do comportamento e das atitudes de atores
coletios, reeridos, direta ou indiretamente, as classes sociais,
prescindindo ou nao de atores indiiduais.
E
Se a sociologia brasileira, em seus primeiros anos, principal-
mente na dcada de 30 e 40, era ainda uma sociologia tributaria
daquela eita em Chicago, cuja ora se mostraa nos estudos de
comunidade, logo em seguida, a partir dos meados dos 50, or-
mar-se-a um grande consenso terico, que transormara o pro-
cesso de industrializaao em etavavavv onipresente de todos os
enomenos sociais brasileiros. 1al paradigma se consubstancia na
idia de transiao, seja do tradicional para o moderno, seja do
patrimonial para a ordem social competitia, seja do escraismo
para o capitalismo, seja do capitalismo mercantil para o capitalis-
mo industrial.
Neste contexto terico, serao as classes sociais os principais
agentes e o seu conceito a principal erramenta da sociologia. A
prpria idia de sociologia passa a ser associada ao conhecimen-
to de uma estrutura ,a estrutura social, regida por leis cienticas
e, portanto, racionalmente compreensel, mas totalmente opaca
ao entendimento dos indiduos qva atores sociais. As relaoes
sociais engendradas pelo processo de industrializaao serao ala-
das, portanto, a principal objeto da pesquisa sociolgica, mas
tambm -numa petiao de princpios eidente -a condiao de
explicaao mais plausel para os enomenos mais diersiicados.
Os anos 60 assistiram ao aano da teoria das classes e a
consolidaao da inluncia do marxismo, e de todas as ormas de
explicaao estrutural, na Sociologia brasileira.
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A ontade de desenolimento economico e social passou,
cada ez mais, a incular-se a uma expectatia de que as classes
. o c i a i . , osse o empresariado industria,, osse o operariado nas-
cente, ossem as classes mdias, adquirissem a conscincia de
classe necessaria para assumir o que se pensaa ser seu papel
histrico: quer a superaao das oligarquias agrarias no poder,
quer a implantaao do socialismo.
Lsta problematica sera expressa, sob a orma de avati.e ae
cta..e., em trs moimentos tericos:
1. O de uma Sociologia Lconomica. 1rata-se dos estudos
de desenolimento economico-social que culminam com
as analises de aeevavcia ,lernandes 1968, 195, Cardo-
so e lalettol 969,. Nesse caso, as analises macrossociais
abandonam o estilo metodolgico indiidualista das ana-
lises anteriores para enocar a articulaao entre a dinami-
ca interna de classes, o estado nacional e a ordem capita-
lista mundial. Serao a transormaao do estado e as pos-
sibilidades de bem-estar social o objeto, a erramenta, a
analise de classes.
2. O de uma Sociologia Poltica. Principalmente os estudos
sobre patrimonialismo, clientelismo, populismo e, recen-
temente, democracia. Os autores de tais estudos, ainda
tributarios de uma analise de classe, ocalizarao as insti-
tuioes e o sistema polticos, o estado e o seu contexto
societario.
3. O dos estudos de ormaao das classes sociais brasilei-
ras. Lstes se ramiicam em cinco: de ormaao de um
empresariado nacional, de ormaao de burocracias ou
elites dirigentes, de ormaao de classes mdias, de or-
maao de uma classe operaria industrial e de ormaao
de um proletariado rural.
Ci.Assus S o c i a i s
1
E DA E
A nascente sociologia brasileira se atirou a analise dos agen-
tes do processo de industrializaao3, procurando explicar a aao
,ou inaao, de seus sujeitos,agentes: o estado'1, a classe operaria,
o campesinato, a classe mdia e a burguesia.
O pape, do Lstado no processo de a e . e v r o t r i v e v t o capitalista
brasileiro oi sempre um elemento inesperado, para os esquemas
tericos mais rgidos e desaiador e instigante, para noos esque-
mas interpretatios. A tal ponto o Lstado estee presente, no ima-
ginario acadmico, que Cerqueira e Boschi ,19: 9,5obseram:
(...) no caso dos paises de desenvolvimento tardio, parece-nos que a
tentativa de captar a complexidade do processo politico subjacente con-
solidao do capitalismo industrial no se furtou de um certo vies, na
medida cm que, invariavelmente, salientou-se o papel determinante do Ls-
tado c o v o v a t r i geradora dos processos sociais. Lmbora historicamente
esta preponderncia do Lstado como ncleo vital do sistema seja inquesti-
onvel, questionvel e, isto sim, o pequeno espao que as -anlises conferi-
ram ,\ possibilidade de atuao autnoma de grupos sociais.
A princpio, para dar conta da importancia do Lstado, de-
senoleu-se, entre ns, um estilo de analise, as ezes por demais
3. Por industrializao, a partir de J930, no se entende somente o desenvol-
vimento das foras produtivas e da mecanizao, mas tambem o aceleramento
da diviso social do trabalho, a dominao crescente do capital sobre o
trabalho, a submisso da economia agrria s necessidades industriais e a
imposio ao conjunto da sociedade de criterios capitalistas de racionali-
dade' (Pinheiro J97S: J2S).
4. Sader e Paoli (J986: SJ) assim explicam a percepo do Pastado enquanto
agente: (...) segundo a verso dominante do imaginrio sociolgico e poli-
tico dos anos 60, o Lstado e que torna a classe dominante apta sua tarefa
histrica quando disciplinou as relaes entre as classes sociais.
S. As citaes de textos publicados nos J9 primeiros nmeros dos b o t e t i v
ibtiografico 737/3 sero feitas de acordo com a paginao dos 737/3 - 0 qve .e
aere 1er ev civcia. . oci ai. vo ra.it, ns. J, 2 e 3.
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culturalista, de procura de um etbo. nacional, outras ezes por
demais estruturalista, no qual as ariaeis causais ganhaam, quase
sempre, o estatuto de agentes, substituindo-os.6 Lste estilo tem
razes, sem dida, nas analises classicas de Gilberto lreyre ,1933,
-que abandonou o determinismo racial e climatico do im de
sculo em troca do desendamento de uma matriz cultural un-
dadora, de Srgio Buarque de lolanda ,1936, - que introduziu a
noao de patriarcalismo c dc patrimonialismo entre ns, c de
Caio Prado juni or ,1942, - que teorizou as determinaoes
sistmicas e as restrioes exgenas ao nosso desenolimento
nacional. Lm cada uma destas matrizes, as classes sociais, qva
agentes, estieram em segundo plano.
