7 Edição - Tomo II - Completa
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7 Edição - Tomo II - Completa
COMISSO ORGANIZADORA DA
I JORNADA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
Jucilaine Biberg - UMinho Portugal
Larissa Coelho - UMinho Portugal
COMISSO CIENTFICA DA
I JORNADA INTERNACIONAL DE DIREIROS HUMANOS
Ana Catarina Marinho UMinho Portugal
Jucilaine Biberg - UMinho Portugal
Larissa Coelho - UMinho Portugal
Ficha Tcnica
EDITOR:
Ribamar Fonseca Jnior
Universidade do MInho - Portugal
DIRETORA COORDENADORA:
Karla Hayd
Indexador:
DIVULGAO E MARKETING:
Larissa Coelho
Universidade do MinhoPortugal
www.revistaonisciencia.com
[email protected]
Tel.: 351 964 952 864
DESIGN GRFICO:
Ricardo Fonseca Brasil
SUMRIO
TOMO II
NOTA DO EDITOR
APRESENTAO
RESUMO
INTRODUO
Bacharel em Direito pelo Centro Universitrio do Norte - UNINORTE, Mestranda em Direitos Humanos
pela Universidade do Minho - UMINHO ([email protected]).
Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 7 Tomo II, maio / agosto 2014 ISSN 2182-598X
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BRASIL. Plano Nacional de Promoo e Defesa dos Direitos de Crianas e Adolescentes Convivncia
Familiar e Comunitria. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Braslia DF, Conanda, 2006.p.28.
3
ARIS,Philippe. A Criana e a Vida Familiar no Antigo Regime. 2. ed., Rio de Janeiro, Antropos , 1981. p.
10.
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BRASIL, Presidncia da Repblica, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Plano Nacional de
Promoo, Proteo e Defesa dos Direitos de Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e
Comunitria, Conselho dos Direitos da Criana e do Adolescente, Braslia DF, CONANDA, 2006. p. 28.
8
Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990, que dispe sobre o Estatuto da Criana e do Adolescente e d outras
providncias.
9
Conveno sobre os Direitos da Criana, adotada pela Assemblia Geral nas Naes Unidas em 20 de
Novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil atravs do Decreto n 99.710, de 21 de Novembro de 1990.
10
Constituio da Repblica Federativa do Brasil, artigo 227,e Estatuto da Criana e do Adolescente, artigo
40.
11
Estatuto da Criana e do Adolescente, artigo 19.
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que o modelo ideal de famlia um mito, devido complexidade e riqueza dos vnculos
afetivos. Portanto, seja qual for o arranjo na famlia que a criana cresce e se desenvolve,
o papel da famlia servir, apoiar, confiar, ajudar, orientar e aconselhar uns aos outros.
Assim a famlia poderia ser a equipe afetiva mais forte e satisfatria constante na vida de
cada um dos seus integrantes 15.
A primeira definio que surge dessa realidade social que, alm da relao
parentalidade/filiao diversas outras relaes de parentesco compem uma famlia
extensa, isto , uma famlia que se estende alm da unidade pais/filhos ou da unidade
casal, estando ou no dentro de um mesmo domiclio: meio-irmos, avs, tios e primos de
diversos graus 16.
Os Estados democrticos de direito tem na famlia a unidade bsica da
sociedade e, como tal deve ser privilegiada. Por expresso constitucional a famlia deve
receber proteo e apoios completos independentemente da formao que possam adquirir
ou se ajustar. A proteo, a educao e o desenvolvimento da criana so, em princpio,
responsabilidade da famlia. O Estado e suas instituies devem respeitar os direitos da
criana, assegurar o seu bem-estar e dar assistncia apropriada aos pais tendo em conta e
sem interferncia no modelo de famlia em que vivem, para que possam crescer em um
meio seguro e estvel, em um ambiente de felicidade, amor e compreenso, tendo em
mente que em diferentes sistemas culturais, sociais e polticos existem vrias formas de
famlia.
Diante do exposto, apesar do reconhecimento sociolgico e cultural sobre os
novos arranjos familiares, o reconhecimento jurdico e as polticas governamentais de
incluso das famlias ainda se encontra impedimentos para a concretizao plena dos
direitos das crianas convivncia familiar.
15
TIBA,
Iami.
Famlia
fechada
para
balano.
UOL,
Educao.
Disponvel
em:
<http://educacao.uol.com.br/> [19/09/2012].
16
NASCIMENTO, Marcio do. Convivncia Familiar e Comunitria uma Questo de Prioridade Absoluta.
Disponvel em: <http://www.mp.go.gov.br/> [18/09/2012]
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15
17
CASTEL, R. A gesto dos riscos da antipsiquiatria ps-psicanlise. Rio de Janeiro, RJ, Francisco Alves,
1987. p. 195.
18
Conforme Cavallieri, no anteprojeto do ECA, constava a expresso situao de risco, sendo que, no
entender do desembargador Amaral e Silva esta deveria ser retirada, uma vez que repetia a idia de situao
irregular do Cdigo de Menores.
19
COSTA, A.C Gomes da. possvel mudar: A criana, o adolescente e a famlia na poltica social do
municpio. So Paulo, Malheiros, 1993.
20
Art. 227 daContituio da Repblica Federativa do Brasil.
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21
Estes quatros princpios gerais foram assim definidos pelo Comit dos Direitos da Criana da ONU e
destinam-se a auxiliar a interpretao da Conveno como um todo.
22
UNICEF. O direito de ser adolescente: oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar
desigualdades, Fundo das Naes Unidas para a Infncia. Braslia, DF, 2011. p.29.
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BRASIL. Presidncia da Repblica, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Plano Nacional de
Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria,
Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente, Braslia - DF, Conanda, 2006, p.68.
27
BRASIL.Presidncia da Repblica, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Plano Nacional de
Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria,
Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente, Braslia - DF, Conanda, 2006, p.68.
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19
28
BRASIL. Presidncia da Repblica, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Plano Nacional de
Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria,
Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente, Braslia - DF, Conanda, 2006, p. 68.
29
SCUSSEL, Renato Rodovalho, et all., Adoo Orientaes as Gestantes: Guarda e Tutela, Primeira Vara
da Infncia e da Juventude do Distrito Federal, Braslia/DF, SECOM, s/d. Disponvel em:<
www.tjdft.jus.br/> [10/08/2012].
30
SCUSSEL, Renato Rodovalho, et all., Adoo Orientaes as Gestantes: Guarda e Tutela, Primeira Vara
da Infncia e da Juventude do Distrito Federal, Braslia/DF, SECOM, s/d. Disponvel em:<
www.tjdft.jus.br/> [10/08/2012].
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das situaes de risco listadas pelo artigo 98 do Estatuto da Criana e do Adolescente 31. A
tutela somente pode ser conferida a um adulto civilmente capaz, na falta permanente dos
pais, devido destituio do poder familiar ou falecimento, at que o tutelado complete a
maioridade civil. Encontra fundamento nos artigos 36 a 38 do ECA. A tutela assim como a
guarda, podem ser revogadas 32.
Por fim, a institucionalizao, forma menos indicada de convivncia familiar,
por isso, excepcionalssima, a medida de proteo que indique o afastamento da criana e
do adolescente de seu contexto familiar, por suspenso temporria ou ruptura dos vnculos
atuais do poder parental. Assim, deve ser aplicada apenas em casos onde a situao de
perigo pessoal ou social afete a integridade do desenvolvimento da criana e do
adolescente, quando se deve pensar no afastamento temporrio ou definitivo de sua
famlia de origem 33.
Na famlia, a criana mantm os contatos mais ntimos, j que o primeiro
grupo social a que ela pertence, nenhum outro ambiente que no seja a famlia, por melhor
estruturado que possa parecer, possui condies para o seu desenvolvimento psicossocial,
conforme afirma Symanski, uma instituio no substitui uma famlia, mas com
atendimento adequado, pode dar condies para a criana e o adolescente desenvolverem
uma vida saudvel no futuro 34.
As instituies de acolhimento de crianas e adolescentes podem ser
governamentais ou no-governamentais geridas com recursos pblicos ou privados. Seus
objetivos sociais so exclusivamente destinados a receberem crianas e adolescentes
desprotegidos, vtimas de maus-tratos, em estado de abandono pessoal ou social e
decorrente de destituio judicial do poder paternal 35.
Quando esgotados todos os meios de manuteno da criana e do adolescente
na famlia e na comunidade, o acolhimento em instituio indicado de forma temporria
e com a maior brevidade, para que volte ao convvio familiar de forma clere ou at o
31
Conforme o art. 98 do ECA as medidas de proteo criana e ao adolescente so aplicveis sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaados ou violados: I - por ao ou omisso da sociedade ou do
Estado; II - por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel; III - em razo de sua conduta.
32
SCUSSEL, Renato Rodovalho, et all., Adoo Orientaes as Gestantes: Guarda e Tutela, Primeira Vara
da Infncia e da Juventude do Distrito Federal, Braslia/DF, SECOM, s/d. Disponvel em:<
www.tjdft.jus.br/> [10/08/2012].
33
RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalizao de crianas no Brasil: percursos histrico e desafios
do presente. Rio de janeiro, Editora PUC Rio, Loyola, 2004.p.48.
34
SYMANSKI, Heloisa. A relao famlia/escola: desafios e perspectivas. Braslia, Plano, 2001.
35
SILVA, Enid Rocha Andrade (coord.).O direito convivncia familiar e comunitria: os abrigos para
crianas e adolescentes no Brasil. Braslia, IPEA/CONANDA, 2004, p.215.
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CONSIDERAES FINAIS
36
SILVA, Enid Rocha Andrade (coord.).O direito convivncia familiar e comunitria: os abrigos para
crianas e adolescentes no Brasil. Braslia, IPEA/CONANDA, 2004, p.225.
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BIBLIOGRAFIA
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Janeiro, Antropos, 1981.
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[19/07/2012].
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Direitos. 1. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2009.
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Plano Nacional de Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e
Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria, Conselho Nacional dos
Direitos da Criana e do Adolescente, Braslia - DF, Conanda, 2006,
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poltica social do municpio. So Paulo, Malheiros, 1993.
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Adolescente. Anais da Defensoria Especializada de Infncia e Juventude. Belo
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Vol. V, 16. ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2007.
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RESUMO
I.
INTRODUO
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25
Cf. SILVESTRE, Antnio Melio (coord.), Plataforma Laboral Contra a SIDA: a resposta do meio
laboral ao VIH-SIDA. 1 ed., Lisboa, Comisso Nacional de Luta Contra a SIDA, 2005, disponvel
em<http://www.act.gov.pt/(ptPT)/SobreACT/CooperacaoParcerias/Paginas/PlataformaLaboralcontraaSida.
aspx> [12.01.2012], p. 10.
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II. PROTEO
CONFERIDA
PELA
CONSTITUIO
DA
REPBLICA
Nesse sentido, cf. SILVESTRE, Antnio Melio (coord.), Plataforma Laboral Contra a SIDA, op.
cit.,p.22.
4
Cf. GOMES CANOTILHO, J. J. E MOREIRA, Vital, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada,
Vol. I, 4 ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 702 ss.
5
Cf. ABRANTES, Jos Joo, O Cdigo do Trabalho e a Constituio, in Antnio Moreira (coord.), VI
Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memrias, Coimbra, Almedina, 2004, p. 154.
6
Artigo 1 da CRP: Portugal uma Repblica soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na
vontade popular e empenhada na construo de uma sociedade livre, justa e solidria.
7
Cf. RODRIGUES, lvaro da Cunha Gomes, Consentimento Informado Pedra Angular da
Responsabilidade Criminal do Mdico in Guilherme de Oliveira (coord.), Direito da Medicina I, Coimbra,
Coimbra Editora, 2002, p.16.
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Cf. ABRANTES Jos Joo, O Cdigo do Trabalho e a Constituio, op. cit., p.155.
Cf. QUEIROZ, Cristina M. M., Direitos Fundamentais (Teoria Geral), Coimbra, Coimbra Editora,
2002, p. 109.
10
Nesse sentido, Acrdos 433/87, 181/87, 39/88, 371/89, 169/90, 186/92, 226/92 do Tribunal
Constitucional, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/home.html [17.01.2012].
11
Cf. VIEIRA DE ANDRADE, Jos Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de
1976, 4 edio, Coimbra, Almedina, 2010, p. 262.
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Cf. LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2008, p.241.
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Cf. RUEFF, Maria do Cu, Pessoas com HIV/SIDA e Mdico com Dupla Responsabilidade (MDR),
in DUQUE, Vitor M. Jorge Duque, PEREIRA, Andr Dias, A infeco VIH/SIDA e o Direito, Santarm,
Sida-Net, Associao Lusfona, 2010. Disponvel em <http://www.aidscongress.net/[email protected]>
[10.01.2012], p.58.
14
Cf. SILVESTRE, Antnio Melio, (coord.), Plataforma Laboral Contra a SIDA, op. cit., p.21.
15
Artigo 6 do Cdigo Deontolgico da Ordem dos Mdicos (revogado em 2008): O mdico deve
prestar a sua actividade profissional sem qualquer forma de discriminao;
Artigo 85 do Cdigo Deontolgico da Ordem dos Mdicos (revogado em 2008): O segredo mdico
condio essencial ao relacionamento mdico-doente, assenta no interesse moral, social, profissional e tico,
que pressupe e permite uma base de verdade e de mtua confiana.
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vinculado ao doente, encontra-se tambm vinculado a um terceiro (na maior parte dos
casos a entidade patronal), com quem tambm mantm uma relao profissional. Por este
motivo, a relao que se estabelece com um terceiro relativamente relao mdicodoente pode vir a colocar o profissional de sade numa situao de concurso e (ou) conflito
de deveres 16.
O Novo Cdigo Deontolgico da Ordem dos Mdicos, consagra no seu artigo
97. que O Mdico encarregado de funes de carcter pericial, tais como servios
biomtricos, Juntas de Sade, Mdico de Companhias de Seguros e Mdico do Trabalho,
deve submeter-se aos preceitos deste Cdigo, nomeadamente em matria de segredo
profissional, no podendo aceitar que ponham em causa esses preceitos, daqui
decorrendo que mesmo que o mdico se encontre vinculado a um terceiro deve respeitar o
segredo profissional, sobe pena de incorrer no crime de violao de segredo, previsto e
punido no artigo 195. do Cdigo Penal (CP), que estipula que Quem, sem consentimento,
revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razo do seu estado, ofcio,
emprego, profisso ou arte punido com pena de priso de 1 ano ou com pena de multa
at 240 dias.
Mas, se o mdico se encontrar perante um conflito de deveres, a lei penal prev
a excluso da ilicitude, nos termos do artigo 36., n.1 do CP, No ilcito o facto de
quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurdicos ou de ordens legtimas da
autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que
sacrificar.
Por sua vez, a recolha de sangue para rastreio do vrus VIH/SIDA no mbito de
um exame mdico constitui uma ofensa integridade fsica da pessoa em causa e, se for
efetuada pelo mdico sem o consentimento do paciente, estamos perante o crime de
intervenes e tratamentos mdico-cirrgicos arbitrrios, previsto e punido no artigo 156.
do CP, que consagra As pessoas indicadas no artigo 150. 17 que, em vista das finalidades
16
Cf. RUEFF, Maria do Cu, Pessoas com HIV/SIDA e Mdico com Dupla Responsabilidade (MDR),
op. cit., p.60.
17
Artigo 150 do Cdigo Penal: 1 - As intervenes e os tratamentos que, segundo o estado dos
conhecimentos e da experincia da medicina, se mostrarem indicados e forem levados a cabo, de acordo com
as leges artis, por um mdico ou por outra pessoa legalmente autorizada, com inteno de prevenir,
diagnosticar, debelar ou minorar doena, sofrimento, leso ou fadiga corporal, ou perturbao mental, no se
consideram ofensa integridade fsica.
2 - As pessoas indicadas no nmero anterior que, em vista das finalidades nele apontadas, realizarem
intervenes ou tratamentos violando as leges artis e criarem, desse modo, um perigo para a vida ou perigo
de grave ofensa para o corpo ou para a sade so punidas com pena de priso at 2 anos ou com pena de
multa at 240 dias, se pena mais grave lhes no couber por fora de outra disposio legal.
