CARVALHO NETTO, Menelick. A Sanção No Procedimento Legislativo 155 A 178 PDF

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DEL REY

v
-

MENELICK DE CARVALHO
NETTO

I
,

11

Graduou-se pela Faculdade de


Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), e ali mesmo
especializou-se em Filosofia do
Direito, merecendo o grau de
doutor em Direito.
Tcnico concursado de nvel
superior em pesquisa jurdica e
social da Assemblia Legislativa
do Estado de Minas Gerais, onde
gerenciou a rea de pesquisas
histricas. Coordenou uma equipe
de pesquisadores encarregada da
anlise e estudo das Assemblias
Constituintes de Minas Gerais.
Assessorou a Comisso
Preparatria dos Trabalhos a 1V
Assemblia Constituinte do Estado
de Minas Gerais, coordenando
equipe tcnica de apoio ao mesmo
processo constituinte, em 1989.
Integrou, juntamente com a
Dra Maria Coeli Simes Pires secretria-geral da mesa da
Assemblia - e o Dr. Antnio
Augusto Junho Anastasia, a
assessoria direta do relator,
Deputado Bonifcio Mouro.
Lecionou, na Faculdade Mineira de
Direito da Pontificia Universidade
Catlica de Minas Gerais (PUCI
MG), a cadeira de Direito
Constitucional. Como
professor-adjunto de Teoria da
Constituio e Teoria do Estado,
no curso de Graduaco, e de
Teoria Geral do ~ i r e k oPblico, em
Ps-Graduao, integra os quadros
da Faculdade de Direito da UFMG.

A SANO NO PROCEDIMENTO LEG1SLATTV.O

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2.5

MENELICK DE CARVALHO NETTO


Doutor em Filosofia do Direito pela UFMG. Professor Adjunto de Teoria da
Constituio e do Estado, do Departamento de Direito Pblico da Faculdade
de Direito da UFMG. Professor de Teoria Geral do Direito Pblico nos
cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da UFMG. Assessor de
Processo Legislativo da Assemblia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

A SANO NO
PROCEDIMENTO
LEGISLATIVO

Belo Horizonte- 1992


ANO DO CENTENRIO DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG

C331s

Carvalho Netto, Menelick de


A sano no procedimento 1egislativolMenelick de
Carvalho Netto. - Belo Horizonte. De1 Rey, 1992.
1. Filosofia (Direito) 2. Direito constitucional 3. Formas
de Governo 4. Sistemas de governo 5. Procedimento
legislativo - Sano - Iniciativa 6. Chefe de Estado Sano 7. Chefe de Estado - ~ e t
8. Direito comparado Sano
ITtulo

CDU 340.12
340.131.3
342.511
340.5

Editor

Amaldo Oliveira

Conselho Editorial

Prof. Adriano Pedcio de Paula (Coordenador)


Prof. Antnio Augusto Junho Anastasia
Prof. Aroldo Plfnio Gonalves
Dr. Edelberto Augusto Gomes Lima
Prof. Hemes Vilchez Guerrem
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Prof. Paulo Emlio Ribeiro de Vilhena
Des. Srgio Lellis Santiago

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Indita Editoria de Aite

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30190-909-Belo Horizonte - MG

Nenhuma parte deste livro poder ser reproduzida, sejam quais forem os meios
empregados, sem a permisso, por escrito, da Editora.
Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Sumrio
Apresentao..........................................................................
Prefcio. .................................................................................
Introduo..............................................................................

9
11
13

A SANO DO CHEFE DE ESTADO NO PROCEDIMENTO


LEGISLATIVO COMO OBJETO DA SOCIOLOGLA
JURDICA- QUADRO HISTRICO-COMPARATIVO
1.1 - Etimologia do vocbulo ...................................................
1.2 - Origem histrica e linhas gerais de evoluo da sano do
Chefe do Estado no procedimento legislativo monrquico e
republicano .........................................................................
1.2.1 - A sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo acolhido em Estado Monrquico ...............................
1.2.2 -A sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo acolhido nas Repblicas ............................................
1.2.2.1 - A negativa presidencial de sano passvel de
ser superada pela reaprovao parlamentar qualificada
do projeto .....................................................................
1.2.2.2 - A negativa de Sano Presidencial insupervel.
1.2.2.3 - A negativa de Sano Presidencial supervel
por reaprovao parlamentar do projeto em sesses
legislativas ou em legislaturas sucessivas .....................
1.2.2.4 - A negativa de sano presidencial condicionada . deliberao direta do corpo eleitoral ......................

1.2.2.5 - A negativa de sano presidencial supervel


por simples reaprovao parlamentar do projeto ........... 122
1.2.3 - Concluses preliminares acerca do instituto da sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo, resultantes do quadro histrico-comparativo de seu acolhimento
em Constituies monrquicas e republicanas ..................... 123

A SANAO DO CHEFE DE ESTADO NO PROCEDIMENTO


LEGISLATIVO COMO OBJETO DA FILOSOFIA POLITICA
DA TEORIA GERAL DO DIREITO PBLICO
2.1 - Montesquieu e a distino entre a "faculdade de impedir"
e a "faculdade de estatuir" ...................................................130
2.2 - Hegel e a deciso suprema do Monarca enquanto totalidade
ou indivduo que subsume, em sua unidade, a universalidade
139
do Estado .........................................................................
2:3 A sano rgia como ofiat jurdico da lei ......................... 150
2.3.1 - O Instituto da sano na Teoria Geral do Direito Pblioo das monarquias alems ............................................... 154
2.3.1.1 - A doutrina do Direito Pblico nas Monarquias
alems- delineamento geral ....................................... 155
2.3.1.2 - A teoria de Labaiid - A Sano rgia como
Gesfitzesbefehl, o nico comando imperativo estatal
constitutivo da lei .........................................................167
2.3.1.3 - A teoria de Jellinek - A sano rgia como
Gesetzesbefehl autorizado pelas Cmaras ...................... 175
2.3.2 - O instituto da sano na doutrina de Carr de
Malberg ..............................................................................178
2.4 - A tese da identidade jurdica substancial dos institutos da
sano e do veto - Maurice Maier ..................................... 187
2.5 - Biscaretti di Ruffia: a sano, a aquiescncia e o veto na
teoria geral da participao do Chefe de Estado no procedimento legislativo ................................................................. 191
2.6 - A Comprovao dos postulados iniciais da pesquisa: a distino entre os conceitos de sano e de veto ao nvel da
Teoria Geral do Direito ....................................................... 196

A SANAO COMO OBJETO DA CIENCIA JURDICA E O


PROBLEMA DA EFICCIADO INSTITUTO NO
PROCEDIMENTO LEGISLATIVO BRASILEIRO
3.1 - Do papel da Filosofia e da Cincia do Direito na tarefa de
consolidao do regime democrtico................................... 204
3.1.1 - Da relao complementar entre Filosofia e Cincia.. 208
3.1.1.1 - As caractersticas estruturais do atual Conceito
de Cincia ....................................................................211
3.1.2 - Dacincia Jurdica como instrumento de garantia
das instituies democrticas e da cidadania ....................... 218
3.2 - Da insero da sano no procedimento legislativo .......... 224
3.2.1 - O conceito de procedimento legislativo enquanto fenmeno especfico e genrico do qual o procedimento
legislativo uma espcie ....................................................228
3.2.2 - Distino dos institutos da sano e do veto no que se
refere s suas respectivas consequncias jurdicas ............... 247
3.3 - Da recusa de eficcia da sano do Chefe de Estado no
procedimento legislativo brasileiro ..................................... 251
3.3.1 - Da Smula iP.5 do Supremo Tribunal Federal .......... 251
3.3.2 - Da subverso do significado da sano do Chefe de
Estado no procedimento legislativo autocrtico ................... 264
3.3.2.1 - O procedimento legislativo e a ordem autori- .
iria instaurada em 1964 ............................................... 265
3.3.2.2 - A supresso da Smula n" pelo acrdo proferido em deciso da representao de inconstitucionalidade nP890, de 27 de maro de 1974 ............................ 273

A Constituio da Repblica de 1988 e a eficcia da 'sano


do Chefe de Estado e do executivo no procedimento legislativo
democrtico..............................................................................291

Bibliografia .............................................................................299

1
I

Apresentao
Menelick de Carvalho Netto de h muito vem dedicando-se aos
temas referentes ao processo legislativo, inclusive na Assessoria da
Assemblia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Tambm essa vivencia
muito contribuiu para que se elaborasse a tese Da eficcia do instituto da
sano no procedimento legislativo brasileiro luz da teoria geral da
participao do Chefe de Estado na formao da lei.
Este trabalho, alm do exame detalhado da matria no direito
comparado, consegue um minucioso exame da promulgao, da publicao,
da sano e de outros institutos afins, momento em que o seu autor faz
diversas incurses em pontos essenciais da tcnica legislativa e de seu
procedimento.
Menelick de Carvalho Netto, detendo-se no exame do instituto da
sano no procedimento legislativo, mostra os diversos desdobramentos e as
diversas discusses doutrinrias e jurisprudenciais sobre a matria, ocasio
em que ressalta que a sano do Chefe de Estado na elaborao legislativa
bem antiga no direito constitucional.
nesse trabalho que destaca as questes referentes eficcia de
sano aposta pelo Chefe de Estado a projetos ou a dispositivos de projetos
de lei atinentes matria a ele constitucionalmente reservada. Para
fundamentar o seu trabalho, parte da etimologia da palavra "sano", ao
mesmo tempo em que salienta a origem histrica e as linhas gerais de
evoluo da sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo
monrquico e republicano. Ao tratar da insero da sano no procedimento
legislativo, entende que a sano designa a participao do Chefe de Estado
no procedimento legislativo de carter constitutivo da lei, "uma vez que
requerida para a perfeio da lei; ao passo que aquela outra atividade
semelhante, mas de natureza diversa, designada pelo termo veto, intervm
na fase de aquisio de eficcia de uma lei j perfeita, como no
ordenamento constitucional italiano".
Este trabalho consegue realizar uma verdadeira teoria geral da
sano, considerando-a sobre os diversos aspectos, ressaltando a sua
importncia no procedimento legislativo.

de se destacar a profunda anlise que o autor empreende das


doutrinas acerca do instituto, sendo que autores como Laband e Jeilinek j
tratavam da sano como elemento essencial da elaborao legislativa.
nesse sentido que a sano integra o procedunento legislativo, que
se efetiva por uma srie de etapas que se cumprem atravs de um conjunto
de atos que se vinculam entre si, para a produo de um ato final de
pronncia-declarao jurdica, cujos princpios se encontram balizados nas
normas constitucionais.
O trabalho ora apresentado, aprovado com Iurea mxima pela
banca integrada pelos professores, Paulo Bonavides, Ivo Dantas, Raul
Machado Horta, Walter Bruno de Carvalho e Jos Alfredo de Oliveira
Baracho, na qualidade de orientador, faz detidas anlises sobre as
conseqncias jurdicas decorrentes das questes advindas no procedimento
de elaborao legislativa, resultante da vivncia que seu autor teve com os
trabalhos que executava na Assemblia Legislativa.
O estudo ora apresentado de grande importncia para juristas,
parlamentares, juzes, advogados e aqueles que exercem a assessoria
parlamentar e as funes legislativas.
Jos Alfredo de Oliveira Baracho
Diretor da Faculdade de Direito da UFMG

Prefcio
Redigida h praticamente dois anos, como tese de doutoramento em
filosofia do Direito, junto aos cursos de ps-graduao em Direito da
UFMG, a obra teve como ttulo original Da eficcia do instituto da sano
no procedimento legislativo brasileiro luz da teoria geral da participao
do Chefe de Estado na formao da lei, que, embora, por demais longa,
retratava, com preciso, o objeto e a finalidade da pesquisa. Aparentemente
pontual o estudo acerca da sano no procedimento legislativo, contudo, por
sua centralidade na configurao constitucional do papel reservado ao Chefe
de Estado, permitiu a recuperao de textos, doutrinas e vivncias
constitucionais que perfazem a histria do constitucionalismo desde os seus
primrdios at os dias de hoje, com a afirmao universal do Estado
Democrtico de Direito, da democracia pluralista e participativa. Talvez,
precisamente a pontualidade do tema e a finalidade de compreenso
normativa da pesquisa tenham requerido que evitssemos pressuposies
desenvolvimentistas que implicassem a reduo da complexidade dos vrios
contextos em que se inseriu o instituto, emprestando feio prpria e
especfica a cada um deles, e atribuindo pesquisa carter, por assim dizer,
arqueolgico, viabilizandoo resgate de raros objetos da poca.
O tema requereu a anlise das doutrinas acerca das relaes entre
chefia de Estado, chefia de Governo, Parlamento e Representaco poltica,
tanto em monarquias, repblicas, democracias e ditaduras, qu&to nos
sistemas parlamentar e presidencial de Governo. Exigiu, portanto, toda uma
ordem de anlises e reflexes acerca dos mais abstratos e fundamentais
princpios asseguradores das formas de governo da modernidade, bem como
das regras operacionais configuradoras dos sistemas de governo, ambas nos
quadros mais amplos das simbologias ideolgicas dos regimes polticos.
Tais anlises vm atestar, para alm da importncia estrutural desta
pesquisa, a sua oportunidade conjuntural, por nos encontrarmos s vsperas
da realizao do plebiscito para a definio da "forma (sic., art. 2"o
Ato
das Disposies Constitucionais Transitrias) e do sistema de Governo" a
serem acolhidos no Pas.
Igualmente oportuna parece-nos a recolocao das questes
atinentes ao procedimento legislativo ein bases doutrinrias slidas e

rigorosas, no momento em que o Supremo Tribunal Federal assume, de


forma corajosa e decisiva, o seu papel de efetivo guardio da Constituio e
da cidadania. Quando da impecvel deciso sobre o mandado de segurana
imvetrado velo Sr. Presidente da Revblica. Femando Collor de Mello.
contra o ato do Sr. Presidente d c m a r a , D e g T s e m Pinheiro-instauradora do procedimento de autonzao da C"am%pFa o processo e
julgamento do Presidente da Repblica pelo Senado ~ederal,por-prtica de
crime de responsabilidade-, o que a Corte Constitucional veio a exorcizar
foi, precisamente, o fantasma autoritrio de se considerar indevida e abusiva
a participao popular direta em decises polticas da mais alta gravidade,
resentao poltica estatal, em
caracterizando o seu influxo sobre a
sentido amplo, como "presso ilegtima"
Supremo iniciou, portanto, o
rduo trabalho de efetivao das normas constitucionais finais, que no
pode prescindir da
efetiva da sociedade civil organizada, em
todos os nveis de deciso, sobre as regras sociais ainda prevalentes,
herdadas dos longos anos de autoritarismo, que, na prtica e nos arestos do
tribunal, negam curso Constituio democrtica e pluralista de 1 9 8 8 9
Nessa linha, a presente obra tem o intuito de contribuir para a reviso e o
conseqente exorcismo dessas regras informais subjacentes que determinam
uma leitura que, a um s tempo, mantm viva, na prtica, a ordem
autoritria anterior e impede a efetiva consecuo de um Estado
Democrtico de Direito no Brasil.
Consciente da imprudncia que significa o registro d e
agradecimentos s pessoas que contriburam para a elaborao de uma obra
que resultou do trabalho de anos, no podemos deixar de, mediante a
lembrana de alguns, homenagear a todos. So co-autores, nos mais
diversos sentidos, pois possibilitaram a sua realizao. Assim dedico a obra
que ora se publica, em primeiro lugar, Flvia da Motta e Albuquerque,
mais que esposa, companheira, parceira na vida, nos sonhos e tarefas
cotidianas, co-autora do que ambos somos em nosso dever. Aos meus pais,
Menelick e Zez, pelo respeito e integral apoio que deram aos seus filhos
para que eles se fizessem; aos meus filhos, Thiago, Andr e Estevo, pelo
tempo que lhes foi roubado; aos meus mestres, Paulo Emlio Ribeiro de
Vilhena, Arthur Jos de Almeida Diniz, Celso Barbi, Washigton Albina P.
de Souza, Carlos Mrio da Silva Velloso, Raul Machado Horta e Jos
Alfredo de Oliveira Baracho, pelas lies de direito e vida, ou de direito
vida; aos meus companheiros de luta, pela afirmao de um Legislativo
atuante e representativo, nas pessoas do mestre Jos Sebastio Moreira e da
sbia e amiga Mana Coeli Simes Pires; aos amigos, Marcelo e Cristiana
Pertence, Carlos e Amlia Arruda Cosenza, Ricardo Mendanha Ladeira e
Ricardo Coelho, pela ajuda e pacincia; s proP, Marilena Souza Lopes e
Alade Inah Imaculada Gonzales, pelo desinteressado, competente e rduo
trabalho de reviso dos originais; e, prima e amiga, Ana Rita, por sua
competncia, capacidade de trabalho e desprendimento na lida com todas as
tecnicalidades computacionais que o tornaram possvel; e, finalmente, aos
professores, Paulo Bonavides, Ivo Dantas e Walter Bruno de Carvalho, por
suas valiosas observaes.

'd

Introduo
A sano do Chefe de Estado no procedimento de formao
da lei dos mais antigos institutos do Direito Constitucional, visto
que contemporneo dos albores do Constitucionalismo. Acolhida no
Brasil desde a Constituio do Imprio de 1824, sob o modelo da
Constituio monrquica da Frana de 1791, sofre o influxo do
modelo norte-americano nas Constituies republicanas. Embora o
instituto tenha sido objeto especfico da reflexo de autores como
Hegel, Laband, Jellinek, Carr de Malberg e Biscaretti di Ruffia,
para citar apenas os de maior renome, tema praticamente ausente
na literatura jurdica do Brasil republicano. As rpidas referncias ao
instituto existentes nessa literatura apresentam carter meramente
descritivo e tautolgico, prescindindo de qualquer estudo mais
profundo sobre a sua natureza, o seu modo de insero no procedimento legislativo e as suas conseqncias jurdicas. Por outro
lado, h vrios estudos monogrficos sobre o instituto que autores
denominam veto, compreendendo nessa expresso, genrica e
difusamente, toda e qualquer participao do Chefe de Estado no
procedimento legislativo que tenha o condo de impedir ou retardar,
indiferentemente, seja a formao mesma da lei, seja a aquisio de
eficcia de uma lei j perfeita. A seduo exercida sobre essa
doutrina pelos salientes aspectos polticos dessa participao
negativa genrica foi tamanha que terminou por relegar, sombra, a
anlise propriamente jurdica do tipo de instituto acolhido no Brasil
em toda a sua inteireza. Talvez a ausncia de uma abordagem, no
s no que se refira ao nosso tema, mas de todo o procedimento
legislativo, enquanto contexto em que ele necessariamente se insere,
a partir de um enfoque cientificamente orientado para uma reconstruo normativa sistmica- ou seja, jurdico-doutrinria e no
apenas emprico-descritiva e no mais das vezes meramente tautol-

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gica, privando a matria das caractersticas de coerncia e rigor que


apenas o profundo labor doutrinrio reconstrutivo pode fornecer muito tenha contribudo para a peculiar @terpretao que o Supremo
Tribunal Federal tornou assente a partir de 1974 quanto eficcia de
sano. Desde ento se negou qualquer eficcia sano aposta pelo
Chefe de Estado a projetos ou a dispositivos de projetos de lei
atinentes a matria'dTTniciativa a
rgumentou-se Tii6'5"Legislativo,
ele vedada pela Constituio e
ilegtima e irresistvel presso
uscaremos comprovar, no apenas
desconhece a natureza jurdica especfica do procedimento
legislativo e a de seus institutos, particularmente, no caso, a da
iniciativa e a da sano, como tambkm, ao ter por fundamento
pressupostos polticos implcitos e essenciais ordem autocrtica
anterior, 6 absolutamente antagnico e iiicompossvel com o regime
democrticobs, neste regime poltico, o Poder Legislativo no se
reduz a um mero rgo homologador dotado da funo de revestir,
sob o guante de prazo fatal que implicava a aprovao automtica da
medida, de uma legitimidade apenas formal e aparente as decises
concertadas no mbito de um Executivo que, mesmo quando no
indiretamente eleito representava sempre objetivos nacionais
permanentes, autocraticamente determinados, que um povo infantil,
ou seus representantes diretos, igualmente imaturos, no saberiam
aquilatar. Pelo contrrio, o Legislativo, no regime democrtico, no
mnimo, co-partcipe efetivo da tarefa legislativa, cabendo-lhe mormente naqueles Estados que por acolherem o sistema presidencial de governo garantem uma maior autonomia ao Poder Executivo - a tarefa precpua de emprestar legislao a ser adotada o
carter pluralstico tpico das Casas parlamentares. Precisaineiite por
isso, ao Legislativo cabe, insofismavelmente, por se prefigurar como
caixa de ressonncia dos mais variados anseios populares, o papel de
buscar intermediar, inclusive, virtuais conflitos entre a
Administrao e seus prprios servidores, ou outros segmentos no
sentido da consecuo da melhor soluo possvel para ambos os
contendores.
Assim, a referida interpretao do Supremo Tribunal Federal
terminou por inviabilizar por completo tal funo do Legislativo,
conduzindo ao desgaste ambos os Poderes, por desautorizar os pactos
conscientemente firmados, conforme demonstra claramente um caso
concreto ocorrido no
----Estado de Minas Gerais por ocasio dk perodo
de transio para a nova ordem constitucional democrtica. O

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--

Governador do Estado, eleito em pleito direto em 15111/86, e no


mais indiretamente escolhido por fora da Emenda Constitucional n
15, de 19 de novembro de 1980, enviou, em 29 de maio de 1987, a
mensagem nV22187, encaminhando h Assemblia o projeto de lei
que dispunha sobre "o reajustamento dos valores dos smbolos dos
nveis de vencimentos e dos proventos do pessoal civil do Poder
Executivo" e que recebeu o n"31187. O projeto no continha qualquer referncia aplicabilidade do disposto no art. 8Q,do DecretoLei nq.335, de 12 de junho de 1987, aos servidores civis e militares
do Estado, ou seja, da URP - Unidade de Referncia de Preos, como
ndice-padro de reajustamento automtico de vencimentos. A
poca, os servidores haviam paralisado a prestao de seus servios,
como mecanismo de presso para a negociao do reajuste de seus
vencimentos, j que esses se encontravam sobremaneira defasados,
devido espetacular inflao verificada no perodo e ausncia de
mecanismo de reajuste automtico que, a exemplo do chamado
gatilho, concedido ao servidor federal, pudesse manter, ainda que
minimamente, o poder aquisitivo de seus vencimentos.
As tentativas de negociao continuaram aps o envio da
Mensagem Assemblia. No entanto, a negociao teve incio
graas intermediao dos lderes parlamentares, sobretudo
mediante o rduo trabalho desenvolvido pela liderana do Governo
na Casa, como foi amplamente divulgado pelos noticirios da poca.
Dessa forma, consolidando o acordo havido, que o
Governador envia Assemblia a Mensagem nV28, de 23 de junho
de 1987, publicada no Dirio Oficial de 24 de junho de 1987,
igualmente rubricada pelo Lder do Governo e demais Lideranas
partidrias da Assemblia, cujo inteiro teor transcrevemos:
"Senhor Presidente,
Tenho a honra de solicitar a Vossa Excelncia que sejam
iiitroduzidas no Projeto n 9 31/87, de minha iniciativa encaminhado
ao exame dessa egrgia Assemblia Legislativa atravs da
Mensagem n 122187, as emendas seguintes:
I - O caput do artigo 9*passa a ter a seguinte redao:
"Art. 9% Os valores dos nveis de vencimento do Quadro do
Magistrio, de que trata a Lei nQ7.109, de 13 de outubro de 1977,
previstos nos Anexos I a IV da Lei 119.263, de 11 de setembro de
1986, ficam substitudos pelos constantes dos Anexos I a IV desta
Lei, com as datas de vigncia neles estabelecidas;"
Q

A emenda corrige a tabela proposta para que o reajustamento


do magistrio incida sobre os valores previstos para terem vigncia a
partir de l Qde junho do corrente ano, assegurando-se integralmente,
desta forma, a ltima parcela concedida pela Lei 119.263, de 11 de
setembro de 1986. Tal pagamento, no entanto, dever ser processado
a partir de agosto do ano em curso.
O Governo assegura que os valores dos smbolos e dos nveis
de vencimento do pessoal civil do Poder Executivo sero
reajustados, a ttulo de adiantamento, a partir de novembro de 1987,
com base na Unidade de Referncia de Preos - URP, instituda
pelo artigo 3"o
Decreto-Lei n 9 . 3 3 5 , de 12 de junho de 1987.
Ademais, observada a situao financeira do Estado, procurar
garantir ao Professor, Nvel 1, Grau A, vencimento correspondente
ao valor de 3 (trs) salrios-mnimos vigente naquele ms.
Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelncia
protestos de elevado apreo e distinta considerao."
Q

Como podemos claramente constatar, na parte final da


Mensagem, por ns sublinhada, encontra-se a origem da Emenda n
5, incorporada ao parecer conjunto das Comisses de Constituio e
Justia, de Servio Pblico e de Finanas e Oramento, para as quais
havia sido distribuda a Mensagem. A Emenda n", aprovada, dar
origem ao art. 16 da Proposio de Lei nV0.072. O Governador,
conquanto tenha recusado sano a outros dispositivos, sanciona o
artigo e o transforma no art. 16 da Lei 119.414, de 3 de julho de
1987. Em 17 de novembro do mesmo ano, servidores impetram o
Mandado de Segurana n V 5 8 junto ao Tribunal de Justia do
Estado, com o fim de obrigar o Governador a proceder aplicao e
ao pagamento da correo monetria determinada pelo art. 16 da Lei
nV.414187. Como defesa, o Governador do Estado unicamente
arguiu incidentalmente a constitucionalidade do referido dispositivo
legal, por vcio de iniciativa. Em 24 de fevereiro de 1988, reunida a
Corte Superior, o Relator apresenta o seu voto contrrio concesso
da segurana, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da matria, muito embora lamentasse "que o
dispositivo de lei, ora criticado e arguido de inconstitucional por
vcio de origem, que afrontou a competncia constitucional do
Exmo. Sr. Governador do Estado tenha sido sancionado, quando o
veto oportuno poderia exclu-10. Apesar disso e dos efeitos que
produziu, contribuiu para aplacar o movimento grevista dos
servidores estaduais, mas agora aumenta-lhes a angstia com
reconhecimento de sua inconstitucionalidade que exclui o almejado

direito postulado" (autos, pp. 95-96). O Relator foi acompanhado em


seu voto por mais quatro Desembargadores, pronunciando-se
divergentemente, no entanto, dois outros. Para estes ltimos "a
integrao da vontade do Executivo na elaborao da disposio que
se converteu no art. 16 da Lei n 9.414, e que ora se inquina de
inconstitucional, no se fez presente apenas na fase a posteriori de
elaborao legislativa (sano do projeto), mas tambm durante o
curso da formao da lei, uma vez que o Sr. Governador, atravs de
sua liderana na Assemblia, para pr fim greve dos servidores,
ajustou com os funcionrios, entre outros o pagamento das URP's, e
assim, o dispositivo em questo teria resultado de atos que
traduziram cooperao dos dois Poderes Executivo e Legislativo
atestando inteireza com expressa aquiescncia do Governador B
emenda parlamentar aditiva (...) Penso que seria excesso de
formalismo, contrrio aos princpios que regem a manifestao da
vontade na formao das leis, negar que o Sr. Governador, anuindo
na aprovao da emenda, ou melhor, sugerindo-a sua liderana e s
Comisses da Assemblia, para finalmente complement-la pela
sano, no concorrera para a iniciativa da disposiio legal, id6nea
para produzir regulares efeitos jurdicos (...) o que resta provado
que o Executivo se ps de acordo com o Legislativo na dilatao de
crdito suplementar, para atendimento das despesas decorrentes da
lei que opusera veto a outros dispositivos, sob a alegao de falta de
iniciativa, e sem qualquer reserva ao art. 16, que ora se inquina de
inconstitucional" (autos, pp. 98-100). "A vontade, que deveria ter-se
manifestado antes, rnanffestou-se durante e depois, mas de maneira
to inequvoca que a omisso inicial se tem por sanada, formando-se
o ato perfeito (...) Aqui, o ilustre Governador, que sancionou,
quem, estranhamente e sem legitimidade para faz-lo, representa
contra sua prpria sano". Sob tais fundamentos que esses
Desembargadores se pronunciam favoravelmente concesso da
seguraiia. No entantoh julgamento foi suspeiiso, na sesso de 13 de
abril de 1988, para qe se aguardasse deciso do Supremo Tribunal
Federal sobre arguio direta de inconstitucionalidade do mesmo
dispositivo, feita atravs de representao ao Procurador-Geral da
Repblica pelo Estado de Minas Gerais. O Supremo Tribunal Federal
acolheu e julgou procedente por unanimidade a arguio que tomou
o n 1514-9, declarando a iiiconstitucioiialidade do art. 16 da Lei n
9.414187 do Estado de Minas Gerais, concluindo a Corte Superior do
Tribunal de Justia do Estado pela prejudicialidade do Mandado de
ISegurana.
Q

Esse caso ilustra, de forma paradigmtica, dispensando por si


s maiores comentrios, os perigos inerentes ao desconl~ecime~ito
da
natureza procedimental das normas atinentes ao procedimento
legislativo, ainda que constitucio~~ais,
para o prprio funcionamento
das instituies democrticas.
* ~ a verdade, a sano do Cliefe de Estado brasileiro no
procedimento legislativo brasileiro intervm, desde sempre, como
ato constitutivo da lei, ou seja, o ltimo ato requerido para a sua
formao ou perfeio, localizando-se, portanto, inteira a
absolutamente no curso de formao do diploma legal, e no como
ato posterior de controle de uma lei j perfeita. Apenas uma
compreenso cientfico-doutrinria do procedimento legislativo
$/como um todo poder fornecer-nos os elegntos seguros para a
soluo adequada do problema em tela. Contudo o simples
conhecimento da histria do instituto e suas linhas gerais de
evoluo em Monarquias e Repblicas nos revelar de forma
inequvoca sua natureza no apenas de ato legislativo, mas de um
dos principais atos legislativos, dada a centralidade procedimental do
mesmo, conjuntamente com a aprovao das Cmaras, desvelando a
total ausncia de fundamento e rigor do entendimento consolidado
no perodo autoritrio pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matria. Embora no que se refira ao caso narrado fosse possvel
comprovar, de forma clara e insofismvel, at mesmo o efetivo
exerccio da iniciativa de proposio do dispositivo da parte do
Governador do Estado, por meio de mensagem Assemblia, publicada no Dirio Oficial, e na qual textualmente sugere a referida
norma como emenda ao projeto, a questo que o entendimento
oficial envolve outra e mais profunda. a da prpria natureza do
instituto da sano e de suas necessrias co~isequnciasjurdicas,
correlatas ao papel a ele reservado no procedimento de formao da
lei.
/
' Precisamente por buscarmos a soluo desse problema tpico
luz da Teoria Geral do Direito, no procederemos topicamente.
Propomos, pelo contrrio, o enfrentamelito da questo a partir de trs
exerccios bsicos. Um primeiro, de insero histrica do instituto da
sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo acolhido em
Monarquias e Repblicas, laiiaiido-se mo dos recursos do Direito
Comparado e da Sociologia Jurdica para a sua integral
compreenso. A seguir, pressupondo o primeiro exerccio, um
segundo, que, desta feita, buscar inserir o instituto na Teoria Geral
do Direito e, finalmente, um terceiro exerccio, em que se procurar
explicitar os pressupostos tericos que nortearam a realizao dos

x.

18

exerccios precedentes, de tal forma que possamos deseiivolv-10s


em uma Cincia Jurdica aplicada ao processo legislativo, capaz de
resolver com segurana a questo proposta e, ainda, proceder
crtica e consecuo de uma compreenso mais profunda dos
verdadeiros fundamentos daquela interpretao de que foi objeto a
matria no perodo autoritrio.
A ttulo de concluso, buscaremos demonstrar que, conquanto
r a Constituio da Repblica de 1988 no contenha expressamente
norma semelhante do 2"o art. 70 da Constituio do Estado de
Minas Gerais, que estatui: "A sano expressa ou tcita supre a
iniciativa do Poder Executivo no processo legislativo", outro no
pode ser o corolrio da adoo do instituto da sano em uma
Constituio democrtica, que, pelas especificidades que a
caracterizam como tal, h de clara e inequivocamente explicitar em
seu texto os princpios norteadores da interpretao do mesmo.
Cumpre ressaltar, por fim, a ttulo introdutrio, que os
pressupostos que alimentaram e deram vida presente pesquisa,
embora venham a ser cabalmente explicitados somente ao longo do
terceiro captulo, e isso exclusivamente em virtude do movimento
prprio requerido pelo desenrolar das anlises, informam,
conformam e sustentam o seu inteiro desenvolvimento. Da o convite
que formulamos ao leitor para que se engaje conosco, ao percorrer
estas pginas, nesse exerccio de Filosofia do Direito, que pode ser
traduzido no esforo de se buscar repensar criticamente o papel da
Jurisprudncia, ou seja, da Cincia do Direito, na tarefa de
consolidao de nossa incipiente democracia.

1/
,

Captulo I
A SANAO DO CHEFE DE
ESTADO NO PROCEDIMENTO
LEGISLATIVO COMO OBJETO
DA SOCIOLOGIA JURIDIC A QUADRO
HIST~RICO-COMPARATIVO

"La sanction royale est urt droit et une yrrogative


nationale, confere au chef de lu natiotz par elle rnme,
pour dclarer et garantir qu'une telle rsolution de ses
rpresentants est ou n'est pus l'expression de lu
volotzt gnrale."

Malouet. 1791

1 A SANAO DO CHEFE DE ESTADO NO


PROCEDIMENTO LEGISLATIVO COMO
OBJETO DA SOCIOLOGIA JURDICA QUADRO HIST~RICO-COMPARATIVO
Como indica o prprio ttulo do ensaio, a presente pesquisa
tem como motivo imediato buscar a soluo cientfica adequada para
um problema tpico: quais os efeitos, do ponto de vista jurdico, da
sano do Chefe de Estado - requerida para a perfeio da lei, em
procedimento legislativo que acolha clusulas assecuratrias ao
Governo da exclusividade do poder de iniciativa e de emenda, no
que toca a determinadas matrias - a proposies originadas na
Casa parlamentar, em sistemas de governo em que se concentrem
monocraticamente a Chefia de Estado e a de Governo na figura de
um Presidente da Repblica, de um Governador do Estado ou, ainda,
de um Prefeito Municipal.
O tema nos permite, por sua prpria natureza e em virtude do
relevante e controverso tratamento dispensado ao instituto na Teoria
do Direito, explicitar e atualizar, nos vrios desenvolvimentos do
trabalho, o nosso modo de entender a Filosofia do Direito e o seu
relacionamento com a Cincia Jurdica. Esperamos que, mediante
tais desenvolvimentos, integrados nesse exerccio filosfico mais
global, possamos prover o mtodo do rigor necessrio apreenso
conceitual especfica e propriamente jurdica do instituto.
Especificidade que, consoante os fins analticos distintivos e crticos
que requer, implica, por sua vez, a exata compreenso de toda a
riqueza e complexidade das caractersticas que conformam os
contornos prprios do instituto nos respectivos quadros
constitucionais, informados por distintos postulados filosficos,
polticos, jurdicos e sociais que integra ao longo da sua destacada e
tormentosa histria.

Antes de procedermos colocao do problema em seus


prprios termos, convm indagar o que sano. Talvez a
etimologia da palavra possa ter o condo de nos fornecer uma
primeira imagem do nosso objeto, ainda que vaga e aproximativa,
posto que inicial.

1.1 Etimologia do vocbulo

O termo procede do latim sanctio, sanctionis de sanciere, ato


de tornar santo, respeitado, e, para Eichoff, o verbo derivaria da raiz
snscrita sah, tomar, fixar. Pott invoca, com dvidas, o snscrito
cank, temer, respeitar, embora considere mais provvel haver o
termo resultado da composio das razes siiscritas sa e anc, honrar,
venerar; por outro lado, Pictet, cuja posio encontra respaldo nos
estudos mais atuais, atribui ao vocbulo a mesma raiz de sanctus,
sanc, da tambm sacer, sagrado").
/ \\ A etimologia nos fornece a conotao original e primitiva da
palavra. Designava o ato de carter sacro mediante o qual se erigia
algo categoria de inviolvel ou, ainda, a previso ou aplicao de
um castigo para o pecado(2),para a transgresso de uma suposta
ordem transcendente, necessria por natureza, que exigiria, para a
sua prpria recomposio, com base no princpio da retribuio, a
imputao de pena equivalente ao transgressor - a justia de ta1i0'~).J/
A palavra j denotaria, ento, os dois sentidos jurdicos
bsicos que hoje lhe so atribudos, reconhecidos, ainda no Imprio,
pelo catedrtico de Direito Pblico e Direito Civil da Faculdade do
Recife, Braz Florentiiio, companheiro atuante de Nabuco de Arajo
no partido conservador, presidente de provncia e magistrado do
Imprio do Brasil: "aplicada s leis, a palavra sano (...) umas vezes
(...) exprime a penalidade anexa transgresso dos preceitos do
legislador (...) outras vezes, e particularmente nos governos

(')

(3)

LAROUSSE, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIX" Sicle. S.l:


Larousse e Cie, s.d. Tomo XIV.
INSTITUTO DE ESTUDIOS POLTICOS. Dicionbrio de Ciencias
Sociales. Madrid, 1976. p. 816 (Patrocnio da UNESCO).
KELSEN, Hans. Sociedade y Naturaleza. Bueno Aires: Editorial de
Palma, 1945. p. 79 e ss.

v-k

constitucioiiais, significa a aprovao dada pelo Chefe do Estado nos


projetos de lei discutidos e votados pelas Cmaras; e este o sentido
mais moderno em que agora temos de e~tud-la'~~).
Essa primeira imagem difusa do instituto no procedimento
legislativo poder vir a ganhar contornos mais ntidos se, em
seguida, procedermos, como sugere Braz Florentino, individuao
do sentido especificamente moderno do vocbulo. A aparente
imutabilidade dos sentidos invocados pelo termo apenas se torna
possvel quando se desconheam, graas ao nvel de generalidade em
que se esteja, as diferenas abissais que separam o Estado e o Direito
moderno daquelas outras formas de organizao poltico-jurdica que
tiveram lugar na Antiguidade e na Idade Mdia. Busquemos, pois,
mesmo que rapidamente, localizar o contexto histrico em que foi
criado e denominado o instituto, bem como proceder anlise
diacrnica do mesmo.

1.2 Origem histrica e linhas gerais de evoluo da


sano do Chefe de Estado no procedimento
legislativo-monrquico e republicano
Ao processo que Alexandre K ~ y r ' ~denomina
)
de infinitizao do universo na Fsica. o qual ganha corpo nas obras de
Kepler, Copmico e fundamentalmente Galileu, corresponder o
processo que podemos identificar como de finitizao e humanizao
do poltico, do jurdico e do social, atualizado teoricamente nas obras
de Maquiavel, Bodin, Hobbes, Grocius, Althussius e tantos outros.
Ao contrrio da viso hegemnica que at ento conformara
os conceitos de Direito e de Estado - segundo a qual o Direito se
apresentava diretamente como a coisa devida, para usar os termos de
Santo Toms de Aquino; devida porque rigidamente ancorada na
imutabilidade e fixidez das organizaes sociais estratificadas, e que,
por sua vez, tornava o Direito um sistema hierarquizado, composto
de distintas ordens de privilgios e a organizao poltica respectiva
a expresso natural e necessria desse mesmo sistema, em que
c4)
('1

SOUZA, Braz Florentuio Heiuiques de. Do Poder Moderador; ensaio


de direito coivititucional contendo a anlise do Ttulo V, Captulo I, da
Coiistituio poltica do Brasil. Braslia: Seiiado Federal, 1978. p. 107.
KOYR, Alexandre. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. So
Paulo: Foreiise Universitria, 1979.

legitimado por razes de ordem transcendental, o comando poltico


incumbiria sempre queles integrantes da mais alta escala -na
hierarquia social - tais conceitos sero redefinidos como
construes, converies liumaiias originadas de pactos, contratos
sociais. Como bem salienta Marc~se'~),
os valores retirados da
realidade objetiva tornam-se subjetivos, e o nico modo de salvarlhes alguma validade ser, desde o incio, reclamar-lhes abstrata e
inofensiva sano metafsica. Essa nota distintiva da modernidade
- a idealidade dos valores - logo reclamar, no entanto, no
apenas a chancela abstrata da razo, mas, exatamente em nome desta
ltima, tanto a remodelao da organizao poltica pela
configurao do Estado como garante desses valores, j que a ele
compete atribuir-lhes fora efetiva, mediante a previso de sanes
coercitivamente impostas queles que no os observassem, quanto a
reduo do Direito lei estatal.
de se ressaltar que o Estado absoluto representou a primeira
e mais incipiente manifestao do Estado Moderno, e assim descreve
Bobbio o seu surgimento, salientando, de forma magistral, as
caractersticas do Direi10 e da organizao poltica na sociedade medieval:
"O Estado absoluto nasce da dissoluo da sociedade medieval que era de carter eminentemente pluralista. Dizendo que a
sociedade medieval tinha carter pluralista, queremos afirmar que o
Direito, segundo o qual estava regulada, originava-se de diferentes
pontos de produo jurdica e estava organizado em diversos
ordenarnentos jurdicos. No que diz respeito s fontes, operavam na
sociedade medieval, ao mesmo tempo, ainda que com diferente
eficcia, os vrios fatos ou atos normativos que, em uma teoria geral
das fontes, so considerados como possveis fatos constitutivos de
iiormatividade jurdica: o costume (direito consuetudinrio), a
vontade da classe poltica que detm o Poder Supremo (direito
legislativo), a tradio doutrinria (direito cientfico), a atividade das
Cortes de Justia (direito jurisprudencial). Com relao pluralidade
dos ordenamentos, pode-se dizer em geral que existiam
ordenamentos jurdicos originrios e autnomos, seja acima do
regnum, isto , a Igreja e o Imprio, seja abaixo, como os feudos, as
comunas, as corporaes. Em uma sociedade na qual no existe um
poder nico e unitrio, no existindo, portanto, um critrio nico de

'MARCUSE, Hebert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de


Janeiro: Zahar. 1982. p. 144-145.
25

avaliao jurdica, os limites do poder esto includos na sua prpria


estrutura, segundo o equilbrio recproco que os vrios poderes
produzem com a sua concordia discors e discordia concord7)".
Bobbio, no trecho citado, apresenta no apenas as
caractersticas daquele universo social em processo de dissoluo,
mas explicita tambm um fato pouco lembrado pelos autores em
geral, que, talvez por o considerarem por demais bvio, terminam
por releg-lo a segundo plano. Trata-se da guesto dos limites do
poor, que, se era pouco tematizada pelos autores do perodo anterior, tal se devia exatamente ao fato de que esses limites integravam
a prpria estrutura do sistema: decorriam como que naturalmente da
considerao orgnica das posies ocupadas na hierarquia social
pelas diversas potncias em jogo. Na medida em que se solapa a
estrutura anterior concenfnndo-se o poder em um nico plo emissor
de normas jurdicas - o Soberano - destri-se tambm aquele
sistema de garantia dos privilgios. Ao processo de afirmao de
uma vontade estatal soberana, portanto nica, importar tambm
desde cedo a preocupao contrria de se buscar construir sobre
novas bases o sistema de limites a esse poder e de garantias dos
i governados contra os possveis abusos do governante. E o constitucion?lisrno que surge, recolocando a questo em termos racionais.
E no seio desse processo de unificao das fontes de produo
na lei - de reduo do Direito lei -, enquanto expresso
da vontade soberana do Estado, que o instituto objeto de nosso
trabalho intervm. Mais exatamente quando ao Parlamento, ou
melhor, aos Estados gerais, reconhecida a competncia para votar
no apenas as leis tributrias, mas as leis em geral, reservando-se ao
Monarca a prerrogativa da ltima palavra sobre a adoo ou no da
norma proposta, que s se tornava lei com a sua aquiescncia,
mediante a aposio do selo real e, portanto, com a sua pronncia
I
1 formal em nome do Estado. Assim que para Juan A. Santamaria "&
sancin regia de las leyes es una institucin que hunde sus rajces en
!os albores mismos de1 coiistitucio~~alisrno.
Los Estados que realizan
1 Ia revolucin liberal dentro de una estrutura monrquica
1 compatibilizan esta con e1 nuevo principio de la soberania naiional
estabeleciendo un sistema de coparticipacin de1 Rey y de1
Parlamento en e1 processo legislativo al modo britnico, confirieiido
a ste Ia potestad de aprobar Ia ley y a1 Monarca la de sancionarla:

/
1

BOBBM. Norberto. Direito e Estado no Pensamento L Emnnuel Kant.


Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1984. p. 11 e ss.

ambas acciones son parte indivisible de una misma actividad, la de


hacer las leyes, que corresponde conjuntamente a1 Rey con e1
Parlamento, King in Parliament"(8).A Histria inglesa efetivarnente
paradigmtica no que se refere s origens e s linhas de evoluo do
instituto nas Monarquias Constitucionais e, mesmo posteriormente,
nas Monarquias Parlamentares. E ainda, essa mesma Histria, como
veremos, no deixar de exercer sua influncia no procedimento
legislativo de algumas repblicas.
O fato de buscarmos a soluo especificamente jurdica de um
problema tpico no nos autoriza a desconhecer as demais
dimenses que necessariamente informam e conformam o instituto,
tendo-se em vista a centralidade encomendada ao mesmo no
procedimento legislativo e o relevo atribudo s regras
constitucionais atinentes formao da lei, acolhidas em
determinado Estado para a configurao da prpria forma de governo
que o caracteriza. E desse modo que buscaremos empreender agora
uma anlise, ainda que limitada, do instituto e de suas linhas bsicas
de evoluo no quadro geral do Direito Constitucional Positivo
diacrnica e sincronicamente comparado, tanto no que se refere s
mais significativas Constituies monrquicas quanto no que diz
respeito quelas Constituies republicanas diretamente vinculadas
ao instituto de que nos ocupamos.

1.2.1

A sano do Chefe de Estado no procedimento


legislativo acolhido em Estado Monrquico

Sigamos de perto, de incio, as lies de Joseph Barthlem~'~),


no que se refere s linhas gerais de insero diacrnica da Monarquia
Constitucional na histria segundo as doutrinas gerrnnicas
buscando, ainda, delinear o contexto no qual forjado originalmente
o instituto. A forma monrquica de governo enquanto tal - ou seja,
enquanto forma de governo caracterizada por um princpio
especfico, fundamento da autoridade do governante, da obedincia

('1

c9)

SANTAMARIA, Juan A. Comentrio a1 artculo 91. In: FALLA,


Garrido (coord.). Co~zmetriosa lu Constitucin. Madrid, Ed. Civitas,
1980. p. 917.
BARTHLEMY, Joseph. Les thories royalistes dans Ia Doch-ine Allemande Contemporaine. Rvue du Droit Public et de la Science
Politique en France et c i l'Etranger, Paris, tomo 22. p. 723 e ss, 1905.

do governado e do processo de escolha do governante, em virtude do


qual so disciplinadas e organizadas as relaes entre governantes e
governados(10)
, consoante as garantias ao direito e a influncia dos
governados na gesto dos negcios pblicos que assegura, comporta
as categorias da Tirania ou do Despotismo, da Monarquia Absoluta e
da Monarquia Constitucional ou Limitada. A Tirania ou Despotismo,
categoria utilizada por autores da ilustrao, como Montesquieu e
Voltaire, para caracterizar Monarquias orientais, como a Prsia e a
China, aquela em que o Monarca, alm de possuir em fruio a
totalidade do Poder Pblico, exerce-o livremente, sem reconhecer
qualquer regra escrita ou costumeira, ignorando-se, assim, de todo, o
Direito Pblico. J na Monarquia Absoluta, embora o Monarca
igualmente concentre em suas mos a soma dos poderes do Estado,
por sua vontade toda poderosa, estabelece as regras que limitam os
seus prprios poderes e se obriga a observ-las, enquanto ele prprio
no as tenha ab-rogado. Essa tnue caracterstica da autolimitao do
Monarca o elemento distintivo da Monarquia Absoluta em relao
categoria anterior, e de se relevar que contemporaneamente
indica o surgimento daquela forma de organizao do poder poltico
que convencionarnos denominar de Estado Moderno, ainda que em
seu primeiro estgio. O Monarca, porm, sempre pode modificar tais
regras, pois no se encontram forjados os mecanismos de controle
que o constitucionalismo viria suprir deslocando aqueles que, de

(I0

Como demonstra Jos Alfredo de Oliveira Baracho (BARACHO, Jos


A. O. Formas de Governo e Regimes Polticos. Revista da Faculdade
de DireitolUFMG, Belo Horizonte, Vol. 30, n" 28-29, p. 75 e ss, 19851
86), o tema clssico das formas de governo a tal ponto ganhou
complexidade, enquanto a doutrina buscou acompanhar o dinamismo, a
pluralidade, a diversidade e a expanso mundial que caracterizam o
fenmeno constitucional no curso desse sculo, que a riqueza dos
instrumentos categoriais forjados e disponveis para uma adequada
apreenso do objeto requer, no nosso caso, para a consecuo de um
maior rigor conceitual e conseqente clareza da exposio, a definio,
em seus aspectos essenciais, das categorias atinentes utilizadas ao
longo do presente trabalho, consoante s exigncias da prpria
pesquisa.
Assim que nos utilizaremos da expresso f~rna_de__governopara
designar aquela primeira distino, de origem clssica, entre os
princpios em virtude dos quais se organizam e se disciplinam as
~ l a e entre
s
govemantes e govema$s. Buscamos por seu intermdio
a determinao das formas especficas de organizao do poder poltico
consoante a& distintos fundamentos da sobraniai empr&tand-se ao

forma aparentemente natural, pareciam decorrer da prpria


organizao poltica feudal agora em processo de dissoluo. A
Monarquia Constitucional ou Limitada, por sua vez\)implica a
transao do Princpio Monrquico com o Republicano da representao dos governados, resultando no fato de que o poder do
Monarca limitado por regras de que ele no mais pode dispor por si
s. Em outros termos, o nico rgo legislativo precedente de carter
rgio vem a ser substitudo por um Poder Legislativo mais complexo,
composto de trs rgos distintos e paritrios: o Rei, a Cmara Alta,
ou dos Lordes, e a Cmara Baixa, ou dos Comuns, que encontra
perfeita traduo naquela frmula britnica, j referida: King ir1 Parliament .+
Na Idade Mdia, [o reino ingls] havia sido dos mais
centralizadq da Europa. Nos sculos XVI e XVII, quando os reinos
europeus, sobretudo a Frana e a Espanha, constituram a
organizao administrativa tpica do Estado absolutista, a Monarquia
inglesa s6 pde realiz-la de forma incompleta. J nos fins do sculo

vocbulo forma um sentido bastante prximo daquele que ihe atribua


Aristteles, ou seja, aquele fator capaz de traduzir a essncia de um ser.
Revela-se, assim, que a anlise que a recai cinge-se aos fundamentos
filosficos da organizao poltica. Por outro lado, por sistema de
g
~ entendemos
o
a categoria que nos permite distinguir, em nvel
mais operacional e tcnico, os diversos modos de se organizarem e 3%
se estruturarem os rgos supremos do Estado, mediante a anlise das
competncias atribudas a cada um e das relages que entre eles so
estabelecidas, para a consecuo das funes consideradas primordiais.
Distino categoria1 originalmente formulada por Jean Bodin (De lu
Republique, Livro I, Cap. VIU e Livro SI, Cap. VII) entre a anlise da
titularidade da soberania e a anlise do seu exerccio que,
respectivamente, denomina de indagaes acerca das formas de Estado
e das formas de Governo. de se ressaltar que, quanto a n6s, no
entanto, optamos pela expresso formas de Governo para designar a
anlise da titularidade da soberania, reservando a expresso formas de
Estado para o estudo do problema da distribuio espacial do Poder
estatal, ou seja, aquele da centralizao ou descentralizao do Poder
do Estado, que resulta na identificao das duas categorias gerais, o
Estado unitrio e o Estado federal.
O emprego das categorias conceituais resultantes da anlise das formas
de governo e dos sistemas de governo tal como definidos em mbitos
distintos de anlise, revelar-se- til para alguns desenvolvimentos
essenciais da presente pesquisa como, por exemplo, o que se relaciona
analise diacrnica da Monarquia, permitindo-nos, por um lado,
reconhecer a Monarquia Constitucional como categoria pertinente s

4
3

-&
3

8'

I
I

I
I

1
I

SI11 surgia o Parlamento, que se diferencia em duas Cmaras


distintas no curso do scuio XIV, e que bem cedo iniciou a prtica de
enviar as chamadas humble petitions ao Soberano, para que este
proclamasse determinados dispositivos legislativos, todas as vezes
que fosse por aquele convocado para aprovar o pedido de imposio
vieram a se transformar em
tributria. Lentamente. tais vetices
.
verdadeiros e prprios bills, ou prosetos de lei, conformando a
participao da Coroa, no sentido de que sancionasse o projetos sem
que os modificasse ou, ento, que os rejeitasse de todo. Assim que,
no curso do sculo XVI, bem antes do sculo XVIII, quando foram
institudos, em todos os reinos europeus, os Estados Gerais, a
nobreza e a aristocracia mercantil inglesas conseguiram obter para o
Parlamento competncias particularmente extensas para a poca, no
apenas a de votar os impostos, mas tambm a de submeter B sano
// rgia, como proposi@io de lei, um projeto jS aprovado pelas duas
Casas do Parlamento, sobre qualquer matria, bem como o poder de

'1.

@.

formas de Governo, e por outro, a Monarquia Parlamentar como


expresso tpica de um mero sistema de governo, por no afetar, ainda
que minimamente, a atribuio da titularidade da soberania
exclusivamente ao povo, aos governados. A anlise, contudo, em
virtude da complexidade de que-se revestem as organizaes polticas
atuais. no poder restringir-se aos aspectos estritamente normativos
constitucionis, da recorremos tambm categoria analtica dos &
gimes Polticos, tal como a empregam Pablo Lucas Verdu ("La Lucha
por e1 Estado de Derecl~o",publicaciones de1 Real Colegio de Espaa,
Boloa, 1975, p. 13 e ss.) e Juan Ferrando Badia ("Democracia Frente a
Autocracia. Hacia uma democracia economica, social y poltica", Editorial Tecnos, Madrid, 1980) entre outros, que alm de aambarcar os
aspectos envolvidos nas categorias de anlise anteriormente referidas,
n6s permite resgatar a dinamicidade do ordenamento constitucional, na
medida em que a estrutiirao e a coordeno institucionais
normativamente previstas so informadas e atualizadas por concepes
polticas, histrica e sociologicamente cognoscveis. O emprego de tal
categoria de anlise nos permitir, dessa forma, proceder
imprescindvel sntese dos elementos ideolgicos e de organizao
poltica de carter normativo com urna determinada estrutura social
concreta e historicarneiite datada, viabilizando a apreenso da prtica
efetiva que, por sua vez, conforma a eficcia do ordenaineiito. As?in,
por Regime Poltico entendemos, com Jos Alfredo de Oliveira Baraclio
(op. cit., p. 127), o "coinplexo estrutural de princpios e foras polticas
que configuram determinada concepo do Estado e da Sociedade e que
inspiram seu ordenamento jurdico".

julgar e demitir funcionrios reais. A centralizao precoce do


Estado em um pequeno pas insular havia engendrado um
constitucionnlismo particularmente ativo como mentalidade de uma
nobreza que no tinha possibilidade, como no continente, de
expressar sua iiisubordinao mediante a separao de suas herdades.?
No entanto, desde os fins do sculo XV at a revoluo de 1648, teve
lugar um verdadeiro absolutismo na I n g l a t s embora o mesmo se
vinculasse queles absolutismos mais fracos e tardios, como os que
ocorreram na Dinamarca e na Sucia. Absolutismo que teve seu
apogeu nos reinados de Henry VI11 e sobretudo no de sua Eilha
Elizabeth I. Como em outros pases, esse absolutismo pressuputih
submisso dos Estados Gerais figura do Monarca, mediante uma
poltica real de compo, de intimidao e de espaamento das
reunies ou mesmo de ausncia de convocao por decnios. Terica
e praticamente, o Rei se afirma de forma efetiva como o "princpio,
a cabea e o fim" do Parlamento. Elizabeth I, em 1597, sanciona 43
bills, e rejeita 48. Em 1606, James I, ao dar sua sano a todos os
bills ressalta que ele concede ao Parlamento um favor todo especial(ll).Charles I, como diz Raoul Bompard, "se considre comme
ayant reu de ses pres, eii liritage, le pouvoir suprme en
Angleterre. Sans le concours du Parlemeilt, i1 peut faire la loi, et
mme lever des subsides. S'il lui en demande, ce n'est point parce
que c'est le seu1 moyen d'eii obtenir, mais parce que c'est le plus
convenable, celui qui s'accorde le mieux avec ses gracieuses intentions et le dsir de ses sujets. I1 fait la loi quand i1 sanctionne des
projets vots par le Parleinent; i1 peut donc dispenser des lois qu'il a
sanctionnes. I1 choisit librement ses conseillers et i1 dclare au
Parlement que, si on lui refuse les moyens de gouverner, i1 aura le
devoir d'user des autres inoyens que Dieu a mis entre ses mains pour
sauver ce que compromettrait Ia folie des h~inrnes"('~~.
E esse
absolutismo ingnito dos Stuarts, aliado grave depresso
econmica que caracterizar, em toda a Europa, as dcadas de 1620
e 1630, aps o loligo perodo de intensa expariso econmica
verificada desde o sculo XIV, e s especificidades que marcavam a
pequena nobreza inglesa(13),que conduz o Monarca a recorrentes e
'I'

(")

(I3)

BOMPARD, Raoul. Le veto du Prsident cle lu Rpublique et lu Saizction Royale. Paris: Artliur Rousseau diteur, 1906. p. 16.
BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 23-24.
Vrias particularidades da Histria inglesa so devidas ao de unia
classe social que g'anha, na poca, contornos tipicamente insulares, a
pequena nobreza, cliainada geiztry em oposio alta iiobreza,

cada vez mais graves conflitos com o Parlamento. Tais aspectos,


conjugados com os fatores da poltica externa inglesa, por sua vez,
cul&&am na I Guerra Civil de 1642-1646 e na segunda de 1648,
com-a execuo pblica de Charles I e a proc1arm~a.o@ Re~blica
(commonwealth) em 1642. O Parlamento, por outro lado, afirmava
aue o Rei deve governar submetendo-se lei votada pelos
representantes da Fko e por ele mesmo sancionada, que a sano
no faria por si s a lei, mas que a lei regularmente feita e
sancionada obriga o prprio Soberano, e que, por conseqncia, no
poderia este dispensar ningum de obedecer a ela ou de negar-lhe
e~ecuo''~).No entanto, a m e s I, 1603-1625, e depois seu filho
Charles I, 1625-1649, aplicaram-se metodicamente na defesa do que
denominavam as prerrogativas reais, buscando reforar o
absolutismo-monrquico. Apesar dos choques constantes com a

Vrias particularidades da Histria inglesa so devidas aqo de uma


classe social que ganha, na poca, contornos tipicamente insulares, a
pequena nobreza, chamada l ~ l e E _ o p o s i o_alta nobreza,
denominada[nobilityjSeus representantes no Parlamento tinham assento
no terceiro Estado, a Cmara Baixa ou dos Comuns, juntamente com os
representantes das cidades. O segundo Estado, a Cmara dos Lordes,
compunha-se de vinte e seis bispos e de um certo nmero de grandes
senhores, a nobility, ou os pares do Reino. A Cmara dos Comuns era
integrada por noventa Deputados dos condados, quatrocentos das
cidades e quatro das Universidades. Na realidade, o recente
enobrecimento de famlias de origem burguesa, o carter comercial de
suas atividades em suas terras, a ausncia de cargos no exrcito e na
burocracia, haviam mercantilizado a pequena nobreza inglesa. Ela
defende seus privilgios originrios, mas at mesmo envia seus
primognitos para aprenderem com os mercadores, e um grande
nmero de seus membros so advogados, mdicos, professores, todas
essas profiss6es habituais ou mesmo impensveis no continente para
os membros dessa classe social. Seu peso nas definies polticas do
Estado mais do que considervel. Como as grandes cidades
adquiriram o hbito de escollier dentre eles os seus Deputados
Cmara dos Comuns, devido a seu peso econmico e Srs suas relaes
de influncia poltica, os membros da genriy constituam entio a quase
I totalidade dos Deputados na Cmara Baixa.
Buscaremos a seguir traar as linhas gerais desse perodo que marca os
primrdios da sano rgia no procedimento legislativo, precisamente
com o fim de comprovar a assertiva de que o instituto s poder surgir,
enquanto dotado daquelas caractersticas mnimas de juridicidade que
nos permitem reconhec-lo, no quadro da monarquia constitucional.

maioria puritana e originria da gentry na Cmara dos Comuns, eles


parecem alcanar seu intento. Sempre que o Parlamento se recusa a
aprovar solicitaes de imposiqes tributrias, com o fim de negociar
determinadas polticas com a Coroa, eles arregimentam o capital
necessrio por meios paralegais, lanando mo de antigas
prerrogativas reais j ento condenadas por importantes setores
sociais. So prticas como as de assumir a gesto das terras de
herdeiro nobre menor, de obrigar nobres aquisio de novos ttulos
de nobreza ou mesmo de vend-los a burgueses, para citar as que os
desgastavam com os membros da gentry; ou, mediante a venda de
diversos direitos de monoplio a grupos de mercadores, para citar
um exemplo de prtica que a grande massa da burguesia abominava;
e, ainda, a venda a grandes empreendedores agrcolas, nobres ou
burgueses, do direito de drenar e utilizar os pntanos reais, a qual
descontentava os camponeses em geral. Reforavam os poderes
disciplinadores dos bispos anglicanos, perseguiam os curas
calvinistas e proibiam os escritos puritanos. Recusam-se a engajar a
Inglaterra na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) ao lado dos
protestantes alemes contra a Espanlia. Pelo contrrio, eles flertam
com a Monarquia espanhola e mais, por desinteresse fundamental e
falta de dinheiro, no sustentam a colonizao da Amrica do Norte,
nem a Companhia das ndias Orientais, cujos lucros declinam na
dcada de 30, e se recusam a enviar a frota de guerra ao Mediterrneo para proteger os mercadores ingleses que ali podiam ser
contados aos milhares. A contestao da aliana com a Espanha, que
coincide com o incio do reinado de Elizabeth I e perdura por todo o
sculo, marca a irrupo de interesses comerciais na definio da
poltica externa inglesa. O absolutismo espanhol era, a um s tempo,
modelo poltico, polcia europia e o potencial provedor de fundos
do absolutismo em toda a Europa, em virtude do mercantilismo. A
poltica absolutista inglesa, portanto, inclinava-se para a aliana com

Obviamente, a matria aqui tratada de forma bastante sucinta. Para


maiores informaes sobre o perodo recomendamos a consulta i s
obras de:
ANDERSON, Peny. ~ ' t aAbsolutiste.
t
Paris: Maspero, 1978;
HILL, Cristoplier. The Century of Revolution, 1603-1714. Loiidoii:
Nlson Ed., 1981;
ROOTS, Ivan. The Great Rebellion, 1642-1660. London: Bastford Ed.,
1979.

a Espanha. A discusso de James I com o Parlamento uma


constante do seu reinado. Em 1622, ele dissolve o Parlamento, sem
que os impostos fossem aprovados, porque os comuns exigiam uma
declarao de guerra Espanha. O primeiro Parlamento de Charles I
dissolvido em 1626, sem ter votado os impostos aduaneiros.
Charles I, no entanto, coleta-os com sucesso e ainda impe a
cobrana de emprstimo compulsrio. No ano seguinte, cinco
membros da gentry so presos por se recusarem a pagar o tributo, e o
Rei consegue fazer com que sejam condenados pelos tribunais. Tal
fato relevante, porque revela a submisso autoridade real no
apenas dos tribunais de exceo como a chamada court of star chamber ou a court of high comission, esta ltima especializada em
matria religiosa, mas igualmente dos tribunais ordinrios, do common law, que, originalmente vinculados ao Parlamento e no ao Rei,
aplicavam ao caso concreto no a vontade real, mas o Direito do
Reino. Segundo este Direito, o Commomlaw, o emprstimo
compulsrio seria um tributo e, como tal, no poderia ser cobrado
sem a aprovao do Parlamento. Na verdade, os tribunais resistiram
ao Poder Real, mas os sucessivos expurgos de juzes, que tiveram
lugar de forma sistemtica durante toda a dcada de 1620, terminam
por conduzi-los total submisso na dcada seguinte.
O segundo Parlamento contra-ataca e, em 1628, apresenta
o real uma petio de direitos que veda as prises arbitrrias e a
brana de tributos no aprovados pelo Parlamento; como diz
Bompard, menos para solicitar o seu consentimento do que para
compromet-lo pela sano aposta, pela palavra dada. O Rei
sanciona o bill e negocia um compromisso que lhe asseguraria a
aprovao de determinada imposio tributria. O compromisso
fracassa. O Rei, por outro lado, dissolve o Parlamento.
Charles I no mais convocar o Pylyento_por um perodo de
onze anos, no qual o absolutismo triunfa. Partidrios do Rei e
opo~itores~~uritanos
parecem acreditar que o Parlamento no mais se
reunir, da mesma forma como os Estados Gerais do Reino de
Frana, reunidos pela ltima vez em 1614. A comparao
recorrente na poca, e os Estados Gerais da Frana s voltariam a se
reunir em 1789. Em 1628, Charles I chama aos seus servios Thomas
Wentworth, inicialmente como Presidente do Conselho do Norte em
York, depois como Vice-Rei da Irlanda, onde aniquila uma revolta.
Feito Conde de Strafford, ele considerado por seus contemporneos
como o Richelieu do absolutismo ingls. Em 1633, Charles I nomeia
William Laud, lder de um grupo de telogos tradicionalistas
anticalvinistas, Arcebispo de Canterbury e Primado da Inglaterra. O

Arcebispo Laud acentua a perseguio aos curas calvinistas,


recrudesce a censura sobre s publicaes, faz com que se ensine nas
escolas a Teoria do Direito Divino dos Reis, reintroduz a
suntuosidade nos aparatos e nas vestimentas dos ofcios religiosos e a
separao dos fiis dos altares por balaustradas. No reinado de
Charles I, Strafford e Laud constituem os braos fortes do
absolutismo. O Rei e seus Ministros fazem as leis, estabelecem e
cobram os tributos, concedem favores de toda ordem e inclusive
dispensam quem queiram do cumprimento da lei. Com a derrota de
seus exrcitos na Esccia e o fracasso do Tratado de Paz de Berwick,
em julho de 1639, recomeando a guerra na fronteira, Charles I,
pressionado pela ausncia de fundos para fazer face s despesas da
guerra, convoca afinal o Parlamento Ingls em abril de 1640. O
Parlamento no aceita nenhuma das exigiicias reais, comea a
questionar a legalidade de todos os atos dos onze anos precedentes e
negocia secretamente com os escoceses. Charles I dissolve o Parlamento na terceira semana de reunies e envia, para a priso, os
lderes da oposio parlamentar, O exrcito escocs avana sobre o
territrio ingls, toma as cidades de Newcastle e Durham, e continua
a sua marcha. Peties de todo o reino exigem nova convocao do
Parlamento. Charles I tenta convocar apenas a Cmara dos Lordes,
sob o nome de "GRANDE CONSELHO DO REINO", em York. Os
nobres, contudo, recomendam-lhe a convocao do Parlamento. Em
o
que com
novembro de 140, rene-se o chamado ~ o n i Parlamento,
algumas depuraoes perdurou at 1653. komeava a Revoluo
Puritana de 1644 As eleies para a Cmara dos Comuns foram
marcadas por uma extraordinria varticipao vopular. Decnios de
inflao hviarn, na prtica, dekocratizado xigiicia legal da
percepo de quarenta shillings para o exerccio da cidadania. Por
outro lado, em vrios lugares, a populao sem direito a voto interfere indiretamente no processo mediante presses, movimentos e
quebradeiras. Pela primeira vez Iiavia mais de um candidato por
cadeira em setenta das duzentas e setenta e nove circunscries. Os
candidatos da Coroa foram derrotados em todas as crcunscries
prximas a Londres. Assim, a oposio parlamentar pde
empreender a destruitio dos pilares absolutistas. Os puritanos presos
so libertados e o Conde de Strafford e o Arcebispo Laud acusados e
presos. O Rei sanciona os bills que Ilie so apresentados, aprovados
por maioria avassaladora e sob presso popular. Desse modo,
segundo a clssica frmula em normaiido antigo - Le roi les veut o Rei quer a supressio dos tribunais de exceo, a excluso dos
bispos e dos coletores de impostos da Cmara dos Lordes, a

execuo de Strafford em praa pblica, a abolio de todos os


monoplios econmicos, salvo aqueles comerciais da Marchant Adventures e da Companhia das ndias, que o Parlamento s possa ser
por ele dissolvido, se assim o prprio Parlamento o desejar, e que
esse se rena trienalmente de pleno direito, sem necessidade de
convocao real.
Durante o vero de 1641, a peste assola a cidade de Londres.
A tenso social cresce. O conflito retorna aberto e flagrante. No
outono, hostes de iconoclastas tomam conta das cidades, bandos de
plebeus radicalizados destroem os ornamentos das igrejas,
candelabros, vitrais, balaustradas que separavam dos altares a
assistncia, etc. Parlamentares, cada vez mais "escandalizados pelo
oportunismo da maioria dos Comuns", que nada faz para reprimir os
movimentos populares, passam a prestar apoio ao Rei. Os debates
sobre as revoltas religiosas do outono do origem a uma faco
parlamentar de apoio ao Rei. Membros conservadores da nobility e
da gentry temiam a poltica dos lderes dos Comuns por seus apelos
opinio pblica, que lhes pareciam conduzir ao virtual colapso de
toda a ordem social estabelecida, colocando em risco a garantia de
seus privilgios, e, assim, gradualmente, voltam a apoiar o Rei. Em
novembro, chega a Londres a notcia do massacre de Ulster, na
Irlanda. Teme-se que, com o refortalecimeiito do exrcito real, este
seja dirigido no contra os revoltosos irlandeses, mas contra o
Parlamento em Londres. ento aprovado um projeto retirando do
Rei o comando da milcia e a escolha dos oficiais. O Rei, apoiado
por sua faco, nega sano ao projeto, por no poder admitir que se
lhe retirem as suas competncias executivas especficas. Em 4 de
janeiro de 1642, o Rei tenta um golpe de E%O,-A testa de um
destacamento militar, vem Cmara dos Comuns para prender cinco
lderes da oposio que acusa de alta traio. Qg_Qs-de Estado
frustrado pela mobilizao dos londrinos e pe!ahjnterveno da
milcia burguesa. O Rei deixa Londrese_g~efugiae_m Windsor. Em
maro de 1642, o Parlamento aprova uma resoluo segundo a qual a
sanlio real no mais poderia ser negada aos projetos de lei desejados
pelo povo, ou seja, da em diante, o Parlamento faria a lei, sem o
concurso volitivo do Rei(ls).Cliarles I empreende uma viagem para
Oxford com o fim de reunir seus partidrios. Em 22-de-a-gosto de
1642, comea a Guerra Civil.

('3

36

BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 30.

Aps uma srie de vitrias os exrcitos reais comeam a


* A r e rderrotas impostas pelo Nev Model A w , exrcito criado por
Cromwell. e sob o seu comando. Organizava-se de forma moderna
pois nele o ingresso e a ascenso se verificavam com base no mrito
e no em critrios de nascimento. Nos anos de 1.644 e 1.645 o
exrcito liderado por Cromwell derrota as tropas realistas. Em 1.646,
Lorde Fairfax conquista, em nome do Parlamento, a cidade de Oxford, quartel general do Rei. Charles I refugia-se na Esccia. Os
escoceses entregam o Rei ao Parlamento em troca do pagamento de
uma indenizao, h muito reclamada, pelos custos de mobilizao
das tropas que invadiram a Inglaterra em 1.639. A primeira Guerra
Civil encontrava o seu fim e tinha incio o embate entre as foras
polticas por ela geradas.
Os membros dos baixos escales do novo exrcito integram
faco
em sua maior parte o movimento poltico dos(~eve1lers~
poltica assim designada porque alguns de seus lderes reivindicavam
no apenas a igualdade formal de todos perante a lei, mas pugnavam
por uma igualdade material, pela defesa da propriedade comunitria.
O movimento cresce, se enraza e conta, inclusive, com o apoio
receoso da elite militar que busca dirigir e moderar o projeto poltico
dos Levellers. Setores conservadores do Parlamento, presbiterianos
em sua maioria, conjuntamente com o Rei, planejam liberar-se da
presena incmoda do exrcito promovendo a sua desmobilizao ou
enviando-o para a pacificao da Irlanda. Instala-se um jogo de
foras polticas em que o Rei, o Parlamento e o exrcito so os
principais atores. Em 1.647, o exrcito aprisiona o Rei, visando
impedir a consecuo dos planos e o desenvolvimento da aliana do
Rei com os presbiterianos do Parlamento. O Conselho do Exrcito
institudo - rgo poltico em que tm assento igualmente oficiais e
soldados rasos eleitos. Cromwell tem o controle poltico da situao,
muito embora no consiga conter at o grau desejado a vaga
democratizadora que engolfa o exrcito. nesse contexto, que
apresentado em Putney or~nreementof the Peoplej o primeiro
projeto de Constituio escrita de que se tem notcia, por Lillburne,
um dos lderes dos Levellers. O documento rejeita as idias
coletivistas e socializantes presentes no movimento e prope a
extino dos monoplios e a liberdade de comrcio, a propriedade
privada, a separao da Igreja do Estado, a reviso dos dbitos, a
vedao de priso por dvidas e o sufrgio universal masculino,
amenizado por Lillburne para o voto familial, excluindo do direito
de sufrgio os assalariados, os criados, e os mendigos.

sua faco mais


Em novembro de 1.647, os Levelle~s,
radical, tentam um frustra&-golpe de Estado. O Conselho do
Exrcito ento dissolvido pela elite militar vitoriosa. O Rei7
aproveitando-se da ciso no interior
.- do exrcito, foge do c a t i v e i ~
reorganiza a
O exrcito se reunifica
_-___em torno
-de
Cromwell que em rpida cainpa@gdecota os realistas e encerra a
(segunda
Guerra c i v i l m a i s de cem realistas so expulsos do
"
'Parlamento, em su-maioria presbiterianos, dando origem ao
chamado Rump Parliament, o Parlamento "toco" ou "mutilado". Em
face da permanente ameaa de restaurao que &i
significava,L
ele decapitado, por presso do exrcito, em 30 de janeiro de 1.649.
Em 6 de fevereiro do mesmo ano extinta a Cmara dos Lordes e,
-$proclamada.
em 19 de maio, a Repblica ---Commonwe&th
Eleies no foram convocadas sob a alegao dos perigos
decorrentes da efervescncia social e poltica. A Repblica sentia-se
ameaada por todos os lados: pelos realistas, presbiterianos e
anglicaiios com grande poder de manipulao eleitoral; pelos Levellers, que propugnavam pela continuidade e radicalizao social do
movimento revolucionrio; pelos emigrados, que conspiravam do exterior e pela rebelio contra os ingleses na Irlanda. C_rom.weil lidera o
massacre dos lderes dos--Levellers,
-- - --- ----reunidos
- - em Burford, em ma=
1.749.
- Debelado
-----o movimento
nivelador, no -esmo ano,-Cromwell
parte
para a Irlanda a fim de esientar a rebelio. Assume o Governo
- --um conselho de Stado provisri.-Em abril de 1.653, o Longo
Parlamento depurado dissolvido. Assemblia integrada pelos
partidrios de Cromwell, o chamado Barbone Parliament,
constituda para elaborar uma Constituio. Redigido em 1 . 6 5 4 , ~
Pstru~i=t-fc-6~~nment[aclaina
.- - .--- Cromwell Lorde Protetor da
Inglaterra, da Esccia, da Irlanda e de suas possesses. A
constituio consagra a liberdade de imprensa, o ensino gratuito, o
voto secreto, inclusive o feminino, porm censitrio, e um
Parlamento nico para a Inglateira, Esccia e a Irlanda. Eleito o
novo Parlamento, logo dissolvido por entrar em conflito com
Cromwell e com o exrcito.
de se ressaltar que o Poder Legislativo, 110 instrument of
Government, era atribudo exclusivame~iteao Parlamento. Como
salienta Esmein, ao Lorde Protetor - Single Person - era
atribuda uma competncia em tudo similar concedida pela
Constituio francesa de 1875 ao Presidente da Repblica, de
solicitar, em vinte dias, nova deliberao ao Parlamento, que, se
reaprovasse a lei por maioria simples, esta entraria em vigor, salvo se

contr~w.~.

I______

versasse sobre matria atinente forma de governo(I6).No entanto,


com a aprovao da humble petition de 1657, a ele atribudo
autntico poder de sano, requerida de forma insupervel para
formao da lei. Em 3 de setembro de 1.658, Cromwell morre e a
Repblica no sobreviver a ele mais do que dezoito meses.
Com a restaurao, Charles I1 assume o trono e governa por
dezoito anos com o mesmo ~ a r l a m esem
s maiores conflitos, pois
se submete, na prtica, legislao limitativa do poder real
anteriormente emanada. Os atos formais dessa legislao so, no
entanto, excludos da histria coiistitucional inglesa, tal como
Cromwell, Bradshaw e Irenton foram desenterrados do sepulcro de
Westminster, enforcados e decapitados. A restaurao requeria
violncia simblica da destruio da memria dos corpos e dos atos
dos regicidas para a construo do mito de uma histria
constitucioiial inglesa pacfica e sem rupturas sangrentas. O sucessor
11, seu irmo James 11, noentanto,
- busca reiiitroduz&x$
de Charles
prticas absolutistas, sendo afastado por novo golpe de Estadq que
vem complementar o ciclo revolucioiirio de 1.640, consolidando o
Estado de Direito e reforando o mito de uma histria pacfica e
contnua.
assim que, com a chamada Revoluo Gloriosa, de 1688,
deciso do Parlamento, sucedem a Jaime 11, no trono ingls2-o
Prncipe holands William d'Oranqe e sua mulher Mary. Antes de
subirem aotrono, juram a declarao de direitos apresentada pelo
Parlamento. Assim, somente aps a aceitao pblica e formal dessa
declarao, so eles coroados em 13 de fevereiro de 1689.
Posteriormente, transformada em bill regular, os Soberanos a ela
mais uma vez se vinculam pela sano dada em dezembro de
1689(17).
%surgia, dessa forma, a Monarquia Constitucional. Doravante,
o Poder Real no mais poderia invocar a Doutrina do Direito Divino
do Soberano, aquela prescrio imemorial ciosamente defendida
pelos Stuarts. O Poder Real existe por uma definio do Parlamento,
por um contrato com os representantes da Nao. //

('9

ESMEIN, A. Les Constitutioiis, du Protectorat de CROMWELF. Revue


du Droit Public' et de la Science Politique en France et a I'Etranger.
Paris, tomo 22, p. 193-208, 1899.
Encyclopaedia Britannica. Cliicago, Londoli, vol. 3, 1951. p. 577.
MAITLAND, F. W . Tlie constitucional history of England. Cambridge:
University Press, 1955. p. 284.

h-

al//
.,

Ao Soberano reconhecida parcela do *PoderLegflativo. O


Rei no pode fazer as leis por si s,-susgender-l~&icc~m
tampouco --dispensar
----- algum
-- de observ-las. A sua aquiescncia ,
entretanto, essencial para que um msrogroj_to- um bill se torne
lei - law - pois, como afirma Locke: "Em algumas comunidades,
em que o Legislativo no est sempre reunido e o executivo est
investido em uma nica pessoa que tambm toma parte do
Legislativo, esta pessoa nica tambm pode chamar-se suprema, em
sentido mui tolervel; no que tenha em si todo o poder supremo,
que o de fazer as leis, mas porque possui em si a suprema execuo
da qual todos os magistrados inferiores derivam os diversos poderes
subordinados ou, pelo menos, a maior parte deles. No tendo
tambm qualquer Poder Legislativo a ele superior, no havendo lei
que se possa fazer sem o consentimento dele que no se pode esperar
se o submetesse outra parte do legislativo, bastante
apropriadamente, neste sentido, supremo. Entretanto, deve observarse que, embora a ele se prestem os juramentos de fidelidade e
vassalagem, no os fazem como se fosse legislador supremo, mas
como supremo executor da lei feita pelo poder conjunto dele e dos
outros, nada mais sendo a vassalagem que obedincia conforme a lei,
que, quando ele viola, perde o direito obedincia, nem pode exigi10 de outra maneira que como pessoa pblica investida do poder da
lei devendo assim considerar-se como a imagem, sombra ou
representao da comunidade, atuando pela vontade da sociedade,
declarada nas leis; e assim no tem vontade, ou poder, seno o da lei.
Mas quando deixa essa representao, essa vontade pblica, e passa
a agir pela sua prpria vontade particular, rebaixa-se e torna-se
simplesmente pessoa particular isolada, sem poder e sem vontade,

da lei e o pressufikt de-que o mesmo-a-ela se viqgle medint-e


sano dada. Como ressalta Bompard, diferentemente dos Stuarts,
que no atribuam qualquer importncia s leis e, portanto, sano

(I8)

LOCKE, John. Segundo tratado sobre Governo. 2aed. So Paulo: Abril


Cultural, 1978. p. 9 3 4 (Os peiisadores Locke)

por eles aposta aos projetos, violando no vero o que haviam


aprovado na primavera, William I11 considerava como sagrada toda
lei, ainda mais aquela que houvesse sancionado.
ressaltar que 9 Rei, em uma Monarquia
/C o nimportante
s t i t u c i o n a l , . Escolhe
livremente seus Ministros, preside s reunies ministeriais e orienta a
poltica do Governo. Os Ministros so auxiliares de confiana do Rei
e ainda no havia maturado o instituto da responsabilidade poltica,
alis, no havia ento ministrio ou gabinete homogneo.
Em 24 de fevereiro de 1692, o Rei recusa a sua sano a um,
projeto que objetivava assegurar a independncia dos juzes,
estabelecendo remuneraio fixa a ser paga com os rendimentos
hereditrios da Coroa aos magistrados; a um segundo, que previa que
nenhuma legislatura poderia durar mais que trs anos e, ainda, a um
outro, que exclua das Cmaras os titulares de cargos pblicos
remunerados. Bompard explica tais recusas de sano basicamente
pelo fato de que os dois ltimos visavam a pr termo na corrupo
dos parlamentares pelo Rei, e este era um mecanismo imprescindvel
para que o Rei forjasse a sua maioria no Parlamento; e o primeiro
afetava, sem o consentimento real, as rendas pessoais do Soberano.
A Rainha Anne, em 1707, recusar, pela ltima vez, a sano
real na Inglaterra. A recusa, na realidade, foi da convenincia do
prprio Parlamento, que, aps aprovar um bill licenciando a milcia
escocesa, soube de fato superveniente que desaconselhava a lei.
Assim, de comum acordo com o Parlamento, a Rainha recusou
sano ao projeto(19).
Nesse passo, cumpre-nos salientar, como o faz B~rnpard(~O),
que\\a negativa de sano, enquanto absoluta na Constituio inglesa,
tornara por demais mortificante o seu exerccio para o prprio Q ,.
Soberano, uma vez que este terminava por revelar-se como o
defensor de prerrogativas prprias, herdadas de um passado que se
queria superado frente vontade da Nao, claramente manifestada
pela representao nacional(21).
4

.ic

(I9)

BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 41.

no) BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 41.


"Naco", como veremos ao longo de todo o trabalho, um termo
ambguo, que se presta a muitos usos. Buscaremos agora, em rpida
digresso, fornecer alguns matizes de seu uso no contexto liberal, de
incio, por recordar que, tecnicamente, os termos "liberal" e
"democrtico" so adjetivos que qualificam de forma distinta e diversa

'.
%',

, u

Assim, antes mesmo que se afirmassem as regras de corrqo


constitucional do Parlamentarismo, o instituto da sano na
Inglaterra jA no mais encontra oportunidade de aplicao. A medida que a ingerncia parlamentar estende-se, na purdii_a dos f a B
do mbito do Legislativo tambm 5quele~d~~xegctiv0~ mediante a
um substantivo, pois a democracia resultou das lutas e moviinentos
sociais que tiveram lugar principalmente, ao longo do sculo XIX,
como adio tardia ao liberalismo. @ representao poltica liberar
essencialmente aristocrtica. Contudo, revela uma viso
aristocratica distinta daquela dos antigos. Nasce em uma sociedade de
proprietrios. Nela o indivduo , no mnimo, proprietrio do prprio
corpo, o qual leva ao mercado enquanto fora de trabalho. Nesse
sentido, no mais se ancora ein uma ordem hierarquizada tida como
natural, onde os indivduos encontrariam lugar prprio somente em
funo do nascimento, mas, pelo contrrio, tende a substituir, na esfera
da sociedade civil, cada vez mais a forma de aplicao medieval da
justia, entendida como equidade, pela aplicao modenia, capitalista,
I da justia tomada como igualdade formal perante as leis, requerendo a
existncia de um nico sistema jurdico cujas normas pudessem ser a
todos universalmente aplicadas. Embora a representao poltica da
Nao tambm tenha como critrio bsico a propriedade,
aristocraticamente, essa vinculada capacidade de discemimento
daquilo que o "pblico", ou "interesse geral", em oposio ao
i "privado", aos interesses imediatos e egosticos, possibilidade de o
i indivduo haver satisfeito as suas necessidades primrias e mais
prementes e s ento poder ter a viso dos reais interesses gerais.
Aquele que proprietrio apenas do prprio corpo s poderia afirmar
sua liberdade na esfera da sociedade civil, regulada pelo Direito
Privado, onde seria livre para contratar; iio mais o seria, no entanto, no
I mbito da sociedade poltica, do Direito Pblico, niormeiite
I constitucional, pois suas decises no seriam suas. Seriam, na verdade,
1 daquele que o contratou, do patro, ou na melhor das hipteses, dos
1 interesses menores, das paixes determinadas de forma imediata pelo
reino das necessidades prementes no qual esse indivduo se encontraria
mergulhado. Os homens de ento coiistruram, assim, dois mundos
distantes e paralelos, o da sociedade civil, onde o capital se afinnou
pela consagrao da liberdade quantitativa, formal, igualitria, e o da
sociedade poltica, no qual se restabelecia a liberdade qualitativa,
hierarquizada e excludente. O indivduo para ser eleitor deveria pagar
uma certa quantia de iinpostos, para que pudesse ter interesse na
conduo dos negcios pblicos, ou. o que dava no mesmo, perceber
uma renda anual mnima que garantisse sua independncia econinica.
I Para os candidatos a cargos de uma representao local, regional ou
i nacional havia gradao crescente nos requisitos de renda, via de regra,
/ geomtrica, precisamente porque se acreditava haver uma gradao
1 hierrquica entre os interesses representados. Mas, nesse quadro, ainda
1

I exigncia

Ministros do Rei gozassem da c_nfianca da


/ Cmara, o dequequevemosatribuir
carter hornogeneo ao Gabinete, no qual

1714-27, George 11, 1727-60, George 111, 1760-1820, e George IV,


1820-30, que a transformao se processa, graas a um delicado jogo
de normas convencioiiais, coi~ventionsof constitution, precisamente
por afetarem as cliamadas prerrogativas reais. Tratava-se de normas
convencionais que no apresentavam um efetivo carter jurdico aos
olhos dos jurisconsultos britnicos, porquanto no seriam defensveis
perante um tribunal(22).Para Lowenstein, o parlamentarismo auque de forma menos direta, o representante nacional ainda poderia
vincular-se a interesses menores, locais ou regionais, em detrimento do
interesse geral, em razo de se submeter a eleies peridicas. Da a
necessidade da Cmara Alta, onde a representao vitalcia e mesmo
hereditria dos grandes interesses nacionais funcionaria como garantia
desses mesmos interesses tidos como permanentes. Ainda, no cume da
hierarquia poltica, envolto pennanentemente nas nvoas do mistrio,
encontraremos o Soberano, esse elemento capaz de reunir em uma s
pessoa, por um poder comum, uma multido de homens para a sua paz,
defesa e proveito coniuns, para usar os clebres termos de Hobbes.
Apenas que agora o Soberano se afinna como tal precisamente por sua
ao pressupor o contedo da legalidade fixada pelo Parlamento como
parmetro, e deve, em conseqncia, ter atuao cada vez mais restrita
s estritas fimes de gesto dos negcios pblicos entendidos em
e mormente quelas
sentido quase que exclusivamente admi~~istrativos,
Iionorficas de representao. E aqui recordainos a observao de
Kelsen sobre a doutrina prevalente no sculo XIX de que haveria uma
separao rgida e estkique entre o Direito privad e o Pblico,
considerando-se o ~riineirocomo o Direito Dor excelncia. o verdadeiro
Direito, o ~ i r e i t iNatural. O segundo, 'por uma vez; seria mera
conveno. Ora, aqui biiscamos salientar que tambm o conceito de
NaBo, ou de Sociedade Civil como sociedade naturalmeizte nacional
foi uma inveno moderna intimamente articulada com as demais
1 invenes dela contemporneas, como o Estado e a Coiistituio, para
ficarmos apenas com as que mais de perto nos interessam. Ver a
.respeito: BALIBAR, Etienne. Tlle Nation Form, History and ideology.
Review Fernand Braudel Center, Bilighamton, New York, Vol. XIII, ng
3,1990, p. 329 a 361.
(22) BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Sanzione, assenso e veto de1 capo
de110 stato nella formazione della legge negli ordinamenti
constihizionali moderni. Revista Trimestrnle di Diritto Publico, Milano, vol. 8, n", p. 256, 1958.

tntico apenas comea a funcionar normalmente aps o Reform bill


de 1832, com a ampliao do sufrgio classe mdia ennquecida,
pois antes era possvel ao Gabinete, com a ajuda da Coroa, manipuilar a Cmara dos Comuns(23).
Pecorramos, porm, a Blackstone, em seu clebre
Comentrios s Leis da Inglaterra, para que possamos melhor
compreender\-e,
por via de conseqncia, a natureza
de sua participao no procedimento legislativo da Monarquia
inglesa propriamente Constitucional. Tal obra foi escrita entre os
anos de 1765 e 1769, antes, portanto, da maturao do sistema
parlamentar de governo que distinguir6 a Monarquia Parlamentar. E
embora a crescente preponderncia poltica das decisoes das
Cmaras venham relegar a sano rgia condio de arma
integrante das panplias decorativas das paredes do Castelo de
Windsor, a participao do Rei, por um lado, e a das Cmaras, por
outro, no procedimento legislativo, continuou, teoricamente, a ser
considerada juridicamente no mesmo plano, devido, sobretudo,
duradoura preeminncia do rgo rgio de que nos fala Blackstone,
ao menos do ponto de vista formal, em relao aos demais rgos
constitucionais. Assim que Blackstone afirma que "c'est sans doute
la preuve la plus forte de cette vritable libert dont se vante notre
pays et notre temps, que le pouvoir de discuter et d'examiner, avec
dcence et respect, les limites de la prrogative royale. C'est un
point que, dans de certains temps, on a regard comme sacr, comme
trop dlicat pour tre trait sans profanation par Ia plume d'un sujet.
On le rangeait parmi les arcana imperii: et de mme que les
mystres de Ia bona Deu, i1 n'tait permis qu'aux initis de
l'examiner fond; peut-tre parce qu'ainsi que les solennits de ces
mystres, i1 n'aurait pu supporter I'inspection d'un censeur
raisonnable et age"(*^) Por prerrogativa realentende ele "cette
pr minance specia e que le roi a2ur et audessus de tgutes autres
personnes, Hors du cours ordinaire de la loi~m_muneu,
et en vertu de
sa royale dignit"(25).E, POUCO mais adiante, precisa o que entende

d
Q3)

Q4)

(2"

LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de lu Constitucin. Barcelona: Ed.