1al tradiao de analise tee continuidade com o classico de
Raymundo laoro ,1958, e leou um tempo esquecida, apenas
para ser retomada, com toda a ora, nos anos 0, por Schwartzman
,190, 193, 1982,. 1anto em laoro quanto em Schwartzman
sera uma camada dirigente, o. aovo. ao oaer, portadora do etbo.
patrimonialista que dara os rumos a sociedade brasileira. 1al pers-
pectia, discutida a exaustao em Daao., nmero 14,19, e criticada
em seu culturalismo implcito, oi, inarielmente, substituda por
conceitos mais dialgicos, que permitiam tratar melhor a articu-
laao entre Lstado e classes da sociedade ciil, tais como os
conceitos de populismo ,Ianni 1963, 195, 1988, Camargo 194,
196,, de autoritarismo ,Martins 193, Reis 194, Velho 196,
Cardoso 195, Linz 195, Stepan 193 , e de corporatiismo
,Lrickson 192, Malloy 196, 0 `Donnel 196,.
Concomitantemente, desenoleram-se algumas perspecti-
as tericas que procuraram teorizar o estado, enquanto ator,
atras de categorias sociais plenas, tais como a tecnoburocracia
6. Na verdade, o nacionalismo de listado foi, entre ns, uma forte ideologia.
Ver a respeito: (Reis J990).
7. Sigo, aqui, a interpretao de Antonio Cndido (J994), contrria de
Raymundo Iaoro (J993).
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,Martins 194, Pereira 198, Suarei 1986, ou a burguesia de
Lstado ,Pereira 19, 198 e 1985,. Apenas nas analises marxis-
tas mais ortodoxas, mais prximas do PCB que da academia
,Sodr 1968, 196,, o Lstado sera teorizado como aparato apro-
priado por uma classe ,a oligarquia rural e os setores agro-expor-
tadores ligados ao capital estrangeiro, e, portanto, quase como
instancia epienomnica.
O empresariado nacional mereceu uma atenao especial de
nossos analistas, principalmente depois de rustradas as esperan-
as de uma reoluao burguesa nacionalista, ou mesmo socialis-
ta. ,Martins 1968, laria 191, Cardoso 192, Cerqueira 196,
Guimaraes 19, Santos 19, Gomes 199, Boschi 199,. 1ais
analises desmentiram expectatias nutridas pela teoria das classes
entao igente, que procuraa encontrar, na burguesia, o principal
ator da reoluao burguesa. A conclusao, ao contrario, oi a de
uma reoluao sem ator ,lernandes 194, e de uma burguesia
politicamente inexpressia. No dizer de Cerqueira e Boschi ,19:
15,: ,..., consolidou-se a idia deste setor social como ator pol-
tico de pouca releancia, o que de certa orma deslocou o oco
da atenao, na produao das cincias sociais, para outros grupos
tais como tecnocratas, militares e burocraticos.`
A tradiao dos estudos sobre o empresariado e as elites
empresariais tm continuidade, nos anos 80, deixando para tras
tanto as expectatias normatias sobre o papel poltico e histrico
das classes, como as isoes dicotomicas simples, que opunham um
estado controlado por um estamento burocratico a um estado con-
trolado por uma classe dominante. Assiste-se, primeiro, a um gran-
de desenolimento conceituai ,populismo, anis burocraticos,
neocorporatiismo etc.,, segundo, a um reoro da pesquisa
emprica. loi atras de pesquisas bastante inoadoras que a cincia
poltica explorou as analises de representaao de interesses, de
disputas por recursos de poder, de ormaao de opiniao pblica e
de opiniao de grupos dirigentes, de ormaao de elites e de tobbie.
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congressuais etc., ampliando o unierso da analise de classes.
Muito representatios desta noa postura oram os trabalhos de
Diniz e Boschi ,198, 1993,, Diniz ,198, 1984, 1986, 1992,,
Boschi ,199, 1983,, Cheibub ,1995,, Reis e Cheibub ,1995,,
Lima e Boschi ,1995,, Pereira ,1994,, Minella ,1988,.
E E
No comeo dos 60, o diagnstico consensual, nas cincias
sociais, era o de que os anos 30 haiam marcado uma ruptura no
processo de desenolimento brasileiro com o esgotamento da
economia agroexportadora. No desenolimento da noa econo-
mia urbano-industrial, noas classes sociais teriam sido geradas,
que se tornariam, da em diante, os agentes ,ou reerentes, prin-
cipais da mudana social e poltica: o operariado, as classes mdi-
as urbanas e a burguesia industrial.
Ainda nos anos 60, aparecem os primeiros estudos socio-
lgicos sobre a classe operaria brasileira, principalmente paulis-
ta. Lstes estudos podem ser agrupados em: ,1, estudos sobre o
sindicalismo e a organizaao operaria ,Simao 1966, Rodrigues,
J. 1968, Rodrigues L. 1966, 1968, e ,2, estudos sobre as atitu-
des e os alores da classe operaria nascente ,Cardoso 1961,
1ourraine 1961, Lopes 1964, 196, Pereira 1965, Rodrigues, L.
190,. 1odos eles estao reeridos a problematica maior da in-
dustrializaao e da transormaao da estrutura social brasileira
no ps-30, mais especiicamente, buscam aaliar a aao, a ora
e o potencial poltico dos trabalhadores industriais brasileiros.
Sao, pois, estudos que procuram situar e analisar a classe opera-
ria qva agente coletio. Lscritos e publicados entre o inal dos
anos 50 e o comeo dos 0, o mel poltico e a perspectia de
analise que os alimentam esgotam-se com os golpes de 1964 e
1968, quando ica clara a impossibilidade de uma aao coletia
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da classe operaria no uturo imediato. Na aaliaao crtica da
geraao que os sucede,
Os ensaios (...) pecaram por uma leitura demais sociologizante: preo-
cupou-se mais com a estrutura e a composio da classe operria. Aqui o
prato de resistncia foi a questo do peso dos imigrantes estrangeiros na
formao da classe operria antes de J930, Lm seguida sublinharam-se as
conseqncias da imigrao rural na composiso da classe operria, res-
saltando-se os seus valores tradicionais, a sua dificuldade em aderir a orga-
nizaes politicas, seu projeto de ascenso social. (Pinheiro J97S: J23)
Os anos 0, ja no clima de resistncia democratica a ditadu-
ra, assistem ao ressurgimento dos estudos de ormaao da classe
trabalhadora, agora sob uma noa tica: trata-se de reaaliar criti-
camente a estrutura sindical brasileira e as relaoes entre sindica-
lismo e Lstado, trata-se de explicar os limites estruturais da aao
transormadora da classe operaria no Brasil, e nao sua suposta
alta de conscincia poltica. Quem desencadeia este noo ciclo
, sem dida, \eort ,192,, em seu estudo sobre as grees de
1968, em Osasco e Contagem. Seguindo a trilha de \eort,
loresce uma grande produao sobre a ormaao da classe traba-
lhadora no Brasil, tanto entre historiadores ,lausto 194, 196,
Pinheiro e lall 1982, Carone 194, 1989, lall 191, 1984, quanto
cientistas polticos ,Andrade 194, Almeida 195, 198, 198a,
1981, 1988, Moiss 19, e socilogos ,lumphrey 199, 1982,.