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Por sua vez, artigo 19., n.3 do CT consagra que O mdico responsvel pelos
testes ou exames mdicos s pode comunicar ao empregador se o trabalhador est ou no
apto para desempenhar a actividade, sendo tambm nesse sentido o n.2 do artigo 17. do
CT, mas esta regra pode ser ultrapassada se o trabalhador autorizar, por escrito, a
divulgao de informaes relativas ao seu estado de sade.
18
19
Cf. LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes, Direito do Trabalho, op. cit., p. 171.
Relatrio Parecer sobre a Obrigatoriedade dos Testes da SIDA 16/CNECV/96.
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20
Artigo 31., n.2, al.d) Cdigo Penal: 2 - Nomeadamente, no ilcito o facto praticado: () d) Com o
consentimento do titular do interesse jurdico lesado.
Artigo 38. do Cdigo Penal: 1 - Alm dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento
exclui a ilicitude do facto quando se referir a interesses jurdicos livremente disponveis e o facto no ofender
os bons costumes. 2 - O consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade sria,
livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente revogado at
execuo do facto. 3 - O consentimento s eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos e possuir
o discernimento necessrio para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta.
21
Cf. RODRIGUES, lvaro da Cunha Gomes, Consentimento Informado Pedra Angular da
Responsabilidade Criminal do Mdico, op. cit., pp. 26/27.
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Cf. SILVESTRE, Antnio Melio (coord.), Plataforma Laboral Contra a SIDA, op. cit., p.110.
Cf. MARTINEZ, Pedro Romano, Consideraes Gerais Sobre o Cdigo do Trabalho in Antnio
Oliveira (coord.), VI Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memrias, Coimbra, Almedina, 2004, p.
51.
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35
medidas necessrias tendo em conta princpios gerais de preveno, o que tem como
objetivo prevenir os riscos profissionais e promover a sade dos trabalhadores.
No exerccio de qualquer atividade profissional existe um certo risco, por mais
pequeno que seja, de infeo por VIH, cabendo ao empregador, ponderando os diferentes
bens em jogo, adotar medidas preventivas. Nas atividades em que h um maior risco de
contgio tem de haver uma grande ponderao: por um lado, existe o direito dos
trabalhadores sua intimidade e ao acesso e estabilidade no emprego, mas, por outro lado,
h tambm a necessidade de evitar a transmisso do vrus. As profisses que comportam
risco de contgio so aquelas que envolvem uma alta probabilidade de contgio, como o
caso de profisses mdicas. Nestes casos, admite-se uma conduta preventiva, embora no
se admita, como bvio, uma conduta discriminatria.
V. CASOS CONCRETOS
Nesse sentido, Cf. DIAS PEREIRA, Andr Gonalo, Cirurgio Seropositivo. Do Pnico ao Direito,
Lex Medicinae Revista Portuguesa de Direito da Sade 4:8 (2007). Disponvel em
<https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/2797> [10.01.2012].
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conduta punida nos termos dos artigos 192. e 195. do CP. O mdico da medicina do
trabalho apenas deveria informar a Diretora do Hospital da aptido ou no aptido do
mdico-cirurgio para exercer as suas funes, embora a ilicitude da sua conduta possa ser
excluda tendo em ateno o conflito de deveres em que o mdico da medicina do trabalho
se encontrava: de um lado, o dever se sigilo mdico relativamente ao estatuto do mdicocirurgio; de outro lado, o dever de zelar pelas melhores condies de funcionamento da
instituio de sade onde desempenha a sua actividade 25.
O mdico-cirurgio, alm de exercer funes cirrgicas exercia tambm
funes de investigao e ensino, de gesto e administrao e ainda servios de consulta
mdica, sendo certo que o seu estatuto serolgico em nada influenciava o exerccio destas
ltimas.
Cabia ento ao Conselho de Administrao do Hospital apurar quais as funes
que o mdico-cirurgio estaria ou no apto a desempenhar, de forma a no colocar em risco
a sade dos pacientes. O Conselho de Administrao tem tambm de respeitar o dever de
confidencialidade e o dever de no discriminao, devendo ainda promover e apoiar a
requalificao profissional do jovem mdico, nomeadamente no reforo das suas
competncias na rea da consulta mdica, nas tarefas de ensino e investigao e nas
funes de gesto e administrao da sade 26.
Num segundo caso, analisaremos a situao de um cozinheiro (doravante
designado por A) que comeou a trabalhar num hotel em 1997, exercendo no incio as
funes de cafeteiro e passando mais tarde a exercer funes de cozinheiro. Em Outubro
de 2002 foi-lhe diagnosticada tuberculose, motivo pelo qual esteve cerca de um ano de
baixa mdica. Em Dezembro de 2003 voltou ao servio e foi enviado ao mdico do
trabalho do hotel, que pediu ao mdico assistente do cozinheiro mais dados sobre a sua
situao clnica. O mdico assistente informou o mdico da medicina do trabalho de que A
era VIH positivo, mas que estava apto para retomar a atividade laboral e no apresentava
qualquer perigo para os colegas. No entanto, o mdico da medicina do trabalho
considerou-o inapto para exercer as suas funes a ttulo definitivo.
Em 2004, a gerncia do hotel enviou uma carta a A comunicando-lhe a
caducidade do contrato de trabalho por inaptido para o exerccio das funes
25
Cf. DIAS PEREIRA, Andr Gonalo, Cirurgio Seropositivo. Do Pnico ao Direito, op. cit., p.10.
Cf. DIAS PEREIRA, Andr Gonalo, Cirurgio Seropositivo. Do Pnico ao Direito, op. cit.,pp.
22/23.
26
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37
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28
Cf. RUEFF, Maria do Cu, Segredo Mdico e VIH/SIDA: Perspectiva tico-Jurdica, Acta Mdica
Portuguesa, v. 17, n. 6, 2004, p. 5. Disponvel em: <http://www.actamedicaportuguesa.com/pdf/200417/6/451-464.pdf> [8.01.2012].
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Pessoas
com
HIV/SIDA
Mdico
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<http://www.aidscongress.net/[email protected]>
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__________________, Segredo Mdico e VIH/SIDA: Perspectiva tico-Jurdica,
Acta
Mdica
Portuguesa,
v.
17,
n.
6,
2004.
Disponvel
em:
<http://www.actamedicaportuguesa.com/pdf/2004-17/6/451-464.pdf> [8.01.2012].
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RESUMO
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O direito vida aquele que assume o primado perante todos os outros direitos
e considerado como um limite aos avanos cientficos.
A Constituio da Repblica Portuguesa assume no Ttulo II- Direitos,
Liberdades e Garantias, no seu Captulo I- Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, como
valor democrtico do Estado o Direito Vida (Artigo 24.), na alnea 1 refere que a vida
humana inviolvel. Referindo na alnea 2 do mesmo artigo que em caso algum haver
pena de morte.
A Declarao Universal dos Direitos do Homem refere no artigo 3. que Todo
o Homem tem direito Vida, liberdade e segurana pessoal. Toda a pessoa tem direito
vida, durante o ciclo vital, independentemente dos momentos ou dos estdios em que se
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encontra. Devendo ser atribuda vida de qualquer pessoa igual valor, devendo o cuidado
pessoa ser isento de qualquer discriminao econmica, social, poltica, tnica, ideolgica
ou religiosa (Cdigo Deontolgico do Enfermeiro).
Refere-se ainda nesta matria o artigo 2. da Conveno para a Proteco dos
Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Relativamente s aplicaes da
Biologia e da Medicina, adoptada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em
Novembro de 1996 e posteriormente ratificada em Portugal considera que os interesses e
o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre os interesses da cincia e da
sociedade.
Reconhecer a dignidade da pessoa humana exige o respeito pelos seus direitos,
perspectivados na sua indivisibilidade. Este conceito encontra-se ainda intrinsecamente
ligado ao dever de uma crescente humanizao dos Cuidados de Sade.
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A morte corporal a desorganizao das clulas, dos tecidos e dos rgos pela
falncia dos grandes sistemas de integrao e associao, o que sugere a importncia da
prevalncia e o reforo das relaes humanas e interpessoais, nas fases do processo da
morte, assim como ao longo de toda a vida (SERRO, 1998, citado por BRITO, 2002).
De acordo com Brito (2002), a realidade da generalidade dos hospitais
portugueses constrangedora, no existindo espao nem privacidade no processo de morte.
E por outro lado, ocultado ao doente que este se encontra em fase terminal, no sabendo
lidar com ele, as relaes com os familiares e com os profissionais de sade em muitas
situaes quebrada. O que leva a que a morte no seja a consumao da vida, mas antes a
extino da vida.
Posto isto, remete-se para reflexo do leitor este ponto dizendo que,
actualmente, humanizar o processo de morte um bem necessrio para que se saiba
distinguir entre o curar e a paliao dos sintomas.
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Cdigo Penal (2007), Livro II- Parte especial; Ttulo I- Dos Crimes contra as Pessoas;
Captulo I- Dos Crimes contra a Vida
Artigo 133. (Homicdio Privilegiado): refere que quem matar outra pessoa dominado por
compreensvel emoo violenta, compaixo, desespero ou motivo de relevante valor social
ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, punido com pena de priso at 5
anos.
Artigo 134. (Homicdio a pedido da vtima), nmero 1- quem matar outra pessoa
determinado por pedido srio, instante e expresso que ela lhe tenha feito punido com
pena de priso at trs anos; nmero 2- a tentativa punido.
Artigo 135. (Homicdio ou ajuda ao suicdio), nmero 1- quem incitar outra pessoa a
suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, punido com a pena de priso at trs anos,
se o suicdio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se; nmero 2- se a pessoa
incentivada a ou a quem se presta a ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer
motivo, a sua capacidade de valorao ou de determinao sensivelmente diminuda, o
agente punido com pena de priso de um a cinco anos.
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com a leges artis, por um mdico ou por outra pessoa legalmente autorizada, com a
inteno de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar a doena, sofrimento, leso
ou fadiga corporal, ou perturbao mental, no se consideram ofensa integridade
fsica.
2- As pessoas indicadas no nmero anterior que, em vista das finalidades nela
apontadas, realizem intervenes ou tratamentos violando as leges artis e criarem,
desse modo, um perigo para a vida ou perigo grave ofensa para o corpo ou para a
sade, so punidas com pena de priso at dois anos ou com pena de multa at 240
dias, se pena mais grave lhes no couber por fora de outra disposio legal.
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Legislao:
Cdigo Penal, artigos 131 e seguintes, 140. e seguintes, 184. e seguintes e 358.;
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Legislao:
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no refere no ter recebido tratamentos adequados por parte dos servios mdicos do
Estado. A requerente considera como um tratamento desumano e degradante o facto de as
autoridades do Estado no permitirem que o seu marido lhe d ajuda no suicdio
(responsabilizando o Estado).
Admitir a obrigao positiva que a requerente coloca sobre o Estado
reivindicando a que o mesmo admitisse actos com vista interrupo da vida, obrigao
que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que no pode ser interpretada
no artigo 3..
A requerente impedida por lei de exercer a sua vontade de forma a evitar o
que para si um fim de vida indigno e penoso. O Tribunal considerou que no pode excluir
que tal facto representa um atentado ao direito da pessoa ao respeito pela sua vida privada,
como est descrito no artigo 8. 1 (BERGER, 2007).
2. DIGNIDADE HUMANA
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dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direito dos homens e das mulheres
e se declaram resolvidos a favorecer o processo social e a instaurar melhores condies de
vida dentro de uma liberdade mais ampla (BARRETO, 2005).
Considerando pertinente referir o conceito de liberdade, no sentido de que a
liberdade do profissional de sade em tomar uma deciso perante a pessoa em fim de vida
dever respeitar a liberdade de deciso da mesma e da sua famlia.
A liberdade humana sei o que : verdade da conscincia como Deus. Por ela
chego facilmente ao direito absoluto; por ela sei apreciar as instituies sociais.
Sei que a esfera dos meus actos livres s tem por limites a esfera dos actos livres
dos outros, e por limites factcios as restries a que conviesse submeter-me para
a sociedade existir e para eu achar nela a garantia do exerccio das minhas
liberdades (Alexandre HERCULANO citado pelo Prof. Doutor CANOTILHO,
1997).
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De acordo com a minha viso uma viso de quem presta cuidados de sade a
pessoas que necessitam destes cuidados especficos , a actual prestao de cuidados
paliativos continua a ser insuficiente em Portugal; existem diferenas no acesso e na
qualidade de cuidados prestados, que em certo modo, podem ser consideradas
discriminaes injustas em funo do estado de sade (artigo E da Carta Social Europeia
Revista e na Lei n. 46/2006, de 28 de Agosto, que probe e pune a descriminao em razo
da deficincia e da existncia de risco agravado para a sade).
Actualmente existem 2000 camas montadas no pas em cerca de cem unidades, segundo
Ins Guerreiro, coordenadora da Unidade de Misso para os Cuidados Continuados
Integrados.
Contudo considerando que morrem em Portugal, por ano, cerca de cem mil
pessoas, fcil constatar que o nmero de camas existentes insuficiente para fazer face s
necessidades de cuidados da pessoa em fase terminal.
Por outro lado, uma vez que este tipo de cuidados so financiados, em parte,
pelas receitas dos jogos sociais (artigo 3. do Decreto Lei n. 56/2006, de 15 de Maro,
que regula a distribuio dos resultados lquidos dos jogos sociais explorados pela Santa
Casa da Misericrdia de Lisboa), de acordo com Helena Pereira de Melo, parece-nos que
poderiam ser fixadas metas quantitativas anuais em matria de prestao de cuidados
paliativos mais ambiciosas do que as fixadas no Programa Nacional de Cuidados
Paliativos, aprovado pelo Despacho do Ministrio Da Sade de 15 de Junho de 2004
(ponto IV do referido Programa).
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especfica
dos
cuidados
paliativos
prestar
por
equipas
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Le cancer nous tue. La douleur me tue parce que depuis plusieurs jours jenai pas pu
trouver de morphine injectable nulle part. Sil vous plait Mr. le Secrtaire la Sant, ne
nous laissez plus souffrir
Petite annonce publie dans un journal colombien en septembre 2008 par la mre dune
femme atteinte dun cancer du col de lutrus.
Les mdecins ont peur de la morphine Les docteurs [au Kenya] sont tellement habitus
aux patients qui meurent dans la douleur () quils pensent que cest comme a quon doit
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mourir. Ils sont mfiants si vous ne mourrez pas comme a [et pensent] que vous tes
mort prmaturment.
Un mdecin dun hospice du Kenya.
7. CONCLUSO
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BIBLIOGRAFIA
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65
RESUMO
1. INTRODUO
1
Advogado; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto; Mestrando em Direitos
Humanos pela Universidade do Minho. ([email protected])
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A frase original, dita pelo general romano Pompeu aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar
durante a guerra, foi "Navigare necesse; vivere non est necesse" - cf. Plutarco, in Vida de Pompeu.
3
Informao em disponvel em <<http://www.fpessoa.com.ar/poesias.asp?Poesia=036>> (21/01/2012).
4
Edgar BELLE Um olhar intertextual em: Navegar preciso, viver no preciso, Caderno de PsGraduao em Letras, So Paulo 2004, p. 97.
5
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
Navegar preciso; viver no preciso.
Quero para mim o esprito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver no necessrio; o que necessrio criar. Fernando PESSOA, Obra potica. Organizao de
Maria Aliete Galhoz. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
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67
Para uma anlise dos diversos conceitos historicamente atribudos ao termo Gnero ver, Joan Wallach
SCOTT,. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, n
2,jul./dez. 1995, pp. 71-99.
