Etnoarqueologia

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Etnoarqueologia: uma perspectiva arqueolgica

para o estudo da cultura material


Etnoarchaeology: an archaecological perspective to the study of material culture

Fabola Andra Silva*

Resumo: A etnoarqueologia uma


especialidade da arqueologia que estuda
as sociedades contemporneas e sua
relao com o mundo material.
abordado o seu desenvolvimento como
disciplina, ressaltando o debate em torno
da relao entre etnoarqueologia e
analogia etnogrfica. Destaco que a
etnoarqueologia no deve ser entendida
como analogia, mas como um campo
investigativo que visa a trazer referenciais
etnogrficos como subsdio s interpretaes arqueolgicas sobre o passado e, ao
mesmo tempo, como uma possibilidade
de arqueologia do presente.

Abstract: The ethnoarchaeology is a


specialty of archeology that studies
contemporary societies and their
relationship with material world. It
approached its development as a
discipline, highlighting the debate
around the relationship between
ethnoarchaeology and ethnographic
analogy. Ethnoarchaeology highlight
that should not be construed as an
analogy, but as an investigative field that
aims to bring ethnographic references as
subsidy to archaeological interpretations
about the past and, at the same time, as
an opportunity to Archeology of the
present.

Palavras-chave: Etnoarqueologia.
Analogia etnogrfica. Interpretao
arqueolgica.

Keywords: Ethnoarchaeology. Ethnographic analogy. Archaeological interpretation.

Docente e Pesquisadora no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So


Paulo (USP). Bolsista de Produtividade do CNPq P2. E-mail: [email protected].

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A etnoarqueologia uma especialidade da arqueologia que estuda


sociedades contemporneas para testar hipteses, formular modelos
interpretativos e teorizaes sobre a relao entre as pessoas e o mundo
material. Ela surgiu da prtica arqueolgica de utilizar o dado etnogrfico
para embasar interpretaes sobre os contextos arqueolgicos e foi
desenvolvida no contexto dos debates sobre o modo como as
interpretaes deveriam ser conduzidas, sobre o refinamento dos
procedimentos de obteno de dados etnogrficos pelos prprios
arquelogos e da ampliao dos temas de pesquisa. (KRAMER, 1979;
GOULD, 1980; KENT, 1987; BINFORD, 1991; THOMPSON, 1991; DAVID,
1992; STARK, 1993; HEGMON, 2000; ROUX, 2007; RUIBAL, 2009).
Desde o fim do sculo XV, com a descoberta do Novo Mundo e o
encontro com a diversidade de outras populaes, o uso do dado
etnogrfico j apresentava importncia nas interpretaes dos vestgios
arqueolgicos, ou seja, antes mesmo de a arqueologia existir como
disciplina cientfica. (CHARLTON, 1981). Inicialmente, a observao desses
povos e da sua cultura material estimulou a investigao dos contextos
arqueolgicos europeus, tomando por referncia os contextos etnogrficos
americanos. O uso do dado etnogrfico sob uma analogia geral e direta
permitiu interpretar o modo de vida das antigas populaes (prhistricas) europeias como similares s populaes do Novo Mundo.
(TRIGGER , 1992). Essa comparao ficou mais sistemtica nos sculos
XVIII e XIX, sob a expanso neocolonialista e o desenvolvimento do
evolucionismo, quando as novas populaes descobertas foram
interpretadas como estando em estgios culturais remanescentes do
passado a partir do pressuposto de que elas teriam sofrido poucas
transformaes ao longo do tempo. (TRIGGER, 1992).
Na passagem do sculo XIX para o XX, o evolucionista virou alvo
de crticas com o desenvolvimento do difusionismo, do relativismo
cultural e do particularismo histrico. A possibilidade de realizar analogias
etnogrficas generalizadas para compreender os povos do passado foi
questionada e, desde ento, somente as comparaes entre populaes
historicamente relacionadas foram consideradas antropologicamente
corretas. O antievolucionismo, associado ao antirracismo e ao pressuposto
particularista de que cada cultura devia ser entendida em seus prprios
termos, redirecionou a perspectiva da arqueologia e diminuiu o interesse
pelo dado etnogrfico e pela analogia como recurso interpretativo at
meados do sculo XX. (TRIGGER, 1992).