Discutem-se as restrioes estruturais, histricas, a aao da
classe trabalhadora no Brasil, e as condioes, objetias e subjeti-
as, para o surgimento cle uma noa classe operaria e de um
noo sindicalismo a partir das condioes materiais e polticas
dadas pela grande indstria brasileira. Importante salientar que
estes estudos ja passam a usar ou reerir o instrumental concei-
tuai e analtico desenolido por Antonio Gramsci ,a teoria da
hegemonia, e Poulantzas ,a teoria das classes,, bastantes debati-
dos, entao, nas cincias sociais brasileiras.
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De ato, um segundo debate importante sobre as classes so-
ciais, no Brasil, tem lugar nas paginas da Lstudos Cebrap ,n.3, jan.
193, dedicada a discussao das idias de Poulantzas. Os rutos
mais importantes deste debate oram a crtica ao excesso de
ormalismo terico dos marxistas ranceses ,Cardoso 193,, o re-
torno aos termos classicos de pensar a mudana social como resul-
tado da lutas de classes, e nao da aao dos Lstados-Naao ,\eort
191,, c a incorporaao das categorias de analise althusserianas e
gramscianas -raoes de ciasse, categorias sociais, grupos sociais,
sobredeterminaoes, hegemonia, bloco histrico, consentimento etc.
-ao ocabulario sociolgico brasileiro.
Sintomaticamente, tanto o primeiro balano crtico da pro-
duao brasileira sobre o moimento operario, eita por Pinheiro
,195,, como os ensaios de \eort ,192, 193, 195, 198,
199, estao calcados na analise gramsciana da hegemonia.
Conceitualmente, a teoria das classes, na sociologia brasileira,
estiera presa, at entao, a algumas grandes tradioes tericas: a
.ociotogia aa |P ,nascida da conluncia da Lscola de Chicago
com a escola de sociologia rancesa,, a .ociotogia vaciovat
ae.evro,rivevti.ta do ISLB, a ortoaoia vari.ta, igente nos partidos
de esquerda, e a .ociotogia tativoavericava, desenolida na lLACSO,
sob a inluncia de Germani e dos desenolimentistas da Lscolatina
e da CLPAL. A noidade dos anos 0 o surgimento, no Brasil,
de um noo ncleo de pensamento, em torno do CLBRAP, que se
debrua sobre uma noa exegese marxista, nos moldes, alias, do
que ja acontecera na lrana ,Althusser 1965, Althusser et a. 1968,
Poulantzas 1965, Balibar 193, e na Italia ,Delia Volpe 1969, Colletti
1969, 193,. Nomes decisios deste marxismo acadmico serao
\eort, na corrente de analise poltica inspirada pelos escritos
polticos de Marx e Gramsci, Jos Arthur Giannotti ,1966,, na
corrente de analise da dialtica marxista, e lrancisco de Olieira
,Olieira 192, Olieira e Reichstul 193,, na corrente de analise
macroeconomica inspirada por O Caitat.
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As analises de classes que se desenolerao nos 0 rearao
diagnsticos e interpretaoes do que oram a Reoluao de 30, o
Lstado Noo e o interalo democratico de 1945-1964. O estilo
, portanto, histrico-estrutural, interpretatio, de grandes teorias
sobre os constrangimentos estruturais internos e externos, mas,
nelas, ja despontam, como sujeitos da histria, os atores coletios
,os goernos, as classes e os estamentos, que izeram o Brasil.
Nos estudos sobre a classe operaria, nessa poca, haia os
que, apoiados nas analises de conjuntura, atribuam o racasso
operario, em 1964, a alta de autonomia das organizaoes opera-
rias rente aos elhos partidos e ao Lstado ,\eort 192, 195,
198, 199, Moiss 198, 199, 1982, Andrade 194,, e aqueles
que, escudando-se ,Vanna 198a,Kna crtica a razao dualista`,
proposta por Olieira ,192,,
(...) sublinhavam sobretudo que a ordem corporativa e mais tarde a
conservao das instituies corporativas sindicais na epoca liberal
corresponderam a uma prtica intencional para a desmobilizao dessa classe,
numa interveno sobre o mercado de trabalho cujos fins foram os dc
viabilizar, pelo recurso violncia - institucionalizada ou no - a acumula-
o primitiva de capital. (Vianna, J978 : 86)
lrancisco de Olieira produzira, alm de dois ensaios mar-
cantes, em termos de interpretaao das restrioes estruturais as
aoes de classe ,Olieira 192, 193,, duas obras primas de ana-
lise histrica e conjuntural, respaldadas em suas leituras dos tex-
tos polticos de Marx ,principalmente O 1 ae rvvario): reiro-
me ao seu tegia ara vv Re;t)igiao e O to Peraiao, que deixarao
marcas no marxismo dos anos 80.9
8. Antunes (J982, J986) e Boito (J99J) daro continuidade a esta linha de
anlise.
9. No Nordeste, estudos como o dc Guimares (J982) , Guimares e Castro
(J989) e Lima (J996) so alguns exemplos da influncia que Oliveira exer-
ceu na discusso sobre as classes sociais.
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De ato, na dcada seguinte, ampliar-se-a a nase na ines-
tigaao dos condicionantes subjetios da aao de classe e da
ormaao de uma cultura operaria no Brasil. Muito importante
para este moimento terico-metodolgico oi a inluncia dos
intelectuais marxistas ingleses, principalmente L.P. 1hompson
,1958, 198, e Raymond \illiams ,19, 1981,, em sua reaao
ao marxismo estruturalista rancs.10
No Brasil, os anos 80 oram uma poca de enorme euoria
nas esquerdas, nutrida pela expectatia do modo como os moi-
mentos populares e o moimento operario seriam capazes de se
expressar politicamente, atras de um noo partido -o P1.
Seguindo o debate anterior, na ordem do dia estee a discussao
sobre a possibilidade da ormaao de aristocracias operarias no
Brasil ,lumphrey 1982, Almeida 1981, Jellin e 1orre 1982, Gui-
maraes e Castro 1986,. Lm termos acadmicos, a relaao entre
operarios c o moimento social mais amplo ja era tratada desde
os 0 ,Moiss 199, Moiss e Alier 198,, mas, em 1980, uma
coletanea organizada por Singer e Brant ,1980, marcou, deiniti-
amente, a incorporaao dos moimentos populares aos estudos
de classe. Seguiram-se arias coletaneas e resenhas sobre o tema
,Jelin e Caldern 198, Larangeira 1990, Cardoso 198, Gomes e
lerreira 198, Diniz et a i 1994,.
O tom da reisao, contudo, oi dado por dois artigos: um
de autoria de Sader, Paoli e 1elles ,1983,, e o outro de Sader e
Paoli ,1986,. De incio, nota-se, logo, uma mudana conceituai:
J0. Cardoso (J987: 27) tem o seguinte diagnstico: A desiluso com os esque-
mas globalizantes passou a alimentar a busca de explicaes qualitativas
para os novos problemas que se colocavam e que diziam respeito ao siste-
ma de dominao e seu modo de operar. A progressiva rigidez da teoria
marxista, tal como vinha sendo usada, abriu caminho para novas formas de
investigao.