Abril, 1986. p. 125.
BLACKSTONE, W. Commentaires sur les lois anglaises. Paris:
Bossange, 1872. p. 438-39.
BLACKSTONE,W. op. cit., p. 441.

por dignidade real e o porqu da necessidade de sua afirmao: "Je


vais donc parler d'abord de la dignit royale. Dans tout tablissement
monarchique, i1 est ncessaire de distinguer le prince de ses sujets,
non-seulement par la pompe extrieure et par les dcorations du rang
suprme, mais aussi en lui attribuant certaines qualits, comme
inhrentes au caractre de roi, distinctes de celles de tout autre individu de la nation, et qui leur sont suprieures. car, quoique le philosophe considre le roi simplement comme un homme charg par
consentement mutuel de prsider sur d'autres, et qu'il lui paye en
consquence le tribut de respect et de devoirs que demandent les
principes de la socit, i1 n'en est pas de mme du commun des
hommes, trop disposs I'insulte et dsobissance, si on leur
appris ne voir dans le prince qu'un homme aussi imparfait qu'euxmmes. Aussi la loi assigne au roi, raison de l'minence de son
caractre politique, non-seulemeqt des pouvoirs et des moluments
considrables, qui constituent sa prrogative et soii revenu, mais encore de certains attributs d'une nature leve, transcendente,
dont
-l'effet est de le faire considrer par le -peuple sous le point
de
---vue
d'un tre suprieur, et avec un respect ml de crainte; ce qui le mel

ond l'objet de notre examen, sont le roi, qui y sige dans son caractre politique royal, et les trois tats du royaume, savoir: les lords
spirituels, les lords temporels (qui les uns et les autres sigent avec le
roi dans une Chambre), et les communes, qui sigent dans une
Chambre spare. Le roi et les trois Etats forment, par leur runion,
la grande corporation, le corps politique du royaume, dont le roi est
Ia tte, le principe et le fin, caput; principium etfinis (...) I1 est trsncessaire, pour maintenir la balance de la constitution, que le
pouvoir excutif soit une branche du pouvois lgislatif, quoique san
tre le pouvoir lgislatif entier, Nous avons cru que leur runion
une mme main conduirait la tyrannie: leur sparation ab
produirait la fin les mmes effets, eii amenant cette runion me
laquelle on aurait cru mettre ob~tacle"(*~).

(*Q

BLACKSTONE, W. op. cit., p. 443-444.

(2n BLACKSTONE, W. op. cit., p. 267.

Contudo, pela prpria evoluo da Monarquia britnica, esta


hoje se apresenta como sistema de governo e no mais como forma
de governo, ou seja, o Princpio Monrquico simples
reminiscncia, til enquanto permite o funcionamento do sistema
parlamentar de governo, reservando Coroa to-s funes
simblicas e honorficas de representao, salvo a excepcionalssima
q j hip6tese de que nenhum partido ou coalizo partidria alcance
maioria na Cmara ou quando, ainda que a alcance, no tenha lder
definido, casos em que a atribuio real de nomear o PrimeiroMinistro poder ser exercida com maior discricionariedade(28?~omo
ensina ~ewenstein,durante um curto perodo, nas dcadas de 1850
e 60, o parlamentarismo britnko"_e_t~deu
. afirmao da
superioridade inequvoca da Cgnad~s Comuns sobre-o Gabinete,
similar ao parlamentarismo francs sob a gide da Constituio de
1875. verificam-se, no perodo, quedas sucessivas de Gabinetes e
uma completa ausncia de disciplina partidria. A prpria Cmara
dos Comuns constitua-se maneira de um clube reservado a
membros que provinham de uma classe social homognea, refugindo
ao controle quer do Gabinete, quer do eleitorado. A situao, no
entanto, radicalmente alterada mediante a ampliao do sufr~io
classe trabalhadora, trazida pelo Reform Bill de 1867. A erupo dos
partidos organizados de massa introduz com fora decisiva, o
eleitorado no processo poltico. Desde ento, ---o rewe
parlamentarista britnico apresenta jus-confort-ta& t r i m
constituda pela Cmara dxo~~m~ns,~_o Gabinete. e o eleitora&.
Contudo, nessa formao, o eleitorado e o Gabinete detm posies
-centrais, enquaiito a Cmara cumpre simplesmente a funo de
transmitir a vontade do eleitorado ao Gabinete. Uma derrota do
Gabinete na Cmara induz, invariavelmente, dissoluo desta, cujo
perodo mximo de durao foi reduzido, em 1911, de sete para
O Pnrliamentary Act, de >9iL,_cuja_ prescriges f ~ r a m
cinco anos(29).
mais acentuadas pelo s e g u n l e n t n y A , de 1949, reduz
no
significativamente a competncia da Cmara dos Lordes
procedimento legislativo, praticamente reservando-lhe apenas funo
consultiva. Assim, a Monarquia Constitucional ingle$$ de h muito
cedeu lugar a uma Monarquia Parlamentar, pois as normas de

i\c

4
I

I
I

(29)

JENNNGS, Sir Williain Ivor. A Constituio Britizica. Braslia: UNB,


1981. D. 79 e ss.
LOEWENSTEIN, Karl. Op. cit., p. 125 e ss.

correo constitucional ali vigentes no autorizam o reconhecimento


de qualquer transao entre princpios distintos, no que se refere
atribuio da soberania nacional, pelo contrrio, vigora, em toda a
sua transparncia, o princpio mais que republicano, democrtico. Na
Monarquia Constitucional, a presena do Rei define efetivamente a
estrutura essencial da forma poltica, pois comporta a soberania em
suas manifestaes ordinrias ou extraordinrias e intervm na
determinao da direo poltica. Na Monarquia Parlamentar,
enquanto sistema de governo, a soberania integralmente atribuda
ao povo, e ao Rei no compete intervir nem na sua atualizao
ordinria ou extraordinria, nem na fixao da poltica do Estado,
enquanto titular de um poder prprio de deciso%A Monarquia
Parlamentar regime de governo em contraposio quelas formas
de governo das quais se originou: a Monarquia Absoluta, na qual o
Prncipe absorve por inteiro a soberania, e a Monarquia Constitucional, lia qual a soberania compartilhada entre o Rei e o povo.
N a Monarquia Parlamentar, os atos do Rei requerem a referenda
ministerial. Esse realiza funes integrativo-simblicas,enquanto assume a preeminncia honorfica, no mbito preferentemente poltico
e da representao do Estado; relacionais, enquanto coordenador ou
regulador das relaes entre o Governo, o Parlamento e o corpo
eleitoral na atualizao das conseqncias inerentes verificao da
confiana parlamentar; e, finalmente, declarativas, enquanto
intervm, na qualidade de Chefe de Estado, para revestir as
manifestaes de vontade do Estado do carter de firmeza,
solenidade e generalidade que lhes so prprias, quer se trate de uma
declarao ad intra, como a promulgao das leis, quer se trate de
uma declarao ad extra, a exemplo da declarao de Guerra ou da
concluso. de um tratado internacional. Atividades que, em uma
Monarquia Parlamentar, pressupem, ausncia de uma posio
poltica independente do Monarca(30). a co-partio na soberania,
que caracteriza a Monarquia Constitucional, decorre a coparticipao no exerccio da funo legislativa, consoante natureza
dual especfica dessa forma de governo. Assim que, para a
Monarquia Constitucional a sano aparece como a interveno do

0
'
)

PEREZ Royo, Javier. Jefatura de1 Estado y democracia parlamentaria.


Revista de Estudios Polticos, Madrid, 1199, p. 7 e ss, s.d.
RAPOSO, Mrio. Monarquia Parlamentar: As modernas experincias
europias. Lisboa, 1984. (Separata do Volume Estudos sobre a
Monarquia)

Monarca necessria para a perfeio da lei, discricionariamente


outorgada, ou, consoante ao seu grau de vinculao ao Princpio
Monrquico, como o ato legislativo por excelncia, como em Laband
e em ~ e l l i n e k yprtica
~
constitucional, com a gradual evoluo da
forma de governo Monarquia Constitucional para o sistema de
governo Monarquia Parlamentar, durante o sculo XIX, no vai
questionar a necessidade da participao rgia de natureza
constitutiva no procedimento legislativo, ou seja, a prpria existncia
do instituto, mas, sim, o seu carter voluntrio, de modo que se
considerar correo constitucional a outorga necessria da sano,
medida que se consolide um firme sistema de partido que termine
...-do Rei no sistema poltico.or ritualizar a---.interveno
Laleza na Monarquia P a r l a m q elevado e isolado. preenchido
por funes latentes que ndeixam transparecer vontade prpria,
configuradoras apenas daquela dignidade de que nos falava
Blackstone, porm vazia, sem pressupor independncia poltica e,
como tal, no comportando lutas ou atos de autoridade que pudessem
gerar conflitos constitucionais que obrigassem destruio da
mstica mediante o inventrio das prerrogativas prescritas e a
determinao das funes remanescentes; como j diz$ Bompard,
ele, a
so essas as condies atuais de existncia da reale~a(~')/Para
palavra que caracteriza a sua atuao a influncia: palavra vaga,
que corresponde aos ditos discretos, aos tratos ntimos; expresso
que no exige nenhum poder definido, uma vez que a influncia
pode ser exercida por qualquer indivduo sobre um outro. E embora a
sano rgia continue a ser elemento constitutivo essencial perfeio da lei na Inglaterra, desde h muito no mais guarda o carter
discricionrio original, volitivo, tornando-se ato obrigatrio, pois,
para manter a monarquia, como afirma Bompard, citando Bagehot
referindo-se Rainha Vitria: "la reine n'a plus Ia moindre parcelle
du pouvoir lgislatif. Elle n'est plus un tat du royaume. Pour
qu'elle le fit, i1 faudrait qu'il lui fit possible de rejeter les bills,
sinon comme le fait la Chambre des Communes, au moins de la
mme manir que la Chambre des Lords. Mas la reine n'est pas
arrne du veto. Elle serait oblige de signer son propre arrt de mort
si les deux Chambres s'accordaient pour le soumettre sa signat ~ r e " ( ~//~ ) .

(32)

BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 43.


BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 48.

Assim que a recusa da sano na Inglaterra no exercida


e oitenta e trs anos, o que, por si s, seria indcio mais
do que suficiente para se considerar o carter discricionrio do
I instituto como consuetudinariamente d
( A Constituio espanhola de
m atribui ao Rei a
sano dos projetos de lei aprovados pelas Cmaras em seu art. 91.
Contudo, como salientam'~olozaba1 Echavarra, Santamara e
Ferrando Bada, a compreenso do instituto da sano rgia no seu
sentido tradicional no se conformaria natureza de Monarquia
Parlamentar que a Constituio expressamente quis emprestar ao regime de governo espanhol(33).
Realmente, como demonstra Zolozabal
Echavarra, a Monarquia Parlamentar no , no caso espanhol, um
simples marco histrico disponvel para o intrprete, mas uma
definio do prprio constituinte. A definio do sistema de governo
como Monarquia Parlamentar, no art. 1" pargrafo 3" uma
constitucio~~alizao
importante no apenas por seu carter inusitado,
mas tambm por localizar-se logo no ttulo preliminar, no qual se
encontram as decises polticas fundamentais, onde se expressa, para
usar os termos de Zolozabal Echavarra, a supralegalidade ou legitimao do regime poltico, e supe o conceito j ento claramente
definido na doutrina constitucional e na prtica poltica da
Monarquia Constitucional como simples sistema de governo para
que se proceda interpretao e desenvolvimento dos demais ttulos,
principalmente, o segundo, atinente Coroa. E assim, conclui "en
nuestro ordinamiento la sancin es--.---I
un acto debido.
_ _ -de
_.--inexcusable
"_cumplimiento, en- razn
de
l
a
concepciii
de
la
monarqui,
por
-- - - --- - .-- -- -i i u e s t r i s t i 6 i n t e como -EoTma de gobieri y ' n c o i n i i m a de
Estado, congruente con la explicitaciii rotunda de1 principio
democrtico y con la redaccin conminatoria e imperativa, sin
previsin de excepciones, de1 prprio articulo 91 de la Constitucin.

(33)

v-

---

ZOLOZABAL Echavarra, Juan Jos. Saiiciri y promulgaciii de la ley


en la monarquia parlamentaria. Revista de Estudios Politicos, Madrid,
n"5, p. 370, enero-marzo. 1987.
ZOLOZABAL Ecliavarra, Juan Jos. La Sancin y proinulgacin de la
ley en Ia monarquia parlamentaria. Madrid: Editorial Teciios S.A.,
1987.
SANTAMAR~A,Juan A. Comentrio a1 artculo 91. In: Comentrios a
lu Constitucin, Coordenacin Garrido Falla. Madrid, Ed. Civitas,
1980, p. 930-31.
B A D ~ AJuan
,
Ferrando. La Moiiarquia Parlamentaria Actual Espanla.
Revista de Estudios Polticos, Madrid, n"3, p. 40 e ss, enero-febrero.
1980.

La sancin es un acto obligatorio, gero tarnbin necessario para la


perfeccin de la ley, que no es tal sin la colaboraccin de1 monarca
(...) 10 que no le impide a1 texto legislativo desarollar, en virtud de1
procedimiento legislativo establecido en la Constitucin, algunos
efectos como e1 de la exigencia inexcusable de la sancin y
prom~lgacin(~~).
A concluso de Santamara no mesmo sentido "la
sancin es un acto de1 Monarca formalmente necesrio para la
validez y eficacia de la ley, simplemeiite porque 10 ordena la
Constitucin. Materialmente, en cambio, es requisito superfluo, y
politicamente desorientador. La sancin o es sancin autntica (esto
es, un acto de voluntad de1 Monarca, que unido a la voluntad de1
Parlamento, completa o perfecciona la ley) o no es nada; y no es
sancin autntica en la medida que constituye un acto esrictarnente
obligatrio y, por tanto, desprovisto de toda voluntariedad (E1 Rey
sancionar, diz e1 art. 9 1)"(35).Igualmente Garca de Enterra e T. R.
Fernndez afirmam, ao comentar o mesmo dispositivo
constitucional, que "nada de eso, naturalmente, tieiie que ver con un
supuesto papel de codecisor eii la legislacin, que evoca la clsica
doctrina de la sancin rgia. E1 haber mantenido este concepto es,
sencillamente, un tributo historicista y ya puramente simblico,
como no es excepcional que ocurra con otros elementos de la
institucin monrquica n su insercin en una estrutura
democrtica"@".Assim quga adoo da sano do Chefe de Estado
na Monarquia Parlamentar espanhola vem revelar, de forma
inequvoca, a nova e humilde conformao que o instituto da sano
do Chefe de Estado no procedimento legislativo, precisamente em
razo de ser acolhida e positivada em texto coiistitucional escrito e
rgido que se quer sistmico e coerente, pode receber, no seio de um
sistema de governo monrquico parlamentar. A renitente recusa de
sano rgia a determinado projeto de lei aprovado pelo Parlamento,
dada a absoluta prevalncia do Princpio Democrtico conformador
da prpria forma de governo e do governo poltico, pode colocar em
risco a continuidade no s da dinastia, mas da prpria Monarquia,
enquanto sistema de governo.p
E exatamente esse fato que foi colocado recentemente em
evidncia por ocasio da aprovao, pelo Parlamento belga, de um

(34)

"51
(3"

ZOLOZABAL Echavarra, Jiian Jos. Op. cit., p. 373.


sANTAMAR~A,Juan A. Op. cit., p. 91.
GARC~ADE ENTERF~A,FERNANDEZ, T. R. Curso de Derecho
Administrativo. Madrid: Civitas, 1981. Vol. 1, p. 125-26.

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projeto de lei que objetivava descriminalizar parcialmente o aborto


no pas./^ Constituio belga de 7 de fevereiro de 1831, consagra
no seu art. 69: "Le Roi sanc 'onne et promulgue les lois". Como
afirma De Visscher "Ia sanction de Ia 10; est l'aite par leque1 le Roi,
agissant en sa qualit de troisime branche de l'organe Igislatif,
manifeste son accord avec la voloiit exprime dans un projet de loi
par les deux Chambres lgislatives. La ncessit de la sanction
dcoule la fois de l'article 69 et de I'article 26 de Ia constitution
aux termes duquel: Le pouvoir lgislatif exerc collectivement par le
Roi, Ia Chambre des reprsentants et le Snat (...) Le droit de sanction implique au profit du Roi un droit de veto absolu (...) Toutefois,
comme le Roi n'exerce cette prrogative qu'avec l'accord d'un
ministre responsable devant les Chambres (Const. art. 64), l'exercice
effectif de le pouvoir est extrmeinent rare si bien que l'on ne peut
citer que deux exemples de refus formal de ~anction"'~~).
Contudo,
Paul Errera, no seu clssico "Trait de Droi Public Belge", j em
1909, constata que, "en droit, le Roi est l'gal de la Chambre ou du
Snat, au point de vue legislatif. Rien Iie peut le contraindre
sanctionner une loi vote par le Parlemeiit, mme si cette loi est
d'iniciative gouvernemeiitale. I1 lui suffit de rester inactif: pareille
attitude passive n'exige naturellemeiit le coiicours d'aucuii ministre.
I1 peut aussi exercer expressment son droit de veto par un arrt
royal refusant la sanction un project vot par les Chambres (...)
Sans doute, avait - on dj conscience de l'impossibilit pour le Roi
d'exercer son veto sous le rgime parlamentaire. Peut-tre, si la
prrogative royale avait t reduite au veto suspensif aurait elle une
importante pratique qu'elle ne peut avoir sous sa forme absolue,
telle que l'tablit la Constit~tion"(~~).
E como afirma Andr Mast, "le
mecanisme coiistitutionnel, construit en 1831, est demeur en place.
I1 a, bien sur, considrablement volu et si les articles de la Constitutioii sont presque tous rests enchangs, ils oiit parfois perdu leur
signification premire. I1 n'en demeure pas moins qu'exception faite
du rgime lectoral, la structure constitutionelle belge est, tout au
moiiis dans les textes qui la rgissent, reste celle d'uiie poque o,

---i

(37)

DE VISSCHER, Paul. La promulgatioii, la signature et la publication


des lois en Droit Belge. In: HERZOG, J. B., VLACHOS, G. (org.) La
Promulgation, lu signature et lu publication des textes lgislatifs en
droit compar. Paris: Ed. del'Espagne,1961. p. 41-42.
ERRARA, Paul. Trait h Droit Public Belge. Paris: V . Giard et E.
BrZere, 1909. p. 201.

I
I
1

en France, regnait Louis Philippe"'39). Obviamente, as alteraes


introduzidas atinentes soberania popular terminaram, na prtica,
por conformar o instituto da sano s exigncias da Monarquia
como sistema de governo parlamentar. Assim que, conforme
noticiaram a Folha de So Paulo e o Jornal do Brasilf40),o Rei
Balduno I, para no ter de sancionar o projeto de lei sobre o aborto,
aprovado pelo Parlamento, que permite a interrupo da gravidez at
a 129emana para mulheres em dificuldades, por ser contrrio a seus
princpios catlicos, utilizando-se do art. 82 da Constituio, abdicou
do trono por um dia. Dessa forma, o prprio Premier, assumindo a
regncia, sancionou e promulgou a nova lei. Segundo o mesmo
noticirio, o Professor de Direito Constitucional da Universidade de
Lige denunciou a violao da Constituio, pois o art. 82 refere-se
inabilitao fsica ou mental do Monarca para o exerccio de suas
funes, e, consequentemei~te,precisaria ser substitudo, o que de
forma alguma corresponderia ao caso verificado, na realidade, de
incompatibilidade ideolgica do Soberano com o teor da horma
aprovada, " ridculo dizer que o Rei est incapacitado para reinar
por algumas horas". O Rei, portanto, seria obrigado a sancionar o
projeto aprovado; no entanto, a diplomtica sada para a crise
institucional colocou em xeque a prpria Monarquia. O Deputado
Marjke van Hemeldouck defendeu a abdicao do Rei ao trono:
"recusar-se a assinar uma lei votada pelos representantes do povo
significa recusar-se a servir o povo. Nesse caso, o Monarca deve
abdicar e o seu sucessor assinar a lei". O lder dos socialistas belgas
de lngua francesa no Parlamento europeu foi mais longe: " hora de
termos uma Repblica lia Blgica, com a recusa em exercer seu
papel como Rei, ele removeu toda a pertiiincia da Monarquia". O
incidente revela, contudo, com clareza, tando a ausncia de qualquer
poder discricionrio que reveste de nova feio o instituto lia
Monarquia Parlamentar, quanto, a redefinio do papel
extremamente limitado hoje reservado ao Monarca enquanto

Q9)

f40)

MAST, Andr. Chroniques Constitutionelles trangres - Belgique: Une


Constitution du temps de Louis-Philippe. Revue du Droit Public et de
la Science Politique en France et a l'traizger, Paris, Tomo 73,11%, p.
1003.1957.
FOLHA DE SO PAULO. So Paulo, 5 de abril de 1990. Cademo A,
p. 12.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 5 de abril de 1990, lwademo,
p. 9.

representante simblico da nao na estrutura democrtica de uma


Monarquia Parlamentar..
Como nota De Visscher,a\a Constituio belga de 1831 inspirase no apenas na experincia constitucional inglesa, mas nas Cartas
francesas de 1814 e 1830(41).As Cartas constitucionais de 1814 e
1830, instrumentos da restaurao monrquica, buscam expurgar da .%
memria a Revoluo e o perodo napolenico, reatando a histria Cr/'
do ponto interrompido, apresenta-se a primeira como outorga
graciosa que o Rei, fonte de todo poder, concede a seus sditos e a
segunda como o resultado da transao havida entre o Rei enquanto
fonte tradicional, ainda originria e autnoma de poder, e o
~arlamento<~/~iz
claramente o prembulo da Carta de 1814: "Nous
voulous volontairement, et par le libre exercise de notre autorit
royale, accorder et accordons faire concession et octroi notre sujets, tant pour nous que pour nos successeurs, et toujours, de la
charte constitutionnelle". Como diz Luiz Diez de1 Corral, com toda a
solenidade de um pas dado s grandes declaraes, explcita e
rigorosamente, se proclamava o Princpio Monrquic~(~~).
Princpio
que, obviamente, orientou a atribuio do Poder Legislativo ao Rei
em conjunto com o Parlamento e o reconhecimento da necessidade
da sano para a formao da lei, em ambas as Cartas. A de 1814
no apenas acolhia a necessidade da sano real, de forma absoluta,
no procedimento legislativo, mas tambm reservava ao Monarca a
iniciativa de todo e qualquer projeto de lei. Contudo, a histria do
perodo comprova que no se fez uso da recusa de sano sequer
uma nica vez. O Senado, enquanto Cmara conservadora, agiu
como rgo do Rei, no se fazendo necessria a exposio pessoal
do Monarca mediante a recusa de sano a qualquer projeto aprovado por ambas as Cmaras.
O Princpio Monrquico afirmado na restaurao francesa, na
realidade, encontrar terreno frtil nos reinados alemes de tradio
conservadora autocrtica. A Ata Final da Conferncia de Viena, de
1820, proclama-10- como princpio fundamental do Direito
Constitucional da Alemanha: "Todo e1 poder de1 Estado, de acuerdo
con e1 Princpio Monrquico, tiene que residir en la suprema cabeza
de1 Estado, y e1 Soberano s10 puede limitarse, mediante una

(41)

(42)

DE VISSCHER, Paul. Op. cit., p. 41.


DIEZ DEL CORRAL, Luis. E1 Liberalismo Doctrinrio, 4&ed. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1984. p. 66-68.

constitucin estamental, a la colaboraciii de 10s estamentos en e1


ejercicio de determinados dere~hos"(~~).
As Monarquias alems,
reunidas, em 1871, em Reich Federal, permanecem fiis forma de
governo monrquico-constitucional at 1918, com o advento da
Constituio de Weimar. nesse contexto que Laband e Jellinek,
entre outros, buscaram desenvolver e determinar o conceito do instituto da sano, mas, como veremos no captulo seguinte, vinculados
a postulados polticos bastante restritos, terminavam por ver, na
sano, o elemento constitutivo idneo para conferir norma o seu
valor cogente, propriamente jurdico, relegando todo o procedimento
legislativo que a precede esfera do poltico; as Cinaras apenas
contribuiriam mediante a determinao do contedo das leis.
A Constituio do Japo de 1889 estatua em seu art. 59: "O
tenno exercita o Poder Legislativo com o consenso do Parlamento
Imperial." Dado ao milenrio carter sacro que envolve a figura do
Monarca japons, a maior parte da doutrina nipnica da poca
tendeu adoo das teorias gerinnicas de Laband e Jellinek, ao
considerar que a fora cogente da lei dependesse fundamental e
exclusivamente da sano imperial. Como nos informa Bi~caretti'~~),
apoiando-se em Ohgushi, quando da elaborao da Constituio de 3
de novembro
de
1946, que at mesmo topicamente revela essa
-- --tradio milenar, ao dedicar o captulo introdutrio ao Imperador, a
redao do art. 7" ao elencar os atos relativos a assuntos de Estado,
em nome do povo, reservados ao Imperador, com o conselho e a
aprovao do Gabinete, atribuiu-lhe o mero dever formal de promulgar as leis, contrariando consistentes correntes nipnicas e originouse da imposio das autoridades de ocupao. Estas buscaram elidir
o perigo de desgaste da pessoa do Monarca e do sistema de governo
pela virtual oposio da vontade do trono vontade dos
representantes eleitos, o que, acreditava-se ento, poderia contribuir
para eventuais aventuras de tipo comunista, optando-se, assim, pela
abolio total da sano imperiaJ/~iscaretti cita, ainda, a
/Constituio do Carnboja de 1956, que. pelos mesmos motivos, no
acolheu o instituto, concluindo que, nas vrias Constituies
monrquicas adotadas na sia e na frica, no segundo ps-guerra,
consagrou-se ou a no-adoo do instituto, ou a possibilidade de
I superao da eventual recusa de sano rgia, mediante reiterada

(43)

DIEZ DEL CORRAL, Luis. Op. cit., p. 69.


BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 258 e ss.

aprovao parlamentar, como regra, embora formulada em termos


bastante diversos, pelas Constituies da Lbia, de 1951; da
Tailndia, de 1949 e de 1952; e a do Laos, de 1956. Portanto, mesmo
naqueles pases em que se acreditou necessria a manuteno da
Monarquia, esta foi reduzida a mero sistema de governo, com a
adoo de forma inequvoca, precisa e positivada do princpio da
prevalncia da vontade popular at mesmo na participao do Soberano no procedimento legislativo, distintamente da precedente
tradio europia no trato da matria, como na Inglaterra, na Itlia,
sob a gide do Estatuto Albertino, e em todas as demais Monarquias
Constitucionais europias que subsistiram apenas e enquanto
Monarquias Parlamentares, realizando a mesma situao i
constitucional, todavia de forma mais nebulosa e protetora da .autoridade do Soberano/
De outra vertente, na primeira Constituio francesa da
a 1791, sob a
Revoluo, de cunho ainda monrquico, ~ X o a L em
influncia da Constituio norte-americana de 1787, considerou-se
que o Rei devesse, ainda, gozar de seu tradicional Poder Legislativo
mediante a adoo da sano real para a formao da lei, mas que,
ao mesmo tempo, a sua oposio no deveria guardar aquela
definitividade que ate ento caracterizara o instituto no mbito das
monarquias. A questo na Constituinte, como narra Bompard, foi
amplamente discutida. Foi a primeira querela constitucional que
apaixonou o povo francs, pois, no fundo, tematizava, como
nenhuma outra, a questo da titularidade da soberania da Nao, se
esta deveria ser atribuda exclusivamente aos representantes do povo,
ou ainda compartida com o Rei. Os termos veto e sano eram
usados correntemente um pelo o tro, prtica alis, at hoje usual na
linguagem popular. ~inalmente', com o objetivo de preservar a
deferncia em relao majestade real e delegar a ltima palavra
representao do corpo eleitoral, imaginou-se criativa combinao,
que requeria um longo e complicado procedimento, prevendo-se que,
quando o Rei houvesse recusado a sua sano por duas legislaturas
sucessivas, seria sensato consider-la concedida quando da terceira
vez. Recorria-se a uma fico ainda reverencia1 e de terrveis
conseqncias polticas para quem dela fizesse uso. O Rei
permanecia co-legislador, mas no se ousava declarar que a lei
poderia ser feita sem o seu consentimento. Resguardou-se, talvez, at
demais a majestade real, porque, na prtica, aos olhos da populao,
a negativa de sano continuava a equivaler a uma negativa absoluta,
j que, para aprovao da lei, o Rei poderia impor uma demora de
vrios ano . A deciso do conflito era remetida, de maneira bastante

indireta, ao corpo eleitoral. Seriam necessrias duas eleies gerais


para o resolver, consoante a vontade popular fosse reiteradamente
afirmada pelos representantes nas Cmaras.
Dessa forma que a Constituio da Frana de 1791,
estatuira "Titre I11 - Les Pouvoirs Publics; Chapitre I11 - De
l'exercice du Pouvoir Lgislatif:
Section I11
De la Sanction royale
Art. 1" Les dcrets du Corps Lgislatif sont Prsents au
Roi, qui peut leur refuser son consenternent.
Art. 2% Dans le cas ou le Roi refuse son consentement, ce
refus n'est que suspensif. - Lorsque les deux Igislatures qui suivront
celle qui aura prsent le dcret auront successivement reprsent le
mme dcret dans les inmes termes, le Roi sera cens avoir donn
la sanction.
Art. 3% Le consentement du Roi est exprim sur chaque
dcret par cette formule signe du Roi: Le Roi consent et fera
excuter. - Le refus suspensif est exprim par celle-ci: Le Roi
examinera.
Art. 4% Le Roi est tenu d'exprimer son consentement ou son
refus sur cliaque dcret, dans les deux mois de la prsentation.
Art. 5% Tout dcret auquel le Roi a refus son consenternent
ne peut lui tre prsent par la mme lgislature.
Art. 6" Les dcrets sanctionns par le Roi, et ceux qui lui
auront te'prsents par trois lgislatures conscutives, ont force de
loi, et portent le nom et l'intitul de LO~S'Y~~).
Apesar do recorrente e infeliz uso que do instituto fez Luiz
XVI no seu curto reinado, sob a gide da Constituio, ao ponto de
Chevalier afirmar que no seria exagero dizer que "le ingnieux
rouage transactio~inelde la Constitution de 1791 fit tomber la tte
royale dans le panier de la g~illotine"(~~),
talvez, exatamente em
virtude do seu carter evidentemente transacional, foi ele acolhido na

c43

(4Q

"Apud" CASTRO, Jos Nilo de. Consideraes sobre o veto no direito


Comparado. Revista de Informao Legislativa, n V 6 , p. 171, out-dez.
1979.
A respeito dos debates na Constituintede 1791, ver:
BOMPARD, Raul. Op. cit., p 136 e ss.
CHEVALIER, J.J. De la distinction tablie par Montesquieu entre la
facult de statiier et la facult d'empcher. In: Mlanges Maurice
Haurion, Reciieil Sirey. Paris: 1929. p. 148.

Constituio gaditana da Espanha de 1812; na Norueguesa de 1814,


ainda hoje em vigor; na Portuguesa de 1822 e na Carta do Imprio
do Brasil. As Coiistituies da Espanlia, de 1812, e de Portugal, de
1822, tiveram efmera durao. A da Noruega, ainda em vigor,
embora, desde a pacfica separao da Noruega da Sucia, em 1905,
o Rei no mais tenha feito uso do seu direito de negar a sano, foi
alterada em 1938, no sentido de que a simples reaprovao na
primeira legislatura sucessiva bastaria para se considerar o projeto de
lei como tacitamente sancionado pelo Soberano, porque j se teria
claramente revelado qual seria a vontade efetiva do corpo eleitoral.
Como nos informa Bi~caretti'~~),
no curso do sculo passado, em
quatro ocasies, projetos de lei aprovados por trs legislaturas
consecutivas foram, enfim, sancionados pelo Soberano, enquanto
que, em 1898, aps a aprovao do terceiro storting (o Parlamento
noruegus) consecutivo, um projeto de lei sobre bandeiras se
transformou em lei sem a sano real. O conflito entre o storting e o
Rei era devido, via de regra, ao fato de que o Soberano era sueco,
datando de 1815 a unio-real
Reinos da Dinamarca
-- -- - -- entre
-os
- -. .-- . - -- - -- e-- da
Sucia, rompida em 1905. De resto, os Monarcas da nova dinastia
chamados a ocupar o trono no mais entrariam em conflito como o
storting. De todo modo, como j se disse, o art. 78 da Constituio
recebe nova redao, por Emenda Constitucional, em 21 de abril de
1938, refugindo ao estrito modelo da Constituio francesa de 1791,
ao adotar a seguinte forma: "se um projeto de lei for aprovado sem
emendas por dois stortings reunidos, aps duas eleies
consecutivas, em duas sesses ordinrias, sem que nenhum outro
projeto de lei diferente tenha sido votado no intervalo entre a
primeira e a segunda deliberao, e quando tal deciso for levada ao
Rei com um pedido, no qual se roga a sua Majestade no recusar a
sua sano a um projeto de lei que o storting, depois de madura
reflexo, persiste em considerar conveniente, o projeto mesmo ter
fora de lei, ainda que a sano real no intervenha at o trmino da
reunio".
Mormente no que se refere ao instituto objeto de nossa
pesquisa, foi grande a influncia da Constituio francesa, de 1791,
de Cdiz, de 1812, pelas
_ _.
_
na elaborao da Constituio~espanhola
Cortes extraordinrias censitariamente eleitas com base no critrio
proporcional, portanto no mais integradas por representantes de
h-%_

(4n

BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 270.

estamentos sociais ou de regies geogrficas. A semelhana do art.


117 da Constituio francesa de 1791, estatuam os artigos 148 e
149:

Art. 148 - Si en Ias Cortes de1 siguiente afio fuera de iiuevo


propuesto admitido y aprobado e1 mismo proyecto, presentado que
sea a1 Rey, podr dar la sancin, o negar la segunda vez en 10s
trminos de 10s artculos 143 y 144, y en ltimocaso, no se tratar de1
mismo assunto en aquel ao.
Art. 149 - Si de nuevo fuese por tercera vez propuesto,
admitido y aprobado e1 mismo proyecto en Ias Cortes de1 siguiente
afio, por e1 mismo hecho se entiende que e1 Rey da Ia sancin,
presentndosele, la dar en efecto por mdio de la frmula
expressada en e1 art. 143"(48).
Contudo, os constituintes espanhis de Cdiz foram muito
mais especficos e minuciosos. O art. 145 fixava o prazo de trinta
dias para que o Rei se manifestasse, por escrito - consoante s
frmulas de adeso ao projeto de lei estabelecida no art. 143, ou pela
negativa da sano, acompanhada dos motivos da recusa, prevista no
art. 144, ou definindo sua posio a respeito do projeto transcorridos os quais, considerar-se-ia dada a sano, e efetivamente
o Rei se obrigaria a d-la. O art. 150, por sua vez, previa que,
encerradas as sesses das Cortes antes do trmino do prazo facultado
ao Rei, sem que este se houvesse inaiiifestado, deveria faz-lo nos
oito primeiros dias da legislatura seguinte, sem prejuzo, na hiptese
de recusa, da possibilidade de reaprovao da matria naquele ano.
A
/ Constituio gaditana da Espanha perde sua vigncia em 1814,
com o retorno de Feriiando VI1 e do absolutismo, restabelecida, em
1820, graas revoluo liberal, outra vez, definitivamente
revigada em 1823, com a ajuda do exrcito francs de Lus XVIII,
que reconduz ao trono Fernando VII. O intrincado mecanismo de
superao da negativa real no chegou, portanto, a ser exercido. As
posteriores Constituies monrquicas da Espanha, o Estatuto Real
de 1834 e as Constituies de 1837, 1845, 1869 e 1876, atriburam,
de forma absoluta, a sano ao ~ e i . /
A Constituio~ortuguesade 1822, que tambm acolheu o
institut~conformeensina Afonso Arinos de Me10 Franco(49),resultou

(49!

$9
'

SANTAMA-,
J.A. Op. cit., p. 913.
MEL0 FRANCO, Afonso Arinos de. O Constitucionalismo de D
Pedro I no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Ministrio da Justi~al
Arquivo Nacional, 1972.
E

58

das Cortes eleitas em 1820, segundo o mesmo sistema eleitoral de


Cdiz. A convocao dos Deputados brasileiros, como ressalta o
constitucionalista e historiador, deu-se antes pelas prprias Cortes
(Decreto de 22 de novembro de 1820) do que pelo Rei cujo decreto,
expedido no Rio de Janeiro, de 7 de maro de 1821/A Constituio "
estabelecia uma Monarquia Coiistitucional das mais liberais, o Poder
Legislativo era exercido por uma nica Cmara e pelo Monarca
atravs da sano que, no entanto, poderia ter a sua recusa superada
pela reaprovao do projeto em trs legislaturas sucessivas. Apesar
de jurada por D. Joo VI, que j Iiavia retornado a Portugal, em 1 V e
outubro de 1822, por seu liberalismo, foi alvo do ataque da poltica
da Santa Aliana, e, em maio de 1823, a faco absolutista chefiada
pelo Infante D. Miguel inicia a revolta em Vila Franca. A nova Carta
de Portugal ser outorgada por D. Pedro, que a assina, com a morte
de D. Joo VI, no Rio de Janeiro, em 29 de abril de 1826, ainda na
qualidade de E1 Rei,pois sua abdicao ao trono portugus s se dar
alguns dias depois. O embaixador ingls o portador da Carta
outorgada. Apenas com a derrota final de D. Miguel em 1833, e com
a Conveno de vora-monte, de 1834, instaurado o Reinado de D.
Maria 11, filha de D. Pedro, a Carta passa a vigorar em todo o
Teve como base a Carta do Imprio do Brasil, sendo, contudo,
mais conservadora em alguns pontos. Um deles exatamente o da
sano rgia das leis. Dispunha o art. 13: "O Poder Legislativo compete s Cortes com a sano do Rei". Os arts. 57 e 58 configuravam
a recusa da sano como absoluta, seno vejamos:
"Art. 57 - Recusando o Rei prestar o seu conseiitimento,
responder nos termos seguintes: o Rei quer meditar sobre o projeto
de lei, para a seu tempo se resolver. - Ao que a Cmara responder,
que - Agradece a Sua Majestade o interesse que toma pela Nao.
Art. 58 - Esta denegao tem efeito absoluto".
/ ~ m setembro de 1836, vitorioso o movimento liberal,
convocada Assemblia Constituinte que elabora a Constituio de 241
de abril de 1838, que, por sua vez, filia-se s Constituies francesas
e de 1822. A Carta de 1826 , no entanto, restaurada, em
com a vitria dos conservadores e prossegue durante toda a
Monarquia, sofrendo as modific es introduzidas pelos Atos
Adicionais de 1852,1885 e 1896/
Chegamos, na esteira da Constituio francesa, de 1791, da
a
Espanha, de 1812, e da Portuguesa, de 1822, p ~ o l t i c do
jinprio do ~-r a s i lprimeiro
j
texto coiistitucional do pas e at agora o
de mais longa vigncia. Antes de entrarmos na anlise do texto dos
artigos pertinentes ao nosso tema, conveniente, contudo, buscarmos

traar as linhas gerais dos antecedentes a ele vinculados, que nos


permitiro uma impostao mais rica e contextual na abordagem do
instituto no Imprio do Brasil.
Com o retorno de D. Joo VI a Portugal e o progressivo
distanciamento do Prncipe Regente, D. Pedro, da poltica adotada
pelas Cortes de Lisboa, centralizadora e tendente a impor o retorno
do Reino Unido do Brasil condio de colnia, em 16 de fevereiro
de 1822, o Regente subscreve decreto convocatrio de um conselho
de representantes de provncias para "ir de antemo dispondo e
arraigando o sistema constitucional" no sentido de se formar "desde
jt um centro de meios e fins, com que melhor se sustente e defenda a
integridade e liberdade deste fertilssimo e grandioso Pas."
Conforme salienta Afonso Arinos de Me10 Franco(5o),
a convocao
de um conselho de procuradores de provncias para tratar de matria
constitucional significava uma tentativa de se buscar constituir uma
assemblia moda antiga que, no entanto, fracassa no seio da
prpria entidade convocada. Instalado no dia 22 de junho de 1822 o
conselho, j no dia 3, reivindica a convocao de uma Assemblia
Constituinte especfica para o Brasil. Por decreto, do mesmo dia, D.
Pedro e o Conselho de Estado procedem convocao de uma
Assemblia Geral Coiistituiiite e Legislativa, trs meses antes do sete
de setembro. Realizadas as eleies em pleito indireto e censitrio,
consoante o modelo liberal, em 3 de maio, de 1823, instala-se a
primeira Constituinte
---brasileira, integrada por grandes senhores da
exte rural. Em 5 de maio designada a comisso encarregada de
elaborar o projeto de constituio e a sua relatoria atribuda a
Antnio Carlos Ribeiro de Andrada. Durante a elaborao e discusso do projeto, a Assemblia Geral Constituinte e Legislativa,
consoante os termos de sua convocao e do compromisso jurado,
faz promulgar, independentemente da sano imperial, seis leis
consideradas urgentes. O entendimento, vitorioso no seio da
Assemblia, de que no apenas os dispositivos constitucionais, mas
tambm as leis ordinrias exatamente elaboradas e aprovadas por
aquela Assemblia, em virtude do carter excepcional de urgncia de
que se revestiam, teriam natureza coiistitucional e, portanto,
independeriam da sano imperial, constituiu o ponto fulcral da
divergncia entre a Assemblia Constituinte e a Coroa, que, aliado
ao recrudescimento do conflito entre portugueses e brasileiros,

('O)

60

MEL0 FRANCO, Afonso Arinos de. Op. cit., p. 21 e ss.

culmina na dissoluo da Assemblia em 12 de novembro de 1823,


sem que ela conclua seus trabalhos.
Os debates havidos por ocasio da discusso do projeto de lei
sobre "a maneira por que sero remetidos sua Majestade Imperial
os decretos da Assemblia, depois de aprovados" e sobre "a forma
por que sero publicados e mandados executar como leis",
centraram-se sobre a manuteno do art. 35 que estatua: "os
decretos da presente Assemblia sero promulgados sem preceder
sano". Martim Francisco Ribeiro de Andrada defende a supresso
do dispositivo(51),alegando ser este um "artigo privativo da
Constituio, que a sano do Monarca" e que se encontraria em
contradio com a frmula adotada 110 art. 4" "ns queremos e
ordeiiamos". "Se o Monarca no tem sano, como, no promulgar a
lei, h de dizer que quer e ordena o que na lei se determina? (...) Dizse mais que esta Assemblia extraordinria, e que, sendo as suas
leis anteriores Constituio, no deve ter nelas ingerncia o
Monarca, bem que venha depois a t-la por artigo constitucional. Eu
no sou dessa opinio; se a Assemblia tem o direito de fazer leis
anteriores Constituio, o Monarca tem de as sancionar". Antnio
Carlos Ribeiro de Andrada, defendendo a tese
retruca
no haver contradio entre o que dispem os arts. 3% e4"do projeto,
porque "a toda vontade precede um motivo; e neste caso, o
Imperador quer, e o Imperador manda, porque ningum dispensado
de obedecer s leis gerais (...) Agora a questo que se devia suscitar
seria se esta lei pode ou no ser considerada como constitucional na
parte da dispensa da sano; eu direi que a sua doutrina est de tal
modo ligada com as matrias coiistitucionais,que no pode deixar de
estar na mesma regra (...) a respeito da sano. Quanto coiitradio
entre os dois artigos, torno a dizer, eu no a descubro; quarido o
Chefe da Nao diz que quer, porque ele sempre deve querer o
bem da Nao; e ento manda como Executor; ordena na parte que
lhe compete, respeitando a lei. Julgo, pois, que o projeto deve passar,
e conservar-se o art. 3"'. Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque, definindo a sano como a atribuio daquele a quem compete
vigiar a todos os outros Poderes, no que toca ao Legislativo, verifica
se o ato em questo conforme a vontade da Nao; no entanto, esta

(")

c"'

Dirio da Assemblia Geral Constituinte e Legislativa do Imprio do


Brasil, 1823, Sesso de 25 de junlio, Vol. 1, p. 294 e ss.
Op. cit., Sesso de 26 de junho de 1823, Vol. 1, p. 302 e ss.

I
I

I
1

s poderia ser exercida "quando e pela maneira que a lei fundamental lhe marca: logo, antes dessa lei fundamental estar organizada,
antes de estar determinado o modo por que a Dignidade Eminente h
de exercer as suas funes nas relaes marcadas, corno as exercer
ele? De modo nenhum. E a quem pertencer, pois, esse poder? A
nenliuma outra autoridade que no os representantes da Nao, que
tm dela recebido todo o poder para formar a Constituio do
Estado". Manuel Caetano fere de forma incisiva o cerne da questo.
Discutia-se, na realidade, a questo da soberania. E encontra
resposta, bem mais consistente com a realidade do momento, nos
argumentos trazidos colao pelo discurso liberal conservador, ou
Para este, "de
melhor, liberal doutrinrio, de Carneiro Campos(53).
nada menos nos ocupamos do que examinar se, negando ao
Imperador a sano nas leis regulamentares ou administrativas que
decretarmos nesta Assemblia, ns, com efeito, o despojamos de um
direito essencial e inseparvel do carter sagrado do Monarca de que
ele se acha revestido. Se, procedendo assim, ns alteramos a forma
do governo decretada pela Nao? (...) quando, para um semelhante
fim, nos congregamos nesse augusto recinto; j ento ns tnhamos
ajustado e firmado o nosso Pacto Social, j formvamos uma Nao
e s nos restava especificar as condies indispensveis para fazer
aquele Pacto pacfico, estivek e firme (...) S a Nao possui
realmente a soberania, porque s nela reside a unio de todos os
Poderes polticos (...) Ela nos delegou somente o exerccio do Poder
Legislativo e nos encarregou de formarmos a Constituio de um
governo por ela j escolhido e determinado; pois, muito antes de nos
eleger para seus representantes, tinha j decretado que fosse
Monrquico Constitucio~iale Representativo o Governo que a devia
reger. Ela tinha j nomeado o Sr. Dom Pedro de Alcntara seu
Supremo Chefe, seu Monarca, com o ttulo de Imperador e Defensor
Perptuo. Estas bases jamais podem ser alteradas pela Constituio
que fizermos; ou por qualquer decreto ou resoluo desta Assemblia
(...) da essncia do Governo Monrquico Constitucional e
Representativo que o Chefe Supremo da Nao, o Monarca, tenha tal
ingerncia no Poder Legislativo, que as leis por este decretadas no
possam ser promulgadas e executadas sem a sano do Monarca?
Parece-me que limitada a questo s leis administrativas e
regulamentares e no aos artigos constitucionais, ningum deixar de

Op. cit., Sesso de 26 de junho de 1823, Vol. 1, p. 302 e ss.

convir na afirmativa (...) duas condies so especialmente precisas


para que se verifique a Monarquia Representativa ou temperada: lc)
que na formao das leis, o Monarca tenha tal influncia que possa
contrabalanar as resolues do Poder Legislativo, e que sua autoridade seja capaz de for-lo a no sair dos limites dos seus poderes e
a encerrar-se no texto da Constituio; 29 que, da outra parte, os
representantes da Nao, em que muito principalmente reside o
Poder Legislativo, concorram com o Monarca na criao da lei e
modifiquem ou temperem a autoridade do Monarca (...) tirando-se ao
Imperador a sano nas leis administrativas que decretarmos nesta
Assemblia, ns o despojaremos de um direito essencialmente
inerente ao augusto carter de Monarca Constitucional, que lhe
conferiu a Nao, (...) no tendo ele a sano, esta Assemblia ter
por isso mesmo a prepotiderncia nas leis que fizer; o Imperador ser
um mero executor delas; e o governo j no ser Monrquico
Representativo, ser Republicano, enquanto se no restituir ao
Supremo Chefe da Nao uma regalia inseparvel do Monarca, (...)
O Monarca Constitucional, alm de ser o Chefe do Poder Executivo,
tem, de mais a mais, o carter augusto de Defensor da Nao. Ele a
sua autoridade vigilante, guarda dos nossos direitos e da
Constituio. Esta suprema autoridade, que constitui a sua pessoa
sagrada e inviolvel, e que os mais sbios publicistas deste tempo o
tm reputado um Poder Soberano, distinto do Poder Executivo, por
sua natureza, fim e atribuies; esta autoridade, digo, que alguns
denominam Poder Neutro, ou Moderador, e outros, Tribuncio,
essencial nos Governos Representativos."
No curso dos debates, Venncio Henrique de Resende
questiona o prprio fundamento da forma de Estado: "mas dizem, a
Assemblia no infalvel e sujeita s paixes, e o Imperador um
anjo, no tem paixes? O Imperador mais sujeito a essas paixes,
porque tem para elas mais inceiltivos: comanda a fora, d os
empregos, as honras e quem executa as leis e, por isso, tem mais
interesse em que elas sejam feitas a jeito; ns nada disso temos e
somos temporrios e tornamos para o que de antes ramos. A
Assemblia no infalvel. O Imperador ? Nego. E tanto homem
como ns; ademais, tem maiores entraves para ver a verdade, mais
inceiitivos de paixes"(53).De imediato, lia mesma reunio, Antnio
Carlos, principal defensor da ausncia de sano imperial para
aquelas leis ordinrias votadas pela Assemblia, combate o que
(54)

Op. cit., Sesso de 25 de junho de 1823, p. 302 e ss.

considera excessos do pronunciamento do exaltado parlamentar: "o


nobre preopinante expendeu os seus sentimentos liberais, e que isso
no desagrade; mas no posso deixar de dizer que atacou de certo
modo a pessoa do Imperador. Ele um ente metafsico; e eu quisera
lssemos no seu nome seno em caso de extrema necessitoda sorte, aprovou-se a manuteno do art. 3% O
oiiarca, em 20 de outubro, promulga no apenas a lei atinente
dispensa da sano imperial, assim como todas as demais aprovadas
pela Assemblia. No entanto, com o recrudescimento da luta entre
portugueses e brasileiros, a questo da soberania nacional posta em
xeque. Em 17 de julho cai o Gabinete Andrada e instala-se um
Gabinete favorvel aos interesses dos portugueses. D. Pedro
cientifica a Assemblia de que exige a coibio da liberdade de
e a expulso dos Andradas do seio da representao
, enquanto redatores do Tamoio e colaboradores da
Sentinela. Como o que se encontrava em jogo era precisamente o
comando do processo de instaurao do Estado brasileiro, a fora da
Coroa no tardou a se fazer sentir com a dissoluo da Assemblia,
em 12 de novembro de 1823, por decreto imperial.
Retornemos, contudo, aos debates havidos para que possamos
analis-los. interessante notar que esses se travam, basicamente,
entre duas correntes liberais distintas. Uma primeira, representada
por Venncio Henrique de Rezende, Moiitezuma, e outros exaltados,
que professam um discurso liberal absoluto, tpico daquele anterior
fase do terror na Revoluo francesa, libertrio e igualitrio. De
outra vertente, possvel reconhecer, como distinto dos primeiros e
tambm daqueles pronunciamentos efetivamente conservadores,
absolutistas, um segundo discurso de tipo liberal, como o de
Carneiro Campos, matizado e enriquecido por aquela experincia
francesa, da qual se buscou escoimar exatamente a perigosa dimenso igualiria e revolucioiiria que lhe era nsita. E o discurso do
liberalismo doutrinrio, aquele de um Edmund Burke, de um
Lamartine, de um Benjamin Constant, de um Tocqueville, entre
tantos de que nos fala Lus Diez de1 C ~ r r a l ( e~ que
~ ) , caracterizar os
edificadores e os co~isolidadores,da Monarquia Coiistitucioiial
tambm aqui no Imprio do Brasil.iConforme afirma Afonso Arinos

(55)

Op. cit., Sesso de 25 de junho de 1823, p. 303

(56)

DIEZ DEL CORRAL, Lus. E1 liberalisino doctrinario. 4"d.


Centro de Estudios Constitucionales, 1984.

Madrid:

de Me10 Franco, "Antnio Carlos, que no se esquecera


provavelmente das conseqncias do seu radicalismo de 1817,
quando se envolveu na Revoluo republicana de Pernambuco, nutria-se das idias revolucionrias da Frana, mas atravs do mais
inteligente dos seus intrpretes moderados, que era, sem dvida,
Benjamin Constant. Atacou, em discurso, no apenas a Revoluo
francesa, como a obra para ele demasiado avanada das Cortes de
Lisboa"(57).Ora, o recuo de Antnio Carlos, principal defensor da no
atribuio da sano ao Imperador quanto s leis ordinrias
aprovadas pela Assemblia Constituinte, no momento em que, no
calor dos debates, Veiincio atinge as raias do Republicanismo,
recuo no qual qualifica o Imperador de ente metafsico e, portanto,
inatacvel, por demais significativc$~reliminarrnente, contudo,
de se recordar que, precisamente, a Revoluo de Pernambuco de
1817 fornecera elite brasileira o quadro concreto
perigos e voltos na ado@daquele
discurgo liberal i.quaMio ere-v&in&io
----em uma s o c i e @ d e - e s c ~ g i i 3hierarquizada eee~~ludente,
por uma
elite cujos monoplios herdados do perodo colonial, exatarnente
pela crise daquele sistema, precisavam ser restaurados e expandidos.
As belas palavras revolucionrias, por menos que quisessem,
inflamavam tambm aqueles integrantes do que denominavam malta,
homens livres e sem insero social, deserdados e desocupados que
constituam grande parte da populao de ento, oriundos dessa
mesma crise do sistema colonial, e incentivavam, por outro lado, o/
levante e a revolta dos escravos, enfim, conduziam desordem/
Nesse passo, reportamo-nos grande obra de Ilmar Roliloff de
Mattod5*)sobre o Brasil Imprio, em que busca exatamente recuperar
o processo de construo do Estado Nacional, no qual se forja uma
classe dirigente de senhores escravistas, seus vnculos com a
economia interna e mundial, bem como o imaginrio construdo no
desenrolar-se desse processo. obra de leitura imprescindvel para
uma anlise cientfica da Histria do Direito e do Estado no Brasil,
pois, medida que reconstri o cotidiano, elide velhos mitos que o

(57)

MEL0 FRANCO, Afonso Arinos de. Op. cit., p. 24.


MA'ITOS, Ilmar Roliloff de. O tempo Saquarenza. So Paulo: Hucitel,
1987.
Sobre o liberalismo radical no Imprio do Brasil, ver ainda:
MONTENEGRO, J. A. O liberalismo radical no Imprio. In: As idias
polticas no Brasil. So Paulo: Convvio, 1979. vol. 1, p. 131-62.

i/kf .

prprio discurso oficial do Imprio do Brasil havia assentadfk


Imprio- do Brasil, apresentado co-m~transmig~g@g_
da lma
portuguesa,
possibilitava,
sem
riscos
de
sublevaaes
da
plebe
ou de
- revoltas de escravos, a conservao dos monoplios herdados, no
processo de redefinio das relaes coloniais em novas bases, com a
independncia formal do pas. Precisamente em razo dessa
dimenso poltica, a Coroa Imperial preenche, em primeiro lugar,
uma funo simblica. A Coroa se confunde com a pessoa do
Imperador, como revela o discurso de Carneiro Campos, e o corpo
do Rei reveste-se, assim, de um duplo carter: comporta um
elemento transitrio, que nasce e morre, e outro que permanece
atravs dos tempos, mantendo-se como fundamento a um s tempo
fsico e intangvel do reino. Para se entender o Imprio como um e
nico e se evitar a anarquia social, era imprescindvel o recurso
figura do Imperador ou, para usar os termos de Hobbes, quela
pessoa nica capaz de unir, por um poder comum, uma multido de
homens para a sua paz, a sua defesa e o seu proveito comuns.
Enquanto, na Europa, as naes reconheciam a si prprias, cada vez
mais, como o resultado de um processo de abolio de toda e
qualquer forma de segmentao, de tal modo que acaba por i~iexistir
qualquer instncia intermediria entre a Nao e o cidado,
permitindo a Siys conceitu-la: "a Nao o conjunto dos
indivduos livres e iguais"(59),aqui, a sociedade fundava-se na
escravido e nos privilgios herdados. Era uma sociedade diferente
daquelas da Europa, precisamente por se apresentar tendendo
desagregao e anomia, e, assim, requerendo daqueles que
pretendiam dirigi-la, no seio das medidas estritamente polticas, a
criao de imagens, logo traduzidas em aes efetivas, objetivando a
coeso em torno do seu contedo - a continuidade na figura do
Imperador. Tem-se plena conscincia da frgil coeso interna dessa
sociedade que se quer construir como Nao, e mais, sabe-se que sua
fragilidade decorre diretarnente da instituio que a fundamenta e
que, por isso mesmo, h que ser preservada por interesse prprio: a
escravido. Nao que, alis, conforme ressalta Jos Bonifcio em
representao Assemblia Geral Constituinte e Legislativa,
encontrava-se por forjar, pois "amalgamao muito difcil ser a liga
de tanto material heterogneo, como brancos, mulatos, pretos livres e

(59)

SIYES, Emmanuel J. Que o terceiro estado? In: A constituinte


burguesa. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1986. p. 96.

escravos, ndios, etc. em um corpo slido e polti~o'''~~).


Se a Nao
no se apresentava como um corpo uno e iiidiviso, e assim negava a
sua definio moderna e revolucionria, a Coroa, precisamente
enquanto ente metafsico, deveria ocupar o seu lugar. E nos embates
iniciais com a Assemblia, a Coroa termina por reivindicar o
monoplio do imperium, elaborando a Carta fundamental./
Assim, ---Carta coiistitucioiial outosada por FD.Pedro I,
Imperador Constitucional e Defensor Perptuo do Brasil, por Graa
de Deus e unnime aclamao dos povos'< em 25 de maro-de 1824.
Revelando a transao nsita Monarquia constitucional entre
os princpios monrquico e da representao liberal, estatui o art. 13
da Carta: "O Poder Legislativo delegado Assemblia Geral com a
sano do Imperador". Comentando o dispositivo, Pimenta Bueno,
Marqus de So Vicente, condena as experincias constitucionais da
Frana de 1791, por delegar o Poder Legislativo ao Rei e a uma
nica Cmara de representantes; de 1793, pois, alm de conservar
essa perigosa unidade, denegava toda a dependncia de sano por
parte da autoridade executiva; e a de 1848, que reproduziu o mesmo
erro, facultando ao executivo simplesmente solicitar a mera reconsiderao da lei aprovada, o que permitia uma dilao de apenas dias
ou horas. Seriam estas disposies atos revolucionrios que, por isso
mesmo no teriam perdurado. A Carta do Imprio, pelo contrrio,
alm de delegar o Poder Legislativo Cmara vitalcia, ao Senado, e
temporria, a Cmara dos Deputados, delegou-o tambm ao Monarca, mediante a sano, pois "no basta, porm, essa condio por
si s6, nem a diviso em duas Cmaras, de mister circund-lo de
ouiras garantias que ainda mais segurem os direitos da sociedade. A
primeira destas garantias , sem dvida, reconhecer que a Coroa
tambm um centro de luzes, e no deve, de modo algum, ser
excluda do complexo da representao nacional, que pelo contrrio
deve ter dentro dela o seu assento. Assim, e com toda sabedoria, foi
o Poder Legislativo brasileiro delegado Assemblia Geral com a
sano do Imperador'"').

(60)

(61)

Representao ?
Assemblia
i
Geral Constituinte e Legislativa do
Imprio do Brasil sobre a Escravatura. In: SOUZA, Octvio Tarqunio
de. O pensamento vivo de Jos Bonifcio. So Paulo: 1944.
PIMENTA BUENO, Jos Antnio. Direito Pblico Brasileiro e
Analyse da Constituio do Imprio. Rio de Janeiro: Villeneuve e C.,
1857. p. 49.

O art. 65, que se articula com os arts. 66 e 67, qualifica a


sano imperial acolhida na Carta:
"Art. 65 - Esta denegao tem efeito suspeiisivo somente,
pelo que, todas as vezes que as duas legislaturas, que se seguirem
quela que tiver aprovado o projeto, tornem sucessivamente a
apresent-lo nos mesmos termos, entender-se- que o Imperador tem
dado a sano.
Art. 66 - O Imperador dar ou negar a sano em cada
decreto dentro de um ms depois que lhe for apresentado.
Art. 67 - Se no o fizer dentro do mencionado prazo, ter o
mesmo efeito como se expressamente negasse a sano, para serem
contadas as legislaturas em que poder ainda recusar o seu
consentimento, ou reputar-se o decreto obrigatrio por haver j
negado a sano nas duas antecedentes legislaturas".
'Pimenta Bueiio e os demais comentaristas salientam, com
nfase, a naturea-le&glativa_d_atribuio em tela do Imver_ador:"A
sano a aprovao ou desaprovao, o consentimento ou no, o
I voto da Coroa, como terceiro ramo do Poder Legislativo; o ato
i complementar necess,hio para que o projeto de lei assuma o carter e
se converta em lei. E a atribuio do Poder Moderador descrita no
art. 101, 3* da Constituio, atribuio que deve ser exercida com
I plena liberdade (...) Qualquer que seja a face pela qual se contemple
ja sano, ela revela-se como um grande elemento de
i aperfeioamento das leis, de harmonia entre os Poderes polticos, de
ordem contra os perigos ou abusos, e enfim como um atributo
i inseparvel da Monarquia Coiistitucional (...) Sem essa atribuio, a
,Coroa, o Poder Moderador, no seria representante da Nao, coI legislador, parte integrante da lei (sic), no teria tambm os meios de
evitar que o Poder Legislativo usurpasse as prprias atribuies do
,Poder Executivo ou do Judicial, que alterasse e confundisse suas
atribuies,<,e conseqentemente, que mudasse a forma de
'gover
/ Admitindo, no entanto, que "a denegao da Coroa
perfletuada indefinidamente tambm poderia ser um mal ou um perigo; e que desde ento no convinha que esse direito do trono
brasileiro fosse absoluto ou ilimitado, sim temporrio ou limitado
(...)" pois "( ...) no sumamente longo o prazo de duas legislaturas
<posteriores, mormente no caso de alguma dissoluo (...) Em

(62)

PIMENTA BUENO, Jos Antnio. Op. cit., p. 140-41.

verdade, quando trs legislaturas pedem a adoo de um projeto!


reconsiderado tantas vezes em repetidas discusses, quando ele ,
reclamado nos mesmos termos por mandatrios da Nao, nomeados j
em diversas eleies, quando a opinio pblica assim insta, pois sem
ela no possvel persistir nessa solicitao, deve concluir-se que a '
medida til. No entretanto, a Coroa ainda ento no est privada de 1
mais uma consulta ao pas, do seu direito de dissoluo, antes que se 1
complete a ltima adoo ~brigatria'Y~~).
P
Embora o prprio Pimenta Bueno tenha apresentado o ato
como especfico do Poder Moderador, portanto isento da referenda
ministerial, no entanto, "se convm que o Conselho de Estado seja
ouvido quando subsiste a inteno do consentimento imperial, muito
mais convm na hiptese contrria"(64). Tambm para o
Desembargador Joaquim Rodriguez de Sousa "as duas Cmaras e a
sano do Imperador so os elementos da representao nacional e
do Poder Legislativo, em verdade a mesma cousa, como j tem a
anlise demonstrado. A sano o voto qualificado do Imperador no
exerccio do Poder Legislativo, como primeiro represeiitaiite da
Nao e o mais autorizado rgo de sua vontade; uma das funes
que constituem mister essencial da Coroa, e como tal, altamente
soberana e irresponsvel (...) Dando ou negando o Imperador sua
sano aos projetos de lei da Assemblia Geral, como primeiro
representante da Nao, e primeiro membro do Poder Legislativo,
exerce uma funo moderadora neste sentido (...) defende o interesse
geral, a verdade e a razo contra o interesse particular, o erro e as
paixes polticas, livra o pas do mal de uma lei ditada pela exaltao do esprito dominante. Pode tambm priv-lo de uma lei boa,
mas hiptese apenas concebvel, e bem difcil de realizar-se"(65).
Tambm o Visconde do Uruguay, Paulirio Jos Soares de Souza,
sustenta a tese de que a sano iiidepende da referenda ministerial,
contra a doutrina defendida pelo Senador Vergueiro na sesso do
Senado de 13 de julho de 1841(66).

(63'
(64)
(65)

(6@

PIMENTA BUENO, Jos Antonio. Op. cit., p. 140-41.


PIMENTA BUENO, Jos Antnio. Op. cit., p. 140-45.
SOUZA, Joaquim Rodrigues de. Analyse e Commentarios da
Constiti~ioPoltica do hnprio do Brazil. So Luiz do Maranho: B.
de Mattos Typograpliia, 1970. Vol. 2, p. 123-24.
URUGUAY, Viscolide do. Ensaio sobre o Direito Adininistrativo. Rio
de Janeiro: Typographia Nacional, 1862. Toino 2, p. 106 e ss.

A indagao sobre se a participao da Coroa no procedimento legislativo deveria revestir-se de carter absoluto ou
suspensivo, Aprgio Justiniano da Silva Guimares responde com
nfase, em artigo publicado na revista O Direito, que a sano
concedida de forma absoluta ao Monarca seria a negao do
princpio da soberania nacional, que tambm inerente forma de
governo monrquico constitucio~~al,
e conclui que a disposio do
art. 65 da Carta do Imprio respeitadora do elemento cardeal dos
governos repre~entativos'~~).
No entanto, embora do ponto de vista
formal assista-lhe razo, no podemos esquecer que, consoante ao
que dispunha o art. 13 da Carta, o tempo de uma legislatura era de
quatro anos; supondo-se a sano denegada a um projeto de lei no
incio de uma legislatura, na hiptese de no haver dissoluo da
Cmara, poderia levar onze ou mesmo doze anos para que esse
projeto enfim se tornasse lei.
De outra vertente, Francisco Pinto Pessoa, buscando responder indagao de se saber se o Monarca seria parte integrante
do Poder Legislativo como um de seus ramos, conclui que "a Coroa
dos trs ramos do Poder Legislativo o mais importante, e tanto a lei
fu~idamental do Estado, como a razo poltica provam
exuberantemente esta verdade (...) Quem querer um forasteiro por
seu legislador? o Monarca, por ser Monarca, no deixa de ser homem
para que abdique do amor de sua prole. Na elevada posio em que a
Nao o colocara, mantida e reproduzida a sua grandeza em sua
dinastia pelo princpio da hereditariedade, ele no tem riquezas a
acumular, novas posies a ganhar, grossos tesouros a transportar em
momentos crticos para pases estrangeiros: a paz, a segurana
interna e externa, a grandeza e prosperidade da Nao so o objeto
de seus desejos e esforos, porque so seus nicos interesses, a sua
glria e o legado precioso e sem igual, que tem de deixar aos seus
augustos filhos; a Nao, portanto, est perpetuamente identificada
com ele, e ele todo da Nao, fuso bela e magnfica, que
consolida a aliana de que a princpio falei (...) A nossa
Constituio, no art. 12, proclamou, como dogma, que todos os
Poderes polticos so delegaes da Nao. No art. 13 delegou o

GUIMARES, Aprgio Justiniano da Silva. O Voto concedido aos


monarchas nos governos constitucionais dever ser absoluto ou
suspeiisivo? Revista O Direito, Rio de Janeiro: Inst. Typographico do
Direito, Vol. 11, Ano 4, p. 793-803, 1876.

Poder Legislativo Assemblia Geral com a sano do nosso


augusto Imperador; e no art, 98 declarou-o como Chefe Supremo da
Nao, e seu primeiro representante, delegando-lhe privativamente o
Poder Moderador, chave de toda a organizao poltica, para que
vele incessantemente sobre a manuteno da independncia,
equilbrio e harmonia doi mais Poderes polticos. Assim o art. 13
revela que o Imperador tambm toma parte direta na confeco das
leis; o art. 12 revela que esse poder que ele tem de intervir na
confeco das leis, como todos os mais que lhe so conferidos, so
de origem to legtima, justa e santa, como o das duas Cmaras colegisladoras. O art. 98 revela o mais expressivo voto nacional de
extrema confiana, adeso e obedincia, para que ele exera livremente os poderes que tem, e por conseguinte o de legislar no
interesse da Nao, que tranquila e esperanosa o contempla como
seu primeiro representante (...) O Poder Legislativo, smbolo da
inteligncia e vontade nacional, segregadas da execuo, exercido
por duas Cmaras, uma temporria e outra vitalcia (...) O elemento
temporrio, atrado s novidades e aos interesses mveis; o elemento
vitalcio, por natureza conservador, atrado aos interesses estveis;
cada um deles encara as medidas 1egisTatfvas por diverso modo, e,
quer ali quer aqui, a razo, o estudo, a reflexo, as previses so as
foras vivas com que as diferentes opinies travam pblico e
interessante combate e despertam a vitria no sentido do maior bem
social. Mas apesar de todas essas precaues, as paixes, os
interesses das parcialidades polticas, o entusiasmo por teorias vagas
e especulativas, o erro e a imprudncia podiam ter infludo na
adoo da medida. Falta, pois, uma conscincia preciosa, centro de
luzes e experincia, adquiridas na alta administrao do Estado,
nica que pode antever os espinhos e as dores da execuo, e que
no pode conseguintemente ser dispensada de intervir tambm na
confeco da lei, aprovando ou desaprovando a medida adotada
pelas duas Cmaras: tudo se pode querer, mas nem tudo se pode
executar, assim se exprime Benjamin Constant. Ora, essa sano (...)
que outra coisa poder ser, que no seja essencialmente o perfeito
exerccio do poder de legislar, e de legislar por sua vez, e em ltimo
lugar, aderindo ou no ao que outros legisladores tambm por sua
vez, e anteriormente, adotaram como conveniente aos interesses da
Nao? E o que ser o poder desse ltimo legislador, que por si
somente no pode fazer a lei, e sem ele as duas Cmaras tambm no
a podem fazer, seno uma parte integrante do grande poder de
legislar, dividido por trs entidades distintas? (...) digo que a Coroa
dos trs ramos do Poder Legislativo o mais importante (...)" pois na

I
I

aprovao ou desaprovao dos decretos da Assemblia Geral a


Coroa no se cinge simplesmente a motivos comuns e ordinrios,
concernentes a lacunas, imperfeies, e inconvenientes de execuo
que por ventura tivessem escapado perspiccia das Cmaras; mas
h motivos de elevada categoria, e da competncia exclusiva de um
Poder Superior, animado de seu princpio de perpetuidade, e
essencialmente previdente, que devendo zelar todo o edifcio poltico
desde as suas bases at o cume, em que se acha colocado, julga dos
excessos dos mais poderes e por conseqncia dos excessos das duas
Cmaras, para cont-las em suas respectivas rbitas, e procura evitar
que as foras destinadas a favorecer a Nao venham a fazer a sua
runa (...) Assim pois a razo poltica, e mesmo a razo natural nos
hereditrios a Coroa e deve
ditam que nos governos co~~stitucionais
ser o primeiro legislador, legislador de ltima instncia, legislador de
duplo carter, legislador juiz dos mais legisladores". At esse ponto
o nosso autor reproduziu os argumentos de Benjamin Constant,
Chateaubriand e outros a favor da sano rgia absoluta. Resta-lhe,
portanto, o problema de considerar que, no Imprio do Brasil, a sua
recusa teria efeito meramente suspensivo. Na verdade, conclui, "nas
Monarquias Constitucionais hereditrias o veto deve ser absoluto",
mas "do veto da Coroa no h apelao para as Cmaras; se algum
recurso h, da Coroa e das Cmaras para o tempo, que tambm
poder e poder providencial, que adverte, aconselha, ensina, julga e
decide peremptoriamente (...) Duas legislaturas o tempo em que
essa vontade da Nao poder-se- manifestar desassornbradarnente.
E tal a razo que preside sano tcita de que fala o final do art.
65 da Constituio. Finalmente o veto suspensivo e o absoluto em
seus resultados prticos no diferem tanto um do outro como em
teoria. Refletindo-se seriamente sobre as diversas prerrogativas da
Coroa, bem como a de nomear e demitir seus Ministros, v-se que a
ela principalmente que esto entregues os destinos da Nao, e a
quem compete por conseguinte a direo da alta poltica do
Por outro lado, tambm a sano imperial, assim como os
demais atos do Poder Moderador, objeto da famosa polmica entre

(68)

PESSOA, Francisco Pinto. Poder-se- dizer entre ns que o Imperador


um dos ramos do Poder Legislativo, ou que dele faz parte integrante?

Revista O Direito, Rio de Janeiro, 1877. Vol. 13" Amo V, Instituto


Typograpliico do Direito, p. 482 a 487.

Zacharias de Ges e Vasconcellos e Braz Florentino Henriques de


Souza sobre a natureza desse Poder. A traduo literal da clebre
frase de Benjamin Constant acolhida no art. 98 da Constituio "o
Poder Moderador a chave de toda organizao poltica", segundo
afirma Afonso Arinos de Me10 Franco(69),teria possibilitado aos
conservadores compreender o termo clef, traduzido como chave,
como aquele instrumento que se destinava a abrir todas as portas,
como a imposio da vontade pessoal do Soberano, quando, na
realidade, melhor teria sido traduzido para o portugus pelo termo
fecho, no sentido de fecho da abbada. E assim o termo era
entendido pelos Liberais como um mecanismo de apoio,
coordenao e composio, e no de interveno e de imposio.
Obviamente, no entanto, o problema no se reduz questo da
terminologia empregada pela Constituio, mas, pelo contrrio,
envolve a questo central da possibilidade de evoluo da Monarquia
Co~~stitucional,
em sentido tcnico, consagrada pela Constituio,
conduzindo, na prtica, afirmao de uma Monarquia Parlamentar.
Na realidade, o alegado parlamentarismo do Imprio iio chegara a
se consolidar, o Imperador exerce at o fim da Monarquia um poder
pessoal, amparado no partido conservador, ou melhor, para usar os
termos de Gramsci, como principal rgo de construo da
hegemonia desse partido durante todo o segundo reinado. A
Repblica por termo a u
narquia Constitucional e no
a uma Monarquia Parlam
o Conselheiro Zacharias que
haveria dois tipos de irr
do Monarca. Um primeiro,
como aquele absolutista consagrado nas Ordenaes Filipinas, L 3Q,
t. 75 1" "porque o Rei lei animada sobre a terra, e pode fazer lei e
revog-la, quando vir que convm fazer-se assim. Ora, a
irresponsabilidade do Poder moiirquico nessas condies ningum a
quer (...) A outra irresponsabilidade a do Monarca Constitucional, e
essa sim, todos a queremos, todos a prezamos; mas a teoria e a
prtica, que a deram ao mundo, iio a compreenderam jamais nem a
explicaram seno fazendo-a em tudo e por tudo essencialmente
depender da responsabilidade ministerial, de sorte que se no
concebe poder neutro irresponsvel sem ser, com efeito, neutro, sem
Ministros que, com a prpria responsabilidade, completamente o
ressal~ern'Y~~'.
Cita, como exemplo de ato do Poder Moderador que

(69)
('O)

MEL0 FRANCO, Afonso Ariilos de. Op. cit., p. 26 e ss.


GEZ E VASCONCELLOS, Zacliarias de. Da natureza e limites d o
Poder Moderador. Braslia: Senado Federal, UNB, 1978. p. 22-3.

requereria referenda ministerial, "a sano das leis, atribuio a qual,


mais que de qualquer outra, se poderia dizer que incapaz de causar
dano, porque ou o Poder Moderador d a sano, e tem o apoio das
duas Cmaras, ou denega o seu consentimento, e neste caso, tendo a
denegao efeito suspensivo somente, a idia repelida, se boa, no
fim de certo perodo triunfar: a mesmo, contudo, necessria a
responsabilidade. As Cmaras podem erradamente, e at por paixo,
adotar projetos que firam os interesses nacionais, a que, portanto,
deva a Coroa negas o seu assentimento: d-lo, em tal caso, fazer
um grande mal, e algum, visto que a Coroa irresponsvel, deve
por ele responder Nao. A recusa da sano, por outro lado, a
projetos teis traz consigo dano considervel, apesar de ter efeito
suspensivo somente, porque primeiro que termine o perodo de
suspenso, podem ter de todo ou em grande parte cessado as razes
que solicitavam a sua promulgao: neste caso tambm, pois, h
possibilidade de mal, deve haver quem por ele responda (...) Mas o
terceiro ramo do legislativo, a Coroa com a sano, por fora de sua
inviolabilidade e iseno de qualquer responsabilidade, no pode,
marchando as coisas normalmente, ser sujeita censura e crtica, e
ento cumpre que o ministrio defenda a sano e carregue-lhe com
as culpas. Da vem que, embora os projetos de lei fiquem
sancionados s com as palavras - o Imperador consente -, assinando
Imperador dois autgrafos (...), manda o art.. 70 que no se
promulgue a lei sem ser assinada pelo Imperador e referendada pelo
Secretrio de Estado competente: a referenda aqui no tem outro fim
seno abrigar a Coroa de qualquer censura no exerccio do seu direito de sano'Y71).
O Conselheiro Zacharias expe, em sua famosa obra, a
doutrina que parlamentalizaria a Monarquia co~istitucional,que,
contudo, no chegaria a vingar no Impkrio do Brasil, como podemos
constatar das abalizadas lies atinentes ao no cabimento da
responsabilidade ministerial no que se refere sano imperial aos
projetos de lei, j transcritas. Na realidade, entre os dois tipos de
irresponsabilidade do Monarca, citados por Zacharias, havia um
terceiro, intermedirio, em que o Monarca, enquaoto ainda titular de
um poder pessoal, exerce, livre e irresponsavelmente, maneira
absolutista, estritamente e to-s as prerrogativas a ele reconhecidas
pela Carta Constitucional. E essa a irresponsabilidade do Monarca
tpica da Monarquia Constitucional, ainda tributria, em muitos

"'1

GEZ E VASCONCELLOS, Zacharias de. Op. cit., p. 41-2.

aspectos, de conceitos absolutistas, do Princpio Monrquico, que,


em diferentes graus, era, nesse tipo de monarquia, matizado pelo
Princpio da Representao Popular em sentido liberal. Assim que,
contra a posio de Zacharias e com total amparo na doutrina mais
acatada, como vimos no que toca a Pimenta Bueno e ao Visconde do
Uruguay, dentre outros, Braz Florentino Henriques de Souza, professor da Faculdade de Direito do Recife, escreve, em seu no menos
famoso livro Do Poder Moderadol.: "Acautelemo-nos, portanto, e
saibamos repelir os astutos esforos da oligarquia parlamentar e ministerial, tendentes a renovar para o Imperador do Brasil e para a
Nao brasileira a afronta de um Rei fait nant, de um Imperador
autmato, sem pensamento e sem ao, e s intervindo nos negcios
do Estado por assinatura. H nisto (...) uma calnia realeza
constitucio~~al;
e o Rei que em tal consentisse, aceitaria (...) uma
coroa de vergonlia, mil vezes pior que uma coroa de espinhos.
Advirtamos, bem, que aqueles que se esforam, s claras ou s
escondidas, por amesquinhar e rebaixar a Monarquia, no o fazem
(...) seno para revestirem-se de um vizirato absoluto. Tal em
Braz
definitivo o pensamento inteiro do
Florentino dedica todo o Captulo VI1 do seu livro ao direito de
sano, para provar que essa participao do Imperador no
procedimento legislativo no se verifica enquanto mero rgo do
Legislativo, mas enquanto Poder Moderador, verso moderna da
antiga Doutrina do Direito Divino dos Reis, segundo a peculiar interpretao que fornecia a teoria que Benjamin Constant consagrou,
tomando-a emprestada de Clermont Tonerre. Para Braz Florentino, a
inviolabilidade do Monarca e o seu carter sacro no seriam
expressaes sinnimas que pudessem autorizar o entendimento de que
a irresponsabilidade da decorrente devesse requerer a referenda ministerial. Muito ao contrrio, os atos do Poder Moderador seriam atos
pessoais do Soberano, que reina, legisla, governa e administra, por
sua posio mesma de Monarca enquanto titular de um direito
divino, constitucionalmente reconhecido. "Passando do termo
inviolvel ao termo sagrado realmente da ordem legal para a
ordem moral e religiosa que se passa (...) na verdade, a Constituio
(...) no se dirige mais aos magistrados para lhes proibir todo o
processo judicirio, porm aos espritos, para lhes recomendar o
respeito: a lei pode em vigor obter o primeiro resultado, porm

("I

SOUZA, Braz Florentino Henriques de. Do Poder Moderador. Braslia:


Senado Federal UNB,1978. p. 73.

menos senhora do segundo, porque esse depende dos costumes. Antes da inviolabilidade legal h uma inviolabilidade moral, sem a qual
a primeira intil, porque no pode deixar de desaparecer se
prescindirmos da outra (...) No bastante impor o silncio ao
ultraje, resta formar os costumes da Monarquia Constitucional, que
no so os da Monarquia Absoluta. A identidade do Prncipe com a
instituio, isto , com a Ptria, a idia-me donde devem sair
nossos costumes modernos. E propagando esta doutrina, tornando-a
vulgar, que habituaremos os espritos a no separarem mais o
Prncipe do Pas, e que a piedade para com a sua pessoa torna-se-
espontaneamente uma parte do nosso patrimnio. V-se pois, como o
termo sagrado longe de ser um intil sinnimo do seu antecedente,
acrescenta-lhe alguma cousa mais"(73).Dessa forma, conclui que o
Imperador do Brasil, "filho de uma Constituio organizada sob os
auspcios da Santssima e Indivisvel Trindade; estabelecido Chefe e
primeiro representante de uma Nao catlica, e devendo ele
mesmo, antes de ser aclamado, prestar o juramento de manter a
religio do Estado (arts. 5% 103 da Constituio), no podia (...)
deixar de ser ungido com o leo santo, e tornar-se verdadeiramente
sagrado, continuando assim as gloriosas tradies dos Reis
fidelssimos, seus augustos antepassados. E desta maneira vem a ser
a inviolabilidade de sua p e s s v m dogma ao mesmo tempo poltico
e religioso para os brasileiros. S a religio, em verdade, pode dar
aos dogmas sociais uma sano eficaz; s ela, com sua virtude
divina, pode proteger e santificar todas as instituies civis e
polticas. Tirai o princpio religioso, diz por isso Lorieux, e as
formas de governo no sero mais do que o resultado da fora;
.\,poder-se- dispensar de reconhec-las, poder-se- muda-las ?i
\
&:vontade,logo que se for assaz poderoso para faz-lo impunemente.
Como achar fora de Deus a razo do dever, o princpio de
obrigatoriedade que submete as vontades at ento independentes a
outras vontades iguais? Que direito possui o homem naturalmente
sobre o homem? S o Cristianismo, ensinando que o poder de
Deus, e que ele tem como regra a lei divina, explica o direito de
mandar e o *ver de obedecer. Ele firma o poder e enobrece a
obedincia'^^^)!^^ mesmo sentido, embora sem revelar o fervor
religioso que o poderia mover, o Visconde do Uruguay afirma que a
mxima "o Rei reina, mas no governa" no tem nem pode ter um

v/,
,-

(73)

76

SOUZA, Braz Florentino Henriques de. Op. cit., p. 77.


SOUZA, Braz Florentino Henriques de. Op. cit., p. 79.

carter abstrato e absoluto, mas " questo que somente pode ser
examinada e resolvida, tendo-se em vista as instituies positivas de
cada pas"(7S).Logo a seguir, o Visconde passa a examinar quais
seriam as conseqncias pressupostas na referida mxima: a)
Excluso da ingerncia do Rei - Poder Executivo, ou Chefe do Poder
Executivo pela Constituio - no Governo, no Poder Executivo, o
que j em si mesmo um absurdo; b) Governo exclusivo das
maiorias das Cmaras, e particularmente da dos Deputados, e dos
Ministros agentes do Executivo, sistema que em certos casos, em
certas circunstncias, com certos homens raros, pode marchar por
algum tempo, mas que no pode ser permanente, e que muitas vezes
pode deixar de representar a vontade nacional"(76).Confrontando tais
conseqiicias com o texto da Carta Imperial conclui que "a mxima
- o Rei reina e no governa - 6 completamente vazia de sentido
para ns, pela nossa Constituio. O Imperador exerce as atribuies
que a Coilstituio lhe confere, e essas no podem ser entendidas e
limitadas por uma mxima estrangeira, contestada e repelida i10
prprio pas, nas guerras de pastas em que a pretenderam fazer
vigorar"(77).Assim, podemos dizer que, luz das atribuies que a
Carta outorgara ao Monarca iio Imprio do Brasil, a mxima,
distintamente melhor, seria enunciada sob a forma: O Imperador
reina, legisla, governa e administra.
No terreno da prtica, a doutrina registra uma-nica recusa de
sano em todo o loiig__perodo de vigncia da Carta deA2&,,
fundando-se exclusivamente no que informa o debate havido na
sesso de 27 de junho de 1832 entre o Senador Vergueiro e o
Marqus de Cara~ellas(~~).
Tratava-se de um projeto que abolia os
(75)

q6)
('"

URUGUAY, Visconde do. Op. cit., Vol 11. p.1 156.


URUGUAY, Visconde do. Op. cit., p. 157.
URUGUAY, Visconde do. Op. cit., p. 157.
Ver ainda sobre a doutrina do Visconde do Uruguay:
MACEDO, Ubiratan Borges de. O Visconde do Uruguay e o
Liberalismo Doutrinrio no Imprio. In: As idias polticas no Brasil,
So Paulo: Convvio, 1979. Vol. I. p. 193 a 222.
CASASANTA, Mrio. O Poder de Veto. Belo Horizonte: Os Aiiiigos
do Livro, 1937, p. 168 a 172.
BRITTO, Luiz Navarro de. O Veto Legislativo. Brasiia: Ministrio da
Justia e Negcios Interiores - Servio de Documentao, 1966, nota(*)
p. 48/49.
Annaes do Senado do Imprio do Brazil; Segunda Sesso da 1"
Legislatura. Rio de Janeiro: SED, 1914, Vol. I. p. 447 a 454.
Op. cit., p. 431.

privilgios de foro militar e eclesistico e que, apesar de o Conselho


de Estado haver opinado, unanimidade, favoravelmente sua
aprovao, D. Pedro I houve por bem negar a sano, tendo em vista
no tanto o foro eclesistico, mas o militar, "porque, nas
circunstncias daquele tempo, era mui delicada a abolio de um
privilgio de que esta classe estava de posse, desde tantos anos, e que
tanto prezava", de acordo com o testemunho do Marqus de
Caravellas, membro do Conselho de Estado de ento. Na verdade,
contudo, graas boa vontade e ao precioso auxlio de Incia
Rodrigues dos Santos Cunha, chefe da Seo de Documentos
Histricos da Coordenao de Arquivo da Cmara dos Deputados,
foi-nos possvel constatar, pela relao constante dos Annaes do
Parlamento Brazileiro, que o.lm_eeegdor negou sano a _quatro
groietos de lei (decretos, na terminologia dos arts. 62, 66 e 67 da
Carta do Imprio), respectivamente, a dois em 1.827 e a dois outros
em 1.828, bem como a quatro resolu~(resoluesdos Conselhos
Geraes de Provncias, na terminologia do art. 84 da Carta, ou, das
Assemblias Legislativas Provinciais, conforme o Ato Adicional de
1.834, que, nos termos do art. 85 da Carta, confirmado pelo art. 9"o
Ato Adicional, estando reunida a Assemblia Geral, deveriam ser a
ela imediatamente enviadas para serem propostas como projeto de
lei, e obter a aprovao da Assemblia em discusso nica em cada
Cmara) tambm, respectivamente, a duas em 1.827 e a duas outras
em 1.829 (79).
g9)

Annaes do Parlamento Brazileiro. Cmara dos Deputados; Quarto Amo


da Primeira Legislatura; Sesso de 1829, Tomo I, Rio de Janeiro, 1877,
p. 19. No que toca s negativas de sano aos decretos, a primeira
versava sobre proposta do Poder Executivo acerca de dispensa da firma
imperial em diplomas expedidos em conseqncia de outros que
tivessem sido assinados pelo Imperador. A proposta ministerial
elencava quais seriam os diplomas dispensados da assinatura imperial
nas competentes reparties do Imprio, da Justia e da Guerra e
Marinha. Em razo do substitutivo da Comisso de Legislao e de
Justia Civil e Criminal da Cmara, tambm aprovado pelo Senado,
suprimiu-se o art. 2"o projeto em que se discriminava os atos, objeto
de dispensa em cada repartio. Na sesso de 14 de novembro de 1827,
foi lido o ofcio do Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios do
Imprio, Visconde de Congonhas do Campo, datado do mesmo dia,
pelo qual se deu conhecimento Cmara de que "Sua Majestade o
Imperador quer meditar para a seu tempo se resolver sobre o projeto de
lei relativo s assinaturas de diplomas emanados de outros j assinados
pelo mesmo Augusto Senhor" (Annaes, sesso de 14 de novembro de
1.827, p. 201). A segunda negativa incidiu sobre proposio de lei que

/A

ausncia de recusa de sano imperial durante o longo


Reinado de Pedro I1 no devida a um.suposto "parlamentarismo sui
generis" que entre ns teria vicejado no Imprio, chegando, portanto, 1
a afetar as prerrogativas mo~irquicas.Como vimos, ao Imperador 6 1
reconhecido, terica e praticamente, o stotus de ~ o n a r c a l
Constitucional at a Proclamao da Repblica. Como demonstrar
Ilmar Rohloff de Mattos, na realidade, o que ocorreu foi a construo/
de uma firme direo hegemnica na conduo de toda a poltica1
elite ilustrada do partido/
imperial por parte dos
conservador, que sem prescindir da afirmao -terica das
prerrogativas da Coroa - no obstante algumas destas, como-- a
possibilidade de recusa de sano aos projetos de lei aprovados pelo1f
Parlamento, exatamente em razo dessa hegemonia, no tenham tido
o seu exerccio requerido - tomavam-nas, certamente, por
fundamentais dado o papel simblico que asseguravam I Coma.1
ainda que no exercidaspara melhor entender o papel reservado
Coroa na construo dessa direo hegemnica, 6 importante que
retomemos as questes postas, quando da anlise dos discursos
proferidos na Coiistituinte. Iniciemos por aquela expresso usada por
Antnio Carlos Ribeiro de Andrada, para interditar a discusso sobre
a pessoa do Imperad~r~qualificando-o
como ente metnfisico. Aps a
exposio dos argumentos de Braz Florentino, podemos captar toda a
fora interditiva da expresso, a carga semntica localizada e
especfica que lhe emprestavam os homens de entdbO respeito que

isentava os navios de propriedade brasileira de conduzirem a bordo


capeles e cirurgies. Na sesso da Cmara de 12 de maio de 1.828, foi
lido o ofcio, datado de 15 de setembro de 1.827 e dirigido ao Senado,
do Sr. Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da Marinha,
Visconde de Caet, dando conhecimento Cmara dos Deputados de
que "S. M. o Imperador quer meditar, para a seu tempo se resolver,
sobre o decreto da Assemblia Geral acerca da navegao dos navios de
propriedade brasileira, sem serem obrigados a levar a seu bordo
capeles nem cirurgies" (Annaes, sesso de 12 de maio de 1.828, p.
50). As resolues, de 1.827, objeto da negativa de sano imperial
versavam, respectivamente, sobre autorizao para o governo receber
ein emprstimo gratuito quaisquer quantias que voluntariamente lhe
fossem oferecidas (negativa constante de ofcio do Ministro da
Fazenda, de 15 de novembro de 1.827); e, sobre a determinao de que
dos emolumentos arrecadados nas Provncias pelos passaportes de
navios nacionais, ou, pelas portarias ou passes dos estrangeiros, em
benefcio dos oficiais da Secretaria da Marinha, duas teras partes
ficassem destinados aos cofres das mesmas provncias e uma fosse

' exige no o mero respeito jurdico, aquele do nvel externo das


' aes e atos liumanos que o Direito pode regular, mas, mediante o

uso de expresses do gnero, o Direito da Monarquia Constitucional

, pretendia atingir o mbito moral dos sditos buscando impor

'I internamente o respeito moral, "que apenas a religio pode dar",

internalizar o temor reverencia1 ao Soberano nos espritos mesmos


dos seus sditos o que objetivava aquele Estado vinculado
religio. Obviamente, tais caractersticas no deixam de revestir e
atribuir um efeito de significao prprio da poca expresso
utilizada por Antnio Carlos. Interdio to absoluta que, na tcnica
da anlise de linguagem, consubstaiicia o que se denomina
descentramento, a utilizao de uma expresso to carregada de
sentido prprio da poca que o seu real significado s pode ser
captado se a tomarmos no contexto Iiistrico que a circunda. Assim
I que, quando o fazemos, podemos constatar que a Coroa, o
1
Imperador, deveria ocupar o lugar vazio da Nao que se encontrava
por forjar, enquanlo elemento capaz de unir uma multido to di/ versificada de Iiomeiis e homens reificados.& esse respeito,
importante verificar que Pimenta Bueno nos ensina que, para ele, o
Direito uma realidade moral ou abstrata, que considerado nas
relaes dos homens entre si "divide-se em trs classes (...) distintas.
So os direitos naturais ou individuais, os direitos civis e os polticos.
Os primeiros so filhos da natureza, pertencem ao homem porque
homem, porque ente racional e moral, so propriedades suas e no

distribuda aos oficiais das secretarias dos governos provinciais


(negativa constante de ofcio do Ministro da Marinha, de 15 de
novembro de 1.827, dirigida ao Senado). As duas negativas de saniio
imperial a projetos de lei em 1.828 incidiram sobre proposies
atinentes extino, respectivamente da Intendncia Geral de Polcia
(negativa constante de ofcio do Ministro da Justia, de 9 de maio de
1.829), e, do privilgio de foro pessoal (negativa constante de ofcio do
Ministro da Justia, de 9 de maio de 1.829, negativa de que nos d
noticia o Marqus de Caravellas. E, finalmente, as duas negativas de
1.829 incidentes sobre resolues referentes, respectivamente
franquia de porte nos Correios do Imprio, para todos os jornais
pblicos, nacionais e estrangeiros (negativa constante de ofcio do
Senado Cmara dos Deputados de 13 de julho de 1.829), e,
concesso de cidadania brasileira a Joo de Siqueira Campello,
assegurando ao referido senhor direito ao posto militar que ocupava ao
tempo em que foi jurada a Constitiiio (negativa de sano constante
de ofcio do Ministro da Guerra, de 2 de setembro de 1.829).

criaturas da lei positiva; so atributos, ddivas do Criador. Os


segundos ou civis compreendem duas partes, uma que se compe dos
mesmos direitos individuais reconhecidos e garantidos pela lei civil,
outra que resulta puramente das instituies e disposies cveis de
cada nacionalidade. Os terceiros ou polticos so filhos unicamente
das leis ou Constituies polticas, so criaes das convenincias e
condies destas, e no faculdades naturais. Todos os indivduos,
sejam nacionais ou estrangeiros, possuem os primeiros, por isso
mesmo so homens. Os segundos na parte em que so puramente
civis no pertencem seno aos nacionais, porque a nacionalidade o
ttulo deles. Para o gozo dos terceiros no basta ser homem, nem
somente nacional, de mais necessrio ter a capacidade, as
habilitaes que a lei poltica exige, indispensvel ser cidado
ativo, membro da comunho poltica"(80).E assim que a liberdade,
enquanto direito natural " o prprio homem, porque a sua vida
moral, a sua propriedade pessoal a mais preciosa, o domnio de si
prprio, a base de todo o seu desenvolvimento e perfeio, a
condio essencial do gozo de sua inteligncia e vontade, o meio de
perfazer os seus destinos. o primeiro dos direitos e salvaguarda de
todos os outros direitos que constituem o ser, a igualdade, a
propriedade, a segurana, a dignidade
Nem uma s
palavra nos cento e setenta e nove artigos que integram a Carta
Iinperiai, nem tampouco nas quinhentas e oitenta e cinco pginas da
obra-mestra de Pimenta Bueno sobre aqueles que, no Imprio do
Brasil, eram privados desse direito natural, objetivo; expropriados da
"mais preciosa das propriedades", so eles prprios transformados

('O)
(")

PIMENTA BUENO, Jos Antnio. Op. cit., p. 389-340.