7
"A economia a cincia que estuda as formas de comportamento humano resultantes da relao existente
entre as ilimitadas necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos
alternativos". Lionel Charles ROBBINS In http://netopedia.tripod.com/diversos/definicoes_economia.htm
(22.01.2012)
8
Joo
Incio
KOLLING
A
Incompletude
Humana,
disponvel
em
http://www.unilasalle.edu.br/lucas/assets/upload/INCOMPLETUDE_HUMANA.pdf (18.11.2011)
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Nesses termos, o que ento nos diferencia dos demais viventes (e nos torna
insatisfeitos diante de tal condio) o fato de somente ns, humanos, termos conscincia
desse inacabamento. Neste sentido, Joo Incio Kolling afirma que sob uma viso
antropolgica considera-se que os outros animais j nascem satisfeitos, pois possuem uma
predisposio inata adequada a realizao das necessidades de sua espcie. [N]ingum
precisa ensinar ao filhote de Joo-de-barro a fazer curso de engenharia e de arquitetura a
fim de edificar sua casinha de barro. Ele j nasce naturalmente equipado com esta
capacidade (nasce satisfeito) 9.
, portanto, a constatao da incompletude e no a prpria incompletude em si
que nos torna insatisfeitos e, consequentemente, nos motiva a buscar um aperfeioamento.
Nas palavras de Paulo Freire seria uma agressiva contradio se, inacabado e consciente
do inacabamento, o ser humano no se inserisse num permanente processo de esperanosa
busca 10.
Mas que implicaes esse processo de busca teria sobre a identidade de um
sujeito? Que relao haveria entre identidade e gnero? A realizao de uma identidade de
gnero seria mesmo uma construo cultural baseada em nossas experincias? Ou haveria
uma essncia inata; natural; prvia ao fazer cultural capaz de justificar certa identidade?
Provar a noo de que o desenvolvimento de uma identidade de gnero assume
carter acidental por ser resultante de uma complexa busca pela plenitude e satisfao
no se tratando meramente de uma caminhada reta; com destino certo e biologicamente
determinado uma proposta ambiciosa, muitas vezes ignorada no seio de uma sociedade
que se constituiu baseada nos princpios da matriz heterossexual 11 e da regulao
binria da sexualidade 12.
A ideia de que sexo e gnero constituem realidades distintas, e que este (o
gnero) fruto de uma construo cultural, nos induz ao lgico raciocnio de aquele (o
sexo) seria, por sua vez, uma realidade natural. Tal lgica, que trabalha com a noo
9
Joo Incio KOLLING, op. cit. p. 04, parnteses no original, interpelao nossa.
Paulo FREIRE - Pedagogia da indignao: cartas pedaggicas e outros escritos, So Paulo: Editora
UNESP, 2000, p. 114.
11
A matriz heterossexual corresponde grade de inteligibilidade cultural por meio da qual os corpos,
gneros, e desejos so naturalizados. Este conceito em Monique Witting denominado contrato
heterossexual, para Adrienne Rich, heterossexualidade compulsria. Judith BUTLER Problemas de
Gnero: feminismo e a subverso da identidade. Trad. Renato Aguiar, Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 2003, pp. 215, 216.
12
A regulao binria da sexualidade suprime a multiplicidade subversiva de uma sexualidade que rompe as
hegemonias heterossexual, reprodutiva, e mdico-jurdica. Judith BUTLER Problemas de Gnero, op. cit.
p. 41
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3. SEXO/GNERO, NATUREZA/CULTURA
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pela prpria cultura. Deste modo, a distino entre sexo e gnero acabaria por ruir se
mostrando absolutamente inexistente 18.
Surge da que o gnero no representa para a cultura o mesmo que o sexo
representa para a natureza, pois a prpria noo de sexo seria tambm um resultado
discursivo por meio do qual a ideia de uma natureza sexuada dos corpos apresentada e
estabelecida como prvia cultura, ou, nas palavras de Butler, tida como uma superfcie
politicamente neutra sobre a qual age a cultura 19.
Nestes termos, o reconhecimento da dualidade do sexo como sendo prdiscursiva o que garantiria de modo eficaz e persuasivo a prpria estrutura binria do
sexo e sua convincente estabilidade interna, de modo a impedir a existncia legtima de
identidades que fujam a esta dualidade e pretendam se estabelecer de modo diverso.
Acreditar o sexo como instituio estvel e duplamente polarizada limitar a
identidade; sucumbir diante de toda a construo discursiva que institui a matriz
heterossexual como unicamente legtima, sem contudo, questionar a essncia e o propsito
dessa construo.
4. GNERO E IDENTIDADE
18
19
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necessrio tal desvio para que seja possvel, de modo coerente evoluir na discusso, uma
vez que ela agora se dar levando em conta o sistema sexual binrio para o qual a Lei n
07/2011 foi concebida.
Na data de 15 de maro do ltimo ano foi aprovada em Portugal a referida lei
que alterou o procedimento de reconhecimento da mudana de sexo e de nome prprio
no registro civil. A nova legislao sem qualquer dvida uma valiosa conquista para os
que defendem uma abordagem sobre as questes de gnero distinta da que se tem hoje, e
representa um expressivo avano em termos legais.
Em suma, a lei garante o direito ao reconhecimento da mudana de sexo e de
nome independentemente da instaurao de um procedimento judicial para esta finalidade,
bastando a submisso de um pedido devidamente 22 instrudo em qualquer conservatria
de registro civil.
Os direitos resultantes da Lei n 07/2011 tm significativos reflexos para
aqueles indivduos que sob seu amparo podero ver satisfeitas de modo muito menos
burocrtico sua pretenso de ajustamento entre a identidade pessoalmente entendida
como coerente 23 com suas personalidades (comportamento performtico) e aquela
socialmente atribuda a eles no momento do nascimento (que leva em conta basicamente o
dado biolgico presente).
Sob outra perspectiva, a permisso do Estado para que determinados sujeitos
possam cambiar de categoria sexual mais facilmente, pode ter um impacto positivo na
sociedade, na medida em que ir provocar uma maior discusso do tema que
convenientemente permanece relegado a estreitos nichos acadmicos ou entidades
particularmente interessadas.
Entretanto, por mais bem intencionados que tenham sido os motivos que
levaram criao de Lei n 07/2011 nos termos que se deu, uma anlise pouco mais
aprofundada da norma revela que suas vantagens terminam nos aspectos acima citados, ou
que inversamente, nem estes persistiriam, pois a lei poderia vir a causar um prejuzo maior
que os benefcios auferidos.
22
Os requisitos a serem apresentados no momento da instruo no sero objeto de anlise neste trabalho,
pois suscitam tambm inmeras consideraes, que possivelmente sero abordados em um trabalho
autnomo.
23
Conforme afirmado anteriormente, a noo de coerncia s pode adquirir significao quanto inserida no
sistema sexual binrio. Portanto, vale tambm para este termo a mesma ressalva adotada quanto s
expresses sexo e gnero.
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24
Conforme amplamente discutido nos captulos anteriores, incorreto afirmar a possibilidade de uma
transformao ou mudana do gnero, uma vez que este uma construo aleatria, mutvel e no linear. A
descontinuidade no pode ser entendida como um fenmeno externo que subordina o gnero para modificlo, pois na verdade se trata da prpria essncia do gnero.
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25
[] basta passear de olhos abertos para comprovar que a humanidade se reparte em duas categorias de
indivduos, cujas roupas, rostos, corpos, sorrisos, atitudes, interesses, ocupaes so manifestamente
diferentes: talvez essas diferenas sejam superficiais, talvez se destinem a desaparecer. O certo que por
enquanto elas existem com uma evidncia total. Simone de BEAUVOIR, O Segundo Sexo: Fatos e Mitos,
op. cit. pp. 09 e 10.
26
Neste sentido, se apropriando e desenvolvendo um conceito lanado originalmente por Nietzsche, Judith
Butler afirma que no h identidade de gnero por trs das expresses de gnero; essa identidade
performaticamente constituda, pelas prprias expresses tidas como seus resultados. Judith BUTLER
Problemas de Gnero, op. cit. p. 39. Aspas e itlicos no original.
27
A oposio binria e o processo social das relaes de gnero tornam-se, ambos, partes do sentido do
prprio poder. Colocar em questo ou mudar um aspecto ameaa o sistema por inteiro. Joan Wallach
SCOTT. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. op. cit, p. 93.
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28
Nuno Miguel ROPIO Portugal com a lei para transexuais mais liberal do mundo, publicado em
18.11.2010 em <<http://www.ilga-portugal.pt/noticias/186.php>> (18.12.2011)
29
Personalidade e identidade sexual aqui so entendidas como crena no pertencimento a uma das categorias
sexuais binariamente considerados, trata-se mesmo, de acreditar-se homem ou mulher.
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30
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como pertencente ao sexo feminino; por que ele em qualquer momento optou livre e
conscientemente por se tornar uma mulher.
Como se pode perceber, em ambos os casos citados a identidade sexual e
ainda mais a identidade de gnero no reside na presena de um ou outro rgo sexual,
mas sim na auto-imagem que cada sujeito tem de si, da porque resta invlido qualquer
raciocnio que sustente no poderem os transgneros usufruir das prerrogativas conferidas
pela Lei n 07/2011. Exigir que se possua um determinado rgo sexual para ser
reconhecido como pertencente a determinado sexo contradizer a lgica que acaba de ser
demonstrada.
Alm disso, como se sabe, as diferenas biolgicas entre homens e mulheres
no se encerram na presena de pnis/vagina. Segundo a Lei n 07/2011 para que os
transexuais femininos sejam reconhecidos legalmente como homens no necessria a
retirada de outros rgos exclusivamente femininos tais como tero e ovrios, ento por
que persiste a necessidade da construo de um genital? Qual a razo motivadora deste
apego ao rgo sexual?
A diferenciao estabelecida pela Lei n 07/2011 mostra-se ainda mais
equivocado quando se leva em considerao que os prprios transexuais, j se acreditam
como fora do sexo de origem e pertencentes ao sexo de destino antes mesmo da
realizao do procedimento cirrgico de reatribuio sexual. Alis, ao que tudo indica
justamente a crena no pertencimento ao sexo binariamente oposto o que justifica a
necessidade dos transexuais se submeterem ao procedimento cirrgico. Deste modo, o
desejo 31 em possuir um novo aparelho genital se revela meramente uma conseqncia de
uma identidade de gnero que o indivduo j possui e no um pr-requisito fundamental
para o reconhecimento desta.
Por fim defende-se que fato de o transgnero no desejar modificar seu genital,
no suficiente para mant-lo preso identificao tipicamente correspondente a ele,
pois, se assim fosse, deveramos defender tambm que o homem forosamente operado
fosse identificado como mulher, pois o que se tem em ambos os casos uma identificao
do sujeito no correspondente com o rgo tipicamente associado a ela.
31
Isto no um desejo, um problema srio que tem de ser resolvido com ajuda mdica. Esta declarao
uma jovem transexual chamada Andreia que se alto define como sendo uma Rapariga Transexual, de 17
anos, numa luta pela sua identidade. Sou sensvel, afectuosa, desprotegida, mas lutadora. A minha vida
feita de sonhos e esperanas, mas quero acreditar que um dia vou poder viver como qualquer outra pessoa.
Quero acreditar que daqui por pouco tempo serei capaz de ME ser, por inteiro! disponvel em
<<http://andreia-sonhos.blogspot.com>> (26/01/2012)
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6. CONSIDERAES FINAIS
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Porm, constatou-se principalmente que mesmo a lei tendo sido concebida para
suprimir iniqidades no que diz respeito ao reconhecimento da identidade de um indivduo,
este conjunto normativo ainda se funda e insiste em legitimar verdades culturais e sociais
que so, por fim, a razo da existncia e permanecia dessas mesmas iniqidades.
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Bacharel em Direito pela Universidade Paulista UNIP, Brasil. Ps-graduada em Direito Pblico
Material pela Universidade Gama Filho, Brasil, 2009. Ps-graduanda em Direito Civil e Direito Processual
Civil pela Universidade Cndido Mendes, Brasil. Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade do
Minho, Portugal.
2
Cf. MARTINS, Janana - Pesquisa aponta insatisfao com Judicirio, Jornal Opo, 09.02.12
disponvel em: http://www.jornalopcao.com.br/posts/ultimas-noticias/pesquisa-aponta-insatisfacao-comjudiciario, acesso em 18.09.2012.
3
Cf. CALGARO, Cleide A reforma do Poder Judicirio: chegada de um novo direito, in Seminrio
Virtual mbito Jurdico: Reforma do Judicirio, 23 a 25 de Maro de 2004. Disponvel em
<http://www.ambito-juridico.com.br/> acesso em 22.02.2012.
4
Cf. CASTRO, Fabricio de FGV: populao considera Justia lenta, cara e parcial, Estado
02.08.2010, disponvel em http://www.estadao.com.br/noticias/geral,fgv-populacao-considera-justica-lentacara-e-parcial,589426,0.htm, acesso em 02.02.2012.
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Cf. PIOVESAN, Flvia - O direito internacional dos direitos humanos e a redefinio da cidadania no
Brasil, disponvel em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo3.htm, acesso em
28.08.2012.
6
Cf. TAVARES, Andr Ramos - Curso de Direito Constitucional, 4 edio, So Paulo: Editora Saraiva,
2006, p. 630.
7
Cf. NASCIMENTO, Meirilane Santana Acesso Justia: abismo, populao e Judicirio, in mbito
Jurdico, Rio Grande, XIII, n. 74, mar. 2010, disponvel em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7498, acesso em 18.09.2012.
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todos 8. Sendo assim, podemos entender que existe uma impossibilidade de satisfao de
todas as vontades das partes em conflito.
Podemos concluir que a pretenso da realizao da justia ainda uma busca
do equilbrio de interesses entre todas as partes que compem o quadro da lide. Apesar
disso, ressalte-se que no fcil atingir a satisfao de duas pessoas com interesses
distintos. Por isso, o que visa o direito o equilbrio e a eficincia na resoluo do conflito
e no a satisfao plena das partes.
No entanto, exige-se uma mudana cultural para a construo de uma
democracia com maior participao cidad na administrao da justia, alm da aceitao
do Estado em incentivar e promover, cada vez mais, os meios alternativos de resoluo de
conflitos, promovendo formas cleres, informais, econmicas e justas de realizao da
justia. Ocorre que tais problemticas so abordadas pela maior parte da doutrina como
crise no Judicirio brasileiro.
Para o Judicirio, ainda faltam meios materiais e condies tcnicas que torne
possvel a compreenso, em termos de racionalidade subjetiva, dos litgios inerentes a
contextos socioeconmicos cada vez mais complexos 9. Nessa lgica, os meios alternativos
de solues de controvrsias so, na atualidade, um caminho indispensvel na busca pela
simplificao da justia, desobstruindo os Tribunais e reduzindo o nmero de demandas.
A carncia no Judicirio tambm est relacionada crise do prprio Estado.
Diversas formas de ultrapassar esses obstculos foram buscadas na doutrina, tendo sido
apresentadas algumas das seguintes vantagens para os meios alternativos de resoluo de
disputas: custos baixos, celeridade, informalidade.
No obstante, os meios de resoluo de litgios extrajudiciais constituem um
meio alternativo para reduzir a carga de processos ajuizados cotidianamente. A conciliao,
a mediao e a arbitragem esto conquistando um lugar cada vez mais relevante, uma vez
que so procedimentos de natureza consensual que funcionam como alternativa, pois
envolvem a interveno de um terceiro neutro e imparcial face contenda, assim
orientadas por uma forma no jurisdicional de composio, superam o tradicional
monoplio Judicial.
Cf. KELSEN, Hans - O que justia?: a justia, o direito e a poltica no espelho da cincia. Traduo de
Lus Carlos Borges, 3 ed., So Paulo: Editora Martins Fontes, 2001, p.2. (What is justice?).
9
Cf. FARIA, Jos Eduardo A crise do Judicirio no Brasil: notas para a discusso. In: SARLET, Ingo
Wolgang. Jurisdio e direitos fundamentais. Anurio 2004/2005. Porto Alegre: Livraria do
Advogado/Ajuris: 2005, pp. 8-9.
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Cf. PEDROSO, Joo - O acesso ao direito e justia: um direito fundamental em questo. Coimbra:
Observatrio Permanente da Justia Portuguesa/Centro de Estudos Sociais, 2002, p. 75.
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extrajudicial, afinal, por mais bem preparados que sejam os mediadores, esta preparao
no voltada para a resoluo de casos complexos, uma vez que resolver litgios
complicados tornaria tambm justia alternativa um meio moroso.
