1) O documento apresenta uma revisão de estudos antropológicos sobre dança ao longo do século XX, destacando autores como Boas, Radcliffe-Brown, Mead e Bateson.
2) Abordagens iniciais viam dança como expressão da estrutura social ou liberação de emoções, enquanto outras ressaltaram seu potencial de vincular indivíduos.
3) Estudos mais recentes analisaram dança em contextos urbanos e seu papel na mediação de mudanças sociais.
1) O documento apresenta uma revisão de estudos antropológicos sobre dança ao longo do século XX, destacando autores como Boas, Radcliffe-Brown, Mead e Bateson.
2) Abordagens iniciais viam dança como expressão da estrutura social ou liberação de emoções, enquanto outras ressaltaram seu potencial de vincular indivíduos.
3) Estudos mais recentes analisaram dança em contextos urbanos e seu papel na mediação de mudanças sociais.
1) O documento apresenta uma revisão de estudos antropológicos sobre dança ao longo do século XX, destacando autores como Boas, Radcliffe-Brown, Mead e Bateson.
2) Abordagens iniciais viam dança como expressão da estrutura social ou liberação de emoções, enquanto outras ressaltaram seu potencial de vincular indivíduos.
3) Estudos mais recentes analisaram dança em contextos urbanos e seu papel na mediação de mudanças sociais.
1) O documento apresenta uma revisão de estudos antropológicos sobre dança ao longo do século XX, destacando autores como Boas, Radcliffe-Brown, Mead e Bateson.
2) Abordagens iniciais viam dança como expressão da estrutura social ou liberação de emoções, enquanto outras ressaltaram seu potencial de vincular indivíduos.
3) Estudos mais recentes analisaram dança em contextos urbanos e seu papel na mediação de mudanças sociais.
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RENATA DE S GONALVES*
PATRCIA SILVA OSORIO**
APRESENTAO A dana uma expresso comum a todas as so- ciedades e um tema aparentemente bvio para o interesse antropolgico. No entanto, permaneceu pouco sistematizada ou dispersa na literatura antro- polgica, figurando associada a diferentes tpicos, tais como ritual, folclore, magia e religio. Se um campo de estudos relativos dana, de um lado, pode parecer novo por no ter figurado ao longo do sculo XX como parte do programa dos cursos de Cincias Sociais ou de Antropologia, ou por no estar assiduamente presente nos congressos da rea, de outro, a dana tema recorrente e trans- versal. Os estudos sobre dana agregam interesses diversos, com carter transdisciplinar e abertos a recortes e caminhos metodolgicos variados. Ao longo da ltima dcada, a dana como unidade de reflexo acadmica tem encontrado respaldo em encontros cientficos nas reas de literatura, histria, cincias sociais, educao fsica, etnomusi- cologia, teatro, dana, performance e artes, no Brasil e em outros pases. Por isso mesmo, compreender como a abordagem antropolgica da dana se d ao longo do tempo significa tambm refletir sobre os caminhos da prtica etnogrfica e sobre o de- senvolvimento da teoria antropolgica. Nesta apresentao do Dossi Antropologia da Dana, traaremos inicialmente um breve panora- ma, que no se pretende exaustivo, sobre estudos que relacionam dana e sociedade. Em seguida, apresentaremos uma amostra contempornea dos caminhos renovados e criativos de abordagens an- * professora do Departa- mento de Antropologia e do Programa de Ps-graduao em Antropologia da Univer- sidade Federal Fluminense. Publicou A dana nobre do carnaval. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2010. ** professora do Departa- mento de Antropologia e do Programa de Ps-graduao em Estudos de Cultura Con- tempornea da Universida- de Federal de Mato Grosso. 14 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 3 Prova - JLuizSM - 09/mai/2013 tropolgicas sobre dana, ancoradas em trabalhos etnogrficos realizados no Brasil, na Argentina, em Portugal, na Espanha e na frica do Sul. Algumas das reflexes apresentadas no dossi foram apresentadas e discu- tidas no mbito do grupo de trabalho Antropologia da Dana. 1 O grupo objetivou colocar em debate as variadas formas de delimitao do campo terico e metodolgico da antropologia da dana. Naquele contexto, pre- tendemos dar lugar anlise de relaes culturais, histrica e socialmente construdas, estruturadas e inferidas na prpria performance; s relaes entre estados emocionais, subjetividade, corporeidade; e dimenso coletiva da dana. Abrimos tambm s reflexes amparadas em pesquisas