PIMENTA BUENO, Jos Antnio. Op. cit., p. 392.
Sobre a filiao filosfica do conceito de liberdade adotado por
Pimenta Bueno consultar:
CONSTANT, Benjamin. Da Liberdade dos antigos comparada dos
modernos. In: Filosofia Poltica 11". Porto Alegre: Uiiicamp/UFRGS,
1985. p. 9 a 25.
BERLIN, Isaiah. Qitatro erzsaios sobre a liberdade. Braslia: ed.
Universidade de Braslia, 1981.
MACEDO, Ubiratan Borges de. A Liberdade no Imprio. So Paulo:
Convvio, 1977.
MERCADANTE, Paulo. A Conscincia Conservadora no Brasil. 3"d.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
LAFER, Celso. O moderno e o antigo conceito da liberdade. In:
Erlsaios sobre a liberdade, So Paulo: Perspectiva, 1980. p. 11-48.

em propriedade de algum mais: os escravos, fundamento estrutural


da sociedade imperial, embora ausentes, revelam sua presena no
texto da Carta, quando tematizamos a propriedade. Privilegiando o
enfoque sobre a propriedade, veremos que os cidados so
apresentados como divididos entre os que so proprietrios apenas de
sua prpria pessoa e aqueles que so tambm proprietrios de
outrem. No texto da Carta e em Pimenta Bueno, tal diviso ganha o
contedo da diferena entre aqueles que so cidados ativos e os que
so simplesmente cidados, a partir da capacidade eleitoral
censitria. A renda utilizada como metfora revela a hierarquia
presente entre as diversas categorias que integravam a cidadania
ativa. Para Pimenta Bueno a diferena entre o cidado ativo e o
simples cidado o prprio contedo da diferenciao estabelecida
entre sociedade poltica e sociedade civil, explicando que "a
sociedade poltica ou massa dos cidados ativos no seno a soma
dos nacionais, que dentre o todo da nacionalidade rene as
capacidades e habilitaes que a lei constitucional exige: a parte a
mais importante da iac cio ria lida de"(^^). Assim, a boa sociedade tende
a se confundir com a sociedade poltica, por ser portadora de liberdade e ropriedade, e a seus representantes compete participar do
~overno'\Qualificandoo conceito de liberdade, os saquaremas, como
Pimenta Bueno, o Visconde do Uruguay e tantos outros, viabilizam
um discurso e uma prtica poltico-jurdica apta a forjar uma direo
hegemnica, que construir uma Nao. Preservando os privilgios e
os monoplios herdados, realizam tendencialinente aquela
amalgamao to difcil de que falara Jos Bonifcio, enquanto se
afirmam como classe dirigente. Tomam a liberdade na dimenso
civil e privada, na qual afirmam serem os homens desiguais em seus
dotes naturais e habilidades, at o mais profundo cerne de seus seres.
A liberdade seria a capacidade de expandir esses dotes, realizando
bens que, graas sua fora e engenho, apenas o homem capaz de
realizar. Tal conceito permite-lhes no apenas desvencilharem-se da
noo de igualdade que tanto confundia os liberais, mas concomitantemente assegurar a cada indivduo um lugar na hierarquia social,
pelo desdobramento da desigualdade entre os homens na sociedade;
muito embora a desigualdade entre os homens livres pudesse at
desaparecer em momentos oportunos frente desigualdade entre
esses e a massa de escravos, j que os primeiros gozavam, no
mnimo, das liberdades internas como a de pensar e aquela de ser

PIMENTA BUENO, Jos Aiitiiio. Op. cit., p. 469.

i
1

82

proprietrio de si mesmdbor outro lado, no mbito do pblico, o


conceito de liberdade, no sentido qualitativo, recuperado dos antigos,
iio mais pode ser aquele moderno de que falava Benjamin Coiistant,
mas implica o de responsabilidade. Assim, imprimem-se novas
significaes desigualdade pela reafirmao de certas clivagens.
De uma vertente, distino entre cidados ativos e iio ativos era
emprestado o significado da naturalizao dos conceitos de sociedade poltica e de sociedade civil, fazendo da primeira o espao
natural de legitimao do monoplio da responsabilidade pelos
cidados; e da segunda, o espao naturalizado ocupado por meros
sditos. De outra vertente, construa-se a legitimao da
desigualdade no interior do prprio conjunto dos cidados ativos,
justificando a distino entre os votantes e eleitores; procedia-se
liierarquizao ascendente dos interesses locais (Municpio), em
relao aos regionais (Provncia), e, destes, em relao aos gerais
(Imprio), com reflexo nos requisitos censitrios para candidatura e
eleio nos respectivos nveis; hierarquizao dos interesses
momentneos (Cmara dos Deputados) aos permanentes (Senado
Vitalcio) e, ainda, destes queles, que, alm da permanncia,
apresentavam o carter de perpetuidade (o Monarca e a sua Dinastia,
ou seja, a Nao sob a metfora do corpo do Rei). Chegamos, assim,
ao topo da pirmide, o local reservado Coroa, abaixo da qual todos
aparecem como sditos4\0s saquaremas fizeram com que as
pretenses dos liberais se esvassem, subliiihaiido as contradies de
suas propostas e impuseram aos mesmos uma direo. A idia da
representao nacional opuseram a da soberania, em face da intervenincia inglesa na questo da escravatura; vontade nacional, a
necessidade da ordem; ao principio democrdtico, o monrquico;
sempre vitoriosamente. Por intermdio do reconhecimento e
.
valorizao da hierarquizao presente, uniam, assim, todos os sdi- 077
'
tos ao Imperador, desde o mais pobre dos cidados da mais distante
freguesia do serto ate o Senador do Imprio e, ainda, cada um dos
homens livres, precisamente por sua localizao na escala
hierrquica e sua viiiculao a uma cadeia de favores e encargos
recprocos, o que no s promovia a eliminao de um existir
autiiomo como ta bm conferia a cada qual seu lugar prprio no
cosmos s o ~ i a l ( ~ ~ atuao
) . ' ' ~ programtica que desenvolveram da
literatura poltica, obviamente encontrou traduo jurdica e ftica
em instrumentos como o sistema eleitoral, pois, como diz Maria

\i

(83)

MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit., p. 129 e ss.

D'Alva Kinzo, "o sistema representativo implantado no Brasil e que


se perpetuou at o final da primeira Repblica tinha sinal invertido:
no eram os eleitores, os representados, que elegiam os
representantes; ao contrrio, eram os representantes que produziam
representados: a prova de legitimidade do predomnio de uma faco
sobre
NO Imprio, o controle das eleies no residia na
livre elaborao das atas, como, lia Repblica, as chamadas eleies
a bico de pena, mas no controle das prprias mesas eleitorais,
designadas pelo Governo. Portanto, a Coroa enquanto Poder
Moderador se revela, outra vez, como a grande condutora do
processo, j que, conforme os incisos V e VI do art. 101 da Carta,
eram atos desse Poder a dissoluo da Cmara e a livre nomeao de
seus Ministros.
Dessa forma, podemos concluir que, embora a negativa de
Sano imperial tenlia ocorrido apenas umas poucas vezes ainda no
primeiro reinado, a possibilidade de sua recusa, caracterizando-a
como exerccio de prerrogativa pessoal assegurada ao Imperador
pela Constituio, teve vigncia enquanto realidade normativa, at
15 de novembro de 1889, com a proclamao da Repblica dos
Estados Unidos do Brasil.
-----A\
Para encerrar o delineamento da anlise diacrnica do
1n;ituto da sano rgia, bem como das caractersticas que o
modelaram em suas distintas conformaes no mbito das
Constituies monrquicas, resta-nos recordar a lio de Biscaretti
no sentido de que, ap:s_% &=da
Guerra Mundial,
de R~ffia(*~),
nova direo passa a conformar a participao do Soberano no
procedimento de formao das leis, tambm nas numerosas
Constituies monrquicas adotadas nos pases da frica e da sia.
Passa-se a consider& aconselhvel que_o Rei no mais possa,
discricionria e renhel&@_,negar a sua sangia projeio de lei
_--. De fato, buscou-se
claramente desejado pela representao popular.
e s t a b s c o n s o a n t e os vrios ordeiiamentos constitucioiiais
especficos, que, tentando de toda sorte preservar o princpio da
necessria participao rgia na funo legislativa, a sano devesse
ser obrigatoriamente concedida pelo Soberano aps nova aprovao
parlamentar por maioria qualificada ( Coiistituio da Lbia de 1951,
do Laos de 1947, revisada em 1952); ou que se a considerasse

(s4)

84

KINZO, Maria D'Alva. Representao Poltica e sistema eleitoral no


Brasil. Smbolo: So Paulo, s/d. p. 75.
BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 272 e ss.

tacitamente concedida, mediante clara fictio J t ~ r i s ,apds mera


reaprovao parlamentar (Constituies da Tailndia de 1949 e de
1952); ou, enfim, para se evitar qualquer risco de contraste entre a
vontade do Monarca e a da representao popular, noutra vertente,
aboliu-se de todo qualquer participao constitutiva do Monarca no
procedimento, ainda que de natureza puramente formal e simblica,
encomendando-lhe apenas o dever de promulgar as leis (Constituio
do Japo de 1946 e Constituio do Camboja de 1956).
\
i
Podemos concluir, portanto, desse amplo panorama que, em
harmonia com a absoluta ou decisiva prevalncia da vontade da
'k'rcpreseiitao popular pluralista, o poder de sano real no mais
v p o d e ser exercido com plena discricionariedad& que - para no se
levar em conta os casos mais raros em que ao Soberano no
deixado seno o dever de promulgar as leis, ou aqueles, mais
frequentes, nos quais a sano vinculativameiite requerida em
virtude dos pressupostos da Monarquia Parlamentar, consuetudinria
ou explicitamente acatados - sucessivainente participao rgia,
tpica do passado, tem lugar um procedimento de reexame
parlamentar condicionado hiptese da negativa de sano, do qual,
se reaprovado o projeto, decorre a obrigatoriedade de concesso da
sanCio rgia ou se a pressupe dada, em virtude de um respeito
residual forma tradicional.

1.2.2

A sano do Chefe de Estado no procedimento


legislativo acolhido nas Repblicas

A prpria indagao que motiva a presente pesquisa - buscar


identificar os efeitos jurdicos da sano de Chefe de Estado
republicano a projetos de sua iniciativa privativa, quando esta no
tenha sido observada pelas Cmaras - induz-nos, contudo,
-- .--a
obrig3;io de goiitegir, 110- terreno -da - histria
- - - . - constitucional,
- -veracidade da difundida assertiva. genrica e inadvertidamente
aceita. de aue a ~artici~aco
de.-.carter coiistitutivo
do Chefe de
Estado no procedimento de formaso da lei seca uma caracterstica
es~ecficae distintiva das Monarauias. ao Dasso aue. nas Re~blicas,
Dor outro lado.--.. a funco
lerrislativa seria encomendada
.
- de forma
exclusiva s C m g a s , ~ e _ ~ n d ~
invariavelmente
se
ao Chefe d<>
Estadc g @ t o - _ u s mera atividade-externa,
poltic?,
- -.--de controle
consoante determinariam os clssicos e racionais cnones de uma
suposta Teoria da Separao dos Poderes. Tal posicionamento, na
realidade, devido, rio mais das vezes, aceitao, sem maiores
,

--I

---A--

---*

-+--.---

cuidados, da crena racionalista predominante, tanto quando da


primeira instaurao republicana (EUA) dos fins do sculo XVIII,
quanto poca das Coiistituies mais numerosas do sculo XIX
(Brasil e demais pases da Amrica Latina, Frana da I1 e da I11
Repblicas), de que essas Repblicas seriam a pura realizao
histrica de postulados polticos absolutos e ideais, racionais em si
mesmos, alcaiiados emprica ou dedutivamente, que marcariam o
incio de um tempo novo, o que, necessariamente implicava
apreend-las como rupturas radicais com o precedente sistema
monrquico, ao qual seus institutos nada poderiam dever. Ora, como
assevera Biscaretti di Ruffia, "la realt degli ordinamenti costituzioiiali risulta assai pi ricca e variata di quanto intenderebbero
consentirgli gli scliemi (troppo spesso aprioristici) dei puro
dommatici: colfa coiiseguenza clie Ia coiitrapposizione fra state
monarcliici e stati repubblicani no11 sempre determina una
partecipazione nettaineiite differenziata de1 Capo de110 Stato alla
forinazione della legge. Esseiidoci, invece, per cosi dire, una zona
grizin, iii cui iion inaiicano le figure pi o ineiio ibride o sfumate,
idonee ad impedire qualunque assolutstica riparti~ione"(~~).
E, por
isso mesmo, as tentativas de distino conceitual dos termos veto e
smziio, levadas a efeito pela Teoria Geral do Direito, com base em
postulados exclusivameiite decorrentes das formas de Estado
consideradas de uma maneira apriorstica e dogmtica,
desconhecendo os efetivos dados normativos do Direito Comparado,
como veremos(87),terminam por dar curso a interesses meramente
polticos, revelando-se inidneas para uma real compreenso jurdica
dos distintos fenmenos normativos. E a histria constitucional no
sculo XX revelar, precisamente, como o pde notar Maurice
Maier@'),em razo do virtual desaparecimento da forma de Estado
monrquico constitucioiial, a prevalncia, na obra da legislao, nos
diversos pases, com inegvel e relevante papel constitutivo ou
mesmo de mera consulta e controle poltico exterior, do Chefe de
Estado republicano, tambm e ito como as Cmaras, em relao
quele monrquico hereditrio Se de fato verdade que, nas formas
R;
republicanas, se reconhece, via de regra, um peso prevalente s

(86)

"')

BISCARErITI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p., 247.


Ver infra captulo 11. O Instituto da Sano do Chefe de Estado na
Teoria Geral do Direito.
MAIER, Malirice. Le veto lgislatifdu chef de lftat.Genve: Libraire
de I'Uiiiversit Georg & Cia S.A., 1948.

Cmaras, no que se refere funo legislativa enquanto i'


representao pluralista da vontade popular, no podemos nos
esquecer de que, precisamente nessas formas de governo, o Chefe de
Estado, no mnimo do ponto de vista formal, igualmente designado
pela vontade popular e, portanto, representa tambm a Nao, apenas
que unitariamente considerada, possibilitando a recuperao, em i
novos termos, daquelas noes absolutistas que procediam
conceituao da Nao, por intermdio do recurso identficao do
Estado com a pessoa de seu Chefe. Assim, tambm no mbito
republicano, o estudo da sano no pode prescindir da considerao
da posio constitucional do Chefe de Estado posto no vrtice da
organizao poltica, da sua condio de rgo constitucional
definidor do prprio modelo jurdico-institucional que iiitegra>'A
Chefia de Estado ser sempre encomendado, em Monarquias ou
Repblicas, o desempenho modelar daquelas funes tpicas de
liomogeneizao, integrao e representao unitria da Nao,
sobre as quais refletiram Bodin e Hobbe~'~~).
Elemei~toaglutinador da
pluralidade social, cultural e territorial, visto como condio
essencial, constitutiva, verdadeiramente estruturadora do corpo
poltico enquanto unidade, muito embora alteradas as condies de
acesso e permanncia na Chefia de Estado no contexto republican&
Como diz Biscaretti di Ruffia, ela uma remanescente do trono
isolado(90).Da porque, em muitas Constituies republicanas,
todavia nem sempre em termos absolutamente claros e explcitos,
atribuda ao Chefe de Estado uma participao efetivamente
constitutiva da lei no procedimento de sua formao, ainda que, se
admita, em respeito ao pluralismo que caracteriza as Casas
parlamentares ou vontade popular diretamente manifestada, na
eventualidade de uma negativa de sano, procedimento
complementar destinado a superar a manifestao contrria do Chefe
de Estado, mediante reaprovao parlamentar, simples ou
qualificada, ou ainda, atravs de consulta dreta ao corpo eleitoral.

.k .

(")

(90)

PITKIN, Hanna Fenicliel. Tlte concept of Representation. Berkeley:


Uiiiversity of Califomia Press, 1967, p. 14 a 37.
BOBBIO, Norberto. Da Hobbes a Marx. Napoli: Morano Editore, 1965.
p. 51 a 74.
F A S S ~ Guido.
,
Histria de la Filosofia de1 Derecho. Madrid:
Ediciones Pirmide, 1982. Vol. 11, p. 53-6 e 99 a 108.
BISCARE'IT DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 275.

1.2.2.1 A negativa presidencial de sano passvel de ser


superada por reaprovao parlamentar qualificada
do projeto
Iniciemos a anlise pela C_onstituio dos Estados Unidos da Amrica, elaborada pela Conveno de Filadlfia, em 1787, com as
dez emendas exigidas pelos Estados subscritores, o chamado Bill of
Rights, aprovadas em 1791, que, no entanto, no afetaram o instituto
objeto do nosso estudo, o qual permanece at hoje tal como acolhido
no texto aprovado pelos conveiicionais de Filadlfia, no tendo sido
alterado, tampouco, pelas dezesseis emendas posteriores de que foi
objeto o texto. No nos deteremos nos interessantes e numerosos
precedentes coloniais, dado que, para o objetivo de nosso trabalho,
suficiente subliilharmos o fato de que a sano real no era estranha
aos antigos coloilos, mas, muito pelo contrrio, a experincia anterior que dela tiveram justifica a expressiva passagem da Declarao
da Independncia, de 4 de julho de 1776, que agora transcrevemos:
"L'histoire du roi actue1 de Grande-Bretagne est l'histoire
d'une srie d'injustices et d'usurpations rptes qui toutes avaient
pour but direct I'tablissement d'une tyraniiie absolue sur ces Etats.
Pour le prouver, soumettons les faits au monde impartial: i1 a refus
sa sanction aux lois les plus salutaires et les plus ncessaires au bien
public. I1 a defendu ses gouverneurs de consentir des lois d'une
importance immdiate et urgente, moiris que leur mise eii vigueur
ne ffit suspeiidue jusqu' l'obtention de sa sanction; et le lois ainsi
suspendues, i1 a absolument nglig d'y donner atention. I1 a refus
de sanctionner d'autres lois pour l'organisation de grands districts,
moins que le peuple de ces districts n'abandonnt le droit d'tre
reprsent dans la lgislature, droit inestimable pour un peuple et qui
n'est redoutable qu'aux tyran~"(~l'.

(91)

MIRKINE GUETZEVITCH, Boris. Les Constitutions des nations


arnricaines. Paris: Delagrave, 1932. p. 229.
No que se refere aos institutos correlatos acolhidos de forma
diversificada pelas distintas colnias norte-americanas pode-se
consultar:
GOURD, A. Les Chartres coloniales et les Constitutio~zsdes EstatsUnis dei Z'Amerique du Nord. Vols. I, I1 e 111, Paris: Imprense
Natioliale, 1885-1903.
BOMPARD, Raoul. Op. cit., p. 90 a 93.
MAIER, Maurice. Op. cit., p. 51 a 56.

Como ressalta Alfred F. Y o ~ i i g (~ ~em


) interessante ensaio
no qual busca reconstruir o contexto em que se forjaram os grupos
em combate, por ocasio da Conveno de Filadlfia, e, o
compromisso conciliador que resultou na Constituio Federal desde a primavera de 1774 tem lugar uma torrente democrtica
explcita que anteriormente estivera oculta na participao macia de
resistncia Gr-Bretanha. A partir de 1776, a reao contra a
sano real ganha expresso ntida no texto das Constituies de
nove ex-colnias, aprovadas por seus respectivos representantes em
substituio s antigas Cartas coloniais. Em nenhuma delas
atribuda qualquer participao constitutiva ao Chefe de Estado no
procedimento legislativo. A Constituio da Pensilvnia, de 1776, 15
a concretizao do credo dos democratas em sua forma mais radical.
Precedida por uma Declarao de Direitos no mais puro estilo da
ilustrao, a qual, alis, exercer grande influncia na redao da
clebre Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, por
ocasio da Revoluo Francesa. Consagrava um legislativo unicameral, direta e anualmente eleito, e um executivo mltiplo e fraco,
sem qualquer participao constitutiva na elaborao das leis. O
florescimento dessa ideologia liberal de cunho mais democratizante
ganha corpo terico no opsculo Common Sense, de Thomas
Paine(93),objeto de vinte e cinco edies somente no ano de 1776,
consoante ao que nos informa Eric Fonefi9").Da concluir o referido
autor que, provavelmente, o opsculo foi lido por centenas de
milhares de pessoas, em uma poca em que a edio at mesmo de
peridicos era extremamente limitada. No referido opsculo, Paine
no se limita a tecer argumentos favorveis independncia; pelo
contrrio, inicia o ensaio por perquirir a origem e a finalidade dos
governos em geral, para, a seguir, rejeitar a Monarquia e a sucesso
hereditria, condenando no apenas as polticas coloniais da Coroa
britnica, mas a prpria e to decantada "Constituio britnica" e,
insurgindo-se contra as teses de Locke, de Montesquieu e contra
todas as hierarquizaes presentes no modelo liberal originrio, ataca

%$)'(%)

(93)

(94)

YOUNG, Alfred F. Os Conservadores, a Constituio e o Esprito de


Conciliao. In: A Constit~iioNorte-Americana. Rio de Janeiro:
Forense Universitria,1986. p. 307 a 349.
FONER, Philip (org.) The complete works of Thomas Paine. New York:
citadel press, 1945. vol. I, p. 3-46.
FONER, Eric. Tom Paine and Revolutionary America. New York: Oxford University Press, 1976. p. 81 e ss.

os mecanismos tpicos do chamado governo misto ou equilibrado,


entre os quais, a existncia de uma Cmara Alta e a participao
constitutiva do Chefe de Estado no procedimento legislativo. John
Adams apressa-se a imprimir o seu Thoughts on Government, pois,
para ele, o Common Sense divulgava doutrina to democrhtica que
no admitia qualquer restrio ou mecanismo que permitisse uma
tentativa de equilbrio ou contrapeso vontade popular, o que s
poderia conduzir desordem e anarquia. Na realidade, embora,
como se disse, nenhuma das nove Constituies acolhesse o instituto
da sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo, apenas as
da Pensilvnia, de Verinont e da Gergia adotarain um legislativo
unicameral auline Maier demonstra claramente que o movimento
democrti o foi uma fora difusa na era revolucionria, a qual,
ganhando maior consistncia, ajudou a forjar a reao dos grupos
conservadores mais importantes. Por mais de uma dcada, lderes
como Samuel Adams empreenderam a batalha em duas frentes,
respectiyamente, contra a Coroa britnica e contra os movimentos da
plebe.jf2m Boston, revelando essa segunda faceta da Guerra da
Independncia, Adams consagra, como lema do movimento, a
expresso "No violeiice or the cause will be hurt"cg5).Assim que,
consoante ao que narram Young e Lyndc9@,Robert Liviiigston,
poltico conservador do Estado de Nova York, poderia, com
propriedade, atribuir o xito alcanado por seus correligionrios,
quando da elaborao da Constituio do Estado, em 1777, frente ao
fracasso dos conservadores, por ocasio da feitura da Constituio da
Pensilvnia, de 1776, capacidade demonstrada de, ao "nadar a
favor da corrente impossvel de deter", impor-lhe uma direo mais
aceitvel: "Alertei h muito tempo que eles deviam ceder torrente,
se esperavam dirigir o seu curso". A reao dos grupos
conservadores, dessa forma, revela-se claramente nos textos
constitucionais de ambos os Estados que ainda no haviam realizado

MAIER, Pauline. From Resistence to Revolutioiz: Colonial Radicals


and the Development to American Opposition to Britain., 1765 - 1776.
New York: Knopf Editions, 1972.
MAIER, Pauline. Coming to Terms with Sam Adams. In: American
Historical Review, vol. 81, 1976, p. 12-37.
YOUNG, Alfred F. Op. cit., p. 318.
LYND, Stanghton. A Goveming Class on tlie Defensive: the Case of
-New York. In: Class Conflict, Slavery, and tlze United States Constitution. Indianapolis: Bobbs-Merril, 1867. p. 82-1 16.

( 9 ~

(96)

a reviso de suas leis fundamentais no ano anterior: Nova York e


Massachusetts, cujas constituies datam, respectivamente, de 1777
e 1780. Contrariamente hs Coiistituies dos demais Estados, ambas
acolhem o instituto da sano do Chefe de Estado como necessria
consoante tradicional frmula britnica.
pela presena insofismvel da corrente 3
adquire nova feio, pois no se p o d e r i a b b
mais admitir a definitividade desse poder discricionrio de recusa. (2
Portanto, resulta novo o instituto criado: atribui participao
constitutiva ao Chefe de Estado no procedimento legislativo, ainda 'C
que esse possa vir a ser assistido, nessa atividade, por determinadas ;,
autoridades judiciais, como no caso da Constituio de Nova York;
\
mas, por outro lado, assegura a possibilidade da prevalncia da 12
vontade das Cmaras, na
recusa da sano, mediante
y
reaprovao parlamentar
Constituio de Nova York
reserva o direito de
assistido pelo Ministro " 9
das Relaes Exteriores e por Juzes da Suprema Corte, devendo a
recusa ser motivada e enviada para nova apreciao das Cmaras no
prazo de dez dias, findos os quais, o projeto ser considerado
sancionado, salvo se tal no fosse possvel em razo do encerramento
da sesso legislativa, caso em que deveria ser enviado s Cmaras no
primeiro dia de reabertura dos trabalhos legislativos. A ausncia
dessa ltima norma na futura Constituio Federal dar origem ao
chamado pocket-veto, como veremos. A recusa de sano poderia ser
superada se a proposio fosse reaprovada por uma maioria
qualificada de 213 de cada uma das Casas. A Constituio de Massachusetts, por sua vez, criava tambm a possibilidade de superao
parlamentar da recusa de sano por maioria qualificada de 213 de
cada Cmara, mas atribua o poder de sano apenas ao
G~vernador'~~).
Esse sistema ser o adotado na Conveno de
Filadlfia, que, Constituio de Massacliusetts, dever, inclusive,
muitas das expresses redacionais da norma acolhida(98).A referida
torrente democratizante que informara Constituies dos Estados,
como a da Pensilvnia, em 1776, no deixou de se fazer sentir, com
toda a sua fora, quando da elaborao dos artigos da "Confederao

663
$

%
$

;1

(97)

(98)

THORPE, Francis N. The Federal mzd State Constitution and other


Organic Laws. Washington, D.C.:US Government Printing Office,
1909. v01 VII, p. 3819 e ss.
MAIER, Maurice. Op. cit., p.56.

e Unio Perptua", de 1777. Todo o poder concentrado


exclusivamente em um Congresso que, para usar a expresso de
Gourd, "n'etait gure qu'une Assemble dlibrante (...) une volont
sans instruments, comme un pur esprit, quoiqu'il flit la seule autorit
commune de la Nati~n"'~~).
As coiitingiicias revelam a inoperncia
desse puro esprito que, para deliberar sobre qualquer matria, no
poderia prescindir da irrestrita anuncia de todos os Estados
signatrios. A ausncia de um Executivo forte e com poderes de ao
aparecia como a causa do fracasso do sistema.
@
Conveno Federal, reunida em Filadlfia, desde 14 de
\-lg A
maio de 1787, se outorga poderes constituintes em 29 de maio e
'
encerra os seus trabalhos em 17 de setembro do mesmo ano. O
\ $3-.
,-instituto da sano visto pelos convencionais como natural e
.,
:-:\e-wcessrio, discute-se apenas se melhor seria adot-10 na sua forma
absoluta ou se, na hiptese de negativa, admitir-se-ia a superao
9
desta mediante reaprovafo congressual qualificada. Nessa ltima
C
9 rs ..f- vertente, discutia-se, ainda, sobre a convenincia de se adotar o
; \ modelo da Constituio de Nova York ou o de Massachusetts, ou
seja, se o poder de sano seria atribudo ao Chefe de Estado,
assistido, em colegiado, por membros do judicirio, ou se esse seria
delegado, moda britnica, exclusivamente ao Chefe de Estado. A
discusso do instituto vinculava-se, a todo momento, o debate sobre
a necessidade premente de uma Cmara Alta que refreasse os
arroubos e paixes da Cmara Baixa, bem assim convenincia de o
Chefe de Estado ser escolhido por via indireta. Discutia-se a questo
da funo legislativa, essencialmente ainda no terreno da forte
herana britnica da clssica frmula: King in Parlinment. Como
demonstra Hindemburgo Pereira Diniz(lo0),os conve~icionaisde
Filadlfia tm como referncia a Monarquia Constitucional britnica
e no uma Monarquia Parlamentar ainda no assentada, o que de
resto tambm confirmado por nosso estudo precedente('0').Em seu
discurso proferido em 18 de junho de 1787, Alexander Hamilton,
poltico conservador e um dos autores do famoso The Federalist,
prope que o Presidente e os membros do Senado fossem eleitos
indiretamente e para um mandato vitalcio, para servirem enquanto
guardassem um comportamento condizvel com a dignidade e as
r

"k

'

I
I

(99)

('O0)

('O1)

1
1

GOURD, A. Op. cit., T. III, p. 22.


DINIZ, Hindemburgo Pereira. A Monarquia Presidencial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 42-58.
Ver infra item 1.2.1

necessidades dos mais altos interesses da Nao, e que os membros


da Cmara fossem popular e diretamente eleitos para mandato de
trs anos. Ao Presidente deveria ser atribudo o direito absoluto de
s o momento
sancionar os projetos de lei aprovados pelo ~ n ~ r e s no
em que a eles discricioiiariamente aderisse. Ainda a ele deveria caber
a livre nomeao dos Governadores dos Estados federados, que
seriam dotados de idntico poder de sano. E to logo a visvel
semelhana com o Rei britnico, a Cmara dos Lordes e a Cmara
dos Comuns notada, Hamilton retruca que a Constituio britnica,
em sua opinio, "was, indeed, the best model the World has ever
produ~ed"('~*).
O discurso causou tamanho impacto entre os
convencionais que a reunio foi suspensa. Como afirma Douglas
Adair, a proposta de Hamilton no sentido de se adotar um Monarca
eleito para solucionar a crise de 1787 no era excntrica, isolada ou
sui generis, como poderia levar a crer uma anlise superficial, mas,
pelo contrrio, representava importantes e significativos segmentos
da opinio pblica norte-americana da poca(Io3).Na realidade,
Youiig, no ensaio j referido, demonstra que a distncia que medeia
entre aquele discurso de Hamilton, proferido no calor do vero, e a
frase por ele pronunciada quando da assinatura do documento final
da conveno, segundo a qual "neiilium plano poderia estar mais
distante do seu"('04), que permite revelar a trajetria daqueles
coiiservadores que souberam nadar na direo da torrente invencvel,
sem perder, contudo, o comando do processo. A recuperao dos
fatos que preenchem essa distncia, empreendida por Young, revela
a vitria, no terreno da conciliao, que a frase objetivava ocultar.
Dessa forma, no terreno da transao entre os sistemas
edentes e os postulados liberais clssicos que tambm nos
Estados Unidos da Amrica do Norte ser atribuda participao
constitutiva ao Presidente da Repblica, no procedimeiito legislativo,
ainda que, na hiptese de voto negativo do Chefe de Estado,
assegure-se a possibilidade de sua superao, mediante a rejeio

(Io2)

('O3)

(I")

HAMILTON, Alexander. Constitucional Conventioiial Speech or a Plan


of Goverrunet. h:Tlze Papers of Alexander Hamilton. New York: Coluinbia Uiliversity Press, Harold Syrett, 1962. vol. 4, p. 202.
ADAIR, Doiiglas. Experience Must Be Our Only Guide: History,
Democratic Theory and the United States Constitution. In: Fume and
the Foudiizg Fathers: Essays by Douglas Adair. New York: Norton,
1974. p. 117.
MITCHELL, B. Alexander Hamilton. New York: Macmillan, 1957. vol.
I, p. 391-2.

to pela maioria qualificada de dois teros de cada uma das


Congresso.
art. IQfirme que "todos os
ssim, embora a seo 1"o
egislativos conferidos por esta Constituio sero confiados
a um Congresso dos Estados Unidos, composto de um Senado e uma
Cmara de Representantes", na seo 7 V o mesmo artigo, inteira e
exclusivamente dedicado ao Poder Legislativo, precisado que:
"Todo projeto de lei (bill) aprovado pela Cmara dos Representantes
e pelo Senado dever, antes de se tornar lei, ser remetido ao
Presidente dos Estados Unidos. Se o aprovar, ele o assinar; se no, o
devolver acompanhado de suas objees Cmara em que teve
origem; esta ento far constar em ata as objees do Presidente e
submeter o projeto a nova discusso. Se o projeto for mantido por
maioria de dois teros dos membros dessa Cmara, ser enviado,
com as objees, outra Cmara, a qual tambm o discutir
novamente. Se obtiver dois teros dos votos dessa Cmara ser
considerado lei. Em ambas as Cmaras os votos sero indicados pelo
sim ou no, consignando-se no livro de atas das respectivas Cmaras
os nomes dos membros que votaram a favor ou contra o projeto de
lei. Todo projeto que no for devolvido pelo Presidente no prazo de
dez dias a contar da data de seu recebimento (excetuando-se os
domingos) ser considerado lei tal como se ele o tivesse assinado, a
menos que o Congresso, suspendendo os trabalhos, torne impossvel
devoluo do projeto, caso em que este no passar a ser l e i 7 ' 7
omo ressalta Biscaretti d j Ruffia, na linguagem parlamentar norte, americana, o termo-bjll k reservado para aquela proposio
1 legislativa aprovadacflsf-ambasas Casas do Congresso e sujeita
1 aprovao tcita ou expressa do Presidente da Repblica, ou
superao do seu voto negativo por maioria qualificada de dois
teros dos membros de ambas as Casas do Congresso, hipteses em
[que se tornar Law,ao passo que, ao texto apfovado or apenas uma
/ das Casas do Congresso reservado o termP~p/A parte final da
o
aquela
seo 7 do art. I, como j ressaltamos, p o ~ f contemplar
norma da Constituio de Massachusetts segundo a qual o
Governador, na hiptese de encerramento ou interrupo da sesso
legislativa, deveria remeter s Cmaras os projetos de lei no
aprovados, com suas objees, no primeiro dia de reabertura dos

(Io5)
(Io6)

94

Co~tstituiodo Brasil e Constituies estrangeiras. Braslia: Senado


Federal, Subsecretaria de Edies Tcnicas, 1987. p. 417-20.
BISCARETT DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 279-80.

trabalhos, deu ensejo ao conhecido


eventualidade na
qual o Presidente da Repblica simplesmente omitindo-se a resueito
dos bills a ele enviados) quando do-encerramento ou interrupo da
sesso legislativa, pode impedir, de forma absoluta, que eles se
tomem lei.
Consoante lio de Corwin, "um projeto devidamente
aprovado por ambas as Cmaras pode tornar-se lei de trs maneiras:
primeira, com a aprovao do Presidente, dentro de um decndio,
conforme se tem geralmente admitido, excludos os domingos, a
partir do momento em que o projeto lhe for apresentado e no a
partir de sua aprovao; segunda, sem a aquiescncia do Presidente,
se este iio o devolver com a sua assinatura dentro do decndio,
excetuados os domingos, depois de lhe ser apresentado; terceira,
apesar da desaprovao do Presidente, se voltar a ser aprovado por
dois teros de ambas as Cmaras, isto , dois teros do quorum de
ambas as Cmaras. Os projetos aprovados
-- --nos
-- .-ltimos
- -- - dez
- -- dias
- - de
uma sesso
podem deixar de tornar-se
---- -legislativa
--- lejs por um veto de
bolso, ou seja, pela sua no devoluo antes d o encerramento d o
,Congresso;
encerramento
----- no importa, alis,
- que se-trate
---- do-- - - - -final
---do
Congresso
que
aprovou
o
projeto,
bastando
uma
suspenso
dos
-entre as s e- s s e- f l o r outro lado, pode o
trabalhos ad
-interim
-Presidente sancionar a lei aqualquer momento, dentro do decndio
que lhe houver sido apreseiitado, com exceo dos domingos, ainda
se o Congresso houver, nesse meio tempo, encerrado seus trabalhos
No entanto de se ressaltar que, trata-se, na
finais ou da sesso"(107).
segunda hiptese considerada por Corwin, mais precisamente de
sano tcita ou presumida, Pois, dado o sigiiificado jurdico
claramente atribudo omisso do Presidente, caso ele queira
efetivamente deter o procedimento de formao da lei, ter de
pronunciar expressamente o seu voto contrrio. Dessa forma, as leis
federais se constituem, com fuiidainento ou na vontade coiicordante
das duas Cmaras do Congresso Nacional e do Presidente, ou apenas
na vontade do congresso, mas, nesse caso, reafirmada,-aps
oportuna considerao das objees presidenciais, pela maioria de
dois teros de cada uma das duas Casas do Congresso. Nesse passo,
importante que, com Bis~aretti('~~),
frisemos que a Constituio
norte-americana no emprega uma nica vez o termo veto, mas, pelo

('O7)

('O8)

CORWIN, Edward S. A Constituio Norte-Americana e seu


Significado Atilal. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. p. 36-7.
BISCARETIT DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 282.

contrrio, emprega o verbo to assent para designar a atividade


desenvolvida a respeito pelo Presidente: that he assents. Ora, o verbo
to assent vincula-se naturalmente ao significado do substantivo assent que, consoante ao que registra o dicionrio integral da lngua
inglesa Webster's, guarda precisa e perfeita sinonmia com o termo
sanction, pois significa "the act of concurrence agreement with a
statement, proposal, etc, also formal or official sanction (...) Royal
~ ) .mrito, o
assent; formal royal sanction to a legislative a ~ t " ( ' ~No
Presidente atua de forma discricionria, sem que qualquer outro
rgo, Ministro ou Secretrio de Estado, deva assumir a responsabilidade pelo ato a propsito por ele desenvolvido; deve
expressar um juzo sobre o projeto, ainda que se omitindo, e no
apenas impedir que uma lei j constituda adquira eficcia erga
ornes, mediante uma mera atuab externa de controle poltico. Se
exato que a Constituio norte-americana acolheu amplamente o
princpio da separao dos poderes, tal no impediu que subsistam,
em seu texto, amplas derrogaes a esse princpio, inclusive no que
diz respeito atribuio presidencial em tela, que adequadamente
regulada nq,seo 7 do art.. I, dedicado integralmente fuiio
l e g i s l a t i v p esse o magistrio da melhor doutrina constitucional,
como af' ma Cooley, "o poder de vetar as leis, conferido ao
Presidente da ~Gbica,constitui na verdade um terceiro ramo do
Poder Legislativo. Realmente esse poder legislativo, e no
executivo; e as questes por esse efeito apresentadas quele
magistrado so precisamente as mesmas que as duas Cmaras do
Congresso devem decidir na aprovao do bill. Que a lei proposta
seja necessria ou conveniente, que seja constitucional, que seja
confeccionada de modo a corresponder ao intento, etc, tais so as
questes transferidas das duas Casas do Congresso para o Presidente
da Repblica conjuntamente com o bill". Laurence Tribe, por sua
vez, ressalta que "after all, the Constitut on on its face contemplates
that the executive will perform a legislative function when exercising
the power to veto legislation"; e, Louis Fisher no apenas salienta a
natureza legislativa desta participao atribuda ao Presidente norte
americano, como denuncia a prtica recente deste proceder a
verdadeiras emendas ao projeto quando da sano, mediante
declarao interpretativa do sentido da proposio: "When sigiiing a

('")

Webster's New Twentieth Centry Unabridged Dictionary of the Englislt


Language, Second edition, New York: Prentice Hall Press, 1983,
verbete "assent", p. 112.

bill iiito law, presideiits in recent years have adopted the practice of
offering interpretations of various provisions in the bill that effectively amend the bill to bring about wliat tlie presideiit aiid his advisers coiisider a constitutioiial result". Fislier acrescenta a seguir a
declarao do Presidente Reagan, de 28 de outubro de 1.986, quando
da sano de um projeto acerca da cobrana de dbitos federais e,
efetivamente, resulta clara a exorbitricia da interpretao oficial que
se quer legislativa. ("O).
Muito embora, em virtude do mesmo
princpio da separao dos poderes, ao Presidente da Repblica no
tenha sido reservada, do ponto de vista jurdico, qualquer iniciativa
no que se refere ao procedimento legislativo, e em que pese o fato de
a maior parte da doutrina norte-americana sobre Government
orientar-se antes por aspectos sociolgicos e polticos do que
propriamente jurdicos, mesmo na maior parte dessa literatura que
reala a conquista crescente da supremacia poltica do Presidente
sobre o Congresso, possvel reconhecer anlises mais propriamente
jurdicas, como a de Cooley, acima transcrita. Nessa mesma
vertente, Ogg e Ray registram que "the President shares iii the legislative power through Iiis veto" e que "we shall see how tlie President
by equally explicit constitucio~ialprovision sliares in tlie work of law
making"; Bruce constata que "constitucional provision for tlie veto
makes the President a direct participaiit in legi~latioii"(~").
A lista de
julgados da Suprema Corte norte americana a respeito da seo 7"o
art. 1Wa Constituio relativamente longa Desde o primeiro leading case, Hollingswortli v. Virginia, julgad em fevereiro de 1.798,
at o mais recente, considerado um dos casos picos do
coiistitucionalismo norte americano, o caso Immigration and Naturalization Service v. Chadlia, julgado em junho de 1.983, a Suprema
Corte vem reiteradamente afirmando a natureza legislativa da
participao do Presidente no procedimento de formao da lei

('Io)

COOLEY, Thomas Mcintyre. Principias Gerais do Direito


Constitucional dos Estados Uizidos da Amrica do Norte. 2"dio. So
Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 51.
TRIBE, Laurence. American Constitutional Law. New York: The Foundatioii Press Inc., 1.988, p. 19.
FISHER, Louis. American Coizstitutional Law. New York: Mc GrawHill Publisliing Company, 1.990, p. 240.
OGG e RAY. Introducion to Americaiz Government. New York: Century, 1951. p. 28 e 307.
BRUCE, A. American Natioizal Goverizment. New York: Ceiitury,
1952. p. 339.

,
I

)prevista neste dispositivo constit~cional("~).


precisamente em
!virtude do papel de representao unitria da Nao, enquanto
'iexpoente mximo eleito, que a ele podem ser encomendadas as
~ainbuiesde integraao e liomogeneizqo poltica de que falava
'Hobbes. Mesmo a literatura mais recente que recobra o papel do

I
I

w2) J no primeiro leadirag case, Hollingswortli v. Virgiiiia, a Suprema


Corte, ao distinguir o procedimento de emenda Constituio, previsto
no art. 5" do procedimento de elaborao da legislao ordinria,
reconhece a natureza legislativa da participao presidencial, prevista
na seo 7 V o art. l9, requerida neste ltimo e ausente do primeiro:
"The case of ameiidments is evidently a siibstantive act, unconnected
with the ordinary business of legislatioii, and within the policy or terms
of investing tlie President with a qualified and negative legislative
power on the acts and resolutions of Congress" (Reports of Cases Ruled
and Adjudged in The Severa1Courts of The United States and of Pennsylvania. New York: The Banks Law Publisliing Coinpaiiy, 1.899, v01
III, p. 380). Destacamos, por sua pertinncia ao nosso tema, o caso
Smiley v. Holm, Secretary of State, decidido em 11 de abril de 1.932,
em que se discutia a interpretao do termo Legislature, empregado na
seo 4a do art. lQ da Constituio, que diz: "O tempo, o lugar e a
forma de realizao das eleies para Senador e Deputados sero
estabelecidos em cada Estado por sua legislatura, mas o Congresso
poder a qualquer tempo, por lei, fazer ou alterar tais regulanientaes,
exceto no que se referir aos lugares de escolha dos Senadores." Nos
termos da Constituio do Estado de Minnesota a legislatura consiste
do Senado e da Cmara dos Deputados (art. 4", seo 1"). No entanto,
antes que qualquer projeto aprovado por ambas as Cmaras se tome lei,
deve ser apresentado ao Govemador para sano, se este recus-la no
prazo estabelecido, o projeto ainda poder se tomar lei, desde que se
supere a negativa por maioria de dois teros em cada Casa (art.4" sec.
11). A Constituigo do Estado, em seu art. 4" sec 23, prev, ainda, que
aps cada censo federal a legislatura estabelecer os limites dos
distritos congressuais. A corte mxima do Estado construiiido tais
dispositivos entendeu que a legislatura - "termo bem conhecido que
designa o rgo fuiicionalrneiite investido das atribuies de elaborao
das leis, o rgo 1egislativo"- consistiria, no caso, do Senado e da
Cmara do Estado e que estes ao reorganizarem os distritos
congressuais no atuariam estritamente no exerccio de poder
legislativo, mas simplesmente como uma repartio govenlaiiieiital,
desincumbindo-se de iiiiia tarefa especfica a eles exclusivaniente
encomendada pela Constituio Federal. Portanto, teria sido
constitucionalmente vlida a reorganizao dos distritos congressuais
efetivada pelo Congresso do Estado por ato no submetido apreciao
do Govemador. A Suprema Corte dos Estados Unidos, no entanto,
sufragou o entendimento oposto: "The function of a State legislatiire i11
prescribing tlie time, place and manner of lioldiiig elections for Repre-

'

Congresso no jogo poltico, aps os eventos da administrao Nixon,


11Congresso.
no deixa de ressaltar o fenomeno da disperso da autoridade no
frente i unicidade, do poder na figura do Presidente, em
sentatives in Congress under Constitution, art. 1" sec 4" is a lawmaking fuiiction in which the veto power of the State Govemor participates if, under the State Constitution, he has tliat power in the making
of State Laws (...) we find no suggestion in the Federal Constitution
provision of an attempt to endow the legislature of tlie State with power
to enact laws in any manner other than that in which the State Constitution has provide that laws shall be enacted. Whether the Govemor of
the State, through the power of assentment to the bill, shall have a part
in the making of State laws is a matter of State policy." Assim que,
conclui a Corte Suprema dos EUA que o termo legislaturc, no que se
refere ao art. lQ, sec 4"a
Constituio, h de ser compreendido nos
termos da configurao do exerccio do poder legislativo na
Constituio do Estado, e, na hiptese, ao Goveniador de Miiuiesota
atribudo poder legislativo atravs da sano a ele reconhecida, donde,
ele h de ser compreendido na expresso legislature (United States
Reports. Cases Adjudged in the Supreme Court. Washington: 1.932,
vol. 285, p. 355 a 375). de se relevar o caso INS v. Cliadha, referido
no texto, que declarou a inconstitucionalidade do chamado veto
legislativo. Contemporneo da ampliao das tarefas econmicas e
sociais do Welfare State, o veto legislativo se consubstanciava na
possibilidade de qualquer das Casas do Congresso, mediante resoluo,
e, previso legislativa, teria de cassar ou invalidar atos do executivo
f&dados em delegao do Congresso. A Suprema Corte entendeu que
tais resolues configuravam atuao legislativa tanto no que dizia
respeito s suas finalidades quanto no que se referia aos seus efeitos,
da por que deveriam se submeter aos requisitos procedimentais
previstos na sec. 7a do art. 1 V a Constituio, ou seja, aprovao da
maioria das duas Casas do Congresso e h sano do Presidente da
Repblica: "To accomplisli wliat lias been atteinpted by one House of
Coiigress in tliis case requires actioii iii conformity with the express
procedures of the Constitution's prescription for legislative action: passage by a majority of botli Houses and presentment to the President (...)
we see tlierefore tliat tlie Frainers were acutely conscious that the bicarneral and the Presentment Clauses would serve essential constitutional functions. The President's participation in the legislative process
was to protect the Executive Brancli from Congress and to protect tlie
whole people from improvident laws. The division of tlie Congress into
two distinctive bodies assures tliat the legislative power would be exercised only after opportuiiity for full study and debate in separate settings. The President's unilateral veto power, i11tuni, was limited by the
power of two-thirds of both Houses of Congress to ovemile a veto
tliereby precluding final arbitrary action of oiie person. It emerges
clearly tliat the prescriptioii for legislative action iii Art. I, Sec. 1, 7,

razo do carter necessariamente pluralstico do


Tampouco, como vimos, iiegligeiicivel o fato de que um certo
influxo do Direito britnico da poca se tenha exercido sobre os
constituintes de Filadlfia, tornando por demais revolucionLil.ia a
idia de que ao Chefe de Estado no deveria ser reconhecida uma
' participao constitutiva no procedimento de elaborao da lei.
6
Por seu texto escrito, a Constituio norte-americana exerceu
Brande influncia sobre as Constituies adotadas nas Repblicas
latino-americanas que se instalaram no curso do sculo passado.
Influncia que se fez sentir, tambm, na Repblica dos Estados
Unidos do
e que encontrou acolhida no art. 37 da Constitui$%
d m , que estatua:
"Art. 37 - O projeto de lei adotado em uma das Cmaras ser
submetido outra, e esta, se o aprovar, envi-lo ao Poder Executivo,
que, aquiescendo, o sancionar e promulgar.
1" Se, porm, o Presidente da Repblica o julgar
inconstitucional ou contrrio aos interesses da Nao, negar sua
sano dentro de dez dias teis, contados daquele em que recebeu o
projeto, devolvendo-o tiesse mesmo prazo Cmara, onde ele llouver
iniciado, com os motivos da recusa.
2" O silncio do Presidente da Repblica no deciidio
importa a sano; e, no caso de ser esta negada quando j estiver
encerrado o Congresso, o Presidente dar publicidade s sua razes.
3" Devolvido o projeto Cmara iniciadora, a se sujeitar a
uma discusso e votao nominal, considerando-se aprovado, se
"

(I1"

represents ihe Framers' decision tliat the legislative power of tlie Federal Power be exercised in accord with a single, finely wrought and
exhaustively considered, procedure" (United States Reports. Cases Adjudged in The Supreine Court. Washington: 1.986, v01 462, p. 919 a
1.016). Ver ainda sobre o Caso Cliadlia: CRAIG, Barbara Hiiikson.
Chadha, The story of an epic constitutional struggle. Berkeley: University of California Press, 1.990. Na pesquisa que realizamos na
biblioteca do Congresso norte-americano no encontrainos qualquer
referncia ao caso Edwards v. United States que, segundo Octaclio
Alecrim, teria sido julgado pela Suprema Corte em 1.923 e neste
julgamento, por deciso unnime, teria sido sufragado o enteridinlento
de que "o Presidente, na siia funo de aprovar uma lei (sic), no
parte integrante do Poder Legislativo" (Alecrim, Octaclio. O sistema
do veto nos Estados Unidos. Rio: Instituto de Estudos Polticos, 1.954,
p. 83 a 85).
MANSFIELD, Harvey C. The Dispersion of Auihority. In. Congress
Against the President. New York: The Academy of Political Sciences,
v01 32, nQ1, 1975. p. 1-19.

obtiver dois teros dos sufrgios presentes. Neste caso, o projeto ser
remetido outra Cmara que, se o aprovar pelos mesmos trmites e
pela maioria, o enviar como lei ao Poder Executivo para a
formalidade da
Por outro lado, revelando a tradio imperial que no deixava
de continuar a informar as concepes dos constituintes, ainda que
de forma inconsciente e inadvertida, ---o art. 16 -explicitava que "O
Poder
--*I- Legislativo
---exercido
- -- -- pelo Congresso
Nacional com a sano
- -- ~do Preside~~te
da Re~blica"('~~).
comentando ~'dispositivo, Joo
Barbalho Ucha Cavalcanti diz: "O Presidente da Repblica o
Chefe eletivo e responsvel da Nao (arts. 41 e 53) e assume o
compromisso de manter e cumprir a Constituio, promover o bem
geral da Nao, executar suas leis, sustentar-lhe a unio, a
integridade e a independncia (art. 44); mal poderia ele desempenhar
to rdua tarefa, se tivesse que ficar alheio feitura das leis (...) Essa
faculdade lhe dada na aribuio que tem de sancionar ou vetar as
resolues legislativas (art. 37, 1" e, sem que tenha ela sido
exercida, as deliberaes do Congresso no tero o carter de lei. Da
se depreendem a importncia e grandes vantagens dessa prerrogativa.
A palavra e o conselho do dto funcionrio no interesse pblico no
so de pouca valia e contribuio muitas vezes para o
aperfeioamento ou para a supresso de medidas legislativas que
caream de correo ou sejam inoportunas e inconvenientes. Vai
nisso uma inestimvel garantia; trata-se de amparar assim a liberdade
e direitos dos cidados contra medidas no fundadas em
convenincia pblica ou a ela contrria, e de abroquelar o Poder
Executivo contra as invases do Legislativo, levando-o a considerar,
de novo e com pausa, a matria e habilitando-o a melhores deliberaes"(l16).Ora, patente a semelhana da justificao apresentada
pelo ilustre comentarista para a adoo do instituto na Constituio
de 1891, com a daqueles que legitimavam a sua atribuio ao Poder
Moderador, na Carta do Imprio do Brasil de 1824. Inclusive, a $..
utilizao dol-_o p_rerrogg&d palavra carregada de conotaes
%
.
-A
-

(114)

("3
('I6)

Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de


fevereiro de 1891. In: Constituies do Brasil. Braslia: Senado Federal, Subsecretaria de Edies Tcnicas, 1986. p. 93.
Op. cit., p. 89.
CAVALCANTI, Joo Barballio Ucha. Constituio Federal
Brasileira: Cornmentrios. Rio de Janeiro: Litho-Typografia
Sapapemba, 1902. p. 52-3.

prprias e especficas do contexto da Monarquia Constitucional,


denota-o de forma clara, pois, como diz Blackstone: "le mot, comme
i compos de prae et de rogo, indique que de certaines choses sont
1 demandes ou requises, par prference, ou avant tous autres. De lh
I suit que la prrogative doit tre, de sa nature, isole, excentrique;
qu'elle ne peut s'apliquer qu'aux droits et facults dont jouit le roi
seul, qui le distinguent de tous autres, et non aux droits et facults
dont i1 jouit en commun avec qui que ce soit de ses sujets (...) Les
prrogatives (...) font positivement et substantielment partie du
caractre public du roi, et de la personne politique du roi, considre
purement en elle-mme"(u7).A utilizao do termo prerrogativa em
/uma Repblica, a rigor, carece de sentido, pois nela todas as
i competncias so constitucionalmente atribudas e a encontram o
seu fundamento puramente normativo, no mais se admitindo
resqucios de Princpio Monrquico, segundo os quais o Chefe de
Estado possuiria direitos prprios anteriores ordem constitucionalJ
E essa a nica distino que aceitamos da antiga controvrsia
iniciada no Brasil por Mrio CasasantdH8',e ultimamente retomada
de se saber se essa participao do Chefe
por Ernesto Rodrig~es(l~~),
de Estado iio procedimento legislativo seria um poder ou um direito.
Nos termos em que tal discusso colocada, sob a alegao da
consecuo de maior rigor cientfico, do ponto de vista jurdico , na
realidade, totalmente carecedora de sentido, revelando apenas que
tais autores o tomam, alis, como a maior parte da doutrina brasileira
atinente ao instituto, como um objeto natural, existente por si
mesmo, independente de sua insero normativa. Ora, o histrico at
aqui traado nos permitiu reconhecer uma variedade de distintos
institutos, consoante diversidade normativa que especificamente
integram, os quais se ocultam sob a denominao comum de sano
do Chefe de Estado no procedimento legislat(vo. Podemos, desde j,
sem qualquer sombra de dvida, afirmar que\para a atual Cincia do
Direito, os termos direito e poder, quando atinentes s competncias
deferidas pelo prprio ordenamento jurdico, so equivalentes; so
duas faces de uma mesma moeda, a menos que se pretenda aceitar,
ainda hoje, a doutrina prevalente at o incio desse sculo segundo a

I
'

'"9'

BLACKSTONE, W. Op. cit., p. 441.


CASASANTA, Mrio. O Poder de Veto. Belo Horizonte: Os Amigos
do Livro, 1937 p. 5-40.
RODRIGUES, Enlesto. O Veto no Brasil. Rio de Janeiro: Forense,
1981. p. 42-52.

qual alguns direitos e prerrogativas seriam "realidades morais


objetivas", para dizer com Pimenta Bueno, de existncia anterior e
natureza absolutamente independente do ordenamento jurdico
positivo, em decorrncia da aceitao de supostos imperativos
racionais n priori ou de princpios polticos como o ~ o n r ~ u i c o / i
bvio, hoje, para ns, queaa competncia constitucional ou
legalmente atribuda a algum rgo, para ser exercida com certa
margem de poder discricionrio, dependendo do ngulo pelo qual
enfocada, pode ser juridicamente caracterizada, com absoluto rigor
tcnico, como poder, como atribuio, como direito e at mesmo
como prerrogativa, desde que sejam esses termos usados unicamente
em ateno realidade iiormativa convencional que cria tal
competncia. Mesmo o termo prerrogativa, quando utilizado para
realar a proeminncia puramente constitucional de determinado
rgo, ou seja, se depurado daquele sentido originrio de direito
pessoal anterior e superior ao prprio ordenamento, pode ter o seu
emprego tecnicamente requerido em determinados contextos. Inclusive, como todos sabemos, o emprego do termo dever por vezes
. -- - .-mesmo
- -que seja \
requerido, j que toda atribuio de competncia,
normativamente ziilhid-ampla margzernde- djs_crJcionariedade~
que
de forma
-- toca ao seu--exerccio,
- - -- --- implica,
- -- - ---- -correlata
-- e simultnea, o t,
&rei@ e - o dever de agir, desde que verificados os pressupo&s'
norma ti vos.%^ a distino, poca de Mrio Casasanta, talvez ainda
pudesse guardar algum significado, j que apontava para a
necessidade de se romper com os postulados tericos herdados da
Monarquia Coiistitucioiial, embora nq deixasse de resguardar a
esfera do direito, do Direito Privado, cdmo algo anterior ao prprio
ordenamento, o que j na poca no seria admissvel, passa, hoje, a
revelar a forma inadequada e insuficiente que tem orientado o
enfoque da quase totalidade da doutrina brasileira para desvelar, do
ponto de vista jurdico, o instituto da sano (ou do veto, alis, como
o denomina essa mesma doutrina) do Chefe de Estado no
procedimento legislativo.
Contudo, retomando a Constituio de 1891, a quase
totalidade da doutrina reconhece a natureza legislativa da funo a
propsito encomendada ao Presidente da Repblica e aos
Governadores de Estado; de resto, constitucio~ialmente
afirmada com
todas as letras pelo art. 16 da Constituio. Alberico Fraga assim se
pronuncia ao comentar o art. 16: "Quem toma parte na composio e
organizao de alguma coisa seu colaborador; logo, o Executivo
tem funo legislativa porque, salvo casos especiais, a sua

->-

+
-

,
I
I
I

interferncia necessria para que seja uma deliberao do


Como revela claramente Jos Alfredo de Oliveira Baracho no
estudo que recolhe, de forma exaustiva,
seu Teoria Geral do Veto(lZ1),
toda a interessante produo terica e jurisprudencial atinente ao
tema no perodo republicano, os autores nacionais que estudaram,
ainda que especfica e monograficamente, o instituto que denominam
veto no procedimento legislativo brasileiro, fizeram-no de forma
difusa e isolada do restante desse procedimento, consagrando o uso
do termo veto para designar a negativa de sano, sem se
preocuparem com a indagao sobre a natureza dessa interveno,
tomam como bvio e evidente a sano do Chefe de Estado no
procedimento legislativo e no vo perquirir a sua necessria
insero diacrnica na Histria e na Teoria Geral do Direito nem
tainpouco a sua insero sincrnica no terreno do Direito
Constitucional Comparado. Tomando tal participao como
realidade natural, as incurses que realizam nesses terrenos apenas
demonstram a erudio dos respectivos autores, uma vez que no as
assentam em firmes bases cientficas, que possam permitir a
compreenso especificamente jurdica do instituto. Somente nesse
contexto se torna possvel a leviana afirmao de Francisco S Filho
de que "sobre a natureza do poder de veto, surge a questo acadmica de se saber se tem carter legislativo ou executivo"~'22~.
E essa
displicente qualificao dada ao estudo da prpria natureza do
instituto, configurada como absoluta e a priori, por um lado, e
acadmica, por outro, que possibilita a Ernesto Rodrigues a no
menos irresponsvel opo, unicamente devida ao gosto e
preferncia ou ao ideal poltico pessoal do referido autor, aleatria,
portanto, de que participao do Chefe de Estado a esse propsito
no procedimento legislativo deve ser sempre reconhecido um carter
executivo, independentemente do contexto normativo que a
institua(123).
Como dissemos anteriormente, retomam esses autores a

(12')

('22)

FRAGA, Alberico. Do Poder Legislativo. Salvador: Imprensa Oficial


do Estado, 1928, p. 205.
BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Veto. In:
Revista de Informao Legislativa, Braslia, n"3,
jul-set de 1984. p.
141-214.
S FILHO, Francisco. Relaes entre os Poderes do Estado. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1959. p. 204.
Op. cit., p 18 e ss.

idia pr-concebida de uma suposta Constituio norte-americana,


que, para eles, deveria ser absoluta na consagrao da separao
irrestrita dos Poderes. Ao configurar tal participao como tendo
natureza simplesmente executiva, precisamente em razo de seus
preconceitos, no conseguem ap eender a explcita realidade
normativa literalmente expressa.) E tal estado de coisas, na
doutrina, que permitir a peculiar feitura empreendida pelo Supremo
Tribunal Federal, a partir de 1974, e que, como veremos, desautoriza
a aplicao da Smula $ 5 , de inegvel acerto normativodoutrinrio, recusa qualquer efeito vinculante sano dada por
Chefe de Estado a projetos ou a dispositivos que, embora no
tivessem decorrido da iniciativa a ele privativamente reservada pela
Constituio, foram erigidos categoria de lei, exatamente por
intermdio da sano. Curiosamente, Vicente Sabino Jnior,
conquanto no altere /eo enfoque doutrinrio da abordagem do
instituto e reproduza apenas os trmites procedimentais no texto de
registra a seguinte advertncia, logo
seu livro atinente matria(Iz4),
ao incio da obra: "A falta de iniciativa do poder competente e a
emenda legislativa a projetos de lei da iniciativa exclusiva do
Executivo (...) deram ensejo a que se julgassem inconstitucionais leis
ou dispositivos de leis. Por fora dessa intolerncia saram feridos os
direitos dos cidados, sem que uma reparao lhes fosse
concedida"(125)Se esse o problema tpico especfico que
pretendemos enfrentar, acreditamos, por outro lado, que s o
poderemos fazer de maneira slida e consistente, propondo outro
tipo de enfoque que objetive o instituto em seu aspecto propriamente
jurdico, da iniciarmos o trabalho pelo reconhecimento histrico e
sociolgico dos contextos onde as variadas formas de participao do
Chefe de Estado no procedimento legislativo tiveram lugar,
privilegiando aquelas s quais seja normativamente atribudo carteri
subsequente buscaremos analisar2 em
constitutivo da lei. -o_&=
face da realidade ormativa apurada, as principais doutrinas de que
possa ter sido objeto o instituto em tela, para, no nvel da Teoria
Geral do Direito, verificarmos se poderemos encontrar soluo
adequada para o problema. Assim que, com o intuito de possibilitar
uma nova abordagem da matria, sob o ngulo da participao
positiva do Chefe de Estado na constituio da lei e das
conseqncias jurdicas decorrentes dessa participao, buscamos

('24)

(Iz5)

SABINO ~ N I O R , Vicente. Iniciativa, Emenda e Decretao. S o


Paulo: Sugestes literrias, 1976. p. 253-65.
Op. cit., p. 9.

,
I

I
I

traar agora os delineamentos do instituto diacrnica e


sincronicamente considerado, no contexto da evoluo das
Constituii3es monrquicas e republicanas. O tratamento do tema na
doutrina brasileira ser, ainda, retomado, quando da anlise da
Smula n 5 do Supremo Tribunal Federal e da jurisprudncia
oposta, que passou a conformar a nova orientao do Excelso
Pretrio a partir de 1974, no captulo I11 da presente pesquisa. Por
ora, interessa-nos localizar c o ~ i g e mdoutrin-ria d a norma
constitucional
que, em 1926, incluir&
o termo veto .no texto
-- -constitucional. urelino Leal, logo aps afirmar que a participao
--do Presidente da Repblica, mediante a sano ou a sua negativa, no
procedimento legislativo teria um carter simplesmente executivo,
de mero controle poltico, contrariamente, portanto, letra do prprio texto constitucional, condena a terminologia constitucional,
pois, se "o Presidente concorda com um projeto de lei que lhe
remeteu o Congresso: o consentimento do Executivo a um projeto
de lei; veto a recusa desse consentimento (...) Que coisa mais
simples do que aplicar esses termos tcnicos? No entanto, o
Constituinte usou de perfrases no ng 1 do art. 37 (sic): negar sua
sano (...) com os motivos da recusa. Muito simplesmente teria
autor
~ ~ .defendia, assim, o uso de
dito: opor-lhe- veto m o t i v a d ~ " (O~ ~
uma terminologia constitucional hfirida; sem atentar para a essncia
do instituto normativamente acolhido, busca, ao apoiar-se em
pressupostos polticos exclusivamente seus, mascarar a participao
constitutiva do Chefe de Estado no procedimento de formao da lei,
ao configur-lo como ato de mero controle poltico exterior
formao mesma da lei. Para o nosso autor - apesar de o art. 16
atribuir, de forma expressa, o Poder Legislativo conjuntamente ao
Congresso Nacional e ao Presidente da Repblica atravs da sano;
apesar de o art. 37 estatuir expressamente que o Presidente recebe,
para a sano, um mero projeto de lei e no uma lei j perfeita, que
s se torna tal aps a aposio da mesma ou a superao de sua
negativa por reaprovao qualificada de dois teros dos membros
presentes em cada Casa do Congresso Nacional - a sano seria
mera aquiescncia do Executivo ia lei. Pois, para ele, "aquiescncia e
colaborao exprimem idias diferentes. O primeiro vocbul?
significa consentimento, o segundo, participao num trabalho. E
colaborador aquele que ajuda outro nas suas funes (Aulete),
Q

.--e-------

LEAL, Aurelino. Tcnica constitucional brasileira, p. 37-38, apud


BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Veto, op. cit.,
loc. cit., p. 162.

106

portanto, aquele que toma parte na feitura, na organizao de alguma


coisa. E exatamente o que no acontece com o Poder Executivo
entre tis, no tocante s leiY%ma vez s na vida de um projeto, o
Presidente pode ser colaborador do Legislativo, quando exerce a
iniciativa governamental, apresentando-lhe propostas de leis. Fora
da, no. A nossa Constituio, no caso, armou o Executivo de uma
faculdade refreadora do Legislatvo. O veto uma das molas mais
importantes, no sistema constitucional, dos freios e contrapesos do
' ' ( ~mesma
~ ~ opinio
Poder Executivo sobre o ~ e ~ i s l a t i v o Da
Otaclio Alecrim, que acredita ser a tese contrria pura remiiiiscncia
das Monarquias Constitucionais e Representativas dos fins do sculo
XIX: "Na Monarquia, essa faculdade de impedir fora atribuda ao
Imperador, terceiro ramo da legislatura; era, assim, de origem
legislativa; na Repblica, tal faculdade emana do Presidente, no
como seiido parte da legislatura, que o no , mas como titular de um
poder bem diferente e distinto daquela; sem dvida, de origem
executiva"('28).Tais autores fornecem o exemplo claro do perigo que
as idias apriorsticas e pr-concebidas podem representar para o
estudo do Direito em geral, em especial, do Direito Coiistitucional. A
idia a priori e racionalisticamente conformada que fazem da
Repblica os impede de compreender a maior parte das Repblicas
Iiistrica e constitucional~neriteefetivadas; no se indagam, por um
momento sequer, se tais reminiscncias do precedente sistema
monrquico no se localizariam apenas nas teorias, mas, pelo
contrrio, se encontrariam positivadas no prprio Texto
constitucional, ainda que acolhidas de forma inadvertida e
incotiscieiite. Ora, mormente no que se refere ao Presidericialismo,
onde a juno monocrtica na figura do Presidente da Repblica das
funes da Chefia do Executivo e da Chefia de Estado no
desautoriza de forma alguma, mas, muito ao contrrio, parece
recomendar, ainda que de forma inconsciente, a que se lhe atribua em virtude das prprias funes de hoinogeneizao, iiitegrao,
representao uiiitria da Nao e comando da execuo das leis que
exerce - um papel coiistitutivo, ou seja, propriamente legislativo, no
procedimento de formao da lei.
Embora a lio de Aurelino Leal, no que se refere ao emprego
do teimo veto - consoaiite o seu uso corrente na linguagem comum,
(I2"

(I2*)

LEAL, Aurelino. Teoria e Prtica da Constituio Federal Brasileira.


Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1925. p. 845-6.
ALECRIM, Otaclio. O sistema do Veto nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Instituto de Estudos Polticos, 1954. p. 86.

sem que se buscasse emprestar-lhe qualquer rigor cientfico - termine


por ser constitucionalmeilte acolhida na reforma de 1926 e, desde
ento, o termo passe a integrar os nossos textos co~istitucioriais,o
mesmo no se verificou no que toca natureza mesma do instituto,
que continua a ser configurado como uma interveno constitutiva
do Chefe de Estado, requerida para a perfeio da lei, passvel de ser
superada apenas mediante a reaprovao do projeto por maioria
qualificada do corpo de representantes. 'A escolstica e vazia
)distino que Aurelino tentara empreender entre aquiescncia e
'colaborao, como frisara Alberico Fraga, no encontrar qualquer
apoio no texto constitucional, que continuar a atribuir
:aquiescnciado Presidente da Repblica o condo de transformar em
'lei o mero projeto, dando continuidade, assim, tradio imperial e
britnica, presente no prprio paradigma norte-americano. Muito
mais do que a mera colaborao, a atividade a esse propsito
desenvolvida pelo Presideiite da Repblica configura-se como
exerccio de efetiva funo legislativa, consoante velha frmula
britnica: King in Parliament.
Dessa forma que o / 1Wo art. 37 passa a ter a seguinte
redao, com a Emenda de 1926:
"Art. 37 - ..........................................
1" Quando o Presidente da Repblica julgar um projeto de
lei, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrrio aos interesses
nacionais, o vetar, total ou parcialmente, dentro de dez dias teis a
contar daquele em que o recebeu, devolvendo, nesse prazo e com os
motivos do veto, o projeto, ou a parte vetada, Cmara onde ele
liouver
Como se v, o Presidente continuou a receber, para a sano,
I
um
mero
projeto de lei, que continua a s-10 caso recuse a sano,
I
hiptese em que s se tornar lei mediante reaprovao qualificada
,
0 ' ,:i,> de ambas as Casas do Congresso Nacional. Alterao bem mais
alp4 significativa aqui introduzida a possibilidade, desconhecida na
i
precedente Monarquia, de recusa parcial de sano, aqui denominada
1 %
veto
parcial. Atribua-se, assim, ao Presidente o poder de opor-se
I
parcialmente ao projeto, tal como reclamado pela doutrina em geral,
I
e advogado expressamente por Epitcio Pessoa(130).
Possibilitava-se
ao Presidente proceder ao expurgo dos chamados cauda&

Constitiiies do Brasil, op. cit., p. 120.


PESSOA, Epitcio. O Veto Lei Oramentria da Despesa Pblica,
Mensagem presidencial de 10 de maro de 1922. In: Revista Forense,
V O ~ 38,
.
1922. p. 398-408.

oramentrios, emendas atinentes s mais diversas matrias e que,


incorporada?a lei de meios anteriormente reforma de 1926, pela
imperiosidade caracterstica do oramento para o Executivo, tinham
a sua sano garantida.
A ConstituiTmda Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de
16 de junho de 1934,embora tenha alterado bastante as funes do
Senado, consoante ao impulso de redefinio do papel da Cmara
revisora que ocorria na Europa, e encomende, em seu art. 22, o
Poder Legislativo Cmara dos Deputados com a colaborao do
Senado Federal, na realidade, no alterou substancialmente o
instituto da sano atribudo ao Presidente da Repblica no
procedimento legislativo. O art. 39, dedicado a proceder ao elenco
das matrias de natureza legislativa propriamente dita, sendo que
aquelas da competncia exclusiva do Poder Legislativo so, por sua
vez, arroladas no art. 40, estatui:
"Art. 39 - Compete privativamente ao Poder Legislativo, com
a sano do Presidente da Repblica"('31).Portanto, embora em
localizao menos nobre, o exerccio do Poder Legislativo
propriamente dito pressupe, ainda, a participao do Chefe de
Estado, por intermdio da sano. A natureza constitutiva dessa
participao inquestionvel, em virtude da quase que manuteno
do 1" introduzido pela reforma de 1926 no art. 37 da Constituio
de 1891, aqui elevado condio de art. 45, que dispe:
"Art. 45 - Quando o Presidente da Repblica julgar um
projeto de lei, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrrio aos
interesses nacionais, o vetar, total ou parcialmente, dentro de dez
dias teis, a contar daquele em que o receber, devolvendo, nesse
prazo, e com os motivos do veto, o projeto, ou a parte vetada,
Cmara dos Deputados.
1" O silncio do Presidente da Repblica, no decndio,
importa a sano.
2" Devolvido o projeto Cmara dos Deputados, ser
submetido, dentro de trinta dias do seu recebimento, ou da reabertura
dos trabalhos, com parecer ou sem ele, a discusso nica,
considerando-se aprovado, se obtiver o voto da maioria absoluta dos
seus membros. Neste caso, o projeto ser remetido ao Senado Federal, se este houver nele colaborado, e, sendo aprovado pelos
mesmos trmites e por igual maioria, ser enviado, como lei, ao
Presidente da Repblica, para a formalidade da promulgao.
(I3')

Constituies do Brasil, op. cit., p. 151.

109

3" No intervalo das sesses legislativas, o veto ser


comunicado seo permanente do Senado Federal, e esta o
publicar, coiivocando extraordinariamente a Cmara dos Deputados
para sobre ele deliberar, sempre que assim considerar necessrio aos
interesses nacionais.
'(132).
.......................................................
Distintamente da Constituio de 1891, o quorum para
superao da negativa de sano total ou parcial na Constituio de
1934 passa a ser o da maioria dos membros da Cmara dos
Deputados, e, se fr o caso, tambm do Senado Federal, que, como
dissemos, teve sua competncia e configurao bastante alteradas em
virtude do acolhimento de vrios princpios da representao
profissional ou c~rporativa('~~).
A Constituio anterior exigia o quorum qualificado de dois teros dos presentes em cada uma das Casas
do Congresso, no que j se distinguia do modelo norte-americano,
que prev o quorum de dois teros dos membros de cada Casa do
Congresso. A nova Constituio brasileira passa a exigir a maioria
absoluta para a superao da negativa, alterando, portanto, os
requisitos necessrios superao da vontade legislativa do Chefe de
Estado.
J a Carta autoritria de 137,-que, na realidade, permanecer
meramente nominal, j que o Congresso Nacional no ser
convocado durante o chamado Estado Novo, em seu art. 38, recupera
a tradio, ao explicitar a natureza de rgo legislativo do Presidente
da Repblica, quando do exerccio da iniciativa e da sano aos
projetos de lei e da expedio direta de decretos-leis, ou seja,
decretos equivalentes lei que este poderia livremente expedir sobre
a organizao do Governo e da Administrao federal, sobre o
comando supremo e a organizao das foras armadas, consoante aos
termos do art. 14 da mesma Constituio. Na verdade, tais limitaes
no foram observadas. De toda sorte, dispunha o referido art. 38:
"Art. 38 - O Poder Legislativo exercido pelo Parlamento
Nacional com a colaborao do Conselho da Economia Nacional e
(13')

Constituies do Brasil, op. cit., p. 153.


Tema muito rico que, no entanto, foge aos objetivos da presente
pesquisa. A respeito, coiitiido, recomendamos a leitura da obra pouco
conhecida de Almeida Moura que analisa essa corrente luz do Direito
Constitucional comparado da poca, os debates da Constituinte, a
Constituio Federal de 1934 e as Constih~iesEstaduais:
MOURA, G. de Almeida. A representao profissional. So Paulo:
Saraiva, 1937.

do Presidente da Repblica, daquele mediante parecer nas matrias


da sua competncia consultiva e deste pela iniciativa e sano dos
projetos de lei e promulgao dos decretos-leis autorizados nesta
Constituio".
Em seu art. 64, exemplo da Constituio francesa da
restaurao, de 1814, reservava ao Executivo toda a iniciativa dos
projetos de lei, excepcionando apenas aquela decorrente de um tero
dos Deputados ou de membros do Conselho Federal (o antigo
Senado, porm acrescido de um representante de cada Estado
federado, iiidiretamente eleito pela maioria de dois teros dos
membros das Assemblias Estaduais, com o direito de veto atribudo
ao Governador, para mandato de seis anos, e mais dez membros
nomeados direta e exclusivamente pelo Presidente da Repblica para
igual mandato). Exceo condicionada supervenincia de projeto
do Governo versando sobre a mesma matria, o que sustaria, de
imediato, a tramitao do primeiro, e que no poderia versar sobre
matria tributria ou que resultasse em aumento da despesa pblica.
Tais dispositivos revelam o tom geral da Carta, que, talvez para a
felicidade do Congresso Nacional, como salienta Raul Machado
Horta, permaneceu meramente nominal.
f
O art. 66 trata especificamente da sano do Presidente da
I
Repblica aos projetos de lei aprovados pelas duas Casas do
Congresso Nacional, mantendo o seu carter constitutivo, a
possibilidade de recusa parcial da sano e retoma o quorum de dois
teros dos presentes em cada Casa do Congresso para a superao da
negativa, tal como previsto na Constituio de 1891.
%,
precisamente a respeito da organizao poltica do Brasil a
poca que Loewenstein cunha a sua clebre -distino
entre--autoritarismo e totalitarismo - para n6s sem qualquer proveito segundo a qual no primeiro tipode ditadura o espao privado, a vida
pessoal dos cidados, no seria ainda totalmente
_
----- absorvide
-controlado pelo Estado,
--__
ao
-_
passo-que, no segundo,
ocontrole
seria
- __t ~ t a ~ ~ x e r c ~ ~ s e s ~ b r ~ a ~ e~ mentes
~- c-.o--r-dos
a-sditos.
6 e .s Nesse
trabalho, Loewenstein recupera toda a tradio autoritria do Pas (
desde o Imprio do Brasil, traando amplo painel que retrata as
estratgias de conservao dos monoplios e privilgios
_

---II^~__-I-

-_
.
^

(IY)

LOEWENSTEIN, Kari. Brazil under Vargas. New York: Macmillan,


1944. Especificamente sobre os coiiceitos de autoritarismo e
totalitarismo. Ver p. 369 e ss.

24

A Constituio de 1946, por sua vez, retoma a tcnica da de


1934 e, em seu art. 37, encomenda a funo legislativa
exclusivamente ao Congresso Nacional. No entanto, da mesma
forma, em seu art. 65, ao estabelecer as matrias que devem ser
objeto de lei, estatui: "Compete ao Congresso Nacional, com a
sano do Presidente da Repblica"('3s).O art. 70 trata da sano do
Presidente da Repblica aos projetos de lei aprovados pelo
Congresso, nos termos das anteriores, prevendo, contudo, que a
apreciao da recusa parcial ou total de sano far-se-ia em sesso
conjunta das duas Casas, deliberao promscua que, no entanto, no
deveria impedir, mediante votao nominal, a apurao do quorum
qualificado de dois teros dos Deputados e dos Senadores presentes
para a sua superao. O 2"o art. 67 reservava, como de iniciativa
exclusiva do Presidente da Repblica, os projetos de lei que criassem
empregos nos servios pblicos existentes, aumentassem
vencimentos ou modificassem a lei de fixao das foras armadas. A
interpretao e aplicao sistemtica desses dispositivos resultar na
Smula n"
do Supremo Tribunal Federal, revista em 1974. A
matria ser objeto do captulo final, juntamente com a anlise do
tratamento dispensado 21 sano, posio do Chefe de Estado e do
Parlamento nos Atos Institucionais e nas Cartas de 1967 e 1969, do
perodo totalitrio. Por ora, basta-nos frisar que, do ponto de vista
normativo, ou seja, estritamente jurdico-cientfico, o instituto no
sofre qualquer alterao que afete a sua natureza, permitindo que
famosa pesquisadora do Senado Federal afirme, em sua obra de
1982, sobre o procedimento legislativo, que "a sano iransforma o
projeto em lei. operao integradora da feitura da lei, conforme
unanimemente reconhece a doutrina. Todos os atos a que o
Presidente da Repblica aponha o veto, isto , a sua discordiicia, a
ex hypothesi, para que se
recusa da sua aquiescncia i~~dispe~isvel,
complete a lei"'(136).
A influncia exercida pelo modelo da Constituio norteamericana e a sua difuso, no que se refere ao carter constitutivo
atribudo participao do Chefe de Estado e do Executivo no
procedimento de formao da lei e possibilidade de superao da
eventual recusa, por reaprovao qualificada do projeto pelas Casas
parlamentares, nas Repblicas Presideiicialistas latino-americanas,

(13')

Constituies do Brasil, op. cit., p. 271.


FIGUEIREDO, Sara Ramos de. Processo Legislativo. Braslia:
Subsecretaria de Edies Tcnicas do Senado Federal, 1982. p. 102.

insofi~mvel~'~~).
Embora bastante enriquecidas por matizes locais,
possvel reconhecer, nessas Constituies, as linhas mestras do
iiistituto curiliado na Conveno de Filadlfia. A Constitui~oda
Argentina,
-- de 1853, por exemplo, e aquelas que se localizam em sua
rea de influncia, como a do Paraguai, provavelmeiite buscando
maior fidelidade aos pri~icp&srepublicanos, ainda que de forma
meramente aparente e nominal, reservaram o emprego do termo
sano, a iiosso ver sem qualquer fundamento mais rigoroso,
aprovao do projeto pela Cmara revisora ou, de forma difusa,
aprovao concorde de arnbas as Cmaras, referindo-se, por outro
lado, apeiias aprovao do projeto de lei pelo Presidente da
Repblica. Nessas Constituies, unnime a atribuio do sentido
de aquiescncia ao projeto ausncia de manifestao do Presidente
da Repblica, em um lapso de tempo variavelmente fixado na
Constituio, pelo que procedem igualmente ao acolhiineiito da
chamada sano tcita. Bastante difundida, nessas Constituies, a
admisso da possibilidade de o Presidente da Repblica, em sua
mensagem motivando a negativa, sugerir alteraes ao texto do
projeto, sendo que3 Constituio da Rgpfiblig OrieGl do Uruguai,
por exemplo, cliega a prever, no pargrafo nico do art. 138, a
aprovao das alteraes sugeridas pelo Cliefe de Estado por mero
decurso de prazo (sessenta dias), fixando, ainda, 110 art. 139, que o
quorum de ratificao das alteraes parciais sugeridas o da
L-

w-

Consultar:
Coizstitzliodo Brasil e Constituies Estrangeiras, op. cit., vol I:
p. 203-4. Constituio da Nao Argentina, de 1853, arts. 69,70 e 72;
p. 254-5 - Constituio Poltica da Repblica do Chile, de 8 de outubro
de 1981, arts. 69,70 e 72.
Constitliio do Brasil e Constitiiies Estra~zgeiras,op. cit., vol. 11:
p. 601-2 - Constitiiio Poltica dos Estados Unidos Mexicanos, de 31
de janeiro de 1917, art. 72, alneas a, b e c;
p. 679-80 - Constituio da Repblica do Paraguai, de 25 de agosto de
1967, arts. 155, 156,157 e 158;
p. 728 - Constituio Poltica do Peni, de 12 de julho de 1979, art. 193;
p. 986-87 - Constituio da Repblica Oriental do Uruguai, de 24 de
agosto de 1966, arts. 136,137, 138,139,140 e 141.
Constituies Estrangeiras, Brasilia: Subsecretaria de Edies
Tcnicas do Senado Federal, 1987, v01 2:
p. 36-7 - Constituio da Repblica da Costa Rica, de 7 de iiovembro
de 1949, arts. 124, 125 e 127;
p. 91-2 - Constituio da Repblica da Nicargua, de 19 de novembro
de 1986, arts. 141,142 e 143.

maioria absoluta, enquanto exige o quorum de trs quintos dos


presentes para a superao tout-court da negativa (art. 38). Embora
varie, nesse elenco de Constituies, o quorum exigido para a
superao parlamentar da negativa de sano do Chefe de Estado a
projeto de lei - a ttulo de exemplo: as Constituies da Argentina,
do Mxico e do Chile exigem dois teros dos votos de ambas as
Casas, enquanto as da Nicargua e do Paraguai, a maioria absoluta resulta, em todas elas, sempre a atribuio de carter constitutivo da
lei aquiescncia do mesmo ao projeto.
De outra vertente, o que vem demonstrar com maior clareza a
inesgotvel riqueza e a conseqente complexidade jurdica dos
institutos constitucionais normativamente coiistrudos e reconstrudos
por diferentes Naes em distintos contextos, esse mesmo paradigma
norte-americano recebeu tratamento diverso nas Constituies da
Espanha, de 1931, da Sria, de 1950 e do Vietn, de 1956, do qual
resultou a alterao da natureza mesma do instituto. O art. 83 da
Co~istitui~o~publicana~~aEspanha
de 1931 estatui:
-"Art. 83 - E1 Presidente promulgar las leyes sancionadas por
e1 Congreso, dentro de1 plazo de quince das, contados desde aqul
en que la sancin le hubiere sido oficialmente comunicada. Si la ley
se declara urgente por las dos terceras partes de 10s votos emitidos
por e1 Congresso, e1 Presidente proceder a la suya inmediata
promulgacin. Antes de promulgar Ias leyes no declaradas urgentes,
e1 Presidente podr pedir a1 Congresso, en mensaje razonado, que las
someta a nueva deliberacin. Si volvieran a ser aprobadas por una
mayoria de dos tercios de votantes, e1 Presidente quedar obligado a
promulgarla~'~~~~).
O art. 62 da Constituio
sria de 1950- estabelece, de forma'
_--_
_-.
semelhante, que, se o Presidente da Repblica considerar necessrio
o reexame de uma lei qual no tenha sido atribudo carter de
urgncia, poder8 envi-la novamente Cmara, mediante decreto
motivado conjuntamente com o Consellio de Ministros, rio prazo
fixado para a sua promulgao. Se a Cmara confirmar, por maioria
absoluta, a deciso anterior, a lei dever ser imediatamente
promulgada(139).
Da prpria redao de tais dispositivos resulta, de forma
(;nsofismvel,
que o Presidente recebe das Cmaras para a

Apud S A N T A M A R ~ A ,J. A. Comentario a1 artculo 9 1 . In:


Comentarios a la Constitucin, Garrido Falla, op. cit., p. 914.
BISCARETTi DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 278, nota 62.

114

promulgao a lei, j perfeita, constituda, podendo apenas solicitar a


reaprovao qualificada da lei, como condio para que a mesma
produza seus e eitos erga ornaes, ou seja, para que adquira a sua
eficcia prpria.\Trata-se, portanto, de um ato de controle poltico
exterior, no propriamente constitutivo da lei, ou seja, legislativo,
t mas, pelo contrrio, configura ato de natureza distinta, executiva, por
conseguinte. Trata-se, em sentido prprio e especfico, precisamente
\de um veto. -'
9
1.2.2.2A negativa de Sano Presidencial insupervel

A participao constitutiva, essencial, necessria e


insupervel da vontade do Chefe de Estado no procedimento da
formao da lei, nas Repblicas, C excepcionalssima.Maurice Maier
identifica, como veto absoluto, a participao legislativa atribuda ao
Presidente da Repblica sob a gide das Constituies do Chile de
Biscaretti di Ruffia acrescenta ao
1833 e da Albnia de 1925(140).
elenco a sano atribuda ao Presidente na Constituio da Repblica
da Indonsia, de 15 de agosto de 1950, outorgada provisoriamente,
mas aiiida em vigor em 1957, no tendo conseguido levar a termo a
tarefa de elaborar um texto de carter definitivo a Assemblia
Constituinte eleita em 1953(141).
Na realidade, precisamente por Maier qualificar como veto
toda participao do Chefe de Estado republicano no procedimento
legislativo, aiiida que constitutiva da lei, que reconhece tal instituto
nos dispositivos que transcreve da Constituio da Albnia de 1925.
Vejamos, pois, o estatudo em seu art. 76:
"Art. 76 - I1 (le Prsident) ordonne la publication et l'entre
en vigueur des projects de lois accepts par les deux Chambres; i1 a
un droit de veto''(142).
Como se depreende da simples leitura do dispositivo
transcrito, melhor qualificaramos tal instituto, porquanto somente
por essa aquiescncia do Presidente da Repblica o projeto se torna
lei, com Biscaretti di Ruffia, como sano, muito embora no artigo
venha empregado de forma genrica e difusa o termo veto. Como
ensina Biscaretti, tais casos so de todo excepcionais no terreno

APUD MAIER, Maurice. Op. cit., p. 40.


BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 277.
APUD MAIER, Maurice. Op. cit., p. 40.

republicano e so o ndice manifesto de uma situao essencialmente


autoritria e de difcil reproduo, fora de seus contextos especficos.
A Constituio da Albnia de 1925 foi, no entanto, rapidamente
alterada, de republicana para monrquica, em funo do golpe de
Estado do prprio Presidente Zogu, em 1928(143).
O outro caso histrico trazido por Maier colao seria o da
- --- --de 1833,
- inadvertidamente acolliido tambm
Constituio-chilena
e, entre ns, por Luiz Navarro de
como tal por Biscaretti di Ruffia(I4-l)
Britto(I4". Na realidade, muito embora a Constituio Poltica da
Repblica do Chile de 1833 realizasse extraordinria concentrao
de poder na figura do Presidente da Repblica e tenha historicamente
correspondido ao perodo de centralizao autoritria liderado por
Diogo Portales, no atribui, de forma absoluta e insupervel, a
sano das leis ao Presidente da Repblica. Maier possivelmente, em
razo da dificuldade de acesso s fontes integrais e mais confiveis
estrangeiras, tenha
dos textos histricos de antigas Co~~stituies
compulsado apenas o texto dos arts. 43 e 45 da referida Constituio,
quando, todavia, a matria tratada de forma conjunta e
interdependente pelos arts. 43, 44, 45, 46, 47,48 e 49. Artigos que,
no obstmte no terem sido objeto de qualquer emenda que lhes
alterasse o contedo, foram renumerados em 20 de agosto de 1888,
por Comisso Mista composta de dois Senadores e dois Deputados,
encarregada da reordenao do texto constitucional, mltipla e
profundamente alterado em suas demais partes ao longo de seus
cinquenta e cinco anos de vigncia, consoante deterininao da Lei
da Reforma, de 10 de agosto do mesmo ano, conservando-se,
entretanto, a numerao primitiva de cada artigo, entre parnteses, h
direita da nova(146).
Dessa forma que, na realidade, dispe sobre a matria a
Constituio Poltica da Repblica do Chile, promulgada em 25 de
maio de 1833, com a renumerao dos xtigos procedida em 1888:

BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 243, nota 3.


BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 277.
(143 BRITTO, Luiz Navarro de. O veto legislatii~o.Brasiia: Ministrio da
Justia e Negcios Interiores - Servio de Docume~~tao,
1966, p. 46.
DOCUMENTO da Comisso Mista encarregada de p proceder
reordenao do Texto constitucio~~al.
In: Coleccin de Cdigos de la
Repblica de Chile. Santiago de Chile, Roberto Miranda Editor, edio
oficialmente autorizada pelo Decreto 11"1.197, de junho de 1890, e com
certificando oficial de correspoiidncia e correo dos textos, 1891, p.
35-6.

"Art. 34 (43) - Aprobado un proyecto de ley por ambas


Cmaras, ser remitido a1 Presidente de la Repblica, quien, si
tambiii 10 aprueba, dispo~idrsu promulgacin como ley.
Art. 35 (44) - Si e1 Presideiite de la Repblica desaprueba e1
proyecto de ley, 10 devolver a la Cmara de su origem, haciendo las
observaciones coiivenieiites dentro de1 trmino de quiiice dias.
Art. 36 (45) - Si e1 Presideiite de la Repblica devolviere e1
proyecto de ley desechndolo en e1 todo, se teiidr por no propuesto,
ni si podr proponer eti la sesin de aquel aio.
Art. 37 (46) - Si e1 Presidente de la Repblica devolviere e1
proyecto de ley, corrigindolo o modificndolo, se reconsiderar en
uiia y otra Cmara, y si por ambas resultare aprobado, segn ha sido
remitido por e1 Presideiite de la Repblica, tendr fuerza de ley, y se
devolver para su promulgacin.
Se no fueren aprobadas eii ambas Cmaras las modificacio~ies
y correccioiies, se teiidr como no propuesto, ni se podr proponer en
la sesiii de aquel afio.
Art. 38 (47) - Si eii algum de las sesiones de 10s dos aiis
siguieiites se propusiere nuevainente, y aprobare por ambas Cmaras
e1 inismo proyecto de ley, y pasado a1 Presideiite de la Repblica, 10
devolviere desechndolo eii e1 todo, las Cinaras volvern a tomar10
eii consideraciii, y tendr fuerza de ley, si cada una de ellas 10
aprobare por uiia mayoria de Ias dos terceras partes de 10s miembros
presentes. Lo mismo suceder si e1 Presidente 10 devolviere
modificndolo o corrigindolo, y si cada Cmara 10 aprobare sin
estas modificacioiies o correcciones por las mismas dos terceras
partes de sus miembros presentes.
Art. 39 (48) - Si e1 proyecto de ley, una vez devuelto por e1
Presidente de Ia Repblica, no se propusiere y aprobare por las
Cmaras eii 10s dos aiis inmediatos siguieiites, cuando quiera que se
propoiiga despus, se teiidr como nuevo proyecto en cuanto a 10s
efectos de1 artculo anterior.
Art. 40 (49) - Si e1 Presideiite de la Repblica no devolviere e1
proyecto de ley dentro de quince dias contados desde la fecha de su
remisin, se entender que 10 aprueba y se promulgar como ley. Si
las Cmaras cerrasen sus sesioiies antes de cumplirse 10s quince dias
en que lia de verificarse la devoluciii, e1 Presidente de la Repblica
la liar dentro de 10s seis primeros dias de la sesiii ordinaria de1 an
siguiente'Yi4'I).

('"7'
*

Coleccin de Cdigos de la Repblica de Chile. Op. cit., p. 15.

_
117

Ora, procedendo-se necessria articulao das disposies


dos arts. 34(43), 36(45), 38(47) e 39(48), v-se claramente que a
norma acolhida, na realidade, conforma um instituto claramente
filiado tradio da Constituio da Frana monrquica de 1791,
talvez por influncia direta da Constituio gaditana da Espanha, de
1812, e qual tambm se filia, como vimos, a Carta Coiistitucional
do Imprio do Brasil, de 1824, sem prescindir de ntido influxo
ianque no que se refere exigncia do quorum qualificado de dois
teros dos membros presentes para reaprovao do projeto nas duas
sesses legislativas imediatamente subsequentes para a superao da
negativa de sano, transformando, dessa forma, o projeto em lei. E
interessante ressaltar que a inovao procedida no se limita
exigncia de quorum qualificado, desconhecida nas demais
Constituies que haviam atribudo efeito suspensivo negativa de
sano do Chefe de Estado. Aqui, a ausncia de manifestao do
Chefe de Estado no prazo de quinze dias implica, consoante o
modelo norte-americano, a tcita aprovao do projeto, enquanto a
regra nas Constituies monrquicas a da denegao da sano.
Naquelas, o efeito suspensivo encontra o seu termo, quando da
reaprovao do projeto por duas legislaturas consecutivas, ao passo
que, aqui, o termo do efeito suspensivo se verifica, quando da
reaprovao qualificada por duas sesses legislativas anuais
sucessivas. Consoante ao que dispe o art. 18(20), da mesma
Coiistituio, a legislatura comportava trs sesses legislativas, ou
seja, era trienal. Da a exigncia de quorum qualificado, uma vez que
a negativa de sano a determinado projeto, bem como a sua
reapresentao e reaprovao qualificada sucessivas poderiam
verificar-se durante o mandato de uma nica legislatura, de forma
que todo o procedimento complementar de superao da negativa
de sano presidencial poderia completar-se sem que pleitos
eleitorais o intermediassem. Outra caracterstica especfica do
texto em tela, extraordinariamente inovadora para a poca, o fato
de adotar explicitaineiite a possibilidade da negativa parcial de
sano, do oferecimento pelo Chefe de Estado de sugestes de
correo ou modificao do texto, o que de forma alguma seria
admissvel no sistema clssico da recusa de sano com efeitos
susperisivos.
Portanto, no caso histrico em exame, no possvel
reconhecer uma modalidade de participao exterior do Chefe de
Estado no procedimento legislativo que, se contrria adoo da lei,
comportaria efeitos absolutos e insuperveis, mas, pelo contrrio,
configura clara hiptese de participao constitutiva, na qual a

recusa importa efeitos meramente suspensivos, combinados com a


exigncia de quorum qualificado para a sua superao.
A Constituio provisria da Repblica da Indonsia, referida
por Biscaretti di Ruffia, substituda, em razo do golpe de Estado
do Presidente Sukarno, que revigora a primeira Constituio
igualmente provisria do Pais, a de 1945. Comentando essa primeira
Constituio, Denis Levy ressalta o seu carter ainda mais
autocrtico do que o da que se lhe seguiu, porque, ao contrrio dessa
que prefigurava um regime parlamentarista de governo, a de 1945
acolhe, por sua vez, um regime presidencial sem as garantias da
separao de poderes, em que, ao Presidente da Repblica 6
igualmente atribudo o poder absoluto de denegao da sano no
E, dessa forma, instalada a
procedimento de formao das leis(148).
chamada democrncia dirigida da Indonsia, que culmina, em 1963,
na proclamao de Sukarno como Presidente vitalcio(149'.
Os dois nicos casos histricos, portanto, o da Repblica da
Albnia de 1925, transformada em Monarquia por golpe de Estado
' do Presidente Zogu, em 1928, e o da Repblica da Indonsia, que
I acolheu o instituto da sano atribuindo sua recusa efeitos
absolutos em duas Constituies distintas, e que, de forma
semelhante, termina por acolher um Presidente vitalcio - atestam a
, excepcioiialidadedas condies histricas, econmicas e sociais que
possibilitaram a atribuiilo de efeitos absolutos negativa de sano
presidencial como regra geral tio procedimento legislativo
I republicano.

/
8

1.2.2.3 A negativa de sano presidencial supervel por


reaprovao do projeto em sesses legislativas ou
legislaturas sucessivas
Ao lado da Constituio Poltica da Repblica do Chile, de
1833, que, como vimos, atribui efeito suspensivo negativa de
sano presidencial, apenas a_Constituiqo da Repblica d
a
Finlndia, a Lei Constitucional de 17 de julho de 1919, ainda em
- -"

(14')

LEVY, Denis. La Constitucinde la Republique ~'Indonesie.In: Revue


Internationale de Droit Compar, Ano 4Q,
$2, Abr-jun 1952, p. 277.
FEITH, Herbert. The decline of constitucional democracy in Indonsia.
New York: Ithaca, 1962.
LEV, Daniel S. The tratzsition to guided cienzocracy: Indonesiatz politics, 1957-1959.New York: Itliaca, 1966

vigor, encomenda tal efeito negativa de sano presidencial. Como


salienta Biscaretti di Ruffia(Iso),a histria peculiar do pas foi
profundamente marcada pela forma de organizao monrquica, quer
sob a forma do Gro-Ducado da Finlndia, no longo perodo em que
permaneceu agregado Sucia, quer 110 incio do sculo, quaido foi
incorporado ao Imprio Russo, e mesmo na poca de sua
independncia, quando adotou a forma republicana exclusivametite
por razes de ordem prtica, tendo em vista as contiiigncias da
poca. Tradio que no deixou de se revelar no singular relevo
coiiferido figura do Chefe de Estado e que terminou por resultar em
um sistema de governo que, mesmo parlamentar, apresentava claros
sinais de uma ntida tendncia presidencialista.
Desse modo que a Constituio afirmar em seu art. 2Que
"E1 Poder Legislativo ser ejercido por e1 Parlamento eii unin con e1
Presideiite de la Repblica"('51).
Por sua vez, o art. 19 a propsito estatui:
Art. 19 - Los proyectos de ley adoptados por e1 Parlamento
sern sometidos a la saiicin de1 presidente de la Repblica (...) en
caso de que uii proyeclo no se sancionado por e1 Presideiite, entrar,
iio obstalite, en vigor sin su saiiciii si. despus de nuevas elecciones,
e1 Parlameiito volviere a adoptar10 sin enmiendas por mayoria de
votos. En otro caso se considerar caducado e1 proyecto. Si e1
Presidente i10 lia sancionado e1 proyecto dentro de 10s tres meses
siguientes a su elevaciii para sancin, se considerar denegada la
~ancin"('~~).
Resulta bvia a natureza coiistitutiva atribuda participao
do Chefe de Estado no procedimento legislativo finlands. de se
ressaltar que aqui, ao contrrio da Constituio chileiia de 1833, a
inatividade do Presidente da Repblica interpretada, maneira
moiirquica, como uma ausncia de aquiescncia, como uma recusa
de sano, impedindo que o projeto se Loriie lei e adquira eficcia.
Ainbas, no entanto, exigem maioria qualificada para a superao de
recusa da sano presideiicial. A chileiia, de 1833, a reaprovao
sucessiva ein duas sesses legislativas por maioria de dois teros dos
presentes. A finlandesa, de 1919, uma nica reaprovao por maioria
absoluta, mas ein outra legislaturn, fazendo com que o corpo
eleitoral intervenha no conflito ao eleger 11ovo Parlainento.
(Is0'
(I5"

(I")

BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 285


Ley Constituciolial de Finliidia. Iii: Coi~stituiesEstraizgeiras, vol. 4 ,
op. cit., p. 33.
Ley Constitucioiial de Finlndia. Op. cit., p. 35.

Biscaretti di Ruffia atesta que o sistema finlands tem


fuiicioiiado de forma bastante satisfatria sem que tenha havido uma
nica reaprovao de projeto ao qual o Presidente tivesse negado a
sua sano pela nova legi~latura('~~).
Por outro lado, o mesmo artigo
19 prev que o Presidente possa solicitar um parecer sobre os
projetos de lei aprovados pelo Parlamento ao Supremo Tribunal ou
ao Supremo Tribunal Administrativo. Jaakko Nousianinen nos
informa que "in seveii cases the Presideiit has asked tiie Supreme
Court to pronounce 011 bills already approved by Parliament"(154)
e
que "the President (...) lias not given Iiis official approval to bills
passed by parliament, when the Supreme Court lias proiiounced them
muito embora, como
to be in conflict witli the Constitutio~i"('~~',
ressalta o mesmo autor, nesse sistema, o papel reservado Suprema
Corte no controle de co~istitucioiialidadeseja merainente coiisultivo.

1.2.2.4 A negativa de sano presidencial condicionada


deliberao direta do corpo eleitoral

O chamad; veto translativo~acolliidona Constituio da


Alemanha de 1919, a Constituio da Repblica de Weimar, serviu
de modelo para o instituto acolhido, todavia em bases totalmente
-- @ Repblica da &l&idia,-de17 ce junho de
distintas na constituio
conforme o demonstra Biscaretti di R ~ f f i a " ~ ~ ) .
-1944,
.
r
A Coiistituio de Weimar previa, em seu art. 73, que o
hresidente da Repblica, ao receber uma lei aprovada pelo Parlamento para promulgao, poderia. se no a julgasse conforme 2
vontade do coipo eleitoral, submet-la, no prazo de um ms, a referi
i endzim popular. Prescindimos, aqui, da anlise de outras hipteses
previstas no mesmo artigo em que o referendum poderia ser
konvocado pelo Chefe de Estado para dirimir possveis conflitos
' entre o Reichstag (Cmara dos Deputados) e o Reichsrat (Senado ou
Conselho Federal). de se frisar, no entanto, que a atividade a
propsito desenvolvida pelo Presidente ali configurada claramente
. como de mero controle poltico, exterior atividade legislativa

--

:
i

(I")

(153
(lS6)

BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 286.


NOUSIAINEN, Jaakko. The role of the Finnish Supreme Court in tlie
Legislative process. h: Scandiizavian Stiidies iiz Law, vol. 23, 1979,
Stockholom, sweden, p. 141.
NOUSIAINEN, Jaakko. Op. cit., p. 143.
BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 286-287.

propriamente constitutiva da lei. O Presidente recebia para


promulgao uma lei j pronta, perfeita, embora ainda no eficaz.
A Islndia, unida, de 1264 a 1380, Noruega e, depois,
juntamente com essa ltima, Dinamarca, pela qual foi reconhecida
como Estado independente, Colegiado em Unio Real, mediante um
nico Monarca comum, a partir de 1918, guardava profunda tradio
monrquica. E apenas por ocasio da ocupao alem da
Dinamarca, na Segunda Guerra Mundial, que a ilha advm
republicana, embora, todavia, os estreitos vnculos que a uniram por
tantos sculos Monarquia dinamarquesa, como seria natural, no
tenham deixado de emprestar algumas notas tpicas Constituio
ento adotada. Da porque o art. 24 da Constituio afirma que o
Poder Legislativo atribudo conjuntamente ao Alting (Parlamento
islands) e ao Presidente da Repblica. O art. 26, por sua vez,
precisa que, quando o Parlamento, Alting, aprova um projeto de lei,
bill, este dever ser submetido sano, approval, presidencial e que
apenas tal sano conferir ao mesmo fora de lei. Contudo, na
hiptese de o Presidente se recusar a aprovar um projeto, esse ainda
poder tornar-se lei, sendo, para tanto, obrigatria a convocao de
um referendum popular por escrutnio secreto sobre a referida lei. Se
a lei for rejeitada, ser considerada nula e nunca existente, se
aprovada, conservar fora de lei. Dessa forma que Biscaretti
conclui que, na Islndia, a lei surge da manifestao das vontades
concordes do Parlamento e do Chefe de Estado, com a advertncia
de que, se este ltimo negar a sua sano, o projeto igualmente
poder converter-se em lei, sob a condio resolutiva de um referendum obrigatrio.

1.2.2.5 A negativa de sano presidencial superAve1 por


uma simples reaprovao parlamentar do projeto
Se na maior parte das Constituies republicanas parlamentaristas (Frana de 1875 e 1946; Itlia de 1947, etc.) ao Presidente
atribudo to-s um poder de controle poltico e de aconselhamento,
externo atividade legislativa propriamente dita, que, pelo contrrio,
resulta encomendada exclusivamente s Cmaras, n a Con&ui.oLa
ndia, de 26 de novembro de 1949, a tradio monrquica do direito
ingls, ali em vigor por quase trs sculos e meio, conformou o
instituto acolhido com o pressuposto clssico britnico da necessria
participao constitutiva do Chefe de Estado no procedimento de
formao da lei, sem descurar do reconhecimento do peso decisivo
da vontade pluralista manifestada pelo Parlamento.

Consoante ao que nos informa Biscaretti(15'),o art. 79 estatui


que: "liaver um Parlamento da Unio, composto pelo Presidente (da
India) e por duas Cmaras, denominadas, respectivamente, Conselho
de Estado e Cmara do Povo". E esse artigo que conduz Pylee a
afirmar que "Consequeiitly, a law of the Parliament means a law
passed by the two houses followed by the assent of the Pre~ident"('~~).
No entanto, o art. 111 estabelece os estreitos limites da participao a
propdsito encomendada ao Chefe de Estado: "Quando um projeto de
lei for aprovaoo pelas duas Cmaras do Parlamento ser remetido ao
Presidente da India. O Presidente declara se aquiesce ao projeto ou se
suspende a sua sano ao mesmo. O Presidente poder, o mais
rapidamente possvel, aps receber o projeto de lei para a sano,
restitu-10, se no versar sobre matria financeira, s Cmaras,
atravs de mensagem requerendo que o mesmo seja submetido a
nova deliberao na sua integralidade ou indicar determinados
dispositivos deste, ou, ainda, propor a introduo de alteraes
mediante emendas recomendadas na mensagem; e quando um
projeto de lei for dessa forma reenviado s Cmaras, essas o
reexaminaro, e, se o mesmo for por elas novamente aprovado, com
ou sem emendas, e novamente remetido sano do Presidente, este
no mais poder negar a sua sano".
Como assevera Biscaretti, a nica possibilidade de leitura
sistmica e harmnica dos referidos dispositivos consiste no
reconhecimento de que tiveram por objetivo traduzir em normas
jurdicas escritas, a um s tempo, tanto o antigo princpio
consuetudinrio britnico da participao constitutiva do Chefe de
Estado na formao da lei, mediante a sano, quanto a j consolidada
Convention of Constitution,que impe ao Soberano ingls o dever de
sancionar todos os projetos que resultem claramente desejados pela
maioria da Cmara eletiva.

1.2.3

Concluses preliminares acerca do instituto da


sano do Chefe de Estado no procedimento
legislativo, resultantes do quadro histricocomparativo de seu acolhimento em
Constituies monrquicas e republicanas

Do amplo quadro histrico-comparativo traado, podemos


concluir, de forma insofismvel, ante a dstiiita realidade normativa,

(15s)

BISCARETT DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 288-289.


PYLEE. Tlte Constitution of India, apud Biscaretti de Ruffia, op. cit., p.
288, nota 83.

poltica, econmica e social, cultural, enfim, que informa e


conforma, com iiifiiida riqueza de matizes intercambiveis, a
experincia constitucional dos vrios pases, que ~o antigo binmio
que resulta na contraposio axiomaticamente iiecessria entre o
l4oiiarca dotado de saiio, ou seja, do poder de participao ativa e
constitutiva da lei, e o Presidente, muiiido apenas de um instrumento
de controle poltico, exterior h atividade legislativa propriamente
dita, reservada exclusivamente s Cmaras, na realidade, jamais
pde encontrar respaldo nos textos constitucionais positivos.
~'I'ampoucoos dados hauridos nos autorizam a coiicordar com a tes
bastante difundida apresentada por Maurice Maier, que, enquanto
reao tese clssica, defende a identidade absoluta, apoiando-?e
puramente na linguagem corrente, entre os termos veto e smlcio,'a
qual foi igualmente defendida no Brasil por Aurelino Leal. Tal
teoria, no entanto, ainda se localiza na seara delimitada pelas
niesmas premissas e postulados da teoria clssica, fundamentalmente
apriorstica e politicamente orientada, desconhecendo, na verdade, a
realidade normativa, sendo, coiisequeiitemente, incapaz de fornecer
soluo jurdica adequada para os virtuais problemas cotidianos da
interpretao e aplicao iiormativa do iiistituto. E oportuno que
frisemos o fato de que. quando insistimos na necessidade de ruptura
ctom essa tradio terica anterior que se coiisubstancia, em suma, na
assuno do vcio racioiialista herdado do ilumiiiismo, que at hoje
chonforma a referida corrente doutrinria, no o fazemos pelo gosto
da novidade, mas precisamente porque, ao se limitar evidente
importncia poltica que recobre o instituto da sano do Chefe de
Estado requerido para a formao da lei, termina por ocultar,
porquanto desconhea ou relegue para um segundo plano, a
necessria considerao da insero jurdica do instituto em seu
c~ontextoprprio, aquele do procedimento legislativo como um todo,
e por impedir o efetivo conhecimento normativo do iiistituto e de
todos os seus efeitos iio nvel propriamente jurdico-cientfico. Em
outras palavras, poderamos dizer que o prprio iigulo de
abordagem desses tericos - por privilegiar os salientes aspectos
polticos do iiistituto - os conduz ou ao inaiiiquesmo, ou ao
nionismo, que so apenas as faces de uma mesina moeda apriorstica,
idealista e racionalista, que s pode instaurar-se mediante o
desconhecimento das distintas e especficas realidades iiormativas,
obstando, nessa vertente, que o instituto venha a ser tomado, de
forma rigorosa e precisa, como objeto da Cincia Jurdica. Para ns
qiue buscamos responder a questes mais simples e menos grandiloqiueiites, tal como a de se saber, pura e simplesmente, quais seriam as
coiisequncias jurdicas da sano do Chefe de Estado republicano,
ein sistema de governo presideiicialista, que tenha elevado

categoria de lei um projeto que verse sobre matria cuja iniciativa se


encontre a ele constitucionalme~ite reservada, no podemos
desconhecer tais aspectos, mas tampouco podemos com eles nos
satisfazer. E, na verdade, teremos alcanado uma primeira e
importante etapa no processo de busc de soluo juridicamente
adequada para o problema, se j agora, em face do quadro histrico
comparativo traado, pudermos concordar que existem, pelo menos,
duas moda_ida~esdi~e_as_&participao do -Chzfe-de Estado
republicano, quando sejam admitidas, como soe ocorrer,
procedimento de formao
- --da lei:
- uma primeira, de natureza
constitutiva da prpria lei e uma segunda, de carter externo sua
formao mesma, de mero controle poltico, s quais devam
corresponder efeitos distintos.
As cinco categorias examinadas, no que se refere
participao do Presidente da Repblica 110 procedimento legislativo,
comprovam que, a esse respeito, os distintos ordenameiitos
constitucionais, consoante a cada caso histrico, atribuem a ela
natureza ou constitutiva da lei, ou de mero controle poltico, externo
de uma lei j perfeita. Nessa ltima hiptese, encontramos todos os
casos nos quais o Presidente se limita a aconselhar e a controlar,
exteriormente, a atividade legislativa, enquanto que, na primeira,
encontramos, pelo contrrio, aqueles casos, mais limitado$hos quais
ao Chefe -de Estado republicano encomendada uma atribuio
---anloga quela & Mgi!arca, ainda que, depois, possa vir a ser
afirmada a definitiva prevalncia da vontade das Cmaras enquanto
representao pluralista, ou mesmo da vontade do corpo eleitoral
direta ou indiretamente i~iterpelado.~~omo
ressalta Biscaretti di
Ruffia, a aparente contradio entre o convocar, de incio, o Chefe
de Estado para constituir a lei e, depois, admitir-se, na hiptese de
no-aquiescncia do mesmo a um determinado provimento que conte
com evidente apoio parlamentar sua emanao como lei,
procedimento complementar destinado a superar essa negativa ou
recusa de sano encontra a sua justificao no prprio carter
igualmente representativo do rgo nas Repblicas e tambm no
princpio de sua no-perpetuidade e cristalizao, que decorreriam da
vitaliciedade do ofcio. Nem tampouco h aqui o perigo de se ferir o
prestgio da alta posio constitucionalme~ite
atribuda Presidncia,
pois o dissenso eventual entre dois rgos igualmente representativos
pode ser resolvido a favor de um deles, quando melhor apurada
direta ou indiretamente a vontade popular, sem com isso atingir a
posio do outro, juridicarnerite induzido ao r$corihecimerito da nova
situao. Devemos, por fim, reconhecer que& atividade constitutiva

I
I

-%

-1

i
Ii

1
I
I

inais amplamente acolliida constitucioiialmeiite para os Presidentes


tie Repblica aquela que, sob o modelo norte-americano, prev a
liiptese de superao da negativa de sano por reaprovao
qualificada das Cmaras, eiicoiitrada particularmeiite nas Repblicas
I'resideiicialistas, onde o relevo do Presidente destacado e
r;igiiificativo, por representar individualmente a Nao e em razo de
seus poderes, que renem, moiiocraticameiite, os do Chefe de Estado
aos do Chefe de Governo ou, diretamente, do,Gabinete inteiro no
sistema parlamentar, como ocorre no Brasil""
De posse dos dados hauridos nesse primeiro exerccio de
insero do instituto, tal como acolhido nas Constituies
rnonrquicas e republicanas de diversos pases, que nos possibilitaram configurar o quadro histrico-comparativo apresentado,
podemos agora, no pr6xiino captulo, com maior rigor de postura e
suficientemente munidos dos arguinentos necessrios, proceder
alnlise crtica das doutrinas que, no nvel da Filosofia Poltica ou da
Teoria Geral do Direito, buscaram apreender o conceito e a natureza
dlo instituto objeto de nossa indagao.
Retomaremos, dessa forma, o instituto desde os seus
primrdios, todavia, mediante a anlise das teses dos principais
representantes da reflexo terica Iiavida a seu respeito. Embora tal
exerccio possa primeira vista parecer suprfluo, de se ressaltar
que, alm do fato de jamais haver sido realizado pelos tericos
baasi eiros que se ocuparam do estudo do que denominam veto, para
ns) o --Direito
-- e-quaiito Cincia fundamentalmente reconstruo
terico-doutrinria dos dados normativos em sistema e, consoante
lio hegeliana, o passado s6 poder ser efetivamente exorcizado
quando traballiamos coiiscieiitemeiite sobre a herana cultural
recebida, pois sorneiite mediante a separao do joio do trigo,
podemos, de forma mais plausvel, buscar assumir a condio de
siujeitos de iiossa prpria histria ou, iio caso, a condio de efetivos
cionstrutores de uma nova Cincia do ~ i r e i t o . 3

(lS9)

BISCARETIT DI RUFFIA, Paolo. Op. cit., p. 290-91.

Captulo I1
A SANAO DO CHEFE DE
ESTADO NO PROCEDIMENTO
LEGISLATIVO COMO OBJETO
DA FILOSOFIA POLITICA E DA
TEORIA GERAL DO DIREITO
PBLICO

Je naher man ein Wort ansieht,


desto feriter sieht es zuruck.
Karl Kraus

2 A SANO DO CHEFE DE ESTADO NO


PROCEDIMENTO LEGISLATIVO COMO
OBJETO DA FILOSOFIA POLITICA E DA
TEORIA GERAL DO DIREITO PBLICO
Neste captulo, exatamente levando em conta o alerta de Karl
Kraus de que as palavras no so meras palavras, mas, ao contrrio,
portam em si mesmas toda a histria da cultura na qual se inserem,
enquanto veculos por excelncia de sua prpria coiistryo e
existncia, buscaremos proceder a um segundo exerccio de insero
do instituto da sano legislativa do Cliefe de Estado, mas, desta
feita, no mbito do contexto evolutivo da Teoria Geral do Direito
Pblico. Tal exerccio, que obviamente pressupe os dados e os
resultados obtidos pelo realizado no captulo anterior, dever
permitirnos no apenas revelar mais claramente a iiidefectvel
dimenso poltica e at mesmo filsofica de que o instituto se reveste, mas tambm, mediante a coiitextualizao da tese especfica
atinente ao nosso tema na doutrina de cada autor ou de determinado
grupo de autores e a sua localizao ria histria do pensamento
jurdico, proceder anlise crtica de cada uma delas e ao
conseqente refinamento de nosso prprio insh'umeiital terico, na
proporo em que se precisa o polito fulcral da ruptura metodolgica
que ser necessrio empreender para tornar possvel a apreenso
especificamente jurdica do instituto e, assim, podermos encontrar,
no captulo subsequente, a resposta indagao que motiva toda a
presente pesquisa.
Por sua evidente vinculao s prerrogativas monjrquicas e
[devido ao mito amplamente acolhido que fazia com que os homens
'de ento vissem a implantao dos Estados republicanos e as suas
instituies como algo absolutamente ex BOVO em face do precedente
sistema monrquico, o tratamento doutrinrio reservado ao instituto

da sano legislativa do Chefe de Estado, desde suas origens at,


meados desse sculo, resultar, antes, pautado muito mais por balizas!
direta e estritamente absorvidas pelas claras intenes polticas dosi
autores, do que pelo reconhecimento de premissas iiormativasj
organicamente estruturadas que possibilitassem a interpretaoi1
cientfica que pudesse ter o condo de solucionar eventuais1
problemas jurdicos decorrentes da aplicao prtica dos comandos i
normativos atinentes ao proc dimento legislativo. Pelo contrrio, i
como salienta Serio ~ a l e o t t i ?procedimento
~
legislativo mesmo,\ .x'
como um todo, restava relegado a uma espcie de limbo jurdico, de' v
juridicidade incerta e duvidosa, deixado muito mais ao domnio da! ".'
poltica do que absorvido pelo Direito mesmo('do qual retiravam, de
forma isolada e atomstica, alguns institutos como a sano,
privilegiada enquanto nico elemento capaz de comunicar ao
projeto, mera proposio poltica, o seu fiat propriamente jurdico,
a sua fora vinculaiite; o que, na realidade, fazia com que se
ocultasse a necessria insero do instituto no fenmeno global do iI
procedimento'''.
Esse exerccio no se poderia iniciar seno pela referncia a
dois grandes filsofos:" Moiitesquieu e Hegel, que, de forma
insofismvel, assentaram as referidas premissas que fornecero o
norte doutrina jurdica tpica do sculo XIX, no que se refere ao
instituto, encontrando traduo imediata na obra dos grandes liberais
doutrinrios da Frana da restaurao, como Benjamin Constant,
Chateaubriand, Tocqueville e Guizot. Orientao que, retomada
pelos juristas da escola organicista alem, como os mestres Laband,
Jellinek, Georg Mayer e Bornhak, encontra o aprimoramento e o
refinamento doutrinrio tpico da escola. Tais teorias no deixaram
de influenciar decisivamente, j nas primeiras dcadas deste sculo,
Carr de Malberg, que, embora buscando enfocar por outra vertente,
ainda incipiente, o instituto, no lograr superar efetivamente
aqueles pressupostos h tempos assentados. Tampouco o consegue
Maurice Maier, que, ao refutar a distino estabelecida entre veto e
sano, o faz ainda no interior dessas mesmas premissas, apenas
reconhecendo a alterao Iiistoricamente operada que no mais
autorizava aquela rgida distino entre Repblicas e Monarquias, e
no consegue discernir a distinta realidade ~iormativadiversamente ;
acolhida nas Constituies fora desse critrio anterior. Apenas na ;

.
C;

'7

(I)

GALEOTTI, Serio. Contributo alla teoria delprocedinzento legislativo.


Milano: Giuffr editore, 1957. p. 2-3.

,3,

dcada de cinquenta deste sculo o instituto poder ser objeto de


:uma impostao essencial e propriamente jurdico-normativa, a
partir da obra fundamental de Serio Galeotti sobre o procedimento
1 legislativo, mediante o labor de um Biscaretti di Ruffia.
R
Mas iniciemos esse exerccio pelo clebre texto da lavra de
( ' ~ o n t e s ~ u i e uque,
, durante mais de um sculo, ser lido e referido
] como o argumento de autoridade mais importante para a distino
it entre a faculdade de estatuir (a sano real) e a faculdade de impedir
(o veto presidencial) intimamente vinculada teoria clssica da
separao dos Poderes do Estado.
I

2.1 Montesquieu e a distino entre a "faculdade de


impedir" e a "faculdade de estatuir"

"

'

A clebre obra de Montesquieu Do Esprito das Leis, que veio

1 a lume em 1748, como toda grande obra, , para usar os termos de

Umberto Eco, uma obra aberta, ou seja, admite distintas leituras e


releituras, pois, ao longo dos sculos e lugares, diferentemente
, decodificada por leitores histrica e culturalmente contextualizados,
I que atribuem distintos significados integrantes de diversos sistemas
culturais aos signos escritos do texto(2).Tais leituras obviamente
privilegiam determinados aspectos em detrimento de outros. A obra
, se torna, dessa forma, universal, transcendendo de muito as virtuais
intenaes /de seu autor, seus interesses datados, suas aflies do
, momento~fAssim,para ns, resultam indiferentes as reais intenes
de Charles Louis de Secondat, Baro de Montesquieu, nascido no
1 Castelo de La Brde, em Burdeaux, em 1698. Buscando explicar o
aparente descompasso existente entre o cap. VI do livro XI do Do
I Esprito das leis, no qual a Constituio inglesa elevada condio
de paradigma, e as demais partes da extensa obra, onde Montesquieu
busca, fugindo ao mtodo iluminista, captar o Esprito Gerol de cada
/ povo, mediante a anlise do clima, da religio, das leis, das mximas
e princpios do governo, da histria e dos usos e costumes locais,
quehlthusser revela, com base no prprio texto, o parti pris do
autor: nobre, vinculado antes preservao dos interesses de sua
prpria classe, ou mais precisamente, manuteno possvel desses
a

'

' , ' t
V

i
I

ECO, Umberto. As fortnas do contedo. So Paulo: Perspectiva, 1974.


p. 15 e ss.
ECO, Urnberto. A Obra aberta. Fonna e Intermediao nas Poticas
Conteporaneas. 2"dio. So Paulo: Perspectiva, 1971.

privilgios do que a uma abstrata e mecnica Teoria da Separao!


dos Poderes, ao elevar condio de paradigma o sistema de,
governo ingls, idealizado enquanto governo misto, Moiitesquieu, na
realidade, buscaria preservar o papel de interdepeiidiicia e de,
combinao das duas foras sociais bsicas - a nobreza e a
burguesia - que nesse modelo ainda reservava sua classe
importantes instrumentos de defesa dos seus interesses, quer diretamente, com a existncia de uma Cmara Alta ou dos Lordes, quer?
mediatizados pela figura do Soberano enquanto Chefe de Estado, do1
Executivo e co-legisladofi3).
No eiitaiito, por mais interessantes que possam ser tais
anlises, como afirmamos, ao estudo aqui desenvolvido interessam,
de forma direta e decisiva, as leituras de que tenha sido objeto a obra :
de Moiitesquieu e a repercusso destas nos textos coiistituicioiiais
positivos e na doutriiia do Direito Pblico. Dessa forma que, pres- 1
cindindo da indagao de quais pudessem ser as iiiteiies reais do 1
filsofo, o seu texto foi lido, a princpio, como uma peculiar '
interpreta;~da tradicional frmula britnica: King in Parliament,
em tudo distinta daquela j estudada, de Blackstone, por exemplo,
mais fiel realidade terica inglesa, que configurava o Monarca i
como um co-legislador'iPara os leitores da poca, como ressalta 1
Mirkine-Guetzvitch, vidos por axiomas que n yriori solucionassem
a questo da melhor organizao racional do governo,~captuloVI-I
do livro XI doeo-E~yritodas Leis, longe de ser uma meradescrio '
fiel da Constituio inglesa, ou de propor a conservao dos I
interesses da Nobreza. expressaia o axioma de que o exerccio do
Poder estatal deveria ser de tal forma arralijado e dividido, a fim de ,
que, racional e me$aiiicaineiite estruturado, "o prprio Poder
coiitrolasse o Poder";;bois, se falar do futuro seria seguro indcio que i
denunciaria o revolucioiirio, o mesmo no se poderia dizer daquele
que fala do passado, do estabelecido: "Et pour ne pas veiller les
soupoiis des autorits; Moiitesquieu parle du pass, de l'aiitiquit,
de Rome, de la Grce: i1 trouve, daiis le classicisme dmocratique,
les nobles exemples qui seront plus tard reteiius et populariss la
tribune de la Constituante. Or, les lecteurs franais, les lecteurs europens de 1748 avaieiit besoiri d'autre chose que des rcits du pass.

--*-+a--

/
/

c3)

ALTHUSSER, loiiis. Montesqi~ieii,a poltica r o hist~ia.Lisboa:


Editorial Presena, 1972.
Ver sobreh~doo cap. V "O mito da separaio dos poderes" e o VI "O
partipris de Montesquieu", p. 141 a 158.

'11s avaient soif de visioiis de lendemain, de perspectives de


libration. Et pour dguiser l'avenir, Montesquieu le transpose eri un
prsent imaginaire et i1 dcrit la Constitution anglaise. Qu'y avait-i1
de commuii entre 1'Angleterre de Montesquieu et 1'Angleterre relle
du milieu du XVIII sicle ? Rien, ou peu prs rien. A l'exemple de
tant d'autres crivains du XVIIP sicle, Montesquieu fait un voyage
dans um pays imaginaire ; 1'Aiigleterre de Montesquieu c'est
l'utopie, c'est un pays de r~e''(~).
E no contexto desse sonho racionalista que ser
reconhecida, como um dos elementos da Teoria da Separao dos
Poderes, a distino, a princpio estabelecida para caracterizar a
atividade desenvolvida pela Cmara dos Lordes a propsito dos
projetos de lei sobre matria tributria, nos quais apenas poderia
intervir mediante a sua faculdade de impedir, mas no mediante a
sua faculdade de estatuir, pois, enquanto Poder Iiereditrio e com
interesses a preservar que poderiam ser contrrios ao interesse geral,
a ela, nessa matria especfica, no poderia ser reconhecida mais do
que a faculdade de impedir. A seguir, Montesquieu define o que
entende pelas duas faculdades: "Chamo faculdade de estatuir o
direito de ordenar por si mesmo, ou de corrigir o que foi ordenado
por outrem. Chamo faculdade b_eki_mpedir o direito de anular uma
resoluo tomada por qualquer outro, o que constitui o Poder dos
tribunos de Roma. E, embora quem tenha a faculdade de impedir
possa ter tambm o direito de aprovar, esta aprovao, entretanto,
no mais do que uma declarao de que no utilizar sua faculdade
de impedir; e portanto, a faculdade de aprovar deriva da de
impedir"(5). A distino intervm novamente quando trata da
participao do Cliefe do Executivo na funo legislativa: "Se o
Poder Executivo no tem o direito de vetar os empreendiineritos do
corpo legislativo, este ltimo seiia desptico porque, como pode
atribuir a si prprio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos
os demais Poderes (...) O Poder Executivo, como dissemos, deve
participar da legislao atravs do direito de veto, sem o que seria
despojado de suas prerrogativas. Mas se o Poder Legislativo

a.4a(4)Constitucionalisme
MIRKINE-GUETZVITCH. Boris. De I'Esprit des Lois au
Modeme. Revtie Internationale de Droit Cainpar,
(5)

Paris, ne 2, abri-jun. 1952. p. 207.


MONTESQUIEU, Cliarles Louis de Scoiidat, Baron de 1a Brde et de.
Do Esprito das Leis. Os Pensadores. Moiztesq~iieu. 2"dio
So
Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 151.

participar da execuo, o Poder Executivo estar igualmente perdido.


Se o Monarca participasse da legislao pela faculdade de estatuir,
no mais haveria liberdade. Porm, como preciso que ele participe
da legislao para se defender, cumpre que ele a tome parte pela sua
faculdade de impedir (...) Eis, assim, a constituio fundamental do
governo de que falamos. O corpo legislativo sendo composto de duas
partes, uma paralisar a outra por sua mtua faculdade de impedir.
Todas as duas sero paralisadas pelo Poder Executivo, que o ser,
por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes trs Poderes deveriam
formar uma pausa ou uma inao. Mas como, pelo movimento
riecessrio das coisas, eles so obrigados a caminhar, sero forados
a caminhar de acordo"(6).
Como possvel depreender da simples leitura das passagens
transcritas, a Constituio inglesa descrita por Montesquieu, em
que pesem certas opinies como as de Eisenmann, Althusser e
Maurice Maier, como um sistema de freios e contrapesos, de
limitaes recprocas, mecanicamente estruturadas e contrapostas.
Mecanismo no qual no s a participao do Monarca no i
procedimento de formao da lei , em verdade, apresentada como i
exterior atividade legislativa propriamente dita, mas tambm,
igualmente funo da Cmara Alta nos projetos atinentes a matria ,
tributria, exerceria atividade de natureza distiiita da propriamente
legislativa, da faculdade de estatuir, faculdade diversa que '
caracteriza como um mero poder de controle poltico exterior sobre a
atividade de outrem. O veto dos tribunas, que, embora decorra da II
faculdade de aprovar a atividade desenvolvida por outro rgo, re- i
solve-se na faculdade de impedir, pois a aprovao outra coisa no j
seria do que a declarao de que no se fez uso da faculdade de
impedir, de que se titular?~oiites~uieu,portanto, desconhece
completamente o aspecto juridicamente relevante e integralmente
vigente na realidade coiistitucional inglesa da poca, da natureza
constitutiva da lei atribuda sano rgia, essencial formao,
mesma da lei, consoante as lies de Blackstone.
.*,
Como ressalta ~ o b b i o ,a Monarquia,
--"-.-" enquanto forma de
~--.
governo, ope-se g - @ ~ o ~ ~ ~ ~ p ~ y l o & e ~ qprecisamente
uieu,
;
por pressupor uma faixa de poderes intermedirios entre os sditos e
o Soberano, os chamados contrapoderes, que impedem o abuso, pelo
Monarca, da sua prpria autoridade. So aqueles corpos i
privilegiados, estratos portadores de proeminncia social, e tambm i

,
i

Ibideni, p. 152-153.

-I
;

I
I

I
I

a nobreza originria, que exercem funes estatais e impossibilitam a


concentrao do Poder Pblico nas mos de uma s pessoa, o que
caracterizasia um governo de~ptico'~'.
$4 Monarquia, em sentido
prprio, pressupe, portanto, para Montesquieu. a configurao de
um governo moderado. A existncia desses corpos intermedirios
permite, assim, uma primeira forma de diviso do Poder poltico, de
caster horizontal, que cossesponda s diferenas sociais tomadas
diretamente em seu aspecto poltico como naturais. A diviso em
classes ou estados da sociedade vista e apresentada por
Montesquieu como uma clara decorrncia direta da ordem
hierrquica de privilgios historicamente assentados e prestabelecidos, qual deve corsesponder, de maneira imediata, as
distines de ordem poltica, fixando, a um s tempo, tanto a
justificao da Cmara Alta, a Cmara dos Lordes, quanto a sua
contraposio h Cmara Baixa, ou dos Comuns. 9
Tal diviso liorizontal e inicial do Poder Publico, para
Montesquieu, pressuposto essencial confipuraio da Monarquia
enquanto tal, viilcula-se intimamente ao princpio que, segundo ele,
a honra. Princpio subjetivo que, ao
deveria dar vida Monarquia: a-,
articular-se ordem hierarquizada obFtiva, possibilita a interao
recproca necessria ao funcionamento da Monarquia. Por honra,
Montesquieu entende "aquele sentimento que nos leva a executar
uma boa ao exclusivamente pelo desejo de ter - ou de manter uma boa reputao (...)\\AOcontrsio da virtude republicana, que s
se pode explicar numa sociedade de iguais, a honra pressupe uma
a -,r

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Op. cit., p. 135.


Nesse passo, relevante que salientemos desde j, que Bobbio,
retomando a classificao originria de Hegel (op. cit., p. 135 e 136),
qualifica de liorizontal o princpio dos corpos intermedirios, pela
iniediaticidade que o caracteriza em Montesquieu, e, de vertical, o da
Separao dos Poderes porque por esse ltimo que Montesquieu
busca assegurar prescritivamente ao Monarca, por via da sano rgia
absoluta, direo poltica hierrquica sobre os demais poderes, embora,
esses o limitem. Assim a classificao Iiegeliana retomada por Bobbio
aqui acolhida meramente por seu valor explicativo liistrico. Com
isso, obviamente, no pretendemos nos contrapor ao entendimento hoje
prevalente e pacfico, segundo o qual, esse princpio, precisamente eni
razo da harmonia e da coordenao que deve empreender quando da
distribuio do exerccio das funes mximas do estado entre os
respectivos titulares, de mesnio e mais alto nvel hierrquico, apresenta
natureza llorizontal.

sociedade de desiguais, baseada na diferenciao liierrquica, na presena de ordens ou classes privilegiadas, s quais so confiados, com
exclusividade, os cargos do governo, e que retm o Poder Pblico tt,
nas suas vrias expresses. O sentimento de honra no de todos
nem para todos: a mo10 daqueles a quem o Soberano confia a
direo do Estado, e que, por isso, constituem grupos limitados e
privilegiados"(&+,
E com base em tais caractersticas do pensamento
de Montesquieu que Hegel critica tal concepo de Monarquia como
ainda tributria das instituies pr-modernas, na nota ao pargrafo
273 dos Princpios da Filosofia do Direito. Se o princpio que
Montesquieu atribui Monarquia a honra, deve-se isso ao fato de
ele no considerar nem a antiga Monarquia patriarcal nem a que
evolui at Constituio objetiva, mas apenas a Monarquia feudal,
aquela em que as relaes do direito interno se cristalizam em
propriedades privadas legais e em privilgios de indivduos e
coiporaes. Como na Constituio de tal Monarquia toda a vida do
Estado se fuiida em pessoas privilegiadas, como dos caprichos delas
depende o que exigido pela existncia do Estado, o contedo
objetivo dos servios no definido por deveres, mas por
imaginao e por opinio. Por isso a honra e no o dever que
assegura a unidade do E~tado'~).
Tambm a liberdade, cujo conceito,
herdado de L ~ c k e ( '~ reafirmado
)
por Montesquieu em sua clebre
frase: "A liberdade o direito de fazer tudo o que as leis
permitem"(11),caracterizado por Benjamin Constant como a liberdade
negativa dos modernos, se confrontado com tais premissas tericas,
termina por revelar o seu contedo positivo??^ medida que
relacionamos o conceito negativo de liberdade com a estrutura da
sociedade e do Estado pressupostos por Montesquieu, podemos
desvelar a face oculta e positiva do conceito, como sendo a
possibilidade de agir com base nas prerrogativas e usufruir dos
privilgios historicamente herdados, consoante situao de cada

*
L

-1

'T

@ $OBBIO,
c9)
('O)

c")

Norberto. Op. cit., p. 134.


HEGEL, G. W. Princ@ios da Filosofia do Direito. Lisboa: Martins
Fontes Editora, 1976. p. 249-250.
Locke assim j se liavia pronunciado sobre o teina: "a liberdade dos
hoinens sob o governo importa em ter regra permanente pela qual viva,
coniiim a todos os ineinbros dessa sociedade e feita pelo Poder
Legislativo nela erigido: liberdade de seguir a minha prpria vontade
ein tudo quanto a regra no prescreva".
LOCKE, Jonli. Segundo tratado sobre o governo. Os pe~zsadores.
Locke. cap. IV, Pargrafo 22. So Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 43.
MONTESQUIEU. Op. cit., p. 148.

um naquele ordenarnento hierrquico, assegurada e garantida pela


lei. Ou, em outros termos, a garantia da liberdade, na verdade, reduzse a garantia da manuteno dos privilgios herdados e assentes. &Para Moiitesquieu, contudo, ao lado dessa diviso horizontal
do Poder, a respeito da qual intervm a distino entre a faculdade
de estatuir e a faculdade de impedir que deveriam ser reconhecidas
Cmara Alta, Ii outra, de natureza vertical, q&q,se coiisubstaiicia na
clebre Teoria da Separao dos poderes\hqui a teoria de
Montesquieu ganha conotao distintiva prpria em relao s
antigas teorias sobre o governo misto. Nessas, havia sempre a
1
pres~uposiode arranjo combinao das trs formas clssic& de
I governo - Monarquia, Aristocracia e Democracia- dividindo-se o
exerccio do poder pelas classes sociais em conflito. Aqui, no
governo moderado de Montesquieu, o Poder do Estado dissociado
. das faces que compem a sociedade, e a sua partio deve-se dar
consoante s trs funes fundamentais do Estado: a legislativa, a
executiva e a judiciria, sendo que a cada qual deveria corresponder
um rgo prprioha o sistema de freios e contrapesos, e por isso
mesmo, caracteriza a sano rgia do Monarca ingls como mero
poder de veto. Embora controversa a interpretao do tratamento
reservado matria por Montesquieu, o prprio texto do captulo VI
do livro XI do Do Esprito das Leis no deixa lugar a outra
interpretao a no ser a de que a referida teoria concebida, como
afirma Bobbio, "como um sistema de fieios para manter determinado
equilbrio; o objetivo desse sistema evitar que alguma potncia
(especialmente o Rei) adquira tanto poder (atribuindo-se as diversas
funes do Estado) que esvazie as prerrogativas e os privilgios de
A releitura
todos os outros (em particular da
empreendida por autores como Eiiisenmaiin, nesse sculo, tendendo
a negar a existncia de uma autntica Teoria da Separao dos
Poderes em Montesquieu, tem sentido apenas no que se refere
crtica da leitura
que pendi_g
- - - recorrente no sculo
-- XVIII
------e-- XIX,
absolutizao do princpio- como dog-ma jurdico, quando, na
Galidade, o prprio Montesquieu acolheu inumees derrogaes ao
mesmo, como, apenas a ttulo de exemplo, a garantia de que os
membros da nobreza fossem julgados no pelos tribunais comuns,
do mais, somos
mas por seus pares, na Cmara dos ~ordes('~'3hlm
levados a concordar com Eisenmaiiii, quando demonstra que

*v

(I2)

(I3)

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Op. cit., p. 160.


ALTHUSSER, Louis. Op cit., p. 137-138.
MONTESQUIEU. Op. cit., p. 150.

Montesquieu enfoca a questo de um ngulo poltico-social,


buscando resolver o problema das relaes de fora entre as faces
sociais em jogo e no propriamente do ponto de vista jurdico,
relativo configurao dos rgos e delimitao de suas esferas de
competiicia no que se refira l e g a l i d a d e ( ' 4 ) ~ o n t u d oa,
configurao da atividade desenvolvida pelo Soberano ingls a
propsito da formao da lei como mero veto fato devido 2
inteno de Montesquieu de apresent-la como um freio exterior
atividade legislativa mesma. Da porque no podemos concordar
com Eisenmann quando, buscando comprovar a sua prpria tese de
que no haveria qualquer distino entre o poder de veto, enquanto
exerccio exterior de controle poltico do Chefe de Estado sobre a
atividade legislativa desenvolvida pelas Cmaras, e a sano,
enquanto atividade constitutiva da lei, pois ambos os institutos
resultariam igualmente 110 poder de aprovar ou de impedir, e que
aquele seria tambm um poder de carter legislativo, pretende
atribu-la ao prprio Montesquieu, negando que este tenha
estabelecido qualquer distino de fundo, no que se refere natureza
da atividade a propsito atribuda ao Rei, ao diferenciar a faculdade
de estatuir da faculdade de aprovar ou impedir"5). No entanto, h
elementos bastante explcitos no texto que autorizam a interpretao
contrria e unnime na doutrina por mais de sculo. O prprio
Moiitesquieu afirma que o corpo legislativo composto de duas
partes, e obviamente se refere, nessa passagem Cmara dos Lordes
e Cmara dos Comuns, complementando, ainda, que "todas as duas
sero paralisadas pelo Poder Executivo". A faculdade de impedir, tal
como definida, autoriza a interpretao, ento corrente, de que essa
deveria ser entendida, distiiitameiite da sano real, como mera atividade executiva de controle externo sobre a atividade legislativa
propriamente dita. Assim, para ns, a impreciso coiiceitual de
Montesquieu, ao qualificar como veto a sano rgia do Monarca
ingls, inadmissvel para o quadro terico e para a realidade
constitucional inglesa da poca, viilcula-se 3s exigncias postas pelas
linhas gerais do prprio modelo prescritivamente descrito, que fazia
da Inglaterra aquele pas de sonho, do qual nos fala MirkineGuetzvitcli, onde a organizao do Poder poltico seria de tal forma

(I4)

('3

EISENMANN, Charles. LYEspritde Lois et la separation des pouvoirs.


In: Mlanges: R. Carr de Malberg. Paris: Recuei Sirey, 1933. p. 165192.
EISENMANN, Charles. Op. cit., nota 2, p. 168-169.

'a.$.

racionalmente estruturada que, no seu exerccio, mecnica e


necessariamente, o Poder controlaria o prprio Poder. Precisamente
por localizar-se no nvel da diviso vertical do Poder estatal, no seio
da clebre Teoria da Separao dos Poderes, a sano do Chefe de
Estado deveria ser caracterizada como fiei0 do Executivo ao
propriamente legislativa, encomendada, a princpio, s Cmaras. No
nos parece plausvel reconhecer a um mero engano histrico, por
menores que fossem as preocupaes jurdicas desse sensvel,
perspicaz e universal pensador. De toda sorte, devido ao enorme
influxo que essa teoria - que os homens de ento acreditavam
encontrar em sua obra, ou como modelo a ser seguido ou como
doutrina a ser negada - exercer sobre a prtica e a teoria
constitucional, particularmente naquelas primeiras Constituies
escritas, a dos Estados Unidos da Amrica e a da Frana de 1791,
torna-se difundido e julgava-se doutrinariamente fundado o emprego
difuso e impreciso da expresso veto para qualificar i~os aquela
participao coiistitutiva do Presidente da Repblica ou do Monarca
na formao da lei, cuja recusa poderia ser superada,
respectivamente, quer pela reaprovao parlamentar qualificada do
projeto, quer por sua reaprovao em legislaturas consecutivas, mas
tambm aquela de toda forma insupervel.
De todo modo, podemos concluir, com He el, que afirma, na
s/
+notaao p@g-1272 $s Princpios &Filos~&o
Direito: "Entre
ai coiicepes correntes, dever-se- mencionar a da necessria
separao dos Poderes. Poderia ser ela uma concepo muito
importante, pelo que representa de garantia da liberdade pblica, se
fosse tomada no seu verdadeiro sentido; mas (...) na forma em que o
intelecto abstrato a concebe, o que a se encontra , por um lado,
aquela unilateralidade que considera as relaes entre eles como
negativas, como recprocas limitaes. Deste ponto de vista, essas
relaes transformam-se em hostilidade, num receio de que cada um
dos Poderes se erga contra os outros como uma face de um mal, a
fim de se afirmar e estabelecer um equilbrio geral que no ser
1 jamais uma unidade viva"(I6).
Hegel a sintetiza a leitura corrente poca da Teoria da
' ,H
ISeparao dos Poderes, o que certamente influir nos debates
constituintes e na doutrina do Direito Pblico de ento. Contudo, ele
mesmo revela, no trecho citado, outra forma de enfocar o problema
i das funes do Estado e da participao do Chefe de Estado no
I

(IQ

HEGEL, G. W. Op. cit., p. 245.

procedimento de formao da lei, que constituir o contraponto


tpico dessa leitura da tese de Montesquieu, vista como prevalentemente republicana e revolucionria.
/

2.2 Hegel e a deciso suprema do Monarca enquanto


totalidade ou indivduo que subsume, em sua
unidade, a universalidade do Estado .
Buscar delinear, em poucas pginas, a natureza da funo
reconhecida por Hegel ao Monarca no procedimento de formao da
lei em seus Princlpios da Filosofia do Direito, embora com o
cuidado de no simplificar por demais a complexidade e riqueza do
pensamento hegeliano, no tarefa fcil. A propsito, importante
frisar que os Princlpios da Filosojia do Direito, de 1821, constituem
o coroamento de um abrangente, complexo e coeso sistema
filosfico, para a construo do qual se buscou fazer convergir
harmonicamente, de forma conscieiite, dialtica e conceitualmente
rigorosa, as distintas inanifestaes e os diversos resultados de dois
milnios de reflexo filosfica ocidental. Todavia, como Hegel
apreendeu, como nenhum outro, a sua poca em conceitos, embora
muitos sejam os riscos, busquemos
iniciar
tal empreitada pela
-- ariijse
de a?g_gs_coci$tos f u n d a m e $ a i ~ - ~ u o sa j u d e - a mellior compreender a sua crtica Teoria da Separao dos Poderes, tal como a
3acolhida, segundo a concepo do intelecto abstrato, na obra de
Montesquieu e, igualmente, qual seria o verdadeiro sentido em que
se deve compreender a "necessria separao dos Poderes" na
acepo hegeliana.
O prprio termo f C ~ z s i i t u i ~ em
o HegeQ assume um
significado especfico, ao designar2 e g r a a d a d e viva e atuante &I
estrutura p o l g c ~dg _un_ so_cgdab_e?ou, para dizer com Nicolai
Hartmann, "a idia liegeliaila- da Constituio est totalmente
domina&-pela _gigiiga_&-!ma
Iiarmnica e
orgnica
de_@@s
as
funes
e
instituies
(...)
o
Estado
no pode
---- fazer-se sobre a base de uma teoria acerca-ldele.- aualauer
-* ----- coisa de
-real e vivo, e @z consigo - as- suas
necessidades
intemas._So
pode
-m c e r organicamente do seu-prprio princpio
- - e para cada
---..
poca
- e
povo ter uma nica e necessria forma adulta (...) Onde h um povo,
h sempre uma coisa pblica, um esprito oiijetivo que tem formas
-- no
---- est no ar,_antes
prprias. Na vida dos povos, a _Cpnstituio

ininPe2etraGo

_
-.,-__.

-----e-

No 5 271 dos
cresceu organicamente, e---como
-- -tal
Princpios da Filosofia do Direito, dikIeg& ' ~ o n s t i t u i opoltica , em primeiro lugar, a organizao do Estado e o processo da
sua'vida
- -- ..orgnica
em relao consigo mesmo. Neste proc_esso,*
distingue o Esta* OQ-s elemento no interior de si mesmoce
desjenvolve-os em existncia fixa9*ls)!bra, se a Constituio a
estrutura poltica orgnica e viva de uma sociedade determinada, s
suas formas histricas correspondem as formas de governo. Como
g e l i a n a de gvefiiof
ressalta B o b b i 0 ( ~ ~ ) , ~ S S 1 f i c ~ o ~ h ~das-formas
diretameng tribut-ia daquela- empreendida por Montesquieu. A
distino tipolgica clssica, assentada sobre o critrio quantitativo
do nmero de governantes - Monarquia, Aristocracia e Democracia
- e reduo operada por Maquiavel no binmio Monarquia e
Repblica, passando a considerar o governo de um s (pessoa fsica)
em oposio ao governo de assemblia (pessoa moral), fosse ela
integrada por nobres (Repblica aristocrtica) ou apresentasse natureza popular, no sentido fiorentino (Repblica democrtica),
Montesquieu Iiavia contraposto a-dis&no terria; Despo@m_o,
Monarq"i5
-.- e ~ e ~ b l j & Monarquia
a?~
distinguir-se-ia do Despotismo
no mais pelo critrio quantitativo do nmero de governantes, j que
arnbas seriam governos de um s, mas pelo critrio qualitativo da
prpria estrutura social subjacente. Para Montesquieu, a Monarquia
propriamente dita se distinguiria do Despotismo pela existncia de
corpos intermedirios que obstavam a concentrao do Poder
poltico
--nas mos do nico governante?kjegel acolhe a tipologia de
Montesquieu a ponto de adot-la como o principal critrio para a
descrio do movimento do Esprito absoluto na histria, enquanto
_aquelas figuras mais gerais por ele assumidas na passagem de uga
de gove-o para outra, de um estgio da civilizao
-forma
outro: o Despotismo oriental, a Repblica antiga e a Monarquia _
moderna. Assim que Hegel afirma, na nota ao 5 3 V o s Princlpios
da ~ilo>ofiado Direito, que "foi Montesquieu quem definiu a

ara

i&l$'(m

(18)
(I9)

HARTMANN, Nicolai. A filosofa do idealismo Alem~o.21 edio.


Lisboa: Galouste Gulbeidcian,1983. p. 628-629.
A respeito consultar tambm:
BOBBIO, Norberto. A constituio em Hegel. In: Estudos sobre Hegel.
So Paulo: Brasiliene, 1989. p. 95 a 110.
HEGEL, G. W. Op. cit., p. 243.
BOBBIO, Norberto. Hegel e as formas de governo. Op. cit., p. 145.

verdadeira viso histrica, o verdadeiro ponto de vista filosfico, que


consiste em no considerar isolada e abstratamente a legislao geral
e suas determinaes, mas em v-las como elemento condicionado
de uma totalidade e correlacionadas com as outras determi laes
que constituem o carter de um povo e de uma poca"(20./O que
distingue a tipologia
de Hegel daquela dos clssicos
no
-----"--- apenas a
viso derivada de -~ontesquieu
entre
as
duas
formas
de
governo
-- --_- -- de
um s - o Despotismo,
enquanto
primeira
manifestao
histrica
do
-- ----Estado, e a Monarquia,
localizada
no final d percurso histrico
- ---- ---- - - - - -mas
precis~mente
essa
localizaoli^istorica
que
permitir
a
--- ------" - " Hegel o
reconhecime40 das caractersticas
distintivas
dos
- "."*
---- da Monarquia
---modernos, a Monarquia Constitucional, contrapondo-a
s
demais
------ -- - como a- forma
de~overno
qye se- torna poslv_el-o -exercicio da
--- - ------- em
- -liberdade no de um s. o Monarca. como no Des~otismo.
mas de
-Ftio,
pelas
quaiq
-mundol
- - -- so trs. A
primeira, correspondente categoria do Despotismo, em que a
e-da vida estatal ainda no evoluiu, suas esferas particulares
ainda no teriam alcanado autonomia e o Poder apresenta uma
estrutura patriarcal, desptica e instintiva, em que apenas o Soberano
individual livre, mas, mesmo sob a violncia de um dominador e
mediante a obedincia gerada pelo medo, essa primeira manifestao
do Estado j constitui um complexo de vontade; a segunda
,
-corresponde sguJ&c> a z i g s a r i s ~ r a t i c aou dem_oc~pc~=
em que
tais esferas e, com elas, os indivduos se tornam livres, so
aristocratas, esferas singulares, rgos democrticos, que dominam,
fazendo valer as suas particularidades, o Estado livre, embora a sua
liberdade se traduza no particularismo; enfim, a terceira, que
corresponde ~Monarqu~~Constitucional,
em que as esferas
particulares so autnomas e sua atividadeznsiste na produo do
universal, mediante a articulao, no interesse do todo, das distintas
particularidade$~e fato, as trs formas de governo correspondem a
trs estruturas sociais diversas: a primeira tpica de uma sociedade
indiferenciada e inarticulada, na qual as esferas particulares que
compem uma sociedade mais complexa (ordens, estamentos, classes
ou grupos) ainda iio emergiram da indistinta unidade inicial, tal
como ocorre com a famlia, um todo que ainda no se compe de

i-

ly_*.^_III___C"

_ _ _ I - - - - -

_ _ I _ _ L I _ - -

e--

e
-

A
-

A
-

'
.
.
v
*

1
1

1
j
!

I1
I

I
I

->----

(20)

HEGEL, G. W. Op. cit., p. 20-21

i
1

tes relativamente autnomas; na segunda, surgem as esferas


ticulares, que, contudo, no chegam a ser completamente autnocom relao totalidade, uma vez que, vinculadas defesa de
suas particularidades, o momento da unidade desagregada e no
mposta; na terceira, a unidade social se recompe, mediante
a
--- _.-
ulao- -&sSuasdiferentes
partes,
Ii
nidade
diferencia
o,
e
a
-- -- - perfg&men& compatvel com-a liher_daded&s_partese, na
, pressupe o jogo relativamente
_ _ autnomo dessas
-- par@. A
uia ~nstitucio~ial~~ortanto,
pressupe, para Hegel, como diz
que da unidade substancial indivisa da comunidade prno s se emancipe o princpio da particularidade e da
ade, mas que esse princpio e revele como o fundamento
oderno da existncia social: a sociedade civil, esfera da
arter privado, que funciona com base nos interesses
s dos indivduos e que constitui o sistema autnomo
ua dependncia recproca objetiva. Este sistema em si
esfera da vida coletiva distinta do Estado. na sociedade
da atividade ecoiimica, da reproduo social e da sua
ao jurdico-administrativa, que os indivduos se
em grupos ou massas particulares - a se desenvolve a
posies ou condies sociais (Estados, ordens, grupos)
diferentes e desiguais"(21).
\\para HegeLportanto, a vida coletiva moderna se desenvolve
em duas esferas
-distintague se articulam, a da sociedgde civil, em
.,0, que so engendradas as diferenas sociais, ga do-Estado, que confere
unidade poltica a uma sociedade de desiguais, esfera na qual as
diferenas sociais so articuladas e a unidade social recomposta$
Assim, retornando a Montesquieu, i m p o r t ~ , ~ ~ e p a s s o , ~
J)/
que frisemos
- -as- diferenas
.- que distinguem o seu pensamento- do- de-

--e

I
_
-

4''

"*

&9sF,

-a-

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Op. cit., p. 158.


Sobre o coiiceito da sociedade civil eiii Hegel:
BOBBIO, Norberto. O conceito da sociedade civil. Rio de Janeiro:
Graal, 1982.
BOBBIO. Norberto. Sociedade e Estado rn Filosofia Poltica Moderna.
So Paulo: Brasilieiise, 1986. p. 75 e ss.
BOBBIO, Norberto Estado. Governo. Sociedade - Para uma teoria
geral da poltica. 2"dio. So Paulo: Paz e terra, 1988. p. 41 e ss.
HABERMAS, Jiirgeiii. Storia e crtica dell'opinione publica. Bari:
Laterza, 1971. p. 82 e ss.

Hegel. Como vimos, p~a*-Moiitesquieuas desigualdades


----- sociais
herdadas- do passado
-.-.- - -deveriam
--encontrar
- - - ------as---suas
--....- correspondncias i
gediatas na ordem poltica mediante o reconhecimento da diviso ,
Iiorizoiital do Poder. Hegel, por sua vez, pressupe a abolio dos
p&vilaios hereditrios e de ~ ~ a s - tal~ como
i ~ resultara
~ ~ , da j
Revoluo Francesa. Na sociedade civil de Hegel, a diviso antes
d_iudo econ~m&ns~i& como diz Bobbio, "feita com 1irihS 1
verticais, de modo que, no mbito da reproduo social, cada i
unidade funcional em relao s outras e ao conjunto, pelo que ,
todas esto em princpio no mesmo plano. As diferenas sociais 1
resultantes consistem, em primeiro lugar, simplesmente na I
particularidade da atividade de cada um com respeito aos demais,
mas tambm na desigualdade das fortunas, que o resultado de fato I
e inevitvel da atividade social e da diviso ecoi~mica
)
Daca crtica acerbaciirigida a Moiitesquieu
---- por Hegel, configurando, 1
com acerto, a Monarquia por ele prescritivarnente
descrita como *
i
feudai.-Ng-e!ganto, de se ressaltar ~ u _ o _ p ~ ~ ~ o no
~ _m
ge
e li
contradies
do
-- decorrentes de--sua- defesa
carter hereditrio e natural tanto do Monarca quanto da Cmara
Alta, e mesmo no que se refere ao carter corporativo gue atribui?
A

&-i

n
-

-I___

como uma imediaticidade necessariamente mediatizada pelo mesmo processo


dialtico que, na Monarquia Constitucional, pressupe a superao
das esferas da uiiicidade iiidifereiiciada da famlia e a das
particularidades da sociedade civil; contudo, o Prncipe, enquanto
personificao do Estado, portador do percurso lgico da
Constituio, tomado, contraditoriamente, como iiidividualidade
imediata, determinada iluturnlmente. Hegel identifica, sem mais, no
5 280, a imediaticidade mediada do esprito com a naturalidade do
Prncipe, buscando justificar a Monarquia hereditria, em termos da
lgica. Incorre, dessa forma, em flagrante contradio com todo o
processo dialtico requerido pela prpria lgica hegeliana para a
configurao do cidado, na violao de uma das figuras mais
importantes da liberdade: a da igualdade de todos os cidados, que
exige o descoiiliecime~itode todos os fatores devidos ao acaso do

(22)

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Op. cit., p. 158159.

nascimento. A direta figurao individual da cidadania em uma


individualidade de modo natural conduz Hegel a atribuir as
determinaes do conceito de Deus ao Prncipe, uma realidade
sensvel exterior, um indivduo pertencente a uma famlia, que tem
filhos, ttulos de nobreza, etc. Embora no seja possvel aceitar,
segundo os postulados da prpria lgica liegeliana, essa identificao direta da imediaticidade natural da substncia com a
individualidade do Monarca, talvez, como sugere Weil, as razes
lgico-histricas que deram suporte a tal construo se vinculem
necessidade de se afirmar a Monarquia Constitucional como meio
I de se assegurar a continuidade da vida orgnica do Estado, em face
do perigo de eventos como os que caracterizaram a ditadura
jacobina.
Tambm E I u e se refere_& Cmara Alta, Hegel no se
k t e n t a em justific-la, enquanto necessidade logicamente decorrente da articulao orgnica da eticidade, mas igualmente busca,
nos $$ 305 e 306, fund-la itatul.almente. assim que a Cmara
Alta, em Hegel, encontra o seu fundamento no apenas na
naturalidade tica da famlia e da propriedade da terra, mas tambm
no carter natural do nascimento de seus membros, no direito de
i primogenitura de herana do patriinnio vinculado pelo morgado. E
I seria precisamente o morgado que emprestaria nobreza a
estabilidade tica imediata - como se por essa instituio sua fortuna
pudesse furtar-se das regras do mercado, que, para o prprio Hegel,
i regulam a economia como um todo - e que, de tal sorte, viria rei
i sponder necessidade poltica de se manter o Estado fora das lutas
1 que constituem o movimento econmico-social. Dessa forma, Hegel
/viola novamente a mesma figura da liberdade subjetiva: aquela da
aldade dos indivduos.
Do mesmo modo, a crtica. de Hegel ao sufrgio-uegrsal,
mbora distinta da atribuio da naturalidade ao Prncipe e aos
membros da Cmara Alta, constitui logicamente uma decorrncia de
todo o sistema hegeliano e merece, nesse passo, ser ressaltada. Para
Hegel, enquanto expresso do mero entendimento, o sufrgio universal s pode encontrar fundamento na aparncia atomizada da mera
exterioridade do movimento social, e seria decorrncia dessa
concepo abstrata, quantitativa, que desconhece o cidado como
atualizao do que individual no universal, como veremos a seguir.
Da porque empreende a defesa da representao corporativa ($0 308

Percebe-se, assim, que o Estado, enquanto todo individual


diferenciado, segundo o conceito correspondeilte a essa terceira
forma de governo, tal como apresentado por Hegel, no coincide
com as formaes polticas pr-mode nas, anteriores Revoluo
Francesa, nem com o Estado Jacobino, liem tampouco com o da
Restaurao, embora possa corresponder a certas determinaes do
9 ~ de
Estado napolenico e do Estado de Frederico, O ~ r a n d e poca
Hegel foi particularmente frtil em transformaes polticas, os
povos questionavam e refundiam as realidades constitucionais. A
sucesso das diferentes formas de organizao estatal havia revelado
a fragilidade de cada uma, bem como,r igualmente, para Hegel, a
verdade em direo qual apontavam. Ou, para dizer em termos
hegelianos, a sucesso das formas do Estado do entendimento
indicava aspectos do Estado da razo que se procurava por meio
delas. Logo a exigncia que Hegel se coloca como tarefa a
apreenso conceitual do Estado historicamente ilovo, que se produzia
nas experincias revolucionrias e ps-revolucionrias, captando-o
na sua verdadeeomo diz Rose~ifield,"a filosofia enuncia a verdade
do que e, enunciando o que est nascendo, pensa o que exigido
ser pensado e expressa no pensamento o que o pensar do real ainda
no traduziu no seu ser-a histrico. Esta traduo pode
perfeitamente no acontecer, pois a concretizao lgica do conceito
um assunto poltico, no se devendo, portanto, ter pressa em
identificar a concepo hegelia~iado Estado com um Estado
historicamente existente"(23).O problema poltico um problema
lgico, forma e cgntedo em Hegel no se dissociam.V A Monarquia
Constitucioiial filha do mundo moderno, engendrada pela
experincia histrica da Revoluo Francesa, e se apresenta como
distinta das Monarquias anteriores precisamente por ser a forma
apropriada- para
o desenvolvimeiito da liberdade
Constitucioiial
- mais
- -"~-----.,
------do indivduo, por ser uma mediao que assegura a participao do

1~

.
A
-

sua unidade substancial, as suas diferentes funes e atividades,


enquanto momentos essenciais que expressam e perfazem a
totalidade que integram. Hegel critica a concepo atomstica
subjacente Teoria da Separalo dos Poderes, que acredita poder
(23)

ROSENFIELD, De~iisL. Poltica e Liberdade em Hegel. So Paulo:


Brasilieiise, 1983. p. 233.

e.

!separar mecanicamente o que , na realidade, membro de um


!organismosubstancial* forma concreta da realizao de cada Poder
]guarda em si mesma o movimento que a gerou. O processo de
I
,determinao
de cada Poder produz, concomitante e
lsimultaneamente, os outros Poderes, que, por sua vez, vm a ser
:livres graas ao seu desenvolvimento autnomo. Ali onde a
*sociedadese vem articulando pela diviso em classes da sociedade
civil, necessrio que haja uma Constituio diferente das que
bastavam s sociedades menos complexas; requerida a forma de
ou seja, o governo iridireto de
governo monrquico-co~istitucior~al,
um Monarca, mediado pela presena ativa dos corpos intermedirios
, na determinao das diferentes funes estatais, exercidas em nome
do Prncipe, por diversos r g o * ~ questo, portanto, qual Hegel
busca responder no a da diviso dos Poderes do Estado,
abstratamente considerada, mas a que resulta de um processo
histrico que, para Hegel, , iiecessiia e principalmente, lgico, e
em que a diviso dos Poderes do Estado, no interior de sua unidade
orgnica, revela a nova determinao da idia de liberdade(24).
Logo,
para Hegel, no se trata de se proceder corno o intelecto abstrato,
para o qual cada Poder separado mecanicamente age como
contraponto do outro, no sentido de que cada Poder pode tornar-se
particular, mas, pelo contrrio, trata-se de formar a vontade particular pela pratica da universalidade. Na Monarquia Constitucional, o
Prncipe vive das atividades dos cidados, e a diviso de Poderes
1 expressa a condensao de cada Poder a partir dos demais, pois o seu
fundamento o mesmo: a interveno consciente dos cidados nos
negcios pblicos, a residindo o ponto fulcral dessa diviso,*
possibilitar a mediao que assegura e afirma a liberdade do cidado.'
1 Dessa forma que Hegel reconhece, no 5 273 dos Princ@ios da
I Filosofia do Direito, que & djdde -"g E s t a d ~ ~ o I ~ i ~ ~ ~ a ~ ~ e g u i ~ ~
1 difgrenas
- --------substanciais: a) C_pgcidad_ep r a defin-ir e estabelecer o
Legislativo: b) Integrao no geral dos dornnisz - s ji&vj&klis -x-Pcder de g0vge1-02)-4
$=o_ deciso- sup:ema dd yontle--- Poder do
se renem os Poderes separados numa unidade individual que a cpula e o comeo do todo que constitui a Monarquia
Constitu~ional'~~).
Dessa forma que os Poderes descritos por Hegel

dd-

@-L..

$-

(24)

"9

BOURGEOIS, B. Ln Pense Politique de Hegel. Paris: P.U.F.,1969. p.


79/80.
HEGEL, G. W. Op. cit., p. 246.

iio correspoiidem perfeitamente queles examiiiados por


Montesquieu. De fato, Hegel distingue o Poder Legislativo, o Poder
de Governo e o do Prncipe\'~egelno considera a funo judiciria
como efetivo Poder Constitucioiial, mas a localiza no nvel da
sociedade civil e a reconhece apenas como atividade administrativa
diretamente funcional.
Ao iniciar a anlise do Poder do Prncipe - acrscimo
hegeliano ao paradigma dos Poderes de ~ o n t e s ~ u i e ue , que
corresponde, grosso modo, Teoria do Poder Moderador, difundida
por Benjamin Constant e acolhido tia Constituio do Imprio do
Brasil - Hegel examina, nos $4 275 e 276, a unicidade substancial
do Estado, que constitui o carter fundamental do mesmo e o
princpio caracterstico do Poder do prncipe'O Prncipe apersonificao do conceito do Estado ($ 279), ou seja, a determinao por excelncia da personalidade substancial do Estado,
porque precisamente essa mesma personalidade se encontra, em o diferentes nveis de coiicretitude, em todos os sditos. Ou em outros /
termos, o Prncipe s capaz de ser verdadeira expresso da
soberania do Estado, medida que a dimenso pblica que eiicarna
se fizer presente, ainda que nos mais diversos graus, informando e
conformando, enquanto universalidade poltica, as prprias,
consciiicias e atividades dos cidad os?^ mediocridade ou a
grandeza de um Soberano tesidiria, portanto, principalmente na dimenso dos seus s~ditos'~~)'
O Prncipe diferencia-se do cidado pelo
fato de que encarna a personalidade do Estado, que o cidado, por
sua vez, anima como expresso poltica da liberdade de todos. A
figura poltica do Prncipe, enquanto personificao da
universal do Estado, resulta do processo lgico de afirmao
da cidadania. A deciso do Prncipe pressupe e implica a de todos
os membros do Estado. Isso porque, como afirma Wei1(27),sua
deciso se encontra coiidicioiiada aos eventos que constituem a
vida do Estado e forma adquirida por eles na conscincia dos
cidados. Se a universalidade estatal manifesta-se por intermdio
do Prncipe porque a palavra do conjunto dos membros e das
instituies constitutivas da cidadania ganham realidade concreta,
efetividade, pelo contedo e pela forma do Poder do Prncipe.
O eu quero proferido pelo Prncipe no se reduz a mera formalidade,
e

n6) BOURGEOIS, B. Le priiice Hgelien. In: Hegel et Ia Philosophie du


Droit. Paris: P.U.F.,. .91
p. 115 e ss.
@n WEIL, Eric. Hegel et 1'Etat. Paris: J. Vriii, 1950. p. 62.

1
I

1I

mas ato doador da forma prpria e imprescindvel de validade


jurdica no apenas aos planos de Governo elaborados pelos
conselheiros, mas tambm o que transforma em lei os projetos
aprovados pelas Cmaras e confere efetividade a todas as demais
instituides estatais.
,O Poder de Governo, conforme definido no fj 287 dos
Princpios da Filosofia do Direito, compreende tanto a
administrao da justia quanto o Executivo propriamente dito, a
administraco pblica. A ele incumbe subsumir o particular sob o
universal, ou seja, compreende, respectivamente, o poder de dizer o
direito no caso litigioso concreto, mediante a emisso de sentenas e
acrdos judiciais, e o poder de regulamentar e aplicar de ofcio as
leis. importante ressaltar que as atividades do Poder de Governo
requerem, alm da mediao das Cmaras, a do Poder do Prncipe,
para que se revistam do necessrio carter de universalidade
imprescindvel manifestao estatal.
nesse contexto, portanto, que o Poder Legislativo
definido, no 5 300, como totalidade: "No Poder Legislativo como
totalidade, o que primeiro se faz sentir a ao dos dois outros
momentos: o do elemento monrquico, pois a ele pertence a suprema
deciso; o do Poder governamental, pois ele que delibera graas ao
conhecimento concreto que possui e sua viso do conjunto e dos
aspectos particulares, com seus princpios reais bem estabelecidos e
a sua informao daquilo de que os Poderes pblicos carecem. Por
outro lado, intervm, enfim, o elemento das assemblias de
ordens"(28).
Como se depreeiide claramente da definio do Poder
Legislativo, como totalidade encarregada do "suporte universal da
universalidade da vida do Estado, o lugar onde a universalidade
poltica se determina sob forma universal"(29g',
o papel reservado s
Cmaras parcial e meramente assegura a mediao entre o Estado e
a estrutura orgnica da sociedade, no sentido de que a deciso do
Prncipe no se torne arbitrria. Hegel submete o funcionamento das
Cmaras a reservas no sentido de preserv-las contra os perigos de
uma virtual oposio entre as mesmas e o Governo. C\mo diz
Rosenfield, traduzindo o pensamento de Hegel, "aqueles que opem
a assemblia dos Estados ao governo so os que no compreenderam
que o Estado uma unidade substancial que se determina segundo
um pensamento da cidadania que d a todos os indivduos a
OS)
(29)

HEGEL, G. W. Op. cit., p. 272.


ROSENFIELD, D. Op. cit., p. 248.

I
!a

possibilidade de agir a partir de uma experincia da liberdade. Na.


verdade, no se trata apenas de um problema de compreenso, na /
medida em que estas teorias podem impedir uma apreenso i
conceitual do fundamento 6tico. Hegel dirige-se s atividades que se
fundam sobre estas teorias, pois, pela importncia que elas atribuem
a cada um dos Poderes do Estado tomados separadamente, terminam
por questionar a prpria Constituio, ou seja, a defesa parcial da
particularidade compromete a liberdade de todos'Y30).
$Dessa forma que na Monarquia Constitucional, tal como
descrita pela razo hegeliana, todos os negcios e Poderes particulares do Estado encontram a sua unidade definitiva na pessoa do Monarca; ele representa o momento da deciso suprema, da resoluo
cabal com respeito a todas as coisas, o momento da "pura vontade
sem nenhum acrscimo". Aqui a figura do Monarca manifesta a
unidade pura e simples do Estado, e, enquanto essa unidade no pode
ser exclusivamente alegrica, deve iicretizar-se na vontade de uma
nica pessoa fsica: o Prncipe. as deixemos o prprio Hegel
expressar-se sobre a figura do Prncipe na Monarquia Constitucional:
"$ 278 - Nem para si nem na vontade particular dos
indivduos tm os diferentes Poderes e funes do Estado existncia
independente e fixa: a sua raiz profunda est na unidade do Estado
como eu simples deles. So estas as duas condies que constituem a
soberania do Estado.
$ 279 - Comeando por ser pensamento universal desta
idealidade, a soberania s chega existncia como subjetividade
certa de si enquanto vontade abstrata, por conseguinte, na
autodeterminao infundada que a finalidade da deciso se enraiza.
E este o aspecto estritamente individual do Estado, e, apenas em
virtude desse aspecto pode o Estado se manifestar como unidade.
Entretanto, s como sujeito a subjetividade verdadeira, apenas
como pessoa verdadeira a personalidade, e em uma Constituio
que se tornou madura como realizao da racionalidade, cada um dos
trs momentos do conceito tem a sua encarnao real e separada para
si. Portanto, tal elemento absolutamente decisivo do conjunto no a
individualidade em geral, mas um indivduo singular: o M~narca'~~').

&

0''
"')

ROSENFIELD, D. Op. cit., p. 250-251.


HEGEL, G. W. Op. cit., p. 251-254. No que se refere ao 8 279, dada a
ininteligibilidade da traduo portuguesa, procedemos traduo do
mesmo pargrafo na edio dos Prirzcbios da Filosofia do Direito de
Hegel constante da coleo Great Books of the Westem World, Vol.
46, p. 93, Encyclopaedia Britannica Inc. The University of Chicago, 31'
edio, 1989.

E 6 precisamente nas Monarquias Constitucionais propriamente ditas, na Frana das Cartas de 1814 e 1830, da primeira e
da segunda restauraes monrquicas, nas Monarquias alems
reunidas em federao em 1871, qiue a doutrina do Direito Pblico
buscar erigir em conceito preciso a sano do Cliefe de Estado
monrquico na formao da lei, consoante s linhas mestras da
concepo hegeliana da distinZlo dos Poderes estatais como
momentos de uma mesma uiiicrlade orgnica, nos quais se
especializam as funes pblicas tinidas pela pessoa do Monarca,
enquanto personificao do Estado, nico rgo capaz de dotar as
manifestaes estatais do carter (de solenidade, universalidade e
imprio que, por natureza, requerem.
Vejamos agora como essa doutrina, mormente na sua
manifestao jurdica mais sofisticada - a doutrina alem da Teoria
Geral do Estado - enfocou o nosso instituto.

2.3 A sano rgia como o fiat jurdico da lei.

Embora obieto da reflexo de autores da estatura dos liberais


doutrinrios, Benjamin Constant, C1
ambos a propsito
da Carta francesa da Restaurao, de 18 14, e Alexis de Tocaueville,
que a compara ao Poder atribudo a Presidente dos E.U.A que
designa por veto(32),e ainda da pena de vrios autores
Muito embora a preocupao poltica desses autores no que se refere
sano seja basicamente a mesma dos autores alemes, evidente a
ausncia de rigor terminolgico em seus textos, expondo exclusivamente
os argumentos de ordem diretamente poltica para a defesa deste ou
daquele tipo de interveno do cliefe do Estado no procedimento
legislativo. Assim que , apenas a titulo de exemplo, pode-se ler em:
CONSTANT, Benjamim. Cours de1 politique constitionnelle. tomo I ,
'"~aris:
Guillaume et cia. 1872. p. 186-181:
"Le veto est donc ncessaire, et i1 cloit tre absolu, taiit pour la dignit
du moilarque, que pour l'excution des lois mmes. Plusieurs lois sont
importantes, surtout l'poqiie o elles sont faites. C'est alors que l'on
sent ou que l'on croit sentir leur ncessit. Le veto suspensif, qui
ajoume un temps loign une loi que ses auteurs disent urgente, parait
une vritable drision: Ia question se dnature; on ne discute plus Ia loi,
seu1 discute sur les circonstances.
L'exercice du veto absolu repose sur une assertioli raisonnable: la loi
est )nauvaise,je Ia repousse. L'exercice du veto suspensif qui se borne
dire: je n'aciopte telle loi qit' telk poque loigne prend souvent un
caractre d'absurdit. Les auteurs cle Ia loi fixent alors l'attention du
(32)

ultramonarquistas sob o imprio das chamadas ordenaes de julho,


a Carta francesa de 1830, na realidade, uma tentativa de construo
terica mais rigorosa do instituto, no nvel da Teoria Geral do
Direito, no se verifica, at as ltimas dcadas do sculo passado,
com o advento da obra da escola alem do Direito Pblico. Essa
escola postulava o Orgariicismo Jurdico no plano da construo
puramente conceitual, pressupondo o mesmo~contextofilosfico-1
romntico do liberalismo doutrinrio e do organicismo social, mas1
que, ao adotar o epteto positivista - conveniente e adequadamente
6
reduzido a sua acepo tradcional no mbito jurdico, em que E
designa to-s a norma posta, o direito positivo - buscou tomar
emprestado da corrente filosfica positivista, que poca gozava de
grande reconliecimento, o prestgio da construo cientfica para as
suas anlises puramente dogmdticas e fundadas na concepilo
analgica do Estado como pessoa, como organismo jurdico vivo e
construo que empreende do conceito de sano,
mormente graas ao labor doutrinrio de dois dos seus maiores
expoentes, Labaiid e Jelliiiek, , a um s tempo, um exemplo do

articulado/^

peuple, non sur Ia loi sur laquelle ils auraieiit tort, mais sur l'poque
qui semble leiir donner raison. Prenons pour exeinple 1111 dcret fameux
et funeste, celui qui atteignit les prtres en 1792. Si le roi eut pu lui
opposer un veto absolu, la seule question eut t la bont intrinsque de
la loi; et certes, i1 n'eut pas t dificile d'en prouver l'injustice. Mais le
roi n'tant investi que du veto suspensif, on n'examinait plus Ia loi en
elle-mme; on disait: Les prtres agitent Ia France aujourd'hui, et le roi
refuse de les rprimer avant deux ans."
CHATEAUBRIAND, Frangois R. Lu rnonorcliie selon la chartre in
Oelcvres de Chateaubriand, tomo XV, Paris: Dufour Mulat et Bolanger
Editeurs, 1891. p. 1421143:
"L'initiative et la sanction de la loi sont visiblemerit incompatibles; car,
dans ce cas, c'est la couronne qui approuve ou dsapprouve son propre
ouvrage. Outre l'absurdit du fait, la couronne est ainsi place dans une
position au-dessoiis de sa dignit: elle ne peut confirmer un projet du
loi que les ministres ont dclar tre le fruit des mditations, avant que
les pairs et les dpiits n'aient examin, et pour ainsi dre approuv ce
projet de loi. N'est-i1 pas plus noble et plus dans l'ordre que les
Cliambres proposent Ia loi, et que le roi la juge? 11 se prseiite alors
comme le grand et le premier lgislateur, pour dire?'cela est boiz, cela
est mauvais; je veux ou je ne veta p a s y ~ l ~ a c uconserve
n
son rang: ce
n'est plus un sujet obscur qui s'avise de contrler une loi propose au
nom du souverain maitre et seigneur.
L'initiative, loin d'tre favorable au triie, est donc antimonarchique,
puisqu'elle dplace les pouvoirs: les anglais l'ont trs-raisoimable~nent
attribue au Chmnbres".