Assim a mediao emerge no apenas como um mtodo alternativo de acesso
justia, mas como um instrumento eficaz de proteo de direitos fundamentais.
BIBLIOGRAFIA
CALGARO, Cleide A reforma do Poder Judicirio: chegada de um novo
direito. In Seminrio Virtual mbito Jurdico: Reforma do Judicirio, 23 a 25 de
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02.02.2012.
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In: SARLET, Ingo Wolgang. Jurisdio e direitos fundamentais. Anurio
2004/2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado/Ajuris: 2005.
KELSEN, Hans - O que justia?: a justia, o direito e a poltica no espelho da
cincia. Traduo de Lus Carlos Borges, 3 ed., So Paulo: Editora Martins Fontes,
2001. (What is justice?).
MARTINS, Janana - Pesquisa aponta insatisfao com Judicirio, Jornal Opo,
09.02.12
disponvel
em:
http://www.jornalopcao.com.br/posts/ultimas-
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cidadania
no
Brasil,
disponvel
em
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo3.htm>,
acesso em 28.08.2012.
TAVARES, Andr Ramos - Curso de Direito Constitucional, 4 edio, So Paulo:
Editora Saraiva, 2006.
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88
FLVIA DE VILA 1
[email protected]
Mestre em Direito e Relaes Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Doutora de Direito Pblico pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais (PUC/MG), pesquisadora
e professora do Ncleo de Relaes Internacionais da Universidade Federal de Sergipe. Email:
[email protected]
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Por fim, Maral (2010, p. 9) chama a ateno para a presena do ardiloso [...]
paternalismo
simbitico
entre
Estado
governados,
largamente
difundido
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foros nos quais estes documentos foram negociados (CANADO TRINDADE, 2000, p.
57).
Somente nos primrdios do processo de redemocratizao do Brasil, em 1985,
que o presidente Jos Sarney assumiu publicamente o compromisso de aderir a tratados
de Direitos Humanos, o que de fato comeou a se concretizar em 1998, como se ver mais
frente. Apesar disso, o texto constitucional de 1988 no disps diretamente sobre o
processo de aprovao de tratados desse tipo, portanto ficando considerado anlogo ao da
legislao ordinria e herdando, assim, todos os entraves burocrticos que tornaram o
processo legislativo bastante moroso no pas. No inicio dos anos 90, aps a mobilizao da
opinio pblica, o pas aderiu CADH e aos pactos internacionais de 1966, alm de outros
documentos internacionais importantes (CANADO TRINDADE, 2000, p. 57-72;
CARVALHO RAMOS, 2012, p. 203).
A nova ordem constitucional brasileira, apesar de no conter um artigo sobre a
hierarquia de tratados internacionais de Direitos Humanos, disps sobre uma clusula
aberta, pela qual os direitos dos cidados brasileiros no se esgotariam no texto da
constituio. No mbito formal, a CRFB/88 contm extenso rol de direitos e garantias
constitucionais, que abarca vrios artigos e numerosos incisos. Desde seu art. 1, a
cidadania e a dignidade da pessoa humana, dentre outros, so fundamentos do Estado
Democrtico de Direito. O contedo conceitual tanto de cidadania quanto de dignidade da
pessoa humana abrange, em tese, os preceitos jurdicos estipulados nos artigos posteriores,
a exemplo do art. 5, cujo caput e maioria dos incisos estipulam formas de exerccio da
cidadania e maneiras de desenvolvimento de linguagem, bem como prticas associadas
dignidade da pessoa humana. Contudo, enfatiza-se, a prpria CRFB/88, no seu art. 5, 2,
determina que os dispositivos expressos no diploma constitucional no esgotam os direitos
dos cidados brasileiros, que podem recorrer a tratados internacionais, dos quais o Brasil
faa parte, para integralizar tanto a linguagem quanto as prticas cidads do pas.
Este regime, chamado de paridade constitucional entre normas constitucionais
e tratados internacionais sobre os Direitos Humanos, no mbito material, tambm se
estende para o aspecto formal, em razo do art. 5, 3 da CRFB/88, acrescido ao texto
original pela Emenda Constitucional n 45, de 30 de dezembro de 2004, que assim dispe:
Os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos
respectivos membros, sero equivalentes s emendas constitucionais.
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dar
primazia
ao
tratado
internacional
quando
em
conflito
com
norma
Na ausncia de outro dispositivo constitucional especfico sobre a aprovao de tratados, aplica-se o art.
47, contido no ttulo IV, Da organizao dos poderes, do Cap. I, Do Poder Legislativo, da seo I, Do
Congresso Nacional, cuja redao a seguinte: Salvo disposio constitucional em contrrio, as
deliberaes de cada Casa e de suas Comisses sero tomadas por maioria dos votos, presente a maioria
absoluta de seus membros.
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dos critrios cronolgico (lex posterior derogat priori) e/ou de especialidade (lex specialis
derogat legigenerali) 3. Desta maneira, era possvel que ocorresse o chamado treaty
override, doutrina desenvolvida a partir do entendimento da Suprema Corte dos Estados
Unidos, nos anos 50 e 60 do sc. passado, a respeito da clusula de supremacia da
Constituio contida no art. 6, 2 do texto constitucional estadunidense 4.
Contudo, uma polmica se instaurou quando o Brasil aderiu CADH, em
1992, tambm denominada Pacto de San Jos da Costa Rica, tratamento mais usado pelo
STF. De acordo com o art. 7, 7 da CADH, a possibilidade de priso por dvida s
poderia ocorrer em razo de dbito alimentar, o que se confrontava frontalmente com o
disposto no inciso LXVII do art. 5, pelo qual a priso civil por dvida poderia ocorrer no
s devido a obrigaes alimentares, como tambm para quem se encontrasse na situao de
depositrio infiel. As decises do STF nestes casos foram taxativas, determinando que o
sistema constitucional brasileiro no admitisse que tratados internacionais tivessem
paridade constitucional, apesar de o constituinte originrio se ter expressado no sentido
oposto.
A deciso do Habeas Corpus 77.631-5, de 1988, em que estava em discusso o
mencionado art. 7, 7 do Pacto San Jose da Costa Rica face ao art. 5, inciso LXVII da
CRFB/88, que havia recepcionado o Decreto-lei n 911/69, este regulamentando a priso
civil por dvida de inadimplente alimentcio e devedor infiel, foi bastante questionada
poca em que foi proferida. A deciso final do caso, exarada em 1998, sentenciou que a
norma internacional estava prejudicada por se tratar de norma geral e hierarquicamente
3
O Recurso Extraordinrio n 80.004, de 1977, determinou que a Lei Uniforme de Genebra (LUG), que
entrou em vigor com o Decreto 57.663, de 1966, havia sido revogada por lei posterior, o Decreto-lei 427/69
exigia aval aposto na nota promissria, uma exigncia formal que no constava da LUG.
4
Antes da Primeira Guerra Mundial, os debates sobre a supremacia dos tratados, em relao
Constituio, eram frequentes no Congresso Norte-americano. A argumentao defendida pelos Estados da
federao norte-americana era a de que no cabia ao governo federal firmar tratados em relao a matrias
contidas na 10 Emenda Constituio, que estipula que os poderes governamentais no listados no texto
constitucional so poderes dos Estados da federao. No caso Missouri v. Holland (1920), que envolveu a
validade de um tratado entre Canad e Estados Unidos sobre a regulao da caa de aves migratrias, o
Estado de Missouri, local de maior concentrao destes animais, arguiu que o tratado feito pelo governo
federal havia invadido os poderes reservados aos Estados da federao pela 10 Emenda. Neste caso, o juiz
Oliver Wendell Holmes defendeu o posicionamento de que poderia haver situaes em que, no caso do
interesse nacional, atos do Congresso poderiam no ser aptos a lidar com tais questes, mas tratados seriam.
Holmes, portanto, sugeriu que as restries constitucionais ao treaty making power no seriam as mesmas
referentes separao de competncias entre os entes federados. Assim, os poderes dos Estados federais no
seriam uma limitao inerente ao poder de se firmar tratados. Esta polmica ressurgiu no caso Reid v. Covert
(1957), em que os dependentes civis de militares americanos no exterior tm direito a julgamento civil.
Nenhum tratado poderia conferir poderes ao Congresso ou a qualquer parte do governo fora dos limites da
Constituio. Este caso determinou a Supremacy Clause em relao aos efeitos dos tratados, comparados
normativa infraconstitucional interna (HALL, 2005, p. 1026-1027).
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pelo legislador para introduzir uma lei interpretativa, destinada a acabar com controvrsias
jurisprudenciais e doutrinrias sobre a aplicao do 2 do artigo 5.
Em 2008, o Recurso Extraordinrio 466.343/SP, relatado pelo ministro Cezar
Peluso e julgado em 3 de dezembro, determinou que o Pacto de San Jos da Costa Rica
tenha nvel hierrquico diferenciado em relao s leis ordinrias. A maioria dos ministros
do STF acompanhou o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que defendeu a teoria da
supralegalidade. Divergiu desta opinio o voto-vista do Min. Celso de Mello, que adotou a
paridade constitucional, baseado no art. 5, 2 da CRFB/88, acompanhado apenas pelos
ministros Cezar Peluso e Menezes Direito. Desta forma, a partir desse julgamento, foi
abandonado o posicionamento que igualava os tratados internacionais ao nvel da
legislao ordinria, mas conferido ranqueamento hierrquico aos tratados de Direitos
Humanos condizente com o texto constitucional brasileiro.
Neste caso, os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello apresentaram
interpretao sistemtica dos artigos 5, LXVII, 1, 2 e 3 da CRFB/88, bem como do
art. 7, 7 do Pacto de San Jose da Costa Rica, e do art. 11 do PIDCP, este que dispe
sobre a proibio da priso em razo de descumprimento contratual. Especificamente sobre
a alienao fiduciria, foi analisado o Decreto-Lei 911/69, que at ento regulamentava o
art. 5, inciso LXVII, que permitia a priso civil por dvida. Este tipo normativo previa a
equiparao do devedor-fiduciante ao depositrio infiel para fins de priso civil.
Para o relator, ministro Cezar Peluso, no era necessria a discusso sobre o
status normativo do Pacto de San Jose, pois a CRFB/88 somente teria excetuado a
proibio da priso civil por dvida do inadimplente de obrigao alimentar e de
depositrio infiel, no do alienante fiducirio. Por esta razo, a equiparao prevista no art.
4 do Decreto-Lei 911/69 a tornava inconstitucional, visto que o depositrio infiel no teria
prerrogativas prprias do direito de propriedade, pois o alienante continuaria sendo
proprietrio, embora limitado em seu domnio. Com base neste entendimento, e no
querendo se comprometer com o status dos tratados de Direitos Humanos no Brasil, o
ministro defendeu que o Decreto-Lei 911/69 seria inconstitucional. O ministro Joaquim
Barbosa, que acompanhou o voto do relator, utilizou dos mesmos argumentos,
acrescentando que, com o advento do Pacto de San Jos da Costa Rica, teria se tornado
ainda mais insustentvel a tese que acolhia a priso civil nos casos que envolvem alienao
fiduciria em garantia, com base na proibio taxativa do art. 7, 7, que contraria
frontalmente o Decreto-Lei de 1969.
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ao
patrimnio
comum
da
humanidade,
comunicao,
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80.004 SE, de 1977, que teve como relator o ministro Xavier de Albuquerque; e a
supralegalidade, constante nas Constituies da Alemanha (art. 25), Frana (art. 55) e
Grcia (art. 28).
Com base no princpio da supremacia formal e material da Constituio sobre
todo o ordenamento jurdico, a tese da supraconstitucionalidade seria invivel por no
permitir o controle de constitucionalidade de tratados internacionais, apesar de no conter
clusula constitucional expressa sobre o assunto. Esta no seria necessria, porque o art.
102 da Constituio j estipula o controle de constitucionalidade de tratados internacionais.
O ministro Gilmar Mendes tambm citou o RHC 79.785/RJ, relatado pelo ministro
Seplveda Pertence no recurso de Habeas Corpus 79.785/RJ, decidindo que os
representantes brasileiros deveriam sempre observar a Constituio, de forma que os
tratados e convenes fossem celebrados em consonncia com o procedimento formal,
bem como respeitassem as limitaes materiais impostas pela Constituio brasileira,
especialmente quando se trata de direitos e garantias fundamentais.
No entender do ministro Gilmar Mendes, a ampliao inadequada do contedo
material, relativo aos Direitos Humanos, poderia ser perniciosa para o sistema jurdico
brasileiro, pois permitiria produo normativa alheia ao controle de sua compatibilidade
com a ordem constitucional interna e inviabilizaria o controle de sua constitucionalidade
pelo STF. Os tratados deveriam ser considerados como princpios interpretativos no
sentido de conduzirem os julgados a aplicarem a norma mais favorvel vtima, titular do
direito. Deste modo, tanto o Direito Interno quanto o Direito Internacional estariam
interagindo para a realizao de propsito convergente e comum em relao proteo dos
direitos e interesses humanos.
No que diz respeito paridade legal, o ministro Gilmar Mendes se pronunciou
no sentido de afirmar que a mudana constitucional de 2004 foi responsvel por evidenciar
o apego que existia no Brasil a uma tese que no mais prevalece na maioria dos pases e
que desrespeita o art. 5, 2 da CRFB/88. Alm do mais, o fato de o art. 27 da Conveno
de Viena, sobre Direito dos Tratados, impedir que os Estados invoquem disposies de seu
direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado, tornaria incua a teoria da
paridade legal. Em relao paridade constitucional, o ministro Gilmar Mendes considera
esta teoria como fonte de insegurana jurdica, no Brasil, pois, como h polmica sobre a
distino
do
contedo
material
referente
Direitos
Humanos,
bloco
de
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O art. 26 da Conveno de Viena, sobre Direito dos Tratado, assim redigido: Pacta sunt servanda.
Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa f.
7
Segundo o art. 47 da Conveno de Viena, sobre Direito dos Tratados, Restries Especficas ao Poder
de Manifestar o Consentimento de um Estado. Se o poder conferido a um representante de manifestar o
consentimento de um Estado em obrigar-se por um determinado tratado tiver sido objeto de restrio
especfica, o fato de o representante no respeitar a restrio no pode ser invocado como invalidando o
consentimento expresso, a no ser que a restrio tenha sido notificada aos outros Estados negociadores antes
da manifestao do consentimento.
8
Contudo, apesar de o ministro no ter se referido no seu voto, a prpria Conveno de Viena sobre o
Direito dos Tratados de 1969, que positivou os dispositivos sobre o treaty making power advindos do
costume internacional, estabelece, segundo seu art. 27, que uma das partes no tratado no pode invocar [...]
as disposies de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra, tambm
contida no art. 46 do mesmo dispositivo legal, determina que disposies sobre o Direito Interno dos Estados
sobre sua diviso de competncias, via de regra, no podem ser invocadas para descumprimento de um
tratado internacional, a no ser que esta violao dissesse respeito a uma norma de importncia fundamental.
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BIBLIOGRAFIA
CANADO TRINDADE, A. A. A proteo internacional dos direitos humanos:
fundamentos jurdicos e instrumentos bsicos. So Paulo: Saraiva, 1991.
Segundo interpretao de Macedo (MACEDO, 2011, p. 195), tal disposio no interessa hierarquia que
um tratado poder ter internamente, mas a seu cumprimento. Macedo (p. 197) ainda assegura que a exceo
do art. 46 no propriamente exceo, mas a nulidade que pode ocorrer em virtude de um consentimento
eivado de vcio, denominada ratificao imperfeita.
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que requer inteligncia para superar os efeitos perversos, que vo desde a destruio da
Natureza at ao agravamento da pobreza; que h um enorme abismo entre os pases ricos e
os pobres.
Hoje, a relevncia do ambiente tornou-se quase obrigatria ou recorrente em
quase todos os novos textos constitucionais. Esta universalizao no significa, s por si,
que a efectividade das normas se mostre muito forte ou idntica por toda a parte e sero
muito poucos os Estados que podero arrogar-se a qualidade de Estados Ambientais.
