Etnografia Como Prática e Como Experiência
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Resumo: Este artigo, a partir de alguns usos pouco ortodoxos da etnografia, fora do
campo da antropologia, prope uma discusso sobre a especificidade desse mtodo
de pesquisa, com base em pesquisas e reflexes realizadas sobre o tema no Ncleo
de Antropologia Urbana da USP (NAU). Tomando como ponto de partida uma citao de Lvi-Strauss, repassa alguns autores Goldman, Peirano, DaMatta, FavretSaada, entre outros para estabelecer parmetros na busca de traos que considera
especficos do fazer etnogrfico e assim chega a trs consideraes principais: etnografia como experincia, como prtica e com base numa certa noo de totalidade. O
relato de uma etnografia sobre jovens surdos apresentado para oferecer um suporte
emprico quelas concluses.
Palavras-chave: antropologia urbana, etnografia, NAU, surdos.
Abstract: Considering some less orthodox uses of ethnography, not belonging to the
anthropological field, this article proposes a discussion on the specificities of the ethnographical research method, based on reflections and researches undertaken at the
Urban Anthropology Nucleus (NAU). Taking a Lvi-Strausss quotation as its starting
point, it examines the ideas of authors like Goldman, Peirano, Da Matta, FavretSaada, among others, in order to establish parameters to guide the search for specific
features in the ethnographic mtier. Such a discussion leads to three considerations:
ethnography as experience, as practice, and as based on a certain concept of totality. The report of an ethnography on deaf young people is included in the article as
empirical support to the conclusions.
Keywords: deaf, ethnography, urban anthropology, Urban Anthropology Nucleus
(NAU).
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A coletnea A aventura antropolgica teoria e pesquisa (Cardoso, 1997) levanta e discute alguns
desses desafios.
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Tanto naquele momento como agora, o interesse por moradores da periferia, s que nos anos 1970 e 1980 o objetivo era entender a emergncia de
um novo ator social e suas prticas num contexto sociopoltico; agora, porm,
conforme sugere a noticia que abre este artigo, o alvo o consumidor e o interesse no propriamente pela Antropologia, mas pelo mtodo que comumente
se entende ser sua marca. Esse tipo de utilizao de nossa disciplina, para fins
pragmticos, geralmente no contexto de pesquisas de mercado (mas em alguns casos tambm em ONGs, rgos do Estado, associaes) na maioria das
vezes traz consigo uma srie de mal-entendidos, entre os quais a banalizao
da etnografia como metodologia, estratgia de pesquisa e postura intelectual
(Geertz, 1978) prprias da antropologia. Como se fosse possvel separar o
mtodo do esquema conceitual, o que coloca a questo: qual a especificidade
da etnografia?
Proponho, ento, retomar essa questo a partir da experincia de algumas
pesquisas realizadas no Ncleo de Antropologia Urbana da Universidade de
So Paulo (NAU) que partem do pressuposto de que a cidade, mais do que um
mero cenrio onde transcorre a ao social, o resultado das prticas, intervenes e modificaes impostas pelos mais diferentes atores (poder pblico,
corporaes privadas, associaes, grupos de presso, moradores, visitantes,
equipamentos, rede viria, mobilirio urbano, eventos, etc.) em sua complexa
rede de interaes, trocas e conflitos. Esse resultado, sempre em processo,
constitui, por sua vez, um repertrio de possibilidades que, ou compem o
leque para novos arranjos ou, ao contrrio, surgem como obstculos. Cabe
etnografia captar esse duplo movimento:
[] o que se prope um olhar de perto e de dentro, mas a partir dos arranjos
dos prprios atores sociais, ou seja, das formas por meio das quais eles se avm
para transitar pela cidade, usufruir seus servios, utilizar seus equipamentos, estabelecer encontros e trocas nas mais diferentes esferas religiosidade, trabalho,
lazer, cultura, participao poltica ou associativa etc. Esta estratgia supe um
investimento em ambos os plos da relao: de um lado, sobre os atores sociais,
o grupo e a prtica que esto sendo estudados e, de outro, a paisagem em que
essa prtica se desenvolve, entendida no como mero cenrio, mas parte constitutiva do recorte de anlise. o que caracteriza o enfoque da antropologia urbana, diferenciando-o da abordagem de outras disciplinas e at mesmo de outras
opes no interior da antropologia. (Magnani, 2002, p. 18, grifo meu).
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Trata-se, pois, de indagar sobre a especificidade da etnografia, no apenas para estabelecer um claro contraponto com usos tais com o indicado na
notcia acima, como sua diferenciao no campo das demais cincias sociais e at mesmo no interior das opes da prpria antropologia. O ponto
de partida que no se pode separar etnografia nem das escolhas tericas
no interior da disciplina, nem da particularidade dos objetos de estudos que
impem estratgias de aproximao com a populao estudada e no trato com
os interlocutores.