I
I

brilhantismo da escola e da sua profunda insero poltica, conforme


a crtica que lhe dirige Kelsen em sua Teoria Pura do Direito. Em
virtude do prprio conceito de Monarquia Constitucional que
adotam, enquanto forma de Estado na qual, do ponto de vista formal,
a soberania orgnica e indivisvel se configura na pessoa do
Monarca, a Suprema Cabea do Estado (Das Staatsoberhauvt), esses

ainda que de forma aproximativa e metafrica, como o iter, o


caminho de formao da lei, no qiial reconliece etapas distintas,
todavia atomisticamente consideradas,,critica, nesses autores, , o fato
de no reconhecerem o carter iurdico ao trabalho desenvolvido
pelas Cmaras, no entanto, conserva o conceito de sano como
aquela participao do Chefe de Estado Monrquico insupervel e

TOCQUEVILLE, Alexis de. Deinocrncia na Amrica. Belo Horizonte:


Itatiaia, 1962. p. 99:
"O rei, na Frana, constitui realmenie uma parte do Soberano, pois as
leis de maneira alguma tm existncia, se ele recusa sancion-las; ele,
ademais, o executor das leis. O presidente de igual forma, o executor
da lei, mas realmente no concorre Fiara faz-la, pois, ao recusar o seu
assentimento, no pode impedi-la de existir. No faz parte, pois, do
Soberano; apenas um agente seu.
No apenas ocorre ser o rei, na Frana, uma parcela do Soberano, como
participa ainda na formao do Legislativo, que sua outra parcela.
dela participa nomeando os membros de uma cmara e fazendo cessar,
sua vontade, a durao do mandato da outra. O presidente dos Estados
Unidos em nada concorre para a forniao do corpo Legislativo, e no
seria capaz de dissolv-lo. O rei divide com as Cmaras o direito de
propor a lei. O presidente no tern de maneira alguma iniciativa
semelhante. o rei representado, no seio das cmaras, por certo nmero
de agentes que expem a sua opinio., apoiam os seus pontos de vista e
fazem prevalecer as mximas do governo. O presidente no tem sequer
entrada no Congresso; seus Ministros, como ele prprio, so excludos
dele, e soineiite por vias indiretas que se faz penetrar naquele grande
corpo sua influncia e seus conselhos.
O rei de Frana est, pois, em p de igualdade com o Legislativo, que
iio pode agir sem ele, como iio poderia agir sem o Legislativo. O
presidente situado ao lado do Legislativo, como um Poder inferior e
dependente".

imprescindvel formao da lei. Configura, assim, a lei, nessas


hipteses constitucionais, como tendo a natureza de um ato
complexo, composto da deliberao das Cmaras e da sano do
Monarca. Tais autores localizam-se, portanto, naquele primeiro
momento da doutrina sobre o procedimento legislativo que recorrer
metfora para explicar o que ainda no consegue conceitualmente
apreender. O procedimento concebido como o caminho, o iter/
Paul Laband, no seu Das Staatsreclzt des Deutschen Reiches, de
1876, fala no Weg der Gesetzgebung. A metfora ainda mais
obscurecida pelo destaque do ato ou dos atos finais que aperfeioam
a meta perseguida, a lei, enquanto comando estatal imperativo,
universalmente vinculante/carr de Malberg busca melhor precisar
esse iter legis, o caminho que, percorrido por aquele algo em suas
diversas etapas - a iniciativa, a deliberao, a adoo, a promulgao e a publicao - poderia, ao final, transformar-se em lei.
Conquanto admitam que, em sentido amplo, todas essas etapas
integrem a via legislativa - enquanto elementos desse mesmo
caminho, medida que o concurso de cada uma delas e a sua reunio
total so requeridos para que uma determinada proposio normativa
seja erigida condio de Iei - nem todos seriam atos de verdadeiro
Poder Legislativo. Buscam, ento, relegando o procedimento mesmo
para a sombra da mera metfora, determinar qual ou quais desses
atos guardariam efetivamente natureza legislativa, ou seja, "para que
uma operacin que concurre a Ia confeccin de la ley deba definirse
como um acto de potestad legislativa no basta que ponga a esta
potestad em movimiento, o que prepare la adocin de Ia ley, o que
tienda a poner en vigencia a la ley ya adoptada, sino que es necesario
que sea, de manera inmediata, uno de 10s elementos constituitivos de
la decisin imperativa de donde proviene directamente la ley, y que
presente por si misma 10s caracteres de um maiidamiento
Legislativo. Unicamente esta decisin que Ileva en si mandamiento
E nesse contexto que a sano merecer-_
es un acto Legi~lativo"'~~).
ateno especial desses autores, enquanto elemento por exceltcg
capaz de proceder aofiat juridico da mera proposio normativa, ou,
no mnimo, como um desses elementos ao lado da deliberao das
Cmaras/

(33)

MALBERG, Carr de. Teoria General de1 Estado. Ciudad de Mexico:


Fondo de Cultura Econoinica, 1948. p. 354.

2.3.1

O instituto da saniiio na Teoria Geral do Direito


Pblico das monarc~uiasalenis

Antes de passarmos anlise das teorias especficas que pela


primeira vez buscaram apreender conceitualmente a natureza da
sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo, enquanto
instituto que configuraria um unicum jurdico, determinando as
regras de validade cientfica do emprego desse vocbulo, dada a
distncia que delas nos separa, no apenas a geografia e o tempo,
mas todo um universo cultural que a elas emprestava sentido e
insero poltica e jurdica relevalite, importante que busquemos
capt-las no contexto histrico e dloutrinrio datado em que foram
construdas. Apenas mediante tal coiitextualizao poderemos
apreender o sentido mais geral de: que se revestem essas teorias,
quando buscam reduzir, do ponto de vista doutriiirio, o papel
poltico coiistitucionalme~itereservado s Cmaras representativas
enquanto drgos legislativos, emboin tal reduo no afetasse, ainda
que minimamente, as competncias de tal natureza a elas
constitucionalmente atribudas e pelas mesinas exercidas. Antes,
pelo contrrio, como comprova Chistian Starck em seu profundo e
lcido ensaio, a cuja leitura remetemos o leitor'34),devido a outra
construo doutrinria da lavra dessa escola, a distino coiiceitual
entre lei em sentido formal e lei 1:rn sentido material, mediante a
qual reservavam-se primeira todas as matrias atinentes liberdade
e propriedade dos sditos, conso,ante latitude emprestada a tais
termos, tornou-se possvel alargar significativamente o mbito de
atividade das Cmaras, no que dizia respeito aos interesses diretos da
sociedade civil. Quanto a n6s, re:ssalvada a virtual contribuio
progressista dos mesmos possibilidade de deseiivolvimento e de
redefinao dos interesses da sociedade civil alem da poca, aternos-emos, em virtude da exigncia, posta pelo prprio objeto de
nosso estudo, anlise do significado que essa doutrina buscou
atribuir dimenso pblica das rela6es entre as Cmaras e o
Monarca. Apenas, de se ressaltar, ainda, que no h qualquer
contradio entre as duas anlises, pelo contrrio, as mesmas se
completam, pois, como j tivemos ocasio de verificar inmeras
vezes\'na viso preponderante dos Iiomeiis do sculo XIX. haveria
uma verdadeira ciso entre a dimei
(34)
i

STARCK, Christim. E1 concepto de ley eri Ia constitncion Aleinana.


Madrid: Centro de Estudios Co~istiitucionales,1979.

social. Essa ciso fornecer, inclusive, no mbito especfico do


Jurdico, o estofo da crtica de Kelsen dirigida s teorias ainda
subsistentes em sua poca, que insistiam em fazer do Direito Privado
o verdadeiro Direito, posto que supostamente natural, verdadeiro em
si mesmo, em co~itryosioao Direito Pblico, mera construo
poltico-no~mativa(~~)./Na
realidade'hoje nos possvel constatar
que, obviamente, essas duas esferas se interpenetravam e se
completavam, permitindo, naquelas sociedades menos evoludas e
em que os privilgios e monoplios ainda se prestavam mtuo apoio, .\(
a formao de uma forte e centralizadora direo poltica que, se, por v/
um lado, buscava preservar tais privilgios, por outro, no poderia
deixar de redefini-10s e amold-los s novas direes impostas por
sua reinsero no mutvel sistema econmico e poltico mundial.//
Assim, buscaremos, com Joseph Barthlem~<~~),
traar as linhas
gerais do contexto histrico-doutrinrio no qual essas teorias se
forjaram.

2.3.1.1 A doutrina do Direito Pblico nas Monarquias


alems - delineamento geral
Como nos informa Donato Doiiati, "o Imprio Germnico foi
proclamado em 18 de janeiro de 1871, e a sua Constituio data de
16 de abril do mesmo ano, que assinalou a transformao da
precedente Confederao Germnica liderada pela Prssia em Estado
Federal. A Federao compunha-se de vinte e cinco Estadosmembros, dos quais trs eram Repblicas: as cidades livres de
Brema, Hamburgo e Lubeca; vinte e dois eram Monarquias
variadamente denominadas: quatro Reinos: a Prssia, a Baviera, a
Saxnia e o Wurtemberg; seis Gro-ducados: Baden, Axia,
Mecklemburg-Schwerin, Saxnia-Weimar-Eisenack, MecklemburgStrelitz e Oldemburg; cinco Ducados: Bruiiswick-Luneburg,
Saxnia-Meiningen, Saxnia-Altemburg, Saxnia-Coburgo e Gotha,
e Anhalt; sete Principados: Schwarzburg-Sondeshausen, Hessen,
Schwarzburg-Rudolfstadt, Waldeck, Reuss-Csreiz, Shaumburg-Lippe
e Lippe. Alm dos Estados federados, com a lei de 9 de junho de
1871, a Alscia-Lorena torna-se territrio do Imprio. Cada um dos
(35)

9.

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 4%di~$io.Coimbra: Armnio


Amado Editor, 1979. p. 378 e ss.
BARTHLEMY,Josepli. Les thories royalistes dans la doctrine Alle-

'%Q 758.
mande contemporaine. In: RDPSPFE. tomo 22, 12' ano. 1905. p. 717-

Estados federados tinha a sua prpria Constituio e, portanto, organizao poltica especfica, gozava de autonomia e, inclusive, do
direito de enviar e receber embaixadores e de firmar contratos
internacionais, desde que limitad g aos negcios particulares e
restritos do Estado contratante"(37' Buscaremos traar uma sntese
das teorias s diversos autores r felrentes s distintas Constituies
monrquicas. \Ora, variando as limilaes constitucionais que cada
Soberano se i ps, variam com elas os diversos tipos de Monarquia
Constitucional que ali tiveram lugar, apresentando uma gradao que
vai da Constituio do Reino da Baviera, por exemplo, uma das mais
prximas da Monarquia Absoluta, passando pelas Coiistituies dos
dois Gro-Ducados Mecklem-burgueses, que se encontrariam
precisamente no centro da escala, at a do Gro-Ducado de
Oldemburg, que se localizaria na ouika extremidade, como uma das
mais liberais. Contudo, no consiste apenas no nmero e na
importncia das limitaes que o prprio Monarca se imps a
diferena entre tais C nstituies monrquicas, j que todas foram
outorgadas. Portanto embora os detalhes do direito positivo variem,
a doutrina reconhece os mesmos princpios fundamentais na base de
todas as Monarquias alems, o que permite, tambm, como o faz
Bartlilemy, apresentar, basicamente, como uma nica construo
jurdica, a sntese das teorias que autores de nacionalidades diversas
forjaram a partir das Constituier; particulares. E esse mesmo
tenha contribudo para que a Teoria Geral do

",

teorias sobre a Monarquia


as Constituies modernas no

@n DONATI, Donato. Corso di costituzic;nistraniere - la costituzione deli'


Impero germanico. Padova: Editrice Universitaria, 1926. p. 1 e ss.

titucional, quando a Constituio no houvesse previsto uma situao


nem expressamente atribudo uma determinada conseqncia
prtica ou omisso de algum ato, seria necessrio remontar ao direito
anterior Constituio, principalmente quando a dvida ou omisso
desse origem a conflitos insolveis entre os rgos que o Soberano
mesmo criou, podendo implicar grave perigo ou paralisao da vida
do Estado. Mas o que seria esse direito anterior Constituio ? Ele
pode ser resumido naquilo que Jellinek e Laband denominam
Princpio Monrquico, Das Monarchische Princip, que encontra a
sua pureza total no Estado Absolutista anterior Constituio. A
partir desse princpio que o direito de expressar a vontade do
Estado pertence ao Rei e apenas ao Rei. Da decorre diretarnente
que, no regime posterior Constituio, o Prncipe possui todas as
competncias que no lhe tenham sido expressamente retiradas pela
Coiistituio outorgada, enquanto os demais rgos do Estado, em
especial a Assemblia Representativa, o Landtag, s tm as
competncias formal e expressamente a eles atribudas pelos textos
constitucioi~ais.Essa presuno de competncia residual do
Monarca, oriunda da outorga constitucional, revestia conceitualmente a verdade brutal de que, nas Monarquias Constitucionais germnicas, ao contrrio da inglesa, por exemplo, em que
deve estar submetido a lei, pois a lei que faz o Rei", o Monarca no
encontraria o fundamento dos seus poderes na Constituio, que,
pelo contrrio, apenas limitaria aqueles poderes ancestrais e vlidos ' .1 '4 '
em si mesmos. ~ a terceira
b
regra de interpretao
que seria a da ausencia do reconhecimento de qualquer parcela de /%h,
poder ao povo. Naqueles pases em que a Constituio representou o
resultado de movimentos populares e comoes sociais, o Prncipe se
viu obrigado a partilliar o seu poder com o povo ou com os seus
representantes. No entanto, tal no ocorreu nas Monarquias alems.
Nessas organizaes polticas, que Jellinek denomina "Estados
monrquicos resistentes", a outorga da Constituio no supe
qualquer partilha do poder estatal, o Princpio Monrquico mantido
na sua inteireza, intacto. de se ressaltar que a representao desse
princpio como uin princpio histrico-poltico, no tendo outro valor
que aquele consubstanciadono art. 52 do Ato Final de Viena de 1820
- que declarava a separao dos poderes imcomptivel com a forma
monrquica de governo - no impediu que o mesmo fosse elevado
condio de princpio lgico, verdadeiro dogina poltico-jurdico. E
, assim, afirmado que o Das Mortarclzische priiicip poderia ser
contraposto, com igual fora, aos princpios da Soberania Popular e
da Separao dos Poderes, postulados e difundidos pela Revoluo

constitucional^ Q t( ,

I\

; Francesa. Seria ele, portanto, a base dos edifcios constitucionais da


Alemanha e da ustria. Apresentado como dogma lgico-jurdico ou
postulado histrico-poltico, seu contedo sempre o de se
considerar o Prncipe como tendo conservado, em si mesmo,
iiitocado, todo o Poder pblico. Georg Meyer qualifica de
fundamentais (grundsatz), tais psoposies e, referindo-se ao
Prncipe, diz: "Ele rene em sua pessoa a soma da majestade e do
Poder do Estado", o que, na verdade, no mais do que uma
parfrase de dispositivos dos textos constitucionais, s vezes, at
mais enfticos: "O Rei rene em si todos os direitos do Poder Soberano" estatui a Constituio do Reirio da Baviera (tit. 11, lQ);"Ele
exerce todos os direitos do Poder Soberano", afirma a Constituio
do Reino da Saxnia ( 6 9 ; "Ele rene todos os direitos da
soberania", proclama a Constituio do Reino de Wurtemberg ( 4Q),
em termos semelhantes s das demais Monarquias, como a do GroDucado de Badem (
dos Ducados de Oldembu g (art. 4*, 27, da
Saxnia-Goburg e Gotha ( 39, e assirn por diante
O mesmo princpio se encontraria, port , to, na base de todas
as Constituies, mesmo daquelas que no o formulassem de
maneira expressa, especialmente a Constituio do Reino da Prssia,
em que a simples articulao do disptosto nos arts. 45, 62 e 86 revela
a norma de que ali tambm o Rei rene em si os Poderes Legislativo,
Executivo e Judicirio. Todavia, colmo assevera Barthlemy, esse
princpio pode ser mais facilmente extrado da prpria histria das
Monarquias germnicas, principalimente da histria da realeza
prussiana, do que dos textos constitucionais.
Conclui, portanto, a doutrina com base no Princpio
Monrquico de tal modo afirmado, que o Landtag no pode ser
considerado como co-partcipe do Rei no exerccio do Poder estatal,
no poderia figurar ao seu lado como Mittrager da soberania,
consoante tradicionalmente assumido na Monarquia Constitucioiial
i n g l z , exemplo.
,
s tericos mais destacadois, como Laband e Jelliiiek,
bus o demonstrar, ao nvel da Teoria Geral, que esse dualismo
seria inadmissvel, no apenas em face dos textos constitucionais
especficos das Monarquias Constitucionais alems, mas logicameiite
inconcebvel. A caracterstica essencial do Estado a de constituir
uma unidade. Ento, o Poder est<atal essencialmente uno e
iiidivisvel. Uma divisio dos Podere,~suporia, como para Hegel, a
partilha do Estado em fraes , tendo cada uma frente um
Soberano. Ora, constituindo o Estado, por definio, organismo vivo,
uma unidade, no se poderia admitiir a possibilidade de que fosse

dotado de mais de uma nica cabea: "La Soberana es una


propriedad que no es susceptible ni de aumento iii de disminucin.
Es logicamente um superlativo que no puede dividirse - (...) He
aqu por que no hay ninguna soberania dividida, fragmentaria, disminuida, limitada, relativa" afirma Jelli~lek(~~).
Tal teoria
apresentada como se originando naturalmente dos fatos, ela seria,
apenas, a sistematizao dos ensinameiitos da realidade Iiistrica,
pois esta "reflexin abstracta, a1 igual de otros muchos principias de
la doctrina de1 Derecho Pblico, es e1 resultado de una larga
experiencia poltica; la teora solo ha hecho formular y justificar de
una manera sistemtica a posteriori, 10 que la realidad Iiistrica nos
Por outro lado, a teoria da
ha enseado de cien manera~"'~~).
divisibilidade do Poder estatal, apresentada como pura construo
tedrica que no derivaria de experincia poltica anterior, teria sido
forjada exclusivamente para a consecuo de fins polticos e viria
contrariar, desse modo, os mais elementares ciioiies da pesquisa e
dos postulados positivistas clssicos do que, acreditavam ento,
correntemente na poca, se devesse constituir a cincia: "la doctrina
de la divisibilidad de1 Poder de1 Estado ha sido expuesta dos veces
eii vista de fines polticos. La Primera, para fundamentar e1 Estado
Constitucional; la segunda, para coiistruir e1 Estado Federal. Aqulla,
es una teoria nacional determinada por su origen a crear un tipo ideal
de Estado; sta, indica uii primer eiisayo para compreender una
nueva formacin poltica, que no era posible cupiese eii las antiguas
teorias'Y40). Ora, como ressalta Barthlemy, "on peut dire d'ailleurs

(40)

JELLINEK, Georg. Teoria General de1 Estado. Buenos Aires: Albatros,


1954. p. 373.
JELLINEK, Georg. Op. cit., p. 373.
JELLINEK, Georg. Op. cit., p. 373.
Como observa Otto Kimminicli, mesmo Jellinek tal como "Gierke e
todos os representantes da teoria organicista do Estado estavam errados
quando acreditavam que poderiam desenvolver suas teses como
conseqncias e aperfeioamentos naturais das concepes antiga e medieval. Esta autocompree~iso encontradia em todos os
representantes da teoria orgaiiicista do Estado. Em sua opinio eles
teriam jogado luz em um fenmeno do qual as geraes antigas tinham
apenas vaga conscincia e o definiram cientificamente. Bluntsclili
lamentou o fato de que embora os povos polticos sempre tenliam tido
uma idia do Estado-Organismo, essa intuio restou oculta para a
cincia por um loiigo tempo (Bluntscl~li,Teoria Geral do Estado,
1.886)". KIMMINICH. Otto. Das Staatsoberliaupt in der
Parlamentarischen Demokratie. Veroffentlicliungen der Vereinung der
Deutschen Staatsrclitsleher. Heft 25: Berliii, 1.967, p. 10.

qu'il n'y a pas de thorie sur Ia souverainet ou sur Ia reprseiitation


qui ne soit pas influence par de:s ides poli tique^"(^'). A seguir,
Jellinek se reporta distino por ele habilmente construda entre os
conceitos de Poder do Estado, enquanto contedo da soberania, e o
da prpria soberania, enquanto continente daquele, para afirmar que
da Separao dos Poderes, tal
a primeira teoria. a clssica -Teoria
como entendida a partir de Montesquieu, assentar-se-ia na velha
confiuo entre esses dois conceitos por ele recunhados, j que
pressupunha a identificao de ambos. essa distino conceitual
que permite a Jellinek conservar intacto o Princpio Monrquico,
enquanto o Monarca seria a nica cabea do organismo estatal,
comandando, portanto, os demais irgos que em seu nome exercem
funes do Estado necessariamente especificadas a princpio,
construindo a Teoria das Funes do Estado a partir de tais
premissas. Tal teoria ter futuro proifcuo, visto que ser acolhida em
suas linhas bsicas, de forma absolutamente prevaleiite, no sculo
XX. Esse fato devido, antes de tudo, ao advento do chamado
Welfare State, novo modelo de organizao estatal cujas primeiras
manifestaes constitucionais sisteniticas podem ser reconhecidas,
precisamente, nas Constituies de Quertaro, do Mxico, de 1917 e
da Repblica alem de Weimar, de 19 19(42).
Essas Constituies vm
colocar termo no apenas ao Estado configurado como mero Gendarme, segundo o modelo liberal, mas s ltimas Monarquias
Constitucionais europias, aquelas germnicas. Como afirma
Mirkine-Guetzvitch, "a Europa de 1918 sai da guerra perturbada
pela derrota dos Imprios centrais, pela Revoluo Russa, pelo
deslocamento da Monarquia danubiiana, por todos os movimentos
nacionais, sociais, revolucioiirios ou reacionrios que se
manifestaram com a vitria dos aliados. Sob a influncia de fatores
comuns, nacionais e internacionais, materiais e ideolgicos, e nas
mesmas condies polticas e sociais, a Europa conhece um grande
movimento constitucional"(43).Devido a um sem-nmero de fatores
histricos, sociais, econmicos, jurdicos, portanto, culturais, inclusive universalizao do sufrgio, ao fim da soberania monrquica e
-(41)

Cd2)

(43)

BARTHLEMY,Joseph. Op. cit., p. 726.


TRUEBAL URBINA. La Priinera Constitucin Politico Social de1
Mundo. Mxico, 197 1 .
MIRKINE-GUETZ~VITCH,Boris. Les nolivelles tendances du Droit
Constitutionnel. 2' edio. Paris, 1936. cap. I.
MIRKINE-GUETZ~VITCH,~ o r i s ~. v o ~ u Constitucional
o
europia.
Rio de Janeiro: Jos Koufino, 1957. p. 27.

ao advento de um Estado - a U.R.S.S., que nega co~~stitucionalmente, de forma expressa, os doginas liberais da propriedade privada
e da liberdade, tal como postos, enquanto alicerces de toda a
doutrina clssica, torna-se necessrio aos Estados de democracia
clssica proceder ampliao das tarefas desse mesmo Estado, agora
instrumento de planejamento, interveno e assistncia econmicosocial. Nessa nova configurao histrica assumida pelo Estado, no
mais poderia subsistir inclume a clssica Teoria da Separao dos
Poderes, inerente ao Estado liberal, da a adoo, absolutamente
prevalente, com o tempo, da doutrina da escola alem da Teoria
Geral do Estado que a reconstura nos moldes indicados por Hegel,
embora em terreno agora tendencialmente democrtico, enquanto
mera distino das funes estatais que se interpenetram,
necessariamente, em proveito da necessidade de governos fortes que
promovam uma maior centralizao do Poder poltico, possibilitando
o desempenho desses novos papis, ao viabilizar decises polticas
coerentes entre si e dotadas
rapidez e agilidade requeridas pela
realidade eco~imico-social2 feliz destino de uma doutrina,
contudo, no prova mais do que o fato de que a mesma foi
considerada como tradutora da verdade de um determinado perodo
histrico, e no que co stitua uma verdade absoluta eternamente
vlida por si mesma./~lis, o nosso momento presente, de
redefinio de um novo liberalismo, vem colocando em xeque as
verdades constitucionais desde ento assentadas e desenvolvidas.
Dessa forma que, para entendermos o tratamento reservado ao
instituto da sano por essa escola, no podemos anacronicainente
tomar a sua Teoria das Funes do Estado como verdade absoluta,
porque historicamente aceita durante dcadas aps a sua formulao

"%

seja, o Poder dos Monarcas, em face do perigo da expenencia ja


aJ
alterar a prpria forma de Governo, ao relegar o Soberano ao
exerccio de um papel apenas simblico de representao nacionay
Era necessrio, no Estado de Bismarck, afirmar que o Poder real do
Prncipe, enquanto nico depositrio da soberania, seria o de reinar,
governar, legislar e administrar. Bartlilemy busca explicar tal
orientao doutrinria no s pelo fato de que, naqueles Estados que
dese~ivolvemuma poltica externa agressivamente imperialista, fazse necessrio um Executivo forte, tal como no momento de uma

'
I
I

batallia os soldados se renem em torno de seu comandante, mas


tambm por uma exigncia que decorria da estrutura mesma do
Estado federal alemo. Era preciso, com efeito, que a poltica dos
Estados-membros fosse concorde com a poltica geral do Imprio, e
essa coiicordiicia dificilmente podleria ser assegurada se, em cada
um desses, o Lartdtag fosse, atravs de sua eventual maioria, o
condutor da poltica, particularmente no que se refere Prssia, uma
vez que o seu Miiiistro de assuntois estrangeiros era tambm o do
Imprio; se se admitisse o regime parlamentar de governo no Reino
da Prssia, o Landtag local seria de fato o condutor da poltica
exterior do Imprio. A lgica exigiria que o regime parlameiitar
fosse igualmente admitido no Imprio. mas qual seria a situao de
um Ministro do Exterior minoritariamente aceito no Lmzdtag
prussiano e contando coin apoio da maioria do Reichstag? Tal
situao seria incompatvel com os fatos e politicamente
inconveiiiente, j que lainbin o progresso do marxismo e a entrada,
nas Assemblias, de represeiitanles do partido socialista
desaconselhavam o acolhimento do Parlamentarismo e os autores,
ento, buscavam demonstraram a sua incompatibilidade com os mais
elevados princpios coiistitucionais. Em 1862, Bismarck assume a
direo dos negcios pblicos. Da mesma forma que os Ministros de
Luiz XVIII, na Frana da Carta de 1814, ele se declara Ministro do
Rei e no da maioria parlamentar, porm, de forma mais feliz do que
aqueles, soube prescindir do apoio dessa maioria e governar sem ela,
bastando-lhe a confiana do Rei(44).Assim graas a um coiijunto de
fatores de toda ordem, econniicos, sociais e culturais, as
monarquias germnicas conservaro a natureza de autnticas
at o advento da Repblica. Dessa
Monarquias Co~istitucio~iais
forma a teoria das relaes entre o Rei e as Cmaras dominada, em
todo o perodo, por doutrinas bastante peculiares e especficas desses
reinados sobre a soberania e a irepreseniao popular, embora
revestidas da forma de teoria geral. Jelliiiek, coin a sua Teoria Geral
do Estado, torna-se um dos mais resolutos adversrios do princpio
da Separao dos Poderes tal como entendido na doutrina liberal
clssica, buscando demonstrar a unidade da soberania e do seu
contedo, o poder estatal, admitida pela maioria da doutrina, desde a
escola jusracionalista, e que terininairia por se impor de fato, mesmo
naqueles pases em que se pretirndeu afirmar o princpio da
Separao dos Poderes. Como teria ocorrido com a Constituio
(44)

B ARTH~LEMY,Josepl~.Op. cit., p. 720.

162

francesa de 1791, que, coiiquanto afirmasse tal princpio, teria


permitido que, de fato, a soberania fosse integralmente exercida pela
Cmara de representantes. Os Estados alemes encontravam-se
fundados sob o Princpio Monrquico: a totalidade do poder estatal,
portanto, pertencia ao Rei, j que nos Estados modernos,
desaparecida a forma oligrquica, a soberania, enquanto totalidade
do poder estatal, pertenceria seja ao povo, nas Repblicas, seja
pessoa fsica do Rei, nas Monarquias. Na Monarquia Constitucional,
como na Absoluta, apenas o Rei poderia querer em nome do Estado,
com a diferena bsica de que na primeira ele apenas no poderia
tudo querer, pois nela se o Lnndtag iio seria co-partcipe do Rei no
poder estatal, ele seria, no entanto, um fator limitador do poder do
Rei. E seria precisamente no conjunto de limites que o prprio
Monarca teria se imposto que se consubstaiiciaria o regime
Coiistitucioiial. Ele iio pressuporia a diviso dos Poderes, princpio
logicamente inadmissvel, liem tampouco acarretaria, nas
Monarquias alems, a subtrao, ao Rei, de uma parcela do Poder
estatal que apenas ele anteriormente possua, para investi-la em um
outro rgo, o da representao popular. Nas Monarquias alems, a
outorga da Coiistituio foi tomada como equivalente declarao
do Rei de que a sua voiitade s deveria ser considerada como
vontade do Estado, quando se observassem, na expresso de sua
vontade, certas formalidades, como o aval ministerial ou a consulta
s Cmaras para a legislao (Bornhak). Reduzindo a transformao
da Monarquia Absoluta em Coiistitucioiial s formas prestabelecidas do exerccio do Poder pblico, cuja fruio integral o Rei
conservaria, a teoria gerinnica buscou exorcizar da Monarquia
limitada dos Estados alemes os dois princpios bsicos sobre os
quais o co~istitucionalismose apoiava: a sobe iiia do povo e a
Separao dos Poderes, em seu sentido clssico.
k
' A soberania do povo, para Bornhak, o poderia ser, na realidade, nem sequer concebida, pois seria expresso aiitiiimica e
co~itraditila(~~).
O Poder Soberano s poderia, de fato, pertencer a
uma pessoa e como afirmam Seydel e Georg Meyer, o povo no
uma pessoa, o objeto vivo do Poder estatal e no o seu titular(46)
O
Estado supe um sujeito do Poder, que o Rei. e um duplo objeto
desse Poder, o qual compreende um povo localizado so re um
determinado territrio, eis os nicos elementos do Estado. Nesses

?
P/

(45)

(46)

BORNHAK. Prei~ssisclzesStaatsreclit. T. I , p. 134-135, apud . Op. cit.,


p. 734.
apud BARTHLEMY, Josepli. Op. cit., p. 734.

163

elementos, apenas o Rei uma pess a, portanto, apenas ele pode ser
\
o titular da soberania: l'~errscher?lomo
observa, porm, Georg
Meyer, registra Barthlemy, necessrio que no nos deixemos
enganar sobre a absoro desses direitos do Monarca sobre a
populao e sobre o territrio. Anteriormente, as relaes do Rei
com tais elementos revestiam-se da forma patrimonial do Direito
Privado. Na etapa do Direito Pb1ic:o alemo de ento, no mais os
sditos considerariam o Rei como estando acima do Estado; ele no
o senhor do Estado, mas rgo localizado em seu vrtice, ele est
no Estado, dentro dele. Ainda assimi, contudo, se ele exerce o Poder
do Estado, em virtude de um direito prprio, no em representao
de uma outra suposta pessoa, como teria ocorrido com os onarcas
dos pases que admitiam o princpio da soberania popular.
No organismo da Monarquiia Constitucional, 110 entanto,
admite-se um rgo de representaiio popular, o Landtag que, seria
um Volksvertretung, pois resultoui vantajoso em dado momento
histrico admitir que os governados participassem, em certa medida,
do Governo. Essa participao seria justificada apenas por motivos
de ordem prtica, porquanto se asseguraria, por seu intermdio, uma
maior impessoalidade e objetividade ao Governo real, abrigando o
interesse pblico dos eventuais caprichos, do liumor, ou mesmo da
virtual incapacidade da pessoa do Soberano. Tambm para facilitar o
exerccio do Governo e visando consecuo de uma submisso
mais perfeita dos sditos, acreditou-se ser aconselhvel que esses
mesmos sditos fossem chamados a exercer alguma influncia sobre
a formao da vontade soberana. Encontraramos, assim, como
fundamento da Volksvertretung, meros motivos polticos, mas no a
exigncia de um princpio lgico-jiurdico. O objetivo poltico, diz
Bornhak, suficiente para a constnio jurdica de uma instituio.
E foi exclusivamente para responder a tais fins polticos que o
Monarca Constituinte criou o Landtag, a Volksvertretung, e assim,
portanto, seria diretamente da C'onstituio, como um direito
constitucional e especificamente a ella atribudo, que a Representao
Popular receberia as suas competncias. Semelhante concluso
poderia, primeira vista, parecer indicar que as Cmaras de
Representao Popular se encontrariam no mesmo nvel dos
Monarcas, no entanto no seria bem assim. Quando afirmam que o
Landtag encontra o fundamento de seus Poderes exclusivamente na
Constituio, tais autores o fazem apenas para concluir que no seria
do povo que ele os recebe. Objelo pessoal do Poder estatal, os
Unterthaner, os sditos ou cidados, no tm qualquer direito
prprio que llies garanta o exerccio de influncia sobre as atividades

2!l

do poder pblico, pois, muito ao contrrio, so eles o obieto desse


poder. por conse~iicia,a representao dos sditos-no ser
necessariamente organizada de maneira que a vontade individual do
cidado possa diretarnente influenciar o exerccio do poder pblico,
ou seja, os membros do Landtag no tero, como nas antigas
corporaes, mandato na concepo do Direito Privado, o mandato
imperativo, segundo o qual os eleitores poderiam controlar a atuao
do eleito, mas mandato poltico, no sentido do Direito Pblico, onde
representam a generalidade da Nao, e da porque os membros da
Cmara Alta nomeados pelo Rei ou por hereditariedade sero
igualmente representantes do povo sob o mesmo ttulo dos Deputados eleitos, pois no da eleio, mas da Constituio, que
ambos obtm o ttulo de representaiites!'~ idia da representao ,
em suma, diz Boriiliak, uma concepo prpria do Direito Pblico e
no encontra equivalente no Direito Privado, mas, se quisermos
aproxim-la do Direito Privado, o instituto que nos serviria de termo .
de comparao no seria o mandato, mas a representao dos v'/
incapazes. A representao do povo expressa a vontade do povo, do
mesmo modo que o tutor ou curador expressa a vontade do menor ou
do alienado ihterdito. V-se, pois, que o objetivo da teoria o de
reduzir a representao popular a um mnimo e de lhe retirar os
ttulos que pudessem autoriz-la a buscar um papel mais
significativo no sistema das Monarquias Constitucioiiais alems? E
interessante notar que teses bastante semelliarites, defendidas em
outras Monarquias Constitucionais, como a de Edmund Burke, na
Inglaterra, em seus prprios termos reforavam a responsabilidade e
a importncia do papel reservado s Cmaras, quando por meio delas
advogavam a natureza especfica do mandato representativo, contra
o mandato imperativo ainda tributrio de noes privatsticas, por
elevar o representante parlamentar eleito por um determinado distrito
categoria de representante de toda a Nao e no, como na teoria
em exame, em que a representao mesma resulta esvaziada. Assim,
se a Volksvertreturtg s foi criada para satisfazer a uma inteno
poltica do Monarca Constituinte, essa s teria as competncias que
lhe tenham sido expressamente atribudas pela Constituio. Da a
conseqiicia geral de que todas as competncias no previstas, ou
sobre as quais pairassem quaisquer dvidas quanto a sua
interpretao, recairiam na alada do Monarca, enquanto s Cmaras
apenas seria asseguradas as competncias a elas expressamente
coiiferidas pela Constituio e estritamente compreendidas.
No , portanto, sem precedentes histricos, sem um
pensamento poltico anterior solidamente assentado, que os autores

alemes, em suas teorias - sobre as funes do Estado, a Soberania


e a Representao Popular - buscam rebaixar a dignidade terica
das Assemblias, e, menos ainda, por mero amor Cincia Jurdica,
pois se torna evidente, quando as tomamos em conjunto, a ativa e
profundamente retrgrada intencionalidade poltica que as une,
informa e conforma. Se as Assemblias no intervm no jogo
Constitucioiial enquanto representantes do povo, nem tampouco
como titulares do Poder Legislativo, elas se limitam a assegurar a
observncia de uma mera formalidade exigida pela Constituio e,
como diz Barthlemy, se essa formalidade viesse a ser violada,
ningum seria competente para se qiueixaP7).
Se, como ensina Jellinek, tcida a vida devesse provir de um
nico centro, no seria possvel, em uma unidade viva como o
Estado, a criao de vrios centros, pois a anarquia se instalaria. E
assim que Boriiliak pode afirmair que Der Konig ist der Stczat,
subenteiidendo, nessa afirmativa, a ressalva de que Iiavemos de
compreende Monarca no como estando acima do Estado, mas no
seu interior. O Monarca que iriicialinente era tomado como
representante da divindade, ou ela prpria, que posteriormente passa
a ser considerado como o prolprietrio do Estado, agora
compreendido como membro ou Cirgo mximo do Estado, a sua
Cnbea. Contudo, malgrado o advento do regime constitucional, o
Rei conservaria, em fruio, todos os Poderes do Estado, no sendo
autorizado, portanto, nas Monarquiais Constitucionais alems, que se
os distinga formalmente, como o rseria nos pases que sofreram a
influncia da Revoluo Francesa, segundo os rgos aos quais
sejam atribudos. A distino formal dos Poderes do Estado s pode
ser efetuada, segundo as formalidades impostas pela Constituio,
conforme Bornhak, no no que se refere fruio ou titularidade
dos mesmos, mas ao exerccio de qualquer deles pelo Rei, nico
centro do qual promaiia toda a vida do Estado. Assim o Monarca,
enquanto rgo do Estado, no qualquer rgo, mas o centro do
-qual provm toda a vida estatal.4
O Poder Legislativo pertence, por inteiro, ao Rei, mas ele
houve por bem impor-se uma limitao, na Constituio por ele
mesmo graciosamente outorgada, segundo a qual se compromete a
s exerc-lo com o assentimento da representao popular. Segundo
Georg Meyer, o Monarca o t.itular da totalidade do Poder
Legislativo, mas ele deye ter o coiiseiitimento do Lnndtag. Esse
asseiitimento do Lnndtng no constitui, no entanto, teoricamente,

(47)

BARTHLEMY, Josepli. Op. cit., p. 741.

nenhuma participao no exerccio do Poder Legislativo. Uma frao


considervel da doutrina alem do perodo acolhia a tese que, como
veremos, defender Labaiid, de que, na realidade, todo o exerccio da
funo legislativa se concentra lia atividade especial do Monarca de
sancionar os projetos de lei, no vendo, na iiiterve~iodas Cmaras
mais do que o cumprimento de uma mera formalidade, pois a
atividade por elas desenvolvida no apresentaria, em qualquer grau,
as caractersticas do exerccio de um autiitico ato de Poder estatal.
Jellinek suaviza tais assertivas, embora tambm para ele a lei continue a ser fundameiitalmente o fruto de um comando imperativo do
Monarca, pois as Cmaras no so chamadas a expressar a vontade
do Estado, mas o Rei, e apenas ele, possui essa competiicia.
Delineado o quadro doutrinrio no qual essas doutrinas se
inserem, 110 que toca aos seus pressupostos bsicos, passemos
anlise das teorias de Labaiid e Jellinek.

2.3.1.2 A teoria de Laband - A Sano rgia como o


Gesetzesbefehl, o nico comando imperativo
estatal constitutivo da lei
Para Laband, teria sido o mito da Teoria da Separao dos
Poderes que haveria iiiduzido grande parteJa_douJ&g_ao-eniieo
entendimento de que, nas M o q u i a s Constitucionais, um atoLegislativo resultaria do-asrdo entre o &rlamentc g ~ - s o b e f i n ~
vois, ao considerar o Soberano e o Parlameiito como potncias rivais
de um mesmo nvel hierrquico, para se produzir uma lei, seria
necessria a aprovao do Parlamento e a sano do Monarca, "on
fut ainen 21 considrer eii principe, un acte lgislatif comme un
accord intervenu entre le souverain et le Laiidtag. Uii acte de voloiit
maiiant de l'tat iiidividu se rsolvait de la sorte, eii un accord
conclu entre deux parties coiitracta~ites"(~~).
Acrescenta ainda: "On
subissait, daiis cet ordre d'ides, aussi l'iiifluence des formes et des
temes particuliers au Droit anglais. En Angleterre, l'approbation
d'une loi vote par le Parlement s'appelle Royal nssent (2), la Constitution franaise de 1791 adopta cette expression et appela
Consenternent royal la sanction accorde par le roi; et les ouvrages
franais, traitant du droit public dans uii tat Coiistitutionnel,
propagrent cette maiiire de voir d'aprs laquelle la sanction d'uiie
LABAND, Paul. Le Di.oit Public de L'Enlpire Allemand. tomo 11, Paris:
V. Giard & E. Brire, 1901. p. 269.

167

loi par le roi est un acte absolument semblable l'acceptation de Ia


loi par les Chambres, celle-ci tarit regarde comme un acte de
volont ayant le mme objet que la dclaration r~yale''(~~).
Assim que, no sentir de Laband, tal mito e as referidas
, influncias estrangeiras conduziram os juristas que se dedicaram
exposio do Direito Pblico ale mo^, mesmo aqueles que rejeitavam
a Teoria da Separao dos Poderes e que afirmavam o Princpio
Monrquico como o ponto de partida fundamental dos seus
desenvolvimentos tericos, a declararem que uma lei iio poderia
existir sem que sobre ela acordassem o Rei e o Laiidtag. Esses
autores no teriam ento atentado para o fato de que o ato de vontade
pelo qual o Parlamento aprova um projeto de lei no teria, de forma
alguma, nem o mesmo objeto, nem a mesma natureza que o ato de
vontade do Monarca consubstaiiciado na sano que erige essa
proposio jurdica categoria de lei estatal. Da o impreciso e
geiieralizado uso de se referir sano rgia como um direito de
veto, o veto absoluto. Ora, desse mlodo que seriam conduzidos a
interpretar o direito de sano do Monarca em um sentido absolutamente falso. Com efeito, se o direito do Soberano fosse
propriamente um veto, para Labaiid, iio seria possvel nele reconhecer, na realidade, o direito do Monarca de legislar, desconhecendo-se a imperatividade do Princpio Monrquico que faz
dele o centro nico do qual emana toida vida estatal, "mais seulement
la facult, attribue au souverain, d'empcher le lgislateur (le
Landtag) d'exercer son droit (2). Si l'on ne songea pas a tirer des
co~isquencesde cette coiiceptiori fausse, c'est que ceux qui
s'ocupaieiit du droit public s'inspiraient, avant tout de considrations
politiques qui priinaieiit, daiis leur esprit, le souci de l'enchainement
E importante que ressalterigoureux des dductions juridiq~es"(~~).
mos dois aspectos significativamente relevantes que se manifestam
na passagem transcrita. O primeiro, atinente ao prprio contedo da
doutrina de Laband, que recupera, enquanto contraponto, a leitura
corrente poca da Teoria da Separao dos Podehs de
Moiitesquieu, para neg-la, a paritir dos mesmos pressupostos
hegelianos. O segundo refere-se apresentao do seu mtodo como
dotado da neutralidade cientfica que, como j frisamos, era
requerida e esseiicialmeiite imposta para a caracterizao como
ciiicia de qualquer pesquisa deseiivolvida em seu tempo, consoante
concepo positivista clssica-vigerite, muito embora o seu mtodo

'49)

LABAND, Paiil. Op. cit., p. 269.


LABAND, Paul. Op. cit., p. 270-271.,

histrico dedutivo, ou mesmo exclusivamente lgico-dedutivo, nada


tivesse a ver com os cnomes indutivistas da metodologia do
verdadeiro positivismo clssico. Em que pese a apresentao dos
resultados obtidos como puramente cientficos, ou seja, na
concepo da poca, como a descrio de uma realidade exterior,
independente das prprias disposies normativas, absolutamente
verdadeira em si mesma, como ressalta Juan Santarnara, "No es
preciso demasiada perspicacia para captar la explosiva
intencionalidad poltica de esta tesis doctrinal, que pretende no ya
equiparar la fuerza de Princpio Monrquico con la de1 princpio
democratico, sino de relegar este ltimo a un papel rigurosamente
subordinad~'~~').
E tanto assim que, embora reconhecendo Laband que aquela
doutrina mtica doininante e as demais influncias estrangeiras no
deixaram de encontrar traduo explcita e fiel nas mais importantes
Constituies da Alemanha, desenvolve, contrariamente prpria
letra das Constituies, a distino que a seguir examinarembs.
Desse modo se pronuncia o prprio Laband: "L'influence de Ia doctrine rgnante de la similarit du role attribu au roi et du role du
Landtag dans Ia Igislation s'affirme dans la plus importante des
Constitutions de l'Allemagne, la Constitutioii prussienne de 31
janvier 1851. En effet, l'art. LXII de cette Constitution est conu en
ces termes: Le roi et deux Chanhres exercent en commurt le pouvoir
lgislatif. La validit des lois se fowde sur l'accord existant entre le
roi et les deux Chambres. Cette disposition attaquait l'indivisibilit
de la souverainte royale: on chercha la sauver en distinguant, en
thorie, le droit (jus), de l'exercice du droit (exercitium juris). Le
droit de faire des lois, disait-on, appartient au roi, mais le roi est
assist par le Landtag dans l'exercice de ce droit. 011ne pouvait,
pourtant, se dissimuler que la sanction seule peut transformer en loi
un projet de loi, et que le Landtag ii'a aucune part la sanction ni au
point de vue du droit (quoadjus), ni au point de vue de I'exercice du
droit (quoad exerciti~m)"(~~).
, portanto, objetivando reduzir todo o procedimento
legislativo propriamente jurdico to-s sano do Monarca, que
Laband constri a distino entre a atividade de determinao do
contedo da lei (Gesetzinlzalt), desenvolvida pelas Cmaras, e a
emisso do comando estatal que confere fora vinculante imperativa
quele contedo, convertendo-o em lei (Gesetzesbefehl):

(522'

SANTAMARIA, Juan A. Op. cit.,p. 918.


L B A N D , Paul. Op. cit., p. 271.

I
i

"Dans toute loi, i1 faut donc distinguer les deux lements


suivants: une maxime de droit conitenue dans la loi, et la sanctioii
jointe cette maxime; eii d'autres termes, le contenu de la loi et le
ommandement qui s'y ajoute. Ces deux lemeiits constitutifs de la
notioii de loi peuvent tre si troiteinent lis l'uii l'autre qu'l
importe peu, au poiiit de vue du droit public, de les distiiiguer I'uii de
l'autre. I1 appartient aussi bien lqassemblenatioliale souveraine
qu'au monarque absolu de fixer Ia maxime de droit et de rendre la
loi excutoire. Mais i1 peut se faire aussi que la fixation du contenu
de la loi soit soumise d'autres rgles et coiifie d'autres agents
que l'mission de l'ordre d'obir la loi. Ds lors, i1 importe
beaucoup, au poiqt de vue thorique et au poiiit de vue pratique, de
distinguer l'uiie de l'autre ces de:ux oprations. Car i1 faudrait
renoncer comprendre I'ide sciaitifique du incaiiisme de la
Igislatioii, si l'on voulait voir dans la cratioii d'une rgle de droit
a Laband, portanto, a real compreenso do papel reservado
mente s Cmaras e ao Rei no que se refere confeco da
lei, no sistema monrquico da sano, exige que se proceda
distino dos dois elementos que integram qualquer lei estatal: a
mxima jurdica que a compe, t:iiquanto o seu contedo, e o
comando estatal que llie empresta fora obrigatria e viiiculante, no
qual reside, de forma efetiva, a caracterstica distintiva especfica de
uma lei do Estado que nos permit~:distingui-la de qualquer outra
mxima jurdica, como, por exemplo, das doutrinrias. Feita a
distino, torna-se claro que, das correspoiidentes atividades, a das
Cmaras destinada a determinar o contedo da lei, e a do Rei, que,
mediante a sano, emite a ordem que transforma aquela mxima em
um comando estatal, apenas a ltima constitui, em sentido prprio,
um ato de Poder Legislativo, pois apenas ela apresentaria as
caractersticas de um ato de impelium. A determinao do contedo
da lei, em que pese a sua importiincia, no configuraria um ato
dotado das caractersticas essenciais mnimas necessrias para
configur-lo como um ato de exerccio de Poder pblico, mas
importa apens em uma atividade intelectual que se traduz na
avaliao do que possa ser o virtual contedo da lei. Uma atribuio
dessa natureza nem mesmo requereria mandato algum, de forma
necessria, uma vez que tal tarefa poderia perfeitamente ser
encomendada teoricamente a urna comisso de juristas ou
especialistas em determinada matria. Alm do mais, o possvel

(53)

LABAND, Paul. Op. cit., p. 264.

contedo de uma legislao, as idias, os preceitos a serem


estabelecidos, bem podem decorrer dos costumes, da legislao de
um Estado estrangeiro, de algumas obras doutrinrias. E nesse
sentido Laband recorda que "les maximes conteiiues daiis les
Pandectes furent des principes de droit des l'instant o elles furent
mises par crit; elles ne devinreiit des lois romaines que par suite de
la sanction que Justiiiieii doiliia au Corpus J ~ r i s " ( ~Assim
~ ) . que
todo esse trabalho preparatrio no implicaria necessariamente a
posse e o exerccio de um Poder do Estado que, na realidade, apenas
se manifesta revestido de iiiquestionvel necessidade quando se trata
do momento em que, mediante a sano, o Monarca erige categoria
de lei, livremente, as mximas, as proposies jurdicas examinadas
e previamente escolhidas, conferindo-lhes a fora necessria das
prescries destinadas a integrar a ordem jurdica vinculante do
Estado. Assim 6 que, para Laband, devem ser configuradas,
respectivamente, a funo legislativa propriamente dita,
encomendada ao Rei, e a tarefa seiivolvida pelas Cmaras, nas
Monarquias Coiistitucionais alems\ e fato, como salienta Carr de
Malberg, para Laband, evidentemente, o Monarca apenas pode
decretar, como leis, aquelas proposies jurdicas s quais as
Cmaras tenham outorgado o seu asseiitimeiito, mas o ato de vontade
do Parlamento, coiisubstanciado na aprovao de determinado
projeto, refere-se apenas determinao do contedo da proposio,
seu objeto mesmo, portanto, seria distinto do objeto do ato do
Monarca ao sancion-la, o qual se
o de dot-la do carter
vinculaiite e imperativo tpico da lei(55.Assim que, nas Monarquias
Constitucio~iais,unicamente o Prncipe possui o poder especificamente estatal, apenas ele pode dotar uma prescrio jurdica do
carter imperativo da lei, ele detm o moiioplio do imperium.
Consoante aquela definio Iiegeliana da "pura vontade sem nenhum
acrscimo", do "momento da deciso suprema", da unidade de todos
os negcios do Estado que se concretiza na figura do Prncipe que
conclui Labaiid: "La souverainet de 1'tat ne s'affirme pas par la
dtermination du contenu de Ia loi, mais par la sanction de la loi: cet
acte seu1 est un acte lgislatif au sens ou i1 faut entendre ce mot si
l'on se place au point de vue du droit public. Le droit de sanction de
17tatcoiisidr Zi ce point de vue, est tout aussi indivisible que le
Pouvoir souveraiii dont i1 est uiie manatioii et uiie manifestation, et,

("I
'
'
5
1

LABAND, Paul. Op. cit.,p. 265.


MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 358.

nommer l'individu investi du Pouvoir lgislatif, c'est dsigner la


personne revtue du Pouvoir souverain'YS6).
A interveno do Parlamento e a do Monarca na confeco da
lei no poderiam ser situadas, portanto, no mesmo plano, e tampouco
a lei poderia ser configurada corno um ato complexo, isto ,
integrado por uma dupla contribuio coincidente sobre o mesmo
objeto, pois, ainda que as Cmaras e o Monarca tendam, com sua
atuao, produo da lei, o conteido e o destinatrio de cada um
dos respectivos atos seriam diversos.
O mesmo raciocnio desenvolvido a respeito das diversas
Monarquias federadas que integravam o Imprio ~ermnico,Laband
o aplica ao prprio Imprio(57).Ressalve-se que o Imprio
Germnico, enquanto Estado federal, no poderia ser considerado,
consoante o critrio dominante na! doutrina alem de ento, da
distino entre as formas de Estado republicana e monrq~ica('~),
(56)

('71

LABAND, Paul. Op. cit., p. 267-268.


LABAND, Paul. Op. cit., p. 273,30'7 e 994 e ss.
Como ressalta Bartlilemy (op. cit., p. 272) a doutrina alem de ento
no ignorava o poder das palavras:, mas muito antes pelo contrrio,
podemos acrescentar, o seu maior labor foi precisamente o conceitual, e
dessa forma que, acollieiido como critrio para a distino das formas
de govenio as vias de produo do Direito estatal e a direo do Estado,
restringe enormemente as formas de governo que poderiam ser
reconhecidas como monarquias. E;uatamente tal critrio de distino
permitia-lhes introduzir no conceito abrangente de Repblica um sem
nmero de formas de govenio mistas, s quais normalmente se
reconheceria como monarquias, fazendo com que um certo nmero de
cidados do Imprio as recusasse dle incio. O Imprio do Brasil, por
exemplo, no seria acolliido na catlegoria monrquica, por reconhecer
ao Imperador uma sano das leis cuja negativa seria passvel de
superao mediante a reaprovai;o do projeto em legislaturas
sucessivas. A Inglaterra caracterizada como Monarquia por Jellinek,
porque ali, ainda que apenas de um ponto de vista estritamente formal,
"la direccin suprema de1 Estado descansa exclusivameiite eii maiios
de1 rey, pues s10 1 puede poiier <:li actividad a1 Parlamento, ya que
ste no goza de1 dereclio de reuiiirs: per si; de suerte que e1 rey-es in
lioy caput principiiltn et finis parlamenti. Apesar de la coacciii
poltica, si e1 rey negase a una ley su aseiitimiento real, niiiguii poder
de1 mundo podria obrigar10 jurdicamente. Sin e1 concurso de su
voluntad, se paralizara toda la mquina legislativa" (op. cit., p. 5151
516). Assim que Jellinek dir que "la iiioiiarqua es e1 Estado dirigido
por una voluntad fsica" (op. cit., p. 507) e a nota essencial dessa
vontade a de "representar e1 Poder supremo de1 Estado, esto es, aquel
Poder que conserva a ste y le poiie en moviiniento; visto ms de cerca,

como uma Monarquia, razo pela qual no era atribuda ao Imperador a prerrogativa da sano das leis imperiais. A confeco dessas
leis, segundo o art. 5" 2O, da Constituio do Imprio, vinha
encomendada apenas ao Reichstag e ao Bundesrat. Para Laband,
portanto, a distino intervm, precisamente, ao qualificar
distintamente as atividades exercidas a propsito por cada uma
dessas Assemblias. Como ensina Donati, o Poder Legislativo do
Imprio era atribudo ao Bundesrat ou Senado Federal, Conselho dos
Estados-membros, e ao Reiclzstag, a Assemblia de Representao
Popular. O Bundesrat o rgo supremo do Imprio, composto por
delegados dos Estados-membros, os quais no eram caracterizados
como Deputados parlamentares, mas como plenipotencirios em uma
conferncia diplomtica, enquanto vinculados por um mandato
imperativo e responsveis pelo voto emitido. Os Estados-membros
eram representados no Bundesrat por um nmero variado de votos. A
Prssia contava dezessete representantes; a Baviera, seis; a Saxnia e
o Wurtemberg, quatro, cada um; o Baden e a Axia, trs, cada um; o

consiste en tina esfera libre, limitada por las leyes, pero no e11 cuanto a
su conteliido, y prpria para una direcciii a las acciones de1 Estado;
sancionar las leyes, decidir librernente 10 qiie deve ser e1 derecho,
dispoiier asirnisino libre faculdad en 10 que respecta a las relaciones
internacionales, acordar 10s tratados sobre la guerra y Ia paz, gozar de1
mando siiprerno de1 ejrcito, de1 nombramieiito de 10s Ministros y otros
funcionarios y de1 derecho de gracia, constituyen una competncia,
positiva y no ficticia de1 Monarca (...) Eii tanto que este Poder
supremo, que pone y conserva en actividad a1 Estado, descansa en unas
solas manos, se bata de una Monarquia," (op. cit., p. 5141515). Kelsen,
que acolhe de Jellinek o critrio da produo do Direito para qualificar,
consoante ao grau de participao popular assegurado no procedimento
de formao das leis, determinado Estado como Democracia ou
~utocraci,no que se refere s formas de governo, crtica a distino
estabelecida por Jellinek a qual termina por atribuir, nas Monarquias,
por fora de seu critrio distintivo, as leis vontade psicolgica do
Monarca e. nas repblicas, a vontade do Estado se formaria juridicamente. porque o Direito reconheceria tal qualidade juno
concorde de diferentes vontades naturais reunidas eni assemblia. Ora,
tal critrio absolutainente falso, pois, como ressalta Kelsen, na
verdade a vontade do Estado se expressa sempre de modo jurdico. se
em uma Monarquia a vontade do Monarca a vontade do Estado
porque o Direito, escrito ou consuetudinrio, lhe confere tal qualidade;
tambm na Repblica, o ato psicolgico de formao da vontade estatal
tem relevo e, embora se revista de fonna jurdica, evidente a sua
existncia (op. cit., p. 377 e ss.).

Meckleinburg-Schweiiie o Brunswick, dois, cada; e todos os demais


Estados, um representante, todos com direito a voto. A AlsciaLorena poderia enviar quatro reprc-:seiitaiites, que poderiam emiti:
seus pareceres, mas aos quais no era reconhecido direito de voto. E
de se ressaltar que a Prssia dispunha dos dois votos do Brunswick e
do voto do Waldeck. Os Estados aos quais fosse reconhecido mais de
um voto poderiam fazer-se represeiitar por um s plenipotencirio
cujo voto, ainda assim, teria o peso da representao assegurada ao
Estado. Por outro lado, ainda que presentes todos os representantes
de um determinado Estado, o volto seria sempre em um nico
sentido, de tal forma que os representantes de um Estado deveriam
sempre proferir seus votos de maneira concorde. Os membros do
Bundesrat eram nomeados pelos Governos dos Estados federados.
Por outro lado, o Reichstag, a Dieia ou a Assemblia do Imprio
compunha-se de 397 Deputados, eleitos por colgios eleitorais, na
proporo de um para cada cem mil habitantes. Os Estados cuja
populao no alcanasse tal cifra teriam igualmente o direito de
eleger um Deputado. Novamente o predomnio da Prssia
relevante, cabia a ela eleger duzenlos e trinta e seis Deputados,
Baviera, quarenta e oito, h Saxnia, vinte e trs, e assim por diante
em ordem decrescente. O Reichstag era coiivocado aiiualmente pelo
Imperador, e no poderia reunir-se: separadamente do Bzlndesrat.
Poderia ser o Reiclzstag dissolvido pelo Imperador, com o consenso
Assiin que, consoante
do Conseltio Federal ou Burtdes~~zt'~~'.
estabelecia a Constituio do Imprio, Labaiid ent nde que a
atividade propriamente 1egislat.iva atribuda ao Bundesrat,
composto por representantes dos Soberanos dos Estados federados,
pois a ele competiria a sano das leis imperiais. Nele residiria o
Poder de Imperium, enquanto Assemblia dos Estados alemes
reunidos nas pessoas de seus delegados. O Reichstag, tal como as
Cmaras dos Estados federados, concorreria apenas para a fixao do
contedo da lei, tarefa da qual o Bundesrat igualmente participava.
Da porque, como diz Doiiati, "le progetti di leggi quando sono state
approvate da entrambe le Carnere, devoiio ritornare a1 Bundesrat per
la saiizioiie. All'imperatore spetta soltanto la promulgazioiie e la
pubblicazi~ne"(~~).
Para Labaiid, era essa a nica forma de se explicar
a prtica, requerida pelo art. 7"a Constituio, de se fazer com que
os projetos de lei j aprovados primeiramente pelo Bunrlesrat a ele
retornassem aps a aprovao do Reiclrstag para ser objeto de nova

(59)
@O)

174

DONATI, Donato. Op. cit., p. 3 ss.


DONATI, Donato. Op. cit., p. 6-7.

deliberao. Assim que Labaiid reconliece ao Bundes~-ntno


somente a tarefa de colaborar na fixao do contedo da lei, mas
tambm, e apenas a ele, seria atribudo o poder de sancionar as leis./
Essa doutrina de Labaiid eiicontrar amplo acolliimento iio
s entre autores germiiicos, mas ser praticamente adotada por
Duguit, lia interpretao dos arts. 4% 10-a Constituio da Frana
de 1852(61)e, como vimos, exercer grande influncia, iiiclusive,
sobre a doutrina nipiiica, que a aplicar na interpretao da
Coiistituio do Imprio do Japo de 1889(62).
2.3.1.3 A teoria de Jellinek - A sano rgia como
Gesetzesbefehl autorizado pelas Cmaras
o A tese de Laband acolhida por Jelliiiek, porm com alguns
matizes prprios relevantes. Para Jellinek, a atividade das Cmaras
iio poderia ser reduzida. ou inellior, equiparada quela de uma
comisso de juristas. Embora mantendo a distino de Laband entre
a atividade de determinao do coiitedo da lei e a de dot-la da
fora imperativa que requer, Jellinek busca diferenciar a funo
especfica das CBmaras daquela virtual tarefa encomendada a uma
comisso de especialistas. Se verdade que as Cmaras no
participam, de fato, do ato que confere ao mero projeto a sua fora
imperativa de lei, tambm verdade que a emisso da sano deriva
igualmente da sua vontade, no seiitido de que delas depende a autorizao para o Monarca transformar em lei perfeita a proposio
legislativa submetida a sua apreciao, e isso porque, distintamente
do Monarca absoluto, que tudo pode querer por si s, o Moiiarca
Constitucioiial, especialmente no que se refere h confeco das leis,
s pode querer aquilo que o Parlamento lhe telilia autorizado
previamente. Assiin, o consentimento legislativo dado pelas Cmaras
no diz respeito apenas ao coiitedo jurdico do texto do projeto de
lei, mas prpria fora viiiculante tpica da lei, pressupondo a
autorizao para que a sano rgia veiilia a transformar aquela proposio jurdica em lei perfeita, dotada da fora imperativa
caracterstica dos comandos estatais. Por outro lado, acrescenta
Jelliiiek, do mesmo modo, (I atividade do Moiiarca, verificada por
ocasio da aposio da sano rgia a um projeto de lei, no se reduz
(61)

(62)

DUGUIT, Loii. Trait de Droit Constitrrtionnel, 2" edio. tomo 11,


Paris, 1923, p. 174 e ss.
BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. I1 teiuio nella pu recente evoluzione
de1 diritto costituzioiinle iiippoiiico. In: Stato e diritto, 1942. p. 159.

atribuio de fora cogente proposio independentemente do seu


contedo, mas, ao sancionar, o Moriarca declara que tambm quer o
que a proposio contm, o mesmo e idntico contedo desejado
pelo Parlamento. Em outros terrnos, o Monarca no sanciona
exclusivamente a vontade do Parlamento, mas igualmente a sua
prpria vontade que tambm quer o que a lei contm. Mas,
conquanto, tendencialmente Jelliriek retome a configurao do
procedimento legislativo, enquanto concorrncia de distintas
vontades sobre um mesmo objeto, aps Iiaver afirmado que ao
Parlamento atribuda no s a competncia de determinar o
contedo da lei, mas que essa tambm pressupe a autorizao para
que o comando estatal, por via da sano rgia, acrescente-lhe a
fora imperativa que requer, enquanto lei perfeita, por outro lado,
reconhece que a proposio s se torna um comando estatal, dotado
de fora vinculante, em decorrncia da sano rgia e que, portanto,
a lei, enquanto tal, obra exclusiva do Monarca. Tal concluso
exigncia que decorre diretamente do prprio conceito de Monarquia
por ele adotado e que tem por base o Princpio Monrquico no
sentido corrente na doutrina gerininica, pois "en tanto que uii acto
supremo de la voluntad de una persona individual determinada y no
de un colegio, est assegurado e1 tipo de la
Conquanto a teoria de Labm~dtenha sido objeto de inmeras
crticas, inclusive das observaes que lhe dirige Jellinek, tais
reparos no conduziram o seu autor a proceder a mais do que a uma
retificao, que consideramos meramente semntica. Segundo nos
Laband, em um trabalho
informa Juan Alfonso Santamari~(~~),
publicado em 1902. acolhe a crtica de Jellinek contra a equiparao
da competncia atribuda ao Parlamento, na confeco das leis, ao
labor de uma comisso de Jurista:;, e afirma que a atribuio do
Parlamento , com efeito, jurdica, no tcnica, todavia, em todo
caso, no equiparvel eiicomendida ao Monarca : o Parlamento
criaria o Direito, mas apenas sob a forma de proposies de Direito
(Rechtssatz), enquanto a sano do ]Monarcaconverteria essas novas
proposies em comandos olu prescries de Direito
(Rechtsvorschrif), assim que, sem deixar de sustentar que a
adoo de um projeto de lei pelas Cmaras se diferencia
essencialmente do trabalho de uma comisso de juristas, pois a
0

(63)

(64)

JELLINEK, Georg. Op. cit., p. 519-520.


JELLINEK, Geog. Gesetz und verc~rduiuizg.Freiburg, 1887. p. 312 e ss.
reimpresso Scientia Verlag, Aalen.,1964.
SANTAMARIA, J. A. Op. cit., p. 919, nota 7.

condio constitucional prvia da sano real, constituindo, nesse


sentido, portanto, uma manifestao do Poder do Estado, Laband
apenas retifica semanticamente sua posio anterior, dizendo que a
deciso do Parlamento apenas pode criar uma proposio de Direito
(Rechtssatz), enquanto por tal termo pretende designar uma
proposio jurdica anloga que se expressa, por exemplo, em um
tratado doutrinrio
e que apenas a sano rgia contm
em si o comando legislativo que tem o condo de transformar essa
mera proposio de Direito em uma prescrio de Direito (Rechtsvorschrif), em um comando imperativo do Estado.
Logo, podemos concluir que, tanto para Laband como para
Jellinek, substancialmente, o procedimento legislativo, consoante um
ponto de vista estritamente jurdico, termina por ser integralmente
subsumido na sano monrquica. A sano em virtude da exigncia
do prprio Princpio Monrquico, consistiria, pois, verdadeira e
conceitualmente, apenas naquela participao insupervel do Chefe
de Estado, sem a qual no se formaria, em qualquer hiptese, a lei,
visto que, na verdadeira Monarquia Constitucional, o Rei conservaria
intacto. em sua unidade, o poder estatal, mormente no que se refere
funo legislativa, simplesmente condicionada aquiescncia prvia
das Cmaras. Assim, por fora do Princpio Monrquico, seria o Rei,
enquanto Poder Legislativo, coiidicionado manifestao prvia do
Parlamento, que, de toda sorte, faria por si s a lei, porquanto apenas
dele poderia emanar a vontade legislativa do ~stado.%ra,conforme'
as concluses do estudo liistrico-comparativo empreendido no
captulo anterior, podemos ressaltar que tal conceito de sano por
demais restrito, mesmo 110 que se refere realidade coiistitucional da
poca. Os autores germnicos, por imperativo decorrente da
intencionalidade poltica implcita de se buscar evitar, como no
Imprio do Brasil, a transformao da Monarquia Constitucional em
Monarquia Parlamentar, consoante demonstra Barthlemy, terminam
por ignorar toda uma vertente de Coiistituies inonrquicas, aquelas
que acollieram o instituto da sano monrquica cuja negativa seria
supervel pela reaprovao do projeto em legislaturas sucessivas, a
partir do modelo da Constituio francesa de 1791, pura e
simplesmente desqualificando-as enquanto ~onarquias.'~ra,como
vimos, pelo menos em relao Constituio do Reino da Noruega,
cujo Rei, at o advento da pacfica separao da Noruega da Sucia
em 1905, com o fim da Unio Real dos dois Reinos, no se furtava a

(65'

MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 365,nota 7.

1
I

negar sua sano a projetos de lei que ameaassem tal unio, ainda
que simbolicameiite, e Coiistituio do Imprio do Brasil, de 1824,
em que, a possibilidade da negativa de sano imperial, ainda que
supervel pela aprovao de duas legislaturas consecutivas do
mesmo projeto, apesar de no utilizada no segundo reinado, mais do
que nunca, integrava juridicamente, de forma iiisofismvel, as
prerrogativas reais configuradoras do Princpio Monrquico
Coiistitucional e historicamente vigente at 1891, com o golpe
militar que ps fim Monarquia Constitucional no Pas.
As teses de Laband e Jel1ine:k sero objeto da crtica de Carr
de Malberg, que v a lei como o ato complexo resultante da
deliberao conjunta das Cmaras e da sano rgia, quando
acolhida pelo Ordenamento Constituciorial como insupervel.

2.3.2

O instituto da San(;ona doutrina de Carr de


Malberg

Carr de Malberg, no seu Contribuicio Teoria Geral do


Estado, enfoca a questo das douirinas germiiicas sobre a sano
monrquica precisamente ao tratar da via cla legisla~o,ao perquirir,
exatamente, quais seriam os atos integrantes desse camirtho que
apresentariam natureza de atos de Poder Legislativo propriamente
dito, ou seja, mesmo que seu eiifoque no se encontrasse limitado
pela necessidade poltica da afirnnao intransigente do Princpio
Monrquico, Carr de Malberg (acolhe o enfoque genrico e o
conceito restrito de sano postulados por aquela escola, conquanto
critique o primeiro.
Assim que o ponto fulcral da crtica que Carr dirigir s
doutrinas de Laband e Jellinek ser o da distino entre os dois
elementos da lei: a fixao do seu contedo pelas Cmaras e a
emisso do comando estatal que lhe emprestaria a sua fora
viiiculante, consubstaiiciada na aposio da sano pelo Monarca.
Dessa forma, dir Carr que "no solamente e1 texto de las
Constitucioiies vigentes parece corideiiar la distiiiciii que establece
Laband entre e1 mando gerierador de la ley y la decisin que fija su
tenor, sino que en verdad, y sobre todo, esta decisin no se concibe
como razoiiable, por ser imposible separar a 10s dos elementos de
formacin de la ley que Laband pre:teiidi di~ociar"'~~).
Pois, segundo

c6@

178

MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 364.

o juzo de Carr de Malberg, iio admissvel que se pretenda que a


adoo de um projeto de lei pelas Cmaras no seja uma
participao no Poder Legislativo com o objetivo de reduzir essa
aprovao ao valor de uma simples opinio; e seria em vo que se
diria que tal opinio necessria, enquanto condio coiistitucional
prvia da sano do Monarca; em vo tambm se lhe reconhece certo
alcance obrigatrio, j que o Moriarca iio pode afastar-se do texto
adotado. Embora possam reconhecer a importncia desses aspectos
da atribuio das Cmaras, a sua participao no procedimento de
formao da lei, na tica dos autores alemes, segue guardando
apenas o valor de uma opinio ou de uma mera proposio jurdica
no que se refere ao essencial da tarefa legislativa, pois que a fora
imperativa da lei proviria unicamente da vontade do Monarca. Tais
autores, na verdade, como assevera Carr, desconhecem a natureza
da atribuio constitucionalmente encoineiidada s Cmara$' O
Parlamento no um mero rgo co~isultivo,mas um Poder de
manifestao da vontade estatal. No procedimento legislativo em que
se acolha a sano, no somente entra em jogo a vontade do
Monarca, mas o objeto da sano do Monarca expressa, alm de sua
prpria vontade legislativa, igualmente a vontade das Cmaras. E
claro que essa verdadeira vontade, manifestada pelo Parlamento
enquanto rgo do Estado, refere-se, de uma maneira completa e
direta, a todos os elementos da lei, ou seja, tanto sua fora
imperativa quanto ao teor de suas disposies. Na verdade, qualquer
disposio apenas pode adquirir significado legislativo e mesmo ser
pensada como contedo da lei, enquanto tenlia sido pensada e
adotada para valer como tal, ou seja, para adquirir a fora prpria da
lei. Portanto, os dois elementos da lei, que Labaiid pretendeu
dissociar em atividades diversas, a determinao do contedo da lei e
o comando capaz de dot-la da fora cogente que requer, so, na
verdade, absolutamente inseparveis, sendo, assim, inconcebvel a
distino. Ao adotar um projeto de leias Cmaras no se limitam a
acolher idealmente um aleatrio contedo de uma lei eventual, "mas
crean un dispositivo, una prescripcin, y eii dereclio perteilece a Ia
esencia de toda prescripcin conteiier en si un inandamiento. La
adopcin de la ley por las Cmaras implica, pues, que tomai parte
por si mismas en la ordem ita jus Esto. E1 acto de voluntad que asi
realizan no se refiere solamente a1 texto, 110 se reduce, como dice
Jellinek, a otorgar uii consentimiento a aquello que e1 Monarca emite
segn un mandamiento que de 1 solo dependera emitir, sino que
contiene desde luego dicho mandamiento y es por conseguinte, por

su virtud propria, un acto de potestiid y de voluntad legi~lativas"(~~).


Aproveitando o prprio desenvolvimento da tese de Laband, quando
busca aplic-la ao Imprio, mostra Carr que, na verdade, no a
sano que contm o comando imperativo propriamente dito de
observncia da lei. Para o prprio Laband, o comando imperativo
decorre mais propriamente do ato de natureza puramente executiva
da promulgao das leis imperiais encomendadas ao Imperador do
que da sano do Bundesrat s leis imperiais. Torna-se claro,
portanto, quefio poder de deciso implica o poder de mando, e no
sistema da sano rgia, esse poder reside em ambos, Parlamento e
Monarca. Assim que, nesse tipo de procedimento, a deliberao
concorde das duas Cmaras do Parlimento no basta, por si s, para
engendrar a lei, porm ela s se torriar perfeita a partir do momento
em que )irna vontade legislativa idntica tenha sido expressa pelo
monarca!^ fato de que o texto adoitado pelas Cmaras no produza,
de imediato, efeito obrigatrio no autoriza o entendimento que da
faz decorrer Laband, de que a aprovao de um texto pelo Parlamento no implicaria necessariamente qualquer participao no
poder de imperium do Estado. Na verdade, tal fato torna-se
perfeitamente compree~~svel
se enfocarmos a questo do seu ngulo
prprio, o procedimental, e precisamente esse o novo modo de
abordagem do problema efetuado por Carr: "Este heclio se explica
simplemente por e1 motivo de que l,a formacin de la ley exige a la
vez juntamente coordinadas, la ordem de las Cmaras y la orden de1
rey. Mientras solamente exista la orden de las Cmaras, no puede la
ley producir su efecto obligatorio. Pero en e1 momento en que la
sancin monarquica haya venido a juntarse c011 la votacin de1
Parlamiento, la ley ejercer su fuerza imperativa en virtud, a la vez,
de1 rnandamiento de las Cmaras y de1 inandamiento de1
monarca^^^)! E assim que essas duas vontades, cuja coexistncia e
identidade so indispensveis para a formao mesma da lei, para
sua perfeio, desempenham, para Carr, na obra da legislao, o
mesmo papel, porquanto se referem ao mesmo objeto. O Chefe de
Estado e o Parlamento, nos sistemas constitucionais em que a sano
atribuda ao primeiro, configuram, portanto, um nico rgo
legislativo complexo, integrado pelo Parlamento e pelo Chefe de
Estado, cuja participao requerida para a formao mesma da lei4

(6n MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 367.


(68) MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 368, nota 9.

A nosso ver, Carr de Malberg, do emaranhado de puros


pressupostos polticos que impediam uma viso jurdica do
feiimeiio nas doutrinas ariteriores, consegue, com bastante preciso,
recolocar o problema da sano rgia em bases mais apropriadas
para o desenvolvimento do ponto de vista especificamente jurdico.
Entretanto, termina por acolher, sem crticas, o conceito restrito e
limitado de sano, tal como forjado por Laband e Jellinek, sem
indagar se tambm esse conceito no decorreria do mesmo Princpio
Monrquico que Ihes havia inspirado a distino entre as atividades
de determinao do contedo da lei e a da sano do Monarca, que
emprestaria lei o seu carter cogente, buscando demonstrar, contra
a letra dos prprios dispositivos constitucionais, que todo o Poder
Legislativo ainda se encontraria reservado ao Monarca, limitando-se
apenas o seu exerccio no que se referia h necessria audincia das
Cmaras. Ora, tambm precisaineiite por recusarem a incluso, no
seu conceito de sano, daquelas formas de sano moiirquica cuja
negativa seria supervel por deliberaes consecutivas de novas
legislaturas, que podiam sustentar tal tese. Carr de Malberg, a nosso
ver, inadvertidamente, contudo, acolhe o mesmo conceito restrito,
ponderando apenas que, embora substaiicialmente a competncia legislativa do Monarca e das Assemblias seja da mesma natureza, a
interveno do Chefe de Estado se verificaria, em ltimo lugar,
precisamente em reconhecimento da hierarquia superior desse em
relao s Cmaras, em uma Monarquia ainda que limitada(69).
A distino entre os conceitos de veto e sano a que procede
Carr de Malberg em nada inova a de Laband, pelo coiitrrio, este a
acolhe integralmente. Assim se refere sano adotada na
Constituio Francesa de 1791: "la palabra sancin era tan solo Ia
consecuencia de una ficciii, empleada por la Constitucin de 1791
con uii proposito de deferencia y miramielito respecto de1 Monarca
(...) No se atrevian an a declarar brutalmente que en delante podria
hacerse la ley sin e1 corisentimieiito de1 rey; la sec. 3 se refiere
incluso eii varias ocasiones a dicho consentimiento, como si fuera
siempre necessario, y sin embargo e1 rey estava excludo de la
potestad legi~lativa"(~~).
Esse comentrio ilustra bem o fato de que a
existncia da sano rgia com carter absoluto, cuja negativa por
parte do Monarca seria insuperhvel, devido importncia poltica de
que o mesmo ainda se revestia, terminava por obscurecer, por velar
+

(69)
('O)

MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 369 e ss.


MALBERG, Carr de. Op. cit., p. 372, nota 11.

as demais formas de participao constitutiva dos Chefes de Estado,


fossem eles monrquicos ou rel~ublicanos,no procedimento
legislativo. Carr de Malberg, que desenvolve com brilho a tese
propriamente jurdico-procedimental para provar que mesmo nas
Monarquias alems as Cmaras, tanto quanto o Monarca,
participavam constitutivamente da formao das leis, a se detm,
possivelmente por j julgar satisfatria a comprovao do Poder
Legislativo das Cmaras. Desse modo, no consegue ver que a
distino entre a sano, nessas moiiiarquias atribuda ao Monarca, e
a acolhida na Constituio monrquica da Frana, de 1791, e ainda o
assent requerido do Presidente da Repblica dos E.U.A. para a
transformao do bill em lnw, enibora a negativa, nessas duas
ultimas hipteses normativas, pudesse vir a ser igualmente superada
por distintos procedimentos complementares mais complexos,
consoante a seus prprios postulados iniciais, no teria cabimento. E
ainda a rgida distino entre Monarquia e Repblica, tal como
estabelecida pela escola germnica, que, a nosso ver, impede Carr
de Malberg de levar s ltimas conse:quiiciasa anlise propriamente
jurdica dos institutos do veto e da sano, cujos postulados iniciais
expe com clareza, ao distinguir OS elementos requeridos para a
perfeio da lei daqueles que, corrio a promulgao, vinculam-se
apenas ao procedimento de aquisi~ode eficcia da lei j perfeita,
guardando natureza puramente de ato de controle exterior atividade
legislativa propriamente dita.
de se relevar o significado de tais progressos doutrinrios,
precisamente porque, na fase de evoluo dos mtodos de Direito
comparado em que vem a lume o seu Contribution a ln Thorie
Gnrale de lJtat (1920-1922), ainda no se havia alancado o
nvel de maturidade requerido para a construo de uma Teoria
Geral dos institutos especficos do Direito Constitucional que se fundasse na anlise exaustiva dos dados normativos inseridos em sua
respectiva concretude social(").
No entanto, como afirma Eisenmcnn, "pour Carr de
Malberg, faire Ia thorie des fonctioiis de I'Etat, c'est analyser les
manifestations ou modes d'exercice de la puissance tatique. Les
Prliminaires l'ensemble des chapitres de la Constitution placs
sous chapeau s'ouvrent par cette trs claire dfinition (I. 259): Par

fonctions tatiques i1 faut entendre, en droit public (nous verrons

(7')

182

ANCEL, Marc. Utilidade e into8dosdo direito comparado. Porto


Alegre: Fabris, 1980. p. 30 e ss.

dons un instant quelle est Ia signification de cette petite incise) les


diverses activits de l'tat eu tant qul(elles)constituent des manifestations diverses, des rnodes d'exercice varis de la puissance
tatique; et dans une note rattache cette premire phrase, o11 peut
lire: les fonctions du pouvoir, [du pouvoir d'Etat], ce sont les formes
diverses sous lesquelles se manifeste l'activit dominatrice de E'Etat.
Par consqueiit, Ia thorie va porter sur les actes tatiques, les actes
des orgaiies de l'tat, considrs en tant que maiiifestations, en tant
que modes d'exercice de Ia puissance tatique; plus exactemeiit, elle
porte sur ceux d'entre eux que l'on considre comme des actes
juridiques I'excIusion des actes mterils, dont cependaiit certains
(ceux qui se rapportent la mise en oeuvre de Ia coiitrainte) soiit de
puisssance publique, mais certainement pas tous. Quoi qu'il eii soit,
par sa faon de considrer les actes tatiques qui soiit soii objet, la
thorie des fonctions de 1'tat se distingue essentiellemeiit explique Carr de Malberg - de la "theorie des attributions ou
tches de l'tat". Celle-ci considre bieii, elle aussi, les actes
tatiques, eile porte bieii sur ces mmes manifestntions, ces mmes
modes 'exercice de Ia puissance tatique, mais elle les envisage
d'un point de vue tout diffrent: sous l'angle des fins auxquelles ces
actes tendent, des missioiis assumes par l'tat auxquelles ils correspondent, dont ils soiit pour ainsi dire les iiistruments - aiiisi:
scurit extrieure, ordre et droit, culture, (i1 faudrait peut-tre
mieux dire: civilisation). Ce point de vue est, dit I'auteur, de science
politique; i1 n'est pas de scieiice juridique; i1 ne correspond pas la
notioli juridique des fonctions de 1'tat et par consquent i1
n'intresse pas leur thorie juridique; i1 lui est tranger. Cette
dernire ne considre les actes tatiques, objets de son tude, qu'en
eux-mmes; elle ignore dlibrmeiit leurs fins; tout en sacliant
parfaitement qu'ils teiiderit des fins et iie soiit accomplis que parce
qu'ils apparaisseiit comme des moyeiis de les atteindre, elle ne
s'attache qu' ce qu'ils sont: Ia tliorie juridique des fonctions de
1'tat rpond [ ~...)~~niquernent]
Li Ia question de savoir nu moyen de
quels actes 1'Etat remplit les diverses attributiotis qu'il a pu
s'assigtter. Ces actes, elle les analyse juridiquement; et, sur la base
de cette analyse, elle les distingue et les classe en groupes spars,
dont chacun forme une branclze d'activit, une partie de puissaizce
ou fonction de l'tat"2).
(72)

EISENMANN, Cliarles. La tlione des fouctions de l'tat cliez Carr de


Malberg. In: Relation de Journes d'etudes en I'honrzeur Carr de
Malberg. Paris: Dalloz, 1966. p. 51-52.

183

No entanto, como ressalta o prprio Eisenmaiin, "i1 y a un


instaiit, du caractre extrmemeiit technique et abstrait de celle-ci,
les positioiis fondamentales de 1' aiiteur son sujet tablissent entre
toute une partie de ses linents au moins et certains grands thmes
du droit coiistitutioniiel des lieiis tstroits qui lui communiquent un
peu de cette chnleur chnrnelle qui a priori lui parait ref~se"(~~).
E, infelizmente para ns, uma das manifestaes desse calor
carnal que ainda se infiltrava na oblra de Carr de Malberg pode ser
reconhecida na sua inadvertida adoo do conceito restrito de sano
da escola germnica, medularmente informado por aquilo que
denominavam Das Mortarclzisclze Princip, e que o impedir de
proceder a uma classificao das foirmas de participao do Chefe de
Estado no procedimento legislativo mais acorde com os seus
prprios postulados iniciais.
Dessa forma que, rederindo-se participao iio
procedimento legislativo do Presidivilte norte-americano, ressalta, a
nosso ver acertadamente, que "la Ccinstitucin de 10s Estados Uiiidos
parece incluso llegar ms lejos: eii su cap. 1" sec. 7, art. 2 dice:
"Todo bill que haya pasado por la Cmara de 10s Representantes y
por e1 Seiiado, aiites de convertirse eii ley deber ser preseiitado a1
Presidente de 10s Estados Uiiidos (...)" Segn estos trminos, la
devoluciii a las Cmaras no sera slamente uii veto, es decir, uii
medio para e1 Presidente de detei~eruna ley ya perfecta, sino que e1
texto parece implicar que e1 bill adoptado por las Cmaras an no se
ha convertido eii ley. Y eii efecto, si se le lia aplicado la devolucin
ser iiecesario, para su transformacin en ley, que sea adoptado de
nuevo por uiia mayoria de 10s dos tercios. Luego, podra decirse, la
ley s10 recibe su perfeccionamiento por su reiterada adopcin
mediante una mayora especial o por expiracin de1 plazo de diez
das durante e1 cual tiene e1 Presidente derecho de devolverla a Ias
asambleas. As pues, tendra e1 Presidente ms que un Poder de veto,
porque su aprobacin, expresa o tcita, seria un elemento de
perfeccin de Ia
No entaiitol, retornaiido a uma leitura toda
prpria que Laband havia realizado do Do Esprito das Leis, pois na
verdade Montesquieu havia caracterizado como veto a prpria
sano rgia inglesa de carter alisolutamente necessrio para a
formao da lei, localiza a distino entre os institutos do veto e da
sano, no iia natureza da atividade a propsito normativameiite
n3) EISENMANN, Cliarles. Op. cit., p. 49-50.
(74)

EISENMANN, Charles. Op. cit., p. 374-375.

encomendada ao Chefe de Estado, mas apenas no grau absoluto ou


relativo que seria conferido mesma, enquanto requisito para a
configurao da sano. Adota, nessa vertente, critrio acidental e
puramente poltico e relega para um segundo plano o critrio
propriamente jurdico da anlise da natureza especfica dessa
atividade, que at ento havia norteado seus estudos: "En esto, la
distincin entre e1 veto y la sancin corresponde a la clebre diferencia establecida por Montesquieu (Esprit des lois, lib. XI, cap. VI)
entre la facultnd de estatuir, que asocia ntimamente a1 jefe de1
Estado con la legislacin, convertindolo en una parte integrante de1
rgano Legislativo, y Ia facultad de impedir, que s10 es un Poder de
resisteiicia y que, por conseguiente, lejos de dar participacin a su
titular en Ia potestad legislativa, supone por e1 contrario que en
~ ) . termina por inferir,
princpio es extrao a la m i ~ m a " ( ~Da,
consoante a esses novos requisitos pura essencial e politicamente
orientados, que, em relao Constituio dos E.U.A., aquela
"conclusin no es exacta, como 10 demuestra la segunda parte de1
artculo 2. Aade este articulo, en efecto, que si, despus de un
segundo examen, la adopcin rene 10s dos tercios de Ia votacin en
cada de las Cmaras, e1 bill se convertir en ley. Es, pues, la decisin
de las Cmaras, y no e1 asentimiento presidencial, 10 que hace la ley.
Asimismo, cuando un bill no ha sufrido la devolucin, a partir de1
momento en que la nooposicin de1 Presidente es iiidudable, debe ser
considerado como obra exclusiva de las a~ambleas"(~~).
Podemos concluir, apesar de Carr de Malberg haver
postulado as premissas metodolgicas essenciais compreenso
propriamente jurdica do instituto, que no lhe foi possvel
desenvolver, graas ausncia de um refinamento instrumental e
conceitual especfico do procedimento legislativo considerado como
doutrinrias decorrentes das prprias
um todo, as co~~sequncias
premissas por ele assentadas. Da mesma maneira que a escola alem
do Direito Pblico, conquanto distinga o momento de constituio da
lei do de aquisio de sua eficcia, termina por privilegiar
atomisticamente o momento constitutivo do iter legis, e no capaz
de estender as concluses hauridas a todas as formas de participao
constitutiva do Chefe de Estado no procedimento legislativo,
acolhendo pressupostos politicamente orientados da doutrina anterior, na realidade incompatveis com a sua prpria. Logo, medida
EISENMANN, Charles. Op. cit., p. 373.
EISENMANN, Charles. Op. cit., p. 375.

que transpe o critrio classificatrio da natureza jurdica da


participao atribuda ao Chefe de Estado no procedimento de
formao da lei, para o simples grau em que essa participao foi
concedida, reconhece: a) a sano propriamente dita, enquanto
elemento essencial e insuperavelmente requerido para a perfeio da
lei; b) o veto em sentido supostamente tcnico, que, na realidade,
aambarcaria essencialmente duas modalidades de participao
constitutiva do Chefe de Estado na formao da lei, apenas que
superveis mediante procedimentos mais complexos: inicialmente
aquela, inclusive textualmente denominada sano, acolhida nas
Constituies monrquicas da Frana de 1791, da Espanha de 1812,
da Noruega de 1814, de Portugal de L822 e do Imprio do Brasil de
1824; e tambm aquela, atribuda ao Presidente pela Constituio
dos E.U.A.; c) o pedido de nova deliberao parlamentar, ao qual
no reconliece nem mesmo o carter (deveto, pois que politicamente
no implicaria uma efetiva faculdade de ir ri pedi^-'^^).
'
Agora, cumpre-nos analisar, ;iseguir, a tese difundida por
Maurice Maier'78),cujos pressuposto:; tericos foram, na realidade,
substancialmente hauridos da anlise jurdica e filosfica mais geral
empreendida por Eisenmann no seu ensaio j referido: L'Esprit des
lois et Ia sparatioiz des pouvoirs, quando procede a uma releitura do
captulo VI do livro XI da obra-mestra de Montesquieu, objetivaiido
demonstrar que, na verdade, o autor iluminista jamais teria formulado a clebre doutrina da Separao dos Poderes, e sim que, como
na Constituio inglesa, ao contrkrio da suposta separao, os
Poderes do Estado se combinariam, fundiriam e se ligariam
reciprocamente. Como j dissemos, a1 ns no nos interessa indagar
da verdadeira doutrina de Montesquieu, mas, antes pelo contrrio,
salientar as alteraes histricas ocorridas que permitiro essa
releitura da obra de Montesquieu. Basicamente, relembraremos,
aqui, apenas o virtual desaparecime:nto da forma monrquica de
govemo aps a Segunda Guerra Munidial, principalmente no que se
refere ao mundo ocidental. A Monarquia, agora, passa a ser sistema
de govemo, enquanto simples Monarquia Parlamentar. Aquela rgida
distino entre Monarquia e Repblica, que terminara por orientar o
emprego dos termos veto e snnrio, para designar realidades
discernveis teoricamente, no mais poderia subsistir, tendo
igualmente encontrado o seu firn os Estados Monrquicos
(7n EISENMANN, Charles. Op. cit., p. 3'73.
0')

MAIER, Maurice. Le veto Lgislatifdu chef de J'tt. Gnve: Georg &


Cia S.A., 1948.

Resistentes, para dizer com Jelliiiek. Desaparecido, historicamente, o


critrio poltico que at ento permitia a distino, autores como
Maurice Maier, com o apoio da nova Teoria das Funes do Estado,
acreditam poder ver, no veto (aqui entendido em sentido amplo,
enquanto qualquer forma de participao assegurada ao Chefe de
Estado no momento de coiistituio da lei ou no de aquisio de sua
eficcia), sempre uma atribuio de carter legislativo, prescindindo
de qualquer anlise mais profunda sobre o momento em que se
verificaria essa participao no procedimento legislativo,
considerado como um todo.