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A nfase dos estudos arqueolgicos passou classificao tipolgica


e estilstica dos conjuntos artefatuais que foram interpretados como
representando a distribuio geogrfica e a cronolgica dos povos do
passado, numa tentativa de relacionar cultura material o grupos tnicos.
Os achados arqueolgicos no foram mais analisados como estgios
evolutivos, mas como variaes regionais de carter histrico e tnico. A
continuidade nos conjuntos arqueolgicos passou a ser explicada pelo
contato e a interao entre indivduos, entre diferentes populaes e as
mudanas, como o produto da distncia entre os mesmos ou de diferentes
processos de difuso e migrao. (JONES, 1997).
Essa perspectiva foi alterada com o desenvolvimento do estruturalfuncionalismo britnico, que influenciou sobremaneira o pensamento
arqueolgico. Nesse novo contexto cientfico, o enfoque histrico-cultural
passou a ser considerado ineficiente para explicar o funcionamento e as
transformaes das sociedades pr-histricas. Os vestgios arqueolgicos
passaram a ser estudados como integrantes de um sistema cultural e,
nesse sentido, a sua tipologia e a filiao cultural/tnica deixaram de ser
os principais objetivos da pesquisa. Tentou-se entender o processo de
produo e utilizao da cultura material, bem como a relao existente
entre as populaes arqueolgicas e o ambiente. Abandonou-se a nfase
na relao cultura material e etnicidade, substituindo-a pelo objetivo
de entender como viviam as sociedades do passado.
Isso levou retomada da busca de paralelos etnogrficos na dcada
de 60 (sc. XX). (TRIGGER, 1992). Foi um momento para debater a
teoria e a prtica sobre o uso da analogia etnogrfica na interpretao
arqueolgica, com crtica ao modo como os evolucionistas lanaram mo
do dado etnogrfico em suas interpretaes sobre o passado pr-histrico.
Houve uma renovao na maneira de conduzir o raciocnio analgico e,
com isso, se inicia de fato a consolidao de um campo de pesquisa
etnoarqueolgico na arqueologia.

Etnoarqueologia ou no analogia?
Para Ascher (1961), a crtica aos evolucionistas dividiu a estratgia
interpretativa em duas categorias de comparao: 1) analogia histrica
direta; e 2) analogia geral, ou nova analogia. A primeira, para os casos
onde havia comprovada continuidade histrica entre contextos
arqueolgicos e etnogrficos; a segunda, quando a continuidade no
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podia ser demonstrada ou fosse inexistente, apenas para comparar


culturas que manipulem ambientes similares de modos similares. Ascher
(1961) mostrou que no havia consenso na aplicao das duas categorias
na interpretao arqueolgica, identificando trs posies distintas sobre
o problema: 1) as analogias etnogrficas eram indispensveis, mas deviam
restringir-se subsistncia e tecnologia, baseadas no axioma de que a
ao humana era semelhante, independentemente do grupo cultural;
2) a variabilidade do comportamento humano inviabiliza qualquer tipo
de interpretao por meio da analogia etnogrfica; e 3) a interpretao
do registro arqueolgico por analogia sempre seria subjetiva.
Oferecendo uma soluo a favor do consenso e defendendo a analogia
como o principal recurso interpretao do contexto arqueolgico, Ascher
(1961) props estratgias para colocar a analogia sobre uma firme
estrutura: 1) selecionar, no infinito conjunto de possibilidades
analgicas, a que oferece melhor soluo ao problema pesquisado; 2)
realizar um inventrio sistemtico da literatura etnolgica,
principalmente sobre os processos de produo dos itens materiais; e 3)
coletar as informaes nos prprios contextos etnogrficos, mas tais dados
deviam se concentrar nos processos de transformao contnua a que so
submetidos os materiais utilizados cotidianamente por uma comunidade
(p. ex.: produo, uso, reso, descarte e decomposio dos elementos).
Nos anos seguintes, vrios trabalhos foram produzidos para coletar
dados etnogrficos que contribussem interpretao arqueolgica. Sua
principal nfase residia no estudo dos padres de subsistncia e
assentamento, produo e utilizao da cultura material e formao do
registro arqueolgico (p. ex.: NAROLL, 1962; WHITE, 1967; HEIDER, 1967;
LEE, 1968; GOULD, 1968). O termo etnoarqueologia, que j era conhecido
desde o fim do sculo XIX, ganhou visibilidade e comeou a ser
empregado sistematicamente, junto com suas novas perspectivas.
Paralelamente, houve o que Wylie (1985) chamou a nova reao
contra a analogia. Era a crtica noo de analogia etnogrfica pelo
enfoque da nova arqueologia, que restringia o seu uso ao universo da
formulao de hipteses e desconsiderava a sua aplicabilidade nas
concluses interpretativas do registro arqueolgico. A reao mais
eloquente vinha de Binford (1967, 1968), para quem os dados
etnogrficos no deveriam ser utilizados para estabelecer analogias, mas
para formular proposies sobre o passado. Para ele, a analogia etnogrfica
na interpretao do registro arqueolgico baseava-se na compreenso de
que o contexto comportamental do passado era semelhante ao contexto
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comportamental do presente, o que resultava numa viso simplificada,