etnogrficas que assumiram a dana como um veculo privilegiado para a tessitura de redes de sociabilidades, para o fortalecimento de sentimentos de pertena e para a construo de dinmicas de mediao poltica. Neste dossi, damos continuidade ao debate, sem a pretenso de esgotar o tema, mas dispostos a mostrar a amplitude e o carter transversal da dana no contexto da teoria antropolgica. De incio, importante mencionar alguns trabalhos clssicos que nos ajudam a problematizar e a sublinhar a centralidade do tema. Na obra Arte primitiva, publicada em 1927, Franz Boas fornece contribuies ao estudo de diferentes expresses artsticas, entre elas a dana. Juntamente com a literatura e a msica, a dana categorizada por Boas como arte do tempo. O ritmo pensado como um trao esttico fundamental destas expresses. Boas (1947, p. 334) entende a dana como movimentos rtmicos de qualquer parte do corpo, balano dos braos, movimento do tronco, cabea, pernas e ps. Uma das inovaes de Boas em seu estudo sobre a arte primitiva trat-la como um campo autnomo e privilegiado de investigao antropolgica. Como desbobramento da centralidade ocupada pela arte, a ateno do antroplogo volta-se no s para os significados simblicos veiculados pelas expresses artsticas, mas tambm para seus aspectos tcnicos e formais. Ao tratar a dana como uma forma de arte, Boas amplia as formas de compreender sua manifestao nas sociedades primitivas, enfatizando seus aspectos tcnicos, formas e no s os significados conscientemente veiculados. Em monografia de 1922 sobre os ilhus andamaneses, Radcliffe-Brown atribuiu fora da msica e da dana, mais do que s palavras ou mmica, a centralidade da ao de uma fora moral nos indivduos. A relevncia da dana na sociedade, devido ao seu potencial de vincular os indivduos socialmente e de gerar solidariedade social, pode ser compreendida como um desenvolvimento da tradio durkheimiana com sua especial nfase ao aspecto comunicativo que concebe os rituais como atos de sociedade 1 28 Reunio Brasileira de Antropologia realizada em So Paulo entre os dias 2 a 5 de julho de 2012. 15 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 eficazes. Ao aferir dana a mesma natureza da cano, o autor observa que o carter essencial de todas as danas o ritmo e que a funo primeira da natureza rtmica da dana propiciar que um nmero de pessoas se una nas mesmas aes e aja como um s corpo. Radcliffe-Brown relaciona as atividades corporais aos sentidos viso e audio e s atividades men- tais, que so experimentadas tanto individualmente quanto coletivamente pelos danarinos. A exemplo da abordagem de Radcliffe-Brown, a dana, entendida como expresso e funo da estrutura social, foi tema recorrente na literatura sobre o assunto da primeira metade do sculo XX. A dana seria como uma vlvula de escape a liberar determinadas emoes. Evans-Pritchard [1928] sugeriu que a dana da cerveja dos Azande servia, entre outras coisas, para investir as foras do sexo em canais sociais inofensivos. Mar- garet Mead [1928] indicava que as danas informais entre as crianas de Samoa significavam a liberao da rigorosa represso e subordinao que elas sofriam em relao aos adultos. Outra via de compreenso ultrapassava a busca pela funo ou expresso dos movimentos. O casal Margaret Mead e Gregory Bateson realizou pesquisa etnogrfica em Bali entre os anos de 1936 e 1939. No contexto sociocultural observado pelo casal de antroplogos, as crianas eram desde cedo treinadas pela repetio e a imitao do movimento compartilhado por todos os balineses, sem ocorrer uma distino entre os aptos e os no aptos. Os movimentos do corpo na dana, explorados no filme Learning to dance produzido pelo casal, so praticados por todos desde a infncia e executados como uma extenso dos movimentos daqueles que os en- sinavam. Essa forma de lidar com o corpo, mais do que um aprendizado mecnico, ajustava-se ao que seria um dos traos do ethos balins aquele que valorizava a visualidade e o uso dos sentidos. A evidncia do vnculo estabelecido entre o indivduo e o grupo social por meio da ao experimentada corporalmente foi defendida pelo socilo- go francs Marcel Mauss em sua abordagem sobre as tcnicas corporais [1934], para quem no h tcnica e tampouco transmisso se no h tra- dio (MAUSS, 1974, p. 217). Para alm da funcionalidade das tcnicas, incluindo-se a a dana, Mauss verificou que, enquanto fatos sociais totais, elas operam mediaes entre categorias de natureza