2.4 A tese da identidade jurdica substancial dos


institutos da sano e do veto - Maurice Maier
no interior dessa ltima vertente referida que Maurice
Maier escreve o seu Le veto Lgislntifdu Clzef de L'Etat, um amplo
Maier, desde o incio
estudo de Direito Constitucional C~mparado'~~'.
de seu vasto estudo, emprega indiferentemente o termo veto para
designar tanto a participao constitutiva do Chefe de Estado no
procedimento legislativo quanto aquela de mero controle, exterior,
independentemente do fato de essas distintas faculdades serem
atribudas a Monarcas ou a Presidentes de Repblica. Analisa a
sano monrquica absoluta e o que denomina veto absoluto, mas
que, na realidade, como vimos iio captulo anterior, melhor seria
qualificado como sano, j que ambos os casos histricos (Constituio da Albnia de 1925 e da Repblica da Indonsia de 1950)
nos quais efetivamente atribuda natureza absoluta participao
do Presidente da Repblica na formao da lei ao mesmo tempo 6
emprestada a tal participao carter propriamente coiistitutivo da
lei. O caso da Constituio do Chile de 1833, na verdade, como
tambm vimos no captulo anterior, melhor configura a hiptese de
sano, cuja recusa acarretaria efeitos suspensivos e no absolutos
como cr Maier. Conclui, em relao ao que denomina veto absoluto
(incluindo, nessa categoria, a sano monrquica), que se trata de
forma histrica, praticamente no mais subsistente entre ns.
Diferencia, ainda, mais quatro tipos de veto (englobando a virtuais
formas de sano, j que ignora a distino): a) um veto qualificado quando as Cmaras, para superar a oposio do Chefe do Estado,

09)

MAIER, Maurice. Op. cit.

devam reaprovar o texto legislativo por um quorum qualificado prdeterminado. Nessa categoria, inclui a participao do Chefe de
Estado no procedimento legislativo, prevista nas Constituies dos
E.U.A e de vrias Repblicas presidencialistas latino-americanas. Na
Europa, reconhece, como integrante dessa mesma categoria, os
institutos previstos na Constituio da Espanlia,de 1939, na de Portugal, de 1933, e nas sucessivas Cons~tituiesda Litunia de 1928 e
1938. Das anlises realizadas a respeito dessas Constituies, conclui
que essa forma de participao do Chefe de Estado no procedimento
legislativo teria encontrado terreno frtil apenas nas Repblicas de
tipo presidencialista, onde o Presidente goza de amplas atribuies e
de extraordinrio prestgio at mesmo frente s Cmaras; b) um veto
suspensivo - quando a oposio do Chefe de Estado pode ser
neutralizada mediante aprovaio parlamentar expressa em
legislatura seguinte ou, diretamente, sem passar pelo Cliefe de
Estado, se aprovada por duas legislaturas consecutivas. (Constitues
da Frana de 1791, da Espanha de 1812, de Portugal de 1822, do
Imprio do Brasil de 1824, da Noruega de 1814, do Egito de 1930 e
da Finlndia de 1919); c) um veto translativo - quando o Chefe de
Estado pode deferir diretamente ao corpo eleitoral a deciso sobre
determinada lei, submetendo-a a um referendum popular
(Constituies da Alemanha de 1919 e da Estnia de 1937); e enfim,
d) o simples direito de pedir uma segunda deliberao parlamentar
(Constituies da Frana de 1875 e de 1946, e da Itlia de 1947).
Maier explicita, enfim, em suas concluses, a tese que
suportara toda a anlise empreendida: a da identidade substancial,
tanto do ponto de vista poltico quanto jurdico, dos termos veto e
sano(80).Ignorando de todo os desenvolvimentos havidos no
terreno do procedimento legislativo, enquanto objeto da Cincia
Jurdica, Maier debate exclusivaineiite as teses anteriormente
apresentadas, e, ao refut-las, termina por reconhecer, no mesino
terreno, preponderantemente poltico, a importncia e a prevalncia
do Executivo na obra da legislao. IZetoma Einsenrnann, para quem
a funo legislativa seria simplesmente o poder de editar as regras
legislativas, e por isso, todo e qualquer poder de obstar a entrada em
vigor de uma lei, assegurado ao rgiio da Chefia de Estado, deveria
ser sempre interpretado como um Poder Legislativo. Desconhece
totalmente a distino jurdica entre ato perfeito e ato eficaz, que j
*.

MAIER, Maurice. Op. cit., p. 250 e iss.

havia sido, como vimos, utilizada por Carr de Malberg, a propsito


da sano do Monarca no procedimento legislativo das Monarquias
alems. Para ele, no haveria lei seno quando as disposies,
contidas no ato que leva esse nome, entrassem em vigor; uma lei s
se encontraria juridicamente perfeita, quando suas disposies se
tornassem vlidas, eficazes, aps a sua passagem por todas as fases
previstas pela Constituio.
-c
Confundindo, portanto, nominalmente a perfeio e a eficcia
dos atos jurdicos que Maier advoga a identidade desses institutos
do ponto de vista jurdico. Embora lhe assista inteira razo na crtica
aos critrios puramente polticos que embasavam a distino entre os
dois institutos nas doutrinas precedentes, Maier no buscou analisar
mais detidamente as diversas e distintas conseqncias jurdicas
necessariamente decorrentes da participao do Chefe de Estado no
procedimento legislativo, consoante a essa participao seja
atribuda natureza constitutiva da lei ou venha a ser configurada
como uma mera atividade exterior de controle da atividade
legislativa propriamente dita.
-x-*Por via de conseqncia, as disposies votadas pelo
Parlamento no se transformariam em normas legislativas sempre
que a Constituio assegurasse ao Chefe de Estado a possibilidade de
recusar a sua sano ou de opor o seu veto, pois seriam virtualmente
suscetveis de anulao ou de paralisao mediante a interveno de
tal ato. Maier aplica esse raciocnio no apenas hiptese iiormativa
da sano absoluta, porm a qualquer que fosse a forma adotada para
a participao do Chefe de Estado. Ela importaria sempre em lhe
possibilitar uma atividade substancialmente legislativa, pelo menos
em relao ao momento no qual efetuaria o seu veto, mesmo que,
aps esse ato, o procedimento pudesse ter curso sem sua ulterior
interveno. Para Maier, o veto, em todas as suas formas, faz sempre
do seu titular um co-legislador.
c
Contrariamente tese tradicional que atribua sano o
condo de transformar em lei o mero projeto, contrapondo-a ao veto,
que seria um mero poder de impedir que a lei j perfeita viesse a
produzir todos os seus efeitos, Maier argumenta com o art. lQ, seo
7 V a Constituio norte-americana, segundo a qual o projeto
aprovado pelo Congresso continuar a ser um bill at que o
Presidente nele aquiesa ou que seu veto venha a ser derrubado pela
maioria qualificada requerida. Ora, esse seria um bom argumento
contra a tese apriorstica e prevalente tia doutrina anterior, que
teimava em afirmar a suposta veracidade de um binmio puramente
ideal, que considerava, como vimos, o Monarca dotado de sano

absoluta em coiitraposio ao Presidente de Repblica munido


apenas do veto. No entanto, Maieir utiliza o caso norte-americano
como argumento para comprovar a impossibilidade da distino.
Maier observa, contudo, com razo, que a simples inao do Chefe
de Estado no basta para diferenciar os dois institutos, no sentido de
que, no caso da sano, o silncio fizesse sempre cair a lei, enquanto
no do veto, a fizesse sempre aprovar. Realmente, no verdade que
o silncio seja univocamerite interpretado no sentido indicado. Se,
em regra, o Chefe de Estado doitado do poder de sano pode
interromper o procedimento simplesmente por sua inao, algumas
vezes, como vimos, a CoiistituiEio exige que a denegao seja
expressa, se no quiser evitar que o prolongado silncio venha a ser
considerado como uma tcita aquie:scncia (Constituio da Frana
de 1791). Por outro lado, o Presideiite norte-americano, com o chamado pocket-veto, pode determinar, to-s pelo seu silncio. a queda
do projeto de lei, e ainda o caso do Presideiite filaiids tambm j
referido. Por fim, Maier recorda novamente Eiseiimaiiii, para quem
Montesquieu jamais haveria oposto a faczlldade de impedir
faculclnde de estatuir, pois ambas estariam compreendidas na nica
faculdade de aprovar.
No haveria, portanto, para Maier, qualquer distino que
pudesse autorizar o emprego difereiiciado dos termos sanco e veto,
j que ambos os institutos resultariatn em idnticos efeitos jurdicos e
investiriam os respectivos titulares de um poder efetivamente
legislativo, e assim conclui: "Nous iiious rsumons eii disaiit qu'il n'y
a aucune diffreiice quelconque, sii ce ii'est terininologique, entre
veto et refus de sanction. La facult d'einpcher et la facult
d'approuver sont ideiitiques daiis leurs effets et constituent celui qui
en est investi partie intgraiite du pouvoir lgislatif. Le Chef de
1'tat qui disgose d'un droit de veto participe la fonction
lgislative. Aucun projet ne peut devenir loi tant qu'uii veto peut lui
tre oppos, de mme qu'il ne peut devenir loi taiit qu'il ii'a pas reu
la sanction. C'est la non-opposition du veto absolu ou la dfaite du
veto conditioiinel devant le Parlemeiit ou I'acceptatioii formelle de Ia
mesure vote (selon ce que prvoit 1;1 Constitution) qui transforme eii
loi le texte adopt par 1'Asseinble.
Le droit de veto, que1 que rioit le nom qu'oii lui doiiiie, et
quelle que soit sa forme, est une atributioii lgislati~e"(*~).

MAIER, Maurice. Op. cit., p. 256.

2.5 Riscaretti di Ruffia: a sano, a aquiescncia e o


veto na teoria geral da participao do Chefe de
Estado no procedimento legislativo
-.

Biscaretti Di Ruffia, como vimos no captulo anterior, acolhe,


da tese de Maier, a coinprovao de que, tanto em Monarquias
quanto em Repblicas, participao do Chefe de Estado no
procedimento legislativo pode ser atribudo carter constitutivo da
lei. Contudo, para enfrentar o problema da conceituao dos termos
ireto e S ~ ~ Gcom
O o necessrio rigor, recorre h doutrina mais atual
acerca do procedimento legislativo, com o intuito de precisar os
correspoiideiites momentos procedimentais nos quais se verificam as
distintas participaes no seu contexto prprio: o do procedimento
legislativo considerado como um todo(82).Detm-se, de incio, em
uma sinttica exposio dos conceitos bsicos de Serio Galeotti
sobre o procedimento legi~lativo(*~),
apresentando-o como o procedimento de formao da lei formal, compreendido no como ato singular, mas enquanto coiijuiito de atos vinculados entre si, delineados
pelo ordenamento constitucional no nmero e na articulao de suas
fases, com vistas produo do ato final, a lei. Apresenta esse
procedimento, na linha de axioma, trs fases bsicas, ainda que,
segundo os vrios ordenamentos positivos, os respectivos
deseiivolvime~itos dessas fases possam vir a variar
significativameiite. Inicia-se o procedimento por uma fase
introdutria, tambm cliamada iiistaurativa ou preparatria, na qual
se concretiza, logicamente, em suas vrias expresses, a iniciativa
legislativa. A fase introdutria segue-se a fase coiistitutiva ou
perfectiva, em que especificamente se forma, em sentido estrito, o
ato iiormativo propriamente dito: mediante a aprovao do
Parlamento, uni ou bicameral, podendo, ainda, conforme prefigurada
pelo ordeiiameiito, ser tambm requerida supervenieiite e idntica
manifestao de vontade coiistitutiva do Chefe de Estado.
Perfeccionado o ato legislativo, segue-se, encerrando o
procedimento, uma fase integrativa da eficcia, pela qual a lei, j
perfeita, poder enfim adquiiir uma eficcia erga omnes. Observa-se
que, na maior parte dos Estados de tradio romnica, essa ltima
fase subdistingue-se nas duas subfases da promulgao e da
(82)

BISCARETTI DI RUFFIA. Op. cit., p. 247 e ss.


GALEOTTI, Serio. Cotztributo alla teoria de1 procedinzeizto legislativo.
Op. cit.

publicao, enquanto, especialmente naqueles Estados anglo-saxes,


o seu desenvolvimento se verifica de forma mais simples e rpida.
A fase constitutiva, como ensinara Carr de Malberg, via de
regra se concretiza em um ato complexo, medida que mais de uma
so as manifestaes de vontade dos rgos legislativos que devem
fundir-se, conjuntamente, para determinar o surgimento da lei formal. Apenas na hiptese de que o :Parlamento seja unicameral, ou
que apenas uma das Cmaras efetivamente delibere sobre o projeto e
a outra se limite a um papel meramente consultivo, e que ao Chefe
de Estado no seja reconhecida unna participao constitutiva no
procedimento, o ato normativo em1 questo poder apresentar-se
como ato simples. O que no impede, como no caso italiano, que
frequentemente se reconhea ao Chefe de Estado, na fase de
aquisio da eficcia, uma atividadle procedimental especfica, de
carter meramente executivo, pois essencialmente de controle
poltico sobre a atividade legislativa das Cmaras, sucessiva verdadeira e prpria pronncia legislativa, enquanto vem a configurar-se
como condio suspensiva da eficcia do ato legislativo j perfeito.
E entre tais atividades procedimeiitilis, no pertinentes formao
propriamente dita, em sentido tcnico e restrito, do ato legislativo, j
constitudo, e que funcionam somente como condies suspensivas e
preliminares aquisio de sua eficcia, encontra-se a que
habitualmente reconhecida ao Chefe de Estado nas Repblicas no
presidencialistas, quando, sem qualquer dvida, no se lhe reconhea
qualquer participao na verdadeira e prpria fase constitutiva da lei.
Poder de controle que comumente se encontra compreendido na
genrica expresso poder de veto.
Logo, possvel a constatao de que a lei formal se
constitua, em um primeiro momento, e com isso se apresente
perfeita, enquanto dotada de todos os elementos constitutivos
requeridos, embora apenas sucessivaimente venha a produzir todos os
seus efeitos jurdicos e se tornar eficaz. Em razo disso, a
interveno dos rgos colaboradore,~no primeiro cmputo, em uma
anlise jurdica, minimamente rigorosa, deve ser notadamente
diferenciada daquelas outras participaes que, das mais diversas
formas, tenham lugar apenas no segundo.
.. Assim que Biscaretti critica Maier por ignorar totalmente a
estrutura do procedimento legislativo, ao afirmar que exerceriam
uma funo legislativa todos os rgos aos quais a Constituio
atribusse uma participao no final do procedimento legislativo,
fosse essa participao constitutiva ou de mero controle, pois os
efeitos jurdicos seriam os mesmos, a virtualidade da paralisao da

lei, impedindo que essa gerasse seus efeitos prprios, ou seja,


adquirisse eficciaCs4).
Mas, como afirma Biscaretti, "di fronte allaccennato cumulo
di argomentazioni (in cui i rilievi essatti sntrecciano in modo quasi
inestricabile imprecisi o addirittura errati)"(85) necessrio retomar as
consideraes iniciais sobre o procedimento legislativo e a sua
enucleao cientfica em fases. A conhecida distino entre ato
jurdico perfeito e ato jurdico eficaz, ou seja, entre aquele ato jurdico j completo, dotado de todos os seus elementos constitutivos,
mas ainda no produtor de todos os seus efeitos jurdicos, e o ato que
finalmente adquiriu, atravs, por exemplo, de um controle ulterior,
do seu registro e de sua notificao publica, um carter obrigatrio,
erga omnes, torna de tal forma clara a exigncia de sua aplicao ao
procedimento legislativo, graas natureza cientfica e ao poder
explicatrio e de orientao da interpretao normativa para a
soluo de efetivos problemas jurdicos concretos, que dispensaria
maiores comentrios. E assim, aceitvel deve resultar igualmente a
distino entre a participao do Chefe de Estado que signifique
contribuio efetiva formao da lei em sua fase constitutiva, e
aquela que, ao contrrio, se apresente como um mero ato de controle
ou exame posterior da lei j perfeita, implicando apenas a
possibilidade de suspenso transitria do incio da eficcia da
mesma, mediante a exigncia de uma nova deliberao parlamentar
simples ou qualificada, ou, ainda, de uma deciso a propsito do
corpo eleitoral. Na hiptese de resultado positivo, cumprida a
condio suspensiva, a lei adquire a sua eficcia prpria. Assim
que aqui nos encontraramos, no caso da segunda eventualidade, j
margem da fase constitutiva, na fase de iiitegrao de sua eficcia.
E nesse passo, Biscaretti faz intervir o seu argumento decisivo
contra a tese de Maier, considerando que, se, de um ponto de vista de
grosseiro pragmatismo, a recusa de sano e o veto, em um certo
sentido bastante genrico, produzem os mesmos efeitos prticos ou seja, a no-entrada em vigor da lei, como reiteradamente afirma
Maier - por intermdio de uma indagao jurdica mais penetrante
e cientificamente refinada, no poderemos deixar de constatar que,
na primeira hiptese (a recusa de sano), a lei no se encontra nem
mesmo perfeccionada, constituda - por ser contrria a manifestao de vontade do Chefe de Estado, que, se se somasse quela

(84)
('"

BISCARETTrI DI RUFFIA. Op. cit., p. 249 e ss.


BISCARETTI DI RUFFIA. Op. cit., p. 253.

parlamentar em um nico ato complexo, transformaria o mero


projeto de lei em lei prpria e verdadeira -, enquanto que, no
segundo caso (a oposio de um veto), a lei j perfeita no teria
podido encontrar continuidade no procedimento em direo
aquisio de sua eficcia, terceira e ltima fase de sua produo,
ficando subordinado o curso posterior do procedimento ao advento
de uma determinada condio, a reaprovao parlamentar ou o xito
positivo de um referendum popular.
E, ao contrrio do que afirma Maier, tal distino no decorre
de mera exigncia doutrinria sem qualquer efeito prtico, uma vez
que manifesto que, sob vrios pontos de vista, (no que se refere,
por exemplo, ao controle extrnseco de constitucionalidadeda lei e
questo que motivou todo o presente trabalho, ou seja, a indagao a
respeito dos efeitos da sano aposta a projeto de lei resultante da
no observncia de clusula assecuratria da iniciativa privativa
daquele que sanciona; aos critrios do exerccio do poder em exame
pelo Cliefe de Estado e s vrias coiisequncias jurdicas decorrentes
dessas distintas atividades), essa distino pode determinar bem
diversas avaliaes jurdicas dos comportamentos singulares em
tela(86).
A seguir Biscaretti, procede a um rico e exaustivo exame no
s das Constituies j analisadas por Maier, mas complementa a
pesquisa anterior e procede distiii!;o entre aquelas participaes do
Chefe de Estado no procedimiento legislativo, s quais
encomendado carter constitutivo da lei, e as que se consubstanciam
em mera atividade de controle, exterior funo legislativa
propriamente dita, o que nos seirviu de norte para o exerccio
desenvolvido no primeiro captulo.
A ttulo de coiicluso, Biscaretti busca proceder
determinao conceitual dos termo,s veto e sano. Com o objetivo
de obter uma maior preciso substcuicial e terminolgica, cientfica,
diramos, com relao complexa e variada matria da participao
constitutiva do Chefe de Estado no ]procedimentode formao da lei,
que o autor sublinha a convenincia do emprego do termo veto
para designar apenas aquelas atividades, iiormativamente previstas,
em que o Chefe de Estado (nesse caso, sempre republicano)
desenvolve um simples poder de ac:onselhameiito e de controle, nos
confrontos com a atividade legislativa, desenvolvida, a rigor,
exclusivameiite pelas Cmaras. R~:servando-se,por outro lado, o
termo sano para aquela participao do Soberano e a expresso
BISCARETTI DI RUFFIA. Op. cit., p. 254.

194

aquiescncia(87)para a dos Presidentes de Repblica, sempre que se


pretenda conservar, a respeito da matria, uma distino meramente
extrnseca, para designar a atividade desenvolvida por esses Chefes
de Estado no procedimento legislativo qual seja atribuda natureza
propriamente constitutiva da lei, ainda que, em seguida, resulte
igualmente acolhida a possibilidade de uma renovada manifestao
simples ou qualificada da Vontade Parlamentar, ou, ainda, uma
adequada interpelao popular (referendum, ou novas eleies), que,
verificadas, permitam a superao da negativa de sano ou de
aquiescncia, possibilitando lei igualmente formar-se, mesmo que
prescindindo da participao superada do Chefe de Estado.
Dessa forma que, em relao classificao de Maier,
prope, no que se refere aos vetos, agora em sentido tcnico e
restrito, a seguinte srie categorial: a) o veto absoluto, ainda que
praticamente inexistente. Em nossa pesquisa, no nos foi possvel
identificar um nico exemplo, o caso da Constituio do Chile de
1833 referido por Maier, como vimos, enquadra-se melhor na
categoria da sano, cuja denegao teria efeito meramente
suspensivo, e os da Albiiia de 1925 e da Indorisia de 1950, na
verdade, para usar os termos de Biscaretti, configurariam hipteses
de aquiescncia no supervel; b) o veto qualificado; c) o
translativo; e d) o reduzido ao simples poder de pedir uma nova
deliberao parlamentar. Biscaretti suprime da classificao de
Maier, o chamado veto suspensivo, pois, na realidade, todas as
hipteses histricas e a ainda atual configuram casos de sano, e
no de veto; revestindo-se, de fato, portanto, de natureza diversa.
c8n na verdade, Biscaretti sugere o termo "assenso", ein italiano, para desiguar a atividade constitutiva do Presidente da Repblica no procedimento legislativo, derivado da palavra inglesa "assent". Na traduo
optamos pelo termo "aquiescincia" etn detrimento do equivalente
"assentimento", que decorreria naturalmente da mera traduo literal,
pois o primeiro alm de guardar precisainente o mesmo significado
familiar e usual linguagem Constitucional luso-brasileira. Todavia,
no adotaremos, nesse particular, a distino sugerida, pois conio
afirma o prprio Biscaretti essa foi forjada apenas para "Qualora
s'intenda mantenere, a1 riguardo, una distinzione, esteriore", que no
julgamos oportuna, tendo em vista que o termo sano tradicionalmente corrente em nossos textos constitucionais e que, em ingls, o
termo "assent" sempre foi utilizado para desiguar o mesmo referente,
como por exemplo na expresso "Royal Asseiit", precisamente o que
sempre designamos pela expresso equivalente "Sano rgia".
Ver BISCARETTI DI RUFFIA. Op. cit., p. 291.

Por outro lado, Biscaretti oferece uma nova srie categorial


relativa sano ou nquiescncia, qualificando-as como: a) no
superveis - a regra antiga, mas nlo exclusiva, no que se refere s
Monarquias Constitucionais, ainda existente, em algumas das atuais
Monarquias Parlamentares,contudo, esvaziada de qualquer coiitedo
volitivo ou discricionrio da par1.e do Soberano, consoante o
entendimento da melhor doutrina e comprovao da prtica
constitucional nesses pases; b) supervel por uma renovada
deliberao parlamentar por maioria qualificada; c) supervel por
deliberao parlamentar de legislatiira sucessiva; d) supervel por
consulta direta ao corpo eleitoral, imediante referendum; e e) supervel por simples reaprovao parlamentar.
Conclui, enfim, Biscaretti que a participao do Chefe de
Estado no procedimento de formaib da lei em todos os Estados
contemporneos de Democracia clssica adequada forma hoje
genericamente assumida desse Estado que no pode ser informada
por outro princpio que no o democrtico, afirmando a prevalncia
da vontade popular e a de sua representao pluralista, sempre
destinada, em ltima anlise, a piredominar. Se, por acaso, for
possvel o retorno a uma certa prtvalncin da chefia de Estado,
certamente essa poderia ocorrer mais facilmente em um Estado
republicano, devido ao carter representativo do mesmo, que ainda
poderia, at certo ponto, permitir-lhe a canalizao eficaz da vontade
popular em detrimento das prprias Cmaras, no pressuposto de uma
interpretao unitria da vontade da Nao.
Ocorre, em suma, reconhecer que a exigncia moderna de que
o Estado resulte governado pela va~ntadeda maioria dos cidados
encontrou, enfim, para Biscaretti, a mais geral e manifesta realizao
prpria no Direito Positivo que regula, nos diversos ordenamentos
constitucionais, o procedimento de fc~rmaoda lei(88).

2.6 A comprovao doutrinria dos postulados


iniciais da presente pesquisa: A distino entre os
conceitos de sano e ide veto ao nvel da Teoria
Geral do Direito
Se do exerccio realizado i10 primeiro captulo resultou a
comprovao de que a realidade norrnativa do Direito Constitucional

(")

196

BISCARETTI DI RUFFIA. Op. cit., p. 294

Positivo, em Monarquias e Repblicas, sincronica e diacronicamente


considerada, revela-se muito mais rica e complexa do que poderiam
abarcar os esquemas doutrinrios, at ento, por demais aprionsticos,
simplistas e prioritria e politicamente orientados, o segundo
exerccio que terminamos de empreender, nesse captulo, vem
comprovar tal assertiva e nos fornecer a oportunidade de, ao refletir
sobre os caminhos e descaminhos de que foi objeto o nosso instituto
ao nvel da Teoria Geral do Direito, buscar assentar, em bases
normativamente rigorosas, os postulados iniciais da presente
pesquisa. Obviamente, requisito essencial obteno de uma
resposta segura e precisa quela questo tpica proposta no incio do
desenvolvimento do trabalho a fixao do conceito da sano do
Chefe de Estado no procedimento legislativo enquanto fenmeno
jurdico nico e discernvel dos demais institutos que lhe so
prximos, na qualidade de postulado inicial.
Nesse passo, o estabelecimento do dilogo com os tericos
que anteriormente fizeram objeto de sua reflexo o instituto da
sano fundamental, quando menos, no sentido de possibilitar a
apreenso das diferenas especficas de enfoque e metodologia na
abordagem do mesmo, o que certamente ter o condo de viabilizar
uma compreenso precisa da teoria a que se prope. importante
frisarmos, e talvez esse modo de proceder constitua por si s j uma
ruptura com a tradio anterior, que no se buscou apresentar aqui
uma histria das doutrinas sobre a sano como uma galeria de
erros, para usar os termos de Hegel, como se o instituto fosse dotado
de uma realidade absoluta e independente da realidade normativa e
histrica da qual recebeu vida. Muito ao contrrio, buscou-se revelar
o sentido histrico e poltico datado, geogrfica e socialmente
localizado que informava e conformava os postulados iniciais de tais
teorias, no mais das vezes, tornando-as inidneas para a
compreenso efetiva e genrica do instituto e impossibilitando-as de
aambarcar, como teoricamente se propunham, em toda a sua
riqueza, as distintas realidades normativas histricas de manifestao
do instituto em sua prpria poca. Igualmente temos que salientar, e
aqui relevamos a existncia de outra ruptura metodolgica, que no
se buscou adaptar, mediante o desconhecimento da riqueza e
variedade das distintas realidades convencionais normativas, as
diferentes configuraes positivas aos pressupostos polticos,
axiologicamente orientados e aprioristicamente decorrentes das
verdadeiras leituras que virtualmente pudssemos empreender das
obras clssicas de um Montesquieu ou de um Hegel, enquanto argumento de autoridade. Orintou-nos, antes, a conscincia de que a

distncia que nos separa desses grandes filsofos no apenas temporal, mas que. de forma necessria e precisa, envolve a contribuio
viva dos mesmos na construo e reconstruo pelos homens cerca de dois sculos especialmente profcuos por darem guarida a
um sem nmero de alteraes sociais, polticas, jurdicas e
econmicas, profundas e historicamente significativas- de distintas
realidades cotidianamente vividas e correlata e diversamente
apreendidas ao nvel da teoria. Proceriso que, inclusive, possibilitou,
no interior de uina sociedade de tal forma democratizada que seria
inconcebvel, para o pensamento daqueles clssicos, o surgimento de
uma cincia especfica do normativo que teve a audcia de submeter
aos seus cnones o prprio fenmeno da criao do Direito Positivo:
o procedimento legislativo.
E essa a dimenso da ruptura empreendida por Biscaretti
com relao aos seus predecessores. E caso queiramos apreender, de
um ponto de vista essenciameiite iiorm~ativo,os institutos da snno e
do veto, impe-se-nos a ruptura corri a concepo tradicional que
toma tais institutos como realidades existentes em si mesmas,
aprioristicameiite determinados por puros postulados polticos
elevados categoria de fitndnmentais e que, portanto, requerem o
desconliecimento da realidade prpria na qual os mesmos se inserem,
a normativa; que, por sua prpria natureza, puramente coiiveiicioiial,
necessariamente s pode apresentar-se de uina forma rica, complexa,
matizada, variada e varivel. Tal fato, tampouco, autorizaria, no
entanto, o abstrato e indiferenciado tratamento dispensado a esses
institutos por Maurice Maier. Sua tese, na verdade, apenas o
reverso de uma mesma moeda, pois revela ainda a prevalncia de um
eiifoque puramente poltico; uma reflexo estrita e exclusivamente
orientada para a tentativa de compreeiiso apenas dos efeitos
polticos mais gerais de ambos os institutos.
Biscaretti efetua esse rompimerito, porque parte de premissas
metodolgicas diversas, no prefigura aprioristicamente um suposto
objeto determinado em si mesmo como uina entidade naturalmente
dada, nem tampouco toma como homogneas configuraes
objetivameiite distintas dos ordeiiamentos positivos pela mera
suposio da identidade dos seus efeitos polticos mais gerais mas, pelo contrrio, com a fineza e o refinamento do senso jurdico
que lhe prprio, analisa os distintos institutos no seu contexto
especfico: o do procedimento legislativo. Se insistimos nesse
rompimento no porque nos preocupa sublinliar a diferena ou a
novidade das proposies cientficas que acolhemos. Alis, bom
que frisemos, tais premissas analticas encontram-se assentadas na

Europa desde a dcada de cinquenta. Repudiamos igualmente o


ecletismo fcil decorrente da iluso de que aqui poderamos estar
simplesmente complementando as insuficincias das abordagens
anteriores. Na verdade, para ns, o prprio enfoque, o mtodo de
abordagem de um objeto , em si mesmo, constitutivo do prprio
objeto. Assim que insistimos no rompimento, porque aquelas
produes tericas no se caracterizam apenas por sua insuficincia
do ponto de vista iiormativo ou especificamente jurdico, mas sim
pela prpria interdio que elas representam a esse tipo de
abordagem; pelo obstculo em que se erigem, ao inviabilizar a
compreenso especificamente jurdica no s do instituto em exame,
mas do procedimento legislativo como um todo, no qual esse
necessariamente se insere e pode encontrar a sua explicao. Dessa
forma que, partindo precisamente da contextualizao dos
institutos da sano e do veto, consoante respectiva e distinta
insero dos mesmos no procedimento legislativo, Biscaretti os
distingue normativamente quanto natureza jurdica especfica de
cada um, da qual, necessariamente decorrem efeitos jurdicos
obviamente diversos.
Assim que, na Constituio da Itlia de 1948, se reconhece
na participao encomendada ao Chefe de Estado no procedimento
legislativo, pelo art. 74, uma mera funo de controle externo sobre a
atividade legislativa propriamente dita, um veto em sentido tcnico,
pois como afirma Galeotti: "Resta esclusa, con buona sicurezza, ogni
natura legislativa in codest'atto, argomentandosi ci agevolmente
dalla formola dell'art. 70 Cost. che chiaramente esclude, specie se
raffrontata con Ia disposizione corrispondente dello Statuto (art. 6 ) ,
una partecipazione de1 Capo de110 Stato all' esercizio della funzione
legislativa; e riconfermandosi ci, ulteriormente, in base agli effetti,
di cui 10 stesso ato produttivo, i quali iion incidono menomamente
sulla liberth di determinazioni delle Camere, che, como iioto,
possoiio integralmente riconfermare Ia legge precedentemente
adottada. L'atto costituisce invece chiara inaiiifestazioiie di una funzione de controllo; e di un'attivit di controllo, sul modo iii cui
stata concretamente esercitata Ia funzione legislativa, si rinvengoiio
i11 tal caso gli elementi, che la migliore dottrina indica come
strutturali della stessa fuiizione. Nessun'altra attivit logica pu
concepirsi contenuta e trasfusa nel messaggio, previsto da1 cit. art.
74, fuor da quella di un riesame, di una valutazione dell'atto
legislativo compiuta dallrgano controllante, a1 lume dei principi e
delle norme secondo i quali la Costituzone 10 abilita ad esplicare
detto suo controllo. La sua volont non per nulla richiesta aila

,
I

I
I
I

perfezione dell'atto legislativo, che , secondo la struttura


impressagli nel nuovo ordinarnento~,gi costituito e formato con la
concorde deliberazione delle due Ciimere. A1 contrario, l'organo che
fruisce dell'attribuzione, di cui si tratta, entra, o almeno, pu entrare,
soltanto nella fase de1 procedimento , in cui l'atto legislativo, gi
validamente costituito, dovrebbe integrare la sua efficacia; e qui egli
pu intervenire sospendendo in via provisoria la promulgazione della
legge e chiedendo alle Camere, mediante l'invio di un messaggio
(ove si espongono i motivi de1 provvedimeiito), di procedere ad una
nuova delibera~ione"@~).
Tal distino, de se relevar, apenas se tornou possvel graas
considerao dos referidos institutos no seio dos mais consolidados
avanos da doutrina da Teoria Geral do Procedimento Legislativo.
Aqui, tomado em uma acepo mais genrica enquanto srie
concatenada de atos realizados por distintos sujeitos jurdicos, com
vistas produo de um ato final determinado, a lei, em relao
qual esses atos podem encontrar a sua necessria unidade e ntima
vinculao recproca. Mediante 13 recurso eiiucleao desse
procedimento em momentos juridicamente relevantes, obtm-se o
reconhecimento de suas trs fases ou instantes mais significativos: a
fase da iniciativa, consistente na verificao dos atos que pem em
movimento o mecanismo juridicamente propulsor do procedimento;
a perfectiva ou constitutiva, na qual o ato jurdico em questo, a lei,
se torna perfeita, integrada por todos os seus elementos constitutivos,
ou seja, apta potencialmente a produzir os efeitos a ela juridicamente
atribudos; e, finalmente, a fase de iritegrao da eficcia, mediante a
qual a lei se incorpora plenamente ao ordenamento.
O reconhecimento da distino bsica, doutrinria e
normativamqte assentada, entre aqueles dois grandes grupos de
distintas participaes do Chefe de Estado no final do procedimento
legislativo, consoante fase do procedimento em que se verifiquem,
qualificando-as, respectivamente, como sano, se esta se verifica na
fase constitutiva, ou veto, se ocorre j quando da fase de mera
aquisio de eficcia, obviamente, implica a atribuio de distintas
conseqncias jurdicas a tais partici13aesou s recusas havidas.
Acercamo-nos, assim, da anlise dos aspectos procedimentais
atinentes questo tpica que nos move. Contudo, os
desenvolvimentos at aqui realizados nos possibilitaram firmar em
(89)

GALEOTTI, Serio. I1 rinvio presideinziale di una legge (art. 74 const.).


In: Rassegna di Diritto Pubblico. anno V , n", Jan-Fev. 1950. p. 50-51.

200

bases slidas apenas a premissa inicial necessria resoluo da


questo. A sano uma participao de natureza legislativa, uma
vez que constitutiva da lei, encomendada a Chefes de Estado em
determinados ordenamentos constitucionais, mesmo republicanos, e
que difere essencialmente daquela outra mais corrente nos
ordenamentos republicanos e de todo inexistente nas Monarquias,
mediante a qual se reconhece ao Chefe de Estado uma mera
atividade de controle, de natureza distinta da funo legislativa
exclusiva e propriamente desenvolvida pelas Cmaras, sobre a qual
esse controle exercido. Mas se a essas distintas participaes,
logicamente, devem ser reconhecidas consegncias jurdicas
diversas, a determinao dessas conseqncias exige um melhor
conhecimento jurdico-cientfico do que seria o procedimento
legislativo enquanto fenmeno jurdico especfico.
Antes de buscarmos resolver tais questes, necessro que
explicitemos quais os pressupostos tericos que informam e
conformam a presente pesquisa, o que para n6s vem a ser a Cincia
Jurdica e qual a sua relao com a Filosofia do Direito, e ainda qual
a importncia de se dar um tratamento juridicamente cientfico aos
institutos do Direito Constitucional, especificamente os atinentes ao
procedimento legislativo, em uma democracia incipiente como a
nossa.
So essas as questes a.que buscaremos responder no prximo
captulo, a partir das quais o motivo tpico que nos move poder
encontrar resposta satisfatria.

Captulo I11
A SANAO COMO OBJETO
DA CINCIA JURIDICA
E O PROBLEMA DA
EFICCIA DO INSTITUTO
NO PROCEDIMENTO
LEGISLATIVO BRASILEIRO

"Em algum ponto perdido deste Universo, cujo claro


se estende a inmeros sistemas solares, houve, uma
vez, um astro sobre o qual animais inteligentes
inventaram o conhecimento".
Nietzsche, 1873.

I
t

3 A SANO COMO OBJIETO DA CINCIA


JURDICA E O PROBLE:MADA EFICCIA DO
INSTITUTO NO PROCEDIMENTO

LEGISLATIVO BRASILEIRO

ii
[I

Neste captulo pretendemos explicitar os pressupostos tericos


que aliceram e instrumentalizam a presente pesquisa, expondo os
motivos que a legitimam e justificam como um exerccio de
Filosofia do Direito, necessrio e oportuno no momento em que se
afirma constitucionalmente a maiolidade e a cidadania plena dos
brasileiros. Da explicitao desses pressupostos, devero resultar
premissas metodolgicas que nos permitiro expor, com maior rigor,
os termos do problema da eficcia da sano do Chefe de Estado no
procedimento legislativo brasileiro, proceder sua contextualizao
e delinear os passos propostos para a sua soluo.

3.1 Do papel da Filosofia e da Cincia do Direito na


tarefa de consolidao do regime democrtico
A atuao do primeiro Presidente da Repblica eleito sob a
gide da Constituio de 1988, decorrente do exerccio dos meses
inaugurais de seu mandato, j consttui prova mais do que evidente,
precisamente porque encontrou respaldo quase que irrestrito no s
da populao em geral, mas, inclusive, dos demais Poderes
institudos, do fato de que a herana cultural de um povo no algo
reificado, morto e inerte que se preste utilizao poltica apenas
quando se queira, passvel de ser isollado e apartado mediante a mera
elaborao de novas normas jurdiiras''). Pelo contrrio, viva e
Ao qualificarmos de mera a tarefa de elaborao legislativa, no
pretendemos de forma alguma desqualificar a importncia da natureza

i,

atuante, conformadora de uin determinado senso comum, que, por


sua gramtica prpria, recobre de forma inconsciente, coletiva e
eficaz um dos possveis significados dos atos polticos com o vu de
uma aparente obviedade que, por sua vez, no apenas torna opaca e
inviabiliza a compreenso do espao de liberdade constitucionalmente limitada no qual tais atos necessariamente se inserem, mas,
o que pior, permite que consideremos naturais, nquestionveis e
necessrios, como se decorressem da prpria natureza das coisas,
atos contrrios hs normas mais comezinhas de correo
constitucional, assecuratrias dos direitos elementares da cidadania
,
exatamente, pelo mais alto dignitrio
frente ao ~ o v i r n operpetrados,
do Pas.
Quando se elabora uma Constituio ou qualquer lei de nvel
Iiierrquico inferior, quando so exercidas as competncias ou
atualizados os direitos nelas abstratamente atribudos ou previstos,
quando tais exerccios ou atualizaes, uma vez questionados, so
examinados e as coiitrovrsias decididas pelo Judicirio, quando tais
matrias so estudadas pela doutrina, fazemos Direito, mas no
Filosofia do Direito. A Filosofia, em sentido bastante geral,
exatarnente aquela instncia
reflexiva gue tem x o ~ b j e t o agir e o
saber huiiianos, caracterizada poruma tomada de posio valorativa
--do pesquisador --f r e- z aos mesmos. Nesse sentido, operamos uma
ruptura com o conceito tradicional-de Filosofia do Direito. De um
pinto de vista democrtico, a Filosofia do Direito no pode ser
compreendida como a busca do estabelecimento de um justo
absoluto, de uma verdade fixa e transcendente que pudesse ter o
condo de nos aliviar da difcil tarefa de estabelec-la, diretamente
ou mediante representao poltica. Em uma Democracia, a verdade,
ou melhor, o justo historicamente datado h que resultar dos debates

V
-

_--_l-.llll
l1

Ao qualificarmos de mera a tarefa de-elaborao legislativa, no


pretendemos de-forna-alguma-desgualificar a imporjncia da natureza
-do
procedimento adotado para a concepo de tais normas. Salta aos
olhos a essencialidade do carter altamente participativo, de todo peculiar em nossa histria constitucional, de que se revestiram os
procedimentos de elaborao da Constituio da Repblica, dos
Estados e das Leis Orgnicas Municipais para a eficcia dos mesmos.
O que se quer salientar simplesmente o fato de que se esse aspecto
fundamental, no , por outro lado, condio suficiente para
consolidao de um regime democrtico que requer, a par da garantia
do efetivo acesso universal s condies sociais mnimas que
virtualizem o exerccio da cidadania, instrumentos cientficos que
garantam a imparcialidade na aplicao de suas normas.
(')

pblicos, que, por sua vez, no podem prescindir da formao de


opinio pblica instruda capaz de resgatar para a sociedade civil e
seus representantes a responsabiliciade sobre as decises polticas,
ainda que incidentes sobre os mais intrincados e especializados
temas tcnicos. Portanto, para ns, o questionamento da suposta
obviedade que ainda recobre toda uma pliade de prticas
governamentais, legislativas, jurisprudenciais e sociais em sentido
amplo, que vicejaram sob o ordenamento autocrtico anterior, bem
como das teorias que lhes forn~eciamsuporte doutrinrio, no
momento de transio para um regime democrtico, exerccio de
Filosofia do Direito, imprescindvel ao aprimoramento das tcnicas
de interpretao normativa, das iiistituies democrticas como um
todo e essencial efetividade da ~id~adania.
Um dos postulados fundaimentais da presente pesquisa,
portanto, o da importncia do papel reservado a um discurso
jurdico rigorosamente cientfico. enquanto elemento capaz de
limitar, ao atribuir rigor e coerncia interna ao trabalho de
reconstruo sistemtica do ordenamento normativo, as
possibilidades estruturais e orgnicas viveis de interpretao dos
textos legais, principalmente tendo-se sempre em vista a pesada
herana de uma sociedade hierarquizada e excludente, na realidade
fundada muito mais nos privilgios zelosamente preservados do que
em uma igualdade jurdica formal, constitucionalmente h muito
declarada no Brasil. Herana que lermina por prevalecer sobre os
textos constitucionais, ao tornar aceites leituras e prticas oficiais
que, a rigor, cientificamente, no encontrariam respaldo jurdico nos
mesmos.
Essa questo, j tematizadla por autores como Oliveira
Vianna, no que concerne Constituio de 1891, tomada como fruto
do que denomina vcio idealista, haveria marcado a Constituinte e
sua obra, cujo texto modernizante seria, ento, totalmente estranho
realidade
A questo, contudo, era f
ao tematizarem um suposto
esses autores o faziam no
, saudosista e r~etrgrada,traduzida na busca de
uma suposta unidade orgnica perdida, que se consubstanciou na
afirma20 da necessidade de um Estado autoritrio e centralizador.
Tais assertivas, ao mesmo tempo em que se assentavam, difundiam o
discurso oficial da ordem anterior sobre si mesma - o Imprio do

it

Ii
I
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1
L

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k

II

I
i

ii.
E

1I
f

VIANA, Oliveira. O Idealismo da Constituio. Rio de Janeiro: Ed.


Terra de Sol, 1927.

,I

Brasil - discurso ainda mais idealizado, para usar o termo do prprio Oliveira Vianna, ao ser elevado condio de paradigma; esse
fato que at hoje marca de forma indelvel a historiografia sobre o
.
Brasil monrquico e impede o real conhecimento histrico e jurdico
do perodo.
Quanto a ns, recolocamos a questo sob uma perspectiva -q
totalmente distinta, assentada na constatao contrria e !8
comprovvel de que a crnica distncia que separa a lei de sua ( f ~
aplicao
no Pas estrutural, pois-no apenas---se vincula
e -se explica $ t$
----.pela
- .--trajetria
--- - -- histrica
de uma
- sociedade
hjerarquizada-e
excludente, que deixa h margem a - m e parte da p o p u l ~ ~ ',8 ~ m ~ ~ ~
ainda , ela
- mesma, condio essencial preservaodos
- privilgi~s
--3
e- monoplioslierdados que a caracterizam.
K
~ s s mretomamos
,
a questo
- sob
_ -uma
-- nova perspectiva, em QT
que a anlise das
-prti~as~discursivas
-- - -constitucionai_sciega&,
-- .
-V 2
I
.~u3rudenciaise doutrinhrias
nos permite
recoloc-la
no a-partir
-- 3 2
-do enfoque de um aparente
---- divrcio, mas tematiza-la como
subverso etetva
dos
significados
originais e primeiros
-- - -- ----.
-possveis,
.dos textos legais que, ao serem atuaiizaTs por prticas tradiciorgtis .t
inerentes ordem
- - &esta,
--anterior, asseguram a continuidade
matizando e determinando uma leitura especfica intimamente ,?3 {
vinculada quela
--- ordem precedenteao texto que
-- G e r i a- implantar a 2
c4
nova ordem, e que,sQ_b_CiJticade uma Cinci~~o-Direito,
enquanto x
tcnica de intgreztgo, n_opodgSa gel__encontrg e p - g o . Trata- c
se, portanto, de se indagar no apenas como e de que forma
assegurar, no nvel da eficcia do ordenamento, das prticas sociais,
mas, tambm no nvel da prpria teoria cientfica, o surgir e o
enraizar-se de prticas alternativas, previstas ou pressupostas como
essenciais nova ordem, e que marcaro sua diferena especfica em
relao anterior.
Dessa forma, precisamente em razo da essencialidade das
questes postas j de incio por essa reflexo, ainda que incipiente,
sobre a realidade atual do Direito Constitucional no Pas,
importante que nos detenhamos um pouco na anlise da relao geral
I
entre a Filosofia e as Cincias, para depois tematizarmos
especificamente essas mesmas relaes no campo prprio do
Jurdico, no sentido de buscarmos emprestar ao discurso uma maior
preciso e a consecuo de uma postura mais rigorosa, que nos
permita qualificar, de forma exata e adequada, a natureza do instrumental analtico de que poderemos dispor para a abordagem do
instituto da sano do Chefe de Estado no procedimento legislativo,
enquanto objeto da Cincia Jurdica.
I

os

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v
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I

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I_C

----"I---

"

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-$a

,
\

3.1.1 Da relao complementar entre Filosofia e Cincia


Se o filosofar uma atitude racional, particular do homem
perante a realidade, e se essa atitude se efetiva mediante a reflexo
traduzida em conceitos, convm determinar em que ela difere da
atividade cientfica, que tambm se realiza pela reflexo e
igualmente se traduz em conceitos. A distino reside no apenas no
fato de a Filosofia problematizar questoes de natureza universal,
enquanto as Cincias lidam com as particulares. A diferena est na
prpria perspectiva, j a partir do ngulo de enfoque ou de
importa
em uma
abordagem do objeto da pesquisa. A Filosofia--j;-( postura
--.-subjetiva,
- - - no sentido de que o pesquisador participe da
prpria pesquisaxToda
i_a~pers;~a~@-~6%
posio
e
diani
das coisas. A Cincia, por ouh-o lado, implica uma postura que se
quer objetiva, no sentido & que, mediante a.--Cihcia,
- --- buscamos fazer
com que as coisas venham a ns fazendo calar a nossa~g~sonalidade
o mais po-vel parai~<c~~ii&$&*flFm.
A Filosofia se distingue
da ~ l n c &no somente quantitativamente, mas tambm
qualitativamente, pelo fato de que a Filosofia e a Cincia constituem
g \ d o i s pontos de vista diversos de como o homem considera a
realidade. Filosofia e Cincia so duas atitudes distintas que o
homem assume para conhecer a reallidade@).
Essa -----postura subjetiva,.
tpica da indagao filosfica, me:diante a -qual-2~esquisador
%penha t 0 d a- -~-.-..-- ~ G s 6 faz
~ com
~ -~queua in9e
>,Jiii~'?!iitnieite
a -um
- - determinado
-- ---- @tema-de valores, Esse fata.
o que precisamente a distingue da>
in no indiferente. A
m
e
objetiva e g u a o r t a n t o , no
S~_IJ
-. r r d g d $ - ~valores human~s,,A Ci@i
. -c
A Cincia no aprova nem considera, mas aceita a
C realidade no bem ou no mal, na sua justia ou inju~tia'~).
Portanto, a
racionalidade prpria que se quer emprestar h Filosofia difere da
racionalidade especfica hoje atribuda Cincia, enquanto a
primeira configura uma racionalidade valorante e subjetiva, que
a-prpria
--empenha toda a personalidade do p:squisador. Contudo,
Cincia se nos apresenta como um problema cuja soiuultrapassa
o-prprio mbito-erequer
- -a possibilidade
_-__._de superao
--d
x
e

- a- -

<S\

tL
i

(4)

I--

I____-

BOBBIO, Norberto. Introduzione alr'a Filosofia de1 diritto. Torino: G.


Giappichelli Editore, 1948. p. 47.
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 47.

208

ii

meramente cientfica. Pois no possvel julgar a Cincia seno de.


um plano de indagao superior prpria Cincia. Assim. no aue se c&
refere ao mtodo com que a Cincia devaiproceder, aos critrios a 4 3
que deva obedecer para g ~ e c u da
~sua verdade lcito falar de
um c o n h S e 3 0 ezgido pela p'$rg
cientfico, pois requer
-esfera do saber
subsumiiido-o
no
nveid? saber do sab
- -Como diz ~ o b b i o"La
: scienza stessa rnvia a qualcosa che sta fuori
46
ed superiore alla scienza, ci offre essa stessa un problema che non '
piu scientifico, ed i1 problema di se stessa. Si tratta de1 problema
de1 modo con cui procede la scienza, dei criteri a cui ubbidisce per
conoscere, insomma de1 metodo che segue per giungere alla sua
verit'"). De fato, como ressalta Bobbio, embora o cientista possa
i
acreditar que, ao perquirir e ao analisar os fatos da natureza e do
homem, teiilia esgotado toda a realidade cognoscvel, a mais
elementar reflexo mostra que, em sua prpria pesquisa, tem o
cientista de seguir determinado mtodo, deve obedecer a
determinadas regras que lhe garantam a validade de suas pesquisas. "
Existe,
acima d a Cincia, um certo ncleo de
I
conhecimentos
- a ela-gedut@e
que, enquanto participa de um
~ D T i - -o-- s o ~ a , ~ np B
fica e sim condiciona
problemas diretivos da a
a pesquisa e integram
---- o aspecto valoruvo da Filosofia como
metodologia. A passagem da Cincia para o juzo sobre os critrios
I
com os qu%s se deve proceder ao trabalho cientfico nos conduz do
plano do ser para o do dever-ser, como diz Bobbio: "Quando io
passo da1 lavoro scientifico a1 giudizio sui criteri con cui deve
I
procedere i1 lavoro scientifico, o in generale quando passo dalla
immediatezza dell'azione a1 giudizio sulle regole dell'azione, passo
da1 piano de11- essere a1 piano de1 dover e~sere"'~).
A metodologia
estabelece no o que fao, mas o que devo fazer. Podemos, portanto,
distinguir, no que se refere ao humana, dois planos distintos e
iiidefectveis de anlise. O plano do ser, no qual a ao se apresenta
na sua faticidade, como aquilo que e, como tal, no pode deixar de
ser. Mas h outro ngulo de abordagem da ao humana que o da
avaliao do que ela deva ser, que tem lugar quando buscamos
o

"a',a

-4-

7.-

(5)
(6)

BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 25.


BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 27.

estabelecer as regras do agir. Nesse momento, limitamo-nos a


conhecer o que deve ser, independentemente do que efetivamente
ou deixou de ser. E esse virtual hiato, existente entre os dois planos
a partir dos quais podemos enfocar ;i ao, que caracteriza a conduta
especificamente humana, cultural. Pio animal, tal hiato impossvel
de se verifica?^ animal um ser fiinito, exclusivamente natural, que
Tse realiza totalmente na prpria finitude, vinculado sempre
Natureza. O homem, pelo contr,rio, um ser finito, que se
caracteriza por jamais se realizar na prpria finitude, capaz de gerar
. e criar cultura, espao de liberdatde prprio da Histria. Nesse
sentido, est sempre voltado para algo que est acima de si mesmo, e
que precisamente o que ele acredita, em um dado momento
histrico, que o que deva ser. Se o ser do homem coincidisse com o
que ele acredita devesse ser, cessaria toda a iihquietude humana. Mas
coincidncia jamais se verifica totalmente. E esse hiato entre o
ser e o dever-ser que torna possvel a valorao do agir humano e
abre possibilidade para a Filosofia como atitude autnoma perante a
realidade(7).A Filosofia, enquanto rnetodologia, consiste, assim, em
uma valorao do saber e do agir humanos, j que o saber no o
nico agir do homem em seu univ:rso cultural, mas existe ainda o
agir em sentido prtico. A Filosofia se resolve, dessa forma, em uma
doutrina da teoria-mtodo---que
- , a o mesmo
--tempo, uma doutrina,
\ agir
uma t~~aj@~fa~ji%jn~",anto
deve apresntar ozt-o
Q$
_-_
humano.
..-__
que
_ __-.coco tais se c o i i s u b ~ t ~ fem
i a ~valores. Mas,
1 a nesse passo, importante @e friseinos o sentido que
- atribumos ao
?
temo valor, aqui tomada i $ ~~ m q e & d a ~ ~ s o l u tintegrante
a,
de
-esfera
- - absolutamente
dist_ktt aggtada da realidade concreta.
uma
O dever-ser, como adverte Bobbio, embora seja perfeitamente
discernvel do ser, no integra um mundo separado deste em que
vivemos, alheio histria e cultura humana. No um mundo ideal
platnico ou a essncia captada por uma intuio eidtica nem
b tampouco subsume-se no Esprito Absoluto hegeliano. Como afirma
Jos Alfredo de Oliveira Baracho, "a elaborao de uma teoria no
pode ocorrer fora do horizonte da prtica"(*),ou seja, tem sempre
lugar, ainda quando-ignorado
-- por seu agente, na dimenso da
Histria, de uma determinada cultura, e por essa informada. 0
4
, -@~-"----------------------@ E I h r d o pesquisador datado, histrico, necessariamente
--

3
"&

Si$

-A--

;A,

*;

v) BOBBIO, Norber.to. Op. cit., p. 31.


BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Veto In: Revista
de Inforntao Legislativa, Braslia, li9 83, jul-set de 1984. p. 142.

se recordar, nesse passo, no apenas o papel constitutivo do olhar do


observador sobre o objeto observado, para o qual nos alerta Hurssel,
mas, com Michel Foucault, lembrar ainda o "como as prticas
sociais chegam a engendrar domnios do saber que no somente
fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas tcnicas, mas
tambm fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de
sujeitos de conhecimento. O prprio sujeito de conhecimento tem
uma histdria, a relao do sujeito com o objeto, ou, mais claramente,
a prpria verdade tem uma histiia'Y9).
Do esclarecimento da relao que, para ns, tem lugar entre a
Filosofia e as Cincias resultou precisamente a elucidao do fato de
que a prpria Cincia um conceito histrico, datado. O que nos
leva, de imediato, s indagaes do que vem a ser o discurso
especificamente cientfico para a Filosofia da Cincia
contempornea e qual a maneira de se proceder a uma pesquisa
cientfica. So essas as questes que buscaremos responder a seguir,
para que possamos melhor abordar a questo especfica da Cincia
Jurdica em geral, e, em particular, do tratamento cientfico a ser
dispensado ao nosso instituto no contexto do procedimento
legislativo.

3.1.1.1 As caractersticas estruturais do atual conceito de


Cincia
A crise do conceito de Cincia, que oriunda, por um lado, da
superao do mecanicismo newtoniano, herdado pelo positivismo
clssico de Comte, que buscou traiisplant-10 para o plano do social,
(9)

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas juridicas. Cadernos da


PUCIRJ, s6rie Letras e Artes - 06/74, Caderno n q 6 , 4Gdi0, PUC,
Rio de Janeiro, 1979, p. 5 e 6.

21 1

I
I

I
I

I
I

i
1

I .

:
I

e, por outro, do surgimento das geometrias no euclidianas j em


1827, bem como da sua gradual integrao cientfica, no impediu o
progresso das Cincias fsicas e matemticas, pelo contrrio,
alimentou seu prprio desenvo1vime:iito; promove profunda reviso
epistemolgica, que encontrou na reflexo sistemtica da Filosofia
da Cincia, desde o incio do sculo, campo frtil para a
reformulao dos conceitos tradicionais. Do terreno especfico das
matemticas, a partir da possibilidade de vrios sistemas vlidos,
independentes e contraditrios entre si, vem a demonstrao de que
no mais se poderia sustentar a distino tradicional qualitativa entre
o axioma, ou seja, o ponto de partida tomado como verdade
incondicional evidente por si mesmio, e o postulado, a proposio
cuja veracidade seria necessrio demonstrar, pois a evidncia no
mais poderia ser considerada criterio de verdade, mas de mera
coerncia interna. Assim que, na realidade, conforme comprova o
teorema de Gtidel, em uma situailo de perfeita formalizao da
matemtica, necessrio que se i:scolham apenas determinados
postulados iniciais harmnicos entre si para manter a coerncia, pois
na medida em que se busque formalizar a totalidade, chega-se a um
sistema incoerente, absurdo('O).
Conforme ensina Norberto Bobbio, o ponto culminante da
concepo cientfica atual reside Iiia reconstruo do conceito de
razo e, portanto, tambm do de verdade, em contraposio
concepo dos mesmos no mbito dlo Racionalismo clssico.
o
Racionalismo clssico, a razo o rgo supremo da v e d e , que
-$rmite ao homem encontrar a verdde. E, assim como a razmo- @
i i-c a - ~ o_____,______ o s _s I --m--G---s ~ p imr ~ 6flss6m
-- -e n- s-L mas
.-A
p y, ddiva de algum
- - -a eles
--- superior,
-- -.
a -verdade-deve
ser nica. A razo
tomada
- como ak~absoluto,
no sentido de que
-no
--resultadas
--- - -.-.--_-"___-_
condies mutveis nas quai_s o homem- --se enconga,-ou
-- - seja,
indepeiide da cultura e da histria.
-.- Ela seria a cara-se~cial
do homem, o seu elemento distintivo, a sua diferena especfc.a,
aquilo que nos permitiria distingui-lo dos demais an4mis: "o homem
A o animal racional". Portanto, tambm a ~ e r d a d ~ l c a n ~ apela
da
razo constituiria uma verdade absoluta, ou seja, definitiva'"). E
esse conceito que, aplicado s Ciincias, sobrevive, inclusive, s
crticas antirnetafisicas levadas a efeito pelo Posifivismo clssico,

%&

e
-

(I"

(")

NAGEL, Ernest e NEWMAN, Jamt:s. Prova de Godel, traduo de Gita


K. Guinsburg. So Paulo: editora Pf:rspectiva, USP, 1973.
BOBBIO, Norberto. Teoria della Scieizza Giuridica. Torino: G .
Giappiclielli Editore, 1950. p. 207 e ss.

que no se adverte da metafsica que se infiltrara na prpria


concepo cientfica que erige categoria de paradigma. Para
Com te, aps os estgios teolgico - no qual a razo equivaleria de
uma criana, onde predomina a fora do imaginrio, do mtico,
apresentado como conhecimento do absoluto enquanto a maneira
mais fcil de aplacar medos e satisfazer desejos- e o metafsicoque seria um estgio de mera transio em que os deuses cedem
lugar s foras, ou melhor, a conceitos abstratos como os de razo,
igualdade e liberdade - a humanidade atingiria o estgio cientfico.
Nesse, a Cincia seria o centro, uma vez que a razo reconheceria a
impossibilidade de conhecer o absoluto, renunciando a perquirir as
causas primeiras e as origens dos fenmenos, buscando, porm,
estabelecer-lhes as leis imutveis, mediante a simples observao.
Acolhia-se, assim, inadvertidamente, aquela mesma concepo de
razo como entidade absoluta capaz de expressar a verdade
igualmente absoluta, apenas, agora, restrita ao mbito das Cincias.
A partir de tais pressupostos, comuns a todo o Racionalismo clssico,
o Positivismo no poderia deixar de considerar como a verdadeira
Cincia, modelo e paradigma das demais, a Fsica Newtoniana que
lhe oferecia a iluso de haver revelado as nicas e verdadeiras leis da
natureza, que uma vez fixadas seriam portadoras de uma validade
absoluta, exatamente por representarem a perfeita adequao da
razo do homem realidade exterior, expresso de uma
racionalidade necessria do universo, na qual nos hoje permitido
reconhecer o refgio de uma metafsica razo divina. Tampouco
poderia deixar de negar qualquer cientificidade s pesquisas tpicas
ou puramente conceituais do jurista, na medida em que o carter de
convencionalidade que as reveste decorre necessariamente de suas
prprias premissas, ou seja, das normas jurdicas oficialmente adotadas. Da advogarem a sua substituio pela Sociologia. Tal concepo implicava, aindaLa atribuio de carterun=e-nxsaskb
ao complexo das regras,
--- com base--nas q u i s a razo atingiria a
t o , um nico conjung-3
verdade cientfica. A L g i ~ a ~ j ~ r t a nseria
regras
ab<olutas,
no
se
podendo
admitir
uma pluralidade
de
__.-^ -__-_
--sistemas-l
-- - gicos: Absolutas, porquanto_~nscgnderiam-a-prpria
de alcanar
-_ -_a verdade
pesquisa cientfica, que seria-<@da e_ capaz
apenas pei~eiiia(lequao de seus procedimentos heursticos
aquelas regras predeterminadas, e em relao elabora& das G i s
a prpria pesquisa seria absolutamente estranha.
Como assevera Bobbio, a alterao levada a cabo a partir do
prprio progresso cientfico fez ruir as iluses metafsicas ainda
presentes nos conceitos de razo, de verdade e de lgica, tomados
-^_--

___I----

em sentido absoluto. Revelou-se que aquelas verdades iniciais,


consideradas evidentes por si mesrnas e elevadas categoria de
verdades indiscutveis poderiam ser substitudas por outras
proposies sem que o trabalho cientfico perdesse a sua fecundidade
prpria. Muito ao contrrio, como j ~se afirmou, o reconhecimento,
por exemplo, da possibilidade de se elaborar geometrias com
postulados diversos da euclidiana alargou sobremaneira os horizontes
da pesquisa cientfica da natureza. Procedeu-se, dessa forma,
substituio do antigo conceito do ciuter apodctico dos postulados
iniciais (axiomas) por aquele da convencionalidade das primeiras
proposies. Dessa forma, tambm na seara das Cincias naturais,
em face das novas e significativas descobertas tanto da Fsica
atmica quanto da quntica, no mais so aceitas nem as noes
absolutas sobre as quais se fundava toda a Fsica mecanicista, ou
seja, aquele ltimo reduto onde se: havia refugiado a metafsica
transvestida na legalidade universal (e necessria da natureza, nem a
de uma Cincia capaz de determiniar essa legalidade com nica,
absoluta e eterna preciso.
&-concepo
- - -absoluta da razo foi substituda por uma
concepo puramente
--instrumental da razo. E ela tomada, agora,
c o ~ oo complexo de proced1~entG~EEEfiuais
de que o homemG
s ~ ~ ~ e ~ i i c a mum eproblema
n t que
e sc
coloca e propor-lhe soluo. A razo no mais considerada como
u m a v i t a m e n t e a a ( ao homem de uma s vez,
i absoluta
e atemporaf, mas como o--coyunto
de pyocedimentos
- _ _ - . - - - - - - - - - - - - '--------_
iiitelectuais - dentre o s quajs-se destaca a L s a em sentido
e aperfczoados
no curso da Histria, e
tradicional
----- desenvolvidos
-- -- ---em permanente processo de aprimoramento, visto g-_ intimarnze
vinculados quele hiato entre as esferas
do ser
e -do-dever-ser
s e
-- ---caracteriza o homem como ser v - permane-nsa*IQ
instrumento, a l i 2 ~ & ~ e n por
t 6 excelncia do homem enquanto
' ser caaaz de distanciqe da-~aturezamediante
o trabalho, e imvor%
' !he fingidade especfica; ser cap- & faJar&eeal_uir s e m p r s es
significados s coisas, de edificar c u l t ~Assjm,
. ~ ~----o homem
pode ser
I Cfinido no como o anim-a ~ a c ~ o ~ d L m
como
a s o animal
qui
---.
y\ rac_iojlalporgue fala, porque conspi--&a. Essa r a z %
~emmente construda----no-- d@a-ao-homc:m? mas pr_&tp,o~rimeiro e
m a j w l e v a ~ t e.produto_da cultura &mana, o produto q&
condio de
- todos os demais produtos liumanos. Da o carter
essencialmente histrico, cultural da razo. Assim que, na
concepo instrumental, a razo vincula-se direta e essencialmente
pesquisa, ao trabalho que a gera e com o qual se desenvolve. E

--______i-L

---e
-

I
-

''

precisamente essa vinculao que nos permite ultrapassar o


racionalismo dogmtico e metafsico em direo a um racionalismo
crtico, em que no se hipostasiem os resultados alcanados e os
procedimentos para esse fim adotados; como se fossem
manifestaes de uma suposta razo universal transcendente.
O resultado alcanado pela Cincia, portanto, no mais pode
ser apresentado como expresso da verdade absoluta.-As proposie~ c a
iniciais em
-- todaCincia. ou seja. as verdades iniciais de todas as $ i$
Cincias so vg~dadesconvencionais. O que no equivale, de forma .?i %
=ma, a dizer que sejam gratuitas ou caprichosas, estabelecidas ao L
acaso, mas, apenas q ~ e ~ q g ~ 0 ~ @ ~ 0 g d 5 : .p ,
a r ~ ~ ~
-sao,
__- por
_ __um- _
lado,
--..necessrias
-_ --- e imprescndiveis, por-autmlado
contudo,
--exatamente por serem iniciais, no "podem, obviamente, 9 encontrl_@ndament to rigoroso quanto Q das-proposies.delas &,
$
derivadas mediante procedimentos e regras lgicas estabelecidas e \ 2
aceitas como___
vlidasjor aquele determinado
discurso cientfico.
_ _--^_.-"-------_I
- -- E SJ $
aqui retomamos a dimenso da prxis, que, como vimos, informa e
conforma necessariamente o agir e o pensar do homem
historicamente considerado, porque o momento de fixao dos
postulados iniciais de determinada teoria cientfica vincula-se,
necessria e diretamente, ao contexto de sua descoberta, ao momento
histrico, o que torna a verdade que alcana uma verdade datada,
histrica, cultural e relativa.
O mesmo ocorre com as regras intelectivas que garantem a
cientificidade do desenvolvimento da pesquisa e conduzem quele
resultado colimado, ou seja, evitam que a pesquisa produza um
resultado impreciso, pois, pelo menos chegaramos constatao da
necessidade de impostao ex novo do problema, por estritamente
vinculadas pesquisa a que servem. Elas no mais podem ser
I
consideradas como portadoras de uma validade absoluta, por si s,
I
mas apenas em funo do resultado da pesquisa que viabilizam.
Assim, toda pesquisa implica, conjuntamente com as proposies
I
iniciais, s quais se reconhece carter convencional, tambm o
estabelecimento de regras lgicas, com base nas quais as proposies
iniciais possam ser transformadas e desenvolvidas em outras
sucessivas proposies que permitam pesquisa reconstruir
rigorosamente a totalidade do objelo em exame. O fundamental, do
ponto de vista do rigor, que, uma vez estabelecidas essas premissas

determinadas--as
regras vlida51dlSeuU~l_envolvimento,o
*.'pesquisador mantenha
____- _ coerj~jcia-com-e p r o o E s s iniciais e
observe
as
regras
- -- -- adotadas tanto para a deduo
.. de conceitos- quanto
para o que se
refere
s
transformaes
e
desenvolvimentos
----.- - -". operados.
___".-- --- I

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Dessa forma que a Filosofia analtica da Cincia


&:compreende
o discurso cientfico como um sistema de p r m
no qual so precisamente definidas ais proposies iniciais e as regras
d6~&iiiiSf0r~tri6(~~~-A caracterstica diisntiva especfica dp
alho cie-fico &lpo$anto, deslocada da verdade para o rigor, ou
hor, a prpria verdade redefinida em tept$c -de-.----.--rigor. A
ntificidadi de uma determinda pesquisa no mais pode ser
buda iluso de que, por seu intermdio, uma verdade absoluta
seria desvelada, suposio de que suas proposies seriam
cientficas por reproduzirem, por epifania, pela intuio ou por meio
de experimentos, uma idia ou um fato incondicionalmente
verdadeiros. Muito ao contrrio, Karl Popper, por exemplo, chega
concluso de que a caracterstica distintiva das interpretaes
cientficas seria a sua suscetibilidade reviso, a sua refutabilidade
em face da possibilidade ilimitada cle falsificaes do discurso no
cientfico(13).Como afirma o filsofo analtico John Austin, preciso
superar a iluso de que teramos, por um lado, a capacidade de
experimentar diretamente a realidade e, por outro, um cdigo
meramente instrumental para verbalizar tais experincias. Na
realidade, no Ii ciso entre os dois planos, como se se verificassem
em dois momentos distintos e sucessivos; nossos prprios
pensamentos se processam por prticas discursivas e toda linguagem
se apia sobre um acordo prvio entre os falantes. A ns, no nos
dado experimentar, racionalizar alguma vivncia seno atravs da
linguagem. Mesmo no solilquio, sempre utilizamos uma linguagem
que objetivamos em pensamento, ainda quando internamente('4).
O carter
--- - - cientfico de uma plesquisa, portanto, no reside na
correspondncia dos seus enunciados a uma suposta
-- -verdade
objetiva
e
afinal e definitivamente alcanada, mas no rigor do sismie
constri, ou seja, na satisfatria definio de todos o s t e r m o s x e
sejam oppados no prprio discurso I: na coerncbde-u-m-enunciado
com todos os outros que integram o~sisterera. E, assim, nos damos
conta de que no existem somente diferentes lnguas, mas tambm

i?$

i
,

-=-

(I2)

(I3)
I

(I4)

AYER, A. J. Logic, Truth and Lan,puage. New York: Dover Publications, 1952.
SEARLY, I. Speech Acts. London: Cambridge University Press, 1969.
POPPER, Karl. The Logic of Scientijlc Discovery. New York: Basic
Books, 1959. p. 49.
AUSTIN, J. L. How to do tlzings with words. Oxford: Clarendon Press,
1962. p. 36 e ss.

distintas modalidades de linguagem, cada qual com as suas


proposies e regras prprias. Se o ato de esl&&wqmpasiegs
iniciais
____e S r ____
a s l@cas
__ do desenvolvimenJo_
da pesquig significa
assentar as bases para a construqo de uma linguagem r i g o r o s a , k
devemos concluQue
-_
a Cincia s se verifica mediante a elaborao'd
- _ _--daquela linguagem mais rigorosa e precisa do que a comum1 a_q-1,
habitualmente, designamos linguage@_-cim-fica. Nesse passo, t5
importante frisar que, com tais assertivas, no queremos dizer que?
Cincia consista e se resolva
na- l&pag_mm cientfig
-- -por inteiro-Afirma-se ap~na__
que-qualquer-mdalidide-ieqesquisa,-tanto as
mpricas, a fsig pu a biolgica, por exemplo, quanto as formais,
como as matemticas, so reconhecidas como Cincias, no momento
em que suas proposies constituam um- sistema coerente. de \
enunciados perfeitamente comunicveis inter-tivamentedem
V
graves perigos de mal-entendidos,
--- -- -.
e!ih+ncjq-se
ao mxjmo-os $
ciifidos &tidos de comunicao. Reivindica-se simplesmente que
a@eK TGma mais elevada de conscincia intersubjetiva, por isso
mesmo portadora do mximo de objetividade, em que se
consubstancia a Cincia, institua-se de pleno direito, quando a
observao ou a anlise que empreendemos, enquanto fatos da
percepo, tenham-se produzido de forma tal que possam ser
expressas por determinada categoria de signos convencionais que
permitam elidir ao mximo a polissemia dos termos operados no
discurso e, por conseguinte, a consecuo da mais rigorosa
univocidade possvel dos mesmos. O rigor de-%_linguagem
depende, pois, da definio precisa de todas as palavr- queintegrem>d X
as suas prpses i i ~ i c i a ' i ~ o ~ s ~fixaiio
t ~ a das
d u regras
~ ~ do h
usodos referidos termos, bem como ---na sua observ&,
- e no estabelecimento das regras
- com base nas quais possam ser deduzidas,
m
e
s iniciais, as derivadas, Em outros terrnos,_&m:se um 7 u
'b
discurso cpntifico, quando sejam perfeitamente dada!
-- as regras de
+
'
?
sua-formao
-e as de sua transforma~$, mediante a definio dos
termos usados nas proposies iniciais e --&perfeito
- conhwjeento das
r-e g GI para o desenvolvimento analtico do discurso e sua aplicao PJ%
na prtica.
-Determinadas as caractersticas estruturais do atual conceito
de Cincia, e explicitadas as relaes que, para ns, tm lugar entre a
Filosofia e as Cincias em geral, tratemos de dar continuidade quele
exerccio de Filosofia do Direito inicialmente proposto ou reflexo
sobre o papel reservado Cincia Jurdica em geral e do Direito
Constitucional em particular, no momento de consolidao do regime democrtico no Pas.

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L
_
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3.1.2 Da Cincia Jurdica como instrumento de


garantia das instituies democrticas e da
cidadania
Para retomar a discusso inicialmente proposta com maior
rigor de postura, importante que biusquemos, mesmo que rpida e
concisamente, demonstrar a aplicao direta dos raciocnios e
argumentos desenvolvidos Cincia Jurdica e Filosofia do
Direito. A diferena substancial entre ambas reside no fato de que a
Cincia Jurdica, como qualquer oiltro discurso cientfico, busca
apenas ser uma tomada de posse da realidade, in casu, da realidade
normativa de determinado ou determinados sistemas jurdicos,
indiferente, portanto, em virtude de sua prpria postura que se quer
objetiva, a quaisquer julgamentos de valor sobre os valores
normativamente consagrados; a Filosofia do Direito, por outro lado,
necessariamente empenhada e axiologicamente orientada. Tem
incio quando o homem, tomando a si mesmo como objeto da prpria
reflexo, sabe que opera abes jurdicas e sabe que sabe
juridicamente. Enquanto toma conrrciiicia do operar jurdico, a
Filosofia do Direito se resolve em urna teoria da justia ou tica do
Direito ou, ainda, para usar os termo,s de Bobbio, em uma ideologia
da justia('5):enquanto toma conscincia do conhecimento jurdico, a
Filosofia do Direito se resolve: em uma metodologia do
conhecimento jurdico. Tanto em um caso como em outro, a
Filosofia se apresenta sempre como atitude valorativa da realidade
jurdica. No primeiro, a atitude axiolgica fundada no valor da
justia, histdrica e socialmente informada por definio, da Bobbio
denomin-la ideologia. No segundo, tomar-se- como fundamento o
valor da Cincia, do conhecimento jurdico. A medida que a Cincia
se quer neutra, indiferente aos valores, a prpria experincia jurdica
enquanto objeto de ao ou de conhecimento, apresenta problemas
que necessariamente escapam seara cientfica do Direito. Ainda
que se afirme, de um ponto de vista meramente legalista, ser o fim
do Direito a conservao da sociedade humana em pacfica
convivncia e que os meios para alcan-lo se co~isubstanciamem
um sistema de normas emanadas de autoridade dotada do poder de
faz-las observadas mesmo que recorrendo fora, deveramos
chamar de justas aquelas aes que tendem consecuo do fim do
('9

218

BOBBIO, Norberto. Studi sulla reor8iagenerale de Diritto. Torino: G.


Giappichelli Editore, 1955. p. 55.

Direito e de, injustas, aquelas que impeam tal fim, efetuando, de


toda sorte, julgamentos de valor'16). A Cincia Jurdica no pode
dizer o que justo ou injusto, pode unicamente pronunciar-se sobre a
validade ou eficcia de uma norma, e, portanto, sobre a
conformidade ou no das aes concretas subsumidas hiptese
normativa. No se trata de vedar tal categoria de indagao, mas
apenas de especificar o terreno em que se localiza. Ns mesmos, no
curso da presente pesquisa, assumimos, em vrias ocasies, atitudes
axiologicameiite orientadas, posturas tipicamente filosficas,
vinculadas questo essencial ao nosso tema da legitimidade
democrtica, que por si s transcende de muito o exemplo dado,
restrito justia reduzida mera legalidade. Nosso intuito salientar
que, nesses momentos, estaremos procedendo a anlises de natureza
filosfica, sem a menor inteno de que possam ter o estatuto prprio
da anlise cientfica. No entanto, ainda importante distinguir que,
quando acolhido norinativamente, esse mesmo critrio deixa de ser
um valor subjetivo, para integrar a anlise cientfica da validade da
norma e no mais a anlise filosfica da sua justia. Todavia, da
realidade jurdica surge outra categoria de indagaes que tambm
transcendem do mbito cientfico, relativas atitude cognoscente em
face dos fenmenos jurdicos. E neste momento retomamos a
questo proposta no incio do captulo, quando tematizamos o
problema do papel da Cincia Jurdica na implantao de uma nova
ordem constitucional democrtica diante de prticas e de leituras
prevalentes, oriundas da ordem autocrtica anterior, e em total
descompasso com a vigente. Referimo-nos a essa classe de questes
atinentes ao fim do conhecimento jurdico, que, para ns, outro no
pode ser seno o de possibilitar a maior segurana possvel para a
democracia na decodificao e aplicao das normas jurdicas ao
casos concretos bem como as atinentes aos meios intelectuais ou
lgicos mediante os quais podemos assegurar correo e rigor aos
resultados tericos necessrios consecuo desse fim. Os meios
intelectuais com os quais elaboramos esses conhecimentos
constituem, no seu conjunto, o instrumental prprio da Cincia do
Direito, que se realiza mediante a chamada interpretao da lei, ou
melhor, a interpretao e a reconstruo sistmica da matria principal sobre a qual o juiz, o advogado ou o jurista trabalham,
constituda por textos que contm regras para a deciso, sejam as
vinculantes como o prprio texto legislativo e as sentenas judiciais,
sejam as meramente orientadoras, como os tratados doutrinrios.
(I6)

BOBBIO, Norberto. Teoria della Scienza Giuridica, op. cit., p. 5.

219

Podemos, ento, chamar de mtoldo da Cincia Jurdica quele


complexo de atos intelectuais com os quais elaboro o sistema de
conhecimento jurdico, e, de Teoria do Mtodo do Conhecimento
Jurdico ou Filosofia da Cincia do Direito ao estudo e h avaliao
crtica desses procedimentos metodolgicos. Logo, a questo posta
ao incio do trabalho exige que procf:damos, para que a ela possamos
responder satisfatoriamente, a um exerccio de Filosofia da Cincia
do Direito, atinente, especificamenite, anlise crtica das interpretaes de que foi objeto o instituto da sano do Chefe de Estado
no procedimento legislativo brasileirlo.
A Cincia do Direito no tem por objeto a descrio de fatos,
a explicao causal de aconteciment~osfenomnicos do mundo natural ou social, nem tampouco a previso de acontecimentos futuros,
mas sim a interpretao dos discursos jurdico-normativos. Como
ensina Kelsen, localiza-se naquele teirreno especfico do dever-ser, da
anlise das regras do agir humano heteronomamente vinculantes
originadas da organizao estatal e resolve-se naqueles
procedimentos lgicos e constru:es conceituais destinados a
sistematizar e harmonizar entre si as normas atribuidoras de sentido,
especificamente jurdico, aos atos da vida social, limitando as
possibilidades estruturais de leitura das mesmas, pois as normas
outra coisa no so que esquemas de interpretao(17). A
especificidade do produto cultural que a pesquisa jurdica tem por
objeto reside, pois, no fato de este ser constitudo por um complexo
de regras de comportamento, de normas jurdicas. As proposies
especficas da Cincia Jurdica, destarte, referem-se no a
comportamentos reais, empiricamenite verificveis, mas a normas
sobre o agir, a comportamentos possveis ou presumveis. Contudo,
('n KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Coimbra: Armnio Amado
Editor, 5 @edio, 1979. p. 20. Assim se expressa Kelsen: "o que
transforma este facto num acto jurdico (lcito ou ilcito) no a sua
facticidade, no o seu ser natural, isto , o seu ser tal como
determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza,
mas o sentido objectivo que est ligado a esse acto, a significao que
ele possui. O sentido jurdico especfico, a sua particular significao
jurdica, recebe-a o facto em questo1 por intermdio de uma norma que
a ele se refere como o seu contedo, que lhe empresta a significao
jurdica, por forma que o acto pode ser interpretado segundo essa
norma. A norma funciona como esquema de interpretao (...) A norma
que empresta ao acto o significado de um acto jurdico ela prpria
produzida por um acto jurdico, que, por seu turno, recebe a sua
significao jurdica de uma outra nolrma".

como nos alerta Bobbio, o conhecimento integral do seu prprio


objeto, as proposies normativas, pressupe a referncia aos
comportamentos reais de que so as mesmas extradas e aos quais
objetivam regular. Assim, sempre que se queira examinar a histria
de um determinado instituto jurdico ou a sua eficcia, a pesquisa
passa a requerer metodologia distinta consoante diversidade
verificada no prprio objeto: o instrumental de que se serve a
chamada Sociologia Jurdica, Cincia emprica e no formal como a
Jurisprudncia em seu sentido puro(18).E foi esse o instrumental
metodolgico utilizado no primeiro captulo para traarmos o
histrico do instituto. O fim da pesquisa do jurista, rio entanto, ser
sempre a interpretao normativa. A pesquisa sociolgica pode
contribuir para a elaborao e o refinamento dos conceitos gerais e o
estabelecimento dos nexos lgicos entre esses e os seus respectivos
desenvolvimentos. Tais conceitos gerais so alcanados mediante a
interpretao das proposies normativas consideradas em suas
necessrias relaes iterativas sistmicas, reciprocamente
atribuidoras de sentido, enquanto elementos essenciais coerncia
do sistema, e considerao teleolgica ou finalstica das mesmas.
Como vimos, para permanecer fiel s prprias conquistas
cientficas, o atual conceito de Cincia pressupe a ntima
vinculao das regras lgicas s pesquisas que as geram e s quais
servem, da a pluralidade de sistemas lgicos, a convencionalidade
das proposies iniciais que, por sua vez, implica a redefinio da
verdade em termos de rigor e coerncia, e, finalmente, a natureza
instrumental da razo. Dessa forma, o prprio critrio de
cientificidade deslocado da suposta verdade absoluta, qual a
pesquisa, em seu proceder lieurstico deveria conduzir, ou seja, da
correspondncia do enunciado a uma verdade objetiva final e definitivamente alcanada, para o rigor do discurso, isto 6 , para a
construo de uma linguagem objetiva em que as regras de uso dos
termos empregados sejam conhecidas e respeitadas, e em que se
mantenha a coerncia entre um enunciado e todos os demais que
com ele fazem sistema. Assim que aquele obstculo
epistemolgico, para usar o feliz termo cunhado por Bachelard(19),
(18)

BOBBIO, Norberto. Teoria della Scienza Giuridica. Op. cit., p. 175 e


SS.

(I9)

BOBBIO, Norberto. Teoria della Scienza Giuridica. Torino: G .


Giappichelli Editore.
BACHELARD, Gaston. La Formation de l"Esprit Scientifique. Paris:
Imprimerie Floch Mayenne, 1938.

em que cansistia o conceito de Ci6ncia do Racionalismo Clssico,


fundado sobre o ideal metafsico da verdade e da razo absoluta, no
mais subsiste.
No se trata mais, portanto, da busca das verdadeiras leis
imutveis do Direito Natural em contraposio anlise do Direito
Positivo, que, como expressava Kir~chmannde forma paradigmtica
para todo o sculo XIX, consubstaiiciava-se naquele sentimento de
inferioridade do jurista frente aos f,sicos ou aos matemticos, assim
definindo-a: "Su objecto es la ignorancia, e1 descuido y la pasin de1
legislador. E1 genio inclusive no se niega de servir a la
impremeditaciii y de desarollar pai-a justificaria, todo su ingenio y
toda su erudicin. Por culpa de la lley posititiva 10s juristas se han
convertido en gusanos que s10 viven de madera podrida. Abandonando la madera sana, anidan y tejeii en Ia carcomida. La ciencia, a1
hacer de1 azar su objeto, se convierte ella misma en azar: tres
palabras rectificadoras de1 legislador y bibliotecas enteras se
Ora, Kirchmann compartilha
convierten en papeles intile~"(~~).
perfeitamente os conceitos, ou melhor, os preconceitos de sua poca,
pois escreve o seu famoso opsculo na Berlim de 1848, e, para ele, a
fsica newtoniana corresponde verdadeira Cincia. E,
precisamente, o fato de ser incapaz de fornecer um lugar para a
Cincia Jurdica revela a insuficincia ou a falsidade desse conceito.
A pesquisa do jurista, em viritude da prpria maneira de lidar
com o seu objeto - a reconstruo do sentido objetivo dos atos
prescritivos que so as leis, integrando-os em sistema normativo no pode prescindir da anlise de linguagem, especificamente da
anlise da linguagem do legislador. Pode-se dizer que o trabalho do
jurista, na sua parte fundamental, e s,obretudono seu aspecto crtico,
resolve-se em uma anlise da linguagem do legislador, com o fim de
reconstitu-la como linguagem rigorosa, ou seja, cientfica. A funo
da Cincia do Direito transformar o discurso do Direito Positivo
em discurso rigoroso que oriente as decises, ao limitar as
possibilidades estruturais viveis de leituras, mediante a descrio
das normas jurdicas, ou seja, dos sentidos dos atos imperativos
integrados em sistema. No que a Cincia do Direito possa ter o
condo de estatuir normas. As propoz;ies da Cincia Jurdica, como
as de qualquer outra Cincia, so proposies meramente descritivas,
pois como diz Kelsen: "Na proposio da Cincia do Direito (...) o
c2')

VON KIRCHMANN, Juhins G. E1 Carter a Cientfico de Ia Llamada


Ciencia de1 Dereclio. 111: La Ciencia de1 Derecho, Coordenation
Lorenzo Cornelli. Buenos Aires: Editorial Losada, 1949. p. 267 e 268.

termo dever-ser tem uma significao descritiva, enquanto na norma


da autoridade do Direito tem uma significao prescribente (...) Uma
proposio de dever-ser, como expresso lingustica do enunciado
sobre uma norma, expressa diretamente o sentido de um ato de
pensamento, sem a interveno de um ato de vontade. O ato cujo
sentido uma norma pode qualificar-se como prescrio para se
diferenciar do sentido deste ato que se pode qualificar linguisticamente diferenciado como disposicio. A mesma diferena
no lingisticamente possvel se se trata de enunciado sobre uma
norma. Aqui est disposio somente a palavra descrio, a qual
tanto empregada para o ato de pensamento quanto para o sentido
do ato de pensamento, porque no h um signo anlogo palavra
prescrio"(21).
As proposies da Cincia do Direito, portanto, no so
normas, so proposies descritivas. A Cincia do Direito enquanto
funo do conhecimento no competente para estatuir normas
vinculantes aos destinatrios. So enunciados, descries e, como
tais, o sentido de ato de pensamento e no de uma vontade estatal
objetiva, como a norma jurdica. O trabalho do jurista, porm, ao
elaborar proposies sobre as normas jurdicas, tende construo de
uma linguagem rigorosa, mediante a determinao do significado
dos termos empregados, uma vez que fixa as regras dos usos
lingusticas cientficos daqueles termos. O conjunto das regras que
estabelecem o uso de uma palavra constitui o seu conceito. E, apenas
quando essas regras so conhecidas e observadas em todas as
combinaes dos termos definidos, tem-se um discurso cientfico.
Assim, entendemos que a Cincia do Direito, na acepo
prpria da Filosofia analtica, enquanto anlise da linguagem do
Direito Positivo apta a transform-lo em discurso rigoroso, exigindo
e revelando a necessria coerncia de todo enunciado com os demais
enunciados do sistema, instrumento fundamental para a
modernizao do Estado e do Direito no Pas. ela mesma condio
essencial para o exerccio real, duradouro e maduro da Democracia,
visto que apenas ela pode fornecer, no mbito do jurdico, balizas
seguras e necessrias delimitao da esfera das interpretaes
possveis do Direito Positivo, autorizadas por suas prprias normas,
desenvolvidas doutrinariamente em sistema coerente que possa
orientar a sua aplicao. Como diz Bobbio: "i1 giurista se muove
'2')

KELSEN, Hms. Teoria Geral das Normas. Porto Alegre: Srgio


Antnio Fabris Editor, 1986. p. 1951196.

nell'ambito di un determinato corinplesso di propozioni che egli


tende a costituire in sistema rigoroso e coerente, e che quest'opera di
elaborazione di un sistema giuridico egli compie principalmente con
quella caratteristica operazione propria di ogni ricerca che voglia
presentarsi come scienza, che I'anadisi de1 ling~aggio"(~~).
Nesse passo, importante que recorramos outra vez ao
conceito filosfico da prxis para revelar o estatuto de prtica
discursiva, histrica e datada desta Cincia, embora a mesma se
pretenda universal e atemporal, o que nos permitir perceber a sua
insero fundamentalmente valorativa na histria humana, enquanto
opo metodolgica resultante e integrante do prprio constituir-se
do Estado Democrtico de Direito, bem como o seu carter
essencialmente poltico, ao apresentar-se como instrumento e tcnica
de sua viabilizao jurdica, capaz de assegurar limites seguros e
precisos para as virtuais leituras hermeiiuticas, os quais, por sua
vez, permitem discernir as possveis e viveis, daquelas que no se
podem sustentar, sem que, na prtica, se efetive a negao
jurisprudencial ou doutrinria de preceitos normativos vlidos,
estabelecidos atravs dos iiistitutos de representao poltica
semidireta ou indireta, em nome da Nao, para serem observados
eficazmente. , assim, instruineiito ifundamental para que se evitem
as interpretaes cientificamente desautorizadas. necessrio que
no se admitam interpretaes que isolem dispositivos constitucionais, legais ou regimentais, com o fim de negar, na prtica,
vigncia e eficcia a preceitos basilares, claramente positivados, e
que, portanto, deveriam orientar a interpretao normativa sistmica,
mas que, em nome de um imediatismo pragmtico politicamente
orientado, termina por conformar a feio predominantemente
casustica da jurisprudncia atual, pelo menos no que se refere ao
Direito Constitucional em geral, e iso procedimento legislativo, de
forma especfica, no Brasil.