Enquanto reconduzveis a direitos, liberdades e garantias ou a direitos de
natureza anloga, os direitos atinentes ao ambiente so direitos de autonomia ou de defesa
das pessoas perante os poderes pblicos e sociais. Vinculam as entidades pblicas e
privadas.
Eles tm por contrapartida o respeito, a absteno, o non facere. O seu
objectivo a conservao do ambiente e consiste na pretenso de cada pessoa a no ter
afectado hoje o ambiente em que vive.
Como consequncia da considerao do ambiente enquanto bem jurdico
autnomo, resulta que determinados componentes ambientais outrora passveis de ser
utilizados por todos sem obedincia a quaisquer regras ou limites, so agora bens
juridicamente protegidos, os quais, so alvo de uma tutela jurdica que visa tornar a sua
utilizao e o seu aproveitamento mais racionais e equilibrados.
O ambiente deve ser tambm assumido como direito subjectivo de todo e
qualquer cidado individualmente considerado, pois apesar de ser um bem social unitrio,
dotado de uma indiscutvel dimenso pessoal.
H uma srie de ordens jurdicas nas quais o ambiente foi j reconhecido e
protegido como direito fundamental individual com suficiente dignidade para ser tutelado
pela prpria Constituio. Boa parte dos atentados ambientais nos nossos dias da
responsabilidade da Administrao Pblica pelo que em Portugal, tambm os indivduos
devem ter a possibilidade de accionar os mecanismos da responsabilidade por danos ao
ambiente e de serem titulares do respectivo direito de indemnizao em vez de se atribuir
s autoridades pblicas o monoplio do respectivo direito de indemnizao, o que deixaria
impunes muitos atentados ao ambiente causados pela prpria Administrao Pblica.
Torna-se necessrio consagrar ao lado da legitimidade do Estado e demais
entes da administrao, a possibilidade de os cidados, individualmente considerados ou
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associados, serem tambm titulares do direito de aco e indemnizao por danos causados
ao ambiente.
O nico modelo para as sociedades humanas se relacionarem duradouramente
com os ecossistemas no o da dominao, mas sim o da habitao. falsa a questo da
atribuio de direitos natureza. No podemos distribuir direitos a quem no os pode
exercer no nosso sistema jurdico. Na nossa condio de humanos, a nica coisa que
podemos realmente fazer no dar direitos natureza, mas sim impor deveres ao nosso
relacionamento com ela.
Compete ao direito construir um sistema humano adaptado complexidade da
realidade ambiental, conciliando interesses que so aparentemente incompatveis. No plano
inter-estadual global, a presuno da inesgotabilidade dos recursos naturais condiciona o
entendimento de que os elementos naturais so encarados como res comunis (coisa comum
ou domnio comum), ficando sujeitas ao princpio da liberdade de utilizao, uma vez que,
sendo infinitos, o seu uso ilimitado no poderia constituir qualquer tipo de problema.
Assim, dispensa-se qualquer tipo de gesto comum que organize os vrios usos privados.
O facto de o simples uso de qualquer tipo de dano provocado num bem
ambiental se repercutir de forma duradoura e cumulativa ao nvel global, abala toda a
estrutura do edifcio jurdico inter-estadual clssico.
Todos os documentos que conduziram ao conceito patrimnio comum da
humanidade esbarram num problema jurdico de base do direito internacional: ser de
todos, sem haver gesto do que comum, ser de ningum. O ambiente ajuda a cristalizar
a noo de que a humanidade tem um futuro comum.
O aquecimento global veio acabar com as fronteiras tradicionais da soberania
dos estados e justificar a afirmao de que desde o seu nascimento, o Direito do Ambiente
proclamou a sua vocao Universal, um direito aptrida por necessidade. Uma vez que o
ambiente consta da categoria de bens comuns, deve ser mencionada a norma que probe
actos de poluio sobre os trs espaos comuns ou qualquer acto de poluio de relevncia
internacional, isto , cujos efeitos se verifiquem em relao a uma generalidade de Estados.
Trata-se de uma norma costumeira mas que impe obrigaes erga omnes imediatas, dado
que um acto desta natureza provoca sempre um prejuzo directo em todos os estados, visto
que o ambiente um bem comum.
Qual o problema jurdico de base que continua por resolver? um problema de
gesto, coordenao e conciliao de domnios humanos, exercidos sobre um bem
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materialmente indivisvel e que requer uma gesto comum. O problema jurdico ambiental
um problema de conciliao das necessrias divises estaduais sobre um bem
materialmente indivisvel.
Os direitos nacionais aproveitaro as normas e os padres universais que
melhoraro os sistemas internos. No h outro campo do direito internacional que tenha
conhecido uma evoluo to rpida, com mutaes to profundas, quanto o direito
internacional ambiental. Mas o problema continua por resolver: o interesse individual dos
estados tem prevalecido sobre os interesses pblicos colectivos.
A questo de base parece-se a mesma que se colocou aos edifcios em
condomnio: a conjugao de interesses privados com a manuteno de interesses comuns,
os quais se exercem sobre um mesmo objecto materialmente indiviso. Tal como num
condomnio, tambm no planeta o interesse particular de cada um dos estados s poder
ser plenamente realizado se os interesses comuns estiverem salvaguardados e, os interesses
comuns s podero ser realizados se o interesse particular de cada um estiver garantido.
Nenhuma soberania subsiste por si s, e todas dependem do mesmo edifcio
planeta onde essas soberanias se exercem. Exige-se uma interaco comportamental entre
todas as soberanias do planeta, colocando todos numa mtua dependncia relativa
salubridade do edifcio comum. Em matria de interesses comuns, o no acatamento de
uma regra implica a violao de um direito individual comum a todos os outros estados.
A impossibilidade de diviso ou apropriao dessas partes, que circulam a nvel
planetrio, que implica que o exerccio de soberania sobre elas seja comum ou partilhado.
Este facto coloca todos os Estados na condio de serem simultaneamente soberanos dos
seus territrios e comproprietrios das partes comuns do planeta.
A afirmao de que determinados elementos do planeta devero ser
considerados como parte comum e como tal requerem uma administrao comum, ter de
ser aceite por todos como tal, carecendo de instituies sociais ou de uma organizao
social que os reconhea e legitime dentro da ordem da comunidade internacional.
Da manuteno e gesto das partes comuns depender a possibilidade de
manuteno da vida na terra. Uma sociedade constituda no s por aqueles membros que
esto vivos, como por todos os seus antecessores e sucessores. O propsito das sociedades
humanas realiza-se no bem-estar e prosperidade de todas as geraes.
No lcito que cada povo, na busca de melhores condies de vida para cada
um dos seus membros actuais e futuros, o faa de forma a comprometer o uso futuro das
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MAGALHES, Paulo. O condomnio da Terra: das alteraes climticas a uma nova concepo
jurdica do Planeta, Coimbra: Almedina, 2007, p.141
8
MAGALHES, Paulo. O condomnio da Terra2007.
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BIBLIOGRAFIA:
AMARAL, Augusto Ferreira do, A Jurisprudncia Portuguesa no Domnio do
Direito do Ambiente, in Diogo Freitas do Amaral (coord.) Direito do Ambiente,
Lisboa: INA, 1994.
ANTUNES, Lus Filipe Colao, Colocao Institucional, Tutela Jurisdicional dos
Interesses Difusos e Aco Popular e de Massas, Textos Ambiente e Consumo.
Centro de Estudos Judicirios, Coimbra: Coimbra Editora, 1994.
ANTUNES, P.Santos. Economia Ecolgica, Cadernos de Ecologia, Lisboa, 1999.
ARAGO, Maria Alexandra. O Princpio do Poluidor Pagador, Pedra Angular do
Direito Comunitrio do Ambiente, Coleco Studia Iuridica, n.24, Coimbra:
Coimbra Editora, 1997
BOFF, Leonardo. Saber cuidar, tica do Humano.
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ARTIGOS DE REVISTAS:
ANTUNES, Lus Filipe Colao. Para uma Noo Jurdica de Ambiente, Scientia
Iuridica, Tomo XLI (n. 235/237), Universidade do Minho, Braga, pp.77-94, JanJun. 1992.
CASTRO, Paulo Canelas de. Mutaes e constncias do Direito Internacional do
Ambiente, Revista Jurdica do Urbanismo e Ambiente. Coimbra, pp. 145-186,
1994.
MARTINS, A., Desafios do Ambiente, Jornal de Notcias, 2 de Maio de 2007.
MARTIN, Gilles, Direito do Ambiente e Danos Ecolgicos, in: Revista Crtica
de Cincias Sociais, v. 3, n.31, Maro, pp. 115-142, 1990.
MENDES, Paulo de Sousa, Vale a pena o direito penal do ambiente?, in: Revista
de Cincia e Cultura da Universidade Lusada do Porto, Porto, Novembro, 1995.
RAMOS, Jos. A Relao do Homem com a Natureza, in: Boletim Filosfico da
Nova Acrpole, n.7 pp. 12-14, Dezembro de 2011.
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JEISON B. DE ALMEIDA 1
[email protected]
RESUMO
INTRODUO
Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade do Minho, Portugal, com perodo de estudos
Erasmus no Mster de Estdios Internacionales na Universidade de Santiago de Compostela, Espanha.
Licenciado em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil. Advogado e professor
universitrio. Contato: [email protected]
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Aduz o cnsul argentino que: La institucin consular tiene sus orgenes remotos en los sentimientos de
bondad, de conmiseracin, por las desgracias de los desamparados y los dbiles, que se manifestaron en todas
las pocas y hasta en los pueblos ms crueles. Es hija, como he dicho, de los sentimientos humanos ms
nobles: la proteccin al desdichado y la hospitalidad. CANDIOTI, Alberto M. Historia de la institucin
consular en la Antigedad y en la Edad Media. Buenos Aires: Editora Internacional, 1925, p. 8.
3
Even in the ancient days of slavery, trade relations between different peoples gave rise to institutions
which may be considered as the forerunners of modern consulates. The merchants of those days went after
trade in foreign countries which often were very far away and had very different laws and customs; hence
their desire to have their disputes settled by judges of their own choice administering their own national
laws. ZOUREK, Jaroslav. Consular Intercourse and Immunities. Yearbook of the international law
commission, New York, vol. II, 1957, p. 73. No mesmo sentido, para Antokoletz, a instituio consular
destinada a proteger o comrcio e os interesses dos nacionais tambm tem origem na Antiguidade,
especificamente, o autor cita a proteo dada aos estrangeiros na ndia e Egito. Cf. ANTOKOLETZ, Daniel.
Manual diplomtico y consular: para uso de los aspirantes y funcionarios de ambas carreras. Tomo II.
Buenos Aires: La Facultad, 1928, p. 12.
4
Cf. SORENSEN, Max. Manual de Derecho Internacional Pblico. Trad.: Dotacin Carnegie para la Paz
Internacional. Mxico, D.F.: Fondo de Cultura Econmica, 1973, p. 404.
5
Cf. KOROVIN, Y. A. (dir.). Derecho Internacional Publico. Versin espaola de Juan Villalba. Mxico,
D.F.: Editorial Grijalbo, 1963, p. 312.
6
Para a autora portuguesa, a instituio consular remonta aos proxenes da Grcia antiga. MARTINS,
Margarida Salema DOliveira. Direito Diplomtico e Consular. Lisboa: Universidade Lusada Editora, 2011,
p. 121. (Aspas no Original).
7
Cf. BRITO, Wladimir. Direito Consular. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 16.
8
Cf. RIVIER, Alphonse. Prncipes du Droit des Gens. Vol. II. Paris: Arthur Rousseau, 1896, p. 522.
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Cf. TORROBA SACRISTAN, Jos. Derecho Consular: Gua Prctica de los Consulados de Espaa.
Madrid: Ministrio de Asuntos Exteriores, 1993, p. 03. Com o mesmo raciocnio segue Maresca: No
obstante las innegables analogas, la figura jurdica del proxene no puede exactamente configurarse como un
anticipo de la del Cnsul moderno, no slo por la variedad de las funciones extraconsulares que
correspondan al proxene, sino especialmente, y sobre todo si se cuenta que aunque su misin era la de
mantener relaciones continuas con los nacionales de un Estado extranjero y con los rganos de dicho Estado,
no tena al menos normalmente relaciones directas con el mismo Estado y, en cualquier caso, no se
converta en rgano del mismo en el sentido moderno del trmino. MARESCA, Adolfo. Las relaciones
consulares. Traduccin: Hermino Morales Fernandez. Madrid: Aguilar, 1974, p. 14.
10
Cf. SATOW, Sir Ernest. Satows diplomatic practice. Edited by: Sir Ivor Roberts. Sixth Edition.
Oxford: Oxford University Press, 2009, pp. 249-250; SEN, B. A diplomats handbook of international law
and practice. 3rd ed. Dordrecht: Martinius Nijhoff, 1988, pp. 243-245.
11
Cf. ANZILOTTI, Dionsio. Curso de Derecho Internacional. Primera edicin. Trad.: Jlio Lopez
Olivan. Tomo I. Madrid: Editorial Reus, 1935, p. 242.
12
CONTUZZI, F. P. Trattato teorico-pratico di diritto consolare e diplomatico, apud VILARIOS
PINTOS, Eduardo. La institucin consular: debate conceptual abierto. In: Pensamiento jurdico y sociedad
internacional Estudios en Honor del Profesor D. Antonio Truyol y Serra. Vol. II. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1986, p. 1229.
13
Cf. CAVAR, Louis. Le Droit International Public Positif. Tome II. Troisime dition. Paris: Editions
A. Pedone, 1969, p. 39.
14
Cf. ROUSSEAU, Charles. Derecho Internacional Pblico. Tercera Edicin. Barcelona: Ediciones
Ariel, 1966, p. 345.
15
Cf. COLLIARD, Claude-Albert. Instituciones de relaciones internacionales. Trad.: Pauline Forcella de
Segovia. Madrid: Fondo de Cultura Econmica, 1977, p. 245.
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Cf. COSTA, D. Luiz Carlos da. A instituio consular. Rio de Janeiro: Companhia Nacional Editora,
1889, p. 3.
17
Cf. CANDIOTI, Alberto M. Op. cit., pp. 14-15.
18
D'une faon gnrale, il n'y a aucune ambigut sur ce que les anciens entendaient par l'expression de
mtque. On sait que ce nom s'appliquait, dans les cits grecques, toute une catgorie d'trangers vivant,
dans chaque cit, ct des citoyens. Cf. CLERC, Michel Armand Edgar Anatole. Les Mtques athniens.
Reprint Edition. [s.l.]: Arno Press, 1979, p. 09.
19
BRITO, Wladimir. Direito Consular. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 16.
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proxenes tendem a desaparecer e a dar lugar ao patronato romano. O Patronus, que era um
magistrado, tinha a funo de proteger os estrangeiros sine civitate, atravs de um contrato,
que tinha por efeito estabelecer obrigaes bilaterais permanentes de dependncia e tutela.
Avanando para o segundo perodo de anlise histrica da instituio consular,
e seguindo as diretrizes de Ferreira 20 e Zourek 21, distinguimos a existncia de trs fases,
que demonstram a evoluo que vai caracterizar o cnsul moderno. A primeira fase a do
cnsul juiz e eleito (sculo XI a incios do sculo XIV). Nesta fase, em que subsistia o
princpio germnico da personalidade do direito, as organizaes comerciais que detinha
um alto grau de autonomia, nomeavam juzes para dirimir os conflitos dos mercadores,
independentemente da legislao do local aonde se encontravam. Esses juzes eram
denominados de cnsul-mercadores, juiz-cnsul ou cnsul do mar. Esses agentes
consulares eram, em geral, nomeados pela comunidade de mercadores no pas estrangeiro,
em outras palavras, o surgimento do consul electi. Ainda na Idade Mdia, pode-se citar o
surgimento de alguns cdigos martimos que continham as competncias dos cnsules,
destacam-se: a Tbua de Amalfi (sculo XI); as Regras de Olron (sculo XII).