esttica, fisiolgica, psicolgica, cosmolgica. Outro vis enfatizou o carter metacomunicativo da dana. Gregory Ba- teson, em seus Metalogues [1954], traz um belo tema intitulado Por que um cisne?. Bateson e sua filha conversam sobre a relao entre o cisne e a danarina. O pai expressa sua dificuldade em diferenci-los e argumenta 16 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 3 Prova - JLuizSM - 09/mai/2013 que a expresso espcie de relaciona algumas ideias que se tm sobre o cisne a algumas ideias que se tm sobre a danarina. Seria uma relao metafrica? Ele, ento, problematiza a ideia de metfora e a ideia de sacramento. E argumenta que a diferena entre metfora e sacramento no bal no se encontra unicamente naquilo que o performer, o artista, ou determinado espectador, entende da dana. A filha, ento, acha que essa diferena uma espcie de segredo. O pai conclui que aquilo que simula, o que no simula e o real se fundem em uma nica significao. E no encontra seu sentido completo nem na pessoa que dana nem naquela que a v, mas na relao de comunicao que constri uma metamensagem. O antroplogo ingls Alfred Gell no final da dcada de 1960 e incio dos anos 1970 fez trabalho de campo em distrito da provncia de Sepik, na Nova Guin. Influenciado por Edmund Leach, o autor analisa um grupo de danas rituais Umeda. Gell parte do princpio de que cada cultura tem um conjunto de performances motoras que comunica a mensagem isto dana. Desse modo, Gell defende o argumento de que todas as danas Umeda so variantes de um mesmo padro. As diferenas significantes que as distinguem so derivaes de elementos trazidos daquilo que no dana. As fronteiras que separam os movimentos do corpo daquilo que ou no dana no so ditadas pelo movimento em si, mas pelo estilo. O estilo seria o aspecto da dana que a separa do mundo que no dana (nondance world). O significado seria o aspecto da dana que a traz de volta ao mundo que no dana (GELL, 1985, p. 190). A dana em contextos de urbanizao inaugura, por sua vez, um novo interesse na dcada de 1950. A dana como categoria de interao e como mediadora de mudanas sociais pode ser exemplificada com o estudo de Klyde Mitchell. Mitchell, em artigo de 1956, analisa a dana Kalela, uma dana tribal popular realizada em meio urbano, como meio de investigar o tribalismo e outras caractersticas de relaes sociais entre africanos nas cidades da Rodsia do Norte, abordando-a como uma resposta criativa dos africanos em um contexto opressivo. A anlise de Mitchell diferenciou- -se daquelas que relacionavam o crescimento das cidades ao declnio das relaes tribais, prticas comunitrias tradicionais. O autor observou que o sistema de prestgio nas reas urbanas utilizava civilizao ou o estilo de vida europeu como padro a ser seguido. Sua abordagem, entretanto, coloca o leitor diante de um aparente paradoxo. A dana era clara- mente tribal, com nfase nas diferenas tribais, mas a lngua e o idioma das canes e a vestimenta dos danarinos so retirados de uma vivncia urbana que tende a subjugar estas diferenas. Como observou Mitchell, 17 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 a dana Kalela foi, assim, uma dentre muitas situaes possveis em que o tribalismo funcionou como uma categoria de interao. Mitchell, entre outros autores, explorou as mudanas socioculturais e a prpria expresso da dinmica temporal a partir da abordagem da dana. H, ainda, exemplos etnogrficos sobre grupos de danas em que a rivali- dade expressa como um jogo ou como um espetculo ou desfile. Assim acontece no estudo do historiador africano Terence Ranger (1975) sobre os beni-ngoma no leste da frica. Ranger percebeu que seus informantes tinham dificuldade em falar sobre mudanas histricas recentes no sentido amplo; no entanto, falavam entusiasmadamente sobre as transformaes dessa dana no tempo. A dana era uma espcie de caricatura de uma pa- rada militar originada com o colonialismo na costa Swahili. Seu idioma era o da exibio e competio entre associaes de dana rivais. Tais grupos no foram os mesmos ao longo do tempo. Historicamente, rivalizavam famlias aristocrticas ricas associadas a duas faces na cidade; depois, com a ordem tradicional desfeita, a dana tornou-se veculo para jovens homens mais ricos desafiarem os velhos patriarcas e, finalmente, a dana foi foco do desafio entre imigrantes de baixo status por reconhecimento das elites da cidade. Tal idioma competitivo permaneceu como a quali- dade principal da dana, ainda