Merleau-Ponty (1984), por sua vez, no texto De Mauss a Claude LviStrauss, afirma que o emparelhamento da anlise objetiva com o vivido talvez
seja a tarefa mais especfica da antropologia, distinguindo-a de outras cincias
sociais como a cincia econmica e a demografia. E prossegue, tirando uma
consequncia surpreendente:
Claro que no possvel, nem necessrio, que o mesmo homem conhea por
experincia todas as verdades de que fala. Basta que tenha, algumas vezes e bem
longamente, aprendido a deixar-se ensinar por uma outra cultura pois, doravante,
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Silncio!
Fomos a vrias mostras de cinema sobre surdez. A primeira nos dias 11
e 15 de junho de 2002 na biblioteca Alceu Amoroso de Lima no bairro de
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Em geral se imagina que a lngua de sinais um cdigo mimtico, constitudo por um conjunto de gestos
mais ou menos alusivos ao mundo dos objetos e, por conseguinte, inteligvel universalmente. No campo
dos estudos lingusticos, com o trabalho de Stokoe (1960) e sua anlise da American Sign Language
(ASL) que, pela primeira vez, a lngua de sinais deixa de ser vista como pantomima para ser analisada
como uma lngua natural com uma gramtica especfica e com todas as suas partes constitutivas: fonologia, morfologia, sintaxe e semntica. Atualmente, em virtude de novas pesquisas (Klima; Bellugi, 1979;
Liddell, 2003; Liddell; Johnson, 1989; etc.) j no h dvidas por parte dos linguistas sobre o fato de
os surdos possurem a lngua de sinais como lngua natural. Esses estudos tm contribudo significativamente para que inmeros pases desenvolvam polticas de reconhecimento das diferentes lnguas de
sinais. No caso do Brasil, chama-se libras (lngua brasileira de sinais) e foi conhecia com lngua oficial
dos surdos por meio da Lei Federal 10.436, de 24 de abril de 2002, regulamentada pelo Decreto Federal
5.626, de 22 de dezembro de 2005.
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Ganhei a revista Sentidos a incluso social com alto astral, recebi prospecto
e explicaes sobre as vantagens de determinada marca de aparelho telefnico
para surdos, conversei um pouco com Cludia Sofia, encontrei uma participante
do nosso grupo de pesquisa (Lia) e entrei nas filas das barraquinhas de bebidas,
sanduches, etc. para comprar tquetes. J na rua, indo embora, ganhei um folheto intitulado Por que eu, de uma igreja evanglica, com consideraes a essa
pergunta, dirigida a diversas pessoas com doenas graves e defeitos fsicos. A
resposta, no folheto, consistia em reconhecer os prprios pecados e esperar a
graa de Deus para suportar a dor e o sofrimento. Nada mais distante do que o
clima reinante na festa a que acabava de assistir
As outras duas festas observadas ocorreram, respectivamente na Derdic (Vila
Clementino) e na EMEE Helen Keller (Aclimao). A primeira, cujo ingresso
era mais barato, um real, foi no dia 22/06/2002, na rua Dra. Neyde Aparecida
Sollito, no 435. Apesar de ter chegado, com Valria, j quase no fim da festa
ainda consegui comprar uma latinha de cerveja, para entrar no clima e poder
circular vontade. De novo, l estava Lia que nos apresentou a algumas pessoas
importantes do meio. No deu para avaliar a animao dessa festa, mas os grupos remanescentes manifestavam o mesmo padro de intensidade de comunicao entre si; tambm era mais visvel presena de familiares acompanhando os
alunos; numa das dependncias da escola, contgua quadra, estava ocorrendo
um bingo.
Na escola Hellen Keller, rua Pedra Azul, no 314, a festa foi no dia 29 de junho e
o ingresso tambm de R$ 1,00. Carin, Danilo e Csar tambm estavam presentes. Como no Instituto Santa Teresinha, havia muita gente, muita animao e a
circulao era intensa. Na quadra poliesportiva rolava uma partida de futebol e
pude apreciar a j comentada disposio fsica e envolvimento dos surdos com
o esporte. Uma brincadeira comum em festas juninas, que consiste em prender
algum numa cadeia da qual s se sai mediante algum tipo de pagamento, era
feita com, digamos, muito entusiasmo e vigor fsico. Numa sala ao lado, j
nas dependncias da escola, havia computadores com documentrios relativos
a personagens importantes na histria dos surdos, suas conquistas, e um vdeo
com noticirio feito por e para surdos, produzido na prpria escola.
Solenemente ignorado!