JJ. A frmula cunhada por Lmilia Viotti (J990) estruturas rer.v. experincia
sintetiza o que estava em jogo na reviso.
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os noos estudos usarao sistematicamente conceitos como ex-
perincia`, imaginario`, cotidiano`, cidadania`, originarios da
histria social e da ilosoia poltica, ao ins dos conceitos acade-
micamente consagrados pela sociologia. 1ais conceitos expressam
a preocupaao em tratar os dominados como criadores de seus
prprios mundos, comprometendo a analise com a emergncia da
conscincia de direitos, indiiduais e coletios, por parte nao ape-
nas dos operarios, mas das camadas populares. Neste sentido, tao
importante quanto as organizaoes polticas serao as praticas cole-
tias. Ao nel da classe trabalhadora, o enoque sera mais oltado
as abricas que aos sindicatos ,lrederico 198, Maroni 1982, Abramo
1988, De Decca 1981,, mais aos bairros de moradia que aos mer-
cados de trabalho ,Sader, 1988, 1elles 1988, 1992, Baa 1988,
Martins 1991,. Mas, com o tempo, este noo enoque criara seus
cios. Acabara por azer, entre outras coisas, com que boa parte
da produao sociolgica sobre os trabalhadores urbanos se desie
das preocupaoes tericas classicas, icando prisioneira das teori-
as emergentes sobre noos moimentos sociais`.12Lssa tendn-
cia oi argutamente notada por Sader e Paoli ,1986: 39,:
(...) ao narrar o que anda acontecendo com os trabalhadores e seus
movimentos sociais, parte desta produo sociolgica recente parece ques-
tionar profundamente o c o v c e i t o de classe social como paradigma terico
instituido e adquirido pelas cincias sociais (...)
Mas sera, justamente, o alargamento do conceito de classe
social para alm de 1onnies13, para signiicar mais que organiza-
J2. Os novos movimentos sociais eram geralmente caracterizados pela sua
independncia com relao aos politicos profissionais e aos partidos, bem
como sua capacidade de expressar os desejos de base da sociedade. (Car-
doso J987'. 28) Lram vistos, pois, como atores sociais, com o mesmo
estatuto terico das classes.
J3. Uma classe e tentativa de desenvolver poder efetivo atraves da fora das
massas, i.e., atraves do grande nmero daqueles que pertencem a esse
26
A N 1 O N I O S K R G I O A I .V R K D O G U I M A R A KS
ao coletia e aao poltica - sindicato e partido -, incorporando
praticas culturais e sociais de enrentamento cotidiano, que pos-
sibilita a Sader e Paoli ,1986:46-, azer a crtica do conceito
de classes, usado antes, implicitamente, na sociologia brasileira:
Assim, as prticas culturais diferenciadas dos diversos grupos sociais
populares, isto e, sua insero real em um mundo de relaes sociais histo-
ricamente formado (...), foram banidas do mundo da verdadeira' classe
social, fazendo-se ver como algo que divide e conspira contra a unidade, a
coeso e o poder coletivo.
Sader e Paoli ,1986: 59, procuram ampliar o conceito de
classe social para nele incluir o moimento social, ou seja, o
processo de ormaao das classes a partir das praticas dos atores
sociais, nas diersas eseras da ida cotidiana, produtia ou nao.14
Nesse sentido, preerem mesmo alar de cia..e. ovtare., posto
que tal termo indica que o esoro do analista desloca-se do
campo da delimitaao das ronteiras entre classes, raoes, cate-
gorias sociais, para o campo da compreensao especica da prati-
ca dos atores sociais em moimento`. As classes, para Sader e
Paoli ,1986: 61,, seriam:
(...) um coletivo presente duplamente: J na experincia nica com
aqueles que se identificam com e em cada uma dessas situaes e 2 na
elaborao mais geral de todos, reconhecendo algo em comum entre expe-
rincias distintas.
O que estes autores em de noo, teoricamente, a possi-
bilidade de redeinir o conceito de classe, com a descoberta da
multiplicidade de espaos onde se az a classe`, a existncia de
coletivo, depende cm menor medida das qualidades dos individuos. Ln-
caro o partido politico como o tipo ideal de um coletivo .ocietario. (1nnies
M
J4. 1ambem Cardoso (J987) anota a ao comunitria como sendo o que os
distingue dos novos movimentos sociais.
C L A S S K S S O C I A I S
2
praticas que criam noos lugares sociais`, a alteraao das pr-
prias instituioes no curso das experincias coletias`. No entan-
to, como eles mesmos reconhecem, muitos outros autores, que
trabalhaam com o cotidiano das classes populares`, perderam
toda e qualquer conscincia, ou preocupaao terica, em seu es-
oro de dar oz` aos dominados e isibilidade as suas praticas
de resistncia. A erdade que, na maioria das ezes, tal tendn-
cia intelectual rejeitou as teorias de classe sem mesmo as ter
submetido a crtica terica.
Paralelamente, os estudos de ormaao da classe trabalha-
dora ganham uma noa ertente e um redobrado interesse pelas
analises do processo de trabalho, antes restrito a sociologia in-
dustrial ,que nunca ormou uma tradiao orte entre ns,, agora
retomados sob a tica marxista, dada por Braerman ,194,. Ao
encerrar a sua resenha, Vianna ,198: 90, anotara:
Registre-se, entretanto, que mal comearam as investigaes sobre o
trabalho e a vida operria nas unidades fabris. Ritmo de trabalho, relaes
com o sindicato, com o departamento de pessoal da empresa, lazer, siste-
mas de interao horizontais e verticais, etc. so temas que ainda fazem
patte de um t en it t io a set descobetto e exptotado.
De ato, todo um grupo de pesquisadores ,socilogos e
antroplogos, procurarao articular as condioes do processo de
trabalho as condioes extraabris, para dar conta da ormaao
dos trabalhadores em c,a..e, quer como grupos identitarios de
.tatv., quer como coletios polticos ,partidos, sindicatos, associ-
aoes,. Lstudos como os de Vera Pereira ,199,, Jos Srgio
Leite Lopes ,196, ejohn lumphrey ,199, 1982,, realizados na
segunda metade dos 0, oram pioneiros e emblematicos deste
noo modo de analisar a classe operaria, osse industrial ou rural.