distorcida e etnocntrica do registro arqueolgico. A analogia entre o
presente e o passado s poderia ser realizada em termos inferenciais,
quando houvesse uma continuidade histrica comprovada entre as
populaes comparadas. Para ele, o entendimento do passado no
simplesmente uma questo de interpretar o registro arqueolgico atravs
da analogia com sociedades vivas, sendo necessrio desenvolver mtodos
que permitam relacionar os fenmenos arqueologicamente observados
s variveis que, embora observadas de diferentes formas entre as
populaes vivas, possuem valor explicativo. (BINFORD, 1968, p. 269).
Apesar da crtica, o uso da analogia etnogrfica prosperou nos anos
70 (sc. XX), com o aumento do interesse pela abordagem etnoarqueolgica. Vrios pesquisadores dedicaram esforos para desenvolver a
etnoarqueologia mundo afora: 1) Gould (1971, 1978a) pesquisou
aspectos da adaptabilidade de aborgenes australianos, identificando
diferentes variveis que poderiam condicionar as estratgias de explorao
dos recursos ambientais, a seletividade de matrias-primas para a
confeco do instrumental ltico, o uso do espao e o padro de descarte
dos materiais em comunidades caadoras-coletoras; 2) Yellen (1977)
investigou o padro de residncia dos Kungs, na frica, para entender
os processos de formao dos stios de atividades especficas e das reas
de atividades, discutindo o aspecto visibilidade dos contextos
arqueolgicos; 3) Binford (1978) estudou estratgias de caa e descarne
dos Nunamiuts, no Alaska, para contribuir compreenso das frequncias
dos resduos faunsticos encontrados em diferentes contextos
arqueolgicos. Alm deles, livros sobre vrios temas e novas reflexes
sobre conceitos e metodologias da etnoarqueologia foram organizados.
(D ONNAN ; C LEWLOW , 1974; G OULD , 1978b; K RAMER , 1979). A
etnoarqueologia foi, ento, considerada uma estratgia de pesquisa
centrada no estudo do comportamento humano e da cultura material
de populaes contemporneas, para levantar dados etnogrficos teis
como referenciais na interpretao dos vestgios arqueolgicos. (OSWALT,
1974; STANISLAWSKI, 1974; GOULD, 1974; SCHIFFER, 1978; KIRCH, 1978;
KRAMER, 1979). Ao mesmo tempo, ficou evidente que a relao da
etnoarqueologia com a analogia etnogrfica era polmica e sem consenso
entre os arquelogos.
Para Gould (1974, 1977, 1978a, 1978b), a abordagem
etnoarqueolgica no permitiria o estabelecimento de analogias concretas
e diretas, porque os dados etnogrficos nem sempre apresentavam
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correlatos arqueolgicos ou, ainda, que a prpria visibilidade arqueolgica


, muitas vezes, precria. Assim, defendia a ideia de que interpretaes
do registro arqueolgico s poderiam ser feitas quando embasadas em
um conjunto de modelos interpretativos fundados em pesquisas
etnoarqueolgicas. A ideia de modelo trazia subjacente a percepo de
que se utilizaria um conjunto de hipteses a ser testado com relao aos
dados arqueolgicos, a partir da abordagem contrastiva (isto , da
identificao das semelhanas e diferenas entre contextos arqueolgicos
e etnogrficos), para analisar particularidades, regularidades e recorrncias
comportamentais. Dois tipos de modelo poderiam ser formulados com
a pesquisa etnoarqueolgica: 1) modelos contnuos, nos casos de
continuidade histrica entre as populaes comparadas; e 2) modelos
descontnuos, nos casos em que essa continuidade fosse inexistente ou
no comprovada. Nesse segundo, deveriam ser considerados,
preferencialmente, grupos que ocupassem os mesmos tipos de ambiente
e apresentassem tecnologias semelhantes. Em trabalho posterior, Gould
(1980) radicalizou ainda mais suas posies contra o que chamava
argumento pela analogia, passando a defender o argumento pela
anomalia, no sentido de que observar as diferenas entre os contextos
etnogrficos e arqueolgicos to importante quanto pesquisar as
similaridades. Alm disso, ele entendia que mesmo o uso de abordagem
contrastiva era, em ltima instncia, uma forma de analogia que deveria
ser superada em favor da busca e compreenso de princpios gerais do
comportamento humano que ele definiu como expresses transitrias
de realidades comportamentais (GOULD, 1980, p. 112); os aspectos
relacionados adaptabilidade do homem ao meio ambiente seriam aqueles
mais facilmente explicveis em termos de princpios gerais de
comportamento.1
Wobst (1978) tambm defendeu o posicionamento crtico em
relao ao uso analgico do dado etnogrfico, nos casos de interpretaes
sobre grupos caadores-coletores. Ele destacou a tirania que o dado
etnogrfico exerce nas interpretaes arqueolgicas, medida que pode
limitar a compreenso da variabilidade dos comportamentos do passado.
Wobst ressaltou a necessidade de questionar, historicamente, o presente
etnogrfico, ou seja, que no se poderia desconhecer o fato de que as
culturas etnogrficas so resultantes de transformaes sofridas ao longo
do tempo. Esse tambm foi realizado por Trigger (1978), que centrou
sua discusso sobre a especificidade do dado arqueolgico e, ao mesmo
tempo, defendeu que a arqueologia poderia explicar as variabilidades
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comportamentais e os processos culturais numa dimenso espacial e