O trabalho de campo nessas quatro festas juninas, que permitiram o
primeiro contato com os surdos, em um ambiente privilegiado de lazer e
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instrumento de comunicao, a lngua de sinais? Qual o grau de universalidade que apresentam e de que forma absorvem traos, marcas, expresses
ligados a crculos de socializao especficos?
Tais indagaes, evidentemente, so mais gerais e transcendem a etnografia nos espaos de lazer: apontam para questes de fundo e requerem uma
reflexo mais terica, multidisciplinar e outros recortes de pesquisa de campo.
O que, sim, o plano emprico da observao mostrou foi a existncia tanto de
um ncleo politicamente consistente, formado pelos surdos que se comunicam pela lngua de sinais e que se colocam como referncia e interlocutores,
por exemplo, de polticas pblicas como de surdos que se aglutinam com
base em outros vnculos, do tipo religioso, ou de lazer. preciso identificar,
observar, descrever e analisar as relaes, passagens, conflitos e trocas entre
esses diferentes polos de aglutinao
Para tanto a questo da cidade crucial, em termos estratgicos. Os graus
de uso, a formas de mobilidade, a multiplicidade de pontos de encontro, as
oportunidades de trabalho, estudo, etc. oferecidas pelas diversas escalas urbanas que vo determinar um maior ou menor campo de trocas, permitindo
construir, fortalecer e exibir marcas de identidades que se legitimam na medida em que so assumidas pelos de dentro e exibidas para os de fora.
preciso, pois, identificar os pedaos, os circuitos, os trajetos8 que constituem
diversas modulaes ou gradaes do espao pblico onde se pode perceber
a construo de mltiplas identidades em contraste com o confinamento do
espao privado, que dificilmente consegue fazer a passagem do estigma, negativo, para a marca de pertencimento, positiva.
Concluso
Foi a partir dessas primeiras experincias que a equipe do NAU voltada
para a pesquisa com os surdos teve acesso a outros espaos de encontro e socializao, como os cultos religiosos, congressos, encontros e apresentaes
teatrais. Em cada um desses contextos, novas pistas foram surgindo, colocando outras questes que no cabe detalhar aqui. As impresses etnogrficas a
E que se abrem para alm dos limites de uma cidade, instaurando redes e fluxos mais amplos.
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partir das primeiras incurses nesse terreno abriram, como se ver a seguir,
um campo novo, desafiador.
Assim, a partir desses relatos, parciais, que reportam de maneira episdica algumas situaes de campo, possvel retomar as reflexes feitas no inicio
do artigo: em primeiro lugar, a experincia etnogrfica, em duas circunstncias diferentes: como primeira impresso, em contato com um tema e campo
completamente desconhecidos e, em seguida, como experincia reveladora,
com a pesquisa j em andamento.
Ilustra o primeiro caso o encontro com Cludia Sofia Indalcio Pereira,
surdocega, na festa da Adefav, citada mais acima. Chamou a ateno a forma
por meio da qual ela se comunicava com outro surdocego, um sistema denominado libras ttil: trata-se de uma modalidade em que a configurao das
mos na produo dos sinais no , evidentemente, vista, mas sentida pelo
contato fsico, numa espcie de bal a quatro mos.
Pedimos, ento, a uma diretora da instituio para entrar em contato com
ela. A modalidade de comunicao utilizada pela jovem surdocega em interlocuo com ouvintes-falantes, porm, era outra, mais surpreendente ainda:
chama-se tadoma: a pessoa surdocega decodifica a fala de seu interlocutor
colocando a mo no rosto de quem fala de forma que o polegar toque, suavemente, a fissura dos lbios para acompanhar seus movimentos enquanto
os outros dedos sentem a vibrao das cordas vocais passando pela garganta.
Essa jovem com quem conversamos na ocasio uma das poucas pessoas
surdocegas que se comunica, no Brasil, por meio desse mtodo.9
Cludia Sofia contou que quando tinha seis anos ficou surda (portanto j
tinha adquirido a performance do portugus, na modalidade oral, como lngua
materna) e passou se comunicar por meio de leitura labial. Mais tarde, por
volta dos dezesseis anos, tornou-se tambm cega, o que a impediu de se comunicar, pois no conhecia nenhum outro meio para a recepo de informao.
Certo dia ela tocou com seus dedos a proximidade dos lbios de seu interlocutor, pedindo para que falasse normalmente com ela. A partir daquele momento
Cludia Sofia passou a desenvolver a percepo do que era dito pelos outros,
no pelo som, mas pela vibrao sentida na ponta dos dedos, desenvolvendo,
Essa denominao deriva do nome de duas crianas surdas, Winthrop Tad Chapman e Oma Simpson,
alunos treinados nesse sistema pela professora Sophia Kindrick Alcorn nos anos 1920, na Kentucky
School for the Deaf, em Danville, Kentucky (EUA).