lorma-se na ANPOCS, paralelamente ao ja tradicional Grupo
de 1rabalho Classe Operaria e Sindicalismo`, um outro G1
sobre Processo de 1rabalho e Reiindicaoes Sociais`. Lm 1984,
28
A n t o n o E e D 9 ; A 3 ; 3#D G 6 A 9 G ; ? 3 D o 7 E
um pequeno e seminal estudo de Nikon Vargas ,1985, reaalia a
histria das relaoes de trabalho no Brasil ,relaoes entre burgue-
sia, Lstado e operariado, a partir do conceito de ta,tori.vo. O
texto importante porque, ao periodizar a histria brasileira con-
temporanea, a partir do noo conceito, oerece uma ersao brasi-
leira para as noas teorias sobre o processo capitalista de traba-
lho. A partir da, nao cessam de crescer os estudos de processo
de trabalho`, modo como eram reeridos os estudos de caso em
unidades abris. Lm 1986, duas resenhas ja haiam sido escritas
sobre o tema: Sorj ,1983, e Abreu ,1986,. Mas o problema com a
maioria de tais estudos cedo oi apontado, alias inutilmente, por
um obserador arguto, como Vianna ,1984: 228,:
A fraqueza de grande parte dessa literatura tem consistido num certo
formalismo, derivando dai, com freqncia, um tratamento da dimenso da
politica apenas como um elemento estrutural - por exemplo, nos estudos
que se limitam a demonstrar que a politica se encontra embutida no pro-
cesso de trabalho atraves do sistema de mquinas e no controle social da
produo -, c no na riqueza das suas determinaes concretas no plano da
conjuntura.
Parte da riqueza dessa ertente entretanto, oi a de por os
estudos da classe trabalhadora em contato com tradioes discipli-
nares, nao apenas diersas, mas, no Brasil, inusitadas, tais como a
administraao ,lleury e lischer 1985,, a antropologia urbana ,Pe-
reira 199, Lopes 198 e 1988, , a engenharia de produao ,lleury
e Vargas 1983, e , principalmente, os estudos eministas ,Rodri-
gues 198, Abreu 1980, Pena 1981, Githay 1982, lumphrey e
lirata 1984, lirata 1988, Souza-Lobo 1991,. Os estudos de pro-
cesso de trabalho oram, tambm, segundo Bruschini ,1993:2
ava Castro e Leite 1994,, a porta de entrada dos estudos sobre
a mulher na academia brasileira`. Para Castro e Leite ,1994: 42,,
a crtica das relaoes sociais tecidas na produao e das ormas
simblicas de opressao tee, entao, a irtude de iiicar tanto os
C I. A S S K S S O C I A I S
29
estudos eministas sobre mulher e trabalho, quanto o ncleo
duro` dos estudos de abrica
No que toca a teoria das classes, em nel internacional, os
estudos sobre processo de trabalho ganham irtuosidade ormal
e terica com os estudos de Adam Przeworski ,19, 199, sobre
a forvaao ae cta..e. e de Michael Burawoy ,199, 1985, sobre regive.
fabri.. A partir deles, oi possel reigorar a teoria marxista das
classes, integrando ormalmente as eseras cotidianas de constru-
ao de interesses, alores e identidades ao mundo da produao, ou
seja, articulando estrutura` e experincia`. O impacto destes
conceitos sobre os estudos da classe trabalhadora brasileira, se
nao oi direto, nem imediato, oi, sem dida, crescente.15
Outra ertente importante, nestes anos, oi a deriada dos
estudos sobre trajetrias operarias, muito inluenciada pela pro-
duao acadmica rancesa e pela reconstruao da teoria das clas-
ses e da aao coletia ,Bourdieu 194, 199,. Autores como Lopes
,198, 1988, e Guimaraes e t a ,1995, documentam, tambm,
esta tendncia nos estudos sobre os trabalhadores urbanos.
Sintetizando, os estudos sobre a classe operaria apresenta-
ram quatro ertentes principais, nesses ltimos 25 anos,
identiicaeis a partir da teoria de classe que os orientaram:
1. loram estudos sobre o sindicalismo, ou centrados na
analise da aao sindical, quando as associaoes polticas
oram istas como as representantes, a r ecetevce, da clas-
se, a maneira da conceituaao de 1onnies. Neste caso,
tiemos seja uma analise sociolgica das determinaoes
estruturais, seja uma analise poltica das conjunturas, seja
a conjugaao de ambas,
2. loram estudos de alores e atitudes, quando se acredi-
tou que a classe era uma a..ociaao e nao necessariamente
JS. A produo da sociologia do trabalho baiana e tributria desta corrente.
Ver Guimares (J988, J99J, J998), Castro (J990), Guimares e Castro
(J990) e Castro e Guimares (J996).
30
A N 1 O N I O S K R G I O A U ,R K D O G U I M A R A KS
uma covvviaaae, e que, portanto, a identidade operaria e
sua eentual aao poltica dependiam das caractersticas
sociais de seus membros,
3. loram estudos do processo de trabalho e do mundo a-
bril, quando a classe oi ista como determinada, em
ltima instancia, pelo mundo da produao, e a organiza-
ao poltica, como tocv. de alianas classistas esprias, ou
de tutelagem,
4. loram estudos de cidadania, quando se pensou que a
classe era o modo como os indiduos realizaam, e atu-
alizaam, direitos ciis de natureza coletia.
Ao mesmo tempo, essas ertentes corresponderam a pro-
blematicas sociais inscritas no mundo poltico brasileiro. Nos
anos 60, trataa-se de aaliar a continuidade das instituioes cor-
poratias do Lstado Noo, no processo de industrializaao do
ps-guerra ,democratico e liberal, at 64, e ditatorial, depois,, e
explicar a ausncia de atuaao poltica do operariado, nos moldes
do capitalismo europeu. Nos anos 0, trataa-se de explicar o
carater autonomista das reiindicaoes operarias emergentes. Nos
80, buscaa-se compreender, seja a ora das bases`, i.e., dos
trabalhadores do chao-de-abrica, nos destinos sindicais, seja as
reiindicaoes de direitos subjetios e coletios pelo conjunto
das organizaoes populares.
E
A recepao das idias de Poulantzas no Brasil e at mesmo
o grande debate internacional16 sobre o estatuto das classes m-
dias ,a noa pequena burquesia e os trabalhadores nao-produti-
J6. Para acompanhar este debate ver PouJantzas (i 973, i 977, i 978, 3983),
Carchedi (J977), Wright (J977,J978,J98S), Lhrenreich e Bhrenreich (J979),
Abercombie e Utry (J983) e Simes (J992).
5V$3EEVVE EA 5 ; 3 ; E
31
os, nao oram capazes de azer com que os estudos sobre as
classes mdias ganhassem, entre ns, o estilo de uma avati.e ae
cta..e. marxista' ,Simoes, 1992,. As teorizaoes sobre o papel das
classes mdias, em termos marxistas, icaram na orma incipiente
de anotaoes ,Olieira 1988,, sem grande respaldo emprico.