A segunda fase corresponde ao do cnsul representativo do Estado e enviado
ao estrangeiro consul missus (sculo XIV at finais do sculo XVIII). Com a nova
estrutura poltica e econmica surgida com o fim da Idade Mdia e o movimento
renascentista, a figura do cnsul passa a ter uma nova configurao. De efeito, os cnsules
deixam de ser representantes das corporaes de mercadores sediados em cidades
estrangeiras, para serem representantes dos respectivos Estados, ou seja, passam a ser um
enviado oficial do seu Estado no estrangeiro, para representar os interesses dos seus
conacionais e do seu governo. O cnsul, nesta fase, passa a ser visto como um funcionrio
administrativo, e perde seu poder jurisdicional, principalmente, em virtude do surgimento
do princpio da territorialidade do Direito.
Por ltimo, a terceira fase do cnsul protetor dos interesses do comercio e
navegao do seu Estado e da proteo dos seus conacionais (a partir do sculo XVIII).
Com a intensificao no sculo XVI e XVII do estabelecimento de Misses diplomticas
permanentes, o cnsul que por um tempo chegou a gozar do status diplomtico
imunidades, privilgios e facilidades , vai perd-lo e deixar de ser representante do
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Soberano e do Estado 22, para assumir a configurao que a actual, qual seja a de uma
instituio vocacionada para a defesa dos interesses comerciais, industriais e de navegao
do seu respectivo Estado e dos seus nacionais 23.
Nesta fase final de desenvolvimento da instituio consular, surgiram algumas
manifestaes internacionais de regulamentao da atividade consular, tais como o Tratado
de Cobden em 1960, entre Frana e Inglaterra, a Conveno sobre Agentes Consulares,
concluda em 1928 em Havana e a Conveno Europeia sobre as Funes Consulares
concluda em 1967, sobre os auspcios do Conselho da Europa 24.
Aps todo esse percurso histrico, a partir de 1949 a Comisso de Direito
Internacional se engajou no estudo e na elaborao de uma conveno de mbito universal
que regulasse as diferentes matrias do Direito Consular. Em 1955 foi nomeado como
Relator Especial o professor Zourek, cujo primeiro relatrio foi apresentado em 1957 25 e o
segundo em 1960 26. O projeto de artigos foi apresentado pela Comisso de Direito
Internacional Assembleia Geral das Naes Unidas, que decidiu, pela Resoluo 1685
(XVI), de 18 de dezembro, convocar uma conferncia internacional de plenipotencirios.
A Conferncia de Viena sobre as Relaes Consulares reuniu-se, entre 04 de
maro e 22 de abril de 1963 e no dia 24 do mesmo ms, foi assinada a Ata Final da
Conferncia, tendo a Conveno de Viena sobre as Relaes Consulares entrado em vigor
em 18 de maro de 1967. Aps sua entrada em vigor, o estatuto codificador do Direito
Consular vai perder sua caracterstica eminentemente interestatal, e passar a orbitar na
influncia gravitacional do Direito Internacional dos Direitos Humanos e experimentar o
processo de humanizao de suas normas, principalmente atravs das contribuies
22
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jurisprudenciais surgidas a partir da ltima dcada do sculo XX, que sero mais bem
estudadas no cap. III, deste estudo.
Embora alguns autores possam encontrar nos tratados de paz de Westflia, uns
dos precedentes histricos mais remotos do Direito Internacional dos Direitos Humanos 27,
certo que, as regras de Direito Humanitrio e o labor desenvolvido pela Sociedade das
Naes 28 e Organizao Internacional do Trabalho OIT (no perodo entre-guerras)
situam-se como os precedentes histricos mais concretos deste processo de
internacionalizao dos diretos humanos, ou, em outras palavras, de humanizao do
Direito Internacional Pblico 29.
Um dos principais idealizadores da Declarao Universal de Direitos Humanos
de 1948, Ren Cassin aduz um episdio que bem interpreta o estgio de proteo do
indivduo pelo Direito Internacional Pblico, no perodo entre-guerras. Segundo o autor, no
ano de 1933, frente a queixa da Polnia pela violao de um tratado de proteo de
minorias em Alta Silesia, Sociedade das Naes, o enviado de Hitler para deliberar na
assembleia daquela organizao, cujo volume de um revolver se notava em seu bolso, no
furor da discusso, disse: ustedes Sociedad de Naciones, no tienen por qu saber lo que
nosotros hacemos com nuestros socialistas, com nuestros pacifistas, con nuestros judos.
Nosotros somos libres de tratarlos como queramos. Todo eso no debe importales 30.
No obstante o valor histrico dos precedentes do entre-guerras, Ren Cassin
leciona que a verdadeira cruzada pelos direitos humanos, ocorreu na Segunda Guerra
Mundial 31. Neste desiderato, o genocdio realizado pela Alemanha nazista de Hitler, foi um
dos eventos histricos com maior poder de catalisao para a humanizao do DIP,
27
MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Pblico. 6. ed. So Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012, p. 830.
28
A pesar de que el Pacto de la Sociedad de Naciones no menciona ni una sola vez de manera explicita
los derechos humanos. GMEZ ISA, Felipe; ORA, Jaime. La Declaracin Universal de Derechos
Humanos. Bilbao: Universidad Desto, 2008, p. 22.
29
Cf. PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5. Ed. So Paulo:
Max Limonad, 2002, p. 125.
30
CASSIN, Ren. El problema de la realizacin efectiva de los Derechos Humanos en la sociedad
universal. In: Veinte aos de evolucin de los Derechos Humanos. Mxico, D.F.: Universidad Nacional
Autnoma de Mxico, 1980, p. 391.
31
CASSIN, Ren. Op. cit. p. 392.
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125
gerando intensa mobilizao da sociedade civil para a elaborao de uma bill of rights a
nvel internacional. Segundo Morsink, a partir do ano de 1940 a presso da sociedade civil
sobre as instituies estatais para a proteo internacional dos direito humanos se
acentuou, especialmente no ano de 1943, tendo como exemplo, o Pattener for Peace,
elaborado e distribudo em conjunto por judeus, protestantes e catlicos 32.
No entanto, a manifestao que contribuiu mais significantemente com esse
processo de tomada de conscincia para a internacionalizao dos direitos humanos,
durante a 2. G.M., foi o discurso do ento Presidente dos Estados Unidos da Amrica
EUA, Franklin Delano Roosevelt, ao Congresso estadunidense, em 6 de janeiro de 1951,
no qual expressa quais so as quatro liberdades fundamentais que deveriam ser garantidas
a todos seres humanos, que so: a liberdade de palavra e pensamento; liberdade diante da
necessidade; liberdade de religio; e liberdade diante do medo 33.
Com o fim da 2. G.M. e a criao da Organizao das Naes Unidas ONU,
que o DIP vai evoluir substancialmente. O ente humano, que outrora era considerado
como simples objeto do DIP, vai ganhar um novo estatuto e passar a ser sujeito de direitos,
merecendo, inclusive, proteo normativa na Carta de So Francisco. Apesar do avano da
Carta de So Francisco, o seu texto final ficou aqum do pretendido pelo ativismo
desempenhado pelas naes latino-americanas e ONGs que faziam parte da delegao
estadunidense, que almejavam, no incio, que houvesse um Bill of Rights na Carta.
Deste modo, , pois, com a criao da ONU, atravs da Carta de So Francisco,
que se d incio a humanizao do Direito Internacional Pblico, a romper com o conceito
de soberania estatal absoluta do Estado e expandir o rol de sujeitos do ius gentium clssico.
A referida Carta, em que pese no ter em seu bojo uma declarao de direitos humanos,
no se calou totalmente quanto a este assunto, pois, em seu artigo 68, conferiu ao seu
Conselho Econmico e Social, a tarefa de criar uma comisso de direitos humanos.
Neste contexto, criada a Comisso de Direitos Humanos, em fevereiro de 1946,
esta ficou encarregada de elaborar uma carta de direitos humanos. A tarefa designada, no
entanto, no seria das mais fceis. Em virtude do recente processo de humanizao do DIP,
a Comisso, inteligentemente, como afirma Gmez Isa e Felipe Ora, decidiu trabalhar, em
primeiro lugar, numa declarao de direitos, para, posteriormente sua aprovao, iniciar o
32
Cf. MORSINK, Johannes. The Universal Declaration of Human Rights: origins, drafting and intent.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1999, pp. 1-4.
33
MORSINK, Johannes. Op. cit. pp. 2-4.
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labor de confeco de um tratado internacional que regulasse a matria com maior fora
normativa 34.
Deste modo, o fruto do primeiro labor desenvolvido pela Comisso de Direitos
Humanos, foi a elaborao da Declarao Universal de Direitos Humanos - DUDH, o
primeiro instrumento jurdico internacional, de carter geral, proclamado por uma
organizao de vocao universal ONU. Em que pese o rduo trabalho desenvolvido pela
Comisso de Direitos Humanos e seu Comit de Redao, em articular a disputa ideolgica
em um mundo polarizado entre socialistas e capitalistas, certo que a Declarao
Universal foi uma conquista da humanidade 35.
Com a aprovao da Declarao Universal de Direitos Humanos, a sociedade
internacional vai passar (e est passando) por um gradual processo de humanizao do
Direito Internacional. Deste modo, a partir da DUDH, outros tratados internacionais foram
aprovados no mbito da ONU. Fala-se do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos
e do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966,
alm de outros tratados que visam proteger determinado grupo social, e.g., Conveno
Internacional sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial (1968);
Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a mulher
(1979); Conveno sobre os Direitos das Crianas (1989), etc.
Neste processo de internacionalizao dos diretos humanos, no se pode
olvidar do labor realizado pelas organizaes internacionais de carter regional, ao criarem
tratados e tribunais vocacionados para a proteo internacional destes direitos.
Neste contexto, evidencia-se o Conselho da Europa, cujo Estados-membros
assinaram no dia 4 de novembro de 1950 a Conveno Europeia para Proteo dos Direitos
Humanos e das Liberdades Fundamentais CEDH. Merrills leciona que o objetivo da
CEDH era estabelecer as fundaes para a nova Europa que esperavam construir sobre as
runas de um continente devastado por uma guerra fratricida de incomparvel
34
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128
TRINDADE, Antnio Augusto Canado. The humanization of Consular Law: the impact of advisory
opinion No. 16 (1999) of the Inter-American Court of Human Rights on International Case-law and Practice.
Chinese Journal of International Law. (2007), Vol. 6, No. 1, p. 2.
38
Cf. TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Op. ci., p. 2.
39
Um exemplo deste reconhecimento da centralidade dos diretos humanos na anlise do DIP, est no voto
dissidente do Juiz da Corte Internacional de Justia, Canado Trindade, no julgamento da ao envolvendo a
imunidade de jurisdio dos Estados. Cf. INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Jurisdictional
immunities of the State (Germany v. Italy: Greece intervening). Dissenting Opinion of Judge Canado
Trindade, (3 February 2012).
40
UNITED NATIONS. Conference on consular relations. Official Records. Vol. I, Summary records of
plenary meetings and of the meetings of the First and Second Committees. New York: United Nations, 1963.
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129
41
Cf. UNITED NATIONS. Conference on consular relations. Op. cit., pp. 40, 47, 219.
Cf. INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. United States diplomatic and consular staff in Tehran
(United States of America v. Iran). Memorial of the Government of the United States of America, (12 January
1980).
42
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130
Os Estados que assinaram o Protocolo Facultativo da Conveno de Viena sobre Relaes Consulares,
para a Resoluo Obrigatria de Divergncias se submetem competncia do TIJ.
44
Cf. SANCHEZ RODRIGUEZ, Luis Ignacio. Sobre la obligatoriedad y efectividad de las medidas
provisionales adoptadas por la Corte Internacional de Justicia: a proposito de la demanda de la Republica de
Paraguay contra los Estados Unidos en el asunto Breard. Anuario Hispano-Luso-Americano de Derecho
Internacional, Madrid, vol. 14, 1999.
45
Cf. POZO SERRANO, Pilar. La sentencia de la Corte Internacional de Justicia en el asunto LaGrand.
Anuario de Derecho Internacional, Pamplona, vol. XVII, 2001.
46
Cf. TORRES CAZORLA. Maria Isabel. Tribunal Internacional de Justicia. Asunto Avena y otros
nacionales Mexicanos (Mxico c. Estados Unidos de Amrica) Medidas Provisionales: Providencia de 5 de
Febrero de 2003. REDI, Madrid, vol. LV, n. 1, 2004, p. 493.
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131
47
TINTA, Monica Feria. Due process and the Right to Life in the context of the Vienna Convention of
Consular Relations: Arguing the LaGrand Case. European Journal of International Law, vol. 12, n. 2, 2001,
pp. 363-364.
48
Cf. ABALDE CANTERO, scar. El desarrollo progresivo del Derecho Internacional a la luz de las
decisiones de la Corte Internacional de Justicia en torno a la aplicacin del Convenio de Viena sobre
Relaciones Consulares. Algunas luces y no pocas Sombras. In: SOROETA LICERAS, Juan (ed.). La eficacia
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos: cursos de Derechos Humanos de Donostia-San
Sebastin. Vol. XI. Bilbao: Universidad del Pas Vasco, 2011, pp. 52-59.
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Por exemplo, El Salvador assim se manifestou em suas observaes: las garantas mnimas necesarias
en materia penal deben aplicarse e interpretarse a la luz de los derechos que confiere a los individuos el
artculo 36 de la Convencin de Viena sobre Relaciones Consulares, por lo que la omisin de informar al
detenido sobre estos derechos constituye una falta a todas las reglas del debido proceso, por no respetar las
garantas judiciales conforme al derecho internacional; el incumplimiento del artculo 36 de la Convencin de
Viena sobre Relaciones Consulares conduce a la prctica de ejecuciones arbitrarias [] y, es necesario
asegurar, fortalecer e impulsar la aplicacin de las normas y principios de los instrumentos internacionales,
en materia de derechos humanos y asegurar el cumplimiento de las garantas mnimas necesarias para el
debido proceso. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Opinio Consultiva OC16/99, Solicitada pelos Estados Unidos Mexicanos em 01 de outubro de 1999. San Jos, 1999. p. 12.
50
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Voto concurrente del Juez A.A. Canado
Trindade. Opinio Consultiva OC-16/99, Solicitada pelos Estados Unidos Mexicanos em 01 de outubro de
1999. San Jos, 1999, par. 1.
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CONSIDERAES FINAIS
certo que aps o conturbado perodo das grandes guerras do sculo XX, a
humanidade ansiava que a sociedade internacional buscasse proteger o ente humano, para
alm da soberania do Estado. Com o fim da 2. G.M. e a criao da ONU deu-se o primeiro
passo concreto para a proteo internacional dos direitos humanos. Posteriormente, com o
advento da Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os sucessivos tratados
de proteo dos direitos humanos no sistema universal e nos sistemas regionais de proteo
sistema europeu, americano e africano , o Direito Internacional Pblico vai passar por
um processo designado como a sua Humanizao, dizer, o ser humano e seus direitos
internacionalmente reconhecidos passam a ter papel central e o DIP deve ser interpretado
conforme estes preceitos.
Com fora salientado nas linhas acima, o Direito Consular no poderia ficar
margem deste processo de humanizao. Neste contexto, a interpretao do art. 36 da
Conveno de Viena sobre Relaes Consulares de 1963 pelos tribunais internacionais,
especificamente, o Tribunal Internacional de Justia e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, tiveram um papel fundamental para a humanizao do Direito Consular.
Alm da contribuio dos tribunais internacionais, os prprios Estados que de
certa forma estiveram envolvidos com processo de interpretao do Direito Consular, seja
na qualidade de demandantes ou de observadores, pugnavam pelo reconhecimento de que
51
52
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134
BIBLIOGRAFIA
ABALDE CANTERO, scar. El desarrollo progresivo del Derecho Internacional a
la luz de las decisiones de la Corte Internacional de Justicia en torno a la aplicacin
del Convenio de Viena sobre Relaciones Consulares. Algunas luces y no pocas
sombras. In: SOROETA LICERAS, Juan (ed.). La eficacia del Derecho
Internacional de los Derechos Humanos: cursos de Derechos Humanos de
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RESUMO
Observatrio
dos
Direitos
Humanos
(ODH)
uma
plataforma
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito do Porto da Universidade Catlica Portuguesa (1990),
Ps-Graduado em Cincias Jurdico-Empresariais pela mesma faculdade (2001), Ps-Graduado em Direitos
Humanos pela Escola de Direito da Universidade do Minho (2008), advogado (1993-2008), mediador de
conflitos (2002-2008) e juiz de paz (2008 at ao presente, no Julgado de Paz do Porto). Participante do
Movimento Humanista desde 1986 e fundador e dirigente do Partido Humanista de 1999 a 2009.