temporal de longa extenso, para mais alm da observao etnogrfica.
Ele considerava que, nesse sentido, mesmo que as populaes indgenas
desapaream, os arquelogos podem continuar a interpretar o passado.
Ento, a etnoarqueologia passou a ser entendida como uma
abordagem, que poderia ir alm de correlacionar comportamentos
etnogrficos e arqueolgicos, sendo empregada como instrumento til
para constatar as possveis variabilidades e mudanas culturais ocorridas
ao longo do tempo.
Yellen (1977) j havia antecipado preocupaes como as de Wobst
(1998), demonstrando que nem todos os modos de vida caador-coletor
pr-histricos seriam rplicas dos modos de vida das sociedades caadorascoletoras atuais. Defendia que no se podia esquecer que as sociedades
atuais estariam vivendo em reas mais restritas e marginais, resultando
em perda significativa da compreenso da variabilidade em termos
comparados situao distinta do passado arqueolgico, quando haveria
uma extenso territorial muito maior e marcada por diferentes paisagens.
E lembrava que as anlises interculturais se tornavam muito limitadas,
pois certas atividades das comunidades pr-histricas no podiam mais
ser observadas (como parte da produo de arte rupestre) e por haver
poucas populaes caadoras-coletoras no presente. Para Yellen (1977,
p. 3), a interpretao dos padres no registro arqueolgico necessitaria
de alguma impresso ou idia do que pode constituir uma explicao
razovel, e o recurso analogia seria a mais expediente e talvez de
inevitvel abordagem, devido ao estado da arte sobre essas sociedades e
seus modos de vida.
Yellen (1997) props o uso do recurso da analogia com extremo
cuidado e sugeriu quatro procedimentos distintos com relao ao dado
etnogrfico: 1) general model procurar modelos gerais de
comportamento humano em termos de comparao intercultural, para
perceber as possveis regularidades que, por sua vez, embasariam hipteses
a serem testadas sobre o registro arqueolgico; 2) buckshot aplicao
do dado etnogrfico para resolver problemas especficos observados no
registro arqueolgico; 3) spoiler usar o dado etnogrfico para testar
interpretaes prvias sobre o registro arqueolgico; e 4) laboratory
usar o presente etnogrfico como laboratrio, quando for possvel
controlar as condies que geram a formao do registro arqueolgico.
Nesse caso, a observao do cotidiano fundamental para o pesquisador,
que usaria tais informaes para decifrar o registro arqueolgico.
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Na mesma linha, Watson (1979, p. 277) defende que a analogia


imprescindvel na interpretao arqueolgica, afirmando que a base
terica da etnoarqueologia o uso de analogias derivadas das observaes
do presente para auxiliar a interpretao dos eventos e processos
passados. Como Yellen, Watson (1979) via que as analogias podiam
ser hipteses a serem testadas e no como um recurso direto de
interpretao do registro arqueolgico. Watson defendeu esse
posicionamento ao debater as ideias de Gould (1980), destacando que
ele criticou o uso de analogia, mas que no deixou de us-la na
interpretao acerca do uso de instrumentos e para entender aspectos
da adaptabilidade e da subsistncia. Para a autora, a crtica de Gould
(1980) se centrava em um tipo de uso de analogia a partir do qual o
dado etnogrfico seria utilizado unilateralmente para interpretar os
vestgios arqueolgicos, como uma espcie de leitura direta do passado
por meio do presente. Em outro trabalho, Watson (1979) salientou
que Gould estaria equivocado sobre o emprego de analogia no processo
interpretativo, por entender o raciocnio analgico como uma forma
mecnica de igualar os materiais etnogrficos e arqueolgicos; ela, ao
contrrio, o via como a base conceitual de toda a interpretao
arqueolgica. (GOULD; WATSON , 1982, p. 363). Gould defendeu-se
escrevendo que os dados etnogrficos obtidos pela pesquisa
etnoarqueolgica deviam ser analisados pelo princpio do
uniformitarismo, pois tal princpio (adotado da geologia) pressupe que
determinados processos do passado, responsveis pela formao do
registro arqueolgico, no seriam sobremaneira distintos dos observados
no presente etnogrfico. (G OULD ; W ATSON , 1982). Para Gould,
comportamentos adaptativos, como: tcnicas de procura, transporte,
consumo e descarte de alimentos, so encontrados recorrentemente entre
diferentes populaes, apresentando caractersticas muito especficas de
resduos materiais. Tais caractersticas produzem assinaturas, ou seja,
ligaes previsveis e testveis entre comportamento e resduos materiais,
as quais podem ocorrer no registro arqueolgico. Nesse sentido, as
atividades do arquelogo devem ser conduzidas com o objetivo de testar
a ocorrncia das assinaturas. Portanto, Gould sugeriu que as hipteses
interpretativas do registro arqueolgico devem ser geradas a partir da
constatao desses princpios recorrentes, ou seja, dos princpios gerais
do comportamento humano e no a partir de analogias etnogrficas.
Segundo ele, essas analogias incorrem sempre em trs erros: 1) so
limitadas na medida em que s podem informar sobre tipos de
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comportamento ainda existentes e, nesse sentido, incorrem na falcia