A produao acadmica brasileira sobre as classes mdias pri-
ilegiara trs temas: primeiro, estudos sobre categorias sociais de-
cisias, em algumas conjunturas histricas, tais como os estudan-
tes ou os militares. No caso dos ltimos, a sua persistente impor-
tancia na ida nacional ara com que uma noa area tematica, a
dos estudos militares, ganhe autonomia na academia brasileira ,Co-
elho 196, 1985, Martins 194, Olieira 196, Stcpan 191, Goes
1986, Zaerucha 1994, Leirner 199,. Segundo, estudos sobre a
mudana na situaao de classe das camadas mdias, que transitam
da autonomia para o assaiariamento ,Lers 1982, Saes 1984,. 1am-
bm importantes sao os estudos sobre a relaao entre camadas
sociais especicas ,bacharis, intelectuais etc., c o poder poltico
no Brasil ,Adorno 1988, Micelli 199, Pinheiro 194, Martins 198,.
Ainda nessa tradiao, aparecem os estudos sobre categorias prois-
sionais especicas, como adogados, mdicos e engenheiros ,Bar-
bosa 1985, Kawamura 1981, 1986,, que tambm acabam por criar
uma noa tradiao de analise, dierente da analise de classe -a
sociologia das proissoes ,Bonelli e Donatoni 1996,. 1erceiro, e
principalmente, as analises sobre classes mdias que se concen-
tram no estudo do associatiismo e do sindicalismo ,Almeida 1988,
Boschi 198, 1989, Saes 1985, dessas camadas. Mais recentemen-
te, boa parte dos autores passa a dedicar-se ao estudo das condi-
oes de trabalho, das ormas de organizaao sindical e de luta
poltica de segmentos das classes mdias, tais como bancarios,
proessores e proissionais diersos ,Blass 1992, Segnini 1998,.
J7. A exceo fica por conta da tese de doutorado de Simes (J989), defendi-
da em Londres.
32
A N 1 O N I O S I R G I O A I . P R K D O G U I M A R AlS
A parte mais inoadora, em t e r v o . tericos, dos estudos
sobre as classes mdias icou por conta da grande proximidade
dos pesquisadores do IUPLRJ com a produao contemporanea
da sociologia e da cincia poltica americanas, principalmente
no que concerne as teorias de aao coletia, moimentos so-
ciais e de mobilizaao de recursos ,Melucci 1981, Oe and
\iesenthal 199, Olson Jr. 1965, Pien and Cloward 1.99,
Oberschall 193, Pizzorno 196, 1illy 198,. Lsses autores
,Boschi 1984,1986,198 e 1990, Saes 1984, trazem, portanto,
para os estudos de classe noas inluncias tericas, atras da
analise do associatiismo e do sindicalismo de classe mdia em
sua relaao com o poder poltico. Ademais, o IUPLRJ oi uma
das poucas instituioes brasileiras que preserou ,atras dos
estudos de Nelson do Valle Sila e Carlos lasenbalg, a tradi-
ao dos estudos de estratiicaao social iniciados, no Brasil, por
lutchinson ,1960,, o que oereceu aos seus projetos de pesqui-
sa, tanto sobre as classes mdias quanto sobre o empresariado,
uma slida base de dados estatsticos sobre mobilidade ocupa-
cional e mudanas na estrutura social.
E DE DE
O clima poltico que, nos anos 60, inormaa o debate inte-
lectual sobre a natureza das classes sociais no campo brasileiro
oi muito bem sintetizado por Gnacarini e Moura ,1983: 12, do
seguinte modo:
Polemizaa-se se a noao de eudalismo nao escondia um bia. reor-
mista de certa corrente que propugnaria, coerentemente, uma etapa bur-
guesa necessaria e dominante -a includa a agricultura - de organizaao
da sociedade. Inersamente, a rotulaao de capitalista, conerida ao conjun-
to das relaoes de produao no campo, parecia uma orma apressada de
risar a desnecessidade de uma reorma agraria.
C I . A S S K S S O C I A I S
33
De ato, o debate acerca da natureza da ormaao social
brasileira, se eudal ou capitalista, assim como do carater da re-
oluao brasileira, se burguesa ou socialista ,\agley 1951, Prado
Jr. 1966, lrank 1969, lernandes 194,, marcaram os rumos dos
estudos sobre a estrutura e as classes agrarias ,Palmeira 191,
Olieira 195, Sa Jr. 193, Martins 193, 199, 1980, 1981,
Gnaccarini e Moura 1983, Sallum 199, Santos 1991,. Do mes-
mo modo, para a esquerda brasileira, as lutas de classe no campo,
principalmente as amosas Ligas Camponesas, oram historica-
mente um objeto priilegiado de relexao.
A tradiao de trabalhos empricos sobre as classes sociais
no campo remonta aos trabalhos pioneiros de Antonio Candido
,1964,, Maria Isaura de Queiroz ,196 e 193, e ao programa de
pesquisa coordenado por Roberto Cardoso de Olieira ,196, e
Dai d Lewis, no Museu Nacional, a partir de 1968 ,Gnaccarini e
Moura 1983,. O ato, entretanto, c que, independentemente da
iliaao, em termos tericos, tais estudos permaneceram em dia-
logo constante com a teoria marxista sobre a renda da terra, e
com as teorias sociolgicas sobre as classes sociais.18O seu obje-
to terico prprio, o campesinato, oi construdo nos anos 60, de
modo a traar a especiicidade da teoria que se ara no Brasil. No
dizer de Gnaccarini e Moura ,1983: 14-15,, a pequena produao
camponesa, no Brasil,
seria produto da ocupao dc terras livres ou do fracionamento das
fazendas que, num sistema colonial, primeiro e de expanso capitalista
posterior, se mantem ou se recria na estrutura agrria como uma forma
que luta pela sua permanncia, ao mesmo tempo que dela se vale o sistema
J8. Lxemplo disso e o sumrio que Gnaccarini e Moura (J983: J7) fazem da
persistente anlise da relao entre campesinato e capitalismo: (...) po-
dem-se destacar dois tipos de trabalhos: os estudos onde a nfase e posta
nas formas de subordinao do trabalho campons ao capital e os estudos
das estruturas internas da produo familiar, interessados ambos nos diver-
sos planos de dominao-resistncia que vivenciam os atores sociais.
34
E A BB
dominante para extrao e captao de seu sobretrabalho (...) e seria tam-
bem gerada na ocupao da fronteira agricola.
A realidade dos anos 0, principalmente o destroamento
das organizaoes camponesas, o recrudescimento da urbanizaao
e das migraoes rurais-urbanas retiram, por um bressimo tem-
po, a centralidade do mundo rural para a intelectualidade brasi-
leira. Passa-se entao por uma espcie de superaao da diisao
empiricista entre rural e urbano ,Martins 1981,. 1al tendncia ja
estaa presente num conjunto de estudos sobre o mercado de
trabalho rural que insistiam na uniicaao dos mercados de traba-
lho urbano e rural ,Brant 19, e na ormaao de uma classe
operaria no campo ,Ianni 196, Mello 191,.