[email protected]
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1. INTRODUO
Observatrio
dos
Direitos
Humanos
(ODH)
uma
plataforma
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Nesse sentido, vale a pena fazer uma breve inventariao dos casos analisados
pelo ODH, nomeadamente quanto temtica em causa, todos eles disponveis no referido
site. Em primeiro lugar, importa referir que a maioria das denncias que chegam a este
referem-se a situaes ocorridas no interior das prises, embora as mesmas nem sempre
configurem exatamente violaes dos direitos humanos e sejam difceis de comprovar.
Por outro lado, a maioria dos casos que foram entendidos como atropelos aos
direitos humanos inscrevem-se no domnio dos chamados direitos econmicos, sociais e
culturais, particularmente quanto ao direito segurana social e ao direito sade. No
obstante, no se pense que as violaes dos direitos humanos em Portugal se restringem ao
campo dos direitos econmicos, sociais e culturais, j que tambm ocorrem na esfera dos
direitos civis (ou dos direitos, liberdades e garantias, para usar a terminologia da nossa
Constituio).
Com efeito, o ODH teve ocasio de relatar violaes do direito de
reclamao/liberdade de expresso 7 (um cidado escreveu uma reclamao numa
Conservatria do Registo Predial e acabou condenado pela prtica de um crime de
difamao, na sequncia de queixa da funcionria visada, ao arrepio da jurisprudncia
6
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dominante no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, onde Portugal tem sido repetidas
vezes condenado por ponderar de forma inapropriada o valor do direito ao bom nome
perante a liberdade de expresso); da liberdade de manifestao 8 (os promotores de uma
manifestao no previamente comunicada nos termos legais foram condenados pela
prtica de um crime de desobedincia); ou do segredo de justia, como instrumento de
proteo do direito ao bom nome e do princpio de presuno de inocncia 9 (uma rusga
casa de habitao de um graduado da Polcia de Segurana Pblica foi acompanhada e
noticiada pela comunicao social).
Como se pode ver, para efeitos da sua atividade, o ODH no faz distino entre
o conceito de direitos humanos e o de direitos fundamentais, considerando pertinentes
todas as normas jurdicas que o Estado portugus est vinculado a observar no que respeita
proteo de uns e outros. Na verdade, trata-se de velar pelo respeito dos valores tutelados
pelas normas que protegem os direitos humanos no plano internacional e os direitos
fundamentais no plano nacional.
Hoje, os direitos humanos no tm uma vigncia universal efetiva, desde logo
porque enfrentam o choque no s do relativismo cultural 10, mas tambm da recente
legislao securitria antiterrorista e anti-imigrao 11, por um lado, e dos efeitos do
Cf.http://www.observatoriodireitoshumanos.net/relatorios/Relatorio_DireitoReuniaoManifestacao.
Cfr. http://www.observatoriodireitoshumanos.net/relatorios/relatorio_r2_out2009.pdf
10
O relativismo cultural nega o universalismo dos direitos humanos e interpreta-os como uma imposio
da cultura ocidental sobre os outros povos. Ainda que se admita que a gnese dos direitos humanos se d no
contexto cultural ocidental e que os mesmos foram recentemente instrumentalizados para efeitos de
intervenes armadas ditas humanitrias ou democratizadoras por parte de potncias ocidentais, o
reconhecimento das realidades culturais diversas no invalida a existncia de uma estrutura humana comum
em devir histrico e em direo convergente (SILO, Obras completas, Vol. I, Madrid, Ediciones
Humanistas, pg. 640), pelo que a universalidade dos direitos humanos depende do seu alinhamento com esse
processo histrico, como se explicita mais abaixo.
11
A legislao especial antiterrorista permitiu criar situaes de exceo aos princpios de direito penal
acolhidos nos prprios tratados internacionais de proteo dos direitos humanos, como acontece com a
proibio da tortura e de tratamentos cruis, degradantes ou desumanos, ou a limitao do tempo de deteno
sem culpa formada, de que a priso norte-americana de Guantnamo um dos exemplos mais marcantes no
contexto cultural ocidental. Por sua vez, os centros de deteno temporria de imigrantes em situao
irregular, onde os mesmos podem permanecer at seis meses a aguardar a concluso do seu processo de
expulso, no caso de alguns pases europeus, desafiam tambm aquelas mesmas normas. O mesmo se diga
das normas que limitam o direito ao reagrupamento familiar a um s cnjuge, ainda que o imigrante em
situao regular esteja validamente casado, luz da lei do seu pas de origem, com mais de uma pessoa,
impondo-se uma interpretao restritiva, conforme conceo crist dominante no ocidente, do direito de
constituio de famlia.
9
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142
12
Os deveres que constituem o correlato dos direitos econmicos, sociais e culturais, cabem normalmente
aos Estados, atravs das chamadas prestaes sociais. A perda de capacidade dos Estados para continuarem a
assegurar o cumprimento desses deveres, potenciada pela recente crise financeira internacional que obrigou
aqueles a intervirem no setor bancrio, pe em causa a universalidade dos direitos humanos, nomeadamente
com a extino, reduo ou privatizao dos servios pblicos respetivos.
13
Conhecendo a funo da imagem (no apenas visual, mas tambm auditiva, olfativa, gustativa e tctil)
e as cargas psicofsicas que a mesma mobiliza, possvel conceber que a violncia chegue a repugnar o ser
humano, j no apenas como mera rejeio moral, mas tambm com as concomitncias fsicas que a sensao
de asco pode produzir.
14
15
O sofrimento induz respostas violentas e estas, por sua vez, causam maior sofrimento a outros.
Cfr. SILO, Apuntes de psicologa, Rosario, Ulrica Ediciones, 2006, pp. 323-325.
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5. A NO-VIOLNCIA ATIVA
Vista deste ponto de vista, a discusso atual sobre os direitos humanos resolvese sempre a favor da no-violncia, como valor universal conhecido em todas as culturas,
sob uma ou outra formulao 18. Assim, restringir os direitos humanos no ser aceitvel se
isso se traduzir em incremento da violncia fsica, econmica, racial, religiosa, sexual ou
psicolgica sobre o ser humano concreto, dado que constituir uma forma de involuo.
Nada obriga a uma cristalizao da formulao atual dos direitos humanos,
tanto mais que a mesma fica aqum daquilo que a humanidade aspira e merece neste
momento histrico 19. Porm, evidente que o respeito escrupuloso das normas respetivas
teria como resultado um grande e efetivo avano na direo mencionada.
16
s vezes adiantei-me a factos que depois aconteceram. s vezes captei um pensamento longnquo. s
vezes descrevi lugares que nunca visitei. s vezes relatei com exatido o que aconteceu na minha ausncia.
s vezes uma alegria imensa surpreendeu-me. s vezes uma compreenso total invadiu-me. s vezes uma
comunho perfeita com tudo extasiou-me. s vezes rompi os meus devaneios e vi a realidade de um modo
novo. s vezes reconheci como se visse novamente algo que via pela primeira vez.
... E tudo isso deu-me que pensar.
Dou-me bem conta que, sem essas experincias, no podia ter sado do sem-sentido (SILO. Obras
completas, Vol. I, op.cit., pg. 29).
17
Cfr. ORDEZ, Alicia, El oscurecimiento del ser en occidente, Centro de Estudios del Parque La
Reja, 2010, disponvel na Internet em www.parquelareja.org (consultado em 05/10/2012).
18
A no-violncia tem a sua melhor expresso na regra de ouro da tica, a qual no um exclusivo de
nenhuma cultura, embora esteja sujeita a diferentes formulaes, e que se pode sintetizar na frase trata os
outros como queres ser tratado. A ahimsa de Gandhi, o amor universal de Mo Tzu, o imperativo tico
kantiano, o ubuntu sul-africano, assim como certos mandamentos das grandes religies, so diferentes
tradues da mesma ideia.
19
Na realidade, a formulao atual dos direitos humanos responde problemtica de uma dada poca
histrica, deixando de lado questes como a liberdade de circulao interestadual, por exemplo, que no se
colocava ento, dada a baixa intensidade dos fluxos migratrios.
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BIBLIOGRAFIA
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RESUMO
INTRODUO
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146
A lio de Canotilho elucidativa, segundo este autor o Estado um Estado de direito democrtico.
Este conceito que seguramente um dos conceitos chave da CRP bastante complexo, e as suas duas
componentes ou seja, a componente do estado de direito e a componente do estado democrtico no
podem ser separadas uma da outra. O estado de direito democrtico e s sendo-o que democrtico.Cf.
Jos Joaquim Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, in
Jos Joaquim Gomes CANOTILHO - Direito Constitucional e Teoria da Constituio - 6 ed., Coimbra,
Almedina, 2002, p. 230/231.
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147
Anote-se que o prembulo da Conveno sobre os Direitos da Criana tem em conta que, como
indicado na Declarao dos Direitos da Criana, adotada em 20 de novembro de 1959 pela Assembleia Geral
das Naes Unidas, a criana, por motivos da sua falta de maturidade fsica e intelectual, tem necessidade de
uma proteo e cuidados especiais, nomeadamente de proteo jurdica adequada, tanto antes como depois do
nascimento.
4
Cf. Ronnie Preuss DUARTE - Garantia de Acesso Justia: os direitos processuais fundamentais,
Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.88.
5
Lei Complementar n. 80 de 12 de janeiro de 1994, organiza a Defensoria Pblica da Unio, do Distrito
Federal e dos Territrios e prescreve normas gerais para sua organizao nos Estados e, posteriormente
alterada substancialmente pela Lei Complementar n. 132, de 07 de outubro de 2009, incorpora inovaes
introduzidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004.
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149
Cf. Jos Joaquim Gomes CANOTILHO - Direito Constitucional e Teoria da Constituio, op. cit. p.231.
Cf. Jos Joaquim Gomes CANOTILHO - Direito Constitucional e Teoria da Constituio, op. cit. p.
338
8
Cf. Ronnie Preuss DUARTE - Garantia de Acesso Justia, Coimbra, Coimbra Editora, 2007. p.88.
Cf. Manoel Gonalves FERREIRA FILHO - Direitos Humanos Fundamentais, So Paulo, Saraiva.
2006. p. 49.
9
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150
Esse novo modelo, esclarece Ferreira Filho foi seguido e imitado nas
constituies que pouco mais tarde se editaram na Europa e pelo resto do mundo afora,
chegando ao direito positivo brasileiro com a Constituio de 1934. a primeira das
Constituies Brasileiras que enuncia uma Ordem Econmica e Social, marcando o auge
do surgimento do Estado Social que consagrou direitos sociais de 2 gerao/dimenso. A
finalidade, ento, da nova ordem constitucional brasileira como de resto nos pases que a
adotaram, a de obrigar o Estado a satisfazer as necessidades da coletividade,
compreendendo o direito ao trabalho, a habitao, sade, a educao, ao lazer 10.
Entretanto, no perodo de 1930 a 1945, conhecido no Brasil como a Era
Vargas, em referncia ao presidente Getlio Vargas que governou o Brasil por 15 anos
ininterruptos, tornou-se caracterstico um modelo de Estado autoritrio e corporativista, e
ao mesmo tempo, um Estado voltado criao de polticas sociais, contudo, se consolidou
uma poltica assistencialista e repressiva com negao, sobretudo, aos direitos da infncia e
a juventude, situao que vigorou nas constituies seguintes de 1937; 1946; 1967; 1969
at o advento da promulgao da Constituio Cidad em 1988, dando incio
verdadeiramente a era dos direitos econmicos e sociais, sobretudo com o advento do
Estatuto da Criana e Adolescente, em 1989, um conjunto normativo que d incio a
doutrina da proteo integral de crianas e adolescentes.
Para melhor entender o que vem a ser a doutrina da proteo integral de
crianas, hoje vigente, necessrio ser um breve histrico sobre a doutrina do menor
irregular. Apesar de j abolida tem repercusses deletrias at os dias de hoje. A
indigitada doutrina vigorou no Brasil at a entrada em vigor do Estatuto da Criana e do
Adolescente, no entanto, muitos de seus desdobramentos so ainda marcados por idias e
prticas do passado.
Cf. Manoel Gonalves FERREIRA FILHO - Direitos Humanos Fundamentais, op. cit. p.49
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a primeira meno a direitos da criana` como tais em um texto reconhecido internacionalmente data
de 1924, quando a Assemblia da Liga das Naes aprovou uma resoluo endossando a Declarao dos
Direitos da Criana, promulgada no ano anterior pelo Conselho da organizao no governamental Save the
Children International Union`. Em 1959, a Assembleia Geral das Naes Unidas promulgava a Declarao
dos Direitos da Criana, cujo texto iria impulsionar a elaborao da Conveno, in Steiner, Henry J.; Alston,
Philip, International Human Rights in context: law, politics, morals, Osford, Oxford University Press, 2000,
p. 512; Cf. Flvia PIOVESAN - Temas de Direitos Humanos, 3 ed., So Paulo, Saraiva, 2009, p. 282
12
Irene RIZZINI e Irma RIZZINI - A institucionalizao de Crianas no Brasil. Percurso histrico e
desafios do presente, Rio de Janeiro, ed. PUC Rio, Loyola, 2004, p. 31.
13
Cf. Irene RIZZINI e Irma RIZZINI - A institucionalizao de Crianas no Brasil. Percurso histrico e
desafios do presente, op.cit. p. 66.
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encontrem em situao irregular; II entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos
em lei; [p]argrafo []nico [a]s medidas de carter preventivo aplicam-se a todo menor
de dezoito anos, independentemente de sua situao.
No artigo 2., insere-se uma lista caracterizadora do menor irregular: I
privado de condies essenciais sua subsistncia, sade e instruo obrigatria, ainda que
eventualmente, em razo de: a) falta, ao ou omisso dos pais ou responsvel; b)
manifesta impossibilidade dos pais ou responsvel para prov-las; II vtima de maus
tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsvel; III em perigo moral,
devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrrio aos bons costumes; b)
explorao em atividade contrria aos bons costumes; IV privado de representao ou
assistncia legal, pela falta eventual dos pais ou responsvel; V com desvio de conduta,
em virtude de grave inadaptao familiar ou comunitria; VI autor de infrao penal.
O referido Cdigo de Menores de 1979, no mudou o enfoque sobre os poderes
conferidos s autoridades judicirias e policiais. Com o regime militar em vigor,
governando o pas com uma Constituio criada a partir de Atos Institucionais, que fechou
o Congresso Nacional e cassou os direitos civis e polticos, ganhando amplos poderes
devido a suspenso do habeas-corpus, a vaguesa e impreciso conceitual das
irregularidades que poderiam ser apontadas contra crianas e jovens para leva-los
internao e tratamento obrigatrios.
Esse modelo viria a revelar-se de pouca ou nenhuma efetividade para prevenir
atos infracionais pelos menores em situao irregular ou acolher crianas abandonadas,
vtimas de explorao e maus tratos. Em grande parte a legislao menorista se confundia
com o totalitarismo do regime imposto pelos governos militares com prticas contrrias
Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
O Cdigo de Menores de 1979 e a doutrina do menor irregular, vigoraram
at a entrada em vigor do Estatuto da Criana e Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho
de 1990, com o incio, no Brasil, da era dos novos direitos, a partir da Constituio de
1988. No dizer de Bobbio, enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder
do Estado e, portanto, com o objetivo de limitar o poder , os direitos sociais exigem,
para sua realizao prtica, ou seja, para a passagem da declarao puramente verbal sua
proteo efetiva, precisamente o contrrio, isto , a ampliao dos poderes do Estado 14.