de afirmar o consequente; 2) nenhuma quantidade ou nmero de
semelhanas pode confirmar um caso particular, considerando no existir
relao necessria entre determinados comportamentos e resduos
materiais derivados deles; e 3) as similaridades no podem explicar a
variabilidade. (GOULD; WATSON, 1982).
Essa perspectiva foi criticada por Wylie (1982, p. 393), pois estaria
embasada na noo de falsa analogia. Em tese, dois objetos comparados
seriam vistos como totalmente similares. Para Wylie, estabelecer uma
analogia entre dois objetos pressupor que eles podem apresentar
similaridades em alguns aspectos e serem diferentes em outros.
Posteriormente, Wylie (1985) retomou esse debate, e suas crticas aos
argumentos de Gould foram semelhantes quelas desenvolvidas por
Watson (1979) e Gould e Watson (1982). Mais uma vez, ela reafirmou
que, embora esse autor tenha criticado o uso da analogia na interpretao
arqueolgica, muitos de seus argumentos interpretativos no conseguiram
escapar de um raciocnio eminentemente analgico. Na parte final do
artigo, a autora engendra uma defesa pelo argumento analgico na
interpretao arqueolgica, procurando refinar a aplicabilidade desse
procedimento, lanando mo da noo de analogia relacional
desenvolvida por Hodder (1982).
Para Hodder (1982) existe uma diferena interpretativa subjacente
entre o uso da analogia formal e o da analogia relacional. Para a analogia
formal, se dois objetos apresentam uma similaridade em algumas de
suas caractersticas, significa que eles so similares em outras. Hodder
(1982) considerou esse tipo de raciocnio extremamente falho e fortuito,
justificando o fim do uso da analogia etnogrfica na interpretao
arqueolgica. Ele defendeu o emprego da analogia relacional, para
procurar identificar um nmero crescente de similaridades entre os
contextos. Alm disso, a comparao intercultural tambm pode ser
um recurso para reforar o emprego da analogia, ou seja, para identificar
aspectos recorrentes do comportamento humano e seus consequentes
padres de resduos materiais. Hodder (1982, p. 26) afirmou ser
necessrio considerar que os contextos investigados no so apenas
funcionais, pois apresentam, tambm, uma dimenso simblica. Ao
adotar o raciocnio analgico, portanto, preciso aceitar o fato de que
existiro algumas diferenas entre as coisas que esto sendo comparadas,
o que no invalida as comparaes. Por fim, Hodder (1982, p. 28)
considerou que etnoarqueologia uma importante fonte de analogias.
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Kent (1987) prosseguiu com o debate, refinando as diferenas entre