Lntretanto, ainda que teoricamente superada a diisao rural-
urbana, impor-se-ao, empiricamente, certos temas especicos ao
meio rural: 1, Os camponeses sem-terra, ou bias-rias, e o sindi-
calismo rural ,D` Incao 1984, lerrante e Saiotti 1986,198, Sigaud
1986, 1989,, 2, a modernizaao da agricultura e as polticas pbli-
cas oltadas para a agricultura ,leredia 1988, Lewin 1985,, 3, os
eeitos sociais das barragens hidroeltricas e as lutas que desenca-
deiam ,Sigaud 1986a,, 4, a expansao da ronteira agrcola ,Martins
199, 1980,, 5, as lutas pelo acesso a terra ,Martins 193, 1981,, 6,
a iolncia no campo ,Porto 1992, Martins 1994,.
O vaiv.treav desta produao, sem deixar dc introduzir no-
os temas e noos olhares` sociolgicos, i.e., sem deixar de
renoar-se terica e metodologicamente, permanece irmemente
iliado aos estudos de classe. Ainda que, quando maleita, possa
resalar para a alta de criatiidade de analises ortodoxas e ideo-
lgicas, alm de contaminar-se pelo noo empiricismo das des-
crioes sem autoria -a montona repetiao das alas dos entre-
istados -que icia atualmente todas as cincias sociais. Lm
seus melhores momentos, esta produao extremamente inoa-
dora e reinada, como quando se dedica ao cotidiano amiliar
C I .A S S K S S O C I A I S
35
campons ,Martins 1998, Gracia Jr. 1983, 1989,. O ato que a
relaao terica entre campesinato e capitalismo continuou a ser
problematizada em termos da luta de classes e da ormaao de
sujeitos, quer na linha do neo-marxismo, quer na linhagem
bourdieusiana, quer na noa tradiao da histria social.
D E
As avati.e. ae c,a..e nao esgotam, como imos, a problemati-
ca das classes sociais brasileiras. Por isso, certamente, muitos
estudos que tm como objeto de relexao as classes sociais nao
se em a si mesmos como estudos de classe, mas como estudos
de classes populares`, iolncia`, cidadania`, moimento
negro` etc. etc.
O termo e.tvao. ae cta..e, portanto, c mais adequado para
reerir um unierso mais amplo, de estudos e ensaios, que utiliza
o conceito classes as ezes de um modo mais descritio, mas
sempre com um sentido natio`19, seja na prpria analise, seja
na reerncia ao seu objeto.
Retomemos o io terico.
A teoria das classes surgiu com Marx como uma teoria da luta
de classes e da mudana histrica. O sucesso cientico da teoria
deeu-se, em grande medida, a articulaao que ela propunha entre as
eseras sociais -a economia, a sociedade, a poltica e a cultura -de
J9. Classe pode ser referida com o sentido de um carisma ou estigma,
significando o prestigio social associado a uma pertena grupai. Neste
sentido, classe e muito prximo de .tatv., liste c o modo como e usado
vulgarmente em expresses como fulano tem classe, ou um desclassifi-
cado, popularizadas a partir do sentido do termo ingls ctev.. Nas cincias
sociais, tal sentido foi recuperado pelos estudos de comunidade feitos em
Chicago, nos anos 20 e 30, para os quais a classe era, antes de tudo, um
grupo de convivncia c comensalidade possiveis.
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A N 1 O N I O S K R G I O A L l R L D O G U I M A R A K S
tal modo que uma certa ordem prealeceria sempre entre elas: o
segredo de tal ordenamento deendo-se a produao da ida mate-
rial ,a economia em ltima instancia,. Por muito tempo, a industri-
alizaao capitalista, na Luropa, nos Lstados Unidos e no resto do
mundo, pareceu dar razao a Marx, no sentido de que uma classe
emergente de trabalhadores industriais parecia ter interesses opos-
tos ,do ponto de ista de um obserador racional, a classe capita-
lista e ontade poltica de impor a sociedade um noo ordenamento
economico. A teoria de Marx, entretanto, nao daa conta da com-
plexidade da articulaao entre economia, cultura e poltica.
O aprimoramento da teoria marxista oi, primeiramente, eito
por seus crticos, principalmente os cientistas sociais alemaes,
que introduziram uma certa lexibilidade e contingncia no modo
como tais eseras poderiam se articular, ou nao. Conceitos como
o de a..ociaao, covvviaaae, cta..e, .tatv. e artiao procuraam, justa-
mente, tornar analiticamente separaeis, e historicamente contin-
gentes, as dierentes eseras -a economia, o poder e o prestgio
social - , a organizaao de interesses racionais e o sentimento de
pertena comunitaria. 1al reisao deia-se tanto a oposiao ideo-
lgica quanto as crescentes diiculdades empricas de demonstra-
ao da teoria marxista no O c i a e v t e ,Kautsk 11), v o que pese
o seu sucesso poltico na Rssia.
Por dentro do marxismo acadmico, s no comeo dos 60
deste sculo a teoria marxista das classes eio a sorer alteraoes
signiicatias. Isso ocorreu tanto nas proposioes de L.P.
1hompson -em sua bem sucedida tentatia de azer da expe-
rincia coletia e do sentimento comunitario os ncleos da or-
maao das classes trabalhadoras -quanto nas proposioes de
Althusser e Poulantzas, que reconstruam a teoria marxista em
seu eitio estruturalista ,do ponto de ista conceituai, e
uncionalista ,do ponto de ista da lgica de explicaao,.
No Brasil, a teoria das classes tee uma carreira interessan-
te. Do inal dos anos 40 at o inal dos 60, a teoria gozou de
C I .A S S K S S O C I A I S
3
inejael e unssono prestgio. loi introduzida na academia, como
imos, por Costa Pinto e llorestan lernandes contra a resistn-
cia de socilogos e antroplogos, como Lmilio \illems ou Donald
Pierson. Soreu seus primeiros sinais de esgotamento apenas nos
anos 0, depois da derrota da esquerda e das oras populares,
em 1964 e 1968, e a emergncia crescente, na ltima metade da
dcada, de moimentos sociais, inclusie operarios, por ora do
sistema poltico e associatio de representaao de interesses. Os
cios que a teoria ganhou no Brasil, tornando-se uma simples
analise abstrata dc categorias rei icadas, oram muito criticados
em alguns trabalhos da poca, entre os quais salienta-se o artigo
de Cardoso ,195,.
Do ponto de ista emprico, a crise da teoria de classes
relete o desenolimento capitalista recente, que dissociou, em
grande parte, a economia e sua gestao, da poltica e da represen-
taao de interesses, mantendo o hiato, ja existente, entre ambos e
as ormas culturais. A sociabilidade inerente ao grande capital ,o
indiidualismo, o uniersalismo de alores e a ormalidade das
regras,, longe de se impor ao conjunto da sociedade brasileira,
icou prisioneira de um crculo restrito e internacionalizado de
pessoas, nao chegando nem mesmo a atingir o conjunto das clas-
ses mdias. Por outro lado, o sistema poltico oi mais acilmente
ulnerael a representaao dos interesses e dos alores dos dier-
sos grupos sociais, incluindo as classes tpicas do capitalismo,
mas nao se restringindo a elas no que pesem os interalos peri-
dicos de anulaao da ordem democratica.