que adaptado a divises e aspiraes em diferentes pocas e localidades do leste da frica. Nessa linha que problematiza a relao entre histria e cultura, o an- troplogo norte-americano Marshall Sahlins lana um olhar renovado e desafiador sobre a investigao das continuidades e das mudanas, apresentando como exemplo etnogrfico as escolas de dana do hula-hula que tm florescido no contexto turstico havaiano. O hula-hula, que segue um circuito turstico, no deveria ser entendido como uma inveno, como afirma boa parte da historiografia colonial (SAHLINS, 2004, p. 516). O uso ritual qualificado por um apelo tradio e memria, a partir de um contexto absolutamente novo, no seria uma simples fabricao imposta poltica ou ideologicamente e, tampouco, seria uma reao a essa fabricao. Como entende o autor, a compreenso dos processos de transmisso do hula-hula contribui no apenas para dar lies salutares de continuidade cultural, mas tambm para sintetizar a forma e a funo, a estrutura e a variao como um processo cultural significativo, decorrente de uma ordem cultural especfica. A antropologia da performance abre ainda uma nova chave de leitura em que cabe investigar os sentidos dados pela dana e o lugar crtico e sur- preendente por ela promovido, mostrando-se tambm como importante vis analtico. Os sentidos da experincia so atualizados pela dana como 18 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 3 Prova - JLuizSM - 09/mai/2013 performance. A performance produz gramticas metalingusticas (TURNER, 1988, p. 22) que comunicam, materializam, instauram e garantem ex- perincia individual novas possibilidades, significando muitas coisas, pois dependem das interaes estabelecidas. O ritual e suas derivaes, notada- mente as artes performticas, e aqui a estendemos para a dana, resultam das formas liminares e reflexivas que caracterizam o drama social, no qual as estruturas da experincia de grupo so replicadas, desmembradas, re- membradas, remodeladas e tornadas significativas (TURNER, 1986, p. 43). Como observa a antroploga argentina Mara Carozzi (2011, p. 14), an- troplogos clssicos como Malinowski, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard abordaram as funes sociais de diferentes danas, mas seus escritos et- nogrficos pouco falaram sobre os movimentos especficos presentes nas mesmas. Para a autora, essa desateno comeou a ser revertida nas dcadas de 1960 e 1970, dentro de um subcampo disciplinar que ainda permane- ce marginal e pouco consultado a exemplo de alguns dos antroplogos norte-americanos como Adrienne Kaeppler, Joann Kealiinohomoku, Anya Peterson Royce, Judith Hanna e Drid Williams. importante mencionar que as redes norte-americanas de pesquisa em dana ganham especial destaque na dcada de 1980. Para citar uma des- sas iniciativas, a antroploga Joann Kealiinohomoku, em conjunto com pesquisadores danarinos, etnomusiclogos, fundou em 1981 o Cross- -Cultural Dance Resources, organizao norte-americana de pesquisa em dana que promove um conhecimento holstico da diversidade e do significado da dana presentes em todos os contextos culturais, buscando transcender fronteiras disciplinares entre artes, humanidades e cincias sociais e investindo em um campo aberto de investigao. Carozzi critica a ideia de dana como uma categoria universalmente apli- cvel. Como alternativa, ao invs da dana, alguns pesquisadores nomeiam diferentemente a partir da ideia de movimento como uma antropologia dos sistemas estruturados de movimento (KAEPPLER, 1985) ou antropologia do movimento humano (FARNELL, 1995). A dana como categoria universal passou por uma problematizao seme- lhante que ocorreu com a etnomusicologia no que se refere relao entre msica e som, e com o teatro e a performance, no campo dos estudos de performance. Carozzi sugere que as investigaes a partir da dcada de 1980 investiram na dana como expresso, prtica, execuo ou transformao de relaes de poder. A autora ainda menciona que, apesar de a antro- pologia da dana (e do movimento) experimentar um certo crescimento nos anos 1990, os antroplogos que se dedicam mais detidamente ao seu estudo continuam sendo escassos (CAROZZI, 2011, p. 16). 