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Essas e outras informaes sobre as festas aqui referidas esto mais desenvolvidas no captulo As festas
juninas no calendrio de lazer de jovens de jovens surdos na cidade de So Paulo, em Magnani; Assis
Silva; Teixeira (2008).
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Teresinha a experincia de imerso foi epifnica, aqui teve um tom de desalento. Mas foi altamente reveladora: abriu outros horizontes.
J a prtica etnogrfica planejada, continuada, com cronograma traria outras evidncias ao longo da pesquisa: primeiro, a descoberta da lngua
de sinais como lngua natural e dotada de gramtica contrariamente idia
do senso comum que a considera mimtica, e portanto, universal; em seguida,
perceb-la como sinal diacrtico do ncleo duro de um movimento surdo,
constitudo por surdos escolarizados, militantes em prol de direitos especficos, proficientes na lngua de sinais que a tomam e exibem como elemento
diferenciador. Em vez de uma minoria marcada pela deficincia, consideravam-se membros (e representantes legtimos) de uma minoria lingustica,
portadores de uma cultura surda e at de um orgulho surdo. Se num primeiro momento eles constituram nossos interlocutores privilegiados e introdutores a um mundo cujos horizontes nos eram at ento desconhecidos, aos
poucos a prtica etnogrfica permitiu (a despeito deles) ampliar esse mundo
com outros atores, at ento despercebidos ou desprestigiados: os surdos oralizados que valorizam a fala como estratgia de incluso; os surdos pouco
proficientes em libras, os que utilizam a leitura labial, os que usam aparelhos
ou com implante coclear,11 os surdos de condio social e econmica mais
baixa, cujo espao de sociabilidade e aprendizado so as igrejas evanglicas,
os intrpretes de lnguas de sinais esses e outros personagens que iam aparecendo tambm tinham seu lugar e faziam parte do mundo surdo, entendido
no sentido que Howard Becker d a esse termo(Becker, 1982; Becker; Pessin,
2006).12 Agora, sim, estava-se diante de uma totalidade mais ampla, capaz de
abrigar matizes, comportamentos, valores, etc. que, da perspectiva dos nossos
primeiros informantes, os surdos politizados, deviam ficar de fora pois eram
irrelevantes, seno falsos, equivocados.
Como foi dito no comeo do artigo, essa totalidade no constitui um
recorte emprico, mais um pressuposto, uma condio da pesquisa, mas pode
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Implante coclear um dispositivo eletrnico composto por duas partes uma interna, cirurgicamente
implantada e outra parte usada externamente ao corpo que busca desempenhar a funo das clulas
ciliadas, fornecendo a estimulao eltrica s clulas ganglionares espirais remanescentes no nervo auditivo da cclea.
Ver tambm Vilhena (1990).
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Entre muitas outras, como cultura surda, orgulho surdo, minoria lingustica, comunidade surda,
etc., amplamente usadas tanto por integrantes do movimento surdo como por autores dos chamados estudos surdos esse termo, segundo Skliar (2001), abarcaria apenas estudos na rea de educao sobre a
temtica da surdez, mas possvel estender sua abrangncia para reas como lingustica, psicologia, fonoaudiologia, computao e outras. Algumas expresses consideradas estigmatizantes em certos meios,
como surdo-mudo e deficiente auditivo tambm fazem parte do mundo surdo, em determinadas
circunstncias. Deficiente auditivo, por exemplo, utilizada em contextos em que conveniente aliarse a outros segmentos de portadores de necessidades especiais para obteno de objetivos comuns no
campo das polticas pblicas.
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constitudo por uma srie mais diversificada de atores sociais, prticas, regulamentos, associaes, equipamentos, agncias, etc. Estruturado em circuitos, cortado por trajetos, repartido em pedaos, separado por prticos, tal o
mundo surdo, complexo e diferenciado, muito distante da viso que circula no
mbito do senso comum, mesmo se obtida com o recurso de alguma espcie
de estgio
Para captar essa dinmica, contudo, preciso situar o foco nem to de
perto que se confunda com a perspectiva particularista de cada usurio e nem
to de longe a ponto de distinguir um recorte abrangente, mas indecifrvel
e desprovido de sentido. Em suma, se o olhar de perto e de dentro permite captar sutilezas e distines (Geertz, 1978, p. 35) por meio das diferentes
formas de experincias etnogrficas, preciso que um olhar mais distanciado,
ao longo da prtica etnogrfica, complemente a anlise, de modo que aqueles
conhecimentos descontnuos de que falava Lvi-Strauss, que ainda no formam um todo, possam prender-se a um conjunto orgnico, adquirindo um
sentido que lhes faltava anteriormente (Lvi-Strauss, 1991, p. 415-416).
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