a pesquisa etnoarqueolgica e o papel da analogia etnogrfica na
interpretao arqueolgica. Ela argumentou que a etnoarqueologia no
deve ser considerada como sinnimo de analogia. Alm disso, ela
explicitou duas perspectivas sobre o uso do dado etnogrfico na
arqueologia: 1) a arqueologia antropolgica, definida como uma
pesquisa realizada para entender uma populao arqueolgica da maneira
mais completa possvel e cujo objetivo reconstruir uma histria cultural,
utiliza-se para isso da analogia histrica direta e da analogia geral; e 2) a
etnografia arqueolgica, definida como uma estratgia que procura
identificar aspectos do contexto etnogrfico, os quais possam servir de
analogia para auxiliar na interpretao de aspectos especficos do registro
arqueolgico.
Para Kent (1987), a abordagem etnoarquelgica tem objetivos
distintos das abordagens mencionadas acima, pois seu propsito principal
no reconstruir uma histria cultural, tampouco identificar analogias.
A etnoarqueologia deve ser desenvolvida para possibilitar ao arquelogo
apreender os processos culturais relacionados com temas/problemas
gerais, como, por exemplo, organizao tecnolgica, uso do espao e
mudana cultural. Segundo Kent (1987, p. 37), o etnoarquelogo
desenvolve sua pesquisa a partir de uma problemtica arqueolgica e
busca, no dado etnogrfico, a base para a formulao e teste de hipteses,
modelos e/ou teorias a respeito do seu interesse e retorna ao registro
arqueolgico para implementar o conhecimento alcanado a partir do
dado etnogrfico. O etnoarquelogo busca um entendimento mais
amplo e comparativo sobre os fenmenos culturais e no informaes
particularistas do tipo aquele objeto A e a sala B foram usados do modo
C ou D. (KENT , 1987, p. 42). Assim, Kent definiu a abordagem
etnoarqueolgica como sendo uma estratgia de pesquisa com o objetivo
de identificar princpios gerais ou estruturais do comportamento
humano com relao ao mundo material.
Para outros pesquisadores, a etnoarqueologia deve contribuir para a
elaborao das chamadas teorias de mdio alcance que, na arqueologia,
procuram identificar os princpios gerais dos processos de formao do
registro arqueolgico. Para Binford ([1983]1991), o principal objetivo
da arqueologia explicar a configurao do registro arqueolgico, o que
s pode ser feito a partir da observao da dinmica do processo de
formao do mesmo, ou seja, por meio de pesquisa arqueologicamente
orientada nos contextos etnogrficos. Segundo ele, se tencionamos
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investigar a relao entre esttica e dinmica, necessrio que esses dois


aspectos sejam observados em simultneo, e o nico lugar onde podemos
observar a dinmica no mundo moderno, aqui e agora. (BINFORD,
1991, p. 33).
A meu ver, esse debate de dcadas em torno da relao da
etnoarqueologia com a analogia etnogrfica e com a noo de teoria de
mdio alcance se resume, ao fim e ao cabo, em tentar definir como o
dado etnoarqueolgico pode ser utilizado na interpretao do registro
arqueolgico. Nesse sentido, a etnoarqueologia (como um campo
investigativo da arqueologia) no deve ser entendida como analogia,
mas como uma abordagem que visa a trazer referenciais etnogrficos
que sirvam de subsdio s interpretaes arqueolgicas sobre o passado.
Sobre a metodologia da pesquisa etnoarqueolgica
Em termos metodolgicos, a pesquisa etnoarqueolgica desenvolvese a partir de um conjunto de estratgias de natureza diversificada, mas
complementares entre si. Essas estratgias metodolgicas incluem a
pesquisa bibliogrfica e museogrfica, a pesquisa experimental e a pesquisa
de campo etnogrfica. (STILES , 1977; GOULD, 1977; HARDIN; MILLS,
2000).
Na bibliografia etnolgica, o arquelogo procura resgatar
informaes a respeito do modo de vida das populaes nativas sobre,
por exemplo, a produo e a significao da sua cultura material, padro
de subsistncia e assentamento, uso do espao, deslocamentos territoriais
e contatos com outras populaes. Com a pesquisa museogrfica, podese trabalhar com artefatos coletados nessas populaes e adquirir
informaes sobre o seu uso e fabricao e as possveis transformaes
ocorridas ao longo do tempo, em relao utilizao de matrias-primas
e processos produtivos. Com a pesquisa experimental, possvel tentar
replicar, sob condies controladas, a produo e o uso de determinados
artefatos, bem como os diferentes processos de preservao e transformao
que podem afetar e condicionar a formao de determinados registros
materiais. Com a pesquisa de campo etnogrfica, ele pode adquirir
informaes detalhadas in loco sobre todos os aspectos acima
mencionados. Esse tipo de estratgia que , sem dvida, a mais
importante conhecido como living archaeology e pode ser entendida
como o esforo empreendido por um arquelogo ou etngrafo para
realizar um trabalho de campo em sociedades vivas, dando especial
ateno padronizao arqueolgica do comportamento naquelas
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sociedades. (GOULD, 1977, p. 360). Em outras palavras, ela pode ser