19 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 A antroploga prope uma metodologia de trabalho em que a descrio dos movimentos seja cuidadosamente elaborada. Os estudos etnogrficos tm revelado uma grande diversidade de relaes entre o movimento e a palavra, mas persiste a tendncia a negligenciar a palavra falada e cantada que convive com o movimento nas prticas de dana. A palavra que aparece nos estudos antropolgicos aquela elucidada nas entrevistas ou a escrita trocada pelos sujeitos de reflexo entre eles e com o antroplogo antes, depois que eles bailam ou que observam outros bailarem (2011, p. 32). O livro de Carozzi Las Palavras y los Pasos problematiza a diviso entre mentes que falam e corpos que se movem, mostrando a relao entre palavra e movimento a partir de etnografias em que as danas e os bailes so objeto de investigao: baile eletrnico, folclore, tango, entretenimento corporal e salsa (2011, p. 33). com a antroploga argentina Mara Julia Carozzi que abrimos o primeiro artigo do dossi. Com base em uma longa experincia etnogrfica focada nas aulas de tango no centro de Buenos Aires, Carozzi desvela os discursos ideolgicos que associam a popularizao do ensino da dana na Argen- tina sua visibilidade no exterior. Para a autora, tais narrativas encobrem complexos processos locais que sero o foco de sua anlise. A partir das dinmicas locais, a autora analisa o surgimento e a proliferao das aulas em grupos, apoiadas inicialmente pelo governo local, e a transformao dos mtodos de ensino que possibilitaram a insero de novos segmen- tos nas aulas, o aumento do nmero de danarinos e a redefinio dos estilos de tango. Ao abordar as modificaes nos modos de se ensinar o tango em Buenos Aires, Carozzi mostra como as diferentes formas de transmisso esto associadas a maneiras diferenciadas de experimentar a dana e consequentemente de tecer sociabilidades urbanas. O artigo traz ainda uma resenha sobre a reflexo feita no mbito das Cincias Sociais sobre danas nacionais e as narrativas a elas associadas, fornecendo assim uma sistematizao terica importante para o campo disperso da antro- pologia da dana. O texto ganha amplitude ao instigar a nossa reflexo sobre outros gneros como o samba. J na cidade do Rio de Janeiro, Felipe Berocan Veiga explora as sociabilida- des urbanas e a dana de salo como seu principal eixo analtico. Com base na etnografia da Gafieira Estudantina, localizada na Praa Tiradentes do Centro dessa cidade, o autor procura identificar a construo moral das ambincias urbanas que configuram o divertimento na metrpole ca- rioca. Ao centrar sua criativa e original anlise nos estatutos da gafieira, Veiga amplia o entendimento da dana como expresso de civilidade. O artigo apresenta um rico levantamento bibliogrfico acerca das danas 20 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 3 Prova - JLuizSM - 09/mai/2013 urbanas de salo no Rio de Janeiro, revelando uma cartografia prpria e uma cidade em transformao social. Na abordagem do autor, a dana social se configura para alm do salo e dos danarinos, encontrando, nos bastidores da administrao dessa importante casa de dana do Rio de Ja- neiro, construes morais que configuram sociabilidades em permanente negociao no espao urbano. O artigo Rede Terreiro: pluralidades na dana negra contempornea, de Fernando Ferraz, provoca um conjunto de reflexes em torno do encontro Rede Terreiro de Dana Contempornea, evento que, no ano de 2012, integrou artistas de So Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte dedicados produo das danas de matrizes negras. A originalidade do tema est expressa no prprio ttulo, que indica uma rede em torno das pluralidades da dana negra contempornea. O achado da temtica ganha fundamentao etnogrfica, histrica e conceitual ao mostrar a formulao da dana negra como eixo de atuao poltica e de pesquisa na atualidade. O autor revela espaos de discusso previamente constitudos, como o Frum de Performance Negra, Festival de Arte Negra, e caracteriza tais espaos a partir de formas contemporneas de definir e atuar com uma arte ou dana negra, em um jogo que aponta uma variedade de nomeaes: dana afro-brasileira, dana afro, dana negra e dana afro- -diasprica. Com base na atuao de alguns dos importantes atores sociais (como os coregrafos, artistas, danarinos, as instituies de governo, de fomento, de polticas pblicas) que integram esse campo, o leitor visualiza a rede mencionada no ttulo do artigo. Permite-nos, assim, dialogar com alguns estudos contemporneos que mencionam processos complexos de ampliaes das apresentaes, espetacularizao, profissionalizao e patrimonializao. Tais contextos apresentam uma reconfigurao plena de conflitos e tenses, em que determinados traos