3.2 Da insero da sana~no procedimento


legislativo.
Efetuadas tais consideraCies de ordem geral que nos
permitiram a explicitao de nossas premissas tericas e a satisfao
em grande parte das indagaes propostas, ao final do captulo ante@')

BOBBIO, Norberto. Teoria della S'cienza Gi~ridica.Op. cit., p. 2301


231

rior, retomemos o instituto objeto especfico de nossa anlise. Como


vimos, apenas no final do sculo passado, graas obra da doutrina
clssica da Teoria Geral do Direito Pblico, empreende-se no nvel
terico, na Alemanha, por meio do mtodo dogmtico, a
reconstruo do ato legislativo; o procedimento formativo da lei,
todavia, permaneceu sombra, ofuscado pela relevncia atribuda 5
sano do Monarca. Como ressalta Gale~tti'~~),
metaforicamente,
descrevia-se o procedimento legislativo como a via da legislao
(der Weg der Gesetzgebung), analisando-se os estgios do caminho
que conduzia lei - a iniciativa, as deliberaes das Cmaras, a
sano do Monarca, a promulgao e a publicao; a considerao
do fenmeno, porm, continuava ainda de carter atomstico,
conduzida essencialmente ao fim de individuar, entre esses vrios
atos, aquele no qual residia o elemento que atribuiria ofiat jurdico
lei, o Geserzesbefehl, o comando que apenas o rgo portador da
soberania indivisvel do Estado teria o poder de emanar. Carr de
Malberg, mediante a considerao da lei como ato complexo,
localiza, no sistema monrquico da sano, esse fiat, tanto na
deliberao das Cmaras quanto na aquiescncia monrquica.
Contudo, no se toma jamais em considerao, talvez devido ao fato
de os instrumentos dogmticos necessrios ainda se encontrarem por
forjar, o fenmeno procedimental a partir de sua distinta unidade,
limitando-se a dar corpo de conceito jurdico realidade normativa
cuja existncia unitria se intua quando a ela se referiam vaga e
difusamente como o camiiiho, o iter legis. Ainda, em Maurice Maier,
pode-se verificar a exclusiva e atomstica considerao isolada dos
institutos do veto e da sano. Tais anlises constituam, por si s,
obstculos epistemolgicos compreenso propriamente jurdica dos
referidos institutos, pois os consideravam como realidades to absolutas que independeriam do conliecimeiito mais profundo do
contexto no qual necessariamente se inserem, o do procedimento
legislativo enquanto fenmeno jurdico especfico e unitrio; no se
ocupavam, portanto, das indagaes acerca da estrutura e da
recoiistruo unitria da essncia do fenmeno procedimental,
fundamentais para a configurao doutrinria rigorosa desses
institutos. Com Biscaretti di Ruffia,tornou-sepossvel a conceituao
da sano e do veto no contexto do tratamento cientfico do
procedimento legislativo. Assim que os exerccios desenvolvidos
nos dois primeiros captulos possibilitaram-nos fixar, com
e3) GALEOTTI, Serio. Contributo Alla Teoria De1 Procedimento
Legislativo. Op. cit., p. 4 e ss.

I
I
i

II
I
I

fundamento nos dados normativos e na reconstruo doutrinria mais


precisa, nossos postulados iniciais, concernentes ao estabelecimento
do conjunto das regras que devenn reger o emprego dos termos
sano e veto em uma linguagem rigorosa ou cientfica. O termo
sano vem designar assim, precisamente, a participao do Chefe
de Estado no procedimento legislativo de carter constitutivo, uma
vez que requerida para a perfeic~da lei em contraposio atividade semelhante, mas de natureza diversa, designada pelo termo
veto, que intervm apenas na fase de aquisio de eficcia de uma lei
j perfeita. Essa definio pode ser erigida categoria de um
postulado inicial cientfico apenas quando todos os termos que a
integram: Chefia de Estado, procedimeilto legislativo, perfeio e
eficcia dos atos jurdicos - e no apenas as partculas
preposicionais, conjuntivas e copulativas, se encontrem, por sua vez,
usados segundo uma gramtiica perfeitamente definida.
Naturalmente, cada termo,para ser definido requer o emprego de
outros que, por sua vez, devem igualmente encontrar a sua exata
definio para que no permaneam ambigidades que
necessariamente repercutiriam na proposio inicial, e assim por
diante. O campo da pesquisa analtica se amplia e uma proposio,
para ser cientificamente rigorosa, requer a elaborao de todo um
sistema lingustico complexo, a linguagem cientfica prpria daquela
poro da realidade que se quer auialisar. No h proposio que
possa ser isolada, toda proposio requer uma outra, e apenas quando
um certo nmero de proposies forma um sistema nico e unitrio,
pode-se falar de linguagem rigorosa, e, portanto, de sistema
cientfico. Na linguagem cientfica, uma proposio no tem sentido
se no inserida na totalidade do si:stema.As anlises do instituto da
sano anteriores a Biscaretti privilegiavam exclusivamente o estudo
da natureza poltica dessa participaio no procedimento legislativo
da Cliefia de Estado. Precisamente por isso, ao buscar configur-la
como conceito jurdico-cientfico, lerminavam ou por restringi-lo a
tal ponto, como ocorre, por exemplo, com a afirmao do Princpio
Monrquico, em Labaiid, Jellinek e C m de Malberg, que o valor
explicativo do conceito de sano resultava, no nvel propriamente
jurdico, seriamente comprometido, pois no podia ser dotado do
grau de generalidade necessrio para dar guarida a toda a variedade
da rica e matizada realidade norinativa dos Estados da poca, ainda
que apenas sincronicameiite considirrados; ou, por outro lado, como
procede Maurice Maier, o nvel de generalidade atribudo ao
conceito atinge tal grau que impede o reco~~liecimento
das distines
normativas especficas que poderiam possibilitar a reconstruo

sistemtica rigorosa das normas atinentes matria. De toda sorte, a


anlise propriamente jurdica dos institutos do veto e da sn~io,no
pode, a nosso ver, encontrar tratamento doutrinrio satisfatrio, a
partir da considerao exclusiva do papel poltico da Chefia de
Estado. Enquanto rgo posto no vrtice de todo o ordenamento
constitucional, a posio especfica que ocupa em cada Constituio
particular h de ser levada em conta, para auxiliar a compreenso
global da respectiva atribuio especificamente a ele encomendada.
Tal , porm, a variedade e a nuana de matizes que revestem as
distintas posies normativamente reservadas ao mesmo, e estas se
encontram de tal forma relacionadas a todo o modelo poltico prefigurado na Constituio em sentido material, no apenas com a'forma
e com o sitema de governo, mas com o prprio regime poltico, que
acabam por no poder fornecer, por si ss, o norte genrico que
tivesse o condo de viabilizar uma anlise propriamente jurdica
desses institutos, no nvel da Teoria Geral.
E, por ironia, precisamente na definio do termo que
recorrentemente relegaram sombra o procedimento legislativo
como fenmeno jurdico especfico que reside a possibilidade de
reconstruo genrica das normas pertinentes, no sentido de se
configurar uma linguagem jurdica rigorosa, a partir da qual todos os
demais elementos, inclusive o relativo participao do Cliefe de
Estado, podem encontrar o seu significado exato. E apenas nesse
contexto que poderemos forjar as regras de desenvolvimento da
anlise cientfica que nos permitir encontrar a resposta adequada
questo proposta no incio da presente pesquisa.
Logo, exatamente por tomarmos como essencial a anlise da
estrutura e da especificidade do fenmeno procedimental de
formao da lei como um todo, poderemos, mediante tal contextualizao, compreender, juridicamente, o instituto da sano e as
consequncias jurdicas que a sua atualizao concreta pode ensejar.
Refugiremos tambm, ao assim proceder, da ausncia de rigor que,
na doutrina brasileira, caracteriza a discusso meramente verbal e
subjetiva sobre a natureza jurdica do instituto que difusamente
denominam veto. Apenas a total ausncia de rigor cientfico de
ambas as correntes pode explicar o fato de se considerar a
determinao da natureza jurdica de qualquer instituto como
meramente acadmica, tal como afirmado por Francisco S Filho e
reassumido por Ernesto Rodrigue~(~~).
Ora, na verdade, no tem
mesmo qualquer sentido dizer que o que designam veto teria
04'

RODRIGUES, Emesto. Op. cit., p. 18.

227

natureza legislativa ou meramente executiva se, de fato, no


buscaram conceituar o procedimento no qual esse instituto se
verifica, se desconhecem a sua enucleao em fases, se no se
indagam da distino entre os adjetivos perfeito e eficaz conforme
aplicados aos atos jurdicos. Qualquer proposio s pode adquirir
sentido tcnico quando inserida no seu sistema linguistico prprio,
no caso, o do procedimento legislativo. Assim que terminam por
carecer de sentido as disputas havidas a respeito da matria, pois
nenhum dos contendores buscou inserir a sua afirmativa isolada, a
no ser de forma difusa, em seu contexto prprio. Carecem de
sentido tcnico as disputas sobre proposies singulares ou de grupo
de proposies, sem que a ~ ~ S C U S Sse~ ~invista
O
de todo o virtual
sistema no qual aquelas proposieri pudessem vir a adquirir sentido
rigoroso.
Assim que, para que possanios dar uma resposta indagao
sobre os efeitos da sano do Chefe de um Estado presidencialista a
projeto de lei oriundo da inobservncia de regra que lhe garantia a
exclusividade da iniciativa do mesmo, no nos bastam as
caractersticas mais gerais j apontadas do procedimento legislativo,
mas necessrio que encontremos as regras de desenvolvimento do
conceito inicial de sano, a partiir da anlise da estrutura e da
especificidade jurdica que caracteri;cam o fenmeno procedimental.

3.2.1

O conceito de proce:dimento legislativo enquanto


fenomeno especficio e genrico do qual o
procedimento legislativo uma espcie

Perante a insuficincia terica da concepo emprica anterior


do procedimento, enquanto fenme:no jurdico apenas descritiva e
metaforicamente considerado, e, com certeza, devido amplitude
com que o fenmeno procedimental acolhido em todos os ramos do
Direito, em especial no que se refeire ao Direito Pblico, no qual a
atividade dos entes pblicos se desenvolve, via de regra, mediante
procedimentos jurdicos, a doutrina buscou duas vias opostas de
compreenso do fenmeno: a substancialista e a formal. Na primeira
vertente, o procedimento enfocadlo a partir de sua dinamicidade
prpria, porm reduzido todo o proc~edimentoao ato final; os atos do
trmite propriamente dito, que integram o procedimento, restavam
privados de vida jurdica autnoma e eram considerados apenas no
ato-procedimento, como as partes rio todo(2". Da outra vertente, a
GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 16 e ss.

228

formal, vem exatameiite a distino da essncia diversa do fenmeno


procedimental em relao ao ato final produzido. Ela caracteriza o
procedimento precisamente como noo formal, em contraposio ao
ato jurdico enquanto realidade substancial, definindo-o como a srie
de atos em que se concretiza a atuao administrativa para a
consecuo de um fim, o modo do seu proceder. Mas essa segunda
vertente termina por conferir configurao do procedimento um
acentuado formalismo no qual se atenua, at quase extraviar-se, a
correlao necessria entre o procedimento e o ato final que a escola
anterior havia ressaltado(26).
Finalmente, Galeotti busca com xito superar as limitaoes
recprocas das escolas anteriores, tomando o procedimento, enquanto
categoria conceitual da Teoria Geral do Direito, como a srie
concatenada de atos realizados por diversos sujeitos jurdicos, com
vistas produo de um determinado ato final. assim que,
seguindo Merk1(27),demonstra Galeotti que o procedimento no a
forma sensvel de uma funo, a especificidade do fenmeno
procedimental no reside na relao entre forma (procedimento) e
contedo (funo estatal), mas na conexo existente entre a ao de
fazer e o feito, o atuar e o resultado da atuao. O coiiceito de
procedimento vem precisamente revel o nexo de instrumentalidade
e a unidade essencial que liga os diversos atos ou fases em relao s
anteriores e s posteriores, at que se alcance o ato final, objetivo de
todo o procedimento. Ensina, assim, Galeotti que a distino entre o
procedimento e o ato, enquanto fenmenos jurdicos diversos e
especficos, que no se confundem, reside no fato de
conceitualmente podermos contrapor o operar e o resultado desse
operar. O procedimento no , portanto, ato, mas com mais exatido,
pode-se dizer que a srie complexa dos atos que determinam o
caminho procedimental, bem como como o ato no seu fazer-se, ou
ainda, o fazer-se do ato, a combiiiao juridicamente preordenada
dos atos sucessivos que se coordenam, todos, em relao a um fim
nico, a produo do ato final. A especificidade que, como dado
jurdico, pode ser reconhecida no feiimeiio procedimental
configurada na srie articulada de atos, em que cada ato, antes de ser
resguardado na sua singularidade, flagrado em sua relao com os
momentos antecedentes e os seguintes, e com o ato final especfico
que, precisamente, o procedimento objetiva produzir e tornar eficaz.
A teoria do ato jurdico, por outro lado, resguarda o mesmo como

""

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p, 22 e ss.


GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 40.

entidade individualizada, em si mesnia consistente e imvel, como a


cristalizao de um comportamento. Se o procedimento o fazer-se
do ato ou o suceder-se dos atos na conexo juridicamente
preordenada para a produo de uma determinada categoria jurdica,
mais do que os atos sucessivos, o fxao distintivo, a caracterstica
especfica que apresenta em relao ao ato, atomisticamente
considerado, unicamente a sua projeo no tempo. No
procedimento, a entidade ato no mais permanece imvel, como se
fixa em um espao firme e estvel, nias aparece surpreendida no seu
devir, em que, se o procedimento , por assim dizer, o ato em
movimento em direo ao seu fim, ao seu moto, o trao novo e
distintivo da categoria do procedimento em relao do ato
exatamente a dimenso do tempo - o mover-se do ato no seu devir
no seria captvel sem a idia do tempo. A dimenso temporal
precisamente o que primeiro permite que se apreenda o movimento
do ato, o fenmeno da sucesso dos atos procedimentais, ou seja, a
relevncia das alteraes e das constncias que a entidade ato
apresenta no tempo. Se prescindssemos, nas consideraes complexas do fenmeno procedimental, da dimenso do tempo, fatalmente o falsearamos por considelr-10 a partir do enfoque caracterstico da fixidez do mero ato. IPouco importa que no se trate
de um nico ato, mas de uma pluralidade de atos. O objeto que o
pesquisador teria diante de si seria sempre aquela outra categoria
conceitual: o ato, atomisticamente considerado, isolado, fixo em sua
esttica consistncia. Seria, portantol, logicamente inexato, um dos
postulados bsicos da teoria formalirita do procedimento, segundo o
qual o ato adviria do procedimento como que de uma pura sucesso
de momentos. Idia inconcebvel dle um tempo esttico, sem um
acontecer. A categoria do procedimento contm, em si, algo de especfico, a partir, precisamente, do que se revela como distinta do
ato, mas esta caracterstica especfica no , nem pode ser
logicarnente cindida, separada. Ela se vincula a uma realidade mais
ampla, mais complexa do que a do ato, mas que a inclui e
compreende. o movimento, o devir do ato, ou seja, o fazer-se do
ato final visto no tempo. O procedimento , portanto, fenmeno que
diz respeito ao aspecto dinmico do ato antes do que srie
sucessiva dos ato^'^^).
O procedimento, enquanto fenmeno jurdico prprio,
encontra, ainda, a sua diferena especfica em relao ao gnero das
categorias dos negcios jurdicos que requerem atividade ou eventos
(2"

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 35 a 412.

sucessivos para se constiturem. Nessas, a sucesso dos vrios atos


que devero integrar a categoria especfica do negcio jurdico
prevista como fenmeno essencialmente eventual, e a realizao dos
atos deixada como regra ao impulso do interesse privado. E
precisamente em relao a esse porito que se pode perceber em que o
procedimento se distingue dessas categorias. Na srie procedimental,
todo ato, excetuando-se, obviamente, o ltimo, caracterizado por
apresentar uma eficgcia juridicamente propulsiva da atividade do
procedimento, o seu devir, o articular-se da srie, de um ato a outro
at a sua concluso preordenada. No so fenmenos que o Direito
se limite a prever como mera eventualidade, mas, ao contrrio,
atribui-lhes sempre o efeito de induzir a uma situao jurdica na
qual se torna obrigatrio o agir, o proceder. o ordenamento que
pe seus meios a servio do procedimento para que este, uma vez
iniciado, se desenvolva em direo ao fim em vista do qual toda a
concatenao procedimental foi preordenada. No procedimento, o
produzir do primeiro ato induz, por assim dizer, a energia jurdica
suficiente para o desdobramento de todo o ciclo procedimental,
fazendo entrar em ao, uma aps outra ou, mais precisamente, uma
em conseqncia da outra, as atividades que compem o
procedimento, at que o impulso propulsivo se exaura por alcanar a
meta que o ordenamento atribui ao procedimento em questo. Os
mecanismos tcnicos de que o Direito se vale para provocar esse
impulso propulsivo so, claro, as situaes da obrigao ou do
dever ou a do nus ou encargo, que tm a natureza prpria para
induzir e estimular o sujeito a agir, a proceder, a sair, em suma, do
estado de inrcia. Pode-se dizer que, em geral, o ordenamento se
vale da figura da obrigao, aquele meio mais enrgico, nos
confrontos entre os agentes que so portadores, no procedimento, de
um poder ou funo pblica e encarregados da tutela de interesses
objetivos, com o fim de assegurar o mais intenso efeito propulsivo
para o procedimento. De fato, na situao subjetiva de obrigao ou
do dever de agir, a omisso do comportamento procedimental daria
lugar a uma hiptese de ilcito, configurando uma verdadeira
situao subjetiva de necessitas agendi jurdica. Por outro lado, a
figura do nus ou do eiicargo gera uma situao subjetiva de menor
efeito propulsivo. Nessa, o sujeito legitimado para cumprir o ato no
se encontra obrigado a assumir determinado comportamento, mas
adstrito e estimulado ao seu cumprimento por um interesse que o
Direito, mediante a prescrio do nus, torna propositalmente mais
pungente. A omisso tem como conseqncia no a ilicitude, mas o
sobrevir de uma situao comumente desvantajosa para o sujeito, tal

como a decadncia de um prazo, ou a precluso. Assim que o


procedimento se caracteriza como um fenmeno especfico de
formao sucessiva, no qual o encadeamento dos atos
juridicamente necessrio. Por isso, O procedimento sempre
composto de atos, nunca de meros fatos, pois apenas aos atos pode
ser atribudo esse efeito propulsiivo. A necessria propulso
preordenada juridicamente s pode ter por objeto a vontade humana,
a nica susceptvel de receber prescries e de ser regulada pelo
Direito. O mero fato, o acontecimento casual refoge por definio a
toda predeterminao jurdica, no que se refere sua produo. Este
pode ser juridicamente considerado, para certos efeitos pertinentes
ao procedimento, suspenso, interrupo, extino, mas jamais ser
tomado como elemento da srie procedimerital. A previso de um
lapso temporal para a prtica de deter)minadoato no contradiz o que
se afirmou, pois, mesmo a, o tempo outra coisa no que uma
dimenso na qual se verificam os atos. O Direito ao prescrever que,
entre um determinado ato e o seguinte, deva intercorrer um certo
lapso temporal, quer simplesmente impedir que se modifique a
situao jurdica existente poca do ato precedente. , portanto,
apenas a qualificao posterior de um nico ato'29).Do nexo
necessrio juridicamente preordenadc, na concatenao dos atos da
srie procedimental decorre, como corolrio, a necessidade de que as
atividades que compem o procedimento sejam emanadas de mais de
uma pessoa fsica - constituam ou nlo rgo de uma mesma pessoa
jurdica complexa qual possa ser imputado o ato resultante do
procedimento - caso contrrio, a concatenao juridicamente
necessria seria intil superafetaho, que nem poderia ser
configurada logicamente.
Por outro lado, para se alcanar a compreenso integral do
fenmeno procedimental, enquanto gc!nero do qual o procedimento
legislativo uma espcie, no basta a caracterizao do nexo
juridicamente necessrio e propulsor que o informa, preciso, ainda,
circunscrev-lo, individuar-lhe os limites. Caso contrrio, a
sequncia dos atos permaneceria ainda aberta e contnua, indefinida
em seu incio e no seu termo, indistintamente envolta na trama
iniiiterrupta dos feiimenos jurdicos. 14 preordenao estatuda, pelo
Direito, do nexo de impulso propulsor necessrio entre as atividades
sucessivas foi prevista certamente em funo da obteno de algum
resultado em relao ao qual toda essa sucesso juridicamente necessria de atos se coordena. O fato de que essa progresso de atos
n9) GALEOlTI, Serio. Op. cit., p. 42 a 64.

232

prprios do procedimento encontre o seu incio no primeiro ato


destinado a produzir a sequncia necessria que culmine na produo
da perfeio e da eficcia de um ato jurdico revestido de relevncia
peculiar para o ordeiiamento decoil-e, precisamente, do priiicpio da
proporcionalidade do meio utilizado em relao ao fim jurdico a ser
obtido. A meta do procedimento, a versio in luzum dos elementos
procedimentais requeridos, deve consubstanciar-se, pois, em um ato
jurdico do tipo pronncia-declarao, que apresenta essa relevncia
de todo peculiar para o ordenameiito. A adoo de um procedimento
jurdico pressupe a adequao do meio utilizado relevncia jurdica do fim. Apenas o ato jurdico que configure de forma
mediatizada uma operao fsica voltada para o exterior, requerendo
a interveno da srie procedimental, pode configurar um ato de
pronncia-declarao jurdica, ou seja, o ato idneo para produzir
uma eficcia jurdica, conforme o seu prprio contedo ou teor.
Somente dessa forma pode encontrar satisfao o princpio lgicojurdico que requer, em relao prefigurao de um procedimento;
adequao e proporo entre o fim e o meio que o ordeiiamento fixa
para a sua consecuo. Da porque esse o tipo de ato que deve
resultar do procedimento, dada a sua relevncia jurdica peculiar,
pois lhe juridicamente intrnseca a produo de conseqncias
jurdicas correspondentes ao seu contedo, ao desenvolver uma
operatividade especfica no mundo da efetividade jurdica2
reclamando, portanto, atenta disciplina da parte do ordeiiamento. E
em vista dessa mesma relevncia que os modos e os meios
destinados sua produo ho de repercutir sobre o ato, assim como
sobre os efeitos que esse possa produzir. E, por fim, apenas onde se
configure aquela meta do procedimento, ou seja, um ato jurdico ao
qual se possa atribuir, na qualidade de sua causa eficiente, a situao
jurdica final, e na qual seja possvel reconhecer, de forma
mediatizada, toda a srie, globalmente considerada, das atividades
procedimentais. O procedimento, por conseguinte, encontra campo
prprio e inevitvel de acolhimento no mbito das atividades das
pessoas jurdicas em geral e dos entes pblicos em especial. As duas
constataes anteriores, coligadas, autorizam a ilao de que o
fenmeno procedimental encontra a sua unidade de referncia, ou
seja, o dado que o identifica e o unifica, em uma categoria que
represente o ato total da pessoa jurdica ou ente coletivo; na categona em que se realiza, na sua perfeio e eficcia, uma das figuras
tpicas de pronncia-declarao, mediante a qual a pessoa jurdica
complexa desenvolve as suas funes, isso , participa da vida
jurdica. Por essa via, o ordenameiito garante, no que respeita

estrutura articulada que liabitualmenite apresenta a pessoa jurdica,


que, em seu benefcio prprio, uma pluralidade de pessoas deva
participar da elaborao de tal ato. Verifica-se, juridicamente, uma
repartio ou atribuio de poderes que, no caso da pessoa fsica,
competiriam apenas a um sujeito, viabilizando a expresso dos
vrios interesses dessa pessoa jurdica. Dessa forma que a atividade
imputada pessoa jurdica deve resultar conforme seus interesses
mais coiisolidados, mediante a exigiEncia de cooperao dos seus
vrios rgos para a emanao desse ato. Na verdade, a categoria de
atos para os quais o Direito requer as aes combinadas de uma
pluralidade de sujeitos ou de rgos so no apenas os meramente
relevantes, mas os propriamente irideclinveis para a vida da
entidade, pois, apenas mediante a initegrao de tais categorias de
ato, a pessoa jurdica se torna capaz de operar as modificaes
jurdicas essenciais ao seu funcionamento.
No que se refere especificam:nte s atividades estatais e s
funes das entidades pblicas, deve-se ressalvar que o mecanismo
procedimental 6 requerido no apenas pela complexidade da
necessria articulao estrutural do Estado moderno, mas tambm, e
quase na mesma medida, pelo fato de que o ordenamento condiciona
o exerccio das funes pblicas, de forma e intensidade variadas,
cooperao dos prprios destinatrios do ato de pronnciadeclarao estatal. Assim que o procedimento acolhido no
apenas para responder necessidade de coordenao das aes de
uma pluralidade de rgos do aparato autoritrio, mas tambm para
combinar a atividade dos rgos pblicos com a dos sujeitos
privados, com vistas ao desenvolvimento da funo pblica,de forma
a melhor corresponder s efetivas exiigncias da comunidade. Sob o
influxo dos princpios democrticos, essa exigncia a que o fenmeno procedimental igualmente pode responder vem encontrando
aplicao cada vez mais ampla no iim~bitodas funes pblicas, bem
alm das puramente jurisdicionais, s quais seria estrutural e
tradicionalmente associado(30).Tal fato encontra sua traduo
imediata em uma gama cada vez mais vasta de atividades
administrativas e na adoo de novos institutos, como a iniciativa
popular de projetos, as audincias pblicas das comisses (hearings),
@O)

No mesmo sentido dessas indicaes de Galeotti sobre as relaes do


fenmeno procedimental com a democracia pode-se consultar os
desenvolvimentos de:
LUHMANN, Niklas. Legitimao pelo Procedimento. Braslia: Editora
da U.N.B., Coleo Pensamento Politico. n q 5 , sem data.

e o referendum, introduzidos tambm no procedimento legislativo,


onde essa mesma exigncia indiretamente j se encontrava
satisfeita,mediante a delegao prevalente ou exclusiva da funo
legislativa a corpos politicamente representativos. Essa nova
exigncia no deixa de repercutir na prpria estrutura procedimental,
emprestando, por exemplo, novo relevo figura do nus,
preferentemente quela da obrigao, para estimular a cooperao
dos sujeitos privados no desenvolvimento do procedimento.
Consoante ao papel e posio que sejam assinalados aos sujeitos
privados no devir da categoria do ato total, ser possvel proceder a
teis distines e classificaes no interior do gnero procedimental
as quais certamente viro emprestar maior rigor e preciso tarefa
de distinguir, no gnero, a espcie mais complexa que se
consubstancia no procedimento jurisdicional ou processo
propriamente dito. Esse dever ser caracterizado no mais com base
apenas no critrio da cooperao que as pessoas privadas exerceriam
na elaborao do ato total, ou seja, da participao necessria dos
destinatrios do mesmo. Todavia, o problema de definir, no gnero
procedimental, as caractersticas especficas distintivas da espcie
altamente desenvolvida que o processo, ainda se encontra longe de
encontrar soluo precisa e adequada. Para Galeotti, a especificao
deveria ser aprofundada mediante a anlise da peculiaridade com que
cada uma das caractersticas especficas do procedimento, enquanto
gnero, enriquecida na figura do procedimento processual,
peculiaridade do nexo processual, peculiaridade do ato total, ou seja,
da sentena, do a~rdo(~".
O ato jurdico de pronncia-declarao resultante do
procedimento a unidade de referncia da srie procedimental. E,
nesse passo, Galeotti comprova que o procedimento encontra o seu
campo prprio exatamente na formao dos atos que sejam
juridicamente imputveis a pessoas jurdicas complexas, pois por seu
intermdio que se buscar, combinando atividades de mais pessoas
na satisfao de interesses que lhes sejam estranhos ou, pelo menos,
transcendam .os que so prprios dos agentes, atualizar esses
interesses centrados e objetivados no ente coletivo, na pessoa
jurdica complexa, que requerem instrumenializao idnea para
assegurar essa atualizao na categoria jurdica especfica do ato
total a ela imputado, enquanto ato que configure o exerccio de sua
funo precp~a(~~).
(3')
(32)

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 64 a 89.


GALEO'ITI, Serio. Op. cit., p. 90 a 98.

Precisado o fim individuantc: em relao ao qual toda a


sucesso procedimental preorderiada, pode-se enfim obter o
conceito de procedimento em sua completa consistncia terica.
Individuada a unidade de referncia que conecta toda a srie
procedimental, o fenmeno pode ser delimitado e com isso revelar a
sua distinta unidade e especificidacle, um unicurn no mundo da
experincia jurdica. Na verdade, a essa meta final, deduzida da
individuao da categoria do ato total da pessoa jurdica complexa,
todos os atos da srie procedimental (devemresultar funcionalmente
coligados, mediata ou imediatamente. Da o procedimento
aambarcar, no seu ciclo, todos os atos, mediata ou imediatamente,
funcionalmente vinculados realizaiio daquela categoria de ato total. Ou seja, de todos os atos do procedimento, desde o que o instaura
ao que o encerra, necessrio que st: possa dizer que tm por fim
(causa, objetivo), direta ou indireitamente, enquanto termo de
referncia obrigatrio, a categoria iridividuada de ato total que o
procedimento objetiva produzir. Assim, embora necessariamente
subsista sempre uma vinculao de qualquer ato integrante da srie
com o ato final, distinta a relao funcional que, com a situao de
efeito (causa ou fim jurdico) prprio. por exemplo, da lei, guardam
os vrios atos procedimentais, como, de um lado, a iniciativa ou a
publicao, e, de outro, as deliberaes das Cmaras e a sano do
Chefe de Estado. Todavia, cada um de tais atos ou se apresenta
funcionalmente coligado de forma decisiva e principal com a
situao de efeito do ato total, ou funcionalmente coligado de forma
congenitamente dependente, no sentido de que, quando se prescindisse da dependncia funcional daquele ato determinado em relao
ao ato total resultante do procedimento, o primeiro iio poderia
subsistir juridicamente como ato daquele tipo. E isso se verifica
precisamente porque o ordenamento o configura em estado de
congnita dependncia funcional do ato total, no qual, portanto,
encontra a sua razo de ser de fornia exclusiva; no que toca ao
exemplo da coligao entre a lei e a sua propositura ou iniciativa,
desta decorre, para Galeotti, uma mera enunciao de desejo ou uma
inteno dirigida Cmara, e dificilmente co~lsequnciasjurdicas
perceptveis, a no ser a especfica de deflagrar o
Do mesmo modo, a promulgao no seria nada, pois que
continuaria precisamente sine causa. E assim por diante. E esse
critrio da necessria conexo funcional de dependncia em relao
ao ato do procedimento que permite, por um lado, excluir do ciclo
(33)

236

GALEO'ITI, Serio. Op. cit., p. 100.

procedimental pressupostos subjetivos ou meros fatos de legitimao


e, por outro, proceder reintegrao no procedimento dos atos de
controle ou integrativos da eficcia do ato total, ainda quando executados por rgos de outros entes, pois tais atos so no apenas
funcionalmente dependentes, uma vez que pressupem um ato
perfeito anterior sobre o qual venham a incidir para que as suas
consequncias jurdicas especficas possam surtir efeitos
estruturalmente coligados ao ato principal, como tambm coelementos de eficcia para a categoria do ato
A individuao da unidade de referncia de toda a srie
procedimental o que tambm permite no apenas delimitar o ciclo
procedimental mediante o reconhecimento do seu ato inicial e do
final, mas, inclusive, fornecer o imprescindvel ponto de apoio para
efetuar a eiiucleao do procedimento em fases, conservando, no
entanto, a unidade indefectvel do procedimento como um todo.
Nessa base firmemente assentada, possvel acrescentar uma
eiiucleao das fases ou perodos temporais no ciclo procedimental
complexo. Obviamente, problemas como o relativo necessidade de
elucidar os efeitos de direito substantivo mediante a reconstruo do
percurso no qual se realizam os elementos singulares da srie; como
o relativo s repercusses que decor~amda ausncia ou do defeito de
quaisquer dos elementos da srie procedimental; ou aquele da
determinao das consequncias sobre o desenvolvimento da prpria
sucesso procedimental, por ocasio de uma virtual mutao nas
regras reguladoras do procedimento; ou, ainda, poderamos
acrescentar, como concretamente procedeu Biscaretti, para
identificar a natureza das distintas e variadas formas de participao
do Chefe de Estado no procedimento legislativo, possibilitando a
distino cientfica entre os termos veto e sano (apenas para citar
alguns dos problemas elencados por Galeotti para a soluo dos
quais se torna relevante a enucleao do procedimento em fases), e
que no poderiam ser resolvidos, nem mesmo adequadamente
abordados, se se prescindisse, em virtude da incerteza na
individuao da unidade de referncia da srie, de um critrio
seguro para realizar a subdiviso do procedimento em fases e a
delimitao de suas fronteiras precisas.
Quantas e quais s%oas fases presentes em todo procedimento
no questo que possa encontrar soluo genrica no nvel da
Teoria Geral do procedimento com valor absoluto, desconhecendo-se
as especificidades da enorme gama de figuras procedimentais
(34)

GALEOTTI, ~ G i oOp.
. cit., p. 98 a 105.

prefiguradas pelo Direito Positivo. Todavia, buscando limitar-se s


caractersticas gerais presentes em todo e qualquer procedimento,
Galeotti releva a presena daquelas fases que necessariamente
ocorrem em todos eles, enquanto deirorrncia do prprio conceito. A
primeira aquela que integra o esquema legal do ato jurdico,
compreendendo os atos que so diricta e imediatamente coligados
categoria do ato total especfico do procedimento. a fase em que se
verifica a realizao da perfeio, no que se refere relevncia
jurdica do ato total que o procedimento objetiva produzir,
conquanto esse momento em que o ato se torne perfeito possa no
coincidir com o da aquisio de sua eficcia. A aquisio da eficcia
poder, de fato, ocorrer em um momento posterior quele da
perfeio j realizada, o que certamente implicar necessrias
atividades procedimentais posteriores, ou seja, o curso do
procedimento, que apenas encontrar o seu termo quando os atos
necessrios integrao da eficcia tlo ato se houverem verificado.
implcito, na prpria relevncia dessa fase, que nesse perodo se
verifiquem as atividades procedlimentais das quais resultar
determinado o elemento particular do ato jurdico imperativo em
questo que lhe constitui a causa. Nessa fase, ser encontrado, na sua
cristalizao, o contedo de efeito que proceder do produzir-se da
categoria do ato total do procedimento, ainda quando, para a
especificao dos seus efeitos, requeira outros atos, uma vez que essa
especificao pode verificar-se em fase posterior; tem lugar o surgir
jurdico do ato nessa fase indefectvel do procedimento. Essa fase, de
acordo com as vrias denominaes, ser designada como
constitutiva, por Sandulli, Bodda e Casparri; deliberativa, por
Mortati e Giannini; e ainda de pronncia, por Carnelluti, no mbito
especfico do processo. Outra fase que apresenta a mesma
caracterstica de indefectibilidade d<aanteriormente examinada, no
obstante possa limitar-se a um nico ato introdutrio, 6 a que tem o
ofcio de instaurar o procedimento, iniciando-o e fazendo
amadurecer a situao na qual se faz necessria a passagem fase da
pronncia jurdica. Parece, por outro lado, que apenas com
caractersticas de eventualidade se: possa falar da ocorrncia de
outras fases. Assim que, apesar de ser dotada apenas de carter
eventual, Galeotti nos fala daquela fase que virtualmente pode seguir
quela constitutiva ou deliberativa, destinada a integrar a eficcia do
ato total, na qual se verificam ias atividades de controle, de
certificao documeiital ou ainda de comunicao. Dotada do mesmo
carter eventual a fase que pode se localizar entre a propriamente
introdutiva e a constitutiva, destinada especificamente instruo da

matria sobre a qual o ato total dever operar, que Mortati,


Carnelutti e Vanini denominam instr~tria(~~).
Chegamos assim ao ponto que mais diretamente nos interessa,
aquele em que nos permitido, graas ao sistema rigorosamente
construido, com base no conceito de procedimento firmado, a ttulo
de corolrio, analisar os princpios fundamentais que regem esse
gnero de fenmeno jurdico e nos fornecem as regras bsicas de
desenvolvimento de nossas proposies iniciais, atinentes ao veto e
sano, no contexto especfico do procedimento legislativo,
obviamente, como qualquer procedimento, por eles tambm
informado. So os princpios da unicidade, ou da economia funcional
ou procedimental e o da continuidade do procedimento.
Determinado o punctum unionis do procedimento e,
conseqentemente, operada a sua delimitao, a srie procedimental
pode revelar clara e distintamente a sua especfica unidade, a
unidade orgnica do procedimento. Caracterstica essencial de todo o
procedimento, como de resto, pacificamente comprovado no que se
refere ao processo civil ou penal, que, lia verdade, so figuras mais
complexas e combinadas do gnero procedjmental, consoante
acepo rigorosa em que tomamos o termo. E a unidade do fim, a
consecuo do ato total, que perpassa toda a srie procedimental,
enquanto princpio necessrio e suficiente para a explicao dos
fenmerios procedimentais. Portanto, essa unidade do fenmeno
procedimental, determinada a sua existncia, deve necessariamente
patentear-se em manifestaoes constantes, como princpio orientador
expresso, logicamente dependente da prpria unidade procedimental,
como seu corolrio.
Correlativamente unicidade do procedimento eiicoiitramos,
primeiramente, o que poderamos denominar princpio d?
continuidade ou da dependncia funcional da srie procedimental. E
movendo-se por esse princpio, que a srie procedimental pode
apresentar-se como um unicum, unidade em que gravita e que a
cliave do seu retorno sobre si mesma. Apenas mediante essa
compreeils3o totalizante do procedimento possvel transcender da
considerao singular dos atos que compem a srie procedimental;
no mais se acolhe apenas o ato isolado, provido de efeito meramente prodrmico, mas percebe-se essencialmente a relao que
vincula o ato e seu efeito funcional unidade de referncia, o ato
total, em torno do qual o procedimento se identifica e se unifica; o
efeito jurdico do ato singular no fim em si mesmo; essa a
Os)

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 105 a 109.

239

relao fundamental para que s: compreenda a co~icatenao


juridicamente preordenada no ato total.
Em segundo lugar, e estritamente conexo com o corolrio
precedente, deduzindo-se igualmente do princpio da unidade do
procedimento, encon a-se o princpiio da economia procedimental ou
funcional, enquanto expresso da unidade essencial do
procedimento. O Direito, quando preordena como necessria e
suficiente determinada srie procedlimental como o nico meio de
atualizao de determinadas funbes precpuas de ente pblico,
objetiva impedir, mediante a adoo de institutos particulares, que,
para a realizao de um mesmo ato total, com bvio desperdcio de
energia e com grave perigo de disfunes finais, mais de um
procedimento tenha lugar. E sempre o mesmo princpio da unicidade
do procedimento que se revela tambm
ou da ecoiioinia funcional
tr
em outro sentido,ao determinar o acolhimento de institutos como o
da sanabilidade, o da converso e o da transferncia da invalidade,
idneos para conservar o mais pos!;vel a eficincia das atividades
procedimentais, que, de qualquer sorte, tenham sido realizadas em
desacordo com a norma prevista (irivalidade, irregularidade), como
se estivessem perfeitas, desde que idneas para assegurar a
finalidade do ato, consoante ao princpio da conservao dos valores
jurdicos, no dizer de Sand~lli'~~).
Com efeito, como ressalta Galeotti,
esses institutos ajudam a impedir que se duplique inutilmente a
atividade procedimental j em curso ou completa, porque repugnaria
ao princpio da unicidade e da economia funcional ou procedimental
reiterar toda uma srie procedimerital, quando esta, no obstante
apresentasse defeitos em atividade iindiretamente coligada ao ato final, provasse ainda ser substaiicialmente idnea enquanto
instrumento para a realizao dos fins c~limados(~~).
Dessa forma, Galeotti fixa cientificamente o conceito de
procedimento jurdico, no primeiro captulo de sua obra. gnero do
qual o procedimento legislativo espcie, construindo rigoroso
sistema ao conferir ao termo procedimento unidade de instrumento
conceptual, delimitando a sua carga semntica especificamente
cientfica, configurando-o como verdadeiro e prprio universal capaz
de apreender e transmitir a essricia desse fenmeno nico e
especfico do mundo jurdico, no nvt:l da Teoria Geral.

(36)

(3v

SANDULLI, Aldo M. I1 Procedimento Amministrativo. Milano:


Giuffr, 1940. p. 35 1.
GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 109 a 117.

Assim, "l'iiitegrazioiie di que1 tipico atto giuridico imperativo


che la legge si sempre avvertito che fosse, badando almeno
all'esperienza giuridica de110 stato moderno costituzionale, i1
risultato di uii procedimento giu~idico"(~*).
A sucesso dos atos
prprios de sujeitos diversos, titulares de rgos estatais ou mesmo
alheios ao aparato autoritrio do Estado, teleologicamente conexos
com a produo do ato tota1~especficodenominado lei, apresenta,
como vimos, as caractersticas especficas que nela nos permitem
reconhecer um procedimento, uma sequncia procedimental. Por um
lado, evidente a preordenao jurdica, o nexo juridicamente propulsor e requerente, que a partir da iniciativa, impele e desenvolve a
srie procedimental, salvo as hipteses de interrupo ou cessao do
procedimento, at o ponto em que a lei se torne no s juridicamente
perfeita, ou seja, relevante como ato idneo para a produo de
efeitos jurdicos, consoante aos seus prprios dispositivos, mas
tambm eficaz em ato, ou seja, vigente. Por outro lado, igualmente
evidente a conexo, a unidade e a dependncia jurdica de todos os
atos da srie em relao produo do ato total, vale dizer,
categoria especfica da lei considerada no seu todo, h qual se vincula
a entrada em vigor da lei. A doutrina, no entanto, como vimos em
relao escola alem da Teoria Geral do Estado e Carr de
Malberg, por exemplo, tendeu a excluir do procedimento legislativo
a iniciativa, afirmando que nessa atividade no se encontraria de fato
o exerccio de qualquer Poder Legislativo, mas pura e simplesmente
o poder de propor. Tambm 110 que se refere aos atos compreendidos
ria fase de aquisio de eficcia da lei, a doutrina buscou exclu-10s
do fenmeno. Ora, em que pese prevalncia dos atos
compreendidos na fase perfectiva da lei, embora substancialmente se
possa concordar com tais assertivas, no devemos acreditar que seja
lcito delas deduzir a excluso desses atos do procedimento
legislativo, pois em nada importa o reconhecimento, por exemplo, de
que a iniciativa desenvolve, quanto realizao da categoria do ato
total, a lei, um poder determinante diverso e menos apreensvel do
que aquele desenvolvido pelas atividades propriame~itedeliberativas.
No contraditrio com o fenmeno procedimental, mas, ao
contrrio, nle se encontra habitualmente implcito o fato de que as
atividades produzidas ao longo de seu ciclo em sequncia ordenada,
sejam fuiicioiialmente conexas ao ato total de maneira diversa, ora
de forma direta, imediata e principal, ora de forma indireta, mediata
e secundria. A concepo de procedimento implcitamente acolhida
(38)

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 183.

I
I

nas premissas da doutrina clssica resulta totalmente mutilada e


patentemente contrastante com a realidade jurdica. A se acatar tais
premissas, dever-se-ia assumir conno procedimento apenas aquela
sequncia de atos que possussem identidade de natureza, enquanto
desenvolvimento e expresso de uni mesmo poder, efetivamente do
Poder Legislativo o que s ocorreria quando os atos que o compem
pudessem integrar de forma direta e imediata a perfectibilidade do
ato total, reduzindo-se todo o procedimento apenas deliberao das
Cmaras e sano, enquanto atos diretamente constitutivos do ato
complexo - lei. Ora, a Teoria Geiral do Procedimento desautoriza
cabalmente essa concluso. A iniciativa porta claramente as
caractersticas especficas de unn ato pertinente a essa srie
procedimental; por um lado, coloca em movimento o Poder
Legislativo, induzindo a produo daquele impulso propulsor e
requerente tpico da sequncia procedimental, e por outro, vincula-se
patentemente de forma funcional com a produo do ato total, a lei,
sem contudo perder a sua identidade. No h dvida, portanto, que
essa integre, como categoria destinada a produzir o necessrio e
imprescindvel momento iiistaurativo, o procedimento legislativo.
No que toca publicao, de se ressaltar que esta no constitui, nos
sistemas da Inglaterra e no federal norte-americaiio, requisito
essencial aquisio de eficcia da lei, que produz seus efeitos desde
o momento em que se encontre aperfeioada, com a sano real na
Inglaterra e com a verificao das demais hipteses constitucionais
norte-americanas, prefiguradas para a perfeio do ato(39).Por outro
lado, nos ordenamentos vinculados ao modelo continental europeu, a
publicao da lei requerida para integrar a eficcia dessa categoria,
consubstanciada no ato total. Logo, nesses sistemas, somente com a
publicao se conclui a srie dos atos requeridos para completar
globalmente a categoria do ato total em tela, a lei. Uma virtual
vncatio legis, por si, outra coisa ino que um fato meramente
temporal, no comportamento, no atividade, expressa apenas a
permanncia no tempo de uma situao jurdica precedente, e no
mais do que uma modalidade do mesmo evento que o ato da publicao tem a funo de determinar, a entrada em vigor da lei segundo
o teor de suas prprias disposies. Assim, delimitados o incio e o
termo do procedimento legislativlo, Galeotti passa, a seguir, a
analisar a diferenciao do procedimento legislativo em fases.
Firmado o conceito de que, cla iniciativa publicao da lei,
corre o nexo contnuo de um fenmeno procedimental unitrio, resta
'39)

GALEO'TTI, Serio. Op. cit., p. 183, nota 8.

proceder anlise do fenmeno total, ou seja, o da sua enucleao


em fases. Em respeito unidade essencial do fenmeno
procedimental teleolgica e funcionalmente vinculado produo do
ato total, opera-se apenas indicativamente uma identificao, uma
enucleao do procedimento em fases, ou seja, a determinao de
perodos internos ao ciclo temporal total compreendido pelo
Mas esse unicum jurdico que se
procedimento legislati~o(~~).
constatou constituir o procedimento legislativo, esse continuum, que,
a partir da apresentao do projeto legislativo, alcana a integrao
completa e eficaz da lei, no pode ser, como vimos, coiifigurvel
como uma srie de atividades distintas seno pelo yunctunt temporis
no qual estas encontram lugar. Mesmo a observao meramente
descritiva revelar que a sede temporal das vrias atividades, ao
longo da sequncia procedimental, obedece a uma ordem
juridicamente prefigurada, pelo que configuram certas atividades
que, coino a iniciativa legislativa, devam iiecessariamente encontrar
lugar na frao inicial ou preliminar do procedimento; outros atos,
tal como a deliberao das Cmaras e a sano do Chefe de Estado,
por meio dos quais as instncias tributrias da funo legislativa
adotam a lei, encontram lugar ria frao aproximativamente situada
no centro do ciclo procedimental; e por fim, outras atividades, como
a promulgao e a publicao, localizam se na poro terminal do
mesmo ciclo. A distino tradicional que atribua a cada ato um
efeito prodrmico, especfico e isolado, parte da fragmentao que
induz, , a um s tempo, exuberante e incompleta, e sua insuficincia
mais grave o desconliecimento do procedimento coino tal, ao tomar
por base um conhecimento atomstico e fragmentrio que isolava os
atos que deveriam compor o procedimento. Na realidade, esse modo
de distino das fases procedimeiitais s poderia absorver uma
exigncia preliminar descritiva das categorias parciais das quais se
compe o procedimento legislativo, relevando a ordem segundo a
qual deveriam produzir-se juridicamente. Este, o nico dado novo
que aquela forma metodolgica de enfocar a matria permitia
conhecer, a ordem relativa dos atos procedimeiitais em relao ao
precedente e ao seguinte. evidente que tal forma de abordagem do
fenmeno procedimental s poderia contribuir para uma teoria dos
singulares atos procedimentais, isoladamente considerados, no
implicando, qualquer progresso, antes, pelo contrrio, impedilido o
avano do conhecimento cientfico da disciplina do procedimento
legislativo considerado no seu todo o que, na verdade, falseava o
(4"

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 224.

1
I

I
l

prprio conhecimento dos atos que oi integram, ao isol-los. obvio


que, devido diferena categorial, antes examinada entre o conceito
de ato e o de procedimento, a prprii~perspectiva adotada terminava
por ocultar o fenmeno procedimerital no qual aqueles encontram
sede prpria e cabal compreenso. 14 indefectvel correlao que o
ato singular da srie procedimental apresenta em relao ao todo, ao
procedimento legislativo enquanto fenmeno global nico e
especfico, , precisameiite, o que no podia ser apreendido por esse
enfoque atomstico e fracionado, acabando por evaporar-se. A
distino em fases que Galeotti objetiva refutar e contrapor
enucleao que a proceder, de fato, no encontra qualquer
fundamento rigoroso, confundindo-se com a mera descrio exterior
do fenmeno, que inviabiliza a compreenso de sua unidade
essencial. Como foi demonstrado, a individualizao do
procedimento, enquanto gnero especfico dos fenmenos jurdicos
requer, outras e mais particulares caractersticas distintivas, alm
daquela da ordem sucessiva dos atos e dela diversos. Assim, entender
apenas que haveria uma necessidlade jurdica indeclinvel na
observncia do nmero e da ordem de sucesso dos atos, ou seja, que
a iiiobservncia dessas repercutiria sobre a validade e a eficcia do
ato, est longe de poder erguer-se condio de critrio para a
efetiva apreenso doutrinria do fenineiio procedirne~ital(~').
Ora, precisamente o que permite o recoiihecimeiito da srie
procedimental em sua unidade no pode ser relegado a um segundo
plano, ou ignorado, principalmente quando se busca proceder a um
estudo analtico do procedimento. Exatamente o que permite fixar o
procedimento em sua unicidade o carter instrumental que todos os
atos da srie juridicamente preordenada apresentam em relao ao
ato total. logicamente requerido um critrio seguro para relevar
uma relao, uma vinculao efetiva e apreeiisvel do ponto de vista
jurdico, entre a unidade de todo o procedimento e as suas fraes, as
partes no todo. Nas anlises emprico-descritivas do procedimento
legislativo, j referidas, na realidade, no se enucleavam
rigorosamente as fases do procedimento; os elementos ou momentos
que se relevavam eram como peas, retalhos, fragmentos necessrios
do procedimento, dispostos em uma certa ordem. No resultavam,
porm, das relaes institudas graas 2 sua insero no todo,
vinculao com a categoria total e: as demais fraes, o nico
elemento capaz de revelar a unidade da srie, da o seu escasso valor
cog~ioscitivoem termos jurdicos. Portanto, com fundamento no
(4')

244

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 229 a 232.

'

conceito de procedimento enquanto fenmeno jurdico especfico,


em um sentido tecnicamente rigoroso, no se pode qualificar como
fases do procedimento todos os momentos temporais possveis, nem
tampouco, o que seria por demais restritivo, apenas aqueles
juridicamente previstos como estritamente necessrios para a
perfeio do ato, porm deve-se qualificar aqueles perodos cuja
enucleao no ciclo total expressem uma peculiar relao entre a
parte que identifica a fase, ou seja, a categoria procedimental parcial,
e tudo o que identifica o procedimento como unidade, ou seja, a
categoria total do procedimento legislativo, a lei. A aplicao desse
critrio nos permite proceder enucleao das fases, com um tal
grau de eficincia determinante,que as menores categorias parciais
revestem-se do carter teleolgico e instrumental necessrio ao
inteiro desenvolvimento do procedimento e lei como ato dele
resultante. Recorrendo a esse critrio, postula-se, portanto, que as
vrias atividades procedimentais no se revistam todas de uma igual
funo determinante em relao integrao da categoria total do
procedimento legislativo. Na verdade, a lei no surge submetida ao
mundo do Direito de uma s vez, como acreditavam Laband e
Jellinek, mas como resultado conjunto, complexo, totalizante e final
de um fenmeno que se desenvolve no tempo, mediante toda uma
sequncia de atividades que, diversas por seus sujeitos, por suas
estruturas, por suas sedes temporais, sejam todas, da inicial final,
vinculadas de maneira direta e imediata, ou indireta e mediata,
produo do ato total, ou seja, da lei eficaz. Se a lei requer todo um
procedimento antes de produzir os efeitos jurdicos que llie so
prprios, de se excluir que todas e cada uma das situaes jurdicas
que, em conseqncia das atividades procedimentais, venham a se
produzir ao longo do procedimento, revistam-se, no que se refere
integrao do ato total, de um mesmo valor determinante. Ao
contrrio, somos levados a afirmar que a cada uma dessas situaes
jurdicas,levando-se em conta sua vinculao supervenincia final
da lei, deve-se reconhecer uma importncia e um papel eficiente
nitidamente diferenciados em relao s demais. E precisamente
porque os momentos procedimentais em que tais situaes jurdicas
se verificam apresentam o correspondente e diferenciado relevo que
as caracteriza, que se torna possvel a enucleaf, das distintas fases
no inteiro ciclo temporal do procedimento(42).E bom que se frise,
novamente, que no se trata, consoante pretenso da doutrina
emprico-descritiva, de se buscar atribuir efeitos prodrmicos a cada
(42)

GALEO'ITI, Serio. Op. cit., p. 232 a 235.

um dos atos da srie procedimental, tomados de emprstimo do ato


total. Pretendia-se analisar uma entidade estaticamente considerada,
o ato final tomado em si mesmo, decompondo os seus elementos
para atribui-los a cada um dos principais atos da srie. Trata-se, pelo
contrrio, da anlise de um fenbineno dinmico, no caso, do
procedimeiito legislativo, fazendo reportar as vrias atividades que
tenham lugar no curso do procedimiento categoria do ato total,
lei, considerada, em nosso contexto lgico, como o resultado, o fim
do procedimento. Na verdade, as atividades que compem o
fenmeno do procedimento legislativo no se traduzem, pontual e
estaticamente, enquanto elemeiitols da categoria legislativa. O
procedimeiito, como vimos, fenmeno de distinta natureza do ato,
fenmeno de dimenso mais amplai, um ciclo temporal que inclui
outros elementos que no se eiicoiilram contidos na categoria total
que dele resulta(43).
Dessa forma, da avaliao das situaes jurdicas que advm
do desenvolver-se do procedimento legislativo, em relao
iiitegrao do ato total, a lei, Galleotri reconhece um relevo diverso e
distinto a trs momentos bsicos: a) um momento inicial, no qual
aberta juridicamente a possibilidaide de criao da lei; b) um
momento central, no qual a lei se torna perfeita, isto , adquire
relevncia jurdica como ato legislativo potencialmente produtivo
dos efeitos que ela prpria estabelece; c) e enfim, um momento
conclusivo, no qual a lei, j perfeiia, existente como ato jurdico,
embora ainda no eficaz, atualizada, ou seja, toma-se capaz de
produzir os efeitos que a ela se atribuem como sua causa, em suma,
entra em vigor. Em correspondncia a tais momentos, possvel
delinear trs fases distintas do procedimento legislativo, nas quais se
traduz o significado especfico que cada um desses momentos assume na economia do procedimento. Assim, denominam-se, respectivamente: a) fase instaurativa- a que corresponde ao primeiro momento e mediante a qual tem incio aquele moto requerente que caracteriza o nexo procedimental e impele o prosseguimento de todo o
procedimento; b) fase perfectiva ou constitutiva- que corresponde
quele momento central e culmiiianite do procedimeiito, no qual se
realiza a perfeio jurdica ou a relevncia do ato legislativo; c) e
finalmente, a fase de iiitegrao da eficcia - na qual a lei, j
perfeita, adquire eficcia, lios termos de seus prprios enunciados(44).

(j3)

(44)

GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 235 a 241.


GALEOTTI, Serio. Op. cit., p. 241 a 243.

246

Em suas linhas bsicas esse o sistema em que Galeotti


insere o tratamento doutrinrio de toda a matria atinente ao
procedimento legislativo, buscando emprestar-lhe o imprescindvel
rigor metodolgico e conceitual que caracteriza o trabalho cientfico.
Acreditamos que podemos, finalmente, de posse dos
elementos tericos necessrios para o desenvolvimento dos nossos
postulados iniciais, responder indagao que motivou todo o
presente trabalho: Quais os efeitos da sano do Chefe de Estado, em
um regime de governo presidencial, a projeto de lei que decorra da
violao de dispositivo constitucional expresso que lhe atribusse a
iniciativa privativa do mesmo. Essa questo encontrar tratamento
adequado, no nvel da Teoria Geral, precisamente mediante a
distino entre os institutos da sano e do veto quanto respectiva
insero nas fases do procedimento legislativo e s distintas
coiisequricias jurdicas da decorrentes.

3.2.2

Distino dos Institutos da sano e do veto no


que se refere s suas respectivas conseqncias
jurdicas

Delimitado o procedimento legislativo enquanto variedade do


fenmeno jurdico especfico que se caracteriza por sua
dinamicidade, que se contrape ao ato, precisamente porque o
fazer-se do ato, considerado essencialmente em sua dimenso temporal, na qual todos os atos da srie procedimental viiiculam-se
funcional e teleologicamente unidade de referncia do ato total que
lhe confere unidade e especificidade, e que regido pelo princpio da
economia procedimental, temos determinadas as regras de
desenvolvimento do discurso cientfico que nos permitiro o
adequado e rigoroso tratamento da questo.
De incio, necessrio que recuperemos os postulados iniciais
que permitiram a Biscaretti proceder distino cientfica dos
termos sano e veto.
Ora, se o veto a participao do Chefe de Estado no
procedimento legislativo, que se traduz no mero exerccio de um
controle poltico sobre a atividade propriamente legislativa
encomendada, exclusivamente, s Cmaras, consoante a uma
determinada distribuio das funes estatais terica e
normativamente conformada luz de um sistema de freios e contrapesos constitucionalmente acolliido, que se exerce sobre uma lei
j perfeita, na fase procedimental da aquisio de sua eficcia, o

efeito da iiiterveno do Chefe de Etado se reduz suspenso de sua


promulgao. A nova deliberao, qualificada ou no, das Cmaras
importar ou na superao do obstculo oposto promulgao da lei,
ou na deciso contrria do mesmo rgo que a elaborou requerida
para a sua derrogao. Como atesta Galeotti, trata-se de uma lei j
perfeita, j dotada de relevncia jurdica para o ordenamento, se bem
que ainda no teilha adquirido plena eficcia. Essa relevncia
jurdica de que j portadora impliica uma espcie de prefigurao
da eficcia que surte efeitos apenas ad intrn em relao a
determinados rgos constitucioiiais, conquanto no alcance a
generalidade dos sujeitos jurdicos. Dete mina, por exemplo, no
sistema de governo parlamentar da Itlia, um comportamento, tanto
das Cmaras, quanto do Governo, acorde com o regulado e, segundo
as regras de correo constitucional, exige que o Governo no obste
o regulado mediante o exerccio do Poder regulamentar; em suma,
goza a proposio de um valor genrico de princpio jurdico no que
Como afirma Pietro
diz respeito aos rgos governa~nentais(~~).
Virga: "Con l'approvazione dello stesso testo da parte delle due
Camere Ia legge yerfetta, perch si conclusa la fase costitutiva
de1 procedimento; essa non per esecutoria; 10 diviene solo c011
l'atto di promulgazione de1 Presidente della repubblica; obbligatoria
per i cittadini 10 sar solo con Ia pubblicazione. Lo statuto albertino
conferiva a1 Re i1 potere di sanzione; Ia sanzione aveva valore ed
efficacia pari all'approvaziorie delle Camere e, di conseguenza, la
legge veniva, per l'ordinamento precedente,
costruita come un
r
atto complesso de1 Re e delle due Camere. La costituzione vigente
invece attribuisce a1 Presidente della Repubblica poteri che
attengoiio non alla fase costitutiva, ma'alla fase integrativa
dell'effi~acia"(~~).
Precisamente por essa participao do Chefe de Estado no
atual procedimento legislativo litaliano, o pedido de nova
deliberao, no se prefigurar como atividade direta e
esseiicialmente vinculada 21 formao propriamente dita do ato total,
mas, ao contrrio, apresentar-se apenas indiretamente a ele vinculado
enquanto condio para aquisio de eficcia de uma lei j perfeita,
que, apesar de, na oportunidade da promulgao, o Chefe de
Estado italiano realizar atividade de controle constitucional sobre a

(45'

(4Q

248

GALEOTSI, Serio. Op. cit., p. 267 a 375.


VIRGA, Pietro. Diritto Costit~1zior;lale.9"dio.
Editore, p. 27 1.

Milano: Giuffr

regularidadc do procedimento, sobre a legitimidade cm geral do ato


legislativo e sobre LI sua oportunidade poltica no qtie se refere ao
mri!o, a xiisencin de iim pedido de nova delibera9o 1130 teria o
coiido de saiiar nem mesmo os vcios decorrenlcs dc defeito ou de
niisnci:l de partiripaio do mesmo lias f:ws precedentes do
procedimente, se fo,.sceste o caso.
Por outra vertente, a sano e :isi!a virtual recusa ou
de~icgazlosCio a!os da Lliefe de Esfndo qci sc i:vestent de natureza
lcgishtiva. Como vimos alilra, ri:i ren!idsdc, a sfin viilcu!ao
doi?trii~riac co~~fiurao
normaiiva. Piinda-se em unui ccncepo
totalizante da figura do Chefc de Estado, a qual, conquanto
iriadverlidainenteaconselhou sc lhe conservasse a atnbui,lo dc uma
parcela do Poder Lcgislalivo, mesnio que a siin virtual negativa
possa vir a scr scpcrada, mas sempre na fase conslituliva ou
perfecliv:~da lei. Nesse sistema, 1120 se tcm lei de lodo, a ineiios que
a sano do Cliefe dc Estado erija a essa condio o mero projeto
aprovado pelas Ck~inras,ou que a sua negativa seja superada por
deliberao simples ou qualificada dessas, na mesma ou e111
legislntura sucessiva, ou ainda por deliberao direta do corpo
eleitoral, consoante no que dispoliliam as diversas Constituies. De
toda sorte, a aqiiiesciicia expressa ou thcita do Chefe de Estado ou a
vcrific~oda inniiifestao de vontade, nn forma requerida pelo
ordcnimeats. do povo ou de seus reprcsentaiites, pma a supera9o da
priniciru, sfi atos constitulivos da lei, que apenas pode fo1.m~-seou
adquiiir a sua perfei30 ou relevncia jurdica mediante a ocorrncia
de urna dessas Iiipteses.
Logo, ein um Estado de sistema presidencial de governo, no
qiial se conceiitrem inonocraticame~ite,
na figura clo Clicfe de Estado,
as funes de Cliefia de Estado c de Governo, cientificamente, por
fora do princpio da tinicidade e da economia procedinienlal, e
tendo-se crn vista a viiiculao direta, iinediah e principal reservada
h sanfio do Cliefe de Estado, no tipo dc procedimento legislativo
caracteriz:ido pelo prprio iiistiuto, frente ao car6tcr estruturdmeiite
indireto, mediato e secundrio de que se rcvesle n iniciativa no
procedimeiito lepislati~lo,outra no poderia ser a coi~cliisfiodo que a
dn snnabilidade do vicio. O ato total cla resultante revcla-sc como
perkilamcnte idoiieo, precisamente por contar com a aquiescncia
d:tquele a qucin competia iiiicid-10, i10 rnorneiito mesmo de sua
constituio. Idoneidade de tal forma confirmada pela reconstruo
do pcrcilrso iio qual se realizain os elementos singulxes da srie, que
repugnaria ao priiicpio da unicidade e da economia procedimental
solu3o coiitrdria. No se justifica supor que seria iiecessrio

duplicar, repetir toda a srie procedimental, reiterar as mesmas


atividades, se no obstante o defeito, o ato persiste substancialmente
idneo enquanto instrumento de realizao dos fins colimados. Da
resulta a perfeita sanabilidade do vcio em exame. de se relevar,
ainda, que a hiptese da recusa de sano, nesse caso, configuraria
uma das raras eventualidades de recusa de sano insupervel,
absoluta,acolhida nos atuais textos constitucionais - dependente
nica e exclusivamente da vontade discricionria do Chefe de
Estado.
Desenvolvidos os postulados iniciais que nos permitiram
encontrar resposta segura no nvel da Teoria Geral do Direito para a
questo tpica que motivou o nosso trabalho, estamos aptos a
empreender, cientfica e doutrinariamente amparados, a anlise
crtica do tratamento reservado matria no Direito Coiistitucional
ptrio. Apesar de havermos afirmado, na introduo dessa pesquisa,
que as referncias existentes na doutrina brasileira ao instituto da
sano 110 procedimento legislativo so poucas e, no mais das vezes,
puramente tautolgicas, temos de reconhecer que os nossos
Tribunais, ao lidarem com os casos concretos surgidos na vigncia
da Constituio Federal de 1946, no deixaram de desenvolver as
lacnicas afirmativas da doutrina, abrindo sendas que infelizmente,
talvez devido ao advento do perodo autoritrio em 1964,
terminaram no sendo trilhadas nem pela doutrina, nem por esses
mesmos Tribunais, no que se refere ao conhecimento
especificamente jurdico do procedimento legislativo, para a
construo de um corpo slido de conceitos e princpios que
orientasse a aplicao prtica de suas normas. Chegou-se
consolidao de uma smula, a Smula n 5 do Supremo Tribunal
Federal, que consagrava a inteligncia de que a sano do Chefe do
Executivo supriria os vcios decorrentes da ausncia de sua
iniciativa, com fundamento em uma concepo doutrinria do
procedimento legislativo como um todo, orgnica e teleologicamente
estruturado. As peculiaridades hermenuticas requeridas pelo
procedimento legislativo autoritrio, vinculadas aos semivelados
pressupostos polticos do regime institucional de 1964, determinaram
a consagrao de entendimento oposto a partir de 1974. Acreditamos
que a anlise de tal material nos permitir no s desenvolver
cabalmente a tese acolhida nos confrontos com a tese oposta, como
comprovar sua eficcia jurdico-doutrinria e ainda revelar, em toda
a sua crueza, os verdadeiros e semivelados fundamentos polticos
que aliceram essa peculiar hermenutica de nossa Suprema Corte
forjada, no perodo ditatorial.
Q

3.3 Da recusa de eficcia da sano do Chefe de


Estado no procedimento legislativo brasileiro
Antes de examinarmos o acrdo que consagrou o entendimento de que a sano do Chefe do Executivo iio supriria os
vcios decorrentes da ausncia de iniciativa deste, nos casos de
iniciativa reservada, ou de emendas que importassem no aumento
das despesas originariamerite previstas no projeto, importante que
nos detenhamos na anlise das teses enuiiciadas a respeito da matria
por ocasio da formulao da Smula li",
que acolheu a
iiiteligiicia oposta.
I

3.3.1

De Smula n V do Suprenio Tribunal Federal

Sob a vigncia da Constituio de 1946, Iiavendo o Pas retornado normalidade iiistitucional, Chefes de Executivo, particularmente Prefeitos recm-eleitos, recusam-se a dar cumprimento a lei
ou a dispositivos de lei saiicionados por seus aiitecessores, por os reputarem incoiistitucionais,visto no se terem regularmente originado
da prpria iniciativa daqueles, consoante previso constitucioiial de
reserva de exclusividade dessa iniciativa lia matria.
A Constituio Federal de 1946, em seu art. 67, 5 25 tomaiido
como matriz a norma consubstanciada no 5 2"o
art. 41 da
Constituio Federal de 1934, que, pela primeira vez no nvel federal, consagrara a competncia exclusiva do Poder Executivo para a
propositura de projetos de lei sobre o aumento de veiiciinentos ou a
criao de cargos em servios j existentes, acollier norma de
idntico teor.
Muito embora o acolhimento da referida norma no fosse
obrigatrio, no apenas as Constituies dos Estados a adotaram,
mas tainbm o legislador estadual a introduzira, no mais das vezes,
nas respectivas leis de organizao municipal.
Por outro lado, o art. 65 da Constituio Federal de 1946 e, a
seu exemplo, o dispositivo correspondente das Constituies dos
Estados federados e das leis de orgaiiizao municipal traduziam, de
forma inequvoca, a opo pela manuteno da tradio, no que
conceriiia a se atribuir a fuiio IegisIativa, em sentido estrito,
conjuntamente ao Parlamento e ao Cliefe de Executivo, mediante a
sano, cuja negativa parcial ou total poderia ser superada pela
reaprovao qualificada de dois teros dos membros do corpo
legislativo (arts. 68,69 e 70 da Constituio Federal de 1946).

A celeuma originada por tais casos concretos vinculava-se,


pois, questo da interpretao Iiarmiiica desse conjunto de dispositivos atinentes ao procedimento de formao da lei. Grandes jurisconsultos ptrios manifestaram-se a respeito. Examinemos, de incio,
o parecer daqueles que se pronunciaram pela impossibilidade de
convalidao do vcio da iniciativa, pois o exame de suas teses nos
fornecer a ocasio de demonstrar o enfoque atomstico, parcial e
incompleto com que abordam a matria, e, sobretudo, de questionar
os perigos do fetichismo em que se traduz o formalismo gratuito,
levado a extremos enquanto obstculo ao desenvolvimento de um
efetivo conhecimento integrado e sistmico do Direito, ou seja,
prpria construo e aplicao de uma Teoria Geral do Direito.
Francisco Campos, em parecer datado de 15 de abril de 1962
sobre a matria, afirma que admitir-se a sanabilidade do vcio seria
colocar a questo em terreno imprprio, pois seria discuti-la no plano
do Direito Privado e do Direito Administrativo, quando a mesma se
encontraria situada, de forma inequvoca, no plano do Direito
Pblico, Constitucional. E assim que afirma "ora, o Direito
Constitucional, particularmente no que toca organizao e ao
exerccio dos Poderes, diviso e s relaes entre estes, e
competncia constitucionalmente atribuda a cada um, no comporta
a teoria das nulidades de Direito Privado, admitida, sem modificaoes essenciais, no campo do Direito Administrativo'YJ7).
E professando uma peculiarssima Teoria Pura do Direito,
que Campos propugna por uma ciso absoluta e ontolgica entre o
Direito Privado e o Pblico, contra a qual Kelsen se batera de forma
to rigorosa, para concluir que "a iniciativa de certos projetos de lei,
cometida, com exclusividade ao Poder Executivo, no ato de
natureza especificamente processual. E uma faculdade ou um poder,
em tudo comparvel s demais faculdades ou aos demais Poderes
que a Constituio atribui ao Poder Executivo, como o de nomear,
manter relaes diplomticas com os demais Estados, e todas as
demais prerrogativas que a Constituio imputa, com exclusividade,
ao Poder Executivo (...) A iniciativa do Poder Executivo d partida
ao processo de elaborao legislativa. Este fato, porm, no autoriza
a equiparar a faculdade de iniciativa aos demais atos do processo
legislativo. Ele um pressuposto ou uma condio essencial desse

(48)

CAMPOS, Francisco. Poder Executivo - Iniciativa de projetos de lei Sano - Nulidades no Direito Pblico - Atos Inconstitucioiiais. Revista
de Direito Administrativo, vol. 73, jul-set de 1963. p. 381.
CAMPOS, Francisco. Op. cit., p. 387.

Esse , precisamente, o ponto fulcral de sua tese, passvel de


ser formulada apenas mediante o recurso no s mera considerao
atomstica e isolada dos atos procedimentais, mas, sobretudo,
mediante a pressuposio de alterao radical da prpria natureza
procedimental da iniciativa ao ser constitucionalizada. Ora, a
supralegalidade que iisita s normas co~istitucioiiaisno desnatura,
nem seria admissvel que o fizesse, a especificidade tpica da matria
que fornece o contedo iiorma, elevada categoria de
constitucional. Unicamente refora a sua fora vinculante original,
conservando intocvel o seu significado prprio decorrente de sua
necessria co~itextualizaosemntica no setor do Direito de que
provm. Obviamente, a constitucionalizao de uma determinada
norma, por si s, no ter jamais o condo de alterar a natureza
especfica do seu modo de ser jurdico. No pode afastar, como no
caso da iiorma procedimeiital, o seu carter instrumental. Menos
ainda transformar uma norma procedimental secundria, pois que o
seu objeto apenas se vincula ao ato total resultante do procedimento
de forma iiidireta, mediatizada e relativa, em iiorma priiicipal, como
fim em si mesma. Como vimos, na verdade, a iniciativa
necessariamente iniciativa de algo, no , nem logicamente pode ser,
fim em si mesma, mas unicamente o ato procedimeiital que inaugura
a srie, que pe em movimento o nexo propulsor do procedimento,
para a produo daquele determinado ato jurdico total, vinculandose, congnita, instrumental e teleologicamente aos atos principais,
direta, mediata e absolutamente requeridos para a constituio
mesma do ato total. Ainda que co~istitucionalizadaa iiorma
procedimeiital secundria, por sua prpria natureza, s poder ser
efetivameiite compreendida em seu sentido jurdico especfico,
revelado em sua plenitude, quando objeto de um eiifoque
procedimental teleologicameiite orientado, que, ao contrrio de
buscar isol-la do procedimento que necessariamente integra, o
nico apto a captar a sua especificidade por flagra. o seu objeto na
dinmica relao fiiialstica que mantm com todos os demais
momentos procedimentais, sobretudo, com aqueles direta, imediata e
absolutamente viiiculados ao prprio momento de formao do ato
total, do qual ela congenitamente dependente. E essa relao de
congnita dependncia que, mediante esses elaborados sofismas,
Francisco Campos objetiva inverter, ao atribuir iniciativa um valor
absoluto, condicionante da validade da prpria sano, ato principal,
essencial, imediata e absolutamente vinculado produo daquele
ato total que a lei. Dizer que os princpios da unicidade e da
economia procedimeiital que regem o fenmeno so princpios de

Direito Privado desconhecer a prpria natureza do fenmeno


procedimeiital enquanto gnero que encontra sua mais cabal,
desenvolvida e completa expresso nos processos civil e penal,
igualmente informados por esses mesmos princpios. Negar a
natureza pblica do Direito adjetivo, processual, ou melhor,
procedimental argumento que no pode ser levado a srio.
Pretendendo no haver compreendido que justamente em nome
desses princpios que se haveria de considerar sanada a
irregularidade da iniciativa em face da sano aposta ao mero projeto
de lei transformando-o em lei, tcita ou expressamente, pelo Chefe
do Executivo, que poderia t-lo proposto s Cmaras, afirma Francisco Campos que "a sano no se destina a expungir o ato legislativo das irregularidades ou nulidades em que liaja incorrido o
processo da sua gestao. Em se tratando de violao de norma
constitucional na iniciativa e na votao dos projetos de lei, ou de
incompatibilidade entre o contedo preceptivo do projeto e as
disposies de ordem co~istitucional,se a sano tivesse a fora de
convalidar o projeto ou de o sanar do seu defeito radical, no teria
sentido falar de leis inconstitucionais, pois, em ltima anlise, as leis
so projetos que foram saiicio~~ados"(~~).
Na mesma vertente, Caio Tcito, em extenso parecer datado
de 20 de maro de 1962, busca comprovar que "a legislao, na .
atualidade, funo da Administrao" e que, portanto, "a tcnica
dos modernos regimes de governo reside, inegavelmente, no
fortalecimento do Poder Executivo, especialmente na rea de criao
da norma jurdica", para concluir, com base nesses argumentos de
ordem puramente poltica, que "a violao da regra de reserva, ou de
exclusividade do direito de iniciativa, vicia irremediavelmente o ato
legislativo", pois "a sano do Chefe do Poder Executivo no supre a
falta de sua iniciativa exclusiva"(50).Caio Tcito no busca
demonstrar a ausncia de natureza procedimental da norma sobre
iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo para determinados
projetos de lei. Acolhe integralmente, no entanto, aquele conceito
puramente emprico-descritivo do procedimento, orientado por uma
considerao puramente atomstica dos atos e da ordem da srie
procedimental, contra o qual, exatamente, Galeotti elaborara o seu
Contributo alla Teoria de1 Procedimento Legislativo. Por ironia,
(49)
'50)

CAMPOS, Francisco. Op. cit., p. 390-391.


TACIDO, Caio. Lei - Iniciativa do Poder Executivo - Sano - criao
de cargos e aumento de vencimentos. Revista de Direito
Adininistrativo, vol. 68 abr-jun de 1962. p. 341.

Caio Tcito buscou fundamentar as ilaes desse conceito


insuficiente de procedimento - que s pode fornecer uma resposta
precariamente preliminar e descritiva das categorias parciais das
quais se compe o procedimento, silenciando-se a respeito das
relaes entre elas e a produo do ato total, relevando
exuberantemente os atos e a ordem relativa destes no procedimento
juridicamente previsto - citando, como argumelito de autoridade,
trechos isolados dessa mesma obra de Galeotti e de trabalhos de
Biscaretti Di Ruffia. Tambm este ltimo, como vimos, acolhe, de
forma plena e irrestrita, o conceito de procedimento enquanto
fenmeno jurdico especfico, do qual o procedimento legislativo
uma espcie, formulado por Galeotti, em oposio ao mero ato,
exatamente para proceder crtica e superar aquele limitado enfoque
atomstico e puramente descritivo dos atos da s6rie procedimental e
da ordem de sua realizao. O sofisma que leva a efeito , desta
feita, o de pretender que, mediante a admisso da sanabilidade do
vcio de origem da iniciativa Iiavida pela sano aposta ao projeto
por aquele que deveria inici-lo, proceder-se-ia a uma inverso da
ordem procedimental constitucio~ialmenteprefigurada, tomando-se a
sano por iniciati~a'~').Ora, pressuposto de tal raciocnio a
ausncia de qualquer iniciativa, quando, na verdade, iniciativa
liouve, embora viciada, tanto assim que sobre um projeto j
aprovado pelo rgo parlamentar, ou seja, para usar a expresso da
Constituio do Estado de Minas Gerais, sobre uma proposio de
lei, que a sano do Chefe do Executivo, enquanto atividade
discricionria, exercida. Caio Tcito no v que, embora viciada, a
iniciativa havida foi capaz de gerar, de todo modo, o nico efeito
jurdico prprio deste ato, o de pr em movimento a srie
procedimental, instaurando-a e dando vida quele moto propulsivo
que conduziu ao momento de constituio em lei do mero projeto,
requerendo, para tanto, no s a aprovao parlamentar, mas tambm
e, esseiicialmeiite, a participao discricionria ativa ou omissiva
daquele que deveria instaur-lo. Unicamente essa emisso de
vontade do Chefe do Executivo, tcita ou expressamente
manifestada, iio momento de constituio do ato total, ao aquiescer
com o projeto, poderia suprir o vcio que o inaculava exatamente por
fora da disposio coiistitucioiial de reserva de iniciativa na matria
que requeria, contrariamente s demais leis, essencialmente, a participao positiva insupervel do mesmo. Desconhecendo tal fato,
Caio Tcito afirma que a adoo de tal entendimento conduziria "a
(''1

TACITO, Caio. Op. cit., p. 347-348.

nivelar todas as leis em um mesmo gabarito, proscrevendo a


dicotomia relevante que a Constituio quis instituir. De fato, se
transferirmos do momento inicial da lei (iniciativa) para o instante
final de sua formao (veto ou sano) a oportunidade do
pronunciamento do Presidente da Repblica, em que a lei de
aumento de vencimento ou de criao de cargos se distinguir das
demais?7Y52)
E essa indagao encontra resposta segura e precisa no
douto e profundo voto vencido do Desembargador do Tribunal de
Justia de So Paulo, Afonso Andr, integralmente acolhido pelo
Supremo Tribunal Federal no principal acrdo que servir de base
Smula n",
em que afirma: "Alis inegvel que a ndole da
sano do Executivo, na hiptese de projeto de aumento que ele no
provocou, difere do carter da sano comum. Em tal hiptese, a
negativa do Executivo teria inteira fora, ante a falta de iniciativa,
nada podendo fazer o Legislativo. Este teria pela frente um veto
bsoluto que aquele, diz Pontes de Miranda, que "no admite
rplica do corpo cujo projeto de lei se vetou. Logo aquela sano
especial representa, do mesmo modo que a iniciativa, o concurso
duma vontade impostergvel, que iiiexiste na sano comum (...)
Dependendo da iniciativa dos governos, as leis de aumento de
vencimentos, atende-se ao que se deve estar na discrio deles: mas
a par disso, respeita-se a tarefa das cmaras, que daro proposta a
importncia que merecer, legislando com a autoridade"(53).
Tampouco ao Desembargador Carmo Pinto, autor de outro
voto vencido no mesino julgamento, passou desapercebido o
sofisma, pois, como salienta: "Alega-se que dos dois atos, da
iniciativa e da sano, um estaria suprimido. Nada obsta, porm, que
falta de iniciativa, a manifestao de vontade que a ela corresponde
e que se traduz na sano se concentre nesta ltima. A sano, como
assentimento lei, envolver, ao mesmo passo, a encampao da
proposta alheia. Sancionando por expresso a lei que dependia de sua
iniciativa, manifesta o Executivo no s o desejo de consagr-la,
tornando-a lei, como ipso facto, acolhe a iniciativa alheia, fazendo-a
sua. No se veja a uma delegao de poderes. A delegao de
poderes pressupe ato prvio do delegante concedendo ao rglo
delegado o exerccio da funo que no llie prpria. Delegar
significa transferir o exerccio de uma atribuio prpria a outrem.
Indispensvel ser o ato conferindo ao delegado uma funo prpria
do delegante (...) Ora, no caso no emanou do Executivo qualquer
(52)
(53)

TACITO, Caio. Op. cit., p. 351.


Revista dos Tribunais. Vol. 319, ano 51, maio de 1962. p. 254.

ato delegando a sua iniciativa privativa ao Legislativo. O que fez


aquele foi coisa diversa: encanpou a posteriori ato deste, aceitandoo e, pois, tornando-o seu. No abriu mo do exerccio de seu poder
de iniciativa. Manteve-o, embora no uso de sua faculdade que no
transferiu a ningum haja reconliecida como correspondente sua
vontade a iniciativa por outrem exercida. O que ocorreu na verdade
foi anomalia da invaso de funes pelo Poder Legislativo,
exercendo uma iniciativa que no lhe cabia. E viciado estaria o ato
se, em momento sucessivo, aquele a quem toca essa iniciativa no a
tivesse como equivalente sua vontade. O problema o de se saber
se isso sanou o vcio apontado. Trata-se de vcio de procedimento
que se enquadra entre os chamados errori di procediira e que,
consoante a Carlo Lavagna, podem revestir maior ou menor
gravidade a seconda clze l'errore consista nella mancanza di atti
preparatori, costitutivi e integrativi, ed a seconda della importanza
di ciascun atto; ovvero iti circostatize meno gravi, come la
inversione de eventiiali fase de1 procedimento, gli enori inerenti ad
aspetti meramente interni, e cosi via (Diritto Costituzionale, ed.
1957, vol. 11318). Entre as circu~istiiciasmenos graves se inclui a
inverso eventual de fases procedimentais. E foi o que se deu na
espcie. No deixou de existir a atividade dirigida ao acordo do
Executivo com a lei, como condio para sua existncia. Somente ao
invs de manifestada ex ante, com a iniciativa da propositura, o foi
ex post, nsita na sano. Deu-se, destarte, a sanao do vcio. o
caso da sanatria concernente a vcios de procedimento e que se
verifica na lio de Guido Landi e Giuseppe Potenza allorquando iin
atto preparatorio, ornesso nel momento dovuto viene posto in essere
successivamente, in modo da realizzare, ex post, la medesima
garanzia sostailziale cui l'atto preparatorio preordinato (Diritto
Amministrativo, ed. de 1960, p. 283). O que se exige que o escopo
do ato omitido no seja substancialmente sacrificado com a sua
sanao a destempo. Se a proposta na hiptese judicanda tinlia como
objetivo principal tornar indispensvel o acordo do Executivo com a
lei, essa finalidade foi satisfeita atravs da sano. Nem h pretender
que a manifestao sucessiva seja de natureza idntica que deveria
ter existido no momento prprio. A essa objeo respondeu
superiormente Saidulli. O que mister precisar se a funo que a
manifestao sucessiva deseiivolveu de natureza tal que a situao
ora existente no apresenta algum prejuzo que a situao normal
teria podido no apresentar. No importa que a manifestao tardia
n3o se revista mais de carter preparatrio, fugindo a qualificao
que teria se tivesse existido tempestivarneiite. Aquele determinado

elemento jurdico que, se realizado num dado momento, assumiria


uma outra feio, qualifica-se agora de forma diversa. No seria, na
verdade, concebvel uma proposta sucessiva ao ato que devia
provocar ou propor. Por isso, logicamente, uma manifestao
sucessiva a um certo ato no pode qualificar-se em relao a ele
como uma proposta. No se pode falar na possibilidade de uma
proposta tardia. Todavia, bem outro o problema quando a
autoridade que deveria ter dado existncia no momento prprio
proposta esteja legitimada agora a emanar uma manifestao capaz
de sanar a invalidade oriunda da proposta faltante. Tal indagao no
pode ser resolvida seno pela determinao da funo e fins prprios
da proposta e pela garantia que por seu intermdio o ordenamento
visa alcanar. Tal funo a de suscitar a emisso de um certo ato da
parte de uma autoridade e tal garantia destinada ao fim de que a
autoridade competente, ao praticar o ato, no haja contrariamente ao
Juzo formulado por parte do agente legitimado a propor e ao mesmo
tempo possa estar em condies de avaliar a sugesto do ltimo em
relao ao modo de atuar. No parece ento chocar-se contra alguma
exigncia inderrogvel o admitir que os vcios oriundos da
inobservncia das normas que fixam a obrigao de no agir seno
em seguida a uma proposta venham a ser sanados pelo fato da
autoridade competente para propor ter-se manifestado no curso ainda
do procedimento de forma no contrria ao ato. O fato da autoridade
a que caberia antes a iniciativa da proposta aprovar agora a obra da
autoridade que agiu fora de sua iniciativa constitui a prova mais
segura da atual correspondncia do ato praticado s exigncias que o
ordeiiamento pretendera garantir atravs da proposta preventiva (I1
Procedimento Amministrativo, p. 351/7)."Pietro Gasparri no
discrepa, ao apontar, como caso de saiiao, aquele em que in un
momento sucessivo, l'organo che sarebbe stato competente ad agir
dichiara che l'atto compiuto dall'organo incompetente non diverso
da que110 che esso stesso avrebbe compiuto iit ordine a110 stesso
oggetto (Corso di Diritto Amministrativo, vol. 3/218)"(54).
Como podemos claramente apreender dos trechos transcritos,
mesmo em se admitindo a interpretaao cientfica e doutrinariamente
adequada natureza especfica do fenmeno procedimental para a
questo, as conseqncias da norma de reserva exclusiva de
iniciativa do Executivo para determinadas matrias so profundas e
graves. Configura-se uma das poucas hipteses constitucionais, ainda
hoje admitidas, em que a negativa de sano no poder ser
('4

258

Revista dos Tribunais. Vol. 319, ano 51, maio de 1962. p. 261 a 262.

validamente superada pelo Corpo Parlamentar, ou seja, absoluta.


Pretende-se, com base em argumentos puramente polticos e no
desconhecimento da natureza procedimental de tais normas,
apartadas arbitrariamente do contexto prprio em que adquirem seu
significado especfico, que a iniciativa seja um ato cujo fim se
encontraria nele mesmo, para isentar de responsabilidade a sano
aposta ao projeto, transformando-o em lei, pelo Chefe do Executivo.
Tem como principal conseqncia possibilitar o retorno ao
absolutismo de um Charles I na Inglaterra, que desconhecia no vero
a lei que sancionara na primavera. O caso narrado na Introduo
deste trabalho ilustra muito bem o perigo nsito a tal entendimento
para a credibilidade das instituies democrticas. No apenas
demasiadas seriam as leis que poderiam vir a ser declaradas nulas,
mas exatamente esse fato traria dois graves inconvenientes. Por um
lado, obrigaria a repetio intil de toda a srie procedimental para a
obteno do mesmo efeito, que, no obstante as mculas puramente
formais, o ato em questo seria ainda perfeitamente idneo para
produzir. Por outro, colocaria as relaes jurdicas em estado geral e
perene de incerteza pela possibilidade de vir a ser denunciada falha
meramente formal sanada pelo principal interessado, declarando-se a
nulidade de ato que todos acreditavam perfeito.
Aqui intervm o argumento ltimo e recorrente dos juristas
que se inserem nessa vertente, revelando o real interesse poltico que
pretendem preservar, pois, no dizer de Caio Tcito, enquanto
"rbitro da iniciativa, o Presidente da Repblica tem a faculdade de
travar, ad initio, interesses contrrios convenincia pblica,
impedindo que se mobilizem na rea legislativa. Consumada, porm,
a elaborao da lei no Congresso, torna-se mais difcil, ou mais
oneroso politicamente, a resistncia aos grupos de presso e aos
anseios naturais do fuiicionalismo. Da haver a Constituio
institudo a barreira do poder privativo de iniciativa, como uma
recusa prvia da Administrao, uma espcie de veto a yriori,
definitivo, discricionrio e absoluto"(55).Esse argumento igualmente
encontra refutao no voto vencido proferido pelo Desembargador
Afonso Andr, que diz: "argumenta-se, ad terrorem, que a sano
reparadora enfraquece os Governos, expondo-os ao fato consumado
de projetos abusivos dos legisladores. O argumento peca pela base. A
emenda (...) no lhe enfraquece o poder de iniciativa porque o
projeto mal comeado no valer lei sem o concurso de sua vontade.
No h falar, pois, em fato consumado. A discutida emenda refora o
(59

TCITO, Caio. Op. cit., p. 352.

poder de iniciativa, porque uma vontade a posterio1-i coloca o


Executivo na posio de rbitro do trabalho legislativo. Ele ter
maior fora e ficar, por isso, mais vontade. Contudo, no restaro
enfraquecidos nem fortalecidos os legisladores, porque a sua vontade
sozinha nunca basta para operar uma lei de aumento de
vencimentos'Ys6).Igualmente o Desembargador Carmo Pinto salienta
com perspiccia as falcias daquela argumentao:"Pretende-se que
a razo da norma foi a de subtrair o Executivo a presses de
interessados para o efeito da sano. Desde logo se observa que se o
Executivo pode ser pressionado para sancionar, tambm o pode ser
para o exerccio da iniciativa do projeto de lei. Contra-argumenta-se
que, aprovado o projeto pelo legislativo sem a iniciativa do
Executivo, ficar este em face de um fato consumado, o que
dificultaria a sua resistncia a presses para a sano da lei. O
argumento prova demais. Considere-se que os casos de iniciativa
reservada coiistituem excees de mbito restrito. Na maioria dos
casos no existe a iniciativa exclusiva do Executivo. No entanto,
para tais casos, continua o Executivo com a nica possibilidade de
vetar, ou no, o projeto de lei, quando lhe apresentado para sano,
aps a aprovao legislativa. Se a sano continua a existir na
maioria dos casos, porque no se preocupou o legislador
constituinte com uma possvel covardia do Executivo ante presses
de qualquer ordem para deixar de exerc-la. Fosse o seu propsito,
ao estabelecer a iniciativa privativa do Executivo, o de subtra-10
possibilidade de presses, no poderia iiicidir na incoerncia de
manter o instituto da sano na generalidade dos casos, deixando o
executivo submisso a semelhante contigncia. A contradio seria
flagrante. Nos casos restritos de aumento de vencimentos e da
criao de cargos novos em servios j existentes que se
estabeleceu a iniciativa reservada com o fito de evitar a majorao
de encargos para o Executivo sem o seu consentimento. O que se
quis foi exigir para validade da lei, nesses poucos casos, o acordo do
Executivo, como responsvel pela Administrao, o que antes se
dispensava. Nos mais casos, que refletem o grosso da legislao, s
pode o Executivo obstar que o projeto j aprovado pelo legislativo se
transforme em lei, utilizando-se de veto, que pode ou no ser
acolhido. Nos poucos casos de sua iniciativa reservada em que se
buscou atender ao seu interesse mais direto na administrao no se
h de consider-lo incapaz de exercer livremente o veto (...) Essa
capitius diminutio brigaria com todo o sistema. Deve o Executivo
(561

Revista dos Tribunais. Vol. 319, alio 51, maio de 1962. p. 255.