entendida como uma observao participante arqueologicamente
orientada e, nesse sentido, trata-se de um tipo peculiar de etnografia
(G OULD, 1978a, p. 4), que deve contemplar uma srie de passos e
elementos usualmente distantes das reas de interesse dos etngrafos,
produzindo uma especificidade de dados que so de interesse
fundamental para a pesquisa arqueolgica, relativos aos processos de
formao do resduo humano. (GOULD, 1978b, p. 815).
Durante a pesquisa de campo, o etnoarquelogo tem uma
preocupao com o detalhamento das cadeias operatrias de produo
dos itens materiais, descrevendo os processos tecnolgicos desde a
obteno das matrias-primas at a confeco do produto final, seu uso,
armazenagem e descarte, sempre atento aos vestgios materiais resultantes
de todos esses processos. Paralelamente, se interessa em observar o modo
como as pessoas usam o espao, tanto para desenvolver essas atividades
de produo quanto para realizar suas atividades cotidianas de
subsistncia, nesse caso, o universo de observao se estende para alm
dos assentamentos de moradia, a fim de se obter uma percepo do uso
do territrio de ocupao dos grupos.
Nesse sentido, a living archaeology fundamental para que o
arquelogo possa entender os processos deposicionais culturais (p. ex.:
manufatura, utilizao, reutilizao, armazenagem e descarte da cultura
material), que resultam em determinada configurao do registro material.
Alm disso, contribui para o entendimento dos processos psdeposicionais culturais e naturais (p. ex., processo de sedimentao e
reocupao do local por outra populao), que alteram a configurao
inicial do mesmo. (SCHIFFER, [1972] 1995, 1987). A abordagem da
living archaeology permite ao arquelogo vivenciar e contextualizar esses
processos na totalidade do sistema cultural e, assim, apreender os
significados mais amplos dessas prticas.
Sendo um tipo peculiar de observao participante, essa estratgia
no poderia deixar de empregar alguns dos princpios da prtica de
campo antropolgica, como, por exemplo, trabalhar com informantes e
contrapor suas informaes, se esforar para aprender a lngua nativa,
imergir no cotidiano do grupo e procurar registrar com detalhamento
todas as experincias vividas.
Para Schiffer (1978, p. 235-237), no entanto, tcnicas de campo
desenvolvidas pelos prprios arquelogos podem ser mais bem adaptadas
para uma eficiente realizao dos objetivos arqueolgicos. Ele cita, por
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exemplo, a tcnica de percorrer trajetos predeterminados em torno de


reas de moradia, em diferentes horas do dia, durante vrios dias da
semana, a fim de descrever as atividades cotidianas que podem ocorrer
nesses perodos, bem como a distribuio dos registros materiais
resultantes das mesmas. A partir disso, o etnoarquelogo pode ter uma
compreenso detalhada do uso do espao no que se refere aos aspectos
relacionados multifuncionalidade das reas de atividades. Outra tcnica
a marcao de potes cermicos para que o arquelogo possa controlar
o tempo de vida til dos mesmos sem depender exclusivamente das
informaes, muitas vezes, imprecisas das ceramistas os dados referentes
vida til dos artefatos cermicos so fundamentais para os modelos
explicativos sobre frequncia de vasilhas num assentamento.
Segundo Gould (1990), a pesquisa etnoarqueolgica precisa ser
desenvolvida a partir tanto de uma abordagem tica quanto mica para
apreender os fenmenos estudados. Quando ele se utiliza da expresso
abordagem tica, est se referindo ao fato de que o etnoarquelogo
precisa resgatar dados materiais quantitativos, relativos aos
comportamentos humanos, independentemente do contexto estudado
(p. ex., registrar a quantidade e a configurao espacial da deposio de
material resultante de diferentes atividades). Por outro lado, ele necessita
apreender os mecanismos e significados culturais que so subjacentes a
esses comportamentos, e isso s pode ser alcanado se ele adotar uma
abordagem antropolgica de pesquisa de campo que lhe possibilite
reconhecer as categorias micas definidoras dos mesmos. A partir disso,
ele adquire a habilidade para controlar essas categorias da experincia e
outros fatores culturais que podem afetar o potencial de interpretao
do registro arqueolgico. (GOULD, 1990, p. 66). O que ele procura
destacar que o etnoarquelogo precisa estar atento s diferentes
dimenses que um determinado comportamento pode representar, ou
seja, que ele pode ser motivado tanto por questes de ordem prtica e
contingentes, como por questes de ordem simblica contextualmente
construdas.
Apesar das diferentes abordagens tericas e das estratgias
metodolgicas adotadas e desenvolvidas, a etnoarqueologia est
consolidada como um campo da pesquisa arqueolgica fundamental
para o estudo da cultura material das populaes humanas e a
interpretao dos contextos arqueolgicos.