so descartados, outros reinventados, mas dificilmente traduzidos por uma relao de perdas e ganhos. A importncia do evento mostra a potencialidade estratgica de fortalecimento do campo, dos processos criativos, da ampliao de vncu- los, das redes de integrao. Ao mesmo tempo, problematiza os discursos veiculados (que, conforme os dados mostram, so muitas vezes conflitantes em suas perspectivas). A dana motiva tenses e ao mesmo tempo realiza o papel de mediadora ao promover engajamentos polticos mltiplos. Juliana Braz Dias nos traz o complexo cenrio de produo dos sentidos no toyi-toyi. Ora descrita como dana, ora como treinamento de comba- tentes, o toyi-toyi ficou conhecido como uma expresso do movimento de resistncia ao apartheid na frica do Sul. A partir de algumas produes cinematogrficas, Braz Dias focaliza a dana, mostrando como os movi- 21 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 mentos estruturados do toyi-toyi constroem narrativas, assumindo sentidos e formas de exibio diferenciados. Em uma interessante anlise flmica, a dana emerge como um texto polissmico aberto a mltiplas significaes e interpretaes. A antroploga mostra o rendimento da anlise da dana a partir da noo de performance (TURNER), com todos os elementos que a compem, como uma via de acesso coletivo aos sentidos da experincia do toyi-toyi. A inteno da autora no reforar a vinculao entre performance e identidades, mas deslocar a discusso para as fronteiras, para onde se do os trnsitos de sentidos, encontros e desencontros interculturais em que o movimento assume vrios planos de significao: dana, ataque, conflito, dio, revolta, medo, prazer, riso, esperana e liberdade. Maria Johanna Krom centra seu artigo na histria e na prtica das danas entre mouros e cristos a partir da descrio e anlise de trs performances dramatizadas em celebraes contemporneas: a Festes de Moros i Cris- tians em Beneixama, sul da Espanha; a Festa da Bugiada em Sobrado, no norte de Portugal; e as Cavalhadas de Pirenpolis, regio Centro-Oeste do Brasil. Como a autora destaca, embora distintas em sua composio e contexto, todas elas trazem em comum a encenao do encontro entre mouros e cristos. O texto tem o mrito inicial de colocar em relao trs contextos contemporneos diferentes centrando-se na dana como um dispositivo ritual transversal a todos eles. Outro aspecto que merece des- taque no artigo a desnaturalizao da batalha entre mouros e cristos, colocando-a sob prismas distintos diante de dados etnogrficos gerados a partir de trabalho de campo de flego, realizado em contextos festivos particulares. Em relao aos estudos sobre a encenao da batalha/dan- a entre mouros e cristos e de como foram interpretados por diversos pesquisadores, a autora vem problematizar e relativizar essa histria ao privilegiar os aspectos performativos dessa batalha. A proposta central examinar como, nas representaes associadas s performances festivas da batalha entre mouros e cristos (dentre as quais a problemtica de sua origem parece emergir como especialmente relevante), esto subjacentes diferentes conceituaes da ideia de dana, encenao, auto e dos modos particulares de dramatiz-las. Neste primeiro nvel de anlise, a apresentao da bibliografia sobre o tema prope um plano muito salu- tar para a anlise das fontes relativas ao estudo de tais festas (reveladoras elas mesmas de ideias distintas acerca da prpria centralidade da dana), geralmente tratadas como apresentando dados histricos num campo de estudos em que os autores se repetem muito e de modo geralmente muito irrefletido. No que se refere anlise da dana em termos de sociabilidades e status social, a autora promove um dilogo entre os trs contextos etnogrficos, aproximando-os mais por suas diferenas do que 22 ANTROPOLTICA Niteri, n. 33, p. 13-23, 2. sem. 2012 3 Prova - JLuizSM - 09/mai/2013 por suas semelhanas. Colocando em relao, desenvolve a reflexo sobre como as performances movimentam sociabilidades associadas aos gneros, s questes etrias, s relaes familiares, s rivalidades e devoes. Diante da perspectiva comparativa, as dinmicas das danas se aproximam e se distanciam, e nos ajudam a compreender o complexo universo social no qual esto inseridas. O confronto entre os contextos retoma de modo muito criativo a vitalidade desse arranjo festivo que contempla aspectos to complexos como a dana, a msica, a encenao e a rivalidade. 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