De ato, enquanto a sociabilidade burguesa classica -muito
bem apreendida por Marx em seus traos mais gerais -tende a
internacionalizar-se, buscando eseras transnacionais de repre-
sentaao de interesses, inclusie instancias reguladoras autono-
mas, como o lMI, o Banco Central americano, o Parlamento
Luropeu etc., os Lstados nacionais tornaram-se mais uneraeis
a penetraao dos alores e dos interesses das camadas subalter-
38
A N 1 O N I O S K R G I O A I .P R U D O G U I M A R AlS
nas, ou nao hegemonicas economicamente, sem, contudo, conse-
guir impor-lhes a orma de sociabilidade do grande capital. Isso
ez com que os grupos sociais -etnias, comunidades e associa-
oes diersas -c nao apenas as classes tpicas do capitalismo,
passassem a ter uma importancia crescente para a analise socio-
lgica e poltica.
As tentatias de reconstruao da teoria das classes marxis-
tas, eitas, primeiro, por Poulantzas e, depois, pelos marxistas
analticos ,\right 19, 198,1985,, apesar de introduzirem le-
xibilidade e clareza a analise, mantm ainda um organicismo pr-
estabelecido entre as eseras sociais, que nao parece iger na
pratica. Por conta disto, a corrente crtica liderada por L.P.
1hompson, desde 1958, quando do aparecimento do seu 1be
orvatiov o ; tbe vg,i.b !or/ivg Cta.., parece cada ez mais
hegemonica na academia.

Para ser preciso, o termo classe` comeou a ser utiliza-
do nos estudos da sociedade ,pela ilosoia moral, principal-
mente, associado aos priilgios e ao sentimento de honra
social, prprios ao domnio aristocratico e ao avciev regive.
Marx tem certamente razao quando reiindicou ter retirado
do termo este sentido subjetio e aloratio para reeri-lo a
posioes objetias na estrutura social, as quais corresponderiam
interesses e orientaoes de aao similares. loi com este senti-
do propriamente sociolgico que o termo oi incorporado as
modernas cincias sociais.
Max \eber, ao separar analiticamente as dimensoes econo-
mica, poltica e social da distribuiao do poder nas sociedades oi
mais longe: deu um sentido mais preciso ao termo classe`, dis-
tinguindo-o dos enomenos ligados a distribuiao da honra e do
prestgio sociais. 1al separaao analtica permitiu que se pudesse
C I .A S S K S S O C I A I S
39
problematizar, desinculada da distribuiao economica de rique-
zas, a continuidade, nas sociedades modernas, dos enomenos de
distribuiao da honra e do prestgio sociais.
No entanto, prealeceu, no pensamento sociolgico, a asso-
ciaao das classes sociais` a ordens competitias, a relaoes
sociais abertas, ao capitalismo e a modernidade. O sentido ingls,
avciev regive, do termo permaneceu apenas no uso ulgar, princi-
palmente nos Lstados Unidos e Inglaterra.
No Brasil, onde as discriminaoes raciais ,aquelas determi-
nadas pelas nooes de raa e cor, sao amplamente consideradas
pelo senso comum como discriminaoes de classe, o sentido pr-
sociolgico do termo nunca deixou de ter igncia. Lste sentido
avciev do termo classe` pode ser compreendido como perten-
cendo a ordem das desigualdades de direitos, da distribuiao da
honra e do prestgio sociais, em sociedades capitalistas e moder-
nas, onde permaneceu razoaelmente intacta uma ordem hierar-
quica de priilgios, e onde uma viaate cta.. nao oi capaz de
desazer os priilgios sociais e de estabelecer os idearios da
igualdade e da cidadania.
Preencher o azio terico ocupado pela reerncia ulgar a
classe` talez seja a grande tarea da sociologia dos anos 90.
Boa parte da produao sociolgica no Brasil, a partir dos 80, a
comear pelos ensaios seminais de Roberto DaMatta ,1984, 1985,
1990,, apontam nesta direao: a chamada sociedade de classes,
no Brasil, nao pressupoe uma ordem social igualitaria e relaoes
sociais abertas.
Lm Retatiri`avao, por exemplo, DaMatta ,1984, retoma uma
interpretaao classica de Marin larris, reelaborando-a a partir
das idias de Dumont sobre a relaao entre raci.vo e igvataaae,
para colocar a hiptese de que teria sido a quase rgida estrutura
de classes` brasileira a responsael pela relatia ausncia de dis-
criminaao racial no pas. Ora, parece-me que a conusao brasi-
leira tradicional entre discriminaao de classe e discriminaao
40
F M I H E I L DKCEI SD N BI C EGGKQL
racial se dee tanto a uma postura ideolgica quanto a conusao
e ao constante deslizamento semantico entre os trs signiicados
do termo classe` -grupo identitario, associaao de interesses e
sujeito poltico e histrico.
Assim como o termo ciaaaavia traz implcito o sentimento
de nacionalidade comum, pressuposto nao problematizado nor-
malmente pelos tericos, o termo cta..e, mesmo quando emprega-
do em seu sentido sociolgico, que explicitamente o relaciona a
uma ordem de igualdade de direitos, pressupoe, de ato, os prii-
lgios e, portanto, a desigualdade de direitos que o termo ulgar
e pr-sociolgico sugere. A guisa de exemplo, dizer que nao
racial a discriminaao que, no Brasil, sorem os negros, equiale
a silenciar o que deeria ser dito: que se encontra atio, na nossa
ordem de classes, o princpio de desigualdade de direitos indii-
duais. No mesmo diapasao, Jos Murilo de Caralho ,1998, cha-
mou a atenao para o ato de que a noao de cidadania, no
Brasil, reere-se mais propriamente a igualdade de direitos polti-
cos que a igualdade de direitos ciis.
Se estou certo, pois, boa parte da literatura sociolgica con-
temporanea, que toma como tema central a ectv.ao e a limitaao
de ciaaaavia a as classes populares, esta realmente reerida ao campo
tematico das classes sociais no que tange a ordem estamental, a
aao de grupos, a sua hierarquia e a ormaao de covvviaaae.,
ve.vo qvavao ai.tavte aa robtevatica ecovvica aa. c,a..e..
O desaio terico do presente , justamente, azer conluir
os estudos sobre a desigualdade dos indiduos e das cta..e. ,no
sentido de produto de classiicaoes identitarias,. Isso signiica
azer dialogar tradioes que reletem sobre ,a, as tradioes
patrimonialistas e autoritarias , ,b, a ideologia da desigualdade
brasileira, sob a orma mitolgica de aevocracia raciat, ,c, a pratica
cotidiana da desigualdade, atras da iolncia sica e simblica,
,d, a ormaao de atores coletios e sua poltica, ,e, a inserao
economica destes atores e a sua dinamica produtia.
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