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Concluso
David (1992, p. 330) salientou que a etnoarqueologia
caracterizada por uma diversidade de produtos que, muitas vezes,
parecem ter pouco em comum. Isso ocorre porque a pesquisa
etnoarqueolgica possibilita ressaltar a diversidade terico-metodolgica
existente na disciplina arqueolgica, que foi desenvolvida com uma
diversificao de temas, objetos de pesquisa e referenciais tericos. Entre
as dcadas de 60 e 80 (sc. XX), a maioria dos trabalhos
etnoarqueolgicos foi conduzida sob o vis processualista, com o objetivo
de apreender os princpios gerais do comportamento humano e buscar
estabelecer generalizaes interculturais da relao homem/mundo
material. Esses etnoarquelogos centraram-se no estudo dos sistemas de
assentamento, subsistncia, produo e utilizao da cultura material e
da formao do registro arqueolgico, por entender que esses aspectos
poderiam trazer maior previsibilidade na associao entre
comportamento humano e registro material. (DAVID, 1992).
A partir da crtica ps-processualista, novos temas e problemas foram
incorporados pesquisa etnoarqueolgica, e o objetivo passou a ser o
estudo e a compreenso dos aspectos simblicos da relao do homem
com o mundo material. Os estudos de cultura material passaram a
enfatizar, por exemplo, a sua relao com as estratgias de poder, a
cosmologia e a vida ritual. (STARK, 1993). Na perspectiva ps-processual,
a busca pela generalizao e por princpios gerais do comportamento
humano foi transposta na tentativa de apreender a sua diversidade. O
objetivo de utilizar dados etnoarqueolgicos para elaborar analogias ou
teorizaes de mdio alcance foi substitudo pela tentativa de obter uma
compreenso contextual e especfica dos fenmenos.
Dessa forma, enquanto a etnoarqueologia processual procura
identificar regularidades interculturais, a etnoarqueologia ps-processual
procura entender os princpios estruturais subjacentes relao homem
versus mundo material, especficos em cada contexto (p. ex.: D AVID;
STERNER; GAVUA, 1988; KUS, 1997; LYONS, 1998).
Para David (1992) e Stark (1993), essas diferentes abordagens no
so totalmente irreconciliveis medida que ambas tm como objetivo
final a construo de uma base de dados empricos a ser utilizada nas
interpretaes arqueolgicas. Alm disso, segundo eles, a pesquisa precisa
ser conduzida levando-se em considerao o particular e o geral na
abordagem dos fenmenos culturais. Assim, quando o etnoarquelogo
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realiza uma etnografia com olhar arqueolgico em um contexto


etnogrfico especfico, gera uma infinidade de descries particularizadas
sobre o comportamento humano. Por outro lado, o esforo da pesquisa
, tambm, descrever as mais amplas implicaes dos seus resultados e,
assim, o trabalho comparativo com relao aos dados fundamental
para que haja uma contribuio efetiva em termos de interpretao
arqueolgica. Finalmente, preciso destacar que no podemos entender
o comportamento e a realidade material, desconsiderando a relao
dialtica entre prtica e simbolismo da ao humana no mundo material.
Portanto, mais do que formular generalizaes que possam ser utilizadas
para interpretar os registros arqueolgicos, a etnoarqueologia pode
propiciar um aprofundamento no entendimento dessa relao expressa
na cultura material.
Atualmente, essa tem sido uma vertente da pesquisa
etnoarqueolgica, ou seja, alguns pesquisadores transformaram a
etnoarqueologia em uma arqueologia do presente. O objetivo da
observao entender a relao dos homens com o mundo material no
tempo presente e contribuir para o debate antropolgico sobre a relao
dos homens com os objetos e a materialidade. A etnoarqueologia deixa
de ser uma abordagem arqueolgica voltada, exclusivamente,
compreenso das populaes no passado, para a se transformar em uma
possibilidade de entender as populaes do presente em termos de suas
relaes com a natureza e a sobrenatureza. (RUIBAL, 2009).

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Notas
*

Este texto resultou de pesquisas


financiadas pelo CNPq e pela Fapesp,
nos ltimos 15 anos. A reviso e
comentrios foram de Francisco Silva
Noelli.
1
Gould estudou a relao dos aborgenes
australianos com o ambiente em relao
s estratgias de subsistncia e de produo
de instrumental ltico. Sua pesquisa
permitiu enumerar alguns princpios
gerais de comportamento (p. ex., que um
local de habitao pode ser reocupado

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vrias vezes por ano, quando diferentes


produtos so explorados na mesma rea;
ou, ao contrrio, que o mesmo local
pode no ser reocupado por anos
quando no chover perto dos poos
naquele perodo), e elaborar modelos
para compreender a configurao dos
registros arqueolgicos regionais. Assim,
concluiu que, apesar de poucas
mudanas, o padro adaptativo do
contexto arqueolgico era semelhante ao
observado etnograficamente.

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