260

exercitar a sua atividade de co-participao na funo de elaborao


das leis atravs da sano. E no se cogita de proteg-lo contra
presses de qualquer ordem para que deixe de vetar, na rea menor,
dos casos que afetam diretamente as finanas do Executivo,
tornando-o maior interessado em resguardar a sua gesto
administrativa, no se h, incoiigruenteme~ite,de t-lo como incapaz
de vetar se necessrio (...) O ilogismo palpvel. No se pode
atribuir ao Constituinte semelhante desconchavo, o que evidencia
no ter ele objetivado, com a iniciativa privativa, o resguardo, como
se pretende, de covardia do Executivo quanto a possvel exerccio do
veto. Fica, assim, a rntio juris do preceito restrita ao fim revelado
durante os trabalhos constituintes, qual seja o estabelecer nos casos
do texto, como condio de validade da lei, ao contrrio dos casos
gerais, a concordncia inderrogvel do Executivo com ela(57)".
Na vertente que considerava a questo de um ponto de vista
formalista, fetichista e atomstico, incluem-se, ainda, Nogueira de
SCs8)e Manoel Gonalves Ferreira Filho(59).Comprovada a
superficialidade e a inconsistncia tanto das premissas tericodoutrinrias, quanto dos pressupostos polticos que aliceram esse
entendimento, exarniiiemos, ainda que rapidamente, os demais argumentos daqueles cuja posio se sagrou vitoriosa com a formulao da Smula 11".
Themstocles Brando ~avalcanti,que j sustentava que "a
investigao judicial do procedimento legislativo, embora confinado
na competncia especfica da Cmara, e constituindo matria interna
corporis, no est vedada, desde que manifesta a violao da norma
em seu parecer datado de 5 de junho de 1961, ressalta
que o direito do Chefe do Executivo em sancionar os projetos de lei
que traduzem o seu interesse, ainda que, excepcionalmente, no se
tenha observado a regra constitucioiial que lhe reserva a iniciativa do
mesmo, "exerccio de uma competncia legtima, incontestvel,
porque se assenta exclusivamente no exerccio de um Poder Poltico,
contra o qual no h recursos. Nem sequer a apreciao judicial da
legitimidade do exerccio desse Poder seria possvel, sem ferir o
(
")'

(59)

(60)

Revista dos Tribunais. Vol. 319, ano 51, maio de 1962. p. 259.
SA, A. Nogueira de. Elaborao das leis cuja iniciativa cabe do Poder
Executivo. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 35, jan-mar de
1954. p. 492 a 494.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Do Processo Legislativo. So
Paulo, Ed. Saraiva, 1984. p. 218-224.
CAVALCANTI, Themstocles Brando. Parecer - Revista dos
Tribunais,vol. 316 ano 51, fev de 1962. p. 22-26.

princpio constitucional da independncia dos Poderes, dentro da


competncia especfica, prpria a cada um, restrita como a
interveno do Poder Judicirio por fora dos arts. 14112 da
Constituio. Em suma, o que est em jogo no somente a validade
de um ato expresso do Poder Executivo, como a sano, mas
tambm a de todo o processo legislativo, maculado por um vcio
inicial (a falta de iniciativa), que poderia ter sido corrigido afinal
pelo veto, mas que, pelo contrrio, foi corrigido pela aprovao a
posteriori do projeto de lei (...) Mas, se foi o Poder Executivo qiuem,
pela sano, verificou que, na hiptese, o procedimento legislativo
no feriu a poltica governamental na matria, no h como admitirse que o Judicirio anule uma lei, impedindo a sua execuo., por
uma considerao meramente formal, desde que a aprovao, afinal,
do preceito legal supriu a
Pontes de Miranda, em seu parecer datado de 18 de junhio de
1961, acolhendo os mesmos fundamentos, ressalta que, no Direito
brasileiro, o silncio do Chefe do Executivo no prazo previsto
equivale aquiescncia, e que o momento que o Poder Execiitivo
tem para examinar se o projeto de lei que no foi de sua inici,ativa
corresponde s convenincias do servio, aquele em que pode ou
no erigir em lei o mero projeto. Se o Poder Executivo deixa de vetar
determinado projeto de lei, diz Pontes de Miranda, entende-se que
ele achou conveniente a lei. possvel mesmo que a tenha reputado
no s oportuna como at mesmo urgente, e, portanto, considerada
irrelevante a falta de sua iniciativa, porque aplaude o contedo do
que se fez. Supriu-se a falta. Da concluir que, se a infrao da
Constituio foi por falta de iniciativa do rgo a que cabe
sancionar, a sano explcita ou tcita retifica a eiva. O Poder Executivo entendeu que no houve inconvenincia na feitura da lei, tal
como foi feita. exceo ao princpio de que a sano no impede a
ilegalidade de violao da Constituio(62).
Em seu preciso e bem fundamentado parecer, datado de 1.0 de
agosto de 1961, Seabra Fagundes traz novos argumentos colao.
Sem embargo de haver expressamente acolhido os argume:ntos
expendidos pelo Desembargador Bruno Afonso Andr em seu voto
vencido j referido, desenvolve a distino entre a invaso absoluta e
relativa de funes Caracterizando a hiptese de exerccio
espontneo, pelo rgo parlamentar, da competncia, reservad,a ao
(61)

'62)

CAVALCANTI,ThemistoclesBrando. Op. cit., p. 24 e p. 26.


PONTES DE MIRANDA.Parecer. Revista dos Tribunais, vol. 316, ano
51, fev de 1962. p. 28-3 1.

Chefe do Executivo, de propositura de projetos de lei sobre matria


determinada como caso de invaso de funo e no de delegao,
pois essa pressuporia o consentimento intencional e prvio do rgo
delegante afirma : "Quando um rgo exorbita das prprias
atribuies, exercendo atribuies cometidas a outro, no ocorre
delegao. H, sim, invaso de funo, ou, se se quiser, usurpao de
atribuies (...) A ilegitimidade da invaso de funes resulta dos
princpios gerais informadores do sistema de governo, os quais,
bvio, pressupem se contenha cada rgo do Poder Pblico no
exerccio da sua competncia peculiar. E aqui a matria
comandada por uma distino entre invaso de funes absoluta e
relativa. A absoluta, que tem lugar quando um dos Poderes estatais
invade a rea essencialmente prpria de outro, afeta o ato de modo
insanvel. que ela significa um atentado grave estrutura do
organismo poltico, ferindo o princpio basilar da diviso das funes
entre crgos, segundo a natureza delas. A relativa, ocorrendo pela
exorbitncia de competncia entre agentes participantes, pelas suas
atribuies, do exerccio de funo da mesma natureza, se apresenta
menos grave. E, por isto, nem sempre afeta irremediavelmente o ato.
Desde que ao agente cuja rbita de atribuies sofreu invaso, se
oferea oportunidade para aquiescer na medida, o ato,
originariamente irregular, convalesce'Y63).
L-cio Bittencourt e Jos Afonso da Silva igualmente
entendem que sano do Chefe do Executivo teria o condo de sanar
o vcio de origem do projeto por ela erigido em lei@").
E acolhendo tal doutrina que o Supremo Tribunal Federal,
com base nas decises dos recursos aos Mandados de Segurana nQ
10.806, de 26/09/62, n 9.628, de 06/08/62 e nQ9.619 de 20/08/62,
consagra a Smula n":
"A sanso do projeto supre a falta de
iniciativa do Poder Executi~o'y~~).
de se frisar que a Constituio de 1946, embora silente, no
que se referia vedao explcita de emendas que alterassem os
Q

(63)

SEABRA FACUNDES. Parecer. Revista dos Tribunais, vol. 316, ano


51, fev de 1962. p. 32-36.

(a) SILVA, Jos Afonso da. Principias do processo da formao das leis n
Direito Constitucional. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1964. p.

(65)

191.
BITTENCOURT, Lcio. O Controle de Constitucionalidade das Leis.
Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1968. p. 81-82.
NORONHA, Jardel e MARTINS, Odala. Referncias das Smulas do
Supremo Tribunal Federal. vol. I , Braslia: Ed. Revista dos Tribunais,
1968. p. 40.

projetos, em tramitao, criaiido cargos nos servios j existentes ou


majorando vencimentos, h poca se entendia que o poder de emenda
seria um corolrio do poder de iniciativa das leis. Da porque a
Smula n" encontrou aplicao tambm no caso de disposiitivos
oriundos de etneiida parlamentar e sancionados pelo Chefe do
Embora a consagrao em smula das teses expostas devesse
representar significativo influxo para que a doutrina consolidasse um
enfoque sistmico e rigoroso do procedimento legislativo, suplantando de vez a mera considerao emprico-descritiva, fragmentria e
atomstica, tal no ocorreu. A obra de Jos Afonso da Silva, Dos
Princpios do Processo de Formao das Leis no Direito Constitucional, continua a ser a nica a apontar e a requerer um enfoque
jurdico-doutrinrio mais profundo, para alm da mera descrio
tautolgica de cada um dos passos procedimentais, sem recon,stru10s sistmicamente, inellior alicerando, inclusive, as consideraes
de ordem preponderamente poltica ou de poltica legislativa.

3.3.2 Da subverso do significado jurdico da sanlo


do Chefe de Estado no procedimento legislativo
autocrtico
Na realidade, os anos que se seguem consagrao da
referida smula so anos de intenso tumulto institucional. O advento
do regime militar j em 1964 chega a afetar no apenas as relaes
entre os Poderes, mas o prprio conceito de Soberania Popular,
mediante a redefinio do conceito de representao poltica que
opera. Ora, como vimos, ao longo do desenvolver da presente
pesquisa, o procedimento legislativo dentre os temas clssicos de
indefectvel insero coiistitucio~ial,inegavelmente um dos mais
sensveis s definies da Constituio em sentido material, em
razo de sua ntima e essencial vinculao operacio~ializaodas
normas atinentes organizao, atribuio e distribuio das funes
fundamentais do Estado, envolvendo necessariamente relevantes
aspectos da titularidade da soberania e de seus modos de expres!so e
representao, coligados na determinao da leitura das normas: que
regem a produo da categoria lei - Comando estatal por
excelncia, que, em nosso sistema de tradio romano-germnica,
(66)

264

Acrdos do Supremo Tribunal Federal em deciso das Representaes


de Iilcoiistit~icionalidade11% 195 e1 196. Revista Forense, vol. 164, p.
146-150 e vol. 165, p. 155 e 158.

deveria ser o elemento basilar e estrutural de integrao e


composio da prpria ordem jurdica. Dessa forma que a efetiva
compreenso da releitura que o Supremo Tribunal efetuar em 1974,
cassando a aplicabilidade da Smula n",
requer que busquemos
inserir as normas de reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo,
bem como as atinentes 2 sano no novo sistema institucional e
constitucional que teve lugar a partir de 1964, alm de articul-las
com a forma e o sistema de governo coiistitucionalmente adotados,
temos de verificar a conformao da leitura dessas normas ao regime
poltico efetivamente atualizado.

3.3.2.1 O procedimento legislativo e a ordeni autoritria


instaurada em 1964
Conforme ensina Raul Machado Horta, "o processo legislativo no existe autonomamente, como valor em si, pois tcnica
a servio de concepes polticas, realizando fins do Poder. Da a sua
mutabilidade no tempo e a sua compreenso variada, refletindo a
organizao social, as formas de Governo e de Estado, a estrutura
partidria, o dissdio ideolgico no Governo da sociedade aberta, do
Estado de partidos e a unificao ideolgica no Governo de
sociedade Iiermtica, conduzido pelo Estado monopartidrio. As
relaes entre o Executivo e o Legislativo podem ser
substancialmente alteradas pelo nmero e pela disciplina dos
partidos polticos, com reflexos inevitveis na fixao do processo
legislativo correspondente. Assim, quando o Executivo e o
Legislativo no passam de dois setores entregues atividade de um
partido, ou de um partido majoritrio e dominante, as relaes do
Poder so relaes de partido e o processo legislativo exibir alto
ndice de automati~mo"@~).
Esse automatismo ser a principal e mais visvel caracterstica
do procedimento legislativo acolliido na anterior ordem autocrtica.
Os mecanismos instrumentais que possibilitam a reduo do papel
das Cmaras, no procedimento de formao da lei, a meramente
homologatrio das decises concertadas no mbito do Executivo
militarizado ou sob controle militar j se encontram prefigurados no
documento inaugural dessa nova ordem: o Ato Institucional n", de
HORTA, Raul Machado. A elaborao legislativa do Brasil.
Comunicao apresentada I1 Conferncia Latino Americana de
Cincias Polticas e Sociais realizada em Santiago do Chile eni 3.10.66.
Belo Horizoiite: Faculdade de Direito da U.F.M.G., 1966. p. 4.

9 de abril de 1964. Ao Presidente da Repblica, eleito indiretamente


pelos membros do Congresso Nacional, mediante votao norriinal
em sesso pblica (art. 27, atribuda a iniciativa de Emenda
Constituio a ser apreciada pelo Congresso Nacional em 30 dias, e
de projeto de lei sobre qualquer matria, que deveria ser apreciado
em trinta dias, contados do recebimento pela Cmara dos Deputados
e, em igual prazo, sucessivamente, pelo Senado Federal, caso
contrrio seria tido como aprovado (arts. 3* e 4*). O Presidente
poderia, ainda, solicitar urgncia para a apreciao de determinado
projeto, em razo do que o prazo fatal de trinta dias fluiria para
ambas as Casas do Congresso que sobre ele deveriam deliberar em
sesso conjunta (pargrafo nico do art. 47. O mbito das mattsrias
adstritas iniciativa do Presidente da Repblica ampliado para
abranger todas as proposities que objetivassem criar ou aumentar a
despesa pblica tout court, e a vedao ao oferecimento de emendas
que implicassem aumento da despesa originalmente proposta
explicitada (art. 57. Como diz Raul Machado Horta, (a crise de que
emergiu o Ato Institucional impregnou a extenso dos poderes
presidenciais. A percepo de que a autoridade presidencial estava
em crise e de que as instituioes polticas atravessavam faa: de
perigosa desagregao pela presso dos poderes de fato determinou
dupla providncia. A primeira, no sentido de fortalecer os poderes
presidenciais de impulso legislativo, e a segunda, para abreviar a
produo legislativa, a fim de que se pudesse resguardar a presena
do Congresso Nacional como pea fundamental do Gov:rno
representati~o'~~~).
Congresso que, como ressalta o prembulo do Ato
Institucional n", recebe a sua legitimidade no do povo, mais do
governo provisrio, da Junta Militar: "fica, assim, bem claro que a
Revoluo no procura legitimar-se atravs do Congresso. Este que
recebe deste Ato Institucioiial resultante do exerccio do Poder
Constituinte, inerente a todas as revolues, a sua legitima~"(~~'.
Na verdade, tais normas apenas representavam o ndice mianifesto do projeto maior de um Estado autoritrio, militarizatlo e
militarizante que se implantava. Projeto que encontrava fundamentos
em uma ideologia da segurana nacional, vinculada direta,
doutrinria e praticamente ao macartismo norte-americano ainda
HORTA, Raul Machado. Op. cit., p. 16.
Constituiesdo Brasil. Brasiia, 1986, p. 315.
oO) BACCHUS, Wilfred A. Long-tem military rulership in Brasil: Ideologic consensus and dissensus, 1963 - 1983. Journal of political and
military sociology. 1985, vol. 13(spring):p. 99 - 123.
(68)

(69)

reinante na academia de West Pointc70). Tal ideologia, mediante a


banalizao do conceito de Nao, afirmava a existncia de uma
nica verdade nacional, traduzida em supostos objetivos nacionais
permanentes, e, portanto, desautorizava a poltica em favor da
tcnica, como se fossem termos antitticos, enquanto nica forma de
se alcanar o desenvolvimento do Pas. No mbito constitucional,
essa mesma ideologia encontrava sua imediata traduo na exigncia
tanto de efetiva concentrao do poder decisrio em todos os nveis
na seara do Executivo - o que vem transformar o Congresso Nacional, as Assemblias Legislativas e as Cmaras municipais em
rgos meramente homologadores das decises concertadas pelo
Executivo para revesti-las de uma legitimidade aparente e vazia quanto na centralizao do Poder Poltico na esfera da Unio promovendo o esvaziamento das competncias das demais esferas de
Governo e tornando o federalismo realidade meramente nominal.
curioso ressaltar a esse respeito a peculiar vedao dirigida aos
Estados e Municpios quanto a legislarem sobre o cumprimento da
prpria Carta Federal (art. 8" XVII, a das Cartas de 1967 e de 1969).
Essa norma expressa, de forma paradigmtica, o interesse subjacente
do regime em no correr qualquer risco de efetivao de vrias
declaraes atinentes ao direito de cidadania das Cartas("), que deveriam conservar o carter puramente retrica. Sacrificava-se, em
nome do desenvolvimento econmico, o desenvolvimento poltico da
sociedade civil, promovendo-se a eliminao dos mecanismos de
controle desta sobre as decises tcnicas do Governo. O recurso
suposta antinomia tcnica versus poltica legitimava, no nvel do
discurso, com base unicamente nos fins a serem alcanados, proceder
v') Reservamos o termo "Carta" para designar aquela de 1967 e a Emenda
n q de 1969, para ressaltar a origein autocrtica de ambos documentos.
Embora a Carta de 1967 tenha sido homologada pelo Congresso
Nacional, como afirma Jarbas Medeiros, trata-se de "uma Constituio
de origem inegavelmente autoritria, legitimada por um Congresso
inteiramente castrado, cujas garantias encontravam-se suspensas com a
maioria dos Deputados efetivamente oposicionistas presos, banidos ou
exilados do Pas" (Cadernos Simpsio A nova Constituio Federal e o
processo Constituinte Mineiro, n", Assemblia Legislativa do Estado
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1989, p. 20). No que se refere a
Emenda Constitucional n q , de 1969, tal como o faz Cretella Jnior
preferimos denomin-la de "Carta Constitucional de 1969, tantas foram
as alteraes feitas, no texto emendado de 24 de janeiro de 1967, pela
Junta Militar" (Cretella Jnior, Jos Cometrios a Constituio
Brasileira de 1988, Vol. I , Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1988.
p. 45).

atrofia de todos os mecanismos de expresso e controle da


sociedade civil sobre o Governo, iiiclusive e principalmente aqiueles
do Poder Legislativo e da liberdade de imprensa. Embora no
partilhando dessa opinio, Raul Machado Horta registra que "
irrecusvel a atrao que vem exercendo nos diversos setores da
sociedade brasileira, assim, no Congresso, na Administrao, nas
Universidades, nos Tribunais, na Imprensa, na opinio pblica, as
idias de aceleramento do processo legislativo com o declarado
propsito de adapt-lo s exigncias de uma realidade dinmica. J
se disse, com severidade, que o Parlamento est qualificado para
conhecer das questes do sculo XIX, mas se encontra despreparado
para conhecer do maior nmero de questes do sculo XX. H
generalizao injusta nessa crtica, a rigor, se for vlida, ela deveria
De toda sorte, a
ser ampliada aos demais rgos do E~tado'''~~).
segunda providncia que Raul Machado Horta constata hiaver
decorrido da crise institucional traduziu-se na opo pelos
mecanismos de abreviamento, de garantia de celeridade do
procedimento no Parlamento e pela transferncia de efetivo poder
legislativo para o Executivo medialite o chamado ato complemcentar
e o famigerado decreto-lei. Justifica-se a anomalia buscando revestila do carter universal que decorreria do prprio modelo do welfare
stnte, ocultando, no entanto, que, se, ao nvel mundial, o Legis1,ativo
perdia parte da suas prerrogativas legiferantes em favor de uma
maior agilidade do Executivo, ganhava, em igual ou maior me~dida,
por outro lado, iiisofismavelmente, nova dimenso em termos de
competncias e instrumentos eficazes no que toca s atividades de
fiscalizao e controle poltico das aes de Governo,
permaneceiido, portanto, como rgo de representao essencial das
sociedades civis desenvolvidas no seio dos Estados Democrticos de
Direito.
Objetivando uma compreenso inicial do regime poltico que
se instaura em 1964, importante que frisemos a relevncia que o
prprio prembulo do Ato Iiistitucional n"
quer empreslar
caraterizao do golpe militar como revoluo. Declara inicialmente
o prembulo a necessidade indeclinvel de se fixar o conceito desse
movimento militar que, no gratuitamente, qualificou tambnn de
civil, caracterizando-o de imediato como nutnticn revoluci. A
revoluo distinguir-se-ia "de outros movimentos armados pelo fato
de que nela se traduz, no o interesse e a vontade de um grupo, mas

m, HORTA, Raul Machado. A elaborao legislntiva no Brasil. Op. cit., p.


16.

o interesse e a vontade da Nao". No entanto, do ponto de vista da


Cincia Poltica, esse no um dos elementos que permitem
distinguir a revoluo do chamado golpe de Estado. Alis, seria mais
propriamente uma coiisequiicia, um resultado, do que precisa e
exatameiite um elemento distintivo. Conforme ensina Carlos Barb,
o golpe de Estado um ato violento de substituio do Governo
perpetrado por rgo do prprio Estado. Gabriel Naud, j em 1639,
empresta, no seu Considerations Politiques sur le Coup rl'Etat, as
mais variadas acepes expresso chegando a identific-la com o
conceito de razo de Estado. Entretanto, aplica a expresso sempre
para designar atos levados a efeito pelo Soberano, com o fito de
reforar o seu prprio poder. Sobretudo aps o advento do
Coi~stitucionalismo,a expresso ganha especificidade cada vez
maior de sentido, passando a designar as alteraes do Governo, em
geral repentinas e violentas, levadas a cabo contra as disposies
constitucioiiais de um Estado, por parte dos prprios detentores do
poder poltico. Seria, portanto, a violao deliberada das normas
constitucionais por um Governo, uma assemblia ou um grupo de
pessoas portadoras de autoridade, com o fim de aumentar o prprio
poder ou de assenhorear-se por completo do poder do Estado. Barb
ressalta que, no incio da dcada de setenta deste sculo, mais da
metade dos Governos dos Estados do mundo tiveram origem em
golpe de Estado. Da concluir que esse mtodo de sucesso goveriiamental se tornara to ou mais habitual do que o procedimento
eleitoral republicano ou o hereditrio moiirquico. Contudo, salienta
o autor, alteraram-se os atores, ou melhor, o sujeito ativo do golpe de
Estado. Na absoluta maioria dos casos, o poder havia sido arrebatado
pelos titulares de um setor-chave da burocracia estatal: os Chefes
militares. Localiza. dessa forma, na complexidade do Estado
moderno, com a sua burocracia especializada, a fonte, a um s6
tempo, tanto de sua fora, quanto de sua virtual debilidade. No h
golpe de Estado que prescinda da participao ativa do corpo militar,
ou, no innimo, que no conte com a cumplicidade e a neutralidade
das foras armadas como um todo. O golpe de Estado moderno, por
conseguiiite, consiste no assenliorear-se, por parte de um grupo de
militares ou das foras armadas em seu conjunto, dos rgos e das
atribuies do poder poltico, mediante ao repentina
estrategicamente planejada, que garante o elemento surpresa e, por
conseqncia, a reduo da resistncia e do envolvimento popular,
BARB, Carlos. Colpo di Estado. Poltica e Societ. v01 I , Firenze: Ia
nuova Itlia, 1979.

269

possibilitando o mnimo de violncia fsica possvel(73'.Igualmente,


Edward Luttwak localiza, nos setores-chave e estratgicos das
burocracias estatais, especialmente o militar, os atuais atore:s do
golpe de Estado moderno, e afirma que "in Latim America the attitude presented may, for exemple, imply that the sacred trust cf the
armed forces requires intervention to clear the mess mude b.y the
politicians in order to achieve itational progress, while respecting
propers, r i g h t ~ " ' ~J~a) .revoluo, por outro lado, essencialmente
um movimento popular que convulsiona toda a sociedade, lobjetivando alterar no apenas a ordem poltico-jurdica, mas toda a
estrutura socioeconmica. Assim, Hanna Arendt assevera que, a
rigor, s6 se poderia designar pelo vocbulo revoluo aquela
mudana levada a efeito com vistas instaurao de uma forma de
governo inteiramente novi objetivando a supresso da opresslo e a
afirmao da liberdade em um novo ordenamento
H,
entretanto, revoluo, em sentido tcnico, revoluo de massas,
apenas quando, alm de os revoltosos pretenderem a alterao fundamental da ordem socioeconmica e poltico-jurdica, ocorra grande
participao popular. Precisamente em virtude dos interesses em
contraste que a durao da luta prolongada, e o grau de violiSncia '
extremamente elevado. No golpe de Estado, ao contrrio, os
subversivos detm j o controle de setores-chave do aparelho de
Estado e, embora objetivem mudanas importantes na estrutura da
autoridade poltica, adotem geralmente um discurso moraliizante
autoritrio e centralizador, propugilem por transformaes
socioeconmicas,ainda que limitadas, justamente por no atentarem
substancialmente contra os interesses das parcelas sociais com maior
influncia e prestgio poltico, no mais das vezes, antes pelo
contrrio, defendem tais interesses, a luta breve, a participao
popular nula ou escassa e o nvel de violncia extremamiente
Essa distino que o prembulo do ato institucional pretende
ocultar nos permite revelar a alterao no conceito de representao
poltica que opera. Os Chefes militares passam a encarnar
LUTTWAK, Edward. Coup d'tat: a practical handbook. Cambridge:
Harvead university Press, 1979. P. 85.
O3 ARENDT, Hanna. On Re~~ohtion.
New York: The Vikiiig Press, 11963.
p. 28.
BRINTON,C. The anatoniy of Revolution. New York: Vintage Books,
1965.
DAVIERS, I.C. Toward a theory of revolution. American Sociological
Review. XXVII, 1962. p. 15-19.
04)

"Q

simbolicamente os reais interesses de uma suposta Nao que,


necessariamente, no se confunde com a totalidade ou com a maioria
dos cidados brasileiros efetivamente existentes poca, nem se
identifica com os representantes por eles meramente eleitos. O
conceito de Nao, recordemos, traduz uma noo difusa, de
fundamento predominantemente emocional, requerendo uma perfeita
comunho de interesses e anseios reconhecidos por um povo que se
projeta, tanto no passado, quanto no futuro, no se confundindo, e
menos ainda se restringindo ao conjunto dos habitantes de um determinado territrio naquele tempo especfico. E a representao
poltica descritiva, quantitativa e democrtica que se submete a uma
representao simblica, emocional e supostamente superior, do
ponto de vista qualitativo. A esse ponto retornaremos, quando da
anlise dos fundamentos do acrdo que assentar o novo
entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da matria objeto
de nossa pesquisa. Por hora, basta que salientemos a importncia do
preenchimento dessa lacuna para compreenso da ordem poltica que
o ato institucional instaura. Essa lacuna, consciente ou
inconscieiitemente operada, ao tomar, no nvel do discurso, como
elemento para conceituao do fenrneno revoluo o prprio efeito
que se queria obter, ou seja, a representao do interesse da Nao,
no acidental, mas caracterstica estrutural do discurso
ideolgico. No dizer de Marilena Chaui "a ideologia, forma
especfica do imaginrio social moderno, a maneira necessria pela
qual os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer social, econmico e poltico, de tal sorte que essa aparncia (que no
devemos simplesmente tomar como sinnimo de iluso ou
falsidade), por ser o modo imediato e abstrato de manifestao do
processo histrico, o ocultarnento ou a dissimulao do real (...) a
ideologia ganha coerncia e fora porque um discurso lacunar que
no pode ser preenchido. Em outras palavras, a coerncia ideolgica
no obtida malgrado as lacunas, mas, pelo contrrio, graas a elas.
Porque jamais poder dizer tudo at o fim, a ideologia aquele
discurso no qual os termos ausentes garantem a suposta veracidade
daquilo que est explicitamente afirmado'Y77).
Dessa forma que o longo prembulo que acompanha o ato
inaugural da nova ordem, tia proporo em que se preencham os seus
claros, poder ser-nos til para desvelar os seus efetivos princpios
fundamentais. Princpios que informaro e conformaro a leitura e a
(77)

CHAUI, Marilena. O Disciirso Competente. Cultura e Democracia. So


Paulo: Ed. Moderna, 1980. p. 3-4

interpretao oficial das Cartas de 1967 e 1969, que, por sua vez,
consubstanciam peculiar ordem constitucional derivadia e
subordinada a uma outra denominada institucional, repositrio de: um
Poder Constituinte originrio, inesgotvel, casustico e utilizado sem
pudores at 14 de outubro de 1969 pelo Chefe de Estado, fosse ele o
Presidente militar iridiretamente eleito ou a Junta dos Coma~ida~ntes
em Chefe das Foras Armadas. A Carta de 1967, em seu art. 173,
aprova os quatro atos institucionais anteriores, os trinta e sete atos
complementares editados com base no art. 30 do Ato Institucioiial nQ
2 e o sem nmero de atos de natureza legislativa, por sua vez,
expedidos com base naqueles, excluindo a todos, expressamente, da
possibilidade de apreciao judicial. Trs aspectos merecem
destaque no que toca ao referido artigo. Por um lado, o mesmo
parece indicar que a Carta estaria hierarquicamente ocupando um
nvel normativo superior ao dos atos institucionais, pois teria o
condo de aprov-los; por outro, a gama de poderes que esses
atribuam Chefia do Executivo era de tal monta que tornava Iletra
morta as disposies j autoritrias de seu texto permanente, visto
que autorizava, ainda que nos limitemos apenas nossa rnaitria
especfica, a Presidncia a baixar, discricionariamente revelia do
Congresso, atos complementares que nem sequer se limitavam, como
o decreto-lei, s elsticas fronteiras da segurana nacional e das
finanas pblicas, ao contrrio, facultava at a decretao do recesso
do Congresso Nacional quando melhor lhe aprouvesse, caso em que
lhe incumbiria o integral exerccio do Poder Legislativo do Est,ado,
prerrogativa nem mesmo sonhada pelo mais resoluto dos Monarcas
coiistitucionais. Cumpre ressaltar, por fim, que, se o iiiteiitoi do
referido dispositivo foi o de encerrar o ciclo de utilizao do
presumido Poder Constituinte originrio pela Chefia do Estado
mediante o recurso aos atos institucionais, redundou em estrondoso
fracasso, bastando por lembrar o famigerado Ato Iiistitucional ri",
que derrogou grande parte dos direitos assegurados na Carta.
A Emenda Constitucional n"7, de 26 de novembro de 1965,
s normas introduzidas pelo Ato
deu guarida co~istitucio~ial
Institucioiial n" e reproduzidas no Ato Institucional n", de 2'7 de
outubro de 1965, relativas aprovao de projetos por mero decurso
de prazo, dispensando a deliberao efetiva do Congresso Nacional
para a formao da lei, e ao fortalecimento da iniciativa presidencial.
A Carta de 1967, consoante lio de Raul Machado Horta,
"obediente filosofia poltica que a comandou, recolheu as
havia inserido no
inovaes que a Emenda Constitucional n"7
processo legislativo constitucional, ampliou a matria e consagrou

outras inovaes, dentro das inspiraes da filosofia poltica ps1964. Investiu o Presidente da Repblica na titularidade da
competncia legislativa direta, sob a forma de decretos com fora de
lei, em caso de urgncia ou de interesse pblico relevante, desde que
no resulte aumento da despesa, nas matrias sobre a segurana
nacional e finanas pblicas. A Emenda Constitucioiial n", de 17
de outubro de 1969, outorgada pelos Ministros da Marinha, do
Exrcito e da Aeronutica, sucednea integral da Carta anterior,
manteve tais inovaes apenas ampliando a matria objeto de
decreto-lei, os efeitos deste (art. 55, I11 e 29 e a matria de
iniciativa exclusiva do Presidente da Repblica (art. 57, IV, V e VI);
dilatou o prazo presidencial para a sano das leis (art. 59, 39 e
estendeu o decurso de prazo para a possibilidade de superao da
sano negada que, se no se verificasse em quarenta dias,
considerar-se-ia a objeo mantida e no superada(78).
Em suma, no que mais de perto nos interessa, o pargrafo
nico do art. 57 da Carta de 1969 rezava que "no sero admitidas
emendas que aumentem a despesa prevista:
a) Nos projetos cuja iniciativa seja da competncia do
Presidente da Repblica";

,
I

...................................................................................................................................

3.3.2.2 A supresso da Smula n V pelo acrdo

proferido em deciso da representao de


inconstitucionalidade n"90, de 27 de maro de

1974
Encontrando-se sub judice dispositivo de lei do Estado da
Guanabara de inconstitucionalidade material evidente por
desrespeitar a legislao federal que estabelecia limites aos ganhos
dos magistrados, entendeu o Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno e unanimidade, ser a ocasio propcia para reviso da
aplicabilidade da Smula n", declarando tamb6m a inconstitucionalidade formal do dispositivo, em razo de o dispositivo se originar
de emenda parlamentar que aumentava a despesa prevista no projeto
de iniciativa do Governador do Estado. Governador que no apenas
sancionara o dispositivo, mas que integra a lide como litisconsorte da
-e,-."---

g8)

P1__

HORTA, Raul Machado. O processo legislativo lias Constituies


Federais brasileiras. Revista de Infort?iao Legislativa, ano 26, n"O1,
jaii-mar 1989. p. 15-19.

Assemblia na defesa do dispositivo questionado. Obviamente nio se


discutir aqui a constitucionalidade material do referido dispositivo,
mas to-s a desnecessria e infeliz declarao de inconstitucionalidade do mesmo por vcio de forma.
Alegou-se que, embora fosse certo que "sob o imprio da
Constituio de 1946, firmou-se no Supremq Tribunal Federal a
jurisprudncia, consubstanciada n$~$mulanP 51 de que a santio- do
projeto supre a falta de iniciativa do -poder
- ~xecutivo.
--.. Se a
competncia privativa do Chefe do ~ d e rExecutivo no fosse
observada pelo Poder Legislativo - quer no tocante iniciativa,
quer no que dizia respeito a emenda aditiva -, entendia-se (que a
falha estaria sanada com o assentimento do Executivo, mediante a
sano. Ocorre, porm, que, a partir do A. I. n . 2 - regra que
passou para a Constituio de 1967 (art. 60, pargrafo nico) e para a
Emenda Constitucional nP 1/69 (art. 57, pargrafo nico) -,
acrescentou-se, em nosso sistema constitucional, norma de que o
Chefe do Poder Executivo tem competncia exclusiva para a
iniciativa de certas leis, o preceito segundo o qual, no tocante aos
projetos de iniciativa exclusiva do Chefe do Estado, no so
admitidas emendas que aumentem despesas. Criou-se, assim, uma
proibio para o Poder Legislativo, que o destinatrio da norma, e
proibio essa que no pode, evidentemente, ser afastada pela
concordncia, a posteriori, por parte do Poder Executivo, defeso que
a qualquer dos Poderes do Estado levantar proibies, ainda que
estabelecidas para a salvaguarda de prerrogativa de um deles"(79).
, a Smula n 5 aplicava-se, com vimos,
-..
os oriundos de emenda parlamentar, mas
sancionados tcita ou expressamente pelo Chefe do Executivo, a
quem caberia a sua proposio, por fora do entendimento de que o
direito de emendar seria um corolrio do direito de iniciativa.
Precisamente pela limitao excessiva da funo parlamentar que tal
corolrio implicava, passou-se a entender o direito de emenda como
nsito funo parlamentar limitado to-s e restritamente nos
termos da prpria Constituio. Da a necessidade da regra explcita.
Na verdade, no houve qualquer alterao qualitativa ou substantiva
da norma anterior, a no ser no que se refere sua maior abrangncia
material. A atribuio de uma competncia privativa sempre
clusula vedatria em relao aos demais rgos em qualquer
sistema constitucional. Alis, exatamente a isso se apegavam aqueles
J

09)

274

Revista Triinestral de Ji~risprudncia.Vol. 69, 1974. Representao nQ


890. Gb. p. 627.

juristas contrrios ao entendimento afinal consagrado lia smula.-*O


,problema que a natureza dessa competncia privativa , alm de
constitucional mforma, procedimental naa.substiicia.Ainda mais,
p r c e d i m e ~ a j secundria
em _relao a outra competkcia
igualmeiite constitucional
- -- - --- qumQ_a@rma,?pesas-que procedimenfal
p$ricipiiJ: pqr ser imediata, direta e essencialmente vinculada 2
produo do ato total desse mesmo procedimento e atribuda ao
mesmo rgo que deveria inici-lo: a sano de Chefe do Executivo
que erige em lei o mero projeto. A Smula 1 1 9 jamais consagrara o
entendimento de que competncia constitucional exclusiva ou
privativa poderia ser considerada prerrogativa pessoal de seu titular,
como agora gostaria de fazer crer o Ministro Relator da Representao n-90: "Note-se a diferena eiih-e o sistema anterior e o
atual. Naquele, a Constituio apenas outorgava competncia
exclusiva ao Chefe do Poder Executivo para a iniciativa de certas
leis, e se o Poder Legislativo interferisse nesse mbito de atuao do
Poder Executivo, entendia-se que este - que era o destinatrio da
norma - poderia abrir mo de sua prerrogativa, com sua coiicordncia a posteriori. No sistema atual, o destinatrio da proibio o
prprio Poder Legislativo, e a vedao da admissibilidade de emenda
(o que implica que a emenda no pode ser sequer recebida para
discusso) se exaure no mbito desse Poder Legislativo, sem
possibilidade de convalidao do ato pelo Poder Executivo, j que a
proibio quele no prerrogativa deste, embora a este
favorea"(80).Para ento concluir que o pargrafo nico do art. 57 da
Emenda Constitucional ng 1/69 no se limitou, portanto, a melhorar o
estilo da norma que, na constituio de 1946, atribua competncia
exclusiva ao Chefe do Poder Executivo para iniciativa de certas leis,
mas alterou, fundamentalmente, o sistema, estabelecendo uma
vedao dirigida direta e unicamente ao Poder Legislati~o"(~').
"Quando a constituio determina que no sero admitidas emendas
que aumentem a despesa prevista, quer dizer, certamente, que tais
emendas no podem ser apresentadas, no podem ser aprovadas, no
podem ser sancionadas, no podem, enfim, ser adicionadas ao texto
Obviamente, precisarnente~pecfica
em elab~rao"@~).
- ----natureza
--.* procedimental
de
tais
normas
constitucioiiais
que
a
pura visao
---._r.
.frag entaria e atmgka do p r o c e i i n e n t o 7 e s a E
?%$$$Na- ieatidade, a Shmula nV5 c o m g , "---.
-x-m
A
A
.
.

__

I __C

('O)
(")

(82)

Revista Trimestral de Jurisprudncia. Op. cit., p. 627.


Revista Trimestral de Jurisprudncia. Op. cit., p. 6271628.
Revista Trimestral de Jurisprudncia. Op. cit., p. 633.

1
,I

tcnica qossvel-_&o-gvel da Cincia Jurdica, ou mais


-amente
da Teoria Geral do Procedimento, que a qucGo
poderia obter: No se trata de negar o vcio. O vcio existiu, e
embora tenha afetado a iniciativa, essa cumpriu, de toda sorte, a sua
nica funo procedimental, ou seja, deflagrar o moto propulsor do
procedimento, que requer, no caso, para a prpria constituio do ato
total, a participao discricionria daquele #que deveria inici-lo,
consubstanciada na sano, que, caso se verifique, sana
necessariamente o defeito original daquele ato de colocar em
----- como fim
movimento o procedimento - a iniciativa - que-noexiste
em si mesmo, mas apenas em rela-ao ato t~tal_produi~~.
Teleolgica e procedimentalmente, a norma da iniciativa encontra-se
plenamente atendida e respeitada, a menos que pressupostos
Inconfesst3veis impeam a aplicao do Direito Puro, determinando que se declare a total irresponsabilidade do Chefe de Estado
ao sancionar a lei, fazendo do instituto, cuja histria iagora
conhecemos, tbula rasa, e da lei formal, instrumento de engodo
poltico.
Na realidade, os reais fundamentos do acrdo no se
encontram nessas consideraes pretensamente jurdicas que
desconhecem a natureza jurdica especfica do fenmeno procedimental, que necessariamente informa a norma constitu:ional
enquanto lhe fornece o contedo, mas, pelo contrrio, enraizam-se
profundamente na ideologia autoritria do regime: a ideologia da
segurana nacional. Como assevera o Ministro Relator: " evidente
que o legislador constituinte, a partir do Ato Institucional nQ1, quis
corrigir prtica que enfraquecia e de certo modo anulava o princpio
da exclusividade de iniciativa, para os projetos que criam encargos
financeiros. Porque a emenda condicional, a ser legitimada pela
sano, submetia o Poder Executivo a uma forma de presso quase
sempre irresistvel, sobretudo se se considera o pressuposto da harmonia que deve reinar entre os Poderes do Estado"(83).Esse miesmo
argumento poltico, que anteriormente havia sido levantado te no
encontrara acolhida r parte do Supremo Tribunal Federal, agora
ganha nova dimenso%4 presso irresistivel sobre o Poder Executivo
tambm considerada ilegtima. E, liesse passo, importante que
retomemos algumas das consideraes desenvolvidas no item
precedente. A ideologia da segurana izacional, conforme salienta
Miguel Reale Jnior, perpassava todo o texto das Cartas do regime

V\/

Revista Trimestral de Jurisprudncia. Op.cit., p. 632.

276

autoritrio, pois "a segurana nacional est instalada como ideologia


no texto constitucional, na medida em que se atribui ao Conselho de
Segurana Nacioiial a tarefa de empreender estudos e fixar os
objetivos nacionais permanentes, bem como a poltica de segurana
naciorral. A ideologia da segurana nacional expressa-se por meio
da fixao de conceitos simples, que banalizam a idia de Estado e
de Nao. Parte-se da idia do carter nacional brasileiro para se
atriburem responsabilidades ao Estado, no sentido de proteger o
nosso povo, que se reputa infantil e incapaz, na sua cordialidade de
perceber os malefcios e os males de doutrinas aliengenas, que
poderiam vitimar a nossa tradio ocidental crist. Sob a escusa de
que constitumos uma unanimidade centrada em torno de
determinados objetivos, objetivos esses necessrios consecuo da
felicidade, que se molda o regime. Esses objetivos devem ser
percebidos pelo Conselho de Segurana Nacional, que dita o que
somos, o que queremos e seremos. Com base nessa idia, to
malfica, to diablica quanto ingnua, de que seria possvel impor
sociedade brasileira o que ela e deveria ser, faz-se o Conselho de
Segurana Naciona competente para declarar quais so os objetivos
da Nao e para fixar a poltica nacional, entendida como a arte de
descobrir os objetivos iac cio ri ais permanentes. Nessa viso totalitria
ou totalizante e envolvente da sociedade, estabelece-se o
maquiavelismo: de um lado, os que se sujeitam ou se enquadram no
revelado esprito nacional, e, de outro, os desobedientes. A
legitimidade do Poder decorreria de forma espontnea, para se
atribuir ao governante a tarefa de proteger e ditar a vida do Pas. De
um lado, os representantes fiis do esprito nacional e, de outro lado,
os dissidentes, numa viso funcionalista da sociedade, acreditando-se
ser a sociedade brasileira harmnica e orgnica. Aos que se
antepunham consecuo dos objetivos nacionais permanentes,
caberia a qualificao de inimigos que deveriam ser eliminados ou
que deveriam ser, de forma profiltica, afastados, para que a sociedade prosseguisse, na sua calma, ate a grande meta que seria o
desenvolvimento nacional. Dividiu-se o Pas em dois mundos: o
mundo dos que se submetem ou dos submetidos, o daqueles que
esto de acordo com os objetivos nacionais permanentes, e o mundo
dos dissidentes. Estabelecida a poltica de segurana nacional, coube
a execuo dessa poltica, consistente na estratgia e nas medidas
necessrias a garantir a consecuo dos objetivos nacionais
permanentes, afastando-se todos os antagonismos que pudessem
manifestar-se por ao, crtica ou opinio. Dividiu-se, ento, o Pas.
De um lado, aqueles que auxiliam consecuo dos objetivos

nacionais permanentes; de outro lado, os que no esto de acordo


com as regras ditadas de cima para baixo'YS4).
Ora, consoante ao que estabeleciam os arts. 87 e 88 da seo
V do captulo VII, do Poder Executivo, da Carta de 1969, o Conz;elho
de Segurana Nacional, presidido pelo Presidente da Repblica e
integrado pelo Vice-presidente e demais Ministros de Estado, era o
rgo de mais alto nvel na assessoria direta ao Presidente da
Repblica, para a formulao e execuo da poltica de segurana
nacional, iiiclusive, mediante a fixao dos objetivos nacionais
permanentes e das bases para a poltica nacional (art. 89, I).
Portanto, era ao Chefe de Estado e do Executivo, iiidireta e
publicamelite escolhido por restrito colgio eleitoral, na verdade,
militar da mais alta patente, de escolha meramente referendada pelo
colgio, a quem era encomendada a mais alta tarefa legislativa.
Mas o que so esses interesses nacionais permaiteiites?
Antnio Saturnino Braga poder nos ajudar a melhor compreender a
importncia e o significado da expresso por meio de seu artigo
Introduo ao Estudo da Segurana Nacional. Inicia o Procurador
por destacar o elemento formal (a unidade) que caracteriza qualquer
sociedade, ainda que de maneira incoiisciente e frouxa, corno no
caso das sociedades democrticas, pois "a sociedade no somiente
um conglomerado de pessoas sem qualquer elo entre si. Assim como
o mero conjuiito de membros e rgos no constitui o corpo hum~ano,
tambm o simples ajuntamento de pessoas no constitui a sociedlade.
Esta ter de ser necessariamente estruturada e unitria e se
caracterizar por uma realidade objetiva e ontolgica, uma unio
inbiiseca entre as pessoas, uma efetiva unidade interior, que lhe d
corpo e forina. Eis, pois, o elemento formal"(**). interessante iiotar
que o realce dado a esse elemento formal do conceito de sociedade
que apresenta de tal ordem que faz com que se evaporem as
caractersticas especficas da distino assente, em Sociologia, entre
os termos sociedade, caracterizado pela existncia de interesses
contrrios, contraditrios e contrastantes dos vrios grupos e
segmentos sociais que integram o agrupamento humano, e
comunidade, identificado pela predoiniiincia dos interesses
(84)

REALE JNIOR, Miguel. ~ e d i d a sde proteo ao Estado


Deinocrtico. Anais do Siinpsio "Minas Gerais e a Constituinte. Belo
Horizonte: Asseinblia Legislativa do Estado de Minas Gerais, abr de
1986. p. 401 e 402.
BRAGA, Antonio Satuniiiio. Iiitrodiio ao Estudo da Segurana
Nacional. 1"arte. Revista Brasileira de Estados Polticos, n q l , jnl de
1966. p. 9.

harmnicos e comuns a todo um grupo social. A comuiiidade,


pressuposta nesse conceito de sociedade, cumpre sublinhar, no
qualquer comuiiidade, mas reside na comunho dos interesses
polticos, 6 uma comunidade poltica, comunidade que tem como
paradigma a comunidade militar, ou seja, implica a atuao do lder
para o aperfeioamento desse elo formal, como nos diz um oficial da
armada srvia, ao traar a transio do recruta bruto para o produto
militar acabado: "se essa multido j informada pelo esprito da
disciplina social, tomado genericamente, o esprito da disciplina que
caracteristicamente militar lhe desconhecido. Do ponto de vista
militar, ela no mais do que uma turba. Mais ainda, o sabemos,
uma turba imprevisvel, mutvel, irritvel, crdula e intolerante.
Acima de tudo, ela no pensa, ela no sabe guiar a sua ao luz dos
resultados que busca obter. Incapaz de raciocinar, levada por
imagens, dada a todos os temores e sempre pronta para gritar
perante o medo do desconhecido. Ela pode ser reunida pelo pnico.
O que d fora aos estados psicolgicos coletivos essencialmente o
poder de unificar, de coordenar, os elementos unindo-os a servio de
uma causa comum. Assim, torna-se uma rica e harmoniosa
organizao na qual todas as foras individuais vinculam-se umas s
outras em um todo coerente. o consenso, o assentimento de todos
no que se refere consecuo de um mesmo resultado. aqui que o
elemento indispensvel disciplina militar se revela. Exatamente o
mesmo que, via de regra, foi inicialmente, percebido, mas, que, lia
realidade, o produto de outros, precisamente o comando. E atravs
da educao, da domesticao, do treinamento que a disciplina pode
ser completamente entendida e iiiieirameilte adotada. As mentes
esto plenamente conscientes de sua indecliiivel necessidade, os
coraes a amam, as vontades a ela se submetem e os hbitos a
consagram. E ento, no se trata mais de um simples problema de
obedincia passiva. ao mesmo tempo uma questo de inteligncia
e devoo. Transforma-se e supera-se a obedincia passiva de uma
maneira iiistiiitiva subordinada ao interesse do todo claramente
expresso. Torna-se uma virtude coletiva, o cimento da unio moral,
intelectual e fsica que multiplica o poder de cada um pelo poder de
todos"(86).Essa anlise expressa de forma admirvel o conceito
paradigmtico de sociedade do pensamento autoritrio, a massa
previsvel e ainda dinamicamente ativa que o exrcito bem sucedido
PALOVITCH, Tiieodor "apiid" WILLIAMSON, Reii De Visne. The
Facist Concept of Representation. Journal ofPolitics. 111, feb., 1941. p.
34.

exemplifica. desetivolvendo esse conceito de sociedade como


comunidade, Saturnino Braga chega ao conceito de Nao: "O
Homem (...) melhor se ajusta aos espaos da terra onde nasceu e
parcela humana que tem hbitos, costumes e crenas semelhantes e
concepes e maneiras comuns de ser e de viver. Sob a ao dessas
tendncias naturais, surge e evolui progressivamente um sentimento
de defesa comum contra as dificuldades do meio ambiente e a
infiltrao de hbitos, crenas e costumes diferentes e um objetivio de
melhorar a vida da comunidade qual est ligado por laos de
origem, famlia, educao e condies de trabalho. So as foras
humanas naturais de conservao, equilbrio e progresso, que se
ativam na luta coletiva e conformam o esprito da naciorialidade,
fonte e base de uma Nao (...) Sob esse complexo de iiistinitos,
tendncias e sentimentos estrutura-se uma comunidade de costumes,
hbitos, sofrimentos, lutas, vocaes, interesses e aspiraes comiuns,
dotada de uma conscincia global e capaz de um esforo conjugado
para preservar os valores alcanados e conquistar os objetivos aspirados. Essa comunidade coiistitui uma Nao"(*'). A comunho siubjetiva absoluta de interesses e aspiraes pressuposta na baiializao
e simplificao do conceito que permite a formulao daqueles que
seriam os objetivos nacioiiais: "as necessidades mais relevantes,
consideradas indispensveis sobrevivncia e evoluo da
comuiiidade nacional (...), caracterizam os interesses nacionais. A
integrao desses interesses na coiiscincia da comunidade expressa
as aspiraes nacionais. Os interesses e aspiraes nacionais,
analisadas e interpretadas em face de determinada etapa da evoluo
da comunidade nacional, se traduzem em objetivos nacionais, que a
Nao procura preservar e alcanar, mediante a utilizao de todos
os meios disponveis. Assim podemos dizer que objetivos nacionais
so a cristalizao dos interesses e aspiraes nacionais, em delerminado estgio de evoluo da comuiiidade, cuja consecuo e
preservao toda a Nao procura realizar atravts dos meios de toda
ordem a seu alcance"@).O que seriam, porm, aqueles objetivos, que
alm de nacionais receberiam o qualificativo de permanentes e ciuja
fixao seria da competncia do Presidente da Repblica e do seu
Conselho de Segurana Nacional ? Antnio Saturnino Braga nos
responde que so aqueles que constituem "a pedra fundamental de
toda a vida da comunidade nacional e cristalizam os seus anseios
esseliciais de conservao, equilbrio e progresso. Eles devem ser
BRAGA, Antiiio Satumino. Op. cit., p. 14-15.
BRAGA, Aiitnio Satuniino. Op.cit., p. 15-16.

identificados e fixados atravs de uma anlise iiiterpretativa dos


interesses e aspiraes nacionais e estaro condicionados pela
natureza de elementos bsicos da nacionalidade: a formao
biopsquica e histrico-culturaldo homem, as peculiaridades da terra
e a natureza e a qualidade das instituies"(89).E portanto, na pessoa
do Chefe de Estado e do Poder Executivo e na de seus auxiliares
diretos que aquela entidade ideal e abstrata, a Nao, encontraria
traduo imediata. O Estado apresentado como surgindo "no
momento em que a Nao, por imperativos de ordem e de progresso,
se organiza atravs de normas disciplinares da vida coletiva e
institucionaliza seus objetivos (...) a instituio normativa de
princpios fundamentais e de procedimentos essenciais, destinados
(...) a preservar a nacionalidade contra aes antagnicas, produzidas
por iiacionalidades com objetivos contrrios"(90).Resulta claro que
qualquer discordiicia ou discusso acerca dos objetivos
autoritariamente fixados constituiria ao antagnica aos supostos
interesses da Nao e mais, obviamente, potncias estrangeiras
haveriam influenciado e mesmo determinado o pensamento daquele
incauto que ousasse deles discordar ou mesmo duvidar de seus
fundameiitos.
O conceito de representao poltica pressuposto em tal
ideologia obviamente bastante distinto daquele de uma concepo
democrtica. Alis, a concepo da representao poltica
democrtica vista como ndice manifesto da fraqueza e ausncia de
coeso de um Estado, como doena social a Ser eliminada, nessa
concepo orgnica da sociedade e da poltica.,Da a concluso de
que "O Estado a Nao em termos orgnicos. E o rgo que realiza
as condies peculiares da fisiologia especfica da comunidade
nacional; o sistema nervoso do conjunto das instituies nacionais,
com funo de reg-las (...) Em suma, o Estado o organismo de
natureza poltica que promove a conquista e a manuteno dos
objetivos nacionais, atravs da utilizao efetiva dos meios de toda
ordem que a Nao dispe"(91).O conceito democrtico de
representao poltica visto e apresentado como um vu
ideolgico, um mito social, destinado a velar o fato de que, nessas
sociedades, nenhum indivduo ou grupo social adquiriria poder
bastante para claramente figurar e assumir a responsabilidade pela
conduo poltica daquela sociedade. Nas democracias constitucio(89)
(90)

''1

BRAGA, Antnio Satuniino. Op. cit., p. 16.


BRAGA, Antnio Saturnino. Op. cit., p. 19.
BRAGA, Antnio Satumino. Op. cit., p. 20.

nais, precisamente a existncia de muitos lderes de posies


ideolgicas distintas, e mesmo antagnicas, seria o ndice maniifesto
de sua fraqueza, enquanto sociedade desarticulada e inorgnicai. Por
trs de palavras altissonantes como liberdade de pensamento e de
expresso repousaria o fato fundamental da fraqueza de tais
sociedades. Para a concepo autoritria, como demonstra
Williamson, a anlise nietzschiana da objetividade como fraqueza,
como paralisao da vontade, aplicada quela nebulosa e irreal
entidade objetiva chamada povo, que decidiria finalidades e
objetivos e escolheria representantes. O pensamento autoriitrio
considera a prtica da representao nas democracias constitucionais
como um tipo de anarquia ou de liberdade total, em que as piores
conseqncias so derivadas de um suposto contrato explcito que
asseguraria a observncia das regras do jogo. Na verdade, tal
observncia decorreria apenas do fato lamentvel de que iieiiiiiuma
das faces contendoras teria poder bastante para se impor s oiutras.
Mesmo nas democracias constitucionais, a representao poltica
seria uma tentativa, se bem que frgil e ineficaz, de i11tegra:io do
comportamento social. Os grupos que lutam entre si pelo poder
seriam induzidos, graas aos bons ofcios dos polticos profissionais,
a um compromisso. Essencialmente, por conseguinte, os polticos
seriam aqueles que operariam as instituies representativas,
realizando funo social semelhante de um agenciador de
contratos. Efetivamente, contudo, esse poltico no realizaria
verdadeiramente a integrao do comportamento social, pois inicia a
sua funo exatamente onde a integrao termina. O poltico se
esfora por conciliar e fazer com que acordem entre si os lderes de
vrios grupos, intervindo justamente onde inexista a integirao
enquanto trama coesa e permanente do pensamento de toda uma
Nao. A prtica da representao nas democracias coiistitucionais
consubstanciar-se-ia em um estgio intermedirio entre a total
desintegrao poltica ou a anarquia, por um lado, e a completa
integrao ou o Estado autoritrio, a ditadura, por outro. Essa
concepo da democracia nos conduz diretamente ao cerne do
conceito autoritrio de representao poltica. Parte importante desse
conceito j havia sido formulada por Hobbes: "uma multidio de
homens se torna uma s pessoa quando so representados por um
homem ou uma pessoa, sempre que isso se d com o consentimento
de cada um em particular daquela multido". A unidade do
representante que faria a pessoa coletiva e no a unidade dos
representados. O representante o portador da pessoa, no caso, da
Nao, e de uma s pessoa, a unidade na multido, que no poderia

ser entendida de outra forma. Se a Nao existe, ainda que como


fico conveniente e no como realidade objetiva, ela s pode
apresentar-se como comuiiidade na sujeio a um nico comando.
No entanto, a definio de Hobbes no seria de todo adequada. E,
para o pensamento autoritrio, nela subjaz uma perigosa heresia que
recorda a Locke e a seus seguidores: a referncia necessidade do
consentimento de cada um em particular daquela multido. As
Monarquias Absolutas de ento no se equiparam aos Estados
autoritrios modernos. A distino residiria justamente em uma
compreenso mais acurada e precisa do fenmeno do poder poltico.
Por isso,para os autores autoritrios, como Rolirborii, seria
completamente incorreto e falso buscar descrever o Estado
autoritrio do sculo XX como ditadura ou principado absoluto. H
dois aspectos fundamentais no fenmeno do Poder Poltico que
devem ser destacados. O mais evidente deles salientado por
Hobbes ao se referir situao na qual um homem pode, mediante
uma simples palavra, gesto ou ordem escrita, vincular milhes de
outros homens no sentido que bem queira. Esse o aspecto social do
Poder. Mas, no pode ser esquecido que a efetividade do exerccio
desse Poder, a sua eficcia, depende da habilidade desse homem ou
grupo de homens que se encontra no vrtice da organizao estatal,
depende de sua habilidade conquistar e assegurar que a vontade
daqueles milhes de outros homens seja concorde com a sua,
mediante o recurso propaganda, violncia ou a qualquer outro
meio requerido pela situao poltica a ser imposta e internamente
aceita. Esse, o segundo aspecto do Poder Poltico. No se poderia
perder de vista esse aspecto, desconhecido por Hobbes, a natureza
dual e dinmica do Poder Poltico. O Poder no conquistado de
maneira mecnica e automtica de uma vez para sempre. esse o
contedo da distino to cara aos tericos autoritrios entre poder e
autoridade. Hobbes estaria certo ao afirmar que a unidade de um
povo reside em seu lder. O que poderia unir homens to distintos
entre si como os homens de negcio, os banqueiros, os operrios, os
burocratas, etc. da Gr-Bretanha, por exemplo, seno o Governo? Se
recordssemos a lngua inglesa, os costumes, a Histria, o Direito,
etc. que tm em comum, tais tericos nos responderiam que estaramos tomando como causa meros efeitos do poder de governo
exercido por sculos. No entanto, Hobbes negligenciaria a prpria
razo de ser desse fato, a dimenso dinmica do Poder, a fonte da
autoridade, a atuao do lder em criar e recriar cotidianamente essa
unidade mediante a maiiipulao dos princpios polticos. A
represeiitao poltica implica um elemento de criao em contraste

com o simples atum em lugar de outro. mediante a fraude, a


violncia, as nobres palavras, escusas aes plaiiejadas, etc, que
aquela pessoa ou grupo de pessoas criativas chamados representantes
conquistam a confiana dos outros e os fazem querer o que eles
querem. No havia acordo ou unidade antes, mas agora ou um
homem ou um grupo de homens criou exatameiite tais prodgios.
Dessa forma que Williamson demonstra que o lder, ou seja, o Rei,
o Prncipe, o Ditador, o Soberano, etc., e no os seguidores, o PIOVO,
a Nao, as massas, os governados, etc., constitui, na realidade, o
ponto de partida do conceito autoritrio de representao poltica. O
pensamento liberal e depois o democrtico tm, como ponto de
partida, a personificao dos governados, e da buscam limitar a
autoridade do lder. Esse pressuposto absolutamente incompatvel
com o pensamento autoritrio. Embora o discurso autoritrio seja
rico no emprego de termos coletivos como comunidade, Nao,
Reiclz, etc., esses so empregados enquanto mero recurso imposto
por razes de pura convenincia. So atalhos intelectuais para
intrincadas relaes individuais. O recurso a tais termos de grande
utilidade pelo fato de que as massas ignorantes e incultas adquiriram,
em relao a eles, vinculaes emocionais, pois funcionam como
smbolos capazes de eficazmente despertar tais emoes. Da porque
seria enorme tolice ignor-los. O nmero de indivduos capazes de
ver atravs e alm dos termos coletivos abstratos, aqueles que os
criam e manipulam em proveito prprio, sempre reduzido.
Deixemos o povo naturalmente escravo chafurdar na lama dos
smbolos emocionais, enquanto o povo-mestre realiza o jogo da
poltica no qual as personalidades individuais so as nicas
realidades(92).
esse c o n c e i v representao poltica que Hanna Pitkin
denomina simblico(93 izer que algo simboliza dizer que evoca
emoes ou atitudes apropriadas h coisa ausente. O smbolo uma
referncia a algo sempre parcial, vago e precrio, ou melhor, uma
referncia exata a algo indefinido. Nunca podemos traduzir em
palavras a totalidade daquilo que um smbolo simboliza. Ele evoca,
sugere, insinua. E a nica encarnao possvel do que simboliza.
Possui uma significao indefinvel. Um smbolo no substitui o que
simboliza, nopduz de forma exata o seu objeto, mas veculo de
sua concepo.&mbolizing does not mean beiiig there like a sign
(a) WILLIAMSON, Ren de Visme. Op. cit., p. 29-41.
(93) PITKIN, Hanna Fenicliel- The Concept of Representation. Berkeley:
University of California Press, 1967. p. 93- 111.

to point to something else, to take the place of something else, or


even to stand for it; rather, the symbol displays itself with a11 it has
created and wellcome h ~ m e " ' ~ ou
~ ) , seja, um smbolo no pode
simplesmente ser alterado pelo que simboliza, pois apenas evoca os
sentimentos e emoes que a idia vaga da coisa simbolizada
desperta. A exatido da correspondncia entre o smbolo e o
simbolizado no tem cabimento na representao simblica, inclusive, mesmo quando possa haver alguma correspondncia entre as
ocultas e difusas caractersticas do referente e as do smbolo. A
conexo de um smbolo com o que representa no se funda, em
absoluto, em uma possvel semelhana nas respectivas caractersticas
exteriores, pelo contrrio, tem, como nico critrio para constituir-se
em smbolo, as atitudes e a crena das 'pessoas. Dado que a conexo
entre o smbolo e o referente parece arbitrria e existe unicamente
em virtude da crena que se tem nela, a representao simblica
encontra, portanto, o seu fundamento em irracionais respostas
psicolgicas, afetivas e emocionais, e no em critrios racionalmente
justificveis. A resposta ao smbolo depende mais dos hbitos, costumes, crenas e de treinamento do que propriamente de um
processo de aprendizagem e compreenso.
Para que se consiga que as pessoas acreditem, aceitem e
respondam apropriadamente a um smbolo, necessrio que nelas se
estimulem certos hbitos e crenas, que sejam convencidas a assumir
certos hbitos. A criao de um smbolo pode ser bem compreendida
enquanto uma questo de influncia no nimo das pessoas para que
de incio o aceitem: "Creating a syinbol is apt to be a matter of
working on the minds of the people wlio are to accept it rather than
. no existe qualquer
of working o11 the symbol i t ~ e l f ' " ~E~ )se
justificao racional que possa fundamentar o acolhimento de um
smbolo em detrimento de outro, o processo de criao de um
smbolo no um processo de persuaso racional, pelo contrrio,
requer precisamente a manipulao das reaes afetivas e a formao
de hbitos. Quando uma tal classe de representao chega a generalizar-se e a projetar-se, por exemplo, sobre a vida poltica, o
representante poltico apresentar apenas conexes arbitrrias,
convencioriais ou ocultas com os representados, representar o povo
como quem representa uma abstrao, como, por exemplo, a
Nao(96).A prpria prova da representao ser a sua mera
(94)
C93
(96)

PITKIN, Hanna F. Op. cit., p. 97-98.


PITKIN, Hanna F. Op. cit., p. 101.
PITKIN, Haima F. Op. cit., p. 102.

existncia. O seu fundamento ser puramente irracional e afietivo,


dado que nenhuma justificao racional possvel. Como
conseqncia, decorre a viso da representao no como uma
atividade, mas como um estado de coisas. A representao no ser
um atuar por outro, um agir de acordo com os interesses de outro,
mas, pura e simplesmente, por definio, uma questo de f, o lder
poltico representa o povo enquanto aceito como tal por ele. A
atividade que esse lder dever desenvolver de forma absolutarnente
prevalente no ser a de atuar por outros, mas a de fazer com que o
povo acredite no smbolo, o aceite como o seu representante
simblico. Nesse caso, um Monarca ou um Ditador podem ser lderes
mais eficientes e dramticos do que um representante eleito. Um
lder desse estilo fomenta a fidelidade emocional e a identificao
em seus seguidores, mediante a manipulao dos mesmos elementos
irracionais e afetivos que as bandeiras, os hinos, as bandas, as
paradas militares e a seleo nacional de futebol so capazes de
despertar. claro que, desse ponto de vista, a representao poltica
pouco ou nada tem a ver com o reflexo exato da vontade popular, ou
com a promulgao de leis desejadas pelo povo. Doutrinas desse tipo
frequentemente enfatizam a funo integradora do Governo em geral
e da representao poltica em particular. E se a meta principal a ser
alcanada a integrao monoltica da Nao em um todo
unificado,h que se concluir que um simples smbolo dramtico pode
atingir tal fim de modo muito mais eficaz do que todo um c:orpo
legislativo de representantes eleitos(97).
Dessa forma que esse lder,
artfice de smbolos, converte-se em um lder aceito mediante a sua
atividade. Uma espcie de atividade destinada a fomentar no povo a
lealdade cega e absoluta, a crena e a satisfao com seus lderes. A
representao poltica chega a ser identificada com liderana eficaz.
E devido ao fato de que no pode haver justificao racional de sua
posio como lder, os argumentos recaem sobre os elementos de
ordem emocional que aliceram a crena popular e sobre as tcinicas
de liderana que exploram tais elementos. Na representao poltica
autoritria, de cunho simblico, a representao "is not a process of
extracting consensus by molding the state in the image of the subjects; rather, the state molds the individuals into a cohesive b~dy"(~*).
a liderana que cria, sua imagem e semelhana, a Na80, a
unidade das vontades na multido. Para tanto, deve lanar mo de
qualquer meio a sua disposio, desde que seja eficaz para a
(97)
fg8)

PITKIN, Hamia F. Op. cit., p. 106-107.


PITKIN, HannaF. Op. cit., p. 108.

coiisecuo do alinhamento de vontades que objetiva. E, como


salienta Williamson, para o pensamento autoritrio, seria
manifestamente impossvel, mesmo para um grande propagandista,
tornar-se representante sem causar muita dor e sofrimento aos seus
possveis opositores. Se a criao da prpria vida sempre dolorosa,
por que a vida poltica seria uma exceo? E nesse passo, recordam a
Nietzsche quando dizem que a crueldade aplicada com o fim de
tornar as massas calculveis simplesmente a real e longa histria da
origem da responsabilidade: "Quanto sangue e crueldade fornece o
fundamento de todas as boas coisas da civilizao(99).
recorrendo a
todos os meios de que possa dispor, que essa liderana consegue o
apoio dos outros e faz com que desejem o que ela deseja, e, assim, a
vontade do homem livre coincide com a vontade do Estado.
Se a representao ainda uma questo de consentimento,
esse consentimento criado pela prpria liderana, pois, para a
concepo autoritria, semelhana daqueles autores monarquistas
alemes, o povo no pode ser sujeito de coisa alguma, apenas pode
sofrer o impacto da atuao de um lder e responder emocionalmente
sua liderana. Herdeiro direto daquela tradio monrquica, Otto
Koellreutter ensina que a realidade poltica demonstra, de forma
recorrente, que um povo, enquanto tal, jamais conseguiria participar
direta e ativamente como sujeito da prpria formao do fenmeno
poltico. Ele no dotado de vontade por si mesmo, mas a base
afetiva da vida poltica: "Es ist das Instrument, auf dem der
politische Flirer spieleii muss. Entlockt er diesem Instrument die
richtigen Tone, d.11. hat das Volk vertrauen in seine Fhrung, so
erlialt er damit die unentbehrliche Grundlage fr die aktivitat seiner
politischen Fiihr~ng"('~~).
E dessa forma que o professor de Teoria
Geral do Estado coiiclui que o maior erro dos regimes democrticos
acreditar ser o povo capaz de governar a si mesmo, desconhecendo
o fato de que, na realidade, ele seria apenas o instrumento pelo qual
o dirigente poltico, ao conseguir tocar-lhe as cordas adequadas,
produz a liarmonia necessria para o exerccio e desenvolvimento de
sua direo poltica. As massas, de qualquer ngulo que se busque
descrever seriam sempre essencialmente arnorfas e disformes. Nas
palavras de Hobbes suas mentes "so como papel em branco
destinado a receber tudo o que pela autoridade pblica nele seja
impresso". Se o povo no pode pensar por si prprio, suas decises
Cg9)
('O0)

WILLIAMSON, Reii de V. Op. cit., p. 32.


KOELLREUTTER, Otto. Grundiss der Allgemeinen Staatslehre.
Tubingeii: J.C.B. Molu, 1933. p. 112.

287

?riam sempre tomadas por determinada pessoa ou grupo de pessoas.


E infantil e imaturo, requer a presena do tutor que o guie e oriente.
A partir desse enfoque, as eleies so apenas um dos recursos
possveis de que o dirigente pode valer-se para manter viva a crena
e a aceitao populares. E, como ressalta Hanna Pitkin, nem quando
aportassem resultados muito felizes para os partidos autoritrios, as
eleies seriam to eficazes aos seus propsitos quanto o recurso a
desfiles, paradas e uniformes. As eleies apenas serviriam como um
meio bastante ineficaz para a tentativa de sustentar umia representao poltica. Todavia, tambm podem ser um meio a se
recorrer, pois importa o objetivo da conformao da vontade do povo
do governante, por qualquer meio disposio. Pitkin concliii que
a diferena entre mudar o governante para adapt-lo s exigncias
dos governados e alterar o prprio pensamento dos governados para
adapt-lo ao do governante realmente muito grande. Da a
dificuldade dos autores democrticos em compreender o raciocnio
totalitrio. Ernest Barker afirma que no pensamento autorithio o
termo representa~o usado em um sentido novo e forado. E
mesmo que tais lderes possam ter um sem nmeros de seguidores,
na verdade, "the fundamental fact is the fact that this following
represents or reflects the will of the leader, and not that the leader
represents or reflects tlie will of the following. If there is representation, it is inverse representation, proceding downwards frorn the
leader. The party represents the leader: the people, so far as it takes
its colour from the party, equally represents and reflects the direction
of the leader''(lO1).
Examinada a eculiaridade do conceito de representao
p_lttca_acolhido e atua i z a ( 1 o J " ' ^ ? i r r " ~ a ~ E p r ~ S ~ ~ d p i ~
prembulo do Ato Institucioiial n", resulta clara a importncia por
ele exercida, ainda que no mais das vezes de forma velada,
pressuposta e implcita, na conformao das normas coiistitucionais
em sentido material, mormente daquelas atineiites configurao
dos Poderes Executivo e Legislativo e s suas relaes recprocas,
bem como das pertinentes estruturao da federao. Desse
conceito, traduzido em princpio basilar, decorre, diretamente, tanto
a necessidade de centralizao do efetivo Poder Poltico, quanto a de
sua concentrao no Poder Executivo em todos os nveis. Encontra,
dessa forma, traduo imediata na prefigurao da eleio indireta
dos Governadores de Estado e de alguns Prefeitos, como os de capi-

er

('O1)

BARKER, Emest. Refection on Government. London: Oxford Uaiversity FYess, 1942. p. 377.

,
?i

tais, que, semelliana do Presidente da Repblica, e por isso


mesmo, deveriam representar interesses maiores e mais coinplexos
do que aqueles que poderiam ser captados e entendidos pelas
popula6es regionais ou locais. Na verdade, configuravam meras
agncias desconcentradas da representao poltica de um nico e
mesmo interesse tido como nacional. Representavam, ideolgicamente para o regime, de fato e de direito, o Conselho de Segurana
Nacional e no o povo.
Da porque a virtual presso popular que poderia vir a ser
'exercida
sobre um Chefe
_- - de_ Executivo de&&-iipo,-para-cjuk
.
sancionasse
um
.psojeJo
deg
e
G
a
d
o
sem
observncia
da regra*
*-I"-.
.
constitucional
de
reserva
da
iniciativa
e
aprovado
pelo"-copo
*- -~fegislat~o~~ria,~e~ito,~
c o n s i l d no apenas irl.sisti\iel, -mas,
sbretud6,
i7Fg"i'tima.
Ainda
que concordaiido com o projeto como se
'
originado de sua prpria lavra, o Chefe do Executivo abriria perigoso
precedente aowpos-sibilitarque o Legislativo participasse da efetiva
- .
quadre institucional e ideolgico, portanto,
tomada de deciso:,Nesse
T e nada valeriam argumentos de ordein tcnico-jurdica, como o de
recordar que, na verdade, no haveria ato consunmdo, pois apenas a , L, "
sano do Cliefe do Executivo ou a Superao-d;-sua negativa - erigem em lei o mero projeto pra concluir que, em se verificando a
sano eypresxa ou tcita, a norma constitucioiial de reserva de
iniciativa teria encontrado pleno atendimento procedimental,
teleolgico
., - -"_ e finalstico. T-+pouco valeriam argumentos de ordem
poltica, como o de salientar o papel do ~egisl$ivoeiiquaiito canal
pcvilegiado para viabilizar a soluo, o mais coi~seiisualpossvel, de
eveimais-conflitos poltico-sociais,
e mesmo
o de-sublhihar
a .,_
dinamgidade tpica do falo politico e a sua relao
.-?.---c o m _ ~ ~ ~ i ~
-da _e_on&ia procedimental, de suma iinportaiicia, para garantir a
presteza e a oportunidade da soluo adotada, sem preju;zo-'do,
controle pluralstico e democrtico. No teriam, ainda, qualquer
valor os argumentos de ordem tica, por exemplo o de ressaltar que o
fato de se fazer tbula rasa da responsabilidade envolvida no ato do
Chefe de Estado, ao sancionar discricionariamente um projeto
erigindo-o em lei, torna a prpria lei um mero instrumento de
jogadas polticas menores, de engodo poltico, revelando toda a
/
descrena, descaso e desdm que os dirigentes de
- - ento guardavam ,/
com relao ao Direito.
\\ Assim, podemos concluir que a reviso jurisprudeiicial da
Smula 11" vinculou-se intimamente necessidade de se dar curso a
velados e iiicoiifessveis pressupostos polticos que informavam e
conformavam toda a ordem autocrtica anterior. Pressupostos
a------ %
- A
--

-____I__

I-----

-a

u
-

I
_
_
_

-IX
III

--_e-

datados, especficos e inerentes quela ordem no mais subsistente.


Dessa forma, esperamos que a advertncia constante da obra de
Vicente Sabino Jnior apenas registre um fato ocorrido e j
superado, um triste episdio de nossa histria constitucional:
"A falta de iniciativa do Poder competente e a ernenda
legislativa a projetos de lei da iniciativa exclusiva do Executivo (...)
deram ensejos a que se julgassem iiiconstitucionais leis ou
dispositivos de lei. Por fora dessa intolerncia saram feridos os
direitos dos cidadsos, sem que uma reparao lhes fosse
/'$

JNIOR, Vicente. Inconstitucionalidade das Leis. Iniciativa,


Emenda e Decretao. So Paulo: Sugestes Literrias, 1976.p. 9.

(l03SABINO

Concluso
A CONSTITUIO DA
REP~BLICADE 198s E A
EFICCIA DA SANO DO
CHEFE DE ESTADO E DO
EXECUTIVO NO
PROCEDIMENTO LEGISLATIVO
DEMOCRTICO
ideal da tolerncia. Se hoje existe uma ameaa
a paz mundial, esta vem ainda uma vez do fanatismo,
ou seja, da crena cega na prpria verdade e na fora
capaz de imp-la (...) o ideal da no-violncia (...) as
to fiequentemente ridicularizadas regras formais da
democracia introduziram pela primeira vez iza Histria
as tcnicas de convivncia , destinadas a resolver os
conflitos sociais sem o recurso d violncia. Apenas
onde essas regras S ~ respeitadas,
O
o adversrio no
mais um inimigo (que deve ser lestrudo), mas um
opositor que amanhn poder ocupm. o nosso lugar (...)
O ideal da renovao gradual da sociedade atravs do
livre debate das idias e da mudana de mentalidades
e do modo de viver: apenns a democracia permite a
formado e a expanso das revolues silenciosas (...)
Porfim, o ideal da irmandade (a fiaternit da
Revoluo Francesa) (...) o reconlzecimento da
irmandade que urze todos os homens em um destino
comum (...) reconhecimento aina mais necessrio
hoje, quando nos tornamos cada vez mais conscientes
deste destino comum e devemos procurar agir com
coerncia, atravs do pequeno lume de razo que
ilumina nosso caminho".
"(...) O

Norberto Bobbio, 1984.

4 CONCLUSO: A CONSTITUIO DA
REP~BLICADE 1988 E A EFICCIA DA
SANO DO CHEFE DO ESTADO E DO
EXECUTIVO NO PROCEDIMENTO
LEGISLATIVO DEMOCRTICO
Os ideais enumerados por Bobbio"), que, para usar os termos
de Montesquieu, fornecem a mola que impulsiona o regime
democrtico, foram todos acolhidos de forma expressa, sem exceo,
j no prprio prembulo da Constituio de 1988:
"Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assemblia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrdtico,
destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justia, como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem internacional, com a soluo pacjica das
controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte
CONSTITUIODA REPBLICAFEDERATIVA DO BRASIL."
desnecessrio ressaltar, aqui, aps o excelente trabalho de
a importncia que deve ser reservada ao
Srgio Luiz Souza Araj~'~),
prembulo na interpretao dos textos constitucionais.
(')

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Deinocracia; urna defesa das regras


do jogo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988. p. 39-40.
ARAJO, Srgio Luiz Souza. Dos Predmbulos nas Constitiiies.
Dissertao apresentada ao curso de ps-graduao da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais para obteno do grau
de mestre em Direito Constitucional. Prof. Orientador Jos Alfrado de
Oliveira Baracho. Belo Horizonte: U.F.M.G., 1989.

O ttulo I, dos Princpios Fundamentais, acolhe, em seu artigo


lQa democracia participativa como regime poltico assentado sobre a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo poltico.
Fundamentos que so reafirmados enquanto objetivos da Repblica
no art. 3" At mesmo em virtude da relevncia tpica
constitucionalmente reservada matria, v-se, claramente, que so
bem outros os fundamentos da nova ordem constitucional instaurada
em 1988, em face daqueles que alimentavam a ordem monocrtica
anterior. O inegvel fracasso do modelo autoritrio, aliado
crescente crise de legitimidade do regime, para no se mencionarem
os fatores externos, conduziu a uma crescente organizao da
sociedade civil, que no apenas forou a transio para o regime
democrtico, mas, sobretudo, emprestou ao processo nacional
constituinte, muito embora a Assemblia no fosse exclusiva,
legitimidade jamais alcanada em nossa histria constitucional, em
razo da participao ativa e direta do cidado. Ora, forma e
contedo, processo e produo necessariamente se interpenetram e se
auto-determinam. Assim, em virtude do prprio processo adotado,
seria invivel o retorno a uma concepo de Constituio tpica do
Estado Liberal ou de um Estado Intervencionista como aquele,
monocrtico, que pressupunha uma rgida separao entre o Estado e
a sociedade. Constituies que configuravam sempre documentos
exclusivamente estatais, dedicados garantia do status quo, fosse
atravs da consagrao da pura e simples represso, como no caso do
Estado-polcia liberal, fosse mediante o recurso represso aliada 2
ao do Estado como demiurgo, colocado acima da sociedade. Em
ambos os casos, subtraia-se a dimenso pluralista e democrtica
Constituio, inviabilizando a livre organizao da sociedade civil e
o desenvolvimento social. A norma constitucional no mais se apresenta como mero instituto de proteo das relaes sociais
efetivamente existentes. Antes deve ser compreendida como
documento basilar de uma sociedade em permanente evoluo, que
estabelece o norte das mudanas e conformaes do sistema poltico,
das relaes sociais e da ordem jurdica. A Constituio no diz
respeito apenas ao Estado ou ao sistema poltico, antes inclui a
prpria sociedade, visto que se apresenta com? um novo projeto de
identidade de uma ordem poltico-social. E, portanto, estatuto
jurdico do Estado e da sociedade, que se erige como ordem fundamental - normas e garantias, por um lado; programa de ao, direo
e tarefa, por outro. estatuto que identifica uma ordem polticosocial e o seu processo de realizao. A Constituio enquanto lei

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1
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fundamental de um Estado republicano, democrtico e pluralista, h


que refletir a interdependncia do Estado em relao & sociedlade,
sendo, simultaneamente, Constituio estatal e social. A norma
constitucional passa a consagrar, vinculativamente, a um s tempo, a
ordem objetivada e o programa de aes para a sua atualizao. O
modelo social subjacente ao complexo normativo deve tornar-se,
assim, constitucionalmentetransparente.
a prpria idia de Constituio que resulta substancialmente
alterada, e, com ela, a do Estado. Rejeita-se a concepo de um
Estado Liberal enquanto essncia inerte ou repousante de uma
sociedade estratificada que se quer esttica. Rejeita-se, por olutro
lado, a sua sucedlinea histrica: a idia de um Estado
intervencionista como instncia demirgica acima da sociedade,
tomado como Leviat controlador da ordem econmica e pai
poderoso, conformador de uma sociedade inerte. Com efeito, o
Estado, resultante de uma Constituio desse novo tipo, deve
encontrar a sua conformao na norma constitucional, em harmonia
com o processo dinmico, no qual, sob a presso de antagonismos e
em permanente devir, busca obter unidade puramente tendencial de
ao e de efeitos polticos. O compromisso de uma Constituio
democrtica, porquanto tentativa de articulao das distintas
concepes de mundo existentes na sociedade, sem permitir que sua
articulao constitua, na totalidade, sntese dialtica, deve ser o de
uma dimenso plurilateral, apta normativamente a conviver com as
vicissitudes inerentes poltica democrtica. E ao conformar a
ordem existente sua necessidade de alterao sem casusmos que a
Constituio revela-se tambm prospectiva, vinculando Estado e
sociedade ao processo explcito de sua transformao. nesse
sentido que Canotilho reconhece tais Constituies como dirigentes,
na proporo em que vinculam o legislador a essa tarefa maiofi3'.
Obviamente, a caracterizao da Constituio da Repblica
de 1988 como uma Constituio dirigente, que consagra um regime
democrtico-participativo, objetivando a construo de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, j nos diz do papel
que reserva ao Legislativo enquanto representao pluralista na
direo e definio dos negcios pblicos, mormente em um sistema
presidencial de governo. Como vimos, o procedimento legislativo,
nunca demais recordar, como afirma Galeotti, "una materia che
appartiene alla costituzioiie per Ia sua essenza, quale quella della
(3)

CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Constituio dirigente e


vi~zculaodo legislador. Coimbra: Coimbra Editora Ltda, 1982.

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legge e de1 procedimento previsto per la sua formazione, i1 riflesso


della formola politica, dei principi istituzionali o di regime, si a
profondo ed immediato'Y4).
Nesse sentido, j tivemos ocasio de ressaltar, comparando o
procedimento legislativo acolhido na Carta monocrtica com o
prefigurado na nova Constituio que, "de incio, devemos notar que
o procedimento legislativo como um todo deixou de ser norma de
preordenao da Constituio da Repblica para os Estados
federados e Municpios. A Carta de 1969 inclua entre outros
princ@ios a serem observados pelos Estados federados, quando de
sua auto-orgartizao, o conjunto das normas por ela estabelecidas
pertinentes ao processo legislativo (art. 13, 111), exceo das
relativas lei delegada e ao decreto-lei - institutos cuja adoo pelos
Estados era facultada, no que se refere ao primeiro, e vedada, no que
toca ao segundo, consoante ao pargrafo nico do art. 200.
A Constituio da Repblica de 1988, rompendo com a feio
meramente nominal que marcava o federalismo da Carta do perodo
autoritrio, restabeleceu a obrigatoriedade de os entes federados
observarem efetivamente princpios basilares e estruturais como os
da organizao republicana, representativa e democrtica do poder
poltico, a sua desconcentrao em funes especficas, cujo livre
exerccio deve ser assegurado ao respectivo titular, os direitos da
pessoa, a autonomia municipal e a prestao de contas da
Administrao pblica. Na realidade, a Carta do perodo autoritrio
elevara matrias inteiras categoria de normas de preordenao
- normas de acolhimento obrigatrio por parte do ente federadoreduzindo-lhe sobremaneira o campo autonmico especfico, como,
no caso, o procedimento legislativo. Contudo, tal constatao no
pode conduzir ao entendimento de que, no que se refere matria,
no haja normas especficas de preordenao destinadas ao Estado
federado ou ao Municpio, nem tampouco que no existam princpios
implcitos ao tratamento da matria na Constituio da Repblica,
os quais se impem observncia tanto do Constituinte estadual
quanto do Vereador na tarefa de elaborao da Lei Orgnica do
Municpio. O mais claro e cristalino desses princpios o da
impossibilidade de se instituir diploma legal permanente que no
tenha sido objeto de discusso e votao do Parlamento. Princpio
que veda a conseqncia da aprovao automtica de projeto de lei,
inclusive o de iniciativa do Chefe do Executivo ou a manuteno de
veto, por simples decurso de prazo.
c4)

GALEOTTI, Srio. Op. cit., p. 415.

Esse princpio decorrncia do resgate das prerrogativas do


Poder Legislativo como pauta mnima para consolidao do regime
democrtico. A Constituio da Repblica, portanto, no mais
permite aos entes federados a adoo de institutos que possam vir a
caracterizar o procedimento legislativo como autoritrio. Contudo,
de se ressaltar que o princpio em anlise em nada conflita com a
adoo de mecanismos destinados a emprestar maior celeridade aos
trabalhos parlamentares, desde que no importem em cassao das
prerrogativas inerentes funo legislativa. Dando guarida a esse
princpio, a Constituio da Repblica, secundada pela do Estado de
Minas Gerais, assegurou ao Chefe do Executivo o poder de solicitar
regime de urgncia para a apreciao de projetos de sua iniciativa,
com a mera conseqncia de - transcorridos quarenta e cinco dias
sem que haja manifestao do Legislativo sobre o projeto - o
mesmo ser includo na ordem do dia, sobrestando-se a deliberao
quanto aos demais assuntos, at que se proceda sua votao (1" e 2"
do art. 64 da Constituio da Repblica e art. 69 da Constituiio do
Estado). Outra inovao importante da Constituio da Repblica
quanto agilizao dos trabalhos parlamentares, tambm acolhida na
Constituio do Estado, a possibilidade de o Regimento Interno
descoiicentrar a atividade legislativa, atribuindo poder deliberativo
sobre projetos de leis especficas hs Comisses Permanentes ou Temporrias da Casa. Aprimorou-se, no caso, segundo o modelo italiano,
o procedimento anterior, que exigia delegao a Comisso Especial.
Hoje, a descoiicentrao legislativa no interior do Parlamento poder
verificar-se, portanto, sem aquele carter de absoluta
excepcionalidade que reveste a lei delegada, estando autorizado o
Regimento Interno a prever, como regra, o poder deliberativo de
Comisses para projetos e matrias que especificar, as qoais,
acreditamos, devero ser de menor complexidade e, outrossim,
menos polmicas. O Constituinte, novamente inspirado no modelo
italiano, no deixou de prever a possibilidade de remessa da matria
ao Plenrio para a reviso, desde que haja requerimento de um
dcimo dos membros da Casa Legislativa (Inciso I do Q 2Wo ara 58
da Constituio da Repblica e inciso I do 2-0
art. 60 da
Constituio do Estado). O princpio que veda a instituio de lei
sem prvia discusso e aprovao do Legislativo tampouco conflita
com a atribuio de iniciativa privativa ao Chefe do Executivo para
determinadas matrias, preservando-lhe papel de destaque naquelas
mais diretainente vinculadas administrao da coisa pblica. No
que toca ao poder de oferecimento de emendas a projetos de
iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, a Constituio do Estado

ampliou o dispositivo correlato da Constituio da Repblica,


facultando a apresentao de emendas, se indicada a fonte de receita
e comprovada a sua disponibilidade, tambm segundo o parmetro
do procedimento legislativo italiano (art. 68, I da Constituio do
Estado). No que se refere legislao complementar e ordinria,
inovou o Constituinte estadual ao explicitar, no 5 2Wo art. 70, regra
pacfica no mbito da doutrina mais qualificada - de Carr de
Malberg a Srio G
ti di Ruffia
".-- - q u e ~ h e g ~ k a _ _ s e r ~ ,
consubstanciada na
do Supremo TriJgngl ~ e d e r a k j
Trata-se da regra seUnao a-qual a sano supre os vcios de
iniciativa e emendas nas proposies de lei que versem sobre matria
de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Embora consagrado
na Smula, tal entendimento foi revisto pelo Supremo Tribunal Federal, que a partir de 1974 simplesmente passou a ignorar o instituto
constitucioiial da sano, que integra a fase constitutiva do
procedimento de formao do ato total - a lei - e que, ao ser
aposta a determinada proposio legal, em virtude dos princpios da
unicidade e da economia procedimentais, teria, necessariamente, o
condo de sanar eventuais vcios decorrentes da ausncia de
participao do agente poltico que, em momento ulterior, concorda
material e formalmente com o ato. O dispositivo em anlise tem o
objetivo de assegurar a validade dos pactos concertados no mbito
do Parlamento, mediante a interveno desenvolvida pela representao poltica pluralista, entre o Chefe do Executivo e os grupos
interessados na questo em pauta. Assim, de vital importncia o
dispositivo, no sentido de se garantir, ao Poder Legislativo, o
exerccio de sua funo de mediador social, de canal de soluo
democrtica de um sem nmero de quest6es atravs do debate e da
construo do consenso, que, por envolver o consentimento do titular
do Executivo na soluo proposta, pode e deve ser respeitada pelo
~udiciArio"@)./)+
Uma ez que no mais subsistem aqueles pressupostos
polticos inerentes ideologia da segurana nacional que fundavam
toda a ordem monocrtica precedente, podemos concluir que,
igualmente, no mais subsiste qualquer bice doutrina brasileira
em tomar como objeto de seu exame iiormativo-reconstrutivo,
caracterstico da Cincia do Direito, o fenmeno do procedimento
-"&-a

(3

CARVALHO NETTO, Menelick de. O Processo Legislativo enquanto


objeto da Lei Orgnica do Muiiicpio. Cadernos do SNnpsio a Nova
Constituio Estadual e o processo de elaboramento das Leis
Orgdnicos Municipais

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legislativo, a exemplo da doutrina europia. Muito pelo contrhio,


decorre da prpria natureza da Constituio e do regime poltico por
ela adotado a necessidade de que assim procedamos. E nesse
contexto, independentemente de norma constitucional expressa,
impe-se a restaurao da Smula n". A sano atribuda ao Chefe
de Estado em nosso sistema manifestao discricionria da vontade
deste. Nada tem a ver com os matizes que recobrem o instituto na
Monarquia Parlamentar, onde ato devido, obrigatrio. Aqui
manifestao discricionria de vontade. A virtual presso popular
que possa vir a ser exercida sobre o Chefe de Estado e do Executivo,
diretanrente eleito, problema poltico e como tal deve ser resolvido.
Cabe aos eleitores julgar, nas urnas e em relao a cada caso
concreto, se a sano ou a sua recusa a determinado projeto melhor
poderia haver atendido ao interesse pblico. A competncia, o direito
e o dever da deciso pertencem nica e privativamente a ele, sobre
quem, exclusivamente, recair a responsabilidade poltica do ato. Ao
Judicirio no compete desautorizar, ao arrepio da Cincia do
Direito, os pactos polticos coiiscieiitemente realizados, quando, no
obstante portadores de algum vcio formal, se provem idneos para a .
consecuo dos fins colimados.
E assim, em consonncia com as exigncias da democracia
participativa, consolidar-se-, temos certeza, terica e
jurisprudencialmente, no Brasil, o conhecimento normativocientfico do procedimento legislativo enquanto instrumento
essencial consolidao do regime democrtico e, por conseguinte,
do respeito aos direitos da cidadania.

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