14
Norberto BOBBIO, A Era dos Direitos, trad., Carlos Nelson Coutinho, 10 ed., Rio de Janeiro,
Elsevier/Campus, 2004, p. 67.
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3.
DOUTRINA
DA
PROTEO
INTEGRAL
DE
CRIANAS
ADOLESCENTES
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ser
protegidas
de
qualquer
tratamento
desumano,
violento,
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internao em local determinado para esse fim, por um perodo mximo de trs anos, tendo
em conta a condio de sujeitos de direitos, ter assegurado, nos processos judiciais ou
administrativos, a ampla defesa com os meios e recursos inerentes, o direito de ser ouvido
pelo Juiz e de participar nos atos e na definio da medida de promoo e proteo dos
seus direitos, e sempre assistidos por advogado ou Defensor Pblico, sob pena do processo
ser nulo.
Conforme se percebeu no captulo anterior, a poltica implantada pelo extinto
Cdigo Mello Mattos de 1927, inaugurou a doutrina do direito de menor e o Cdigo de
Menores de 1979, que criou a doutrina do menor irregular, ambos em comum tratavam a
criana e o adolescente como objeto do direito, eram designados por menores, seres
estigmatizados por serem rfos, abandonados, pobres, negros, usurios de drogas, que
causavam problemas para a sociedade, todavia, com a vigente doutrina da proteo
integral, as crianas e adolescentes deixaram de ser tratados e considerados menores.
Conforme Mendes 15, se a pessoa com menos de 18 anos de idade era amparada
pela famlia e de classe social mais elevada certamente era chamada de criana.
Geralmente uma me afirmar que seu filho ou filha uma criana ou adolescente e no
um menor. Para Mendes, existem dois tipos de infncia, uma com suas necessidades
bsicas satisfeitas (crianas e adolescentes) e outra com suas necessidades bsicas total ou
parcialmente insatisfeitas. Esses ultrapassados cdigos de menores pressupem a
existncia de profunda diviso no interior da categoria infncia: de um lado privilegiado,
crianas e adolescentes e, de outro, menores, remetidos ao universo dos excludos da
escola, da famlia, da sade, etc. Como consequncia, essas leis tenderam a consolidar
essas divises, mas foram indispensveis na construo de um anti-paradigma, ou seja, de
como no se deve tratar crianas e adolescentes.
A vigente doutrina da proteo integral de criana, tem fonte por excelncia
na Conveno sobre os Direitos da Criana, que consagrou o interesse superior da criana;
na Constituio Cidad com a responsabilidade da famlia, da sociedade e do Estado pela
proteo integral e pela prioridade absoluta; e no Estatuto da Criana e Adolescente que
reconhece s crianas a qualidade de sujeito de direitos, em contradio com o direito
anterior que as tratava como objeto do direito e, ainda, a vigente doutrina estendeu s
15
Mndez, E.G. - Infncia e Cidadania na Amrica Latina, So Paulo, ed., Hucitec Instituto Airton
Sena, 1998, p. 68.
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Art. 134. A Defensoria Pblica instituio essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a orientao jurdica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5, LXXIV.
1 Lei complementar organizar a Defensoria Pblica da Unio e do Distrito Federal e dos Territrios e
prescrever normas gerais para sua organizao nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe
inicial, mediante concurso pblico de provas e ttulos, assegurada a seus integrantes a garantia da
inamovibilidade e vedado o exerccio da advocacia fora das atribuies institucionais.
2 s Defensorias Pblicas Estaduais so asseguradas autonomia funcional e administrativa e a
iniciativa de sua proposta oramentria dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes oramentrias e
subordinao ao disposto no art. 99, 2.
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membros se substituam uns aos outros, a fim de que a prestao jurdica no seja
interrompida, sem soluo de continuidade, de forma a no deixar as pessoas assistidas
sem a devida assistncia jurdica. E, o princpio da independncia consiste em dotar a
Defensoria Pblica de autonomia perante os demais rgos estatais, na medida em que
seus objetivos institucionais podem ser exercidos inclusive contra o prprio Estado e
demais instituies de direito pblico. Em decorrncia ainda do princpio da
independncia, os seus membros designados Defensores Pblicos ficam subordinados
unicamente hierarquia da prpria instituio, protegidos contra a subordinao
hierarquica dos demais agentes polticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores
de justia e parlamentares 17.
Ento, a Defensoria Pblica do Estado, pode-se dizer que possui uma estrutura
semelhante ao rgo do Ministrio Pblico, com autonomia funcional, administrativa e a
iniciativa para elaborao da proposta oramentria, no caso da Defensoria, est contida no
artigo 97.-A, da Lei Complementar n 80/94.
A administrao superior da Defensoria tem como chefe o Defensor PblicoGeral e o Subdefensor Pblico-Geral, nomeados pelo Governador, dentre os membros
estveis da carreira, maiores de 35 anos de idade, escolhidos em lista trplice pelo voto
secreto dos membros, para mandato de 2 anos, permitida uma reconduo em novo
processo de escolha. Na estrutura administrativa existem, ainda, o Conselho Superior, a
Corregedoria-Geral e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pblica, todos dirigidos por
ocupantes do cargo de Defensor Pblico.
So rgos de execuo os Defensores Pblicos do Estado, cargos ocupados
por bacharis em Direito, selecionados por meio de concurso pblico de provas e ttulos,
de comprovada experincia profissional de pelo menos dois anos de advocacia ou carreira
jurdica.
Para que o ocupante do cargo de Defensor Pblico aja com liberdade na
formao do seu convencimento tcnico-jurdico, sem a interferncia de quem quer que
seja, e isso relevante, porque se trata de um direito fundamental para os assistidos, a Lei
Complementar n. 80/94 dotou o cargo com indispensveis garantias para o exerccio da
funo.
17
Cf. Cleber Francisco ALVES e Marlia Gonalves PIMENTA - Acesso Justia: em preto e branco
Retratos Institucionais da Defensoria Pblica, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004, p.103.
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Ao de Investigao de paternidade;
b)
Ao de Alimentos;
c)
Ao de Adoo;
d)
Ao de Guarda;
e)
Ao de Tutela;
f)
h)
pblica ou agente de pessoa jurdica, conforme artigo 5., inciso XXXV e LXIX da
Constituio; e artigos 298., 212., 2., do Estatuto, e da Lei 1.533/51;
k)
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m)
Juiz da Infncia e da Juventude, cabvel nos casos que se iniciam sem um procedimento
especfico no Estatuto ou na lei processual, no podendo ser utilizado para o fim do
afastamento da criana ou adolescente de sua famlia de origem e em outros procedimentos
necessariamente contenciosos, conforme artigos 101. , 102. , 129. e 153. , pargrafo
nico do Estatuto e artigo 5., incisos LIV e LV da Constituio da Repblica.
n)
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6. CONCLUSO
20
Revista Trimestral de Jurisprudncia / Supremo Tribunal de Justia, vol. 206, n. 1, Braslia, ed.,
Braslia Jurdica, 2008, p. 134 a 161.
21
Cf. Jos Joaquim Gomes CANOTILHO - Direito Constitucional e Teoria da Constituio, op. cit.
p.1402.
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BIBLIOGRAFIA
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, Direitos Humanos fundamentais, So
Paulo, Saraiva, 2006.
Revista Onis Cincia, Braga, V. II, Ano II N 7 Tomo II, maio / agosto 2014 ISSN 2182-598X
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Acesso
em
10/10/2012.
SECRETARIA
DOS
DIREITOS
HUMANOS
DA
PRESIDNCIA
DA
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PIETRO SARNAGLIA 2
[email protected]
RESUMO
Este artigo tem por objetivo fazer uma breve anlise sobre a relao entre os
rgos internacionais FMI e Banco Mundial e os emprstimos efetuados a pases em
desenvolvimento e em que medida tais emprstimos podem intervir na promoo da
democracia e dos direitos humanos nestes pases. Iniciamos com um sucinto
enquadramento histrico para, a seguir, descrever os objetivos destas instituies
financeiras e a natureza dos acordos feitos entre elas e pases subdesenvolvidos que
requerem emprstimos. Por fim, conclumos o trabalho com uma crtica acerca das
condies de concesso de emprstimos impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial e sua
afetao na democracia e na soberania dos pases a quem foram concedidos.
1. INTRODUO
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Nesta altura ainda no havia sido criada a Organizao das Naes Unidas, mas o termo naes unidas
j havia sido utilizado pelo Presidente Roosevelt desde janeiro de 1942. A ONU s passa a existir
oficialmente a partir de 24 de Outubro de 1945 com a assinatura da Carta das Naes Unidas.
5
Bernard CASSEN, Sombra de Washington, artigos publicado na revista Le Monde Diplomatique
Brasil,
disponvel
em
http://www.diplomatique.org.br/print.php?tipo=ac&id
=232&PHPSESSID=099cbc670a7e8a6c998a4f532aaf76c9, acesso em 03.04.2012
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seria responsvel pelo depsito de 1,2 bilho no ratificou o acordo de Bretton Woods o
que elevou a participao dos EUA para 36% e do Reino Unido para 17,1%.
O Fundo Monetrio tinha como funes: assegurar a estabilidade monetria,
funcionando como uma central de cmbio onde se trocava moedas; conceder crdito aos
Estados-Membros a curto prazo e a juros elevados, sendo tal crdito sempre proporcional
sua respectiva cota parte junto ao Fundo; alm de conceder facilidades aos ajustes
econmicos no plano interno atravs de concesso de crdito a fim de promover o
equilbrio das balanas nos Estados.
J o Banco Mundial foi idealizado para desempenhar funo diversa.
Inicialmente nomeado de BIRD, o ento Banco Internacional para Reconstruo e
Desenvolvimento, tinha por objetivo exatamente auxiliar a reconstruo da Europa
arrasada no ps Guerra e promover o desenvolvimento econmico e social em todo o
mundo. Assim sendo, em princpio poderiam ser concedidos emprstimos somente para os
Estados-Membros, entretanto empresas privadas e governos locais poderiam se candidatar
ao recebimento de emprstimos se tivessem o aval e a garantia dos governos centrais.
3. OBJETIVOS
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Nixon decide acabar com a conversibilidade do dlar em ouro. Dois anos mais tarde tal
medida leva a uma flutuao generalizada das moedas, o que retira do FMI sua funo de
controlador do sistema de paridade monetria.
O Banco Mundial gradativamente iniciou uma poltica de financiamentos de
projetos em longo prazo, nomeadamente nas reas de educao, reforma agrria e meio
ambiente, alm de realizar programas para formar recursos humanos e, sobretudo,
aconselhar polticas pblicas, nos pases do terceiro mundo.
J o FMI, privado de desempenhar sua primeira tarefa, concentrou-se na
segunda: o financiamento dos dficits da balana de pagamento e aps da dcada de 80
uniu-se ao Banco Mundial para financiar programas de desenvolvimento e combater a
pobreza 8. Tais programas consistem na reestruturao de economias endividadas por meio
de programas de ajuste.
4. PROGRAMAS DE AJUSTE
Vivian Domnguez UG, A Categoria Pobreza nas Formulaes de Poltica Social do Banco
Mundial,
Revista
de
Sociologia
e
Poltica,
23,
Nov.
2004,
disponvel
em
http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24621.pdf, consultado em 28.05.2012.
9
SEITENFUS, op.cit., p. 198-199.
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Tendo em vista tais efeitos h autores que colocam em cheque a legalidade dos
acordos firmados entre Estados e FMI, nomeadamente nos casos em que o executivo no
submete o contedo da Carta de Intenes aprovao legislativa. A Carta de Intenes
um documento elaborado pelo prprio Estado candidato a realizar emprstimo, no qual
so propostas as medidas de ajustes.
O FMI considera que tais negociaes se tratam juridicamente de atos
unilaterais e no acordos internacionais. Muito embora haja de um lado a proposta de um
Estado (Carta de Intenes) e de outro a deciso do Fundo, este insiste em negar o
encontro de vontades e afirma existir to-somente um seguro fornecido a uma inteno a
realizar determinadas medidas.
Obviamente, tal tese no corresponde com a realidade uma vez que os termos
da Carta no so aprovados at que haja consenso entre as partes. Alm disso, obrigao de
cumprir o estipulado, no s advm da necessidade do Estado como tambm da
prerrogativa do Fundo em responsabilizar os mesmos frente a sua prpria demanda. Assim,
10
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polticos 16. J em 1992, o Banco Mundial recusa emprstimo ao governo chileno alegando
violaes de direitos humanos por parte do presidente Allende.
Afinal, legal que as instituies financeiras adotem parmetros democrticos
e de direitos humanos quando da concesso de emprstimos?
Por um lado, pode-se alegar que vincular emprstimo a condicionantes internas
violaria direitos presentes na Declarao Universal dos Direitos Humanos: a soberania e a
autodeterminao, constantes dos artigos 1(2), 2(4) e 2(7). Conforme dito no tpico 5, os
pases que pedem emprstimos so, em geral, subdesenvolvidos, e quando o fazem, por
estar em situao econmica crtica, no tendo efetivamente escolha entre aceitar ou no as
condies impostas pelas instituies financeiras. A falta de liberdade, no dos governantes
(que, com o emprstimo em mos, correm o risco de desvi-lo da funo de
desenvolvimento nacional), mas dos prprios cidados de no exercer poder sobre as
diretrizes polticas de seu pas, violaria a autodeterminao dos povos e a prpria
democracia.
Mais ainda, o emprstimo condicionado pode ser um obstculo ao direito ao
desenvolvimento. O Banco Mundial, particularmente, tem como objetivo a promoo deste
direito, atravs da concesso de emprstimos para projetos em pases subdesenvolvidos.
No entanto, a condicionante do emprstimo pode ser um obstculo ao desenvolvimento
quando a instituio requer que o Estado, em primeiro lugar, realize reformas democrticas
e de boa governao, para s assim ter acesso aos fundos que garantem o direito em si 17.
Em virtude da dependncia que pases subdesenvolvidos tm em relao ao Banco
Mundial e ao FMI, deixar de conceder emprstimos por razes de cumprimentos de certos
parmetros de direitos humanos (como a democracia) causaria estagnao econmica
nestes pases e consequente abuso de direitos humanos 18. Isto pode acabar resultando num
crculo vicioso: no se concede emprstimos pela falta de respeito democracia e aos
direitos humanos e no se alcana a democracia e os direitos humanos pela falta de
recursos que deveriam provir destes emprstimos.
Por outro lado, as instituies financeiras no podem desconsiderar
completamente questes polticas internas, em especial a ausncia de parmetros
16
Nicholas H. MOLLER, The World Bank: Human Rights, Democracy and Governance, in
Netherlands Quarterly Human Rights, 15, 1997, p. 23.
17
Mark E. WADRZYK, Is it Appropriate for the World Bank to Promote Democratic Standards in a
Borrower Country?, in Wisconsin International Law Journal, 17, 1999, p. 573-574.
18
Halim MORIS, The World Bank and Human Rights: Indispensable Partnership or Mismatched
Alliance?", in ILSA Journal of International & Comparative Law, 4, 1997-1998, p. 188.
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7. CONCLUSO
19
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superviso internacional 20. Ambas instituies so feitas por Estados, membros das Naes
Unidas e comprometidos com a DUDH e diversos outros tratados de direitos humanos;
assim, no se pode separar o Estado-banco do Estado-ONU. Ou seja, o Estado
pertencente a uma organizao que se compromete com a promoo dos direitos humanos
o mesmo Estado que faz parte de instituies financeiras que alegam no estar sob sua
responsabilidade promover tais direitos. inegvel que a necessidade de promover a
democracia, a soberania e a autodeterminao dos povos maior que garantir a quitao de
dvidas com bancos internacionais e o lucro dos mesmos. Resta refletir, assim, sobre as
formas de colocar as instituies financeiras dentro da linha tnue defendida por
Wadrzyk e fazer com que a promoo dos direitos da DUDH entre na agenda tanto do FMI
quanto do Banco Mundial como objetivos de fato, e no meras fachadas.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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177
consultado
em
28.05.2012.
WADRZYK, Mark E., Is it Appropriate for the World Bank to Promote
Democratic Standards in a Borrower Country?, in Wisconsin International Law
Journal